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4Editorial Supremo não pode ser alternativa para regulamentar mídias sociais
OCongresso precisa aprovar o Projeto de Lei 2.630/20 porque, do contrário, o STF tomará a frente e realizará ele mesmo a regulamentação das mídias sociais – este foi um dos argumentos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em favor da aprovação do PL das Fake News na sessão da última terça-feira, dia
2. Não funcionou: Lira, que apoia o texto relatado por Orlando Silva (PCdoB-SP), retirou o tema de pauta quando percebeu que as chances de vitória eram mínimas ou inexistentes. O mote, no entanto, permaneceu, e vem sendo repetido insistentemente por políticos, jornalistas e influenciadores digitais que também defendem as regras propostas por Silva: se a Câmara não fizer a regulamentação, o Supremo fará.
Em primeiro lugar, é preciso perceber que chegamos a um ponto muito baixo de respeito à Constituição e à tripartição de poderes quando se naturaliza dessa maneira o ativismo judicial, pelo qual o Judiciário usurpa as prerrogativas do Legislativo e coloca-se ele mesmo a fazer leis, em vez de interpretá-las e garantir que sejam cumpridas. O Supremo não pode assumir a tarefa do Congresso nem neste nem em nenhum outro assunto, e Arthur Lira deveria se referir a essa possibilidade não para convencer parlamentares a aprovar um projeto, mas apenas para repudiar completamente a intromissão do Supremo sobre aquilo que compete exclusivamente ao Congresso. Quando o presidente de uma casa legislativa se resigna a dar como certa essa interferência, contribui para desmoralizar o Legislativo brasileiro.
E, se o ativismo judicial em si mesmo, em qualquer tema, já traz consigo riscos consideráveis, há ainda mais razões para se preocupar nesta questão específica. A alegação dos “normalizadores” do ativismo é a de que o STF está julgando dois casos relativos a ofensas em mídias sociais e poderia usá-los para impor as regras que bem entender, usando como pretexto o artigo 19 do Marco Civil da Internet. De fato, as audiências públicas realizadas recentemente na corte demonstraram que a discussão vai muito além da aplicação da lei aos casos práticos em julgamento, girando em torno da própria conveniência da lei e da necessidade de “disposições legais” que a detalhassem, algo que deveria estar ocorrendo no Legislativo, e não no Supremo. Para piorar, as manifestações feitas nas audiências deixaram claro que existe um animus contrário à liberdade de expressão unindo inclusive atores que estão em lados contrários na discussão sobre o PL 2.630.
A julgar pelo histórico recente do STF, os ministros não estão dispostos a atropelar a Constituição apenas no que diz respeito à tripartição de poderes, mas também a fazer letra morta de cláusulas pétreas como a proteção da liberdade de expressão. Aproveitando-se da completa confusão conceitual que mistura afirmações factuais com opiniões, críticas e conjecturas, e usando conceitos vagos como “desinformação” e “discurso de ódio”, a corte poderia criminalizar discursos que nem de longe se encaixam nas definições do Código Penal.
A demonstração mais evidente do afã liberticida foi a interferência de Alexandre de Moraes na discussão sobre o PL 2.630, intimidando as big techs e a produtora de conteúdo Brasil Paralelo por terem se manifestado contrariamente à aprovação do projeto de lei. Ciente de que não há quem possa pará-lo, Moraes ainda tomou tal decisão no âmbito do inquérito das fake news, que teoricamente teria o objetivo de investigar apenas “ataques” ao Supremo – embora, como bem sabemos, não seja de hoje que ele serve para absolutamente tudo que seu relator queira.
A perspectiva de que o Supremo “venha com tudo”, para usar as palavras do youtuber Felipe Neto (outro defensor do PL 2.630), não pode ser encarada com naturalidade, e nem como argumento favorável a um projeto de lei – uma eventual aprovação deve ocorrer se os parlamentares enxergarem nele mais méritos que problemas, não porque exista a sombra da mão pesada de um outro poder. O lugar por excelência do debate sobre quais princípios devem nortear o uso da internet é o parlamento, e faria muito bem o Congresso se defendesse com unhas e dentes essa prerrogativa, exigindo do Supremo que a respeite – independentemente do destino específico do PL 2.630, já que uma decisão contrária também é uma decisão. Compactuar com o ativismo judicial, e um ativismo judicial liberticida ainda por cima, é permitir que a democracia brasileira continue sendo vilipendiada pelos que mais deveriam defendê-la.
Gazeta do Povo
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