Amante Por Um M ês Miranda Lee Digitalização: Gessyca Souza Revisão: Ceila
RESUMO: ―O astro da TV Rico Mandretti é amado por todos pelo seu programa de culinária e também pelo seu charme. Porém, além de espaguete, ravióli e fettuccine, este australiano de família italiana tem outra paixão: a bela e sedutora Renée Selinsky. Ela o despreza, mas ele não consegue tirá-la da cabeça. E tudo de que precisa é um artifício para atraí-la direto para seus braços. Rico faz uma aposta com Renée em uma rodada de pôquer. O que ela não sabe é que caso ele ganhe, ela será o prémio. E por isso, terá de pertencer a Rico por um mês inteiro. Como sua amante!‖
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CAPÍTULO UM RICO MANDRETTI saltou para dentro de sua Ferrari vermelha brilhante e dirigiu-se não para o hipódromo de Randwick, e sim diretamente para a casa dos pais, nos arredores de Sydney. Seus planos mudaram. A noite anterior os tinha mudado. Hoje, não, murmurou Rico para si mesmo, enquanto corria pelas estradas amplas a oeste de Sydney, sem se dar conta dos olhares mal-intencionados que recebia da maioria das mulheres dos carros que ultrapassava, e de todas aquelas nos carros com os quais emparelhava nos sinais de trânsito. Somente uma mulher ocupava a mente de Rico naqueles dias. Somente uma mulher, ele desejava que o olhasse como se ele valesse a pena e não como um playboyzinho convencido sem nada na cabeça. Por mais de cinco anos, havia suportado as farpas que Renée Selinsky atirava-lhe na mesa de jogo todas as noites de sexta-feira e também nas corridas das tardes de sábado. Cinco anos suportando tal tratamento. Era tempo demais! Mesmo assim, precisava confessar que até a noite anterior apreciava as disputas verbais de uma maneira perversa, apesar do fato de geralmente Renée levar a melhor. Quando, temporariamente, há alguns meses ela o ignorou, ele odiou. Rico descobriu, então, que preferia ser provocado a ser ignorado. No entanto, Renée exagerou na noite passada. Imagine se ele ficaria ao alcance da língua cáustica daquela mulher novamente, hoje nas corridas. Chegara ao limite! O sinal ficou verde e ele pisou fundo no acelerador. A Ferrari deu um salto, os pneus cantaram levemente e ele disparou pela estrada. No entanto, devido ao limite de velocidade naquela parte da auto estrada e aos sinais de trânsito, não havia alívio para a frustração de Rico na velocidade, nem fuga para os pensamentos. Logo estaria novamente parado no sinal vermelho, irritadíssimo, pensando em sua vingança. Naquele exato momento, ela estaria nas corridas, possivelmente sentada no bar da tribuna, bebericando sua taça de champanhe, com seu ar frio e classudo de sempre sem ligar a mínima por ele não ter aparecido. E Rico sentado em seu carro fumegante, já lamentando a decisão de não ir. Ele amava as corridas. Eram uma de suas paixões. E uma das dela também, infelizmente. Havia conhecido Renée por causa da paixão comum, cavalos. Há pouco mais de cinco anos ela tonara-se a terceira sócia em uma sociedade formada por ele e pelo melhor amigo, Charles, com a ajuda de Ward Jackman, um dos jovens treinadores mais promissores de Sydney.
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Rico ainda se lembrava perfeitamente do dia em que conheceu a até então misteriosa Sra. Selinsky. Os três co-proprietários reuniram-se nas pistas de Randwick para assistir à primeira corrida do cavalo, uma linda potranca marrom, chamada Chama de Ouro. Antes daquele dia, Rico somente sabia da existência daquela senhora pelos papéis de propriedade. Nem podia imaginar que também fosse Renée a dona da agência de modelos Renée's e viúva de Joseph Selinsky, um banqueiro muito rico e quase quarenta anos mais velho que ela, que morrera no ano anterior. Rico sabia que ela era uma viúva rica, mas imaginava uma matrona gorda e cafona, por volta dos sessenta ou setenta anos com mais dinheiro do que conseguia gastar no salão de beleza e com uma ligeira queda pelo jogo. Ele não estava preparado para a mulher de trinta anos, sofisticada, superelegante e superinteligente que era a Sra. Selinsky. E, com toda a certeza ele tampouco estava preparado para a reação negativa instantânea dela ao conhecê-lo. Rico estava acostumado a ser admirado pelo sexo oposto e não o contrário. Olhando para trás, admitia que sentira-se atraído por ela à primeira vista, apesar de estar com outra mulher no dia. A sua noiva, Jasmine. Acreditava amar Jasmine e com ela se casaria no mês seguinte. O casamento estava destinado ao fracasso desde o princípio. Meu Deus, se ele ao menos soubesse na época o que sabia agora. Ponderou se isso teria mudado algo, quando já pisava no acelerador da Ferrari, antecipando a mudança do sinal para verde. E se tivesse descoberto que Jasmine na verdade era uma fria caçadora de heranças antes do casamento? Ou que o que pensava ser amor por ela não passava do resultado das artimanhas e bajulação da noiva? E se tivesse terminado com a impostora e perseguido a enigmática e estonteante Renée? A reação de Renée poderia ter sido muito diferente se ele fosse solteiro e disponível há cinco anos e não supostamente apaixonado pela noiva. Afinal de contas, ele era Rico Mandretti, produtor e astro de Paixão pela massa, o programa culinário de maior sucesso na televisão. A viúva alegre, como rapidamente ele apelidara Renée, obviamente conhecia o valor de um dólar já que se casara uma vez por dinheiro. Rico não podia imaginar uma mulher jovem e bonita como ela casando-se com um homem de sessenta anos por amor. Apesar de Rico não ter tantos dólares no banco quanto o falecido marido de Renée naquela época, ele estava muito bem de vida, com a possibilidade de ganhar mais nos anos vindouros, o que acabou se concretizando. Seu programinha culinário, como Renée, debochadamente, gostava de dizer era agora transmitido para mais de vinte países e o dinheiro entrava sem parar. Os negócios aumentariam ano a ano, com a venda de livros de receitas e as licenças de produtos ligados ao programa. Franquias de sua ideia mais recente, o restaurante Paixão pela massa, surgiram em todas as
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grandes cidades da Austrália. Além do potencial dinheiro que estava por vir, ainda tinha vinte e nove anos na época, transbordando de confiança masculina e testosterona. Em seu auge sexual, vamos dizer. Rico gostava de pensar que Renée teria caído em seus braços, mas sabia que estava iludindo-se. Já se separara de Jasmine havia dois anos. Seu divórcio fora assinado havia mais de um ano e a atitude negativa de Renée em relação a ele não mudara nem um pouco. Para dizer a verdade, havia ficado ainda mais hostil, enquanto seu desejo por ela aumentava insuportavelmente. Rico ressentia-se ao pensar que Renée não achava nada atraente nele. Ela, obviamente, o desprezava. Por quê? O que ele teria feito para criar tal antagonismo? Seria por seus antepassados italianos? Ela gostava de debochar, dizendo-lhe que ele não passava de um amante latino, cheio de hormônios e sem cérebro. Rico sabia que era mais do que aquilo, mas nos últimos dias quando estava perto dela, não conseguia assimilar bem as farpas. Ultimamente, sempre que ela dirigia seus lindos olhos verdes para ele e fazia comentários sarcásticos, transformava-se mesmo na espécie de animal machista que ela acreditava que ele era. Isso chegava a afetar sua capacidade de jogar pôquer. Droga! Ela afetava sua capacidade de fazer qualquer coisa! O charme, pelo qual era famoso, tinha desaparecido juntamente com a capacidade de pensar. Ah, mas ainda conseguia sentir. Mesmo que seu sangue fervesse com o pior dos ressentimentos, seu corpo queimava com o desejo vibrante. Por isso ele estava evitando a vontade de vingança este fim de semana. Rico desconfiou que estava aproximando-se de uma combustão espontânea por causa dela. Quem sabe o que ele poderia fazer ou dizer na próxima vez em que ela o provocasse da maneira que tinha feito na noite anterior? — Rico, você poderia ter se casado com alguém como Dominique — observara Renée, após Charles anunciar que sua mulher estava grávida. — Assim, você já teria um bebê ou dois. Se tem mesmo as ideias que afirma ter sobre um casamento e uma família tradicionais, então pelo amor de Deus, pare de ficar dando em cima das Leannes deste mundo e encontre uma boa garota que possa lhe dar o que você supostamente deseja. Rico, literalmente mordera a língua para não retrucar que levava mulheres como Leanne para a cama na inútil tentativa de aplacar a frustração que sentia por não poder tê-la. Sem saber exatamente como, havia dado um sorriso enigmático para ela e experimentado alguma satisfação ao ver os olhos verdes de Renée turvados de frustração. Respirou profundamente, saboreando o ar mais limpo e sorrindo com lembranças felizes, enquanto a cidade ficava para trás. Ele passava por locais mais familiares. A pequena escola cercada de arbustos dos tempos de criança. O córrego
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onde nadava no verão. O antigo clube das lições de dança que desagradavam o pai. Até onde sua memória alcançava, ele sempre esteve determinado a ser um astro. Quando fez doze anos, pensava em uma carreira no palco, nos shows que misturavam canto, dança e sapateado, seus preferidos. No entanto, mesmo com sua excelente técnica de bailarino, ficou alto e grande demais para competir com os dançarinos mais baixos e mais esbeltos. Além disso, seu canto deixava muito a desejar. Quando descartou a carreira musical, decidiu focar sua ambição na arte de representar, imaginando-se um John Travolta australiano. Muita gente dizia que os dois se pareciam. Porém, assim como a carreira musical, a de ator também foi posta de lado depois que ele não passou nos testes de nenhuma das academias de artes dramáticas australianas. Conseguiu algumas pequenas pontas em novelas, alguns comerciais e um papel coadjuvante em um filme para a televisão, mas na maioria dos testes era sempre recusado por ser muito grande e ter um visual muito italiano. Apesar de não muito convencido, Rico decidiu-se por uma carreira atrás e não diante das câmeras. Produzir e dirigir tornaram-se sua meta tanto na televisão quanto na recém surgida indústria cinematográfica australiana. Aprendeu as tarefas de cinegrafista e técnico de som, trabalhando para a Fortuna, produtora responsável pelos shows mais populares da TV na época. Assistiu, observou e assimilou até decidir que estava pronto para ter seu próprio programa. Com o apoio da grande família, Rico tinha três irmãos mais velhos, bastante indulgentes e cinco irmãs adoráveis, também mais velhas, iniciou a produção de Paixão pela massa, quando percebeu que os programas culinários e de utilidade doméstica decolavam. Contudo, o mestre-cuca descendente de australianos e italianos que contratou para o episódio piloto ficara com os nervos à flor da pele diante das câmeras e Rico tinha que constantemente, mostrar-lhe o que e como fazer. Mesmo sem ter qualquer treino formal como chefe de cozinha, logo tornou-se óbvia a sua vocação para apresentar o programa. Rico finalmente encontrara o seu lugar. Ali, seu tamanho não importava, seu aspecto italiano era uma qualidade e o sotaque que podia fazer sem o menor esforço deu um toque de autenticidade ao show. O que também ajudou foi o fato de ele ser um ótimo cozinheiro amador, habilidade aprendida com a mãe. A verdadeira paixão pela massa da Signora Mandretti e com sua criatividade na cozinha, ela alimentara uma grande família com um orçamento apertado, o que exigia mais do que um pouco de imaginação, haviam justamente inspirado o título e o conteúdo do programa. Paixão pela massa tornou-se um sucesso imediato assim que Rico conseguiu um patrocinador. Ele nunca mais olhou para trás, para seus planos anteriores. Seu sucesso jamais impressionou Renée, mas com certeza, havia impressionado Jasmine. Ela reconhecia o que era bom quando via.
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Rico fez uma careta ao lembrar da oportunista com quem se casara. Ainda ficava muito irritado, quando se recordava de como o juiz da Vara de Família tinha ainda a premiado com o privilégio de ser uma princesa paparicada por três anos. Mesmo assim, valia a pena pagar qualquer preço para tirar Jasmine da sua vida, apesar de ressentir-se tremendamente por ela ter feito e conseguido exigências. A ex-mulher ficou com dois apartamentos em Bondi Beach e o carro favorito dele. Um Porsche preto que ele mandara forrar os bancos, de couro também preto e colocara tapetes espessos da mesma cor. Preto sempre foi a cor favorita de Rico, tanto para carros quanto para roupas. Comprara a Ferrari vermelha que dirigia agora, em um impulso, dizendo para si mesmo que uma mudança seria tão boa quanto um feriado. A atitude virou-se contra ele quando Renée recentemente o viu entrando no estacionamento do hipódromo. — Devia ter visto logo que a Ferrari vermelha era o seu carro — disse ela, suspirando. — Que outro carro um playboy italiano dirigiria? Naquela ocasião, como atualmente acontecia cada vez mais, ele não havia sido capaz de pensar em uma resposta inteligente com rapidez e ela saiu dirigindo sua elegante BMW com um ar de superioridade. Pensar em Renée novamente o deixou aborrecido consigo mesmo. Prometera a si mesmo que não ia pensar nela naquele dia. Já tinha pensado nela o suficiente para toda uma vida! Ao avistar a familiar caixa de correio à beira da estrada, as marcas de preocupação desapareceram do seu rosto. A propriedade dos pais não era luxuosa. Apenas alguns acres de um belo jardim, uma casa de dois andares, grande e simples, com tijolos cor de creme e construída sobre uma ligeira elevação no centro do terreno. O coração de Rico parecia dilatar-se quando a via. Ele não pôde evitar o sorriso quando manobrou o carro para entrar na garagem. Não havia nada que se assemelhasse a chegar em casa. O lugar das suas raízes, onde as pessoas realmente o conheciam e o amavam apesar de qualquer coisa.
CAPITULO DOIS Teresa Mandreti colhia verduras na horta que ela mesma havia plantado e da qual cuidava pessoalmente, quando viu uma figura pelo canto do olho. — Enrico! — exclamou, levantando a cabeça e vendo seu filho mais novo andando em sua direção. — Você me assustou. Só esperava você amanhã. Tradicionalmente, o primeiro domingo de cada mês era o dia da reunião da família 6
Mandretti. Seu filho mais jovem sempre ia almoçar com os pais, outros parentes e agregados. — Mamãe. Ele abriu os braços e a abraçou com o seu um metro e noventa de altura e ombros largos, encobrindo totalmente o corpo pequeno e gorducho da mãe. Teresa não podia acreditar no tamanho do filho, já que o marido, Frederico, não era um homem alto. Quando a parte da família que morava na Itália viu fotos de Enrico em seu aniversário de vinte e hum anos, todos disseram que ele havia puxado ao pai de Frederico, considerado um gigante. Teresa não chegou a conhecer o sogro, morto aos trinta e cinco anos em uma briga. Ele teve uma crise de ciúmes quando outro homem deu o que o sogro chamou de uma atenção " imprópria" à sua mulher. Teresa bem que acreditava que dali o seu Enrico tinha herdado genes. Seu caçula também era muito genioso. — Você já almoçou? — perguntou, após o filho a deixar respirar. Enrico vivia a abraçando, era muito carinhoso, como todos os Mandretti. Teresa era de uma família mais reservada. Por isso, achara Frederico Mandretti tão atraente. Ele nem ligou para a timidez da mulher e a levou para a cama antes que ela pudesse dizer não. Casaram-se poucas semanas depois, com seu primeiro filho já a caminho. Imigraram para a Austrália, bem a tempo de o terceiro Frederico nascer no novo país. — Não, mas não estou com fome — respondeu o filho de forma surpreendente. Teresa franziu a testa. Sem fome? Seu Enrico... Ele era capaz de comer um cavalo mesmo à morte! Alguma coisa não estava certa ali. — O que é que você tem, Enrico? — perguntou, com seus olhos e voz de mãe preocupados. — Não tenho nada, mamãe. Verdade. Tomei café muito tarde e comi muito. É só isso. Onde está o papai? — Foi às corridas. Não às de cavalos. Ele foi as corridas de cães lá em Appin. Tio Giuseppe tem uns cães que vão correr hoje. — Papai deveria comprar um ou dois cachorros para ele. Caminhar com eles seria bom para saúde. Livrar-se daquele pneu na cintura. Acho que ele anda comendo muito da sua massa. — Está dizendo que o papa está gordo? — protestou Teresa. — Gordo exatamente, não. Bem alimentado. Teresa desconfiou de que Enrico estivesse mudando deliberadamente de assunto. Conhecia seus filhos muito bem, mas conhecia Enrico ainda melhor do que os outros.
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Ele nascera quando ela pensava que não teria mais bambinos. Já eram oito filhos, um a cada ano, três meninos seguidos de cinco meninas. Depois de dar à luz a Katrina, o médico lhe dissera para não ter mais filhos, pois seu corpo estava exausto. Então, com o consentimento do sensível padre de sua paróquia, passou a tomar anticoncepcionais e durante nove anos não teve a preocupação de engravidar. A pílula não era perfeita e outra criança foi concebida. Mesmo preocupada, um aborto jamais foi considerado e felizmente Teresa foi abençoada com uma gravidez sem problemas e um parto tranquilo. O fato de Enrico ser um menino, depois de uma fila de cinco meninas, representou um bónus adicional. Naturalmente, foi muito mimado por todos eles, especialmente pelas irmãs. Mesmo assim, apesar dos ataques que dava quando não conseguia o que queria, fora uma criança amável e se tornou um homem encantador. Todos da família o adoravam. Teresa, apesar de não admitir abertamente, tinha um carinho especial por Enrico, talvez por ser ele o caçula. Com a diferença de dez anos entre Enrico e sua irmã mais nova, a mãe pôde dedicar bastante tempo ao último bebé. Ele a seguia por toda parte como um cachorrinho. Mãe e filho eram muito próximos. Enrico jamais conseguia enganá-la. Além da suspeita falta de apetite ela sabia que havia alguma coisa para afastá-lo das corridas numa tarde de sábado. Com sua intuição de mãe, sentiu que só poderia ser mulher. Possivelmente a tal da Renée, de quem ele tanto falava. A mãe nunca tinha visto a parceira do pôquer de todas as noites de sexta-teira. Ela também era sócia do filho nas corridas. Teresa notara um tom diferente na voz do filho, sempre que ele a mencionava. E ele a mencionava demais. Teresa gostaria de perguntar sobre ela, mas desconfiava de que uma aproximação direta seria perda de tempo. Com trinta e quatro anos, seu filho mais jovem há muito passara da idade em que confidenciava seus assuntos particulares à mãe. O que era uma pena. Se ele a tivesse consultado antes de se unir a Jasmine, poderia ter evitado muito sofrimento. Jasmine fizera um trabalho bem-feito. Era inteligente e jamais falou nada contra os Mandretti até o casamento. Mas depois, foi gradativamente afastandose das reuniões familiares, dando desculpas cada vez mais esfarrapadas, até não dar mais nenhuma. Felizmente, ela agora era passado. Apesar de não concordar com o divórcio, Teresa era realista. Alguns divórcios eram como tomar a pílula. Uma necessidade. A mãe não queria que Enrico repetisse o engano, unindo-se a outra mulher inadequada. — Jogou cartas ontem? — perguntou, enquanto arrancava umas folhas de hortelã da horta. — Joguei — respondeu o filho, sem maiores esclarecimentos. — Charles está bem, não está?
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Charles era o único dos três amigos do pôquer que Teresa conheceu, apesar de ter convidado o trio para várias festas nos últimos anos. A tal Renée, como Jasmine, sempre dava desculpas para não comparecer. O outro homem, o sheik árabe, também sempre declinava os convites, mas Teresa compreendia suas recusas. Enrico explicara que o príncipe Ali era muito reservado, devido a sua enorme riqueza e às relações da família real. Parece que o pobre homem não podia ir a nenhum lugar público sem a companhia de um guarda-costas. Às vezes, dois. Que maneira horrível de viver! Enrico também tinha que lidar com algum grau de aborrecimento com a imprensa e os fotógrafos, mas mesmo assim podia ir e vir à vontade sem se sentir sob ameaça. — Charles está muito bem — respondeu o caçula. — Ele e a esposa vão ter um bebê daqui a seis meses, eu acho. — Que bom para eles — replicou Teresa, enquanto levantava-se, perguntando a si mesmo se a tristeza de Enrico não era por causa daquela notícia. Ele sempre desejou ter filhos. A maioria dos homens italianos deseja. Fazia parte da cultura deles ter filhos que carregassem o sobrenome e filhas para paparicar. Teresa não tinha a menor dúvida de que Enrico daria um pai maravilhoso. Ele era sensacional com todos os sobrinhos e sobrinhas. A mãe sentia pena do filho, quando via as crianças sempre em torno do tio Rico, nunca ocupado demais para brincar com elas. Deveria estar brincando com seus próprios filhos. Se ela ao menos pudesse dizer isso. Repentinamente, Teresa decidiu que era velha e italiana demais para fazer uma aproximação tática indireta. — Quando vai deixar de ser bobo e casar-se novamente, Enrico? Ele riu. — Por favor, não guarde nada, mamãe. Diga tudo o que está sentindo. — Não pretendo desrespeitar você, Enrico, mas alguém tem que dizer algo. Você tem trinta e quatro anos e está envelhecendo. Você precisa de uma esposa, uma que fique mais do que feliz por ficar em casa e ter os seus filhos. Um homem bonito como você e de sucesso, não deve ter dificuldade para encontrar uma jovem que lhe sirva. Se quiser, podemos pedir à minha família para procurar uma jovem italiana que seja uma boa moça. Isso deveria ser o suficiente para motivá-lo a tomar uma atitude! Enrico podia ter sangue italiano correndo nas veias, mas era muito australiano em vários aspectos. Chamava sempre os pais de mamãe e papai, enquanto os irmãos e irmãs diziam mama e papa. Naturalmente, casamentos arranjados eram como uma assombração para o caçula. Ele acreditava em casamento por amor e até certo ponto, Teresa também.
