Ano I | n°1 | Julho 2012 Orientação Ricardo Barreto Redação Alexandre Lunelli e Camila Collato Edição Alexandre Lunelli e Camila Collato Diagramação Alexandre Lunelli e Camila Collato Foto de capa Cânion Itaimbezinho - Camila Collato Fotos de sumário Conjunto de cânions Índios Coroados, Molha Coco e Malacara- Suzana da Luz Colaboradores desta edição Felipe Fischmann Luíza Fregapani Gabriel Niestche Daniel Carvalho Fotografia Camila Collato Campos Floridos - Divulgação Cley Everton Felipe Fischmann Gabriel Nietsche Guto Fregapani Liane Castilhos Marcelo Maestrelli Marcos Gonçalves Milton Brigolini Neme
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Natália Brasil Pequena Notável Radamés Manosso Rodrigo Allgayer Ronald Peret Sérgio Mourão Tadeu Pereira Arte Alexandre Lunelli Philipi Schneider Agradecimentos Uai Trip Tiradentes Nativos dos Canyons Hostel Sérgio Lopes Célio César Mol República Sussego de Ouro Preto - MG Aos leitores e amigos que contribuíram com fotos e depoimentos Apoio Universidade Federal de Santa Catarina Curso de Jornalismo - UFSC Impressão Gráfica PrintStudio - Florianópolis Fechamento desta edição: 27/06/2012 Contato rastrosrevista@gmail.com www.facebook.com.br/revistarastros RASTROS - JULHO 2012
Carta ao leitor
A primeira edição de uma revista é sempre um desafio. Não sabemos como será a recepção dos leitores, não sabemos se nosso objetivo de despertar a vontade - e curiosidade - de cair na estrada será alcançado. E, justamente por isso, é que o primeiro número de uma publicação é tão instigante, tanto em seu processo de criação como quando nos chega às mãos. Nunca sabemos ao certo o qe esperar antes de folhearmos as primeiras páginas. Este projeto, Rastros, veio ao encontro de vários anseios. O principal, quem sabe, seja reunir ou ao menos vislumbrar todas aquelas sensações que, há tempos, são descritas nos livros, filmes e relatos. Quem nunca ficou impressionado ao ler Na natureza selvagem, os contos com as façanhas de Hemingway, ou ao ver documentários como Tocando o vazio? Quem não se impressiona ao ver notícias como a de um senhor australiano de 95 anos que decidiu pegar a estrada com sua mochila após a morte de sua esposa? Viajar, será algo tão banal ou uma ferramenta capaz de provocar uma profunda mudança no ser e estar no mundo? É isso que queremos que o leitor descubra e vivencie. Para este primeiro número, reunimos o básico para um bom começo: dicas de saúde, preparo e suporte para e durante as viagens, escolha de mochilas, uma dose de literatura para inspirar, toques de fotografia para não se perder um registro sequer dos momentos especiais, e relatos de verdadeiras aventuras para inspirar. Tudo isso reunido em roteiros próximos ao leitor, brandos com os bolsos, buscando o maior envolvimento possível com as comunidades, mas sem abrir mão do conforto e praticidade. Nosso encarte especial surgiu de um discussão que a cada ano ganha mais impulso, principalmente aqui em Florianópolis: mobilidade. Será que a busca por novas formas de locomoção se restringe apenas ao ambiente urbano? E por que não viajarmos de trem, de bicicleta ou usarmos um pouco nossas pernas? Para quem quiser encarar o desafio, oferecemos os primeiros passos. Uma boa leitura
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CARTAS
MAIS CURTIDAS Todo mês você escolhe as melhores fotos e comentários da nossa página. As mais curtidas você confere aqui!
Adorei a proposta da revista e espero encontrar dicas pra mochilões em lugares que saiam do senso comum, que traga também maneiras diferentes de viajar, tipo bicicleta e trem, e tudo com dicas para os bolsos mais humildes como o meu haha não desista do projeto, conto com ele! Sucesso!
Verônica Lemus Orellana 24 anos, Florianópolis- SC facebook.com/ veronicalemus42
Ibus dolori doluptaspiet ipiciae. Ut perrum inis dicab isqui nihillenti derumendis venihillitis ducia ellia volorer fernatur mo il experum as dipieni hitemperume placiiscimi, simolum con et, quam sin re lat aute core volores unt invellam conseque ni apeles res aut ium ra quis voluptas dit labo. Nam autatur, con cum verum quia illendipsam facero quatiorenem alis mo quidi utate officte cturissus,
Nome do Cidadão XX anos, Cidade - UF facebook.com/fulano
Subindo devagar, demoramos quase quatro horas para chegar ao topo do vulcão Villarica, que tem cerca de 2.800 m de altitude. Para quem não tem preparação física, a subida é cansativa. Mas o trajeto compensa: o vulcão fica o ano inteiro coberto de neve e, lá em cima, podemos chegar perto da cratera, além de ver a paisagem, o que fez valer todo o esforço.
Anna Elizabeth Martins Alves 29 anos, Belém - PA facebook.com/bethmalves
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Minha visita ao Grand Canyon foi realizada durante uma legítima road trip pelos estados de Utah, Arizona, Nevada, nos Estados Unidos. Outros destinos visitados e que recomendo! - além dessas rochas incríveis e coloridas são a clássica Rota 66, as Montanhas Rochosas e, para finalizar, uma passada em Las Vegas pra curtir a noite.
Mackeila Goulart 24 anos, Florianópolis - SC facebook.com/ mackgoulart
Veja todas as fotos Se você enviou sua foto, mas ela não apareceu por aqui, instale o software para leitura de QR Codes no seu celular e fotografe o código. Você terá acesso às demais imagens enviadas pelos nossos leitores. www.facebook.com/revistarastros www.rastrosrevista.wordpress.com
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Sumário SUPLEMENTO ESPECIAL MG/PR / 24 PGS.
SEÇÕES
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CONSUMO Cinco opções especiais de mochila
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COORDENADAS Saiba o que não pode faltar na viagem
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FOTO+ Aprenda a capturar o mundo 6
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8 ENTREVISTA 12 SAÚDE DE AVENTURA 14 LITERATURA E VIAGEM
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DESTINOS Paisagens ancestrais nos cânions de Praia Grande
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Os cinco melhores picos de escalada de Floripa
Uma aventura na bike, da Ilha até Buenos Aires
NO PONTO
DIÁRIO
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Foto: Natália Brasil
ENTREVISTA
Embaixadora da hospitalidade
Natália Brasil nasceu em Florianópolis, tem 29 anos, é designer gráfica, fotógrafa e louca por viagens. É embaixadora da cidade de Florianópolis pela rede Couchsurfing, uma organização global de hospitalidade à viajantes. Ela conta como a rede se organiza, aponta formas de utilização e maneiras de lidar com as diferenças culturais
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RASTROS - Como você conheceu e começou a participar da rede Couchsurfing (CS)? Natália Brasil - Foi de 2008 para 2009, quando um amigo me explicou o que era, e achou que seria bom para mim, pois eu era muito tímida na época. No início, eu achava que era só um serviço de hospedagem. Não tinha noção que realizavam encontros na sua própria cidade e nas cidades para onde você viaja. Aí eu entrei no site, fiz meu cadastro e, na mesma semana, tinha um encontro aqui em Florianópolis, no CIC. Eu fui e comecei a postar na página do grupo – eu não sabia se qualquer um podia postar, depois eu vi que sim. Na época eu ainda morava com meus pais, então não podia hospedar pessoas na minha casa. Logo eu pensei “Ah, ninguém vai mandar mensagens para mim então” porque eu estava com meu perfil só na opção coffee or drink. Mas não! Eu recebi várias mensagens, conheci muitas pessoas e, dessa maneira, eu consegui dois couchs para a viagem que realizei para Londres e Pádova. R - Como foi o processo até você virar embaixadora do CS? Quais foram os requisitos?
NB- Eu entrei no Couchsurfing e fiquei super empolgada. Realizava encontros e postava muito no grupo. Até então, o atual embaixador estava estudando para ser diplomata e andava meio afastado das atividades. As pessoas começaram a falar “Você deveria ser embaixadora” e eu acabei conversando com ele. Ele concordou, porque estava querendo sair. Abriram as inscrições para se candidatar - é só um dia de inscrição - e você preenchia uma ficha com vários critérios como, por exemplo, ter três meses de CS, ficar on-line diaria-
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“Para mim o mais legal é a conexão que você faz com as pessoas. Sabe,a minha casa não é um hotel. Não hospedo nenhuma pessoa só de uma noite para outra, no mínimo, escolho de dois dias para mais - na maioria, cinco” que você faz com as pessoas. Eu conheço pouca gente que conseguiu o mesmo envolvimento que eu. Sabe, a minha casa não é um hotel. Eu não hospedo nenhuma pessoa só de uma noite para outra, no mínimo, escolho de dois dias para mais na maioria das vezes, cinco. Eu quero ter essa troca de cultura, quero saber o que a pessoa acha de, sei lá, “Como é para você comer o pão cortado ao meio” essas coisas que parecem meio idiotas, entende? Uma vez hospedei uma japonesa lá em casa que era apaixonada por coxinha e, quando ela ficou sabendo que meu irmão sabia fazer, ela disse: “Meu deus! Você tem que me ensinar, por favor!”. Quando eu cheguei em casa do trabalho, tinham umas 30 coxinhas fritas na cozinha, porque ela estava lá fissurada cozinhando com ele. E, em contrapartida, ela me contou coisas da cultura dela, que eu nem sabia como, por exemplo, que eles tomam banho todos juntos na mesma banheira, com a mesma água. Eu nem fazia ideia! Para mim, isso é o legal. E, quando você viaja, às vezes nem é a hospedagem que conta. Claro, é muito legal, mas através desses encontros casuais (quem opta no perfil pelo coffee or drink) você pode conhecer outras pessoas e chamar elas para sair e elas te mostram lugares que, provavelmente, você não conheceria se estivesse Foto: CouchSurfing Florianópolis
mente, ter no mínimo dez experiências de hospedagem e de ser hospedado, ter mais de 10 referências positivas no site, falar inglês, ter realizado mais de dez encontros com mais de dez pessoas confirmadas, entre outras coisas. Eu tinha todos os critérios, mandei minha ficha e um mês depois eles entraram em contato comigo dizendo que tinha sido aprovada nesta primeira etapa. Depois disso eu comecei um estágio on-line com uma outra embaixadora, onde eu tive que responder mais de cem perguntas sobre o CS e ela fez entrevistas com as pessoas da minha lista de contatos sem eu saber quem eram. A partir de outubro de 2011, o pessoal do CS começou a investigar as pessoas ativas que possuem esses critérios e eles próprios começaram a convidar, porque a idéia não é mais ter só um ou dois embaixadores por cidade, mas no mínimo cinco ou seis para ajudar a comunidade a crescer. R - Há uma base do CS no Brasil? Como vocês se organizam? NB - Não, não há base fixa. Cada grupo se organiza de maneira autônoma. Ás vezes rolam as chamadas “invasões”, quando um grupo com mais de cinco pessoas de uma mesma cidade combina de ir para algum lugar em comum e avisa no grupo on-line “invasão da cidade X na cidade Y”. Teve uma no carnaval deste ano aqui em Florianópolis. Veio uma galera de fora que realizou encontros. É ótimo, não só para conhecer gente de outros lugares, mas da sua própria cidade. Eu mesma aumentei muito minha rede de amigos dessa maneira. R - Para você, qual é a principal vantagem para o viajante que usa o CS? NB - Para mim o mais legal é a conexão
CS promove passeios como este hiking na Lagoinha do Leste... RASTROS - JULHO 2012
sozinho... R - ...Na verdade as pessoas devem mostrar muito mais os lugares onde elas vão diariamente, onde elas realmente “vivem” o lugar, fugindo dos pontos turísticos óbvios. NB - Porque também o pessoal do CS têm o grande diferencial de querer conhecer as coisas de uma maneira diferente. Não só de ir pra Paris para conhecer a Torre Eiffel, mas ir para Paris para conhecer um restaurante que fica mais afastado da cidade ou uma livraria, um café, coisas assim. Vai bem além. R - Você tem uma noção de quantas pessoas, em média, você já hospedou na sua casa? NB - Acho que umas 20. É pouco, tem gente que hospeda muito mais. Eu conheci o embaixador da Alemanha (existem os embaixadores dos países também) e, em um ano, ele hospedou gente em casa praticamente todos os dias. Isso para mim já é um pouco demais, porque eu tenho essa filosofia de conhecer a pessoa que está na minha casa. Mas tem muita gente, que tem como princípio, só querer ajudar. Algo do tipo a pessoa dá a chave de sua casa para quem está hospedado e vai trabalhar loucamente e nem vê direito o outro. R - E você já teve algum tipo de problema ao hospedar alguém? NB - Não, nunca tive. Mas também é porque eu tenho o critério alto (risos). Assim como tive critérios para ser embaixadora, tenho muitos para poder hospedar alguém. Eu olho bem o perfil da pessoa no CS e a mensagem tem que ser muito boa, não só três ou quatro linhas. Quem solicita a hospedagem tem que demonstrar que leu o meu perfil. Por exemplo, uma vez hospedei um francês por dez dias na minha casa, que nem foto no perfil tinha direito. Mas a mensagem que ele me mandou foi gigante, super legal! Ele contou que era apaixonado pelo Brasil e
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ENTREVISTA me enviou a mensagem no mesmo dia em que se cadastrou no CS. E nem era pedido para hospedagem, eu mesma acabei oferecendo minha casa de tão legal que ele era. Hoje em dia ele me chama de “mana” e eu hospedei ele mais duas vezes, e eu também já fui na casa dele. Criar laços, gosto disso. R - Muitas pessoas ficam com medo de hospedar outros na sua casa por questões de segurança. Como são os riscos? NB - Bom, eu sou da filosofia “minha casa, minhas regras”. Se eu quiser dar a chave, eu dou. Se eu não quiser, não dou. Se o visitante quiser acordar as 10h da manhã
ou as 8, ele tem que entender que estar na casa de alguém é se moldar aos costumes da pessoa que te hospeda. R - E você, já passou por alguma situação desconfortável na casa de alguém? NB- Não, nenhuma. Aconteceram algumas coisas, mas não quando estava sendo hospedada. Mas, por exemplo, quando eu estava na França, eu tive que sair da casa do cara as 8h da manhã, porque ele não quis dar a chave. E eu só poderia voltar depois das cinco da tarde, que era quando ele voltava. Mas depois a gente acabou conquistando ele, levamos ele para sair direto e depois foi bem legal. R - Você acha que o pessoal utiliza bastante a rede CS no Brasil? NB - Eu acho que sim, aqui em Florianópolis nem tanto. Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte são núcleos bem fortes. Mas São Paulo e Rio de
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Janeiro é impressionante: são encontros semanais com mais de cem pessoas! Veja que isso não significa que todo mundo hospeda, mas para crescer sua rede de amizades isso é bem grande. R - E na questão da divulgação do site, quais são as estratégias do CS? NB - É no boca a boca, por recomendação de quem já usou ou referências em outros sites e blogs. Não tem uma política de divulgação e eu acho que nem deveria ter. Porque quando começa a virar uma coisa muito “massa”, as pessoas entram achando que é Facebook, Orkut. Até porque a própria estrutura lembra um pouco disso: você tem um perfil, adiciona outras pessoas, tem depoimentos de referênia e etc. Como embaixadora, uma vez entrei no grupo de Florianópolis para dar boas vindas as pessoas novas. E aí, eu mandava a mensagem de boas vindas e logo eles me adicionavam de volta como se fosse no Orkut. Mas o CS não funciona assim do tipo “ah me deu um oi, vou adicionar”. Você tem que criar uma base de confiança com a pessoa antes de adicionar. R - Então isso caracterizaria o CS muito mais como uma plataforma de serviço do que uma rede social? NB - Não é uma rede social. Eu sou uma das moderadoras do grupo de Florianópolis e sou bem incisiva nessa questão de lembrar o pessoal “ei, isso daqui não é Orkut”! Por exemplo, o pessoal de Curitiba e Porto Alegre recebe muitos viajantes, mas não tanto quanto aqui, porque Floripa é muito mais turística. Então o que aconteceu no grupo deles: eles se tornaram um grupo muito grande de amigos e, às vezes, eles acham que é Orkut e postam coisas do tipo risadinhas, carinhas e piadinhas internas. Algumas vezes eles tentaram fazer isso no grupo de Florianópolis e eu dava esporro neles na hora! “Ei, isso aqui não é Orkut galera, vamos focar no assunto de novo”, escrevia. Como moderadora, eu recebo na hora as mensagens que postam
no grupo então, em um único dia receber mais de cem e-mails para ler só risadinhas... não dá, né? R - Quanto aos dados, você têm uma média da faixa etária das pessoas que estam no CS? NB – De 25 a 35 anos. R - Os fundadores do CS ainda têm alguma influência expressiva sobre a rede? NB - Eles têm. Na verdade muitas coisas estão mudando desde o ano passado. Quando eu recebo mensagens, elas vêm endereçadas pelo Casey Fenton (principal fundador). Eles possuem a base em São Francisco, que é onde o pessoal do CS trabalha, e ele está lá sempre, é bem envolvido com as atividades. R - Você apontou que várias mudanças ocorreram, quais foram as principais até agora? NB - Mudou tudo na verdade. Agora, eles estão lutando para o CS permanecer gratuito, caracterizado como uma organização e não como entidade comercial. Está uma situação bem complicada, já iniciaram algumas manifestações dos membros que alegam que o CS será vendido. Mas eles querem mesmo é manter-se como organização. R - Você considera que o CS possa auxiliar em um turismo que envolva mais os moradores locais, gerando uma movimentação que promova maior desenvolvimento econômico nestas regiões? NB - Acho que não, porque, como eu disse antes, ainda está muito no boca-a-boca. O grupo de Florianópolis chegou só agora a mil membros, é muito pouco! Mas eu acho que o CS ajuda os viajantes a conhecer as cidades próximas. Eu mesma já levei várias pessoas para conhecer a Guarda do Embaú, por exemplo. Teve um amigo meu que hospedou um holandês e nos tornamos amigos. Quando eu fui para Amsterdam, ele vivia em uma cidade próxima e eu fiquei na casa dele. Era uma cidadezinha que eu nunca tinha ouvido falar, mas conheci por causa dele, e era linda! Acho que este tipo de turismo é o “diferente”, porque senão você fica limitado a ir só para as capitais conhecidas. R - E regras básicas de convívio, como são? Há algum tipo de “indicação de conduta” que o CS faz aos viajantes quando se hospedam na casa de outra RASTROS - JULHO 2012
Foto: Natália Brasil
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O que é? O Couchsurfing é uma rede on-line de hospitalidade com sede em São Francisco, EUA. Foi idealizada em 1999 e fundada oficialmente em 2003 por Casey Fenton, Daniel Hoffer, Sebastien Le Tuan e pelo brasileiro Leonardo Bassani da Silveira. O objetivo principal é incentivar as pessoas a explorarem novos lugares e criarem conexões com aqueles que encontram pelo caminho. A ideia acaba indo além da mera hospedagem de viajantes, promovendo a troca de experiências culturais, conhecimento e respeito mútuo. Hoje são 240 países atingidos com cerca de três milhões de perfis cadastrados. O Brasil está em oitavo lugar no ranking de couchsurfistas.
Como participar
Foto: CouchSurfing Florianópolis
Acesse o site www.couchsurfing.org e cadastre-se. Preencha seu perfil com o máximo de informações possíveis, porque isso contribui para que você hospede pessoas que tenham mais coisas em comum com você, além de gerar maior confiança tanto para quem hospeda como para quem é hospedado. Você pode, também, colocar descrições do lugar onde você vive, dos lugares por onde já passou, dar classificações para os couchsurfistas e optar por não hospedar através da opção de status coffee or drink, onde a pessoa se propõe a levar os viajantes para conhecer lugares novos ou apenas sentar, tomar um café e conversar.
...e os CS Meetings, encontros de confraternização entre membros RASTROS - JULHO 2012
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SAÚDE DE AVENTURA
NO PASSO CERTO Mais do que mochilas, cordas e cantis, seu corpo é o equipamento mais importante na hora de botar o pé na estrada. Aprenda aqui a prepará-lo para aproveitar ao máximo sua aventura e evitar apertos nos momentos mais exigentes
Arte: Philipi Schneider
COLUNA
PULMÕES
Mochila Escolha a que melhor se adaptem ao seu corpo. Existem modelos femininos e masculinos com regulagem diferente para a área do quadril, por exemplo. Não leve a cargueira para todo lado. Use, no dia-a-dia, uma mochila de ataque para carregar só os itens mais necessários.
Aclimatação Em viagens para grandes altitudes (acima de 3000 metros) é preciso tempo para os pulmões se adaptarem. Nas alturas a quantidade de oxigênio diminui e, em casos graves, isso pode acarretar reações do organismo como hipoxia (diminuição da concentração de oxigênio nos tecidos), edema pulmonar ou cerebral. A resposta do corpo às novas condições pode levar até oito dias. Cada pessoa responde de uma maneira diferente: algumas têm náuseas, tonturas e outras não sentem nada. O que vale é respeitar e ter consciência de sua condição física. É recomendável subir entre 300 e 500 metros por dia.
Evite a dor nas costas Fortalecimento do abdominal e da musculatura paravertebral (que envolve e sustenta a coluna) são essenciais. Alongue antes de começar a caminhada.
PÉS Meias Sempre boas e secas! Leve sempre o dobro da quantia normal. Use um tecido que consiga absorver, distribuir e evaporar a umidade com eficiência, realizar a regulação térmica rapidamente, anular os pontos de atritos e com ação antibiótica. Use talco para evitar frieiras. Tênis - Não importa marca, nem preço. Escolha o modelo adequado para a prática e suas características, como pisada, quilometragem a ser percorrida (os tênis têm vida útil entre 500 a 800 km), tipo de terreno, peso, altura e tipo de pisada. - Os tênis possuem “memória”. Depois de longo tempo de caminhada eles, tomando o formato do seu pé. Leve dois pares para alternar o uso.
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Unhas Sempre cortadas! Isso evita que elas atritem no calçado e quebrem, causando lesões nos dedos. Alongamento Antes de iniciar a atividade, ou logo ao acordar, alongue os pés puxando os dedos para trás. Isso evita a formação do esporão calcâneo. Uma pomada a base de cânfora e arnica também é uma boa pedida. Absorção de impacto Palmilhas de silicone auxiliam no conforto e estabilidade do pé. Tornozelos Use bandagens elásticas para os tornozelos e dispositivos de estabilização no calçado para evitar torções. Em caso de lesão, o gelo é seu melhor amigo!
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CABEÇA Olhos Para trekking em regiões de muito vento, ou cicloviagens, use óculos de proteção presos à cabeça por um elástico. Para atividades na neve, use óculos escuros.
te em viagens de longa distância e tempo. Viajar em grupo exige perfeita sintonia entre as pessoas. Desentendimentos aumentam os riscos em situações imprevistas.
A influência da psique O fator psicológico influencia muito, especialmen-
Planejamento Pesquise as condições de infraestrutra, clima, doenças endêmicas, fauna e flora do lugar. Sempre avise alguém para onde você está indo. Faça um double check nos seus itens e equipamentos antes de partir.
MÃOS
BRAÇOS
Luvas Para subir uma encosta ou realizar atividades em locais com muitos espinhos, leve um par de luvas de proteção. Pele Quem escala deve levar um bom creme hidratante para evitar rachaduras na pele entre dedos.
Antebraços Para fortalecer a musculatura dessa região, o exercício mais recomendado é a barra. Outros aparelhos podem ser usados para fortalecer dedos e antebraço, como a bola para apertar e o alicate.
HIDRATAÇÃO
ALIMENTAÇÃO
Só água não basta, leve sempre bebidas isotônicas com você.
Repondo energias Se no seu dia-a-dia o exercício físico já queima calorias, imagine em um local ao qual seu corpo ainda se adaptou. Clima e altitude podem ocasionar perda de apetite e indisposição na hora de comer, mas é vital repor o que foi gasto em um longo dia de atividade. Para atividades intensas, é recomendável o uso de suplementos como a glutamina.
SISTEMA IMUNOLÓGICO Prevenção Mantenha as vacinas em dia e observe se a região para onde você está indo possui alguma doença endêmica.
DICA FINAL
Nunca aprendemos com os erros dos outros, só com os nossos! Por isso, nunca comece a “desbravar o mundo” com uma viagem absurdamente grande. Inicie com uma viagem a algum lugar próximo a sua cidade e depois aumente as distâncias e o tempo de duração gradualmente.
Daniel Carvalho Nasceu em Minas Gerais, mas é manezinho de corpo e alma. Com 13 anos comprou a primeira mountain bike e desde então não parou, participando inclusive de competições de triatlo como o Iron Man. Com 16 anos, entre a carreira de policial ou médico, preferiu a última. Formou-se em 2001 na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especializou-se em ortopedia e traumatologia e, em 2006, atuou como médico no exército.
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Visitando lugares descritos por Isabel Allende, Luíza Fregapani narra suas descobertas em Santiago e San Pedro de Atacama
Chile de minha alma A ideia de ir para o Chile partiu de minha prima. Seria uma viagem de aventura para San Pedro de Atacama, um dos desertos mais áridos do mundo. Também planejamos passar dois dias em Santiago. Antes da viagem, resolvi ler o livro Inés da minha alma, de Isabel Allende. O livro narra a história da conquista do Chile, até então uma terra inóspita, isolada pelas cordilheiras e pelos mapuches, indígenas muito selvagens da região. Ler o livro foi uma excelente idéia, pois diversos pontos turísticos fazem alusão à Pedro Valdívia e Inês Suarez, fundadores do Reino do Chile em 1542. E saber a história do local faz com que uma viagem se torne muito mais enriquecedora. Em Santiago, deixamos a mochila no hotel e fomos conhecer os pontos principais da cidade. Eram duas da tarde e o centro estava lotado, apesar de ser sábado. O passeio do dia era a Plaza de Armas, onde se passaram muitas cenas do livro. É uma praça quadrada, com grandes construções ao redor: a catedral, a primeira casa do fundador e o antigo centro administrativo. Dá para perceber que aquele lugar era realmente o centro da vila, no período de sua fundação. Se parece muito com a
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praça central de Lima, no Peru, local de de. No caminho de volta para o hotel, vi onde Valdívia e Inês partiram para con- vendedores, cornetas, pessoas, bandeiras do Chile, chapéus, crianças, mais bandeiquistar o Chile. O livro conta que a catedral foi destruída ras e mais pessoas. Ouvi também barulhos e incendiada pelos mapuches diversas muito altos, vindos de uma aglomeração vezes. Sua arquitetura é impressionante, logo em frente. Olhei para a esquina, com muita influência espanhola e árabe. onde, em um prédio, estava um telão giTanto a catedral como os mosteiros têm gante rodeado de muita gente, cercadas muitos detalhes em madeira, como mo- por uma grade e muitos policiais. Um saicos encaixados no teto e piso. Ela é policial, ou melhor, um dos carabineros, revistou minha bolsa e me uma das maiores em que já endeixou passar. Fui andando trei, mas não é suntuosa. Não é até onde pudesse ver o telão. coberta de ouro, mas senti muito Percebi o jogo da seleção da agonia e sofrimento que se pastinha acabado de começar. sou lá. Resolvi comprar um cartão Havia muita gente enrolada postal para enviar a meus pais. O em bandeiras do Chile, que vendedor pediu que eu o fizesse gritavam “Chi, chi, chi, le, depressa, já que teria jogo da sele, le, viva Chile!”. Achei exleção chilena e ele queria fechar a tremamente divertido, até banca a tempo de assistir. porque, nunca tinha par-Jogo da seleção? Que jogo da seticipado de nada parecido leção? perguntei. Nota-se aqui a minha total ig- Autora: Isabel Allende no Brasil. No dia seguinte, viajamos norância com futebol. Eu sou a Editora: Bertrand para San Pedro de Atatípica brasileira que só assiste a Brasil cama, que é literalmente jogo da seleção brasileira na Copa Edição: 2007 322 páginas um oásis. Observando a cie olhe lá. Preço médio: R$ 45 dade do sítio arqueológico Vi que a Plaza estava esvaziande Pukara de Quitor, a uns do. Isso eram seis e meia da tar-
Inês da minha alma
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Foto: Guto Fregapani
LITERATURA E VIAGEM
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Foto: Guto Fregapani
três quilômetros de distância, percebi que San Pedro era o único espaço verde num raio de 200 quilômetros. No livro de Isabel Allende, Valdívia e Inês partem de Lima, no Peru, para conquistar o Chile. Neste trajeto, eles têm que atravessar o deserto com muitos homens e mais “um número incontável de índios”. A travessia narrada no livro é difícil, com poucos suprimentos, tempestades de areia, calor insuportável durante o dia e frio cortante durante a noite. Outra preocupação eram os animais peçonhentos do deserto, como cobras e escorpiões. Incontáveis homens adoecem e perecem durante a travessia. E logo que chegam aonde fundariam Santiago, ainda tem que lutar contra uma tribo de índios mapuches ferozes. Se o ambiente continua sendo hostil, mesmo com todo o conforto moderno, imagine como foi atravessar aquele deserto há quase 500 anos. Os dois passeios que valem muito a pena e mais me marcaram no Atacama: alugar uma bicicleta e peladar até os sítios arqueológicos ao redor da cidade. Lá é possível encontrar peças de louça, fiapos, e até alguns pequenos ossos dos antigos habitantes. A história conta que o povo que lá vivia foi dominado pelos mapuches, verdadeiros guerreiros e muito violentos. Para este passeio, se você tiver um mínimo preparo físico será melhor, pois a altitude pega mesmo. Mas, se não tiver, cuide na hora de subir os morros mais íngremes – suba devagar, parando para descansar, respirando bem, já que o ar é muito rarefeito – e pedale em ritmo leve. O principal é estar com roupas compridas, para se proteger do sol, usar protetor solar e sempre ter disponível muita, muita água. Quando você alugar as bicicletas, peça o mapa. O segundo passeio é o tour astronômico. O Atacama é um dos melhores observatórios celestes do mundo. Como o ar é extremamente seco e há pouca luz elétrica ao redor, é possível enxergar perfeitamente o céu. No livro, boa parte do trajeto das personagens, no deserto, foi guiado pelas estrelas e constelações. É um verdadeiro espetáculo. Para isso, pega-se um ônibus para um sítio, há uns dez quilômetros de San Pedro. Nunca tinha visto nada tão magnífico. Parecia
Arqueologia e cultura sobre duas rodas
“Por vezes, o menino passsava dois ou três dias mudo, esquivo, sem comer, e quando lhe perguntavam o que tinha, a resposta era sempre a mesma: Há dias alegres e dias tristes. Cada um é dono do seu silêncio” Isabel Allende
que tinham colocado sobre nós todos um tecido azul marinho cravejado de diamantes altamente brilhantes, que faiscavam disputando nossa atenção. Então, com um laser o guia apontou para o céu e começou a desenhar as constelações do zodíaco, para que pudéssemos ver. A mais fácil, aliás, a única fácil de ver o desenho é a constelação de escorpião. As outras, segundo o astrônomo, precisavam de muita imaginação para serem vistas. Depois, ele mostrou várias manchas branco - esverdeadas no céu e disse que eram galáxias. Eu entrei em choque. Como assim galáxias?! Sim, galáxias. Outras galáxias, que fazem parte do mesmo universo. Eu nunca tinha me sentido tão pequena em toda a minha vida. Há outros passeios interessantes em
San Pedro, como visitar o Valle de la luna, um ambiente completamente hostil, sem vegetação alguma. Venta bastante - leve casaco e óculos escuros. Esta região do deserto não se parece em nada com aquelas dunas de areia branca. Na verdade é uma terra escura, quase vermelha, e poeirenta, que gruda na roupa toda. É muito bonito e completamente diferente de tudo que já tinha visto. Na verdade, me lembrou mais os filmes de Marte do que da Lua, provavelmente pela cor. As lagunas altiplânicas são um lugar de tirar o fôlego. São formadas pelo derretimento do gelo dos Andes, em locais de altitude entre 2500 e 3400 metros. Cerca de 50 quilômetros separam San Pedro de suas águas azuis, muito azuis. Para quem quiser conhecer um pouco mais da cultura local, uma visita a cidade de Toconao é bem interessante. Lá, percebi que tudo se aproveita no deserto: o teto da igreja é construído com madeira de cactus e, conheci uma senhora que tricotava ponchos com espinhos de cactus, ao invés de agulhas, e utilizava duros e resistentes tendões de lhamas no lugar de cordas. Os gêisers del tatio são um passeio divertido. Para ir para lá é recomendável sair cedo, então é muito frio. Porém, esquentar as mãos no vapor dos gêiseres é bastante motivador. No local, há uma piscina com água térmica, mas o frio na saída é intenso. Se tiver coragem para um banho, tome cuidado para não sofrer um choque térmico. O café da manhã é feito com o próprio calor do gêiser: chocolate quente, leite e café, com petiscos quentinhos e bolo. Recomendo! Mas se ficou com vontade de tomar banho quente ao ar livre na visita ao gêiser, vá às termas de Puritama, a uns 30 quilômetros ao norte de San Pedro. Com temperaturas que chegam a 30°C, tem várias piscinas para tomar banho. A água é doce e vale um mergulho de olhos abertos: as pedras vulcânicas brilham como ouro. É muito relaxante, e a paisagem é fantástica. E além do que, são águas aquecidas pelos vulcões. Quantos banhos assim você vai tomar na vida? Luíza Fregapani Jornalista, tem 24 anos, nasceu em Campo Grande e mora em Florianópolis . Escolheu a América Latina como ponto de partida para seu projeto de dar a volta ao mundo viajando
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Pedra PRAIA
DE
Santa Catarina é conhecida pelo belo litoral entrecortado por baías de águas azuis e cristalinas. Mas seguindo rumo ao sul, a menos de 40 quilômetros do mar, erguem-se verdejantes cânions escondendo belezas naturais até então desconhecidas pela maioria dos viajantes que passam por ali
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Q
uando você pensa em cânions é impossível não surgir a imagem das rochas vermelhas e do clima árido do Grand Canyon, nos Estados Unidos. Mas não é preciso ir tão longe assim para contemplar a beleza destes gigantes de pedra. Na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul, está um imponente conjunto desses paredões que compõem a principal atração dos Parques de Aparados da Serra e Serra Geral e, diferente do cenário estadunidense, a aridez é substituída por inúmeras cachoeiras, rios e pela rica vegetação que transita entre a mata atlântica e a floresta de araucárias. Muitos turistas desavisados chegam surpresos a Praia Grande: ao ler as indicações na BR 101 pensam que é mais uma das belas praias do litoral catarinense. Mas o nome do lugar deriva dos tropeiros que por ali passavam levando gado e que, ao descer a serra, avistavam verdadeiras praias de rochas nas margens dos rios formadas pelos seixos rolados das paredes dos cânions.
Foto: Liane Castilhos
Impossível não se sentir pequeno frente aos cânions do
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Itaimbezinho, Malacara, Churriado, Índios Coroados e Fortaleza. Na verdade estes não são os únicos da região, mas os mais famosos entre um complexo de mais de 40 reentrâncias que se estendem até o município gaúcho de Cambará do Sul. Estudos geológicos indicam que estas formações datam de cerca de 140 milhões de anos e são resultado de um lento processo de erosão eólica e fluvial. A região é repleta de rios e cascatas, o que confere um ar ainda mais paradisíaco para quem caminha entre as fissuras.
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Fotos: Camila Collato
DESTINOS
As fissuras do cânion do Itaimbezinho abrigam um dos trekkings mais radicais do Brasil
TRILHA DO RIO DO BOI
O Itaimbezinho, cânion mais conhecido e opções de hospedagem, alimentação e inúmeras
com mais infraestrutura para receber os visitantes, tem 5,8 quilômetros de extensão e paredões de até 720 metros de altitude. Nele está um dos melhores trekkings do Brasil, a Trilha do Rio do Boi, Boi que se estende pelo interior da fenda, ao longo de 14 quilômetros junto às margens do rio que obrigam a inúmeras travessias em ziguezague pelo seu leito. Nos dias quentes, as inúmeras cascatas e piscinas naturais de águas verde-esmeralda encantam e refrescam os visitantes. Além disso, é possível percorrer a borda do Itaimbezinho pela Trilha do Vértice onde se tem visão privilegiada das cascatas Véu de Noiva e a das Andorinhas, com 700 metros de queda. A névoa formada pelas gotas de água antes de caírem e, as cores dos pequenos arcosíris criados pelo jogo de água e luz tornam a paisagem ainda mais exuberante. Para um passeio leve, a Trilha do Cotovelo oferece uma leve caminhada até um mirante para observar a imensidão de fissuras verdejantes. Pelo interior do Malacara, as atrações são as piscinas naturais e as paradas para observação da rica fauna e flora local. A caminhada tem cerca de 5 quilômetros em terreno pedregoso, por isso, ande devagar até porque, neste cenário, não há justificativa para ter pressa. No pé do cânion se encontra o refúgio Pedra Afiada, em Vila Rosa, com
atividades de ecoturismo como rapel, arvorismo, tirolesa, bóia cross, passeios de quadricíclo e atividades para crianças como a descida em tobogãs naturais do rio Malacara. O espaço abriga também um centro de aventura e biodiversidade. As lindas cachoeiras da Onça, com o seu Poço Encantado, e dos Macacos, com hidromassagem natural, também são obrigatórias para quem visitar a região. A oeste do Malacara fica o selvagem cânion Churriado, o primeiro a ser avistado por quem chega a Praia Grande pela BR 101. É o que exige mais preparo físico para quem deseja se embrenhar em suas belezas: a trilha tem aproximadamente 10 quilômetros sobre seixos rolados e dura, em média, entre sete e nove horas. Seus paredões com ângulos retos agressivos contrastam com a vegetação rupestre e encostas de declives brandos. Também é possível observar as diferentes tonalidades na coloração das rochas, devido aos diversos derramamentos basálticos. Por ser um dos cânions menos afetados pela erosão dos rios, há poucos trechos de terreno plano e a vegetação é densa, com bromélias, flores diversas e uma enorme variedade de musgos sobre as rochas que formam uma espécie de tapeçaria natural. No caminho há uma grande quantidade de cachoeiras e piscinas naturais transparentes para banho.
Piscinas naturais, quedas d’água. densa fauna e flora povoam o interior destas rachaduras formadas há cerca de 140 milhões de anos
Os moradores locais contam que o nome do Rio do Boi tem origem na grande quantidade de gado que despencava cânion abaixo durante a passagem dos tropeiros por ali.
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Quem sobe a Serra do Faxinal em direção a Cambará do Sul passa pelo cânion Índios Coroados e seu “irmão menor”, o Molha Coco. Para quem prefere caminhadas leves nos terrenos planos dos campos de cima, em apenas meia hora é possível chegar ao mirante natural do Morro dos Cabritos para observar o vale do Rio do Boi, parte do cânion Itaimbezinho e uma enorme cachoeira formada pelas águas que escorrem das escarpas do Índios Coroados. Se quiser conhecer seu interior, a trilha segue pelo leito do rio, em um total de 5 quilômetros percorridos com variação entre seis e oito horas. Se preferir, há também a opção de cavalgadas para observação panorâmica destes cânions, descendo pela Serra do Faxinal e percorrendo comunidades vizinhas de Praia Grande. Antes de seguir viagem para o espetacular Fortaleza é bom checar as condições da estrada, pois pode ser necessário alugar um veículo 4x4. Este cânion é conhecido por ser o maior da região, com pontos de altitude máxima de 1.157 metros e cerca de 7,5 quilômetros de extensão. Não há muita RASTROS - JULHO 2012
infraestrutura de acesso ao interior e são poucos os guias habilitados para percorrer as trilhas internas, sendo mais comum as pessoas caminharem pela borda. Dificuldades a parte, seja pelos campos de cima ou por dentro, quem se aventura em conhecê-lo vai entender o porque do fascínio despertado em quem contempla esta verdadeira escultura geológica. Da Trilha do Mirante vá até o topo do Morro do Fortaleza onde você poderá avistar, em dias de céu claro, o cânion quase em sua totalidade e o litoral de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Você verá que seu nome foi escolhido pela semelhança geográfica das formações com as muralhas medievais. Para avistar a belíssima Cascata do Tigre Preto, com suas quatro quedas que despencam do penhasco totalizando quase mil metros de altura, siga pela trilha de mesmo nome. Boa parte do trecho é feita na água, sobre a cascata, até a Pedra do Segredo, um monolito que fica dentro da cratera do cânion e impressiona pelo seu equilíbrio, pois o bloco rochoso de 5 metros tem uma base de apenas 50 cm.
DICAS - Como na maioria das cidades pequenas, serviços essenciais como bancos, lojas, restaurantes e supermercados ficam concentrados na praça central. Há somente agência do Banco do Brasil em Praia Grande. - Supermercados funcionam até as 19h. Em finais de semana e feriados, até o meio-dia. -Há dois ônibus diários de Praia Grande a Araranguá ou Criciúma (12h e 13h45). A empresa responsável é a União. - Fique atento às condições climáticas antes de ir: a melhor época para ter uma boa visibilidade vai de abril até junho. Levante cedo, pois quando a neblina toma os cânions, ela não se dissipa fácil! Com muita chuva, a Trilha do Rio do Boi e dos poços do Malacara são interditadas.
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Foto: Canyons e Peraus
Foto: Camila Collato
DESTINOS
Malacara e Índios Coroados abraçam os limites da cidade
Aos adeptos das práticas verticais, é possível realizar uma escalaminhada pelo Morro Carasal, no munícipio vizinho de Jacinto Machado (SC). Para quem se aventurar nesta montanha de quase mil metros, a recompensa será uma visão privilegiada das escarpas do cânion Fortaleza, à sua frente, e os vales e planícies que se estendem até o litoral. Durante a trilha, o viajante percorre campos de vegetação dourada e mata nativa. A visão de 360 graus de seu topo é de tirar o fôlego. O acesso pode ser realizado de carro até a comunidade de Engenho Velho mas, até o pé do morro, é necessário pegar uma “carona” de trator – sim, trator! - com os condutores locais. Voltando para Praia Grande, a famosa Pedra Branca, com cerca de 800 metros, é conhecida não só pela beleza cênica, mas também por ser considerada pelos cientistas um sítio de valor geológico e cultural. Durante o percurso surgem vários mirantes de onde é possível ver o encontro dos rios que formam o Rio Canoas, limite natural entre SC e RS. No topo, o visual contempla as escarpas dos Parques de Aparados da Serra e Serra Geral e seus cânions. Este roteiro é de alta dificuldade, porém não exige experiência em escalada.
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MUDANÇA DE HÁBITOS “A gente não enxergava toda essa beleza em
população local que, ao invés de degradar o
volta, para nós era apenas um grotão sem utili-
ambiente, está aprendendo a gerar renda a partir
dade.” Esta era a visão de Aldoir Rosa e demais
dele. “Trabalhei durante anos na agricultura com
habitantes há alguns anos atrás. Com 63 anos
banana e fumo para comercializar, e utilizávamos
ele e sua esposa Neri, 56, dirigem o único alber-
agrotóxicos e adubos químicos. A mudança veio
gue da juventude da cidade e são testemunhas
quando participei de reuniões sobre agricultura
dos moradores que modificaram velhos hábitos
ecológica com uma extensionista da Epagri, a
em favor de uma vida mais engajada com a
Maria Bernadete Perius. Até essa época tivemos
natureza. “Agora a cidade também tem olhos
problema de saúde devido ao uso dos venenos”,
para o turismo e, junto aos parques nacionais,
conta Rosa.
a rede hoteleira, restaurantes e o comércio em geral estão crescendo”, explica. Nesta pequena cidade aos pés da Serra do
Os próprios guias, a partir da Associação Praiagrandense de Condutores de Ecoturismo (APCE), em parceria com a Associação Colonos
Faxinal, a agricultura sempre foi a principal
Agroecológicos do Vale do Mampituba (Ace-
atividade econômica, desde a época de sua
vam) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária
colonização em 1917. As terras férteis em torno
e Extensão Rural de Santa Catarina S.A
do Rio Mampituba propiciaram o desenvolvi-
(Epagri), realizam trabalhos de conscientização
mento dos cultivos de milho e cana-de-açúcar e,
sócio-ambiental nas escolas do município
atualmente, os destaques são a banana, o fumo
e promovem roteiros agroecoturísticos com
e o arroz. As últimas atividades são altamente
os viajantes que chegam à cidade. Além da
poluentes, pois utilizam grande quantidade de
preservação, a iniciativa auxilia a enfrentar a
água e agrotóxicos, além de comprometer a
contaminação dos solos e assoreamento dos
saúde dos agricultores.
rios pelo uso de agrotóxicos nas lavouras, a
Hoje o ecoturismo e o cultivo de alimentos orgânicos oferecem uma alternativa para a
descapitalização do agricultor familiar e o êxodo rural.
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Foto: Liane Castilhos
Disputa: A comunidade de São Roque, onde inicia a trilha, é o primeiro reduto quilombola reconhecido em Santa Catarina pela Fundação Cultural Palmares - vinculada ao Ministério da Cultura. Ali, cerca de 26 famílias de origem africana vivem do plantio e pecuária de subsistência. Atualmente, a demarcação de terras dos Parques de Aparados da Serra e da Serra Geral, além do agronegócio que espreita a região dos campos, é a principal fonte de conflitos com a comunidade. Uma parada para conversar com os moradores locais é ótima oportunidade para o questionamento das limitações e implicações dos modelos de conservação ambiental vigentes.
Caminhadas em terreno íngreme onde são utilizados equipamentos de suporte como cordas
Salto para o vazio para os destemidos, a Pedra Branca é ideal para a prática do base jump
SERVIÇOS Operadoras de ecoturismo
Rota dos Canyons
Hospedagem
Estrada Geral Pé da Serra - Centro Na Trilha dos Canyons
(48) 3532-1404
Hostel e Camping Nativos dos Canyons
Guia: Sergio Miguel Lopes de Lima
E-mail: turismo@rotadoscanyons.com.br
(48) 3532-0078 e 9163-5988
(48) 3533-3436, 9107-8105, 9636-1590
www.rotadoscanyons.com.br
Rua Olívio Margutt, 146. Centro
E-mail: sergio.miguel.01@hotmail.com www.natrilhadoscanyons.com.br Canyons e Peraus Estrada Geral Pé da Serra - s/n - Pé da Serra (48) 3532-1022, 9123-2796, 9134-2284 E-mail: info@canyonseperaus.com.br www.canyonseperaus.com.br Verdes Canyons (48) 3532-1104 e 9154-9621
Alimentação Casa Nossa Restaurante Rural Estrada Geral Vila Rosa, s/nº. Vila Rosa. (48) 9111-5328 Restaurante do Carlinhos Rua Irineu Bournhausen, 362. Centro (48) 9116-0216
E-mail: ajnativosdoscanyons@yahoo.com.br www.ajnativosdoscanyons.com.br Pousada Caminho dos Canyons Estrada Geral Pé da Serra, s/nº (48) 9101-0058, 9106-3149 e 3532-1085 E-mail: reservas@pousadacaminhodoscanyons.com. br www.pousadacaminhodoscanyons.com.br Pousada Magia das Águas
Email: info@verdescanyons.com.br
Restaurante Pedra Afiada
(48) 3532-1404 e 9911-5199
www.verdescanyons.com.br
Estrada Geral Vila Rosa s/nº - Hotel Pedra Afiada
Estrada Geral Pé da Serra, s/nº
Blog: verdescanyons.blogspot.com
(48) 3532-1059
E-mail: turismo@rotadoscanyons.com.br
Canyons do Sul
A Casa do Sabor
Rua Abel Esteves de Aguiar, s/nº. Centro
* Aberto somente aos domingos ao meio-dia
Pousada Paca Tatu
(48) 9101-0058
Rua Abel Esteves de Aguiar, 588. Centro
Rua Geni Souza. Centro
E-mail: atendimento@canyonsdosul.com.br
(48) 3532-1474
(48) 9101-0058
www.canyonsdosul.com.br
www.acasadosabor.com.br
E-mail: pousadapacatatu@hotmail.com
www.magiadasaguas.com.br
www.pousadapacatatu.com.br
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SIGA A VIA
NO PONTO
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Praia de Itaguaçu e Palmeiras Ótimo lugar para praticar equilíbrio e força em boulders de granito e, de quebra, relaxar no final de tarde com uma linda vista para o mar do bairro Itaguaçu. São vários blocos dispostos pela orla, então fique atento à maré, pois alguns podem ficar na água. É só levar seu crashpad e aproveitar, pois o acesso aos blocos é em área urbana. Localização: Siga pela rua Desembargar Pedro Silva até o final. Os boulders de encontram próximos ao bar Recanto das Pedras.
Fotos: Camila Collato
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Por que escalar? Pode parecer uma prática um tanto sem sentido pendurar-se por cordas, se arriscar em um paredão rochoso qualquer ou alcançar o topo de uma montanha. Quando questionaram o alpinista britânico George Mallory sobre o motivo de ele querer subir o monte Everest, ele simplesmente respondeu: “Porque ele está lá”. E isso resumiu, e muito, o espírito da prática. Escalar é uma atividade altamente individual, mas com forte sentimento coletivo. Como isso é possível? Individual, porque o principal obstáculo é a relação estabelecida com seu corpo: suportar seu peso nos dedos e mãos, saber mover as pernas de maneira ágil e precisa e desenvolver um senso de equilíbrio em agarras que, de tão sutis, passam despercebidas aos olhos menos atentos. Coletivo, pois dependendo do estilo de escalar – como o top rope - outra pessoa literalmente é responsável pela sua segurança. Se um falhar, quem se machuca é o outro. Para quem quiser começar ou provar a sensação de ver o mundo das alturas, indicamos os principais pontos de prática em Florianópolis e região.
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Este maciço no centro da cidade conta com 30 vias, que não excedem 25 metros. A maioria está protegida com grampos e/ou chapeletas. Algumas podem exigir proteção móvel. A base das vias conta com locais de sombra, porém não há fontes de água potável. Prefira escalar pela manhã por conta da umidade do local – no verão pode ficar muito quente. São dois setores no Morro da Cruz: a face leste e a face noroeste. Esta última é mais frenquentada por concentrar a maioria das vias.
Pedreira do Abraão Localizada no continente, a pedreira tem 31 vias que não ultrapassam 25 metros, com graduações que variam entre IV ou VIII grau. O sol bate no final da manhã, pois sua face é voltada para oeste, o que confere um belo visual dourado no fim de tarde. Mas cuidado, vá sempre em grupos pois há registros de eventuais furtos no local.
Localização: O acesso é por um terreno baldio na esquina de um beco ao final da rua Édio Ortiga. Cruze o terreno baldio pela lateral do muro da casa que fica à direita. Siga pela direita, pela calha dos fundos da casa. A trilha é bem clara pela mata e a caminhada dura cerca de 10 minutos.
Localização: final da rua Mário Cândido da Silva, no bairro Abraão.
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5 Pedreira do Ribeirão Localizada em um dos lugares históricos da ilha, a pedreira tem 10 vias protegidas com grampos e que, em sua maioria, não excedem 25 metros. Algumas exigem proteção móvel. Parte das vias começa na base e outras num platô no meio da pedreira. A base é espaçosa, mas não há bons locais de sombra, especialmente no período da tarde. Top-ropes de vias na base são de fácil acesso enquanto, nas vias do platô, são de difícil acesso. As vias em móvel são uma boa oportunidade de graduação mais acessível, interessantes para treinar a colocação de equipamento móvel ou mesmo aprender a escalar. Leve bastante água e repelente. Localização: O acesso à pedreira é através da rodovia Baldiceiro Filomeno. A trilha até o paredão dura cerca de 15 minutos de caminhada - siga por trás da Igreja principal do Ribeirão da Ilha, na região onde ficam várias casas típicas açorianas.
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Morro Morroda daCruz Cruz
Pedra Branca Saindo um pouco de Floripa e, indo em direção à cidade de Palhoça, está a Pedra Branca. Conta mais de 20 vias, que podem estender-se até 130 metros, com vários esticões. Protegidas com grampos e chapeletas, mas a maioria exige proteção móvel. Estão divididas entre a face principal (vias longas) e as falésias (vias curtas). A base das vias não é muito espaçosa e o terreno é íngreme. Após chuvas, as rochas levam cerca de 1 a 2 dias de tempo bom para secar. A Pedra Branca é predominantemente voltada para nordeste, então leve bastante água mesmo com tempo ameno. Além dos escaladores o lugar é conhecido pelos moradores, praticantes de motocross e off road. Por isso, prefira ir em dias úteis. Localização: O caminho até a Pedra Branca fica em uma propriedade particular, atrás do campus da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). O acesso é pela rua Camilo da Silva, mas você deve continuar a trilha a pé por cerca uma hora até o cume, e cerca de 45 minutos até a clareira que dá acesso à base das vias.
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Aventura rumo ao Sul
Uma bicileta e uma ideia. Percorrer mais de mil quilômetros em uma jornada solitária pelo Brasil, Uruguai e Argentina pode parecer loucura. Mas Felipe Fischmann prova que, com planejamento e vontade, até o impossível se torna real
Felipe Fischmann tem 21 anos, é estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fotos: Felipe Fischmann
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N
a segunda semana de março, ao pegar uma carona para casa, fui convidado ao Gaura Purnima, a celebração Hare Krishna correspondente ao ano-novo. Lá havia este senhor que, após alguns cantos, discorreu sobre alguns temas, entre eles o de que há certas coisas que são como um bolo: por mais que tentem descrever a você a textura e o sabor, dificilmente você chegará perto de compreendê-los se não provar. No caso, ele se referia ao estado de espírito em que se entra ao repetir o mantra da religião, por muitos anos ou, por toda uma vida, mas certamente essa é uma metáfora que se aplica muito bem à experiência que tive: viajar de bicicleta, e todas as sensações e sentimentos associados a isso. Ressalva feita, compartilho aqui algumas das coisas mais significativas que me ocorreram durante a viagem - porque não dá para colocar 50 dias em algumas páginas. A ideia começou no fim de 2009 quando eu e mais dois amigos, aos 18 anos, decidimos ir a Montevidéu de bicicleta. Na véspera, um deles me ligou dizendo: - Não vai mas dar. - Por quê? - Porque minha mãe não deixou. - Tu só contou para ela agora?! - Sim. A mãe do outro amigo acabou não deixando também. Pensei, “Vou sozinho!” e, então, foi a vez de meu pai cortar minhas asas. Fiquei muito decepcionado, porém, hoje olhando para trás, vejo que naquele momento eu não tinha noção do que estava me propondo a fazer. Quem já fez algo do gênero sabe que não se trata - ao menos na maioria dos casos - de pegar a bici e sair pedalando pela estrada. A preparação começa muito antes: materiais, ferramentas, remédios, roupas, o roteiro, a própria bicicleta...há muito no que se pensar. E é neste ponto que se diferenciam os cicloturistas: 1°. quanto mais planejamento em relação ao roteiro, menor a chance de se ter surpresas no caminho e menor a flexibilidade - cada um equilibra isso como quer. Como eu tinha amigos e parentes em vários pontos do caminho de ida, optei por unir o útil ao agradável; 2°. há quem tenha uma bicicleta especial para viajar. Eu preferi usar a que pedalo todo dia para a universidade - depois de algumas enjambradas, ficou linda. 3°. eu não era lá um grande conhecedor de mecânica de bicicletas, mas descobri que “se puxan-
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“A chuva do dia anterior e o sol que surgiu davam um toque especial àquele lugar, que já era mágico. O vento contra, a falta de sono e o excesso de sanduíches prejudicaram meu rendimento, mas isso faz parte e, foi um dia bom” do” um pouco e, com um certo grau de criatividade, dá para resolver a maioria das dificuldades que aparecem no meio do caminho. Outra decisão crucial é viajar sozinho ou acompanhado e, se optar pelo último caso, com quem. Consigo me lembrar de uns quatro ou cinco amigos me dizendo que fariam a viagem comigo - mesmo sabendo que provavelmente esse número provavelmente se reduziria a um ou dois. Ao escolher ir sozinho, abri mão da segurança e companhia por uma questão de objetivos: ter tempo para pensar, para não pensar em nada e, como uma vez disse a um amigo, “resolver uns assuntos comigo mesmo”. Enfim, coisas que só se consegue com um bom tempo de solidão. As semanas que antecederam a viagem foram marcadas por muita gente me dizendo o tempo todo “Você está louco” e, algumas, até para meus pais. Tenho a impressão de que a maioria das pessoas não entende ou, parece não se importar que, mesmo usando tom de brincadeira, isso é a última coisa que você quer ouvir antes de iniciar uma aventura assim. Especialmente quando é a primeira vez. Felizmente, consegui canalizar para um desejo muito grande de fazê-los morder a língua, ou melhor, a abrir suas cabeças. E acredito que fiz. No primeiro dia acordei às quatro da manhã e sai às 6h15min. Com o passar da viagem, percebi que a rotina de se vestir, comer (bem), guardar todas as coisas nos alforges, desmontar e guardar a barraca (em alguns lugares), colocar os alforges na bicicleta, passar protetor solar e alongar-se antes de sair consumia quase 2h todos os dias. Ou seja: era necessário acordar relativamente cedo. Havia uma tensão causada por ser a primeira vez que eu pegava a estrada com a bicicleta tão carregada (alforges na frente e atrás) e, por não saber se ela “aguentaria o tranco”. Ela acabou aguentando, além do que eu pudesse imaginar. Uma coisa que aprendi é que, em uma cicloviagem, é essencial conhecer bem e confiar na sua bici-
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cleta. E, confiança, é algo que se leva tempo para adquirir. O primeiro desafio foi a região do Morro dos Cavalos: algumas partes sem acostamento e com o movimento esperado em um 3 de janeiro. Não há muito o que fazer além de andar o mais na beira da estrada possível e torcer para que te vejam e desviem. Parece assustador, mas lembro que na hora não senti medo, e sim adrenalina. Além da falta de acostamento, subida. Eu tinha o preparo físico de quem fazia 20 km por dia para ir e voltar da universidade, com uns 3 ou 4 kg na bici. Isso tornou os primeiros dias fisicamente mais desgastantes. No início da segunda semana, já havia me acostumado relativamente bem à rotina e ao ritmo. Dormi a primeira noite no Farol de Santa Marta, em Laguna (SC). Nunca havia ido para lá, mas a orientação dada por uma amiga foi “pegar a balsa e seguir até o fim da estradinha de chão”. Ela só não havia dito que a tal “estradinha” tinha quase 20 quilômetros. A partir de certo ponto, comecei a pensar que estava no caminho errado. Foi aí que, do nada, apareceu o Sulivan, de bicicleta. Ele disse que estava indo para lá também - ou seja, eu estava no caminho certo - e me acompanhou. Para alguém que só havia pedalado de Floripa até Balneário Camboriú duas vezes (cerca de 85 quilômetros), os 145 daquele dia - 20 dos quais de estrada de chão - foram longos. Não dormi bem: acordei algumas vezes durante a noite, molhado de suor, com o coração acelerado, achando que iria ter um piripaque. No segundo dia dormi em Torres (RS), e no terceiro em Atlântida (RS), na casa de praia de meu pai. Aproveitei para fazer um dia de descanso, quase sem sair da rede e comendo o máximo possível. Segui pela free-way até Porto Alegre, onde passei uma noite. É complicado entrar e sair de Porto Alegre de bicicleta. São muitos viadutos e estradas movimentadas, sem acostamento, além da cidade ser um labirinto para quem não mora lá.
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DIÁRIO
Areia, asfalto e vales se impõem desafiando o ciclista a superar seus limites O sexto dia foi muito quente. Na estrada, além do calor, não havia nada para se distrair e, quando isso acontece, o tempo passa devagar. Ao parar em um posto, fui surpreendido por um esguicho de água nas costas. Pensei “Que p....!”. Mas então vi que eram meus amigos, que eu havia combinado de encontrar em Tapes, uma cidadezinha na beira da Lagoa dos Patos onde passaria a noite seguinte. O sétimo dia foi um dos mais complicados da viagem, em uma estrada não muito bonita, com bastante movimento de caminhões, um calor de cerca de 35°, poucos lugares para parar e um acostamento nojento. Eu não gostava de parar para almoçar antes de ter feito ao menos 80 quilômetros, para poder sair sem pressa depois de comer. Por volta dos 75 quilômetros, levei a bicicleta para o acostamento e, logo comecei a ouvir um barulho: era um prego cravado no pneu de trás. Tão grande que batia no quadro da bicicleta quando a roda girava. Por uma coincidência bizarra - da qual eu desconfiei bastante - havia uma borracharia uns 100 metros depois. Eram quase 13h e o pessoal estava almoçando. Bati na porta e pedi para usar a bomba (e a sombra) do lugar. Enquanto eu tirava o pneu e remendava a câmara, apareceu o Iago, que ficou sentado olhando, por curiosidade, e para garantir que o estranho não fosse sair com alguma peça de lá. Conversamos e, ao ouvir que eu vinha de Florianópolis, ele disse surpreso “Tu já deve ter feito o quê, uns 1.000 km?!”. Eu sabia que não era tanto mas, foi então, que parei para pensar que eu já estava longe. Depois do almoço, percebi que a câmara havia ficado um pouco para fora em um ponto. Tirei o pneu novamente só que, por algum motivo, não conseguia enchê-lo. Se tem uma coisa da qual fiquei com raiva nesta viagem foram os cachorros latindo e bombas de borracharia que não têm manômetro - e era o caso daquela que parei. Eu não havia percebido, pela segunda vez, que havia um pedaço de câmara para fora, só que dessa vez eu não tive tempo de fazer nada: um segundo depois de
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“Resultado: pedalei uns 40 minutos s mencionei. Não foi muito agradável, feitos em um estado de consciência a começar a enchê-la, BUM! Explodiu. Fiquei uns 15 minutos ouvindo zunidos, mas isso não foi nada comparado a raiva. Nada o que fazer, além de tirar o pneu novamente. Depois desse episódio, fui surpreendido por um trecho consideravelmente longo sem nenhuma fonte de água, o que ultrapassou meus cálculos. Resultado: pedalei uns 40 minutos sem água, no calor infernal. Não foi muito agradável, mas rendeu alguns vídeos engraçados feitos em um estado de consciência alterado. Perigoso, sim. Mas engraçado. Chegando em São Lourenço do Sul (RS) fiz outra pausa de um dia. Ao sair para conhecer a cidade - de bicicleta, é claro - a enjambrada do bagageiro quebrou. Sorte que era o melhor lugar para isso acontecer: estava na casa de meu tio-avô, e ele é desses caras que sabem mexer com tudo. Conseguimos fazer algo que aguentaria o peso até o fim da viagem. De São Lourenço a Pelotas, Pelotas a...lugar indefinido. O décimo dia foi o primeiro que sai sem saber onde passaria a noite. É uma sensação excelente, que se repetiu algumas vezes na volta. Eu havia ouvido falar da estação do Ibama na Reserva Ecológica do Taim e era lá que eu estava decidido a ficar. No percurso, encontrei um grupo de ciclistas naqueles “lugares-no-meio-donada”. Não eram cicloturistas comuns, isso se via pelos cabelos (moicanos, raspados pela metade, dread locks), pelas bicicletas “barra forte”, pelos galhos de árvore e chaleiras penduradas nas bicis. Eram uns seis ou sete. Dei bom dia para o primeiro, que não respondeu. Nem o segundo, nem o terceiro. O quarto disse algo RASTROS - JULHO 2012
sem água, no calor infernal que já , mas rendeu alguns vídeos engraçados alterado. Perigoso, sim. Mas engraçado” como “Opa”. Fiquei feliz e ainda mais curioso: - De onde vocês são? - Da Mãe Terra. - Legal, e de onde vocês tão vindo? - Lá (e apontou para trás com um sinal de cabeça). - Humm. E vocês já sabem pra onde vão? - Sul, sul, sul... O décimo dia também foi o primeiro que peguei chuva com muito vento na estrada. Cheguei na reserva completamente molhado, e acho que isso ajudou um pouco com o pessoal de lá. Eu estava com uma barraca e só precisava de um canto para passar a noite. Acabei em um quarto, pude até tomar banho e usar a cozinha. Acordei às 4h15min e era uma manhã incrível. A chuva do dia anterior e o sol que surgiu davam um toque especial àquele lugar, que já era mágico. O vento contra, a falta de sono e o excesso de sanduíches prejudicaram meu rendimento, mas isso faz parte e, foi um dia bom. Fui até Santa Vitória do Palmar (RS), que seria a última parada antes do Uruguai. No décimo segundo dia, segui até Chuí e decidi passar pela Barra do Chuí, que, pelo que me haviam dito, era o ponto mais ao sul do Brasil. No Uruguai, a primeira parada foi no Forte de Santa Teresa, uns 30 quilômetros ao sul da fronteira. Já estava escurecendo e, a minha ideia era seguir até Punta del Diablo, portanto, não havia muito tempo. Logo que cheguei, encontrei um grupo de oito gurias argentinas, tentando tirar uma foto de si mesmas. Me ofereci para ajudar, fui convidado para um mate à beira da praia e acabei pasRASTROS - JULHO 2012
sando a noite por lá mesmo. Punta del Diablo é um lugar interessante, especialmente à noite, mas bom mesmo é estar lá com os amigos, não sozinho e em uma viagem de bicicleta. Conheci uns argentinos, só que eles fumaram tanto, que não vi mais eles depois que entraram na barraca. Eu, depois de uma breve volta noturna, também estava com tanto sono que dormi antes de trocar de roupa. Segui para Cabo Polonio, que, na minha opinião, é o lugar mais incrível do Uruguai e dos que estive na viagem. Para chegar lá só a pé ou em um “colectivo” - uma espécie de pau-de-arara feito para atravessar as dunas que separam o lugar da “civilização”. Sem carros, sem ruas, sem energia elétrica: só um amontoado de casas espalhadas aleatoriamente por uma península. Pessoas incríveis, lobos-marinhos e um farol para se ver tudo isso. A ideia era passar somente uma noite ali, mas acabei ficando uma segunda e, me arrependo de não ter ficado mais. A pedalada de La Pedrera a Punta del Este foi certamente a melhor da minha vida: chegando a La Paloma, tive que escolher entre seguir pelo asfalto (e fazer uma volta de uns 60 quilômetros) ou pegar a estrada de chão (sem saber se a bicicleta aguentaria). Decidi arriscar e passei por lugares lindos, além de ter empurrado a bicicleta por quase 1 quilômetro na faixa de areia fofa que separa a Laguna de Rocha do mar. É um atalho que só as bicicletas podem pegar. Após a balsa na Laguna Garzón, voltei para o asfalto, o vento a favor, e o pôr-do-sol. Fiquei um pouco decepcionado com Punta del Este, mas decidi dar mais uma chance (ou seja, mais uma noite) a ela, e segui a Piriápolis, onde encontrei alguns amigos que conheci em viagem a Israel em 2010. Encontrei mais amigos em Montevidéu, onde fiquei uns cinco dias, antes de seguir para Colonia do Sacramento. No 25° dia, pegaria o buquebus a Buenos Aires, e ali terminava a viagem. Ao menos era o que eu achava.
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DIÁRIO
O verde e o cinza da free way acompanham o ciclista até os labirintos de Porto Alegre
No caminho para o Uruguai, uma parada para
que estava por vir, só que eu estava sem alternativa e resolvi pagar para ver. Não foi uma boa ideia. À 1h comecei a ouvir gotas pingando sobre a barraca. Eu havia colocado impermeabilizante nela, mas não confiava muito. Peguei o dinheiro, os documentos e saí correndo para o posto quando começou a tempestade. Voltando para a barraca, tudo estava encharcado. Eu tinha colocado quase tudo em sacolas plásticas, e isso ajudou. Só não salvou as roupas que usava como travesseiro, e muito menos, o saco de dormir. Haviam poças de água dentro da barraca, mas fiz o que pude e dormi ali mesmo. Às cinco da manhã, mais pingos. Levei a barraca para baixo de um toldo do posto, mesmo sabendo que provavelmente me tirariam dali. Acabou não chovendo mais, e me deixaram ficar. Continuei subindo pela Argentina, e entrei no Uruguai por Salto - sim, onde tem a represa. É um trechinho desgraçado o A volta O nordeste da Argentina definitivamente não é o noroeste do Uruguai. Não tem quase nada na estrada por uns lugar mais bonito nem o mais rico do país. No primeiro dia do bons 60 ou 70 quilômetros. Fiquei na reserva de comida (só retorno choveu muito, e parei cerca de meia hora para esperar com aquelas gosmas energéticas) e tive que entrar em umas o “grosso” da chuva passar. Além disso, o asfalto escorregadio três fazendas para pedir água. Na última arrisquei pedir um e as poças me fizeram cair - ainda que sem nenhum arranhão. pouco de pão. O dono do lugar apareceu com um pacote de Dei uma passada em Tigre, uma cidadezinha ao norte de Bue- bolachas, umas empanadas e uma garrafa de um litro e meio nos Aires, e segui viagem até o fim da tarde. Quando começou de leite. Comi e bebi tudo em cinco minutos. O plano era passar a noite em Bella Unión, já na frona escurecer, parei em um posto de gasolina para perguntar a quantos quilômetros ficava a próxima cidade. Dois caras que teira com o Brasil. Mas com o sol se pondo, achei ter tido uma miragem: uma vila minúscula na beira abasteciam disseram “60 ou 70” e me sugeriram passar da estrada e com um mercadinho aberto, quase a noite ali mesmo. O dono do posto me deixou dormir às nove da noite. Parei ali para perguntar se numa casinha de uns 4 x 1,50 metros onde costumahavia algum lugar para ficar - “Veja bem, eu va funcionar uma borracharia. Algumas peças ainda tenho uma barraca...”. A atendente sugeriu estavam espalhadas pelo lugar e haviam duas poças a polícia, mas o dono do lugar disse para eu de água com restos de óleo. Também vi dois casacos montar a barraca atrás do mercado mesmo, imundos no chão, mas não quis pensar muito sobre Pedalar indoors em um pasto no meio dos cavalos. Para tomar a origem deles. Montei a barraca ali dentro e dormi consome, em banho, poderia usar a mangueira de dar água com o canivete ao meu lado. média, 700 para os animais. No segundo dia, depois de 80 quilômetros sem acoscalorias por hora. No outro dia acordei com conversas. Era domintamento, cheio de caminhões, mas com pontes e paisAo ar livre, go e a família preparava uma parilla a uns 30 metagens lindas, acabei parando em outro posto - este o gasto de ros da barraca. Enquanto me preparava para sair com chuveiro. Quando terminei de montar a barraca energia é 50% notei que haviam, além dos cavalos, outros anifazia um calor absurdo. Ao fundo, no horizonte, eu maior mais como vacas, porcos, ovelhas e avestruzes no conseguia ver relâmpagos. Era relativamente óbvio o Com mais de um mês de férias restando, minha ideia era ficar com meus amigos por lá, até “dar vontade de ir embora”. Uma semana depois, comprei a passagem de ônibus de volta para o dia 3 de fevereiro, exatamente um mês depois de ter partido. Desmontei toda a bicicleta e aí aconteceu uma sequência de cenas de filme. Acordei em uma madrugada e não consegui mais dormir. Pensei em várias coisas, e algumas delas, estavam me incomodando bastante. A principal era o fato de eu estar em Buenos Aires com minha bicicleta, um mês de férias pela frente e voltar de ônibus. Tentei mas não consegui convencer a mim mesmo de que aquilo era a coisa certa a fazer. No dia seguinte, depois de algumas conversas tranquilas e outras não tão tranquilas assim, fui à rodoviária, cancelei a passagem e remontei a bicicleta. Parti três dias depois.
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conhecer a Reserva do Taim, em Rio Grande
Viajando pelos caminhos dos antigo tropeiros, a bicicleta agora substitui os cavalos
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na beira da estrada, ao lado dos pomares, e lugar. O senhor que havia me oferecido a as pessoas nunca me cobravam. Parei uma hospedagem indagou: vez em um posto e notei que um menino e - Tu já comeu coração? Confira os vídeos desta viagem em nosso blog uma menina de uns seis anos olhavam para - De ga... rastrosrevista.wordpress.com mim: - De ovelha. - Olha! - Hmmm... - Eu sei, isso é promessa. Lembra do tio... - E rim? E o menino veio me perguntar: Quem faz cicloviagens não pode ser fresco, e - Moço, isso é promessa? também não pode deixar oportunidades como - Eu prometi para mim mesmo que conessa passarem. E juro que estava excelente! seguiria. Segui pela fronteira do Rio Grande do Sul: Ele parou para pensar, e concluiu: Uruguaiana, Itaqui, São Borja, São Luiz Gon- Então é promessa. zaga. A 10 quilômetros de São Luiz, depois O trecho entre Vacaria e Lages também é de 110 quilômetros pedalados sob o sol, a uns incrível de se percorrer de bicicleta. Uma 30 quilômetros por hora, em uma curva com grande descida, uma grande paisagem e pedaços de brita no acostamento e com o clip do guidão frouxo, o quase inevitável aconteceu: minha memória uma grande subida. Mas o mais intenso ainda estava por vir. Cheguei em Lages na segunda-feira de carnaval - sim, em algum seguinte é já estar estendido no chão. Ao perceber o que aconteceu, levantei a cabeça para conferir se não estava no meio da pista e vi momento eu me lembrei disso. Uma olhada rápida no Google Maps um carro parando no acostamento. Olhei para trás e vi a bicicleta aponta uns 230 quilômetros até Floripa, variando de acordo com também caída no acostamento, uns quatro metros atrás. Percebi o bairro que se tem como destino. Algo que dá para percorrer em que o motorista do carro estava bem mais assustado que eu. Tam- dois dias. Só que eu sentia que havia adquirido bastante resistênbém vi umas dez crianças marrons de barro, encostadas em uma cia física com as subidas dos últimos dias. E eu queria ver até onde cerca atrás de mim, em um misto de curiosidade, espanto e preocu- aguentava. O combinado era que, se eu chegasse a Alfredo Wagner pação. Era um acampamento do Movimento Sem Terra. Pedi a elas até as duas da tarde, seguiria viagem. Cheguei pontualmente. Muita gente pensa que de Lages até Floripa “é só descida”. um pouco de água, e o motorista do carro, mais apavorado, disse: Eu inclusive encontrei, em uma parada, o pessoal que me hos“Pode deixar que eu pego lá no carro... limpa”. Raspei a cintura e a coxa, abri o cotovelo e foi um pouco mais pedou em São Borja. “Ah, daqui tu vai tranquilo, é só descida”. feio no joelho. Mas poderia ter sido pior, muito pior. No outro dia, Isso dá uma ideia de como o carro tira a noção das pessoas a acordei com o ombro estalando e o punho doendo. Mas, depois respeito de altitude, velocidade, para não entrar em questões de uns 10 quilômetros, não se sente mais nada. Indo para Santo mais filosóficas. Sim, tem subida. Tem bastante subida. Só que é Ângelo as subidas começaram, e continuaram por Santa Bárbara uma sensação viciante, e, a partir do momento em que coloquei do Sul, Passo Fundo, Lagoa Vermelha, até Vacaria. Foi um trecho em mente que estaria em casa naquela noite, eu não pararia. Às mais movimentado, com muitos motoristas dando buzinadas de 23h eu chegava em casa, 50 dias depois. Faltou luz bem na hora incentivo e alguns outros, que buzinavam com sinais de desprezo da chegada. Colocaram uma vela acesa na minha frente e dupela janela quando passavam perto. Também não foram um nem rante uns bons 40 minutos tudo o que conseguia falar era “pão” dois caminhões que vi ultrapassando em local proibido, ou carros e “água”. Sim, eu estava em meu limite físico. Mas naquele momento, a cabeça também tentava assimilar que eu havia ido a ultrapassando em cima de pontes. Mas é uma região linda. Parei algumas vezes para comprar maçãs Buenos Aires e voltado. De bicicleta.
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CONSUMO
NA MEDIDA
Práticas, versáteis e resistentes. As mochilas são a companhia mais querida dos viajantes que prezam pela liberdade na hora de se locomover. Escolhemos para você o modelo que melhor se adequa para cada situação
PESO PESADO
Deuter Aircontact PRO 70+15L Este modelo é perfeito para quem quer se aventurar em trekkings longos e que exigem bom preparo físico. Possui o sistema de vetilação Aircontact, que bombeia o ar pelas costas a cada movimento, reduzindo o calor em até 5°C e a transpiração. Além disso, possui sistema de ajuste de altura das alças, tira peitoral, armação interna de alumínio e tecido resistente, o que evita rasgos na mochila ao entrar em ambiente de vegetação fechada. Sua tampa telescópica é removível, e pode ser utilizada como mochila de ataque. Seus bolsos laterais comportam até 10 litros, apliando a capacidade da mochila pra 95 litros. Capa de chuva embutida.
www.deuter.com.br
CONFORTO FEMININO
Curtlo Mountaineer 40+5L LF Desenvolvida especialmente para ajustar-se a anatomia feminina (Lady Fit System), com barrigueira menor e desenho que acompanha a silhueta da cintura e quadril, tornando a caminhada mais confortável. Também possui alças mais estreitas, costado com sistema Air Flow e estruturado em alumínio. Possui compartimento para carregar objetos molhados e piquetas ou bastões de caminhada. Indicada para caminhos peregrinos ou viagens de final de semana. Capa de chuva embutida. Capacidade total de 45 litros. Garantia vitalícia.
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DIA A DIA
Trilhas e Rumos Crampon 27 Para caminhadas curtas, ou para uso cotidiano na cidade, este modelo feito em tecido Ripstop – ideal contra rasgos – é uma ótima opção. A Crampon 27 tem espaço interior amplo, com divisões e bolsos externos que podem ser utilizados para organizar pequenos itens e uma divisão que comporta um sistema de hidratação. Suas alças e apoios de costas e peitoral são acolchoados, conferindo mais conforto e estabilidade. A armação de sustentação das costas é em placa rígida. Este modelo se transforma numa opção rápida e prática para uma atividade outdoor leve: seus bolsos elásticos externos acomodam garrafas d’água, possui engates laterais para proteção de abertura acidental do zíper, elásticos frontais para prender roupas úmidas ou capacetes, além dos prendedores para bastões de caminhadas e mosquetões. Capa de chuva embutida.
www.trilhaserumos.com.br
PARA OS PEQUENOS
Kid Confort II Às vezes a impossibilidade de levar as crianças de maneira segura e confortável, impede que a família realize atividades em ambientes diferentes. Mas a Kid Conforty II é uma boa alternativa, seja para cidade, campo ou praia. Revestida internamente com Poliuretano, ela é resistente à água e possui costado feito em espuma respirável, o que auxilia na evaporação do suor. Possui sistema Vari-Quick de ajuste de altura para as alças e barrigueira bem estruturada, o que aumenta o conforto e a estabilidade. Tem bolsos laterais para os itens e comporta sistema de hidratação de até dois litros. Capacidade total de 18 litros.
www.deuter.com.br
PARA AS ROCHAS
Kailash PG 20 + 10 A novidade da Kailash traz aos escaladores uma mochila feita especialmente para a prática. Desenvolvida em parceria com o escalador paulista Paulo Gil, a PG 20+10 possui sistema para fixação de corda, fita interna porta-mosquetões, bolsos laterais para tênis ou sapatilhas, compartimento frontal e bolso expansível para capacete, agasalhos e outros. Seu costado possui um lugar que serve como sistema de hidratação e a fita de ajuste peitoral possui regulagem de altura. Também há compartimentos para acamodar as alças de ombros e barrigueira. Capacidade total de 30 litros.
www.kailash.com.br
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COORDENADAS
NÃO PODE FALTAR NA SUA VIAGEM É comum esquecermos de detalhes básicos que facilitam, e muito, nossa vida na hora de preparar a mochila ou simplesmente aumentar o conforto durante as atividades outdoors. Indicamos como e o que fazer em cada situação
ORDEM DO DIA:
KITS
CUIDADOS PESSOAIS: CONFORTO E BEM ESTAR PARA O VIAJANTE - Higiene dental: pasta, escova e fio dental - Higiene básica: papel higiênico, lenços umedecidos, desodorante, sabão ou sabonete neutro - Toalha de banho - Protetor solar e óculos escuros - Repelente de insetos - Protetor labial ou manteiga de cacau - Cortador de unhas e pinça
Acredite, lenços umedecidos e desodorante salvam qualquer um que viaja muitos dias! Às vezes contamos com uma ducha em algum local de trânsito e, acredite, quase nunca ela estará disponível. Uma barra de sabão neutro pode ajudar na hora de lavar pequenas peças de roupa em hostels ou no acampamento mesmo – neste caso prefira os biodegradáveis. A pinça pode quebrar galhos no kit de primeiros socorros e na hora de consertar objetos pequenos.
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PRIMEIROS SOCORROS - Comprimidos para dor, anti-inflamatórios, anti-histamínicos (alergias), contra diarréia e náuseas. - Comprimidos de carvão vegetal (combate gases gástricos e intestinais, flatulência, dores de estômago, mau hálito, aftas e intoxicações - protetor e adsorvente gastrintestinal) - Antibiótico (a maioria das infecções são primeira geração. Veja indicação com seu médico e farmacêutico) - Antiácido - Cotonetes - Colírio lubrificante - Pomada para assaduras - Pomada a base de arnica e cânfora para lesões musculares - Gaze - Atadura - Esparadrapo - Curativos - Antisséptico - Pinça (para espinhos e carrapatos adultos) - Sabonete ou loção à base de deltametrina (para tratar infestações de piolhos ou carrapatos) - Bolsa térmica de gel (aquelas que congelam ou esquentam rapidamente. Ótimo para casos de lesões musculares)
SOBREVIVÊNCIA - Bússola (se souber como utilizá-la) - Facão, canivete resistente ou faca (ou um conjunto) - Lanterna (prefira as compactas) - Pastilhas ou granulados de Clor-in (ou qualquer outra forma para purificar água) - Isqueiro, pederneira ou fósforos (tenha pelos menos duas opções diferentes) - Materiais para iniciar fogo - Corda (não precisa ser muito grossa, 4 mm basta) - Alguns anzóis de tamanho variado e um pedaço de linha de pesca - Agulha e linha para pequenos reparos nas roupas - Cobertor ou saco de dormir de emergência fabricado em alumínio
Na próxima edição
ALIMENTAÇÃO EM VIAGENS
RASTROS - JULHO 2012
Quais alimentos escolher para carregar menos peso na mochila e dicas de preparo e conservação
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FOTO+
+ + A FOTO Esta foto foi tirada em São Paulo – SP, na Avenida Paulista, próximo a estação do metrô da Consolação. Usei uma câmera DSLR da Canon – Canon EOS Rebel XS – e a objetiva básica que acompanha a câmera (18-55 mm). O efeito de distorção do espaço é devido a objetiva ser de 18 mm (zoom mínimo). Câmeras automáticas comuns possuem objetivas cujo o zoom mínimo costuma ser 28 mm, o que já é suficiente para distorcer o espaço. Para maior efeito de distorção, você pode utilizar objetivas “olho-de-peixe”, que costumam ter 15 mm de comprimento focal. Há também uma versão panorâmica desta imagem, composta por três fotos na horizontal que, combinadas, abrangem toda a altura dos prédios. Após a combinação, as distorções ficam ainda mais evidentes. Para realizar a panorâmica, utilize o Adobe Photoshop. Para o tom de cor em preto e branco, utilizei o Adobe Lightroom.
+ COMO FAZER Para tirar uma foto com esta distorção, dê espaço numa câmera automática e use o menor zoom possível. Sua câmera não precisa ter nenhuma função panorâmica, mas você deverá usar um software de edição de imagens – como o Adobe Photoshop – para combiná-las.
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Para fazer uma panorâmica, analise a área que você quer cobrir. Comece a fotografar pela parte inferior. Após tirar a primeira foto, aponte a câmera um pouco mais para cima. Enquadre um pequeno pedaço do que foi fotografado anteriormente (isto é importante, já que o software usará
essas referências para combinar com precisão as fotos). Aponte a câmera para cima, enquadre e tire mais fotos até cobrir toda a área desejada. No Adobe Photoshop, clique em File > Automate > Photomerge. Na opção layout, deixe selecionada a opção automatic. Selecione as três
caixas de seleção na parte inferior da janela. Clique em browse e importe as fotos desejadas. Clique em OK. Observe que a foto não sairá com enquadramento retangular. Para corrigir, utilize a ferramenta Crop para ajustar. Salve a imagem.
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FOTO
+ A FOTO Esta foto foi tirada com a mesma objetiva da foto anterior. Foi tirada em 21 mm, próximo ao zoom mínimo, fazendo novamente uma distorção no espaço. Note como as tábuas do deck estão apontando para o centro da imagem. Dependendo do zoom utilizado, as linhas do piso ficariam mais abertas ou mais retas.
Viagens sempre inspiram fotografias. Seja em cenário urbano, campo ou praia, fato é que, entre um clique e outro, sempre buscamos a foto perfeita. Todo mês trazemos dicas simples de fotógrafos para você registrar seus momentos de maneira singular
+ FOTÓGRAFO DO MÊS Gabriel Nietsche nasceu em Florianópolis, Santa Catarina. Fotografa desde 2003 quando comprou sua primeira câmera digital (uma Canon point-and-shoot de 2 megapixels). Em 2011 foi contratado por um laboratório fotográfico onde trabalhou extensivamente com tratamento de imagens. Formou-se em Design pela Universidade Federal de Santa e trabalha como freelancer desde então.
+ COMO FAZER Usei o ajuste de compensação EV para escurecer a foto e capturar detalhes do mar e das nuvens. Até em câmeras automáticas você encontra o ajuste de compensação EV. Procure no modo manual por este recurso. Abaixei dois pontos EV na minha câmera e, como consequência, o céu ficou mais escuro. As nuvens ganharam mais detalhes no contorno, diminuindo o aspecto esbranquiçado. O deck e a senhora ficaram mais escuros e perderam alguns detalhes. Recortei a imagem na proporção 16:9, para aproveitar melhor os elementos. Na edição, também usei o filtro clarity no Adobe Lightroom para ressaltar os detalhes das nuvens e do mar.
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Venezuela
AlimentaçãoFoto+ em viagens Literatura GuarteláMúsica
Parapente Capixabas
Na próxima Rastros Montanhas