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O olhar de horror do filho foi bem satisfatório. — Não comece com essa coisa antiga, mamãe. Quando e se eu me casar de novo, vai ser com a mulher de minha escolha. E será por amor. — Foi o que você disse na primeira vez e veja no que deu! — Nem toda mulher é igual a Jasmine, espero. — Ainda não consigo entender o que você viu naquela garota. Ele riu. — É porque você não é homem. Teresa sacudiu a cabeça. Então ele pensava que ela era velha demais para não se lembrar de sexo? Tinha somente setenta e tres anos e não cento e tres. — Ela podia ter um rosto bonito e um corpo atraente, mas era vazia e egoísta — disse Teresa com firmeza. — Você tinha que ser um tolo para não ver isso — Homens apaixonados são tolos, mamãe — retrucou ele com um certo sarcasmo, imediatamente detectado por Teresa. Olhou para Enrico, mas ele não prestava mais atenção nela. Estava longe, em outro mundo. Ela percebeu que o filho não estava pensando em Jasmine e sim em outra mulher. O coração de mãe ficou apertado quando ela entendeu que o filho, a luz de seus olhos, estava apaixonado por uma nova mulher. Meu Deus! Implorou. Que não fosse a amiga do jogo de cartas! Apesar de nunca ter visto a moça, havia tirado conclusões sobre seu caráter, pwloa muitos comentários de Enrico. Para começar, era viúva. Uma viúva muito rica, cujo falecido marido era muito mais velho do que ela. Ex-manequim ela era também uma esperta mulher de negócios que dirigia uma agência de modelos na cidade. Para completar, tinha mais de trinta anos e era uma mulher sem filhos. Possivelmente não quis ter. A maioria das mulheres de carreira não queria filhos. Em outras palavras, certamente não era uma nora para Teresa Mandretti. — Amanhã eu não venho almoçar, mamãe — disse Enrico abruptamente. — Tenho que ir a outro lugar. — Aonde? — O homem que treina nossos cavalos convidou todos os donos de animais para comemorar a chegada da primavera na casa dele e ficar no estado de espírito apropriado para as corridas da estação. — Como uma festa — disse sua mãe. — É. Acho que pode chamar assim. — concordou Rico. No início do ano, a sensata assistente de Ward, uma gracinha chamada Lisa, estimulou a tradição. Agora, cada vez mais popular entre os treinadores de cavalos, a idéia tor-
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nara o domingo, o dia que os proprietários pudessem visitar os cavalos, discutir as perspectivas dos animais com o treinador ou o chefe do estábulo e depois se divertirem na companhia uns dos outros durante um almoço. Era um dia especial, com a melhor champanhe e a melhor comida. Rico não pretendia comparecer. Nunca fora a essas reuniões no primeiro domingo do mês quando se dava o encontro mensal da sua família, que era muito mais importante para ele do que socializar-se com ricos e famosos ou ter algum aborrecimento com Renée. Mas a manhã seguinte seria diferente. Seria o dia D. O dia do Desespero. — Entendo — disse sua mãe pensativa. — Charles vai estar lá? — Acredito que não. Não está mais tão interessado em cavalos como antes. — É compreensível, Enrico. Tem mais agora no que pensar já que a esposa espera um bambino. E o seu amigo Sheik? Ele não é casado. Vai estar lá? — Não. Você sabe que Ali raramente vai a reuniões desse tipo. Então restava a viúva, Teresa deduziu. A não ser que o tal treinador de cavalos tivesse uma jóquei loura trabalhando para ele. Enrico tinha uma predileção pelas louras, mas as que fossem altas e com curvas, não as magrinhas. O que deixava a pergunta de como seria essa Renée. Tinha que ser alta, como ex-modelo e loura, pois o filho estava atraído por ela. Talvez até tivesse seios grandes, como Jasmine. Já se foram os tempos em que as modelos precisavam tê-los achatados. — E a sua amiga do jogo de cartas? — perguntou Teresa sem resistir. — A moça Renée, não é? Ela vai estar lá? Ele sorriu, mas não um sorriso feliz. Estava mais para um sorriso resignado. — Ah, sim. Claro que vai estar. O que deu a Teresa a resposta que ela procurava. Enrico estava apaixonado por essa Renée, mas a moça não lhe correspondia. Agora Teresa não sabia mais o que pensar ou sentir. Uma mulher que pudesse resistir a seu Enrico, a aborrecia. Seu filho era irresistível na sua opinião, mas ao mesmo tempo, a última mulher com quem ela gostaria que ele se envolvesse, seria uma outra criatura como a oportunista da Jasmine. Talvez fosse até bom que essa Renée não ligasse para ele, mas francamente, ela devia ser cega e burra. Enrico era um homem magnífico! Um homem que sobressaía entre os outros. Que espécie imbecil de mulher não o quereria na cama e no coração? Teresa colocou os galhos de hortelã que colhia, no bolso do avental e deu o braço para o filho. 11
— Venha, Enrico. Tenho outra receita de massa para lhe mostrar. Uma novinha em folha — disse, puxando-o para a porta dos fundos e falando durante todo o caminho. Cobrindo-o com amor e carinho. Rico permitiu-se, o mimo e o consolo. Sabia que na manhã seguinte estaria em guerra novamente. Sua decisão de comparecer à reunião, o fazia ver o quanto estava viciado na companhia da bruxa. Não conseguia passar um único fim de semana sem vê-la. Têla evitado nas corridas desta tarde não havia adiantado nada. Encontrava-se em um estado deplorável. Mas o que poderia fazer? Como poderia mudar as coisas? Como poderia mudá-la? Não podia. A única coisa que podia mudar era a si mesmo. Mas como? Esse era o problema. Como uma pessoa pode parar de desejar uma coisa na qual está viciada? Tentara o método longe dos olhos, longe do coração, mas não funcionara. Aparentar estar vacinado não era o caso, pois ainda não tivera o prazer de experimentar o que desejava. Poderia procurar um terapeuta, mas não acreditava que isso funcionaria com ele. A cena aparece rapidamente em sua mente: ― - Diga-me uma coisa, Sr. Mandretti, o que essa senhora tem que o senhor gosta tanto? - Vejamos, doutor - imaginava-se respondendo. - Primeiro são seus olhos. Eles são verdes e brilham de desprezo cada vez que me olha. Depois, sua boca linda me enlouquece cada vez que se abre. Mas, o que me judia é seu corpo longo e esguio, que normalmente eu não acharia incrivelmente sensual, mas acho!” Seria diagnosticado como um masoquista com um distúrbio obsessivo e compulsivo e depois, mandado para casa com uma receita enorme de antidepressivos. Faria terapia até a eternidade e pagaria uma conta que de tão alta não poderia ser escalada por alpinistas. Não, não iria procurar aconselhamento médico. Qual seria então a alternativa? A resposta seria bastante simples se estivesse preparado para enfrentar a rejeição. Poderia convidar a viúva alegre para sair. Marcar um encontro. Claro, que já a convidara antes. Muitas vezes. Mas sob a desculpa de um convite geral para uma das reuniões da mãe. Ela sempre recusara. Era bastante educada, mas o resultado era sempre o mesmo. Obviamente não desejava passar ainda mais tempo em sua companhia. Convidá-la para sair a sós seria um verdadeiro ato de masoquismo. Mas que droga! O que tinha a perder? No dia seguinte saltaria para dentro da jaula dos leões e colocaria a cabeça dentro da boca da leoa. O que aconteceria depois era imprevisível.
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CAPÍTULO TRÊS No domingo, por volta do meio dia, e com um incômodo frio na barriga, deixou a cobertura que comprara de Charles que havia se mudado para a costa norte e entrou no elevador particular rumo à garagem, no subsolo. Entrou na Ferrari e tomou direção. Estava um pouco atrasado, pois o convite dizia a partir de onze horas, mas não levaria muito tempo para chegar lá. Quinze minutos, no máximo. Essa era uma das grandes vantagens do antigo apartamento de Charles. Além da vista maravilhosa, a localização era extremamente conveniente. Rico acabara de sair da garagem e não havia passado mais do que uma quadra antes de sentir frio por ter a capota do carro abaixada. O dia não era um daqueles típicos de primavera, estava diferentedo anteriorque fora quente e agradável. Enquanto levantava a capota, Rico disse a si mesmo que o céu cinzento não era um prenúncio do que poderia acontecer e sim apenas um dia de início de setembro em Sydney. Ainda se surpreendia quando se lembrava das Olimpíadas na cidade. Realizadas em um mês de setembro, que foram abençoadas com um tempo magnífico. Nessa época, em Sydney não se sabia como seria o dia até colocar a cabeça para fora da janela pela manhã. Confiar na previsão do tempo da noite anterior era tão ingênuo quanto pensar que Renée fosse aceitar o seu convite. Ainda não conseguia acreditar que estava fazendo aquilo! Era puro masoquismo, mas nem todos os conselhos do mundo iriam fazê-lo mudar de ideia. Sempre fora perseverante. Desistia quando ficava irrevogavelmente claro que não conseguiria o que queria, como acontecera com sua carreira teatral. Só então abandonava o objetivo, colocando suas energias em alguma coisa que não fosse impossível. Portanto, até que Renée não o olhasse diretamente nos olhos e dissesse que de maneira nenhuma sairia com ele, teria uma pequena esperança de que atingiria aquela meta praticamente inalcançável. Chegou a tentar se convencer durante o breve trajeto até Randwick, que tinha uma chance razoável de se sair bem na empreitada. Afinal de contas, a viúva alegre não tinha um companheiro permanente. Se tivesse, ele a acompanharia nas corridas às vezes, pelo menos. No entanto ela sempre ia sozinha. Além disso, exceto mas raras ocasiões em que ela viajava para o exterior a negócios, sempre jogava pôquer nas noites de sexta-feira. Qual mulher envolvida com algum homem seria tão constante? Não que Rico imaginasse por um momento sequer que Renée levasse uma vida de monja. Claro que devia ter amigos homens depois de viúva. Amantes, em outras palavras, afinal
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de contas, já tinham se passado mais de cinco anos. Tempo demais para que uma mulher como ela ficasse sozinha todas as noites. Por algum motivo, possivelmente autoproteção, Rico não havia pensado muito nos homens com quem Renée pudesse ter dormido. Repentinamente, esse assunto passou a ser a única coisa em sua cabeça. Depois de pensar sobre todos os tipos de cenário, desde casos secretos com homens casados até romances de uma noite e nada mais com divorciados que temiam um envolvimento maior, decidiu que ela provavelmente preferia ter encontros estritamente sexuais com homens do padrão descartável. Escolheria a dedo entre os jovens modelos contratados por sua agência. Rico conseguia facilmente ver Renée nesse tipo de relacionamento. Ela devia querer sempre comandar, sempre estar por cima. Pensar nela por cima dele o fez ter sensações que não experimentava de forma tão repentina e violenta desde a adolescência. Ele estremeceu. Tentou ajeitar aquele volume dentro da calça, a fim de diminuir o desconforto, mas nada adiantou. Nada resolveria o problema, à exceção do corpo inteiro de Renée. Rico entrou na rua Randwick onde estavam a casa e os estábulos de Ward e jurou que faria Renée sair com ele e ir para a cama com ele nem que tivesse que vender a alma ao diabo para isso! A visão da BMW azul dela estacionada no meio-fio, bem em frente à entrada principal da casa de Ward, provocou uma súbita queda de confiança. Ela já estava lá, esperando para fazer com que ele bancasse o bobo mais uma vez. Não havia mais saída a não ser fugir. Mas Rico não era um covarde. Por uma fração de segundo, a rua cheia de carros estacionados quase lhe deu uma desculpa para dar meia-volta e ir embora e esquecer sua missão insana. Do nada, surgiu uma vaga entre um Jaguar prateado e uma Mercedes azul. Os criadores que frequentavam a casa de Ward não eram mesmo pobretões. Resignado, Rico estacionou com habilidade a Ferrari na vaga apertada e desligou o motor. Depois de olhar no relógio, viu que já eram quase treze horas. Saiu do carro, bateu a porta e ligou o alarme. Lembrou-se de checar a aparência no espelho retrovisor, arrumando os cabelos com os dedos e franziu a testa quando viu a sombra que tinha no rosto. Nunca barbeava-se nos fins de semana, o que Renée já comentara. Não quisera dar a impressão que enfeitara-se especialmente para ela. No entanto, já que planejava convidá-la para sair, isto é, fazer sexo no final da noite, a preocupação em não estar barbeado agora parecia bastante estúpida. Totalmente... Completamente... Estúpida! O que significava que continuava o mesmo. Sempre que Renée era o tema em questão, seu cérebro dava lugar a uma abóbora. Por outro lado, um coração fraco não conquistava nada. Nunca, Rico se forçou a pensar. Muito menos a mão de uma linda dama. Não que pretendesse casar com a
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viúva alegre. Não era tão louco assim! Tudo o que desejava eram algumas noites na cama dela. Depois das quais, tinha certeza que a obsessão sexual e perversa dos últimos cinco anos, desapareceria. Ele não a amava. Ora, claro que não! De maneira nenhuma! Por que deveria amar? Ela não era melhor do que Jasmine. Era só mais uma madame mercenária, de nariz empinado e coração gelado. Especialista em fazer os homens de bobo. Neste caso, ele. Com esse simpático pensamento na cabeça e com as mãos nos bolsos da calça preta, caminhou relutantemente pela rua, olhando para a BMW de Renée. Ela devia ter sido a primeira a chegar para conseguir vaga tão boa. Rico ficou parado por um instante diante do portão da propriedade de Ward, examinando sem expressão alguma no rosto a casa de dois andares, bastante elegante, do treinador. Tentava fazer o cérebro funcionar. Todos os proprietários de cavalos já teriam visitado seus animais. Estariam todos dentro de casa, tomando champanhe e comendo caviar. Todos, exceto... Renée. Certamente, ela ainda estaria nos estábulos cuidando da compra mais cara da sociedade. Um potro negro de três anos, que eles tinham adquirido de Ali e que havia se contundido seriamente no primeiro treino. Voltara à prática havia algumas semanas e a assessora de imprensa de Ward contou a Rico pelo telefone, já que o notoriamente taciturno treinador raramente falava com os proprietários pelo telefone, que Fogo de Ébano apresentava um bom desempenho. Sem dúvida, Lisa dera a mesma notícia a Renée. Apesar de Rico ter surpreendentemente, pouca intimidade com Renée, sabia como ela se sentia a respeito dos cavalos. Ela os adorava. Adorava ficar perto deles. Nas poucas ocasiões em que ele fora a um domingo de Ward, fora difícil afastar Renée dos estábulos. — Não venho aqui para comer — lançara ela uma vez, quando ele a chamara para entrar e almoçar. — Venho para visitar meus cavalos. Rico sorriu com ironia quando se lembrou daquele dia. Ela ainda não teria entrado. Estava certo disso. O que era um alívio. A possibilidade de propor algo ao objeto de seus desejos em particular era infinitamente melhor do que em uma sala cheia de gente onde todos poderiam ouvir a gargalhada dela. Assim, sua humilhação não seria pública. Tomando fôlego, na esperança de acalmar-se, tomou o rumo do pátio lateral que levava aos estábulos nos fundos da propriedade. No final do pátio havia um portão sempre guardado por um segurança. O de hoje, chamava-se Jed, um sujeito grandalhão e forte, que conhecia todos os proprietários de cavalos de Ward só de olhar. — Boa tarde, Sr. Mandretti — disse Jed, abrindo o portão. — O senhor chegou um pouco atrasado. Todos os outros já foram almoçar. O coração de Rico se comprimiu. Ele pensou que Jed poderia não ter certeza absoluta do que dizia, do lugar onde se encontrava. O complexo de estábulos de Ward tinha a forma de um quadrado com um pátio no centro. Cada lado do quadrado abrigava seis baias
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com o espaço para a alimentação dos animais no fim das fileiras. Os quartos dos empregados ficavam no andar superior. Jed tinha uma boa visão do lugar, mas não podia enxergar dentro dos estábulos onde Renée sempre ficava. Ela não se cansava de acariciar seus cavalos na porta dos estábulos. Se o cavalo fosse dócil, ela se aproximava e chegava a entrar. — Não se preocupe, Jed — respondeu Rico. — Hoje não vim para comer. Até já. O pátio estava deserto, somente com um empregado limpava os últimos dejetos dos animais. Provas de que eles foram exibidos para os donos. — Trabalhando duro, Neil — disse Rico aproximando-se. O rapaz levantou os olhos com surpresa e alegria no rosto. — Olá, Sr. Mandretti — respondeu Neil, se livrando do lixo rapidamente, para que o querido visitante pudesse passar, sem sujar o traje escuro, que parecia ser caro. Se havia um proprietário de quem Neil gostava quase tanto quanto da Sra. Selinsky, este era o Sr. Mandretti. Em primeiro lugar, porque sempre se lembrava do nome dele, caso raro entre aqueles metidos. Ninguém desconfiaria que era um astro famoso da televisão, pelo jeito como agia. Era muito simpático e gentil. É claro que não como a Sra. Selinsky, uma verdadeira dama e generosa também. Toda vez que algum de seus cavalos ganhava um prémio em dinheiro, ela dava um bónus para todos os funcionários. E não era por causa do dinheiro que todos ali gostavam dela. Era pela maneira como tratava os cavalos. Ela se preocupava mesmo com eles. Até o patrão gostava da Sra. Selinsky. Dava para perceber porque ele conversava com ela. E o patrão não gostava de perder tempo com bate-papo. — Veio ver seu potro, não é? — perguntou Neil. — A Sra. Selinsky ainda está lá dentro com ele. Acho que ela dormiria naquela baia se o patrão deixasse. Rico decidiu naquele instante que, se existisse essa história de reencarnação, ele desejaria voltar como um dos cavalos de corrida de Renée. — Em que baia está o Pretinho? — Rico perguntou. Pretinho era o apelido de Fogo de Ébano. — Número dezoito. A última daquela fileira. Sei que não sou eu quem sabe das coisas, mas se ele correr tão bem quanto está prometendo, os senhores terão um vencedor, com certeza. — Esperamos que sim, Neil. Mas muita coisa pode acontecer entre uma boa performance em um treino e o disco de chegada. — É... Isso é verdade. Mas é o que acontece com as corridas de cavalo, não é? É tudo um jogo. É como a vida. Rico concordou. Neil tinha razão. A vida era um jogo. Às vezes, você ganha e às vezes,
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perde. Conhecimento, porém, aumentava as chances de vencer. Subitamente, desejou ter conhecido um pouco mais a respeito da Sra. Selinsky. Agora, era tarde demais para preocupar-se com isso. Chegara o momento de arriscar. Apostar para vencer o Grande Prémio da Donzela. O problema era que ele não passava de um azarão nessa corrida. Apesar de sua crescente tensão, fez um aceno desajeitado para Neil antes de seguir para a baia de número dezoito. Vários cavalos que debruçavam a cabeça para fora das baias, relincharam para Rico no caminho. Fogo de Ébano, não. À primeira vista, a número dezoito parecia vazia, mas os olhos dele se acostumaram à penumbra no interior da baia. O proprietário conseguiu identificar seu potro preto. O animal estava sobre um leito de palha e tinha o flanco acariciado, tratado como se fosse uma criança muito amada. — Você é um menino tão lindo — sussurrava Renée, a acariciá-lo de modo ritmado. Seu braço esquerdo abraçava o pescoço do cavalo e sua cabeça repousava sobre a crina espessa e negra. - Ward disse que você está bem, quase pronto para a primeira corrida. E disse ainda que vai vencer. Eu falei para ele que você poderia ficar um pouco nervoso, que não deveríamos esperar demais de voce tão cedo. Ele me respondeu que você não possui um pingo de nervosismo e ainda me disse que você é um cavalo de corrida nato. Um campeão em potencial. Como eu gostaria que você fosse só meu, querido. Apesar de que acho um terço melhor que nada. Rico não sabia se deveria sentir ciúmes do cavalo ou de Ward Jackman. Parecia que ele contara muito mais coisas a Renée do que para ele ou para qualquer outra pessoa, para dizer a verdade. Seria o relacionamento de Renée com Jackman mais do que um entre treinador e proprietária? Inesperadamente, a BMW de Renée estacionada de frente para a porta principal da casa de Ward ganhou um significado perigoso. Talvez não tenha sido a primeira a chegar hoje. Talvez seu carro tenha estado lá a noite inteira... Rico conteve a angústia e tentou examinar a ideia terrível de uma maneira mais racional e sem pânico. Jamais percebera algum sinal de intimidade entre eles. Nunca viu olhares suspeitos ou toques disfarçados. Contudo, se fossem amantes, a quantidade anormal de convesas que evidentemente tinham sobre Fogo de Ébano ganharia uma explicação. Mesmo o mais taciturno dos homens se animava para uma conversinha, quando recostado sobre travesseiros. Imaginar que Renée poderia dividir a cama com o bonito, de feições bem marcadas, treinador de cavalos, foi como uma apunhalada no coração dele. Apertou os punhos, enterrando as unhas nas palmas das mãos. Amantes hipotéticos, os quais ele antes temia eram muito diferentes do que o jogo feito ali, ao vivo. Se o que Rico desconfiava fosse verdade, se explicava o porquê de ela nunca levar um namorado às corridas. Ele ja estaria lá! Fixou os olhos no modo como ela acariciava e mimava o cavalo, mas seu cérebro não via
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mais Fogo de Ébano como o felizardo. Era Ward Jackman, nu e excitado, que estava entre os braços dela. Um tremor violento correu pela espinha de Rico. De repente, o potro sacudiu a cabeça na direção dele, como se desse boas-vindas ao novo visitante. Renée moveu os olhos no sentido para o qual o animal se virara e os arregalou quando viu quem os visitava. Por alguns instantes, a compostura parecia tê-la abandonado. Seus gestos mostravam agitação. Ela se dirigia apressadamente para a porta do estábulo, com o cavalo em seus calcanhares. — Mas o que você está fazendo aqui? — perguntou aborrecida, enquanto abria a metade inferior da porta e saía da baia. Fechou rapidamente a entrada, antes que o potro a seguisse. — Geralmente, não tem um almoço em família no primeiro domingo do mês? O tom que ela empregou para falar "família" dava a impressão que ele era da Máfia em vez de filho de um comerciante honesto e trabalhador. — Olá para você, também. — replicou Rico, impressionado com a própria frieza interna, apesar do ciúme e da fúria que cresciam dentro dele. — O problema, querida Renée é que não pude suportar nem mais um dia sem uma dose da sua encantadora companhia — acrescentou num tom de brincadeira, que mascarava a sinceridade de suas palavras. Ela o ignorou totalmente. Concentrou-se em colocar a tranca de volta na porta, antes de levantar seus olhos verdes e frios para ele. — Nesse caso, por que não esteve nas corridas de ontem? Rico sorriu. — Quer dizer que percebeu que eu não estava lá. Fico lisonjeado. — Não fique. Tive uma tarde muito agradável. Apostei em vários vencedores. — Se é assim, por que está tão azeda hoje? Sente-se sempre assim quando está perto de mim? Rico notava que sua língua parecia fugir, escapar dele, assim como as esperanças de que Renée aceitasse o convite para um programa. Não que ele fosse convidá-la agora. Não antes de descobrir o que se passava entre ela e Jackman. Nenhum homem gostava de bancar o idiota, nem mesmo um homem tão desesperado quanto ele. Olhava de cima a baixo o objeto do seu desespero, tentando não demorar na calça apertada e bege que realçava cada centímetro das pernas longas e esguias. A camiseta branca, igualmente apertada, mostrava mais busto do que ele pensava que ela tivesse. Ou então, ela usava um sutiã forrado de espuma.
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Não, não era enchimento, se deu conta em um segundo exame. Nem sutiã havia! O fino algodão branco revelava o contorno de seus mamilos duros e grandes, como balas de revólver. Talvez estivessem desse jeito pelo frio. O dia ainda não esquentara. Ou talvez por terem passado toda a noite na cama com Jackman. Seu estômago encolheu dolorosamente, quando lhe veio a imagem do outro sugando aqueles mamilos. Não suportava mais. Tinha que sair dali agora mesmo, antes que fizesse ou dissesse alguma coisa da qual poderia se arrepender. No entanto, não conseguia mover-se. — Se importaria se eu fizer uma pergunta pessoal? — falou, lutando para não demonstrar o que sentia. — Deixaria de fazê-la se eu me importasse? — disse ela. — Não. — Foi o que pensei. — Você e Ward são amantes? — exigiu uma resposta com os olhos fixos nos dela. Não havia dúvidas sobre a expressão de choque em seu rosto. Suas sobrancelhas delicadas arquearam-se mais ainda, seus olhos piscaram e seus lábios, vermelhos de batom, abrira-se ligeiramente. A recuperação contudo, foi rápida. Restabeleceu em seu rosto, o autocontrole habitual e a expressão de superioridade. Novamente o ignorou por alguns momentos e se abaixou para pegar a jaqueta de couro e a bolsa que ele não havia notado no chão, perto da porta do estábulo. O movimento lançou para a frente uma cortina espessa de cabelos macios e castanhos, que esconderam o rosto dela. Quando se endireitou, os cabelos voltaram para o lugar, o que demonstrava a habilidade do cabeleireiro. Levantando ligeiramente o queixo, ela o encarou de maneira firme e fria. — Por que pergunta? Alguém lhe disse alguma coisa sobre nós? — Não, mas a escutei conversando com o Pretinho agora mesmo e você pareceu muito íntima do Ward. Vamos ser claros. É dificílimo arrancar duas palavras dele, mas pelo que vi, ele contou bastante coisa sobre o progresso do cavalo. — E você chegou à brilhante conclusão de que ele me contou tudo na cama. — Contou? — Acho que isso não é da sua conta — disse ela friamente, e se virou para acariciar a cabeça de Pretinho mais uma vez. — Eu quero que seja da minha conta — replicou ele. — Por quê? — perguntou ela com indiferença, sem se dar ao trabalho de olhar para
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ele. — Em que isso o afeta? — Não gosto que você durma com Jackman — trovejou ele. Dessa vez, ela parou de acariciar o cavalo e olhou para ele com uma expressão curiosa. — Mas por quê? O que poderia dizer? Não gosto que você durma com nenhum homem. Quero você na minha cama e só nela. Ela riria na sua cara. Seu orgulho não suportaria tanta humilhação. — Ele é o treinador dos nossos cavalos. — esquivou-se ele — Não gosto da ideia de você receber com exclusividade informações que deveriam ser compartilhadas entre todos os sócios. Ela respondeu com uma gargalhada debochada. — Típico. Eu devia saber que o motivo só podia ser uma coisa dessas. Para sua informação, não estou dormindo com Ward. Se você tivesse um mínimo de cérebro ou algum poder de observação, saberia que ele e Lisa estão perdidamente apaixonados. Ela está até morando com ele. O único motivo de Ward falar mais comigo do que com você é porque ele sabe que eu gosto de verdade dos meus cavalos. Não estou nas corridas simplesmente por causa do status ou para fazer amizades. Satifeito agora? Quando ela ia se afastar, ele agarrou seu braço. Ela se enrijeceu e lançou um olhar que teria congelado qualquer homem mais fraco. Rico a segurou ainda com mais força. — Por que você me odeia tanto? — perguntou ele. — O que eu fiz para você? Ela mirou a mão que apertava seu braço, até ele soltá-la. Aí, ela estremeceu. Rico teve a certeza de que ela jamais sairia com ele, quanto mais ir para a cama. Não por vontade própria. A mulher sentia aversão por ele, por algum motivo ignorado. Foi a descoberta mais sofrida da sua vida, pior ainda do que quando ficara sabendo que Jasmine era uma mercenária. Muito pior do que qualquer coisa que ele pudesse imaginar. Agora, era ele quem tremia, não de maneira visível e sim internamente. Bem lá no fundo. — Você não quer que eu responda a essas perguntas — falou ela, irritada. — É melhor que não queira. Acredite em mim. — Quero sim — devolveu ele. — Acredite você, em mim. Seus olhos verdes se tornaram ainda mais frios, se é que isso era possível. — Pois muito bem, vou lhe dizer. O motivo de eu detestá-lo tanto é que você representa tudo o que eu desprezo no sexo masculino. Você é egoísta, autocentrado e tremendamente superficial. Diz que deseja ter uma vida iluminada, mas escolhe sempre as sombras. Faz julgamentos rápidos sobre as pessoas sem se dar ao trabalho de ir além das aparências. Quando penso em como você quase acabou com o casamento de Charles... Seu lábio superior franziu-se de desprezo e Rico se intimidou. Muito bem, ele cometera o
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terrível engano de acusar Dominique de ser da mesma laia de Jasmine, uma alpinista social sem coração. As evidências pareciam tão claras na época. — Tudo porque você não consegue ver além da sua própria experiência matrimonial patética — continuou Renée. — Como eu disse, egoísta e superficial. É claro que a maioria dos homens bonitos possuem essa mesma capa. Você imagina que é irresistível só porque nasceu com um corpo bonito e é muito atraente. Pensa que eu não sei que o seu arrogante nariz italiano levanta de surpresa porque eu não desmaio cada vez que você entra na sala? Ou que fica verdadeiramente aborrecido porque jogo pôquer melhor do que você? Eu poderia ter mais respeito por você, Rico Mandretti, se pelo menos uma vez tivesse mostrado um pingo de sensibilidade. Não, você insiste em continuar exibindo o seu tipo playboy superficial, agindo como um menino mimado quando as coisas não são como você quer! A voz dela se elevara ligeiramente e Rico, ao olhar em volta, se sentiu aliviado por ver que Neil não se encontrava mais à vista. — Mais patético ainda — prosseguiu Renée, apesar do embaraço de Rico. — Você vai de uma vigarista loura para outra só pelo fato de não ter conseguido o que Charles conseguiu. Cresça, Rico. Construa uma vida e arranje uma garota decente como esposa. Tenha a família que você vive afirmando que deseja. Aí, talvez eu possa gostar de você. Não, talvez não — acrescentou, tripudiando — Gostar é uma coisa que jamais poderei, mas pelo menos terei algum respeito por você. O discurso estava terminado. E Rico, também. Seu caráter nunca fora arrasado tão brutalmente em toda a sua vida. Nem mesmo Jasmine, em seus momentos mais venenosos, conseguira fazer com que ele se sentisse tão inútil. Poderia ter revidado, supôs. Poderia ter retalhado o passado de Renée que não era dos mais perfeitos. Contudo, de alguma forma, pensou que aquilo se viraria contra ele também. Só Deus sabe por quê. Ninguém o convenceria de que ela se casara com aquele velho idiota por amor. Mesmo assim, dinheiro talvez não tivesse sido o motivo. A convicção de que ela era uma mercenária poderia ser outro dos tais julgamentos apressados. — Eu o preveni — declarou ela, abruptamente. Ele permanecia parado ali, silencioso e chocado. — Não me faça sentir culpa por dizer a verdade. Não ouse dizer isso! Eu sei também que você não liga a mínima para o que eu penso. Homens como você não se preocupam com ninguém a não ser com voces mesmos. - Com um movimento repentino e raivoso, ela atirou seus cabelos para trás, passou por ele e se afastou. Bem, pelo menos ela acha que eu sou bonito, - Rico pensou amargamente enquanto observava a partida dela. Ficou claro que ela me repele mais por minha falta de 21
caráter do que por meu corpo musculoso ou o arrogante nariz italiano. Já era alguma coisa, não? — É, Rico... É isso aí — murmurou ele tristemente. Colocando as mãos nos bolsos da calça. Afastou-se também. Atravessou o pátio que, graças a Deus, encontrava-se deserto, disse um até logo desolado para Jed no portão e foi diretamente para o carro. Para casa.
CAPITULO QUATRO Charles reparou em Renée, estranhamente quieta do outro lado da mesa de jogo e depois em um Rico de expressão muito séria. Tentava adivinhar o que teria acontecido com os dois na semana que acabara. Estavam em ótima forma na última sexta-feira, agredindo-se mutuamente? Selvagens, mas extremamente divertidos. A história passou a ser completamente diferente. Os dois estavam de lábios e punhos cerrados. Os ganhos, até agora eram pequenos, apesar das apostas altas. Nem Rico nem Renée exibiam interesse em blefar um com o outro como geralmente faziam. Rico, particularmente sério, mesmo quando tinha uma mão muito boa não fazia o seu escândalo característico. Aquela estava sendo uma das mais aborrecidas noites dedicadas ao jogo. Teria sido melhor ficar em casa com Dominique. Francamente, mal podia esperar que a sessão acabasse. E ainda era somente meia-noite no relógio. Pelo menos, logo fariam uma pausa para um lanche. — É a sua vez, Charles — avisou Ali. — Esta será a última rodada antes da comida. — Ótimo — disse Charles. Rico concordou. Tudo o que queria era terminar com aquela tortura e sair dali. Com um suspiro, que foi ouvido por todos, começou a pegar as cinco cartas que Charles dera para ele. A primeira era a dama de copas. A segunda, o valete também de copas. Quando virou a terceira e viu que era o rei de copas, seu coração deu um pequeno salto. E quando a quarta revelou-se o às de copas, seu coração quase parou de bater. Minha nossa! A probabilidade matemática dizia a Rico que ele poderia seriamente esperar que a última carta fosse outra de copas, propiciando a ele um flush. Talvez viesse um dez, de qualquer naipe, para completar um straight. A chance de pegar o dez de copas e, assim, um royal flush era uma em um milhão. Já ouvira dizer que isso
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acontecia, mas nunca tinha visto e muito menos vivenciado. As pontas dos seus dedos apertaram a borda da mesa, quando pegou a última carta. Renée imediatamente virou-se para ele. Como um reflexo, Rico também se moveu e os olhos de ambos se encontraram. Pela primeira vez, olhou diretamente para Renée, desde quando ela havia entrado na suíte presidencial, às vinte horas em ponto, elegante e sensual em sua calça de lã creme, e um twin set verde. Pensava nela incessantemente desde o fiasco do último domingo, remoendo sobre um jeito para resolver a frustração. Ele fora jogar sem saber ainda o que deveria fazer. A resposta imediata e involuntária do seu corpo ao movimento dela fez com que ele se decidisse. Aquela seria sua última noite de pôquer com a viúva alegre. Charles e Ali teriam que encontrar outro parceiro. Deixaria também a sociedade de proprietários de cavalo. Para completar, faria uma viagem para o exterior por uns tempos. Recebera uma oferta para apresentar seu show em uma turnê pela Itália. Pretendia aceitar. Partiria imediatamente daquele cenário antes que apertasse o botão de autodestruição. A decisão, apesar de sensata o deprimiu. O jogo parecia estar sob uma neblina até então, mas as quatro cartas que tinha agora produziriam adrenalina em qualquer jogador de pôquer. Dessa vez, quando olhou para Renée, sua excitação não era sexual. O sorriso dela, repentino, o surpreendeu. Seria um pedido de desculpas? Uma oferta de paz? Não, percebeu rapidamente. Era muito esperto e sabia das coisas. Ela percebera sua súbita tensão e esperava sua reação com a última carta. Rico notou que a mulher já segurava as cinco cartas, portanto ela sabia o que tinha em mãos. Como era maliciosa e fria! Os olhos dele mudaram de foco, mas notou que ela continuava a observá-lo quando ele virou a quinta e última carta. Ele conseguira esconder a reação? Acreditava que sim, mas todos os seus músculos estavam rígidos pelo esforço de manter as mãos paradas e o rosto sem expressão. Afinal de contas, quantas vezes você pega a única carta que lhe dá uma mão maravilhosa e imbatível? Imbatível! Seu coração acelerou, enquanto lutava para manter a compostura. O sangue latejava em suas têmporas. A boca estava seca.
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— Quantas cartas você quer, Rico? — perguntou Charles, um pouco impaciente. Deliberadamente, ele hesitou, antes de relaxar na cadeira, adotando uma atitude confiante. Não era assim que ele normalmente agia quando sua mão estava boa. Sua intenção visava confundir os oponentes para convencê-los de que blefava. Caso contrário, todos desistiriam e ele não ganharia nenhum centavo. Isso seria um desperdício criminoso. — Acho que vou ficar com as que tenho — disse, sem mudar de tom. Ali franziu a testa para ele com um olhar de perplexidade. Rico sorriu de volta, pensando em como adoraria tirar alguns milhares dos milhões em petróleo de Ali. O problema era que o parceiro não era tolo. Raramente perdia muito na mesa de jogo. Será que ele suspeitaria de algo? — Ora, enfim o nosso Enrico está vivo hoje — murmurou Ali e pediu três cartas. Charles deu-lhe outras três. Infelizmente, Ali não pareceu emocionado com o que comprara, o que significava que possivelmente não apostaria nada. O príncipe não teria revelado a fisionomia desgosta se pretendesse blefar. Agora, era a vez de Renée. — Sem troca também — disse com a voz suave e de seda, que Rico achava indecifrável. Às vezes, ela blefava. Em outras, baixava com um full house ou pelo menos três do mesmo naipe. Mas daquela vez, não importava. Tivesse o que tivesse, não poderia vencer. O corpo de Rico vibrou de emoção quando a olhou novamente. Hoje eu vou sair daqui campeão, madame. Pensou com uma alegria selvagem, vinda de um orgulho masculino ferido. Espero que tenha um full house, quatro do mesmo naipe ou pense que estou blefando e aposte o último centavo que tiver. — Vou querer duas — disse Charles, o que sugeria que ele podia ter três do mesmo naipe nas mãos. Na verdade, possivelmente não. Em geral, Charles optava por um par e uma carta alta. Parecia feliz com o que recebera, mas a expressão poderia significar qualquer coisa. Charles era um jogador habilidoso. Rico tinha razão sobre Ali. Ele deixou a rodada imediatamente. Renée insistia, elevando cada vez mais as apostas. Rico fazia o mesmo. Charles parou quando as apostas chegaram a quantias de seis números. — Isso é demais para mim — disse e juntou suas cartas, colocando-as de cabeça para baixo na mesa. — Vocês dois podem se matar. — Acho que Rico deveria economizar seu dinheiro e parar agora também — aconselhou Renée com frieza. — A menos, é claro, que goste de perder. Desconfio que sim, pelo modo como está jogando nesta noite. Era a coisa mais errada que ela poderia dizer. Pelas cartas que Rico tinha na mão e pelos 24
sentimentos que carregara a semana inteira. Ganhar o dinheiro de Renée não era o suficiente. Queria destroçar o orgulho dela, assim como ela acabara com o dele no último domingo. A maldade insana que surgia em sua mente, fez com que o seu coração disparasse. Se Renée não estivesse blefando e desconfiava que não, ela não seria capaz de resistir à proposta. E assim, ela seria dele. Dele, onde ele sempre a desejou. Em sua cama. Só de pensar nisso, teve uma ereção instantânea. — Está tão confiante — disse ele suavemente, apesar da excitação que corria em suas veias. — Por que não elevamos as apostas? — Quer dizer a aposta máxima? — perguntou, franzindo ligeiramente as sobrancelhas bem feitas. — Não, pensei que poderíamos apostar outra coisa que não dinheiro. Ela jogou a cabeça para trás, piscando rapidamente os longos cílios. — Como o quê? — Sim, como o quê? — perguntou Charles também. — Qualquer coisa que imaginarmos. Renée pode escolher alguma coisa que eu lhe possa dar ou comprar e vice-versa. Qualquer coisa mesmo! Os olhos dela brilharam de raiva. — Não consigo pensar em nada que você pudesse me dar que eu mesma não pudesse comprar. — Não consegue? Pois eu tive a impressão, no domingo passado, que não era esse o caso... Ele a fitou e viu que ela entendera. A ficha caíra. Ela queria a parte dele no cavalo. Em Fogo de Ébano. Ela queria mesmo aquilo! Podia adivinhar o que se passava na mente dela. Se ganhasse o terço dele, seria relativamente fácil comprar a parte de Charles. O amigo estava perdendo mesmo o interesse na sociedade. Ela então poderia então realizar o desejo de ser a única dona do precioso potro. Rico sabia que Renée não conseguiria resistir à tentação. Concordaria com a aposta e cairia na armadilha. — Não sei se concordo com isso — disse Charles, sempre cavalheiro. — Não parece direito. — Cuide da sua vida, Charles — replicou Renée, à beira do inferno, segundo os olhos de Rico — Isso é entre Rico e eu. E o que sugere? — Escreveremos nossos desejos em pedaços diferentes de papel — sugeriu Rico. — Depois, colocamos cada um em um envelope e os deixamos sobre a mesa. Mostramos nossas cartas ao mesmo tempo e o vencedor leva a mesa. O perdedor então receberá o envelope do
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vencedor e terá que pagar o que quer que o vencedor tenha desejado. — Então, não vamos dizer alto na frente dos outros o que estamos apostando? — disse Renée, pensativa. — É um segredo? — Sim, é mais excitante assim. Você não acha? — E o que acontece com o envelope do perdedor? — perguntou ela, com os olhos verdes entreabertos. — Ela ou ele pode recolhê-lo, sem mostrar para o outro. Sua testa franziu ainda mais. — Não consigo imaginar o que você possa desejar de mim. — Talvez a mesma coisa que você deseja de mim. Ela o olhou com uma expressão dura. — Talvez — disse Renée, finalmente. — Mas, eu duvido. Mesmo assim, pode ser interessante descobrir. — Isso se eu ganhar, é claro — acrescentou Rico, fingindo que o resultado era imprevisível. — Se perder, vou querer meu envelope de volta. Os olhos dela o fitaram de uma maneira que ele daria tudo para compreender. Ela mantinha sua habilidade de esconder a verdade dele quando desejasse. Ele nunca sabia quando ela blefava ou não. — Vamos então pegar o papel e os envelopes — disse ela, rispidamente. — Ainda não estou muito certo se gosto da ideia — grunhiu Charles. — Por que não? — replicou Rico, encolhendo os largos ombros. — Qual o problema? Vai ser divertido. — Espero que sim — disse Charles hesitante e irônico. — Pela sua cara de hoje, podia prever que você nos divertiria um pouco. — Mas não vamos tornar esse tipo de aposta um hábito — acrescentou Ali, com a sua autoridade normal. O anfitrião não gostava de assuntos pessoais na mesa de jogo. — Esta vai ser uma exceção. Jamesl — chamou o mordomo, que preparava o lanche na sala ao lado. — Traga um bloco para o Sr. Mandretti, duas canetas e dois envelopes. — Sim, alteza — replicou o mordomo que logo se encaminhou para a escrivaninha que ficava no canto da sala de estar, onde guardava os objetos pedidos e os entregou a Rico com sua elegância de sempre. Rico arrancou a parte de cima do bloco do hotel e deu o resto para Renée, juntamente com uma caneta e um envelope. Ela escreveu rapidamente, evidenciando que sabia bem o que queria. Ele, no entanto, experimentava um 26
impasse. Quanto iria pedir? Uma noite com ela? Duas? Ou todas as noites de uma semana? Não eram o suficiente, decidiu aborrecido, enquanto sua carne ansiava pela dela. Não eram mesmo. Aproximou a caneta do papel e escreveu. "Você será minha amante durante um mês, começando por esta noite." Suas mãos tremiam ligeiramente enquanto dobrava o papel e o colocava no envelope. Na parte exterior, escreveu seu nome e o atirou sobre o envelope de Renée. Sim, em cima, pensou com um desejo furioso, quase que insuportável. Era onde estaria todas as noites dos próximos trinta dias. Em cima de Renée. Salvo quando ordenasse que ela ficasse por cima. As amantes tinham que ficar na posição e fazer o que os parceiros mandassem. Era esse o papel delas, não era? Satisfazer os homens que as mantinham sexualmente satisfeitas e atender a qualquer pedido deles? Naturalmente, Rico compreendia que teria que pagar pelo privilégio. As amantes não eram muito mais baratas do que as esposas mercenárias. Desfrutaria do prazer de gastar o seu dinheiro com Renée. Cobri-la de jóias e vesti-la com os últimos modelos dos estilistas mais famosos. Ela usava calças compridas demais para o gosto dele, apesar de ficarem muito bem em seu corpo alto e elegante, fazendo com que suas lindas pernas parecessem ainda mais longas. Desejava vê-la com vestidos decotados de tecidos macios, Camisolas de cetim preto, também muito decotadas, com alças finas, sustentadas somente pelos ombros e que se abriam com o simples toque de um dedo. Queria ver como ela era, quando não usava nada além daquele perfume almiscarado, que tantas vezes o deixara louco. Mais do que tudo, desejava vê-la gozar. Isso seria o maior triunfo e o maior prêmio para o seu orgulho masculino. Fazer com que ela perdesse o controle, observar a sua boca aberta, emitindo os gemidos do êxtase inesperado. Rico sabia que se havia um talento que possuía, um não concedido por Deus era a sua habilidade na cama. O belo aspecto com o qual nascera e do qual Renée debochara no último domingo tornava fácil para ele levar qualquer mulher para a cama. Sem falsa modéstia, as mulheres choviam na sua vida desde os quatorze anos. Contudo, fazia parte da sua natureza não se satisfazer somente com o fazer por fazer. Rico nunca vira a finalidade de fazer qualquer coisa, caso não usasse toda a sua habilidade naquilo. Portanto, ele havia aprendido tudo o que podia ser aprendido sobre dar e receber prazer sexual. Preocupara-se em descobrir o que uma mulher desejava naquele ramo. Com o tempo, descobrira quase todos os segredos, usando com elas, com grande sucesso. Jasmine podia ter se casado com ele por causa do dinheiro, mas com certeza se divertiu na cama de casada. Rico confiava em que Renée iria gostar de estar com ele, logo que ela baixasse a
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guarda. Naturalmente, não ficaria feliz quando lesse sua exigência. Ele tinha certeza que, ao contrário, ela se enfureceria. Uma pena. Uma aposta era uma aposta. Tinha que ser paga, totalmente. Renée sabia disso. Não duvidava de que a viúva alegre fosse pagar. Pagaria-a sim, não com felicidade e nem com vontade. Não no princípio, pelo menos. O desafio seria fazê-la mudar de ideia, fazê-la ver que, como sua amante, ela passaria de maneira muito agradável as próximas semanas. O pensamento de seduzi-la totalmente com sua disposição sexual era quase tão excitante quanto olhar para o jogo inacreditável que ele tinha em mãos. — Então, vamos logo — disse Charles, com impaciência. — Vamos baixar os jogos. A voz de Charles, naquele momento, desestabilizou Rico. Esquecera sobre a reação do melhor amigo, quando a exigência, nada cavalheiresca, se tornasse pública. Charles ficaria chocado e desaprovaria. Ali, nem tanto, Rico imaginava. Suas ideias sobre mulheres e sexo eram rudimentares. Sempre que conhecia uma jovem de quem gostasse, nas corridas, em Sydney, a convidava imediatamente para uma noite na suíte presidencial e depois, para a sua propriedade por uma semana. A moça era devolvida na sexta-feira e nunca mais convidada. Apesar dos casos de uma semana do príncipe serem públicos no meio das corridas em Sydney, ele não tinha problemas para arranjar companhia. Na verdade, Ali tinha ainda menos problemas do que Rico. Jasmine, uma vez, descrevera o árabe como o sexo ambulante. Claro que seus bilhões faziam parte do seu sex appeal, como sempre acontecia com homens muito ricos. Contudo, se as mulheres que o acompanhavam pensavam que poderiam fisgá-lo para marido, estavam completamente enganadas. Ele uma vez confiara a Rico que não tinha a menor intenção de casar ou ter filhos. Seus cavalos eram os seus filhos e as mulheres não passavam de uma distração agradável. Não. Ali não ficaria chocado com a exigência de Rico. Nem um pouquinho. Charles, no entanto, era outra história. Tarde demais para se preocupar com isso. Chegou o momento de colocar as cartas na mesa. A hora de reclamar o seu prémio.
CAPÍTULO CINCO
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_ Juntos, então? - sugeriu Rico, agora excitado demais para se importar com o que os outros pensariam. Os ombros de Renée se elevaram um pouco, aparentemente despreocupados, mas ele detectou por um instante, alguma coisa que não soube definir. Não poderia dizer, com certeza, que era pânico. Estaria ela com medo de perder? As mãos da mulher tremiam de leve, enquanto ela baixava as cartas pouco antes dele. Ela estava preocupada. E com toda a razão, pensou demoníaco, quando viu as cartas. Quatro noves formavam um bom jogo, mas não tão bom assim. — Espero que não esteja blefando, amigo — disse Charles. Rico expôs então sua combinação quase inacreditável. Renée suspirou profundamente, enquanto Charles não conseguia fechar a boca. — Meu Deus! — exclamou ele. — Uma sequência real. Nunca vi uma coisa dessas antes. — Eu já — disse Ali secamente. — Como você foi mau Enrico. Arrastar Renée para uma aposta dessas com o jogo que tinha em mãos. — Renée não tinha que concordar — declarou Rico. Sua felicidade se recusava a ceder lugar à culpa. — Ela era quem devia decidir que tipo de jogo eu tinha nas mãos. Devia saber que eu não estava blefando. — Eu sabia — disse Renée, já novamente com a pose normal. — Só não percebi que sua mão era imbatível. Eu tinha cartas muito boas. Rico amarrou a cara. Ela devia ter ficado mais desapontada, mais zangada com ele. No entanto, ainda não sabia o que ele exigira. O que aconteceria quando lesse? Se Rico tivesse alguma habilidade para julgar o caráter das pessoas, uma coisa que Renée insistia que não, apostaria que ela não faria uma cena. Ficaria fria e controlada, até estar sozinha com ele. Então, diria tudo o que pensava dele. De um jeito perverso, ele aguardava ansiosamente esse momento. A única boa lembrança daquele domingo fatídico foi vê-la zangada com ele. O ódio acalorado era preferível ao desinteresse frio. Outra coisa que não conseguia esquecer foi ela ter admitido achá-lo fisicamente atraente. Como ele dependeria disso agora! Quando ela pegou os dois envelopes, o estômago de Rico deu um nó e ele se sentiu tremendamente preocupado. Renée pôs de lado o que tinha o nome dele e pegou o outro. — Posso ficar com ele de novo agora, não posso? — indagou-o desafiando com o queixo. — Foi esse o trato. O perdedor pode guardar o seu segredo.
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— Não é um segredo para mim — retrucou Rico, irritado com a demora dela em abrir o envelope dele. — Sei exatamente o que você pediu. — Você pensa que sabe — disparou ela. Rico não podia acreditar. Ele havia triunfado e ela conseguia fazer uma observação inteligente para aborrecê-lo e desconcertá-lo. Arrependia-se agora das condições do acordo. Preferia ver com os próprios olhos o que ela escrevera. Mesmo quase certo de que ela exigira a parte dele no Fogo de Ébano, nunca, jamais teria total segurança. Ela nunca lhe diria. Conhecia Renée suficientemente bem para saber disso! — Isso está ficando demais para mim. — resmungou Charles. — Abra o envelope de Rico, pelo amor de Deus e vamos ver o que ele quer. Espero que você tenha muito dinheiro Renée, porque com a mão que tinha, Rico poderia pedir o mundo! — Duvido que nosso amigo italiano pedisse qualquer coisa que pudesse ser comprada — disse Ali, com a perspicácia de sempre. — Desconfio de que seja uma coisa que somente Renée possa lhe dar. — Foi exatamente o que pensei — concordou Renée com estilo, demorando a guardar seu envelope na bolsa que sempre mantinha junto a seus pés e finalmente pegando o com o nome de Rico. — Estamos certos, Rico?— perguntou, com um sorrisinho nos lábios e olhar de desdém. Rico lutava para impedir que o seu rosto corasse, um esforço quase impossível. Seu corpo estava em brasa e seu cérebro sitiado pela mais humilhante das deduções. Ela sabia. Sabia o que ele pedira. Ali também suspeitava. Teria ele sido tão óbvio nos últimos anos? Todos saberiam o quanto ele a desejava, de seus tormentos de desejo e angústia nas noites de sexta-feira? Charles adivinhara o sentimento supostamente secreto de Rico pela viúva alegre há algum tempo, mas ele era o seu melhor amigo e confidente. Rico jamais imaginaria que os outros dois soubessem também pelo que ele estava passando. Era muita tortura. Mais uma vez ela atingira o seu orgulho. Tentou não demonstrar. Tentou evitar que seu rosto revelasse o ressentimento que fremia dentro do peito, mas não conseguia esconder os sentimentos como ela. Podia sentir o coração batendo com fúria. Jurava para si mesmo que faria com que ela pagasse por aquilo da única maneira ao alcance dele. Em algum momento, durante as próximas semanas, ela imploraria por ele. Sentiria a angústia da necessidade, gemeria de desejo e então, se apaixonaria por ele! Que vingança deliciosa, pelo desprezo de todos aqueles anos! A viúva alegre se renderia e lhe entregaria a alma, assim como o corpo. Quando ela abriu o envelope, ele ja sabia o que esperar. Nenhuma reação visível. 30
Nenhum choque. Nenhuma raiva. Não externamente, pelo menos. Ela protegeria o orgulho a qualquer preço e que o dele fosse para o inferno. — Ora, ora, ora — disse Renée somente, mexendo apenas com a sobrancelha direita. A que ela levantava quando sarcástica. — Estou surpresa, Rico. Se isso era tudo o que queria, por que não pediu? Não teria que esperar por uma chance em um milhão para realizar o desejo do seu coração. Rico irritou-se rapidamente e expeliu a raiva que sentia. — Quer dizer que teria dito sim se eu pedisse? — Pedisse o quê? — cobrou Charles. — O que foi que ele pediu, bolas? Ou também não poderemos saber do que se trata? — Não fique tão irritado, Charles — disse Renée suavemente. — É claro que podem saber. Não é nada que valha a pena esconder. Rico só quer que eu saia com ele. Rico não poderia negar que a reposta o surpreendera. Estava certo de que ela o entregaria. Foi aí que a verdade veio para ele. É claro! Ela estava protegendo o orgulho dela novamente. Não queria que os outros soubessem o que ela estaria fazendo pelo próximo mês. — Mas isso não faz sentido — disse Charles, com um tom de preocupação na voz. — Se queria convidar Renée para sair, por que simplesmente não fez isso, como ela disse? — Porque não queria se arriscar a levar um não — explicou Ali. — Nenhum homem gosta de ser rejeitado. — Renée não teria dito que não — disse Charles com firmeza. — Teria, Renée? — Claro que não, Charles — respondeu Renée com seu jeito educado, mas sarcástico, que Rico conhecia tão bem. — Como poderia ter resistido ao charme de Rico? — Eu a convidei para sair antes — acrescentou Rico através dos dentes apertados, mal controlando seu gênio. — Só para programas de família — recorreu ela. — Jamais um programa íntimo, só nós dois. Quando ela disse " só nós dois", seus olhos se encontraram com os dele e Rico juraria ter visto um brilho de excitação, não de deboche, no fundo deles. Não! Não. Tinha que estar enganado. Dificilmente ela poderia ter desejado dormir com ele. Bem, ela não o julgava fisicamente repulsivo, mas deixara claro no domingo anterior, que não gostava nada dele. Ele seria o último homem da Terra que ela escolheria como amante. — Dominique vai ficar contente — disse Charles com um grande sorriso. — Vocês dois não vão mais poder recusar seus convites para jantar no futuro. — Nós só vamos sair algumas vezes, Charles — assinalou Rico. — Vamos ver se nos 31
entendemos. Não comece a fazer planos para o futuro. — É claro que poderíamos ir a uma festinha, Rico — disse Renée, surpreendendo e chocando-o. — Ainda me sinto culpada por ter recusado o último convite que Dominique nos fez para jantar com ela. Diga para ela me telefonar e marcaremos uma data para breve. Rico ficou sorrindo por fora, mas pegando fogo por dentro. Não queria ter que fingir ser o verdadeiro parceiro de Renée na frente dos amigos. Não era esse o plano. Ela deveria ser mantida na escuridão da noite e ser usada só para o seu prazer particular. Quando a levasse para sair, seria para uns drinques e para dançar em boates pouco iluminadas, vestida como somente uma amante se vestiria. Ele não queria representar o cavalheiro. Nem por um único momento. Não sabia ainda como, mas tiraria o corpo fora daquele convite para jantar. — James mandou avisar que a comida está servida — anunciou Ali, e levantou-se da cadeira. O lanche das noites de pôquer não era pesado. Somente saborosos sanduíches, tortas e café, servidos sobre uma grande mesa de centro. Os quatro se serviam sozinhos, exceto pelo café. Neste caso, James fazia as honras e depois se posicionava ao lado com a cafeteira, pronto para servi-los novamente. Raramente essas refeições demoravam mais de meia hora. A comida e a bebida eram intercaladas por idas ao toalete. Renée sempre usava os dez últimos minutos para fumar, no balcão próximo à mesa onde eram servidos. Herdara o hábito dos dias de modelo, quando usava o cigarro para manter o peso, uma de suas poucas revelações sobre o passado. Ela praticamente engolira a primeira xícara de café, Rico percebera. Sem tocar na comida, levou a segunda xícara de café para o balcão. A vontade de Rico foi segui-la, mas Charles não parava de comentar como não conseguia acreditar na combinação de copas e na aposta. — Puxa, Rico, você poderia ter pedido qualquer coisa, qualquer coisa mesmo e só pediu um encontro. Nunca pensei que fosse tão romântico. — Todos os homens são românticos — disse Ali. — Precisam é encontrar a mulher certa. Infelizmente é geralmente esse o problema. Conhecer a mulher certa — afirmou. Livrouse da xícara vazia e dispensou o mordomo que se preparava para servi-lo novamente. Ali tomava café com o mesmo amor de Rico pelo chianti. — Basta por hoje, James. Eu volto logo, amigos e então poderemos retornar para a mesa de jogo. Quando Ali deixou a sala e Charles pegou seu celular para dizer a Dominique que mal podia esperar para chegar em casa e lhe contar a jogada e a aposta surpreendentes, Rico
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aproveitou para se aproximar de Renée junto do balcão. Ao passar pela mesa sobre a qual ela colocara bolsa e xícara, Rico percebeu que o cinzeiro estava cheio de papel queimado recentemente. Dar-se conta que ela correra para destruir o pedido aumentou a curiosidade de Rico, mas ele estava determinado a não mencionar o fato. Estava também determinado a não dar o braço a torcer, deixar o peixe fugir do anzol, mesmo com a culpa que embrulhava o seu estômago. A visão do corpo dela curvado contra o balcão, em uma atitude de derrotada, aumentou mais ainda, sua culpa de ser o vencedor. Como poderia levar aquela história adiante, Rico Mandretti? Perguntou a si mesmo. A resposta era bastante complexa, mas resumindo, ele não tinha escolha. Possuí-la pelo menos uma vez era uma compulsão, uma necessidade. Esperar, no entanto, que ela conseguisse suportá-lo por um mês era algo além da imaginação. — Em que está pensando? — perguntou, quando se reclinou na bancada ao lado dela. Ela não olhou para ele e tambem não respondeu. Continuou tragando compulsivamente o cigarro. — Uma noite — disse ele, se arrependendo das suas palavras no mesmo instante. — Reduzo a aposta para uma noite. Ela expirou a fumaça lentamente e depois se virou para encará-lo com uma expressão severa e aborrecida. — Está com pena, Rico? Você? Isso me surpreende, mas sinto muito querido. Tenho que recusar seu gesto galante. Uma aposta é uma aposta. Você exigiu que eu fosse sua amante durante um mês e eu serei sua amante por um mês. Nem um dia a menos. Nem um dia a mais. Sua recusa o deixou inseguro. Seria o orgulho que ainda falava ou teria algum trunfo na manga? Qual fosse o caso, a experiência ensinara Rico a nunca tentar entender Renée melhor. Portanto, encolheu os ombros. — Tudo bem para mim — disse ele que não desejava mesmo diminuir a sentença. Ela fizera a própria cama, pois que se deitasse nela. — Pode pensar assim hoje — replicou ela. — Pode pensar diferente daqui a um mês. — E uma ameaça, Renée? Ou um desafio? — É uma promessa. Agora, eu não somente detesto você, Rico. Eu o desprezo. — Se me despreza tanto por que não contou a Charles o que realmente pedi? Por que me salvou com uma mentira? — Pelo amor de Deus! — exclamou com impaciência. — Eu não menti por você. Só não quis que Charles soubesse como o melhor amigo é o canalha dos canalhas. — E por que se importa com isso? 33
— Porque aquele tonto gosta de você, por isso. E eu gosto dele. Por que ele deveria ser incomodado com essa história? Você já causou sofrimento suficiente neste ano, não acha? Essa batalha é entre nós dois e é assim que vai ficar. — Batalha? Que palavra estranha para ser usada. — Acho que é bastante apropriada. Nós estamos em guerra, você e eu. Estamos em guerra há muito tempo. — Então, talvez seja a hora de acabar com ela. Talvez seja a hora de fazer amor, não a guerra. — Fazer amor? — ela quase cuspiu a palavra. — Você deve estar louco! Você quer tanto fazer amor comigo quanto eu quero com você. Você quer se vingarpelo que eu lhe disse no domingo. Só isso. Rico percebeu num estalo, que a vingança não fora a sua primeira e mais profunda intenção a respeito dela. Ele teria preferido que ela gostasse dele, que o respeitasse e o desejasse pelo homem que era. Mas sabia que aquilo jamais iria acontecer. Portanto, não se diminuiria ainda mais, expondo o que se passava em seu coração. — Acredite no que quiser, Renée. Vou reservar um quarto para nós aqui no hotel logo que a noite de pôquer estiver terminada. Espero que me acompanhe e que fique a noite inteira. E já que não quer que o querido Charles saiba que amigo mais canalha que eu sou, sugiro que se encontre comigo na portaria depois que ele tiver deixado o hotel. Ela não moveu nenhum músculo. Não visivelmente, pelo menos. Rico começou a duvidar se ela era uma mulher viva que respirava ou era um robô maligno produzido pelo diabo, enviado à terra para atormentar e torturar tolos como ele. — Está bem para mim — disse ela, fazendo eco às palavras dele. — Só uma pergunta antes de voltarmos lá para dentro. Existem amantes e amantes, Rico. O que exatamente você está esperando? O tipo de amante gatinha que faz tudo o que você quiser e quando você quiser ou o tipo depravado, com roupas de couro e chicote em punho? Rico foi realmente pego de surpresa. — E se eu escolher o segundo? — perguntou, depois de por um instante intrigado. O sorriso dela era gelo puro. — Eu ficaria muito contente. Sempre pensei que uma ou duas surras fosse o que você mais merecesse no mundo. Rico não pôde evitar e riu. Essa era a Renée que mais o excitava. A mulher sarcástica. — Talvez, não seja bem isso o que estou querendo — respondeu, ainda sorrindo. — Gostaria de sobreviver a este mês com a minha pele intacta.
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— Ah, sim, mas e quanto a sua alma? — acrescentou ela como uma cobra. — Acredita realmente que vai passar por isso e conseguir viver consigo mesmo depois? Por um segundo, a sua consciência foi atiçada. Rico compreendia muito bem que o que fazia era errado. Mas ele ia além do bem e do mal quando o assunto era essa mulher. — Você tem toda a razão — disse ele, fingindo-se arrependido e se divertindo com a momentânea surpresa dela. — Não tenho a menor dúvida de que vou me sentir muito mal depois, mas posso correr para me confessar, se sentir necessidade. Vamos, minha querida, Sra. Selinsky — disse, tirando abruptamente o cigarro que estava na mão dela. — Está na hora de voltar à mesa de jogo — afirmou apagondo o cigarro com força no cinzeiro antes de levantar seus olhos brilhantes para ela novamente. — Não que eu vá conseguir concentrar minha mente no pôquer. Estarei ocupado demais imaginando-a como uma... Como foi mesmo que descreveu seu papel para este mês? Uma amante do tipo gatinha que fará tudo o que eu quiser quando eu quiser. É bastante difícil imaginar essa cena, já que me despreza tanto. Mas lembro de que li uma vez que as modelos têm que ser também atrizes maravilhosas, além de cabides de roupa. Portanto, tenho certeza de que você se saía muito bem quando desfilava na passarela e quando representava a esposa do Sr. Selinsky. Ação.
CAPÍTULO SEIS — Está louco? O que deu em você para reservar uma das suítes nupciais? — perguntou ela com raiva enquanto ele abria a porta. Rico a olhou com satisfação. Ela estava nervosa, percebeu. Ótimo, porque ele estava nervoso também. Toda a pose dele no balcão desaparecera durante a última hora de jogo e ele ficara completamente confuso. — Não se queixe — aconselhou bruscamente. Nem explique nada, disse para si mesmo. Ela não precisava saber que você não quis levá-la para um dos quartos simples aonde iria com Leanne. Quis alguma coisa especial para a primeira noite deles. Não passava de um tolo romântico As luzes se acenderam no momento em que ele introduziu o cartão na fechadura magnética. Não estavam muito fortes, com os lustres do teto apagados. Somente luzes suaves, vindas das paredes e abajures. O suspiro forte de Renée sucedeu a primeira impressão de Rico sobre o ambiente. O quarto era bem romântico mesmo. — Não acredito nisto — disse Renée, enquanto passava pela entrada de mármore preto, sob um arco ornamentado e entrava em uma sala de estar que parecia retirada de um
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conto de As Mil e Uma Noites. Rico a acompanhou, igualmente surpreso com a decoração. O carpete era vermelho sob os pés. O papel de parede, azul profundo. Do teto, tecidos de seda preta e dourada davam a sensação de que estavam em uma tenda. Era mesmo inacreditável. O mobiliário e a decoração eram exóticos. Cortinas de seda azuis adornavam a enorme janela, presas dos dois lados por fitas do mesmo tom, decoradas com laços dourados enormes que iam até o chão. Sofás curvos e baixos, bem coloridos, estavam colocados em torno de uma mesinha de centro circular de laca preta, sobre a qual encontrava-se uma bandeja de prata com um balde de gelo também de prata, com a obrigatória garrafa de champanhe gelada. Perto do balde, duas taças do cristal mais fino. Uma bandeja com queijos e frutas frescas deve ter sido enviada enquanto eles subiam pelo elevador. O Regency era famoso pela rapidez do serviço de quarto. — Isso parece ter saído de um filme da terra da fantasia — disse Renée sem emoção, ao colocar sua bolsa sobre a mesinha lateral, também de laca, e seguir para outro grande arco, à direita. — Meu Deus — disse, perdendo o fôlego, quando entrou no quarto. Rico ainda estava no seu encalço. A sala de estar podia ter saído da terra da fantasia, mas o quarto conseguia superá-la. O tapete era cor de esmeralda e espesso como grama fresca. Rico imaginou como seria senti-lo descalço. As paredes pareciam forradas com papel alumínio. O leito nupcial, também de laca preta, sobre uma plataforma no centro do quarto, tinha quatro colunas e um baldaquino de panos delicados e brancos, como as camas dos filmes épicos de deserto dos anos cinquenta. A colcha era de cetim branco, bordada em prata, com inúmeros travesseiros e almofadas espalhados contra a cabeceira curva. O teto, Rico percebeu com as sobrancelhas levantadas, era totalmente espelhado. O camareiro tinha dito alguma coisa sobre as suítes nupciais serem temáticas, mas estava agitado demais, não havia prestado atenção na informação. Seus olhares finalmente se afastaram da cama para examinar o resto do quarto e pousaram simultaneamente nas duas estátuas nuas, uma de cada lado do arco sob o qual estavam eles. Em tamanho natural, ambas eram feitas em mármore cinza e tremendamente eróticas. Impossível olhar para elas sem pensar em sexo. Rico, que já estava com uma ereção dolorosa, não precisava de estímulos. Nem de mais demora. Renée continuava olhando as esculturas apaixonadas e não ouviu quando Rico se aproximou por trás dela. Saltou quando ele passou as mãos por seus ombros, mas não disse uma palavra em protesto. As mãos dele pressionaram os ombros com mais força, 36
enquanto a puxava para mais junto do corpo. Os lábios dela soltaram um murmúrio. — Sensual, não é? — sussurrou ele com o nariz nos cabelos dela e com os lábios tocando a orelha direita. O ombro de Renée disse o que ele precisava saber. Não se tratava de revolta. Nem mesmo de nervosismo. Excitação pura e simples. Não tão pura, talvez. Ele ronronou sedutoramente. — Sou grande e duro, Renée e estou excitado. Muito excitado. Não está me sentindo?— Pressionou seu corpo contra a suavidade das nádegas dela. — Vê o quanto eu a quero? Você não me quer também, nem um pouco? Um grito escapou dos lábios dela, enquanto ele a girava nos braços. Renée o encarou e tinha o rosto completamente corado. — Eu te odeio, Rico Mandretti — declarou, mesmo quando passava os braços em torno do pescoço dele e erguia os lábios. Rico ouviu sua declaração, mas os atos foram mais fortes do que as palavras. A ações lhe diziam que ela também o queria. Talvez mais do que um pouco. — Gosto do seu tipo de ódio — disse ele passando os braços com força em torno do corpo dela. Apertou-a mais e esmagou com os seus, os lábios dela. O beijo era selvagem, mas ela não se esquivou. Ao contrário, se aproximou mais ainda. Recebeu com avidez a língua dele em sua boca, demonstrando uma fome quase tão selvagem e incontrolável quanto a dele. Ele a beijou repetidamente até ela ficar completamente entregue e ele também. Rico estava ébrio pelo desejo e necessidade. Finalmente, ele a puxou para o tapete verde e macio e começou a arrancar suas roupas. Será que ela o ajudou ou foi somente ele quem agiu? Logo os dois estavam nus da cintura para baixo e ele abria as pernas dela para tocá-la. Ela estava molhada. Bem molhada,. Ele gemeu e a tocou mais, emocionado com a evidência do desejo dela. Ela jamais poderia dizer que também não o desejou. Seus dedos escorregaram facilmente para dentro dela que gemeu, sacudindo a cabeça de um lado para o outro sobre o tapete. — Não, não — começou ela a murmurar, mas ele sabia que isso não significava um pedido para parar. Ela queria que ele estivesse dentro dela e não suas mãos. E era onde ele também queria estar, apesar de saber que estava indo rápido demais. Onde teriam ido parar suas habilidades na cama? Ele não seria capaz de se controlar por muito tempo mais. Tinha que tê-la agora! Agora! Dentro do tempo de uma batida de seu coração, ele estava dentro dela, preenchendo cada espaço. Engoliu em sêco a emoção acelerada que ricocheteava dentro dele. Que calor delicioso, que doce rendição.
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Mas toda a rendição seria dele. E logo. Talvez, se aquelas pernas longas e lindas não estivessem enroladas em torno dele e ela não demonstrasse tanta urgência, enfiando as unhas em suas nádegas já tensas, ele teria uma chance. Mas daquele jeito... — Oh, não — murmurou ele, quando suas coxas e seu estômago endureceram e sabia por experiência, que estava a ponto de explodir. Anos de prática de sexo seguro finalmente começaram a tocar os sinos de aviso em sua cabeça, mas já era tarde demais. Atingiram o clímax, gemendo juntos, com espasmos violentos derivados de cinco anos de expectativa. Suas costas se arquearam, assim como as dela. Em seguida, apertou-a fortemente contra o corpo, enquanto seu sémen jorrava dentro dela. Recusava-se a pensar nas consequências daquele instante. E se a tivesse engravidado? Não seria o fim do mundo. Na verdade, pensou, enquanto seus orgasmos começavam gradualmente a diminuir, poderia ser o princípio de um bravo mundo novo. Para ele e para ela. Ele sempre quis filhos e quis Renée desde o momento em que lançara os olhos sobre ela. Ela retirou as pernas da cintura dele com um suspiro de exaustão, enquanto seus braços também abandonavam o corpo dele, caindo moles para os lados. Ele colocou o peso do corpo sobre os cotovelos e olhou-a. O rosto estava corado e caído para o lado, os olhos estavam fechados e ela tinha os lábios ainda entreabertos. A respiração de Renée ainda era intensa, mas voltava lentamente ao normal. — Você está bem? — perguntou ele carinhosamente. A cabeça dela se virou para mirá-lo então os olhos se abriram, tão frios e calmos como sempre. — Quer saber se estou aqui deitada preocupada por que não fiz sexo seguro com um famoso playboyl Rico novamente se irritou. Nada mudara. Uma vez sarcástica, sempre sarcástica. — Eu não sou — começou ele. — Nunca fui um playboy famoso. Fora isso, posso garantir que essa foi a primeira vez que pratiquei sexo inseguro desde que deixei Jasmine. E antes que você pergunte, digo que fizemos exames de sangue para saber que tipo de criatura ela era. E você? — Você não precisa se preocupar, Rico — disse, com um suspiro fraco. — Com nada. — Quer dizer que está protegida contra a gravidez? — Confie em mim quando digo que não haverá um bebê. O que você pensa que sou? — ela disse, violentamente. — Uma idiota completa? Rico irritou-e ainda mais consigo mesmo. Que tipo de tolo era ele por chegar a
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considerar um futuro com aquela mulher? Que tipo de esposa ela seria, ou mãe, se chegarmos a esse ponto? — E quanto ao resto? — insistiu ele. Afinal, só porque não havia dormido com Ward Jackman não significava que não tivera outros amantes. Naturalmente, deveria ter uma vida sexual bastante agitada. Podia dizer por seu desempenho. Ela o acusava de ser um playboy, mas o mundo da moda onde ela circulava, não era conhecido por ser exatamente conservador no ramo sexual. Eram um bando de incestuosos pelo que ele podia ver. Assim como no mundo do teatro. — Se precisa saber, essa é a primeira vez que faço sexo sem estar protegida em tanto tempo que nem importa. E, sendo doadora regular de sangue, posso garantir que estou limpa. — Ora, como você é prevenida — debochou ele. — E você não fica contente por eu ser? Pense um pouco. Um mês inteiro de sexo sem camisinha, se quiser. Essa é uma fantasia masculina nos dias de hoje, se é que tem alguma. Rico tinha que confessar que a ideia o atraía. E muito. Estremeceu quando pensou que poderia fazer sexo com ela a qualquer momento, sem se preocupar com proteção, o que o lembrou que ainda se encontrava dentro dela. Sua carne encaixada dentro da dela. O encaixe se tornou menos folgado naquele momento. Os olhos dela se abriram mais. — Não pode ser — disse, mal podendo acreditar. — Não tão depressa. — Nós, os playboys, podemos continuar indefinidamente — disse com uma expressão de jogador de pôquer. — Ou deveria acrescentar que posso ficar assim a noite inteira? Seja como for, o resultado será o mesmo. Seremos parceiros muito felizes. Mas vamos tentar dessa vez sem o resto das nossas roupas. Sempre desejei vê-la nua. O rubor surgiu novamente em seu rosto, agradando Rico ainda mais. Gostava de vêla perturbada. Mas deveria saber que ela logo se recuperaria. — Você também — ordenou ela. — Não vou ser a única a usar a roupa com que nasci. — Com prazer — disse ele e arrancou a camiseta rapidamente. Não havia dúvida de que ela gostou do que viu. — Eu sabia que você deveria ter um lindo peito cabeludo — murmurou, enquanto passava sensualmente seus dedos pelo centro do tórax dele. Os olhos de Renée, que estavam raivosos e luminosos um momento antes, ficaram turvos. Ela parecia perdida em outro mundo. Seu foco, dos pelos que cobriam o peito de Rico, se movia para baixo. Os dedos dela começaram a seguir a mesma direção. Ele encolheu a barriga, mas ela foi somente até o umbigo, recomeçando seu caminho para cima. O 39
alívio que ele sentiu foi muito curto, pois ela logo descobriu os mamilos já endurecidos do parceiro e começou a brincar com eles. Rico engoliu em seco e em seguida, segurou os pulsos dela. — Pare com isso — falou, com a voz rouca. — Ou terminaremos antes de começar — disse. Droga! Ela o excitava mais rapidamente do que qualquer outra mulher com quem estivera. Sua ereção já era novamente completa. Talvez o ódio fosse o afrodisíaco. — Você quer dizer como da primeira vez? — debochou ela. — Você também foi rápida — lembrou ele. — Tire o resto de suas roupas. Lentamente. Quero assistir. Os olhos dela soltaram faíscas. — Você é um demónio depravado, sabia disso? — Pare de falar e tire essa roupa, minha amante. Ela não arrancou os olhos dele, enquanto lutava para tirar seu cardigã verde claro, um processo não muito fácil quando a pessoa se encontrava deitada no chão. Teve ainda mais dificuldade para se livrar da blusa de mangas curtas e ele teve que ajudar. — Vou lhe comprar umas roupas mais fáceis de tirar — murmurou ele roucamente. — Isso ou vou mante-la nua o tempo todo em que estiver comigo. Ela levantou os olhos para ele, enquanto ele não tirava os seus do sutiã. Era feito de cetim rosa claro, uma coisinha de nada, que não realçava e nem exagerava as formas. Ele tivera razão quando imaginara que ela tinha belos seios. Não tinha tanto busto quanto Jasmine, Leanne ou muitas outras mulheres com quem ele saíra durante todos aqueles anos, mas o que ele via através daquele cetim rosa parecia lindamente redondo, macio, com bicos rígidos, da maneira como ele gostava de seus chocolates. As mãos dela se dirigiram ao centro do peito, para soltar o fecho, mas hesitaram. — Não seja tímida — disse ele com a voz grossa. — Você deve saber que é linda. — Eu... eu sempre pensei que você preferisse mulheres fartas — disse ela, tremendo um pouco. – E louras! – ela acrescentou com mais força. Sua repentina falta de confiança o comoveu. Ele sorriu. — E prefiro. Você é uma exceção. Pronto. Deixe que eu tiro. Afastou as relutantes mãos dela e desabotoou o sutiã, revelando lentamente os seios de uma linda forma, Tinham auréolas deliciosamente escuras e bicos grandes, eretos. Logo que tirou a peça, jogando-a para o lado, não pôde resistir a se curvar para
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sugá-los. Ela não o impediu arqueando as costas ao primeiro contato, puxando em seguida carinhosamente sua cabeça para que ele sugasse cada seio, como se fosse um bebê muito querido. Rico achou aquela experiência incrivelmente sensual e ao mesmo tempo, surpreendentemente reconfortante. Era como ser envolvido por uma enorme toalha morna, depois de um banho longo. Poderia ter ficado sugando aqueles seios para sempre. De repente, ela puxou seus cabelos para cima, o que fez com que ele desse um grito de dor. Ele levantou a cabeça e olhou de modo inquisitivo para um rosto agora muito corado. — Chega — disse ela com voz rouca. — Se continuar, vou me desmanchar. Ele piscou. — Não brinca. Só por fazer aquilo? Então ele sentiu o interior dela o espremendo e o soltando. Percebeu que a necessidade que ela tinha de outro orgasmo era grande. — Há quanto tempo não tem a companhia de um homem? — perguntou ele. O rosto dela se contorceu em uma careta que parecia de dor. — Por favor, não comece a fazer perguntas estúpidas — respondeu. — Pelo menos uma semana, está bem? Agora venha com força e depressa. Entendeu? Uma vez que Rico havia decidido que a resposta só poderia ser sarcasmo, se dedicou à tarefa com gosto. Com força e rápido. Era o que ela desejava, pois forte e rápido era o que teria. — Meu Deus — gemeu ela, depois de vários espasmos, o que fez com que ele aumentasse seus esforços. — Deus, me ajude — gritou, puxando-o para dentro e o empurrando para fora dela. Que Ele me ajude também, Rico pensou. Como aquilo poderia curá-lo de sua obsessão por Renée Selinsky? Ele nunca estivera com uma mulher como ela. Tão contraditória. Tão intrigante. Tão... Excitante. Tudo isso faria, temeu naquele momento, com que ele passasse a querer mais. E mais. E mais. Então, se lembrou que poderia ter tudo o que quisesse dela durante um mês inteiro. E um mês era um tempo bem longo. Só esperava que fosse longo o suficiente...
CAPÍTULO SETE
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Rico acordou e notou um silêncio estranho. Não havia ninguém na cama ao lado dele. A garrafa vazia de champanhe repousava no travesseiro. Uma folha de papel enrolada enfiada até a metade gargalo, chamou-lhe atenção. Rico pegou a garrafa, desenrolou o papel, abriu a folha sobre os lençóis amarrotados e leu o que ela escrevera. Caro Don Juan, Lamento não ficar para o café ou para o que viesse depois. Tenho hora no André's, no centro, às oito horas. Se você sabe da popularidade gozada pelo salão de beleza, compreenderá por que me recusei a cancelá-la. Depois, tenho que fazer algumas compras antes de ir para as corridas como sempre. Estou certa de que me encontrará lá. Já conhece meus hábitos regulares. Suponho que tenha alguma coisa em mente para esta noite. Portanto, como uma boa amante, darei um jeito de estar livre. Ciao. Renée. PS — Não faça a barba! Rico franziu a testa quando leu a nota no rodapé. Não faça a barba. O que quereria ela dizer com aquilo? Estaria novamente sendo sarcástica? Droga, ela era alguma outra coisa? Rico amassou o bilhete e seu humor ficou abalado. Se alguma mulher no mundo tinha a capacidade de estragar as coisas, essa mulher era ela. Tiveram uma noite fabulosa juntos. Mais do que fabulosa, droga! E o que ela fez? Correu para longe dele na primeira chance que encontrou. Qualquer outra mulher ainda estaria ali na cama, abra-çadinha, querendo mais do que recebera. Ele a fizera gemer de prazer durante horas e suspirar de satisfação por muito tempo. O mínimo que ela poderia ter feito seria ficar com ele. — Mas, não! — disse Rico em voz alta, enquanto afastava o cortinado do leito e saía dali, se esquecendo completamente que a cama estava sobre uma plataforma estúpida. Seu pé encontrou o ar, em lugar do esperado tapete, e ele soltou um palavrão quando escorregou nos degraus, caindo sentado, não muito longe de onde ele e Renée fizeram sexo pela primeira vez. Ficou lá deitado por alguns instantes, antes de olhar para aquelas estátuas. Desde que Renée parecera espantada por sua capacidade de se recuperar rapidamente, ficara muito feliz em tirar toda a vantagem que pôde do seu desejo enorme por ela. Não
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era de se admirar que ela não quisera que ele reduzisse sua aposta para uma noite. Possivelmente, ela adorara a ideia de ter um amante como ele durante um mês. Um amante capaz de qualquer coisa para satisfazê-la e ainda por cima preparado para pagar pelo privilégio. Aquela mulher era doentia, ele decidiu. Doentia, perversa e mais sensual do que qualquer outra mulher tinha o direito de ser! Levantou-se desajeitadamente do chão, cambaleou para o banheiro de mármore preto, só para ser confrontado com mais evidências da noite de orgia. Duas taças de champanhe vazias estavam ao lado da enorme banheira, ainda cheia de água, apesar das bolhas de sabão já terem desaparecido há muito. A bandeja de comida quase vazia se encontrava no chão, juntamente com uma pilha de toalhas amarrotadas. Rico puxou a tampa da banheira e pegou a bandeja, antes de se debruçar sobre a penteadeira e observar de perto, no espelho, seus olhos vermelho, rodeado de olheiras. A lembrança de outros olhos refletidos naquele espelho imediatamente vieram à tona. Olhos verdes e dilatados de desejo. De uma mulher debruçada na extremidade da penteadeira, fitando-o selvagemente. Por trás dela, ele fazia o que ela mais gostava. A lembrança o perturbou. Porque não era aquilo o que ele realmente desejava, ser apenas o garanhão dela. Sim, fora reduzido a isso na noite anterior. Ele, servindo-a de todas as maneiras. Ele, tentando se sobrepujar a cada vez. Não era de se admirar ela chamá-lo de "Don Juan". Naturalmente, ela pensava que ele só poderia ser bom para aquilo. Não houvera nenhuma conversa significativa entre eles. Nada além de toques provocantes, destinados a manter suas mentes focalizadas em sexo e seus corpos prontos para acomodar esses pensamentos. No final, ele provara ser exatamente aquilo de que ela o acusava: Superficial! Não egoísta, acrescentou logo para si mesmo. Isso ela teria que confessar. O prazer dela fora a grande preocupação dele. Ou não? Será que ele fizera todas as exibições para satisfazê-la ou para mostrar como ele era bom de cama? Qual foi o papel do seu ego masculino nas muitas e variadas performances da noite anterior? Papel decisivo, aceitou finalmente e fez uma careta quando chegou a essa conclusão. Sacudindo a cabeça para o homem do espelho, questionou-se: — Que tipo de homem você é na realidade? O sujeito essencialmente decente que sua mãe pensa que é ou o canalha superficial e autocentrado que Renée vê quando olha para você? Um exame profundo da alma era uma coisa que Rico não fazia há algum tempo. Fora obrigado a se examinar parcialmente há alguns meses, quando tirou conclusões precipitadas sobre a esposa de Charles e causou à pobre coitada alguns problemas. Mas tudo o que descobriu sobre si mesmo na época foi que se transformara em um cínico a respeito das mulheres bonitas. Tinha um bom motivo para isso. Existiam muitas alpinistas sociais soltas por aí, prontas para dar o bote. Fisgar um marido
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rico. Renée já foi uma delas. No entanto, parecia não ser mais. Não parecia nem mesmo interessada em fisgar um outro Joseph Selinsky. Ou um Rico Mandretti. Mesmo assim, sabia que poderia, se quisesse. Não precisara muita coisa para que ela acendesse o desejo dele, podendo transformá-lo em amor total. Droga! Ele só teria que se lembrar do momento em que havia pensado que ela poderia ter engravidado, para ficar sabendo que seus sentimentos por aquela mulher eram mais profundos do que apenas desejo. Quem saberia por quê? Aquele sentimento era perverso. Ele se sentia verdadeiramente doente de tanto pensar nela. Percebia claramente que ela pretendia continuar solta e livre. Não estava nem remotamente interessada em se casar de novo e ter uma família. Tudo o que ela queria dos homens em sua vida era o serviço proporcionado por ele na noite anterior. Os homens da sua vida? Rico se assustou, depois correu para o quarto novamente, para onde tinha deixado a nota amassada. Pegou o papel do tapete, alisando as dobras o leu novamente, especialmente a parte onde ela dizia que daria um jeito de ficar livre. Suas entranhas se contraíram. Aquilo significaria que ela teria que cancelar um encontro naquela noite? — Pelo menos há uma semana — dissera ela quando questionada sobre a carência de sexo. Ele havia pensado que era brincadeira, mas refletindo melhor, concluiu que poderia não ser. Uma mulher tão sensual como ela teria, com certeza, um encontro emocionante pelo menos todos os sábados. Um ciúme violento atravessou a mente de Rico, por ter imaginado que ela poderia fazer as coisas que fizera com ele na noite anterior, com qualquer outro homem. Ele não poderia mudar o passado nem apagar seus amantes anteriores, mas estava decidido a deixar bem claro que não haveria nenhum outro durante o próximo mês. As amantes davam a seus homens, direitos exclusivos sobre seus corpos. Pelo menos, era o que se esperava delas. Mas nem sempre as amantes faziam o que deveriam fazer, Rico teve que admitir. E muito menos Renée. Ela fazia as suas próprias regras, corria suas próprias corridas. Ele não estipulara fidelidade naquele pedaço de papel. Foi um grande erro de sua parte. Ele apostaria que Renée, ao contrário dele, não cometera nenhum erro ao escrever a exigência.
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O que o aborrecia realmente é que Renée destruíra o pedido. Ele gostaria muito de ter visto como exatamente ela havia redigido a exigência por Fogo de Ébano. Segundo ele se lembrava, a mulher não demorara muito para escrever o que queria. Ele tivera mais dificuldade, tanto para escolher as palavras quanto para escrever já que a caneta não funcionava direito. Sua folha de papel estava diretamente sobre a mesa forrada de papelão, enquanto ela tinha todo o bloco. A lembrança iluminou o cérebro de Rico. O bloco! O que Renée tinha escrito ainda poderia estar visível no bloco. Sempre via como os detetives agiam em casos como esse na televisão e no cinema. Esfregavam a ponta de um lápis, de lado, muito suavemente, na página seguinte, tornando visível o relevo da anotação anterior. Pronto! As palavras escritas eram reveladas como mágica. Rico correu para o telefone e discou para a recepção. Deu o nome e pediu para entrar em contato com a suíte presidencial. James atendeu, o que fez Rico se perguntar se aquele homem dormia em algum momento. Já passavam das nove horas. Não era assim tão cedo. — É o Sr. Mandretti quem fala, James — anunciou, tentando não parecer tão excitado. — Preciso falar com Ali, se ele estiver acordado. — Sua alteza está tomando o café no balcão. Vou levar o telefone para ele. Dentro de instantes, Ali atendeu. — Bom dia, Enrico. A que devo a honra do telefonema? — Preciso pedir um favor. — Às ordens. Se estiver a meu alcance. Rico revirou os olhos. O jeito formal de Ali falar às vezes o irritava, mas ele era um sujeito tão maravilhoso, que Rico suportava sua pompa. — Preciso subir até aí para dar uma olhada naquele bloco em que escrevemos nossas apostas ontem — confessou. Não adiantaria nada tentar enganar Ali. E nem necessitava. Ali teria compreendido perfeitamente por que ele precisava saber o que Renée escrevera. — Subir aqui de onde? Oh, entendi. Você passou a noite aqui no hotel. Suponho, portanto, que a adorável Sra. Selinsky não ficou a noite toda com você? Rico sacudiu a cabeça de um lado para o outro. Exatamente como supunha. Seria tolice tentar enganar Ali. — Ela marcara um horário cedo com o cabeleireiro — explicou Rico. — Vamos nos encontrar novamente nesta tarde, nas corridas. — O que isso quer dizer? Você não deixa a grama crescer sob os seus sapatos? — Você tem razão. Não mesmo. Nunca deixo para amanhã o que posso fazer hoje.
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— Ou ontem à noite — disse Ali se divertindo. — Exatamente. — Não vou ser indelicado e perguntar como foram as coisas ontem. Logo poderei avaliar por mim mesmo. Claro, pode subir, amigo. Venha tomar café comigo. Vou pedir ao James para localizar o bloco e ele vai estar aqui à sua espera. Suponho que também vai querer um lápis. De grafite macio? — Sim, seria ótimo. Sabia que poderia contar com você e com a sua compreensão. O riso do outro lado da linha foi profundo e opulento. Mais ou menos como a conta bancária de Ali. — Nós, os homens, temos que ficar juntos. Especialmente, quando a senhora em questão é tão linda quanto complicada. — Não tenho a menor dúvida — murmurou Rico. — Não demoro nada. Só vou vestir umas roupas. Ainda escutou Ali rindo, enquanto desligava.
CAPÍTULO OITO Rico raramente admirava a aparência de outros homens, mas ao sair para o balcão da suíte presidencial, seria difícil não perceber a beleza das costas de Ali sob o sol da manhã. Ele vestia somente a parte inferior do pijama de seda creme. Era uma visão a ser admirada. Se seu amigo árabe tivesse resolvido ser um astro de Hollywood, uma refilmagem de O Sheik, de Rodolfo Valentino, cairia como uma luva para ele. O que não seria absolutamente surpreendente, pois era exatamente o que ele era. Contudo, nem todos os Sheiks verdadeiros se assemelhavam à versão hollywoodiana. Ali, sim. Tinha todas as características. A pele cor de oliva. Cabelos e olhos negros. Maçãs do rosto salientes e nariz proeminente. Um corpo esbelto e bem-feito e uma boca de predador. Tinha cabelos suficiente no peito para ser sensual, sem se parecer com um animal. Rico compreendia por que as mulheres se atiravam sobre Ali. Pelos mesmos motivos que se atiraram também sobre ele durante todos aqueles anos. Porém a beleza física não era o início e o fim de tudo. Rico percebera com o tempo, mais ainda ultimamente. Um homem tinha que ser mais do que apenas os genes que herdara. Ponderou consigo mesmo se a beleza de Ali teria causado ao amigo mais aborrecimentos do que alegria. Um dia, Rico iria perguntar. Não naquela manhã. Rico tinha outras coisas em mente. 46
— Bom dia, Enrico — disse Ali com um sorriso discreto, que teria ficado muito bem no rosto de um pirata bárbaro. Sua voz era, porém, a de um aristocrata inglês. Uma mistura bastante incomum. — Está com bom aspecto, apenas um pouco cansado. Sente-se. Quer café ou deseja descobrir o segredo de sua dama imediatamente? Rico se sentou à mesa e pegou o bloco que estava lá, esperando por ele, juntamente com um lápis. — Ela não é minha dama. Não, mesmo. Ali ficou surpreso. — Acho que não entendi bem. Se ela passou a noite com você, certamente... — Isso era parte do meu prémio por ganhar o jogo — explodiu Rico. Foi antes, no elevador, que decidira contar tudo para o amigo. Precisava da opinião de outro homem e não podia falar com Charles sobre aquilo. Charles não seria compreensivo. Ali, por outro lado, vivia sob regras menos convencionais do que as ditadas pela sociedade. Especialmente quando o assunto estava ligado a relacionamentos com o sexo oposto. Portanto, não o julgaria com padrões tão duros. — Eu não pedi que Renée saisse comigo — continuou Rico. — Ela mentiu, protegeu a sensibilidade de Charles. Eu exigi que ela fosse minha amante. Durante um mês. Começando pela noite passada. Os olhos de Ali demonstraram um choque maior do que Rico antecipara. — Meu amigo — começou Ali, cuidadosamente. — Admiro sua franqueza, mas está fazendo um jogo perigoso, principalmente com uma mulher como a Renée. — É por isso que preciso ver o que ela escreveu, o que ela queria de mim. — E o que acha que ela queria de você? — Minha parte no Fogo de Ébano. Ela adora aquele cavalo mais do que qualquer outra coisa. Seu maior desejo é tê-lo todo só para ela. — Como o seu é tê-la toda só para você. Não adiantaria tentar negar. —É. — Portanto, você sacudiu sua parte no cavalo como uma cenoura para fazê-la sair da toca, sabendo muito bem que ela perderia e teria que se tornar sua prostituta. — Minha amante — protestou Rico. — Não minha prostituta. — Na minha cultura é tudo a mesma coisa. Uma amante é uma mulher mantida por um homem. Aceita dinheiro e presentes em troca da doação do seu corpo para o sexo. Isso a torna uma prostituta. Rico começava a pensar que cometera um engano por confiar em Ali. Parecia que ele pensava mais como Charles do que Rico imaginara.
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— Não encaramos as amantes desse jeito no Ocidente — disse, um tanto irritado. — Não vejo como pode encará-las de outro modo — contratacou Ali. — Deixando isso de lado, por que está tão ansioso para descobrir o que Renée pediu, se você já sabe? — Agora estou pensando que ela pode ter pedido outra coisa. — Por quê? Porque ela se derreteu em seus braços? Rico riu. — Não diria que se derreteu, exatamente, mas não ofereceu resistência. — Quanta modéstia, meu amigo. Estou certo de que ela se derreteu toda. Você tem a reputação de ser... Digamos... Mais do que adequado dentro de um quarto. Rico se enrijeceu na cadeira. — Onde, pelo amor de Deus, você ouviu uma coisa dessas? — Sem ser indiscreto, devo informá-lo que compartilhamos de uma mesma mulher no ano passado. — Meu Deus! Quem? Ah, é claro. Que bobagem não ter adivinhado logo. Leanne. — Não temos necessidade de citar nomes ou trocar comentários. Somos cavalheiros, não somos? Digamos somente que essa certa senhora delirava com a... Técnica do amigo. Mas, sendo eu um homem, além de cavalheiro, fui forçado a demonstrar que os árabes de bom nascimento e cultura jamais são superados na cama. Rico não pôde deixar de se divertir. Então, ele havia deduzido corretamente. Ali estava mais para pirata do que para cavalheiro. E um pirata competitivo e arrogante. — Desde que não tenhamos compartilhado Renée — disse, quase ameaçador. — Só um italiano seria tolo o suficiente para desejar uma mulher como a viúva alegre — disse Ali, mais sério. — Pegue o lápis e satisfaça sua curiosidade. E a minha. Rico desejou que sua mão estivesse mais firme. Não queria parecer ainda mais tolo diante de Ali do que já havia sido. — E então? — perguntou Ali, quando Rico terminou e ficou olhando fixamente para o pedaço de papel. — O que diz aí? Ele continuou mudo. Sacudindo a cabeça como que não entendendo nada, passou o bilhete para Ali. — Não faz sentido. É uma loucura — afirmou Rico. — Case-se comigo — leu Ali em voz alta e levantou os olhos com uma expressão também confusa. — Se você tivesse pedido para ela se casar com você eu não teria ficado tão surpreso. Mas isso... isso é um pedido bastante estranho, vindo de uma mulher que não tem feito nada além de discutir com você nos últimos cinco anos. 48
— Sem dúvida. — Será que ela estaria secretamente apaixonada por você? — perguntou Ali. — Você está brincando. Ela não suporta nem me olhar. E você sabe disso. — Não. Eu não sei disso. O que as mulheres dizem e o que elas sentem são duas coisas completamente diferentes. — Renée não me ama — declarou Rico com firmeza. — Pode acreditar em mim. — Mas ela se sente atraída por você, não é? Seria? Ou se sentiria atraída e excitada por qualquer homem interessante que soubesse o que fazer na cama? — Ela gosta do meu aspecto e da minha técnica, citando a definição do amigo. Só isso. No domingo passado, ela me disse o quanto não gostava de mim. E ontem à noite, acrescentou o quanto me odiava. — E conseqüentemente, você está tremendamente apaixonado por ela. — O quê? Não! Não estou. Definitivamente não! Por que afinal você está dizendo e pensando isso? — Já vi como olha para ela quando ela não sabe que você está olhando. Conheço esse olhar. É o mesmo jeito que olhei para uma mulher uma vez. Reconheço os sintomas dessa doença. E é uma doença estar apaixonado desse jeito. Ela o possui e o deixa obcecado. Não consegue pensar em mais nada a não ser em estar com ela. Você fará qualquer coisa, arriscará qualquer coisa, até a sua própria honra para estar com ela nem que seja ao menos mais uma vez.. Rico ficou surpreso com essa confissão inesperada. Ao mesmo tempo, se reconhecia totalmente no perfil descrito. Ali compreendeu. Já passara por aquilo, já fizera aquilo. Mas Rico ainda não conseguia concordar com ele sobre estar verdadeiramente apaixonado por Renée. Não estava loucamente apaixonado. Só estava loucamente excitado. — Quem era ela? — perguntou Rico. Ali sorriu seu sorriso mais triste. — A única mulher que eu jamais poderia ter. A futura esposa do meu irmão mais velho, a prometida ao príncipe herdeiro. — Puxa, Ali, que falta de sorte. E o que aconteceu? — O que aconteceu? Nada aconteceu— retrucou. — Fui exilado aqui para a Austrália, meu irmão se casou com a minha amada e seu casamento continua sendo um grande sucesso até os dias de hoje. Eles têm um lindo filho e herdeiro para provar sua felicidade. A amargura em suas palavras e a falta de expressão de seus olhos encheram o coração de Rico de pena por aquele homem que o mundo inteiro acreditaria ter tudo na vida. 49
Tudo menos a mulher que amava. Não era de admirar que não se apaixonasse pelo número indeterminado de mulheres que levava para a cama desde a sua chegada à Austrália. Seu coração permanecia em Dubar, esse era o motivo. Ou então estaria partido para sempre. Partido e fechado para qualquer outro amor. — Vamos. Por que você pensa que Renée pediu para se casar? —voltou Ali ao assunto, fitando o pedaço de papel que segurava. — Se não era por amor, então por que seria? Dinheiro? — Isso também não faz sentido. Ela já é uma mulher muito rica. Se quisesse se casar comigo por causa de dinheiro, teria perseguido essa meta com um pouco mais de inteligência. Você sabe como ela age comigo. Não, agora devo pensar melhor.É mais provável que seja por rancor. — Rancor! — repetiu Ali com surpresa. — Não posso imaginar muitas mulheres se casando por rancor. No entanto, Renée não é uma mulher comum. Aquela ali mergulha muito mais fundo. — Fale mais sobre isso. Não consigo absolutamente compreendê-la. Porém, Rico conseguia entender a parte do ódio. Lembrava de como ela tinha se dado conta na noite anterior que ele exigiria sexo como prêmio. Então, decidira ser melhor do que ele e pediu a única coisa que pensou que ele não lhe daria? Uma aliança de casamento? Teria sido somente um instinto de vingança surgido naquele momento? Alguma coisa da qual teria se arrependido no mesmo instante? Essa hipótese, com certeza, se adequava aos fatos. E à mulher. Rico se lembrou de como pensou ter detectado o alívio dela com a derrota. Pode ter sentido medo de ele aceitar se casar com ela só para contrariá-la. — Voltando ao motivo do dinheiro — disse Ali, interrompendo os pensamentos de Rico. — Não o afastaria por completo. Renée pode não ser tão rica quanto acreditamos. Pode ter tido má sorte na bolsa de valores. Aconteceram algumas perdas enormes recentemente tanto aqui como no exterior. Além disso, seus negócios poderiam não estar indo bem. Lembre-se de que ela gosta de gastar e de jogar também. Talvez tenha jogado fora grande parte do dinheiro do marido. Seria interessante se você descobrisse o estado exato das finanças dela. Enquanto Rico imaginava ter descoberto os motivos por trás da surpreendente exigência de Renée, admitiu que Ali poderia ter razão. Valeria a pena verificar. Não queria de maneira alguma correr o risco de cair nas mãos de outra caçadora de fortunas. — Concordo com você plenamente. Mas como vou fazer isso? Não vou poder pedir para olhar os extratos bancários. — Use aquela agência de detetives que contratou para espionar a esposa de Charles — sugeriu Ali, se inclinando para tornar a encher a xícara com café. — Eles farão isso 50
com a maior facilidade. Eles têm os contatos e os equipamentos de informática exatos. Podem descobrir coisas que gente comum não pode. A primeira reação de Rico quanto a isso foi extremamente negativa. Renée ficara furiosa quando soubera que ele mandara investigar Dominique. Se descobrisse que fez o mesmo com ela... O quê? Rico se perguntou irritado. O que ela faria? Será que poderia odiá-lo mais ainda? Já o odiava o bastante. Além disso, havia mais coisas além do estado financeiro dela que ele gostaria de saber. Por exemplo, com quantos outros homens dormiu desde a morte do marido. E quais? — Existem outros motivos que levam as mulheres ao altar — disse Ali. — Ela poderia estar querendo ter um filho. Rico parou de respirar. Um bebê... — Ela tem trinta e cinco anos de idade — continuou Ali. — Não tem muitos anos mais pela frente para ter o seu próprio bebê. Você vive dizendo que quer uma família. E apesar do que Renée tem dito, todos sabemos que você seria um ótimo pai e possivelmente um bom marido. Você é italiano, afinal de contas — disse com um sorriso encantador. — Talvez seja esse o grande desejo dela. Ter um filho. Rico ficou pasmo. Será que Ali estaria certo? E se estivesse, será que Renée ainda teria a intenção de conseguir seu maior desejo, mesmo sem uma aliança de casamento? Um mês de sexo sem camisinha, ela prometera. E se as afirmações dela sobre estar segura fossem uma grande mentira? E se o bebê fosse mesmo o grande desejo da sua vida? Se era assim, sobre o que mais teria ela mentido ou fingido na noite anterior? Não. Ele não conseguia aceitar aquela linha de raciocínio. As reações de Renée não foram fingimento. Ela gostara do sexo. De tudo. Nenhuma mulher fingindo ter orgasmos chegava tão longe. Não, não era um bebê o que ela desejava dele, Rico decidiu, apesar de não querer chegar àquela conclusão. A ideia o excitara momentaneamente como acontecera na noite anterior. Mas era uma excitação falsa e fútil, nascida da vontade desesperada de acreditar que o relacionamento com Renée pudesse se tornar mais do que um caso forçado de um mês. Renée jamais iria escolhê-lo para pai de seu filho, se era um filho o que ela queria. Francamente, ele seria o último homem do planeta a ser escolhido para isso. Não. Rancor era entre todos, o mais provável motivo. Dinheiro seria o segundo na lista de apostas. Apesar de não parecer ser crucial, podia se pensar nisso. Os leopardos não mudam seus hábitos. Ela se casara uma vez por dinheiro. Se as fichas
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dela estivessem terminando, seria capaz de se casar de novo. Ela poderia não estar tão quebrada a esse ponto, mas mulheres como Renée só têm um credo na vida. Nunca se é rico demais ou magro demais. Exatamente como disse Ali, ela era uma garota de hábitos caros. — Tem razão — disse Rico. — Vou mandar investigar as finanças — decretou. Entre outras coisas. Estava também curioso para saber com quem ela andava dormindo desde a morte do marido. E com quantos. Arrancou a primeira folha do bloco e disse já de pé. — Não se importa se eu ficar com isso, não é? — falou, ao mesmo tempo em que a enfiava no bolso traseiro da calça. — O que você vai fazer com isso? — Nada, ainda. Mas parece bobagem destruir uma evidência. — Por que não diz logo que a ama e que quer se casar com ela? Rico olhou surpreso para Ali e depois começou a rir. — Faria isso se estivesse em meu lugar? — Se estivesse no seu lugar, teria pedido como prémio o casamento, não só sexo. Assim, teria os dois. Rico riu novamente. — Estou vendo que você ainda não está bem acostumado com os costumes ocidentais. O casamento neste país, não dá automaticamente ao homem o direito ao corpo da esposa. Ali pareceu realmente surpreso. — Então, por que se casar? — Exatamente. Você deve ter percebido que cada vez menos os australianos estão correndo para o altar. Ali sacudiu a cabeça. — Que costume mais triste um homem não poder fazer amor com a esposa quando sente vontade. Eu não entraria em tal tipo de casamento. Foi esse o problema com a sua primeira esposa? — Não. — Foi o que pensei. Então, escute meu conselho, meu amigo. Se descobrir que o motivo dela não foi dinheiro e ainda quiser Renée como esposa e não somente como amante, por que não tenta você engravidá-la? As mulheres podem mudar a atitude em relação a um homem quando existe um bebê a caminho — acrescentou com ironia. Rico ficou pensativo. 52
— É uma ideia, mas não sou eu quem tem o controle da parte contraceptiva. Ela toma pílulas. – O olhar firme de Ali, o fez explicar - Sim, já sei. Se estivesse no meu lugar, você sequestraria o objeto de seus desejos e o levaria a um esconderijo remoto, aonde não houvesse pílula e nem mais nada que impedisse sua bela cativa de ficar grávida. Ora, mas essa até que era uma boa ideia. Ele ficaria tentado caso não soubesse que mais tarde, Renée mandaria prendê-lo por sequestro, estupro e só Deus sabe por que mais. Ali sorriu. — Eu poderia ter feito uma coisa dessas há algum tempo. Mas não agora. Atualmente, me contento com prazeres passageiros quando se trata de mulheres. Sugiro que faça o mesmo com a viúva alegre. Divirta-se durante este mês, depois termine com ela. — Isso pode significar o fim de nossas partidas semanais de pôquer — lembrou Rico. Ali encolheu seus amplos ombros bronzeados. — Tudo o que é bom chega a um fim, meu amigo. Atravessemos a ponte só quando nos depararmos com ela. Boa filosofia de vida, não acha?
CAPÍTULO NOVE Na realidade, Rico não concordava muito. Gostava era de antecipar o surgimento de pontes em sua vida. Era tanto um estrategista quanto um executor. Jamais se sentaria e relaxaria com as dificuldades futuras se soubesse que poderia mudá-las ou resolvê-las adiantadamente. Foi por isso que logo depois de fechar sua conta no hotel, voltou para o seu novo endereço na cidade e entrou em contato com a IAS, conhecida agência de detetives. Pediu que descobrissem a situação financeira atual de Renée. Queria um relatório completo da vida particular dela nos últimos cinco anos. Precisava saber onde estava pisando. Indagar isso da própria Renée estava fora de questão. Ela não diria a verdade. Pelo contrário, acreditava, juraria que ela mentiria com a lingüinha afiada que tinha. Keith, o chefe da agência de detetives, disse a Rico, ainda por telefone, que poderia aguardar notícias sobre a situação financeira da madame dentro de uma semana, mas que levaria mais umas duas para dar um relatório completo sobre o outro assunto.
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— Essas investigações levam tempo, Sr. Mandretti — informou o homem. — Especialmente por ser vital que a Sra. Selinsky não descubra que existam pessoas fazendo perguntas pessoais sobre ela. Ele desligou, satisfeito por finalmente usar seu cérebro quando o tema se relacionava a Renée. Ali se equivocava em achar que ele estava perdidamente apaixonado por aquela mulher. A doença que o assolava no momento era de ordem exclusivamente sexual. Até então. Felizmente se curaria antes que a enfermidade evoluísse para outra coisa. Enquanto isso, teria que se proteger contra qualquer plano estranho e maravilhoso que Renée pudesse executar contra ele. Seu pedido de casamento naquele pedaço de papel tinha feito com que a cabeça dele girasse por um momento. Ela deveria ter perdido o juízo momentaneamente. Com um riso seco, atravessou a sala de estar principal e abriu a enorme porta de vidro do amplo terraço banhado pelo sol, que margeava três lados da cobertura em que morava. Pisou no assoalho de ladrilhos de terracota e se recostou contra o parapeito tubular de aço que se sustentava em painéis de vidro inquebrável. Rico sempre gostou daquele lugar. Localizava-se ao mesmo tempo, estar dentro e fora do apartamento. A localização central, a piscina aquecida e a vista espetacular, davam àquela cobertura uma classe só dela. Não havia muitos apartamentos, mesmo junto ao cais, onde podiam ser vistos os vários cones de Sydney, de tantos pontos de vista. O Opera House. A ponte. O Circular Quay. The Rocks. Rico admirava a linda vista quando, de repente, o sol se escondeu por trás de uma nuvem pesada, criando uma sombra sobre os prédios e a água abaixo. Uma brisa fria começou a desmanchar seu cabelo e ele voltou para dentro de casa.. Sacudiu a cabeça contrariado com a instabilidade do tempo de Sydney na primavera. Foi para a cozinha e resolveu fazer uma boa refeição. Comer era uma coisa que não vinha muito à sua mente ultimamente. Seu corpo e sua cabeça tinham outras prioridades. Agora que pensava com o estômago, notou que estava com muita fome. Sentia que seu estoque de energia havia sido bastante consumido pelas atividades da noite anterior. Precisava reabastecer, se pretendesse encontrar novamente com Renée a noite. Tinha que dar um crédito para aquela feiticeira: ao honrar uma aposta, ela dava o seu melhor! Rapidamente, preparou um brunch de rei e acomodando-se diante da bancada onde costumava comer a primeira refeição do dia, admirou o prato cheio de calorias na sua frente: bacon, ovos, cogumelos, tomate grelhado e torrada francesa. — Esta é uma grande cozinha — murmurou para si mesmo, admirando o ambiente, entre boas garfadas. Já que a culinária se tornara parte importante da sua vida, Rico sabia apreciar uma
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boa cozinha. A sua era uma obra de arte. Armários brancos lustrosos, bancadas de granito preto e as últimas novidades em eletrodomésticos, de aço inoxidável. Era um prazer cozinhar ali. Era projetada, em forma de ferradura. A bancada do café, muito prática, ficava no centro do ambiente, junto a banquetas confortáveis. Na verdade, o apartamento não tinha aquelas banquetas. Charles levara toda a mobília para a nova casa de Clifton Gardens e ele comprara os banquinhos, bastante modernos, para combinar com a cozinha. A armação era de aço e o forro de couro vermelho. Também combinavam na sala de jantar e nas salas de estar. Ele comprou todo o resto da mobília, mas não escolheu pessoalmente mais nada. Contratara uma companhia de decoração de interiores pequena, mas bem recomendada, para fazer o trabalho. Disse para a chefe da decoração o estilo de mobiliário de que gostava, minimalista e moderno. Disse ainda as cores que preferia, as primárias. Rapidamente, três semanas depois, ele entrava em um verdadeiro lar, onde qualquer um se sentiria à vontade. A decoradora cuidara de tudo. Roupas de cama, mesa e banho. Louças, talheres e cristais. Tudo de estilo e classe. Chegara a encher a despensa da cozinha com comida. Rico havia ficado impressionado e muito contente. Desde o divórcio, vivera em apartamento já mobiliado e não possuía nenhum móvel ou peça. Jasmine ficara com tudo o que tinha dentro de casa, afirmando que aquelas coisas significavam mais para ela, a boa dona-de-casa que não era, do que para ele. Que ironia. Jasmine não sabia nem cozinhar. Ele sempre cozinhara para os dois, quando comiam em casa e o serviço de limpeza que vinha todas as manhãs fazia o resto do serviço. Olhando para trás, Rico tinha que admitir que fora um tolo, um cego, se casando com Jasmine. Fora traído pelo ego e por outras partes suas, acreditando que ela o amava e vice-versa. Se verdadeiramente a amasse, não se sentiria tão atraído por Renée. Renée... Voltando a ela novamente... A mulher estava em sua cabeça o tempo todo. Bem, pelo menos, ele fizera alguma coisa para resolver a situação. Não que aquela história de amantes por um mês fosse necessariamente resolver alguma coisa. Sentia uma terrível suspeita de que, no final do período, sua obsessão sexual por Renée teria aumentado, não se dissipado. Não faça a barba. A provocação no bilhete pulou em sua mente e ele passou a mão pelo queixo. Impossível pensar em qualquer coisa que não tivesse uma conotação sexual no pedido. Impossível não começar a pensar na fantasia erótica que poderia ter motivado a
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exigência. Sobre qual zona erógena ela queria que ele esfregasse a pele áspera? Nos mesmos lugares onde derramara champanhe na véspera e depois bebera? Sentiu um aperto quando as imagens lhe vieram à cabeça. A noite anterior se tornara muito diferente do que ele antecipara. Não houve a necessidade de seduzi-la, não depois dos momentos iniciais. Ela o acompanhara o tempo todo. Mais ainda. Em certos momentos, ela o surpreendera com sua paixão e seu desejo. Parecia nunca se satisfazer completamente dele. Foi por isso que ficou tão aborrecido quando acordou de manhã e descobriu que ela tinha saído. Porque ele começara a acreditar ou esperar que era ele, pessoalmente, que ela queria e desejava. Ficou claro, porém, não ser esse o caso. Ela era uma criatura altamente voluptuosa e possivelmente, há muito tempo sem um homem. E ele estava muito interessado em descobrir exatamente há quanto tempo. De súbito, Rico atentou ao fato de que estava sentado ali há séculos, sem tocar na comida. Quando colocou um bocado na boca, fez uma careta antes de conseguir engolir. A comida esfriara. Bem, pelo menos, ficou só um resto. E ainda havia o café. Levantou-se, caminhou até a pia e jogou o resto da refeição na lata de lixo. Colocou os utensílios perfeitamente arrumados na máquina de lavar louça e encheu uma caneca de café forte o suficiente para levantar um defunto. Depois de acrescentar uma boa quantidade de leite e três colheres de chá cheias de açúcar, saiu para o quarto. O tempo corria e ele não queria se atrasar para as corridas. Não queria perder um segundo da companhia estimulante de Renée. O esforço foi em vão. Rico se esqueceu de que as corridas não eram em Randwick naquele sábado e sim em Rosehill Gardens, do outro lado da cidade. Aproximava-se de Randwick quando ligou o rádio do carro na estação de turfe e um aviso fez com que percebesse o engano. Esbravejando, deu uma guinada com a Ferrari e rumou para o leste. Quando conseguiu chegar e estacionar o carro, a primeira corrida já começara. Pôde ouvir o público, enquanto se apressava para sair do estacionamento. — Droga! — murmurou frustrado. Logo que entrou no espaço reservado para os sócios, seguiu imediatamente para a tribuna e o bar, onde Renée deveria aparecer entre uma corrida e outra. Uma bebida cairia bem, algo espumante e gelado. Uma cerveja. Não que o tempo estivesse quente ou mesmo agradável. A nuvem da manhã se adensara e o dia estava escuro e frio. Rico, não. Parecia ter um forno dentro dele. Quando terminou a cerveja, Renée ainda não havia dado sinal. Ele saiu para a varanda e seu olhar executou uma varredura pelos grupos de pessoas sobre a grama ou junto à cerca da pista. Os cavalos voltavam e os jóqueis desmontavam para a nova pesagem. Os quatro animais melhores colocados esperavam em baias especiais, com o vapor subindo
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dos flancos. O treinador do vencedor estava orgulhoso e os felizes proprietários, um grupo de homens de meia-idade e vestidos de terno, conversavam e riam. Rico os invejou por um instante. Não havia nada que se comparasse a desfilar com um campeão. Então, seus olhos viram algo que apagou os pensamentos sobre vencer as corridas da sua mente. Vê-la se aproximando dele na varanda. O joelho direito levantado para subir o último degrau e só aquele movimento, combinado com uma rajada de vento, levantou a barra do vestido e quase tirou o fôlego dele. Não viu só a meia-calça, mas meias terminadas com renda, presas por cintas-ligas também pretas, sensualmente esticadas sobre suas coxas macias e claras. O efeito foi instantâneo e arrasador. Seu único consolo era o fato de estar usando um de seus ternos pretos mais casuais, de caimento largo. Mesmo assim, abotoou o paletó para esconder a humilhação. Permitir que Renée visse o estado a que o reduzira, o deixando excitado por tão pouco, seria a última gota. O acontecimento ressaltou a tolice de Rico em imaginar que um único mês poderia curá-lo do desejo pela viúva alegre. Chegava a ser engraçado. De maneira nenhuma ele permitiria que ela percebesse como ele se sentia realmente. Ela queria provocá-lo e atormentá-lo? Fazer jogos eróticos com ele? Ótimo. Ele aproveitaria todos os momentos perversamente prazerosos e partiria para a Itália quando o mês terminasse, antes que ela desse o golpe final, que naturalmente, seria matá-lo. Num momento, ela o elevava a um paraíso hedonístico. No seguinte? O inferno, nada. Zero. Não pretendia passar mais cinco anos naquele inferno. De jeito nenhum. Fugiria do alcance dela logo que pudesse. Mas isso não seria hoje, é claro. Hoje, ela era toda dele. E ele pretendia tirar toda a vantagem do fato. Jogaria o jogo pelas regras dela, mas ao mesmo tempo, pelas suas. Ela não iria se aproveitar dele. — Meu Deus, Renée — disse ele, docemente, enquanto ela deslizava em sua direção com a arma letal, a saia meio aberta. — Quando você aceita um papel, gosta mesmo de entrar no personagem, não é? Essa roupinha tem amante-gatinha escrita nela. Não acha que pode ter ido um pouco longe demais? Imagino que não queira que todo velho babão que encontrar aqui hoje possa pensar que você tem um preço. Ou não? — disparou ele, antes de que ela pudesse tomar fôlego para responder. — Talvez, no fundo, você sempre tenha sido um pouco prostituta. Foi um golpe baixo, inspirado talvez pelo ódio que sentia no momento. Ela não pareceu se importar. Apenas riu. — Acho que você pode estar certo, amante. De que outra maneira poderia explicar eu ter gostado de passar a noite de ontem com você? Ah. Então ela se importara. Seu sarcasmo a denunciou. Por algum motivo ele não se
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ofendeu dessa vez. Talvez não se importasse mais com o sarcasmo, agora que já a tivera em seus braços. Havia a amado. E, sim, observara-a desmanchar-se extasiada. Tinha quase certeza de que os vários orgasmos dela não podiam ter sido todos fingidos. Sua ironia de agora não seria tanto contra ele e sim contra ela mesma. — Decidi que tenho uma queda inegável por garotos maus — continuou ela alegremente. — Então, vou seguir com a maré. Divertir-me e não ressentir-me com a situação. Por isso, quando deixei você nesta manhã, pensei: " E daí, Renée? Vá em frente." Tinha visto essa roupinha na vitrine de uma butique na semana passada e você disse que queria que eu usasse roupas acessíveis. Ora, não vai conseguir nada mais acessível do que isso, posso lhe garantir. Inclinou-se para ele, suficientemente perto para que ele pudesse olhar mais diretamente dentro do decote e sentir seu perfume de almíscar. — Sou Renée — disse. Rico apertou os dentes quando Ian se aproximou de Renée e apertou efusivamente a mão estendida, segurando por um tempo longo demais. — Renée — disse Ian com um sorriso nos lábios. —Você e Rico estão namorando ou são apenas bons amigos? — Para falar a verdade, sou a amante do Sr. Mandretti — disse ela com uma expressão de jogadora de pôquer. Rico não conseguiu se conter e riu. Os dois riram da piada e da surpresa de Ian que não soube o que dizer. — Renée! Querida... — disse Rico. — Que coisa mais feia. – E voltando-se para o visitante, explicou - Ela não é realmente minha amante, lan. Eu só a ganhei numa aposta. — Os dois sabiam disputar aquele jogo, seus olhos disseram aos dela. Ian não significava nada para ele. Podia pensar o que quisesse. Ian olhava perplexo e intrigado. — Ah... será que estou no meio de algum jogo de vocês? — Lamento dizer que sim — afirmou Rico. — Renée adora jogos. E apostas. — O roto falando do esfarrapado — retrucou Renée. Seus olhos verdes cintilavam. — Rico é o jogador compulsivo aqui, Ian. Mas se cansou de jogar por dinheiro. Então, passou a apostar com sexo e pecado. Se esperar mais um pouco ele pode querer jogar baralho nu comigo bem aqui na tribuna. — Parece fascinante gente, mas vão ter que me dar licença agora. Ainda aposto com dinheiro e há um cavalo em que quero apostar no próximo páreo. — Boa sorte! — gritou Renée, enquanto ele saía quase que correndo dali. — Para você também, querida — falou ele por cima do ombro, com uma última olhada para
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seus seios. — Não vá embora. Eu volto. Rico decidiu que não poderia mais suportar tal tipo de brincadeira ou encontros, naquela tarde. Não em público, pelo menos. Nenhum dos seus cavalos corria naquele dia. Não havia nenhuma razão forte para permanecerem ali, mas muitas para irem embora. Além do desejo, que quase o aleijava, de fazer amor com Renée novamente, a ideia de encontrar Ali com ela vestida como uma prostituta cara não caía bem. Não queria mesmo ter que socar a boca real do amigo árabe, mas poderia se Ali começasse a falar sobre prostitutas novamente. Rico era a única pessoa que podia chamar Renée de prostituta, porque não falava a sério. — Não quero jogar baralho nu — grunhiu ele, depois da despedida de Ian. — Quero jogar, vamos deixar Renée nua. E não aqui no camarote. Vamos para minha casa. Agora. Quando segurou o braço dela com firmeza, os olhos verdes de Renée brilharam como fogo. — E se eu dissesse não? — retrucou ela revelando a antiga Renée mais uma vez. Os dedos dele apertaram seu braço ainda mais e os olhos mostraram uma resolução tenebrosa. — Eu beijaria você aqui mesmo, até você dizer que sim. Teria ele visto um brilho de alarme nos olhos dela? Se era, desaparecera em um instante. — Você faria isso, não é mesmo, seu demónio depravado?— disse ela, desta vez sorrindo. A nova Renée que seguia com a maré, determinada a se divertir, surgia novamente. — Pode contar com isso. Ela riu. — Muito bem. Então você ganhou essa pequena discussão, mas a guerra ainda não acabou. Ainda falta muito!
CAPÍTULO DEZ — Onde estacionou o carro? — perguntou Rico, enquanto trazia Renée apressadamente por entre os carros do estacionamento ao ar livre, em direção à Ferrari. Como chegara tarde, não havia estacionado perto. — Eu não trouxe meu carro — confessou ela, ofegante. Estava tendo dificuldades, com aqueles sapatos ridículos, de acompanhar os passos dele. — Eu vim de táxi. — E por que isso? — Pareceu bobagem trazer meu carro, sabendo que você me levaria para casa 59
depois das corridas. — Ah. Uma garota que planeja com antecedência. Gosto disso. — Eu sempre planejo com antecedência. Não duvido, Rico pensou cinicamente, mas não disse nada. Chegaram ao carro e ele não desejava começar uma discussão. — Espero que fique comigo o resto do fim de semana — afirmou ele, abrindo a porta do passageiro. Ela levantou a cabeça e novamente, por um instante, aquele pânico brilhou nos olhos dela, desaparecendo tão velozmente quanto aparecera. — Nesse caso, vou precisar que me leve em casa primeiro. — Para quê? — Quero pegar uma muda de roupas. E uma camisola. Ele fechou a porta e deu a volta para tomar a posição do motorista. — Não vai precisar de camisola — disse, a fitando com dureza. Ela corou, e isso o surpreendeu. Quis beijá-la naquele momento, mas sabia que seria incapaz de parar. O banco da frente de uma Ferrari não era um lugar apropriado para o sexo, muito menos o tipo de sexo que ele estava desejando. — A menos que... — emendou, na esperança de quebrar a tensão do momento com um pouco de humor. — Você tem uma camisola de cetim, decotada, com tiras que se recusam a ficar sobre os ombros? Sua meta foi alcançada, porque ela riu, de malícia. — Não, mas tenho um espartilho de cetim preto com um sutiã meia-taça que, de tão cavado, tive que me depilar toda nesta manhã para poder usá-lo. Rico estremeceu e tentou não imaginá-la como estaria quando tirasse aquele vestido. — Tenho também um baby-doll de chiffon, completamente transparente, do qual perdi a calça. — Pare! — protestou, sorriu e sacudiu a cabeça. — E você diz que eu é que sou um demônio depravado. — Só estou sendo uma boa amante. — Pois eu acho que está tentando fazer com que eu me apaixone — brincou. Em seguida, preocupou-se de ela estar fazendo exatamente aquilo. Pela expressão de espanto dela, viu estar equivocado.
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— Está completamente enganado, amado — confirmou ela. — E o meu dinheiro? — perguntou, usando a oportunidade para testá-la um pouco. — Está interessada nele? — Menos ainda do que estou interessada em que se apaixone por mim. Escute, podemos ficar discutindo durante anos, do jeito que costumamos fazer. Para falar francamente, estou cansada de tudo isso. Temos agido como crianças um com o outro. Se o que eu disser fará com que se sinta melhor, devo confessar que não o odeio nem o desprezo tanto quanto pensei. Estou certa de que também ficará bastante convencido por saber que sempre achei você terrivelmente sensual. Esse é um dos motivos. Sempre senti atração por você, mas me incomodava muito o quanto eu queria que você me... Calou-se e sorriu com malícia. Ora, Renée, um pouco de decoro não faz mal — ela recriminou-se. — Dizer coisas vulgares não é do meu estilo, quero dizer, quanto me incomodava desejar dormir com você — remendou. Rico ficou mais do que lisonjeado com a novidade. Ficou encantado. Tentou se manter frio na superfície. — Gostaria de ter sabido disso. Pensei ser o único a ficar sentado lá, todas as sextas-feiras, sentindo a agonia da frustração. — Oh, não. Acho que posso afirmar que houve momentos em que eu queria saltar sobre aquela mesa. Ele riu. — Fico feliz por ouvir isso. — Não duvido. Você é tão egoísta quanto perverso. Oh, céus. Lá vou eu novamente. Comecei a desafiar você outra vez. — Velhos hábitos são difíceis de ser eliminados. — Realmente. Honestamente, Rico, não vamos estragar os nossos próximos dias com discussões bobas, tentando vencer um ao outro. Vamos desfrutar, para variar. — Acho uma ótima ideia. Como lhe disse uma vez antes, prefiro o amor à guerra. — Cruzes, não precisamos ir tão longe! Só estamos jogando. E um jogo bastante erótico, para dizer a verdade. Vamos parar de falar em amor, por favor — pediu ela, sacudindo os ombros. — Ou de se apaixonar. Não consigo pensar em nada pior. Rico foi apanhado de surpresa. Se sentiu ferido, mas nunca deixaria que ela percebesse. — É uma coisa incomum ouvir uma mulher dizer isso — disse, dando partida no carro. Seria melhor manter os olhos distantes dos dela nesse momento. — Geralmente é no amor que a mulher pensa primeiro. E deseja. — Eu sou uma mulher incomum — disse ela, displicentemente.
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E também cheia de segredos, Rico pensou. Como Ali, raramente ela revelava detalhes pessoais. Nesta manhã, pela primeira vez, o amigo árabe lhe contou algo sobre o passado, seus sentimentos íntimos. Renée era tão reticente quanto ele. — Renée, a conheço há cinco anos e ainda não faço a menor ideia do que possa atingila. Ela o presenteou com uma daquelas lindas expressões que nada diziam e que ela fazia tão bem. — Mas não é preciso, Rico. Apenas se concentre no que vai fazer comigo quando chegar em casa. Amantes não precisam ser compreendidas, só... Usadas. Ora, até que enfim lembrei de uma palavra que não seja feia e caiba no contexto. Usada. Você me... Usou... Com uma habilidade incrível ontem à noite. Falando francamente, nunca fui mais bem usada. Com certeza, a intenção dela era saudá-lo, mas Rico só conseguia pensar na comparação com os inúmeros outros amantes. E acima de tudo, seu tom debochado soava como um insulto e como uma demonstração de superioridade. Ela o relegava ao simples papel de garanhão, novamente. Um papel sobre o qual ele começava a ter sentimentos conflitantes. Porque isso não era o bastante para ele. Que droga! Ali e Charles teriam razão afinal de contas? Ele estaria apaixonado por aquela mulher? Não parecia amor quando olhava para ela. Não sentia um tremor morno na boca do estômago. Nem sentia vontade de ser carinhoso ou gentil com ela. Só tinha vontade de possuíla com selvageria, e muitas vezes. Se aquilo era amor era um de uma espécie muito estranha, mas poderosa. Tremendamente poderosa. — Você parece ser bastante experiente — não conseguiu resistir e comentou na saída do estacionamento. Ela lançou um olhar seco. — Tenho trinta e cinco anos de idade, Rico. Fui modelo por dez anos, durante os quais tive vários namorados. Cheguei até a morar com um deles por uns tempos. Acrescente a isso o fato de que fui casada com um homem mais velho, homem do mundo. Tinha vinte e tantos anos e sou viúva desde os 30. O que você acha? — Acho que não quero saber — retrucou. — Só me diga onde você mora. Preciso saber, se quer mesmo que eu a leve lá. Ela suspirou e ecoou a frustração que ele sentia por sempre terminarem da mesma maneira, provocando e debochando um do outro, fossem quais fossem as promessas implícitas. — Tenho uma casa em Balmain. — Balmain — repetiu ele, surpreso. Pensava que uma mulher com o dinheiro dela viveria em um lugar mais chique, como Double Bay ou uma das praias do norte.
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Tinha que admitir que Balmain se tornara um endereço muito mais valorizado. Todos os arredores de Sydney, até mesmo os do oeste, tinham as casas a preços altíssimos. Balmain, há bastante tempo, já dera o salto de bairro proletário para paraíso dos yuppies, com seus terraços recentemente reformados, novos cafés e restaurantes em cada esquina. — Não sabe onde fica Balmain? — perguntou ela, já que não interpretara corretamente a surpresa na voz dele. — Eu pensei que o rei da Paixão pela massa conhecesse bem o local, já que Balmain agora tem mais restaurantes italianos do que Leichardt. — Conheço Balmain — disse ele. — Tenho amigos lá. — Nesse caso, não vou precisar explicar a você por onde tem que ir, a não ser quando chegarmos mais perto. — Certo — finalizou ele. Caiu em um silêncio profundo. Ela fez o mesmo. No início, foi um alívio mas, depois de algum tempo, um tormento. A falta de assunto e a familiaridade com as estradas da parte ocidental de Sydney fizeram o pensamento dele voar. O diabo parecia que tinha tanto trabalho para mentes desocupadas quanto para mãos desocupadas. Rico logo começou a refletir sobre o que faria com ela quando a levasse para casa. Não era a melhor coisa para se pensar na direção de um carro, o que ficou claro quando ele quase bateu na traseira de um caminhão. — Mantenha os olhos na estrada, por favor — reclamou Renée. — Meus olhos estão na estrada — replicou ele. — Foi a minha mente que voou para longe. Escute, Balmain fica perto daqui. Pode começar a me explicar o caminho. Diria qualquer coisa para parar de prestar atenção no tal espartilho de cetim preto. Iria querer que ela ficasse de espartilho por algum tempo. Droga, nem receber as coordenadas sobre o caminho resolvia o seu problema! Quinze minutos depois, ele estava sentado diante da casa, ainda dentro do carro, impacientemente na direção, enquanto ela buscava as coisas de que precisava. — Não demore muito — dissera quando ela entrou. — Tenho que alimentar meu peixinho dourado. — O havia informado ela através da janela do passageiro, antes de sair rebolando pela calçadinha, subir os degraus, chegar a uma espécie de hall coberto e finalmente entrar em um condomínio pequeno, mas de aspecto exclusivo. Ela desapareceu entre as casas mais afastadas da estrada. As casas eram todas iguais. Tijolos creme, dois andares e bastante estilo. Notou que era muito menos do que uma mulher com a fortuna que ela tinha poderia bancar.
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Estava muito interessado em ver o relatório sobre a situação financeira dela no final da semana, mas não tão interessado quanto em saber com quantos homens dormira nos últimos cinco anos. Ela já admitiu ser sexualmente bastante ativa. Rico queria descobrir com quem. Tinha algumas pistas. Apostaria qualquer coisa em que todos eram mais jovens do que ela. Mais jovens e facilmente descartáveis. Homens que conhecia no trabalho. Possivelmente, modelos masculinos, executivos de comerciais ou aspirantes a fotógrafos de moda. O tipo garoto brinquedo. Era bastante claro que Renée gostava de sexo sem envolvimento emocional. A reflexão o aborreceu, assim como a demora da amante para pegar as coisas em casa. Se ela tivesse se livrado do vestido preto e do espartilho de cetim, ele a estrangularia. Rico estava a ponto de saltar do carro e bater na porta, quando ela reapareceu, felizmente ainda com o mesmo vestido sensual. Carregava uma sacola de ginástica azul-marinho, razoavelmente grande. Ele saltou mesmo, mas tirar a bolsa das mãos dela. — Você só vai passar o fim de semana, Renée — disse ele, ao sentir o peso da sacola. — Não é o mês inteiro — afirmou e, depois, pensou que a ideia não seria tão má. Ela não aceitaria aquilo. Ele ja forçara a situação, propondo o fim de semana e francamente, ficara surpreso com o consentimento. Apesar do motivo egoísta. Ela queria mais daquilo que esperou por tanto tempo. Mais sexo. Mais diversão e jogos. Contudo, na segunda-feira de manhã, ela estaria de volta ao trabalho. Ele também, pois tinha uma agenda cheia na semana seguinte. Gravaria vários programas, se encontraria com o contador e os procuradores, para tratar das filiais do seu restaurante e discutiria com a equipe da televisão a excursão pela Itália que ele pensava sugerir. Ah, sim. Aquela ideia definitivamente continuava de pé. Não iria mudá-la por causa de Renée. Viajaria no fim daquele mês de sexo, apesar da maravilha que pudesse ser o desempenho dela na cama. No caso de ela estar atrás dele por causa de dinheiro, partiria logo. Não esperaria virar a próxima vítima. Não. Aquele mês era tudo o que teriam juntos. Sendo assim, pretendia se divertir o máximo que pudesse. Que fossem para o inferno as tolas preocupações sobre paixão e qualquer outro plano estranho e maravilhoso que ela tivesse em mente. Sexo era o nome do jogo e ele estava perfeitamente qualificado para jogar. Da mesma forma a mulher que caminhava a seu lado. O olhar de Rico novamente percorreu aquele incrível vestido preto e colocou o corpo dele em alerta vermelho, pronto para a ação. — O que você foi fazer que levou tanto tempo? — perguntou, pondo a sacola no porta-malas. — Além de colocar um tanque dentro dessa sacola? — Eu já disse. Tinha que alimentar meu peixinho dourado.
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— E quantos você tem? Dois mil? Ela suspirou. — Verifiquei os telefonemas gravados na secretária eletrônica e também dei uns telefonemas. — Para quem? — Acho que isso não é da sua conta. — Ótimo — disse ele por entre os dentes. — Então vamos — acrescentou decidido a afastar qualquer pensamento a respeito de Renée pelas próximas trinta e seis horas, com exceção dos relativos a sexo. Ela queria que o único papel dele fosse o de Don Juan? Pois muito bem. Ele concordava. Começou a performance no mesmo segundo em que a porta da frente da casa dele se fechou. Colocou a sacola dela no chão do hall, deixando as mãos livres para segurá-la. O grito de protesto de Renée, quando ele a empurrou contra a parede mais próxima, não o impressionou e nem o convenceu a tentativa dela de colocar a bolsa entre os dois. A bolsa logo fez companhia à sacola de ginástica. Rendida, ela não tinha armas para usar contra ele, a não ser a língua. E mesmo esta, como ele descobriu logo após alguns beijos mais fogosos, perdeu sem demora o jeito afiado. — Você beija muito bem — ronronou ela, quando ele finalmente levantou a cabeça. — A maioria das coisas que faço, faço bem — disse ele, com a voz rouca. Afastou-se o suficiente para fazer o que desejava desde que bateu os olhos nela naquele dia. Foi uma luta para evitar que os dedos se embaraçassem, enquanto ele desfazia o laço do cinto de couro dela. Conseguiu, apesar do coração bater com mais força ao desamarrar o maldito. O peito dela também acelerou. O rosto ficou pálido, como se todo o sangue tivesse fugido da cabeça dela. — Não ouse desmaiar agora — preveniu ele, no momento exato em que a tira de couro era removida, deixando o vestido mais solto, mas ainda preso de alguma maneira. Colchetes, ele logo descobriu. Podia simplesmente ter rasgado o vestido em dois, mas não queria fazer aquilo. Queria torturá-la tanto quanto ela o torturava. Os olhos dela ficaram maiores e ele sentia a tensão, assim como a excitação da amante. Ele sabia o que ela passava, porque passava pela mesma coisa. Dividia-se entre o desejo de resistir a qualquer antecipação e a necessidade urgente de despi-la por completo, fazer tudo rapidamente. Saber que ela não o impediria de fazer o que quisesse naquele estágio, lhe deu paciência e o levou à resolução maldosa de vê-la perder o controle primeiro. Sim, fazê-la implorar, como uma vez jurara que conseguiria. Desabotoou cada colchete, sem pressa, bem devagar, tomando o maior cuidado para que as mãos não tocassem em nada além da lã macia e negra do vestido. Não houve qualquer contato acidental com a pele, apesar de chegar bastante perto várias vezes. Ela ficou ali parada, em silêncio,
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muito rígida. Cada músculo desesperadamente tenso. Finalmente todos os colchetes foram abertos e ele abriu o vestido, fazendo-o escorregar pelos ombros delicados, revelando os segredos que estavam por baixo. Seus olhos não sabiam o que olhar em primeiro lugar mas, inevitavelmente se dirigiram para baixo. Meu Deus! Ela não mentira sobre o espartilho ser tão cavado. E não havia mais nada além da tira mais estreita que poderia existir entre as pernas. Levantou o olhar e sentiu o autocontrole começando a ralhar. A visão dos seios levantados e juntos, pressionados por um sensual sutiã, não ajudou muito. Cada vez que ela respirava, o que acontecia de maneira cada vez mais acelerada, seus mamilos tentavam escapar da prisão. Ele já notava a grande parte das auréolas. Não havia a menor dúvida de que aquele espartilho era ima obra-prima da engenharia erótica. Barbatanas, que apertavam ainda mais a cintura, tornavam automaticamente os quadris mais amplos e faziam com que os seios parecessem maiores. A escolha do cetim preto também foi providencial. A cor fazia um contraste perfeito com a pele pálida. O tecido, mais feminino do que o couro, era tão excitante quanto. Para ele, pelo menos. Ela não poderia ter escolhido melhor se o que desejava era reduzi-lo a pó. Emocionalmente, é claro. Seu corpo estava longe de parecer com pó. Era como granito e gritava para se aliviar. Seus olhos baixaram novamente, demorando nas pernas longas e na cinta-liga devastadoramente sensual. A tensão aumentou ainda mais, levando-o quase à loucura. Não havia qualquer lugar seguro para ele olhar. Se fechasse os olhos, a lembrança dela nesses trajes permaneceria com ele. — Depravada — murmurou ele. Depois, riu. — Eu nem sei por onde começar ou o que fazer em seguida. Quantas vezes fez isso com um homem, usando essa mesma roupa surpreendente? — Nunca. — Hein? — Comprei isso nesta manhã. O vestido também. E os sapatos. Tudo... só para você, Rico — disse ela, rouca, com os olhos verdes turvados. Ele não conseguia decidir se ela estaria falando sério ou somente brincando com ele. Talvez estivesse mesmo mentindo. Não queria saber. Não agora. Então, passou as mãos pelos lados do espartilho, acariciando o contorno do corpo tão feminino. Quando suas mãos rodearam a cintura fina e a apertaram, Renée gemeu. Seu corpo tremia todo quando ele a soltou. As mãos continuaram sua viagem para baixo, deslizando sobre suas coxas nuas, por cima da renda das meias, antes de mergulhar na parte interna das mesmas, em direção ao alvo principal.
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— Afaste as pernas um pouco mais — ordenou. A voz soava como se ele falasse debaixo d'água. — Você... você pode desabotoar — disse ela, tremendo, enquanto fazia o que ele mandava. — Desabotoar o quê? — Entre minhas pernas. Existem colchetes na frente e atrás. Você pode remover essa parte. Seus olhos brilharam para os dela, antesde fazer o que ela havia sugerido. Se as mãos dele tremiam antes, agora estavam atrapalhadas. No entanto, não se tratava de uma tarefa tão difícil assim e logo, a tira de cetim que provocantemente mal cobria as partes mais íntimas dela, caiu finalmente no chão do hall. Ele deu dois passos para trás para admirar a obra e tentar manter o cérebro funcionando, apesar do corpo estar quase explodindo. Ela era incrível. Sensual e má. Não má o suficiente, ele decidiu maliciosamente, enquanto baixava as taças do sutiã pelos lados dos seios, expondo agora completamente os bicos, rígidos e ansiosos por atenção. Ela gemeu, quando ele deu um bom beliscão em cada um deles. Rico voltou a se afastar para ver como ela estaria reagindo. — Está melhor agora — disse ele sem prestar atenção no olhar dela ou em como ela pressionava as palmas das mãos contra a parede. Parecia uma virgem, passando por uma espécie de sacrifício, presa à parede contra a sua vontade. Que atriz! Aquilo era exatamente o que ela queria, o que planejara que acontecesse todo o dia. Atormentá-lo e excitá-lo até o ponto insuportável. A escolha que fizera de roupas e langerie acendeu um apetite insaciável nele e o estimulou usá-la como ela queria ser usada. — É como eu disse... — murmurou ele. — Depravada. — Rico, eu... — Quieta — retrucou ele. — Prefiro minhas amantes caladas. Falar só para implorar. É o que você ia fazer, Renée? Implorar? Seus olhos se enfrentaram. O pânico que existia nos dela, foi desaparecendo devagar deixando no lugar algo amargo e maldoso, que quase eclipsou a expressão existente nos dele. Não completamente. Pois Rico, cheio de fúria era agora uma força que não mais poderia ser suplantada. — Prefiro morrer antes de implorar alguma coisa para você — atirou ela no rosto dele. Rico sorriu. — Veremos, benzinho. Veremos. Não saia daqui. Ficou deliciado com a angústia que imediatamente cobriu o rosto dela. — Aonde... aonde você vai? — perguntou trêmula, enquanto se descolava da parede. Ela tinha se reclinado contra a parede, porque não conseguiria se equilibrar 67
somente sobre os saltos do sapato. — Ao meu quarto — informou ele. — Vou vestir alguma coisa mais... Confortável. Não se preocupe. Eu voltarei. Mas antes de ir... — voltou ele e pressionou novamente as costas dela contra a parede, com as mãos espalmadas como antes. — Vou te dar uma provinha do que virá depois... Segurou o rosto de Renée com uma das mãos, fitou-a enquanto a tocava com a outra. Acariciou-a entre as pernas, onde ela era macia como seda e incrivelmente úmida. Tocou-a por dentro e por fora. Tocou por toda parte até chegar no ponto onde sabia que o contato a faria gritar, chegar ao clímax. Tocou-a até derreter a vontade de ferro que ela tinha e ver o pedido angustiado em seus olhos. Não implorava verbalmente, mas era tão bom como se fosse. Quando um gemido saiu dos lábios delas, ele soltou-a. — Não vou demorar — disse com um beijinho casto na boca aberta. — Seu miserável — xingou ela. — Se pensa que vou ficar aqui esperando você voltar, como uma boa menininha, está completamente enganado. — Você vai ficar. Ou eu não vou voltar. Saio daqui agora mesmo. Existem muitas mulheres que podem me dar o que você está me dando agora, meu bem. Você escolhe. Ou faz exatamente o que eu disser, quando eu disser, sexualmente falando ou está tudo acabado. Rico estava blefando mas, pela primeira vez desde que a conhecera, fazia aquilo genialmente. O rosto dele não estava totalmente impassível, mas permanecia convincentemente duro, frio e cruel. — E então? O que vai ser? — perguntou. Ela não disse uma palavra. Somente olhou de forma gelada para ele, depois virou o rosto para o outro lado e permaneceu onde estava. O momento de triunfo de Rico pareceu de alguma forma, vazio. Talvez porque no fundo soubesse que somente o orgulho dela estava ferido. Por trás da explosão ela queria ficar. Não como uma boa menininha e sim como uma garotinha má. Uma garota muito má. Ficara porque esse era o tipo de jogo do qual ela realmente gostava. Só não estava habituada ao homem dando as ordens. Como ele pensara uma vez, Renée gostava de ficar por cima. Não sob ordens ou prensada contra uma parede. Rico estava decidido a não voltar correndo, apesar de não ter levado mais de trinta segundos para ficar completamente nu. Demorou bastante para ir até o banheiro, lavar as mãos, escovar os dentes, colocar uma colónia cara. Chegou a pensar em tomar um banho, mas decidiu que aquilo poderia significar ir longe demais. Depois de uns bons dez minutos, sua própria frustração o venceu e ele entrou rapidamente no robe de seda preto, amarrou a faixa na cintura e voltou pelo corredor acarpetado até
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o hall. Ela não estava lá. Fora embora. Fugira. Escapara. Havia o abandonado. Ele se amaldiçoou e ia abrir a porta da frente para segui-la. Um plano de ação estúpido, devido ao estado em que se encontrava, quando percebeu que as coisas dela ainda estavam lá. As bolsas e as roupas. Ela jamais entra entraria no elevador e desceria para a portaria nos trajes em que ele a deixara. Seria presa por atentado ao pudor. Então, onde estaria? De repente, uma porta foi aberta do outro lado do corredor, a porta do banheiro de hóspedes. Renée surgiu e caminhou lentamente para ele, com olhos calmos e recomposta. Perplexo, ele a viu caminhando em câmera lenta. Fixou os olhos primeiro em seus seios ainda nus. Depois, para o macio emaranhado despido entre as coxas. Toda a fúria contida desapareceu, substituída por um desejo tão forte e tão quente, que chegou a assustá-lo. — Você demorou. — explicou ela friamente, quando chegou junto dele. — Tive que ir ao banheiro. Estava desesperada. Não se preocupe. Eu volto imediatamente para o lugar onde estava, como você ordenou. Quando ela passou por ele, suas mãos se esticaram para agarrar o pulso dela e trazê-la mais próxima, girando-a de volta para ele, abraçando-a com força. — Coloque seus braços em volta do meu pescoço — disse ele. Ela assim fez. Os lábios se entreabrindo. Com aqueles saltos tão altos, não havia muita diferença de altura entre os dois. Renée era uma mulher alta. Portanto, a junção das coxas dela estava no lugar exato para recebê-lo. Agora não havia mais tempo a perder, ele percebeu. A vontade ferrenha de refrear-se já não mais o segurava. Começava a perder o controle. Arrancou rapidamente seu robe, depois se inclinou um pouco, o suficiente para que a sua ereção atingisse o calor líquido entre as pernas dela e não a barriga. Será que ousaria se esfregar um pouco contra ela antes de mergulhar dentro de seu corpo? Ousou e o efeito valeu a pena. Ela ficou paralisada e soltou um grito. Não era um grito de prazer, mas de dor, da dor de saber que estava quase gozando. Ela sentiria como ele? Perguntou-se, desesperado para desmanchar-se em suas profundezas, mas ainda assim segurando o momento de relaxar. — Olhe para mim — sussurrou ele ao penetrá-la. Ela obedeceu. — Oh — gemeu ela novamente, dessa vez de surpresa. Ele estava enorme. Nunca fora tão grande, na verdade. Ela fizera bem seu trabalho, se foi o que desejou conseguir — Rico — soluçou ela.
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— O quê? — Nada. Só... Só não pare. Não pare. Céus, como ele odiou quando ela disse quilo. Foi o mesmo que dissera na noite anterior. Ela não sabia como era especial para ele estar dentro dela? Que ela era especial para ele? Não, pensou selvagemente, enquanto agarrava as nadegas nuas e começava a forçar seu corpo dentro do ela. Ela não sabia. Qualquer homem serviria, desde que tivesse no ponto e sexo adequado e soubesse usá-lo. Usá-lo e usá-la. Os gritos de orgasmo dela eram como lanças no coração dele. Seu corpo tinha convulsões violentas em torno do dele. O clímax, quase ao mesmo tempo, foi inevitável. Como ele poderia se controlar com tanto estímulo? Os gritos que deu, os tremores que teve, de alguma forma, o deixaram envergonhado. Não era assim que deveria ser entre eles. Não era o que ele queria. Ele queria fazer amor com ela, não usá-la. Será que ela não poderia compreender isso? Obviamente, não. A meta dela em tudo aquilo, hoje, pelo menos, era a gratificação sexual. E estava conseguindo, pela intensidade e a duração do orgasmo. Mais tarde, o corpo dela se acalmou e os braços tombaram moles em torno do pescoço dele. A cabeça se encaixou entre o pescoço e a cabeça dele. Rico mal reagiu quando os lábios de Renée o tocaram, em um gesto de aparente ternura. Hipócrita, ele pensou. Ela não desejava ternura. Ela só queria estar verdadeiramente satisfeita. Quando os joelhos dela começaram a se afastar, ele a abraçou e a carregou pelo corredor à esquerda, rumo ao quarto principal. Ela queria sexo? Pois teria sexo. Queria estar no controle, para variar? Ele poderia permitir. E adoraria cada momento.
CAPÍTULO ONZE Rico acordou com o barulho da água do chuveiro e esticou a cabeça por entre os lençóis para checar o rádio relógio: dezoito horas e cincoenta e tres minutos. Não dormira muito. Só uns vinte minutos, mais ou menos. Aliviado, rolou do lugar onde se deitava de bruços. Deitou sobre os travesseiros, puxou um lençol para se cobrir da cintura para baixo e cruzou os braços atrás da cabeça. Bem, pelo menos ela não fugira dele dessa vez. E por que fugiria? Ele superara a performance da outra noite. Tinham-se passado aproximadamente umas cinco horas desde que chegaram. Cinco horas de muito sexo e muito entretenimento. Ele usara 70
tudo o que aprendera sobre as mulheres para mante-la em um estado de submissão abananada. Renée, ele descobrira surpreso, gostava de ceder o controle das ações. Pelo menos com ele, foi o que tinha demonstrado. Rico fora o dono completo da situação, seduzindo, exigindo e agindo. Sim, ela estivera por cima, mas somente quando ele ordenara e não por muito tempo. Não queria que ela começasse a pensar que poderia mandar no quarto dele. Mas ela fora uma visão gloriosa cavalgando-o, com a cabeça jogada para trás, olhos fechados, a boca aberta para conseguir respirar melhor. Por alguns instantes, ele ficou deitado somente a observando e perguntando quem era realmente a mulher que o cativara tanto. Ela o havia cativado e corrompido. Porque aquele não era ele. O mestre mau e dominador que já planejava fazer mais coisas com ela, só com uma meta: obrigá-la a concordar em ser sua amante permanentemente, não uma temporária somente. Se ela não permitisse que ele a amasse, então jurava para si mesmo que seria o dono, um predador, um primitivo, um animal que encontrara a fêmea e não a deixaria escapar. Tinha um mês para convencê-la, para colocar sua marca nela, para mostrar que ele e somente ele poderia satisfazê-la totalmente. Apelaria para o lado devasso dela, para o lado inteligente, mas especialmente para o lado de fêmea, que parecia extravulnerável às imposições do amante. Devia ele ter despertado alguma fantasia secreta, porque uma mulher como Renée normalmente não seria tão submissa. E ela nem uma única vez dissera não para ele naquela tarde. Ah, sim, logo conseguiria tê-la exatamente onde a queria. Talvez não apaixonada por ele, mas seriamente dependente sexualmente. O desejo era quase tão forte quanto o amor, Rico acreditava. Às vezes, ainda mais poderoso. A água parou de correr no banheiro e suas entranhas se enrijeceram imediatamente. Rico se aborreceu com a reação. E os juramentos devassos que fizera para si mesmo? Era ele que estava com medo. Medo de perdê-la. O que fazer para conquistá-la? Preocupava-se. Mais sexo àquela altura, parecia um excesso. Seria melhor que esperasse um pouco. Que ela recuperasse o desejo e ele as forças. Era um homem, afinal de contas, não uma máquina.. Jantaria fora com ela. Isso mataria dois coelhos com uma cajadada só. Daria um descanso a ambos e a obrigaria a conversar um pouco. Sim, conversar podia também ser eficientemente sedutor e íntimo como fazer amor. Falar derrubava defesas, criava laços, desmanchava mal-entendidos e trazia a compreensão. Rico estava louco para saber mais sobre ela. Talvez essa fosse sua chance, com ela macia e molinha em suas mãos. Ela estava assim antes dele dormir como um tolo. Sim, era uma boa estratégia levá-la para jantar. Alcançou o telefone da mesinha e fez reserva para as oito e meia em um restaurante próximo, especializado em frutos do mar. Lá ele era conhecido e não seria recusado,
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apesar de ter ligado tão tarde em um sábado. Ficava bem próximo, junto ao cais. Ele nem precisaria ir de carro, nem se preocupar por beber algumas taças de vinho a mais. Passaram-se dez minutos e a maçaneta da porta do banheiro girou. Rico confiava em seu plano de ação para a noite. Nada de sexo por algum tempo, só jantar e bate-papo. Era um ótimo plano, até ela entrar no quarto enrolada em uma toalha azul felpuda e macia, parecendo uma noiva na manhã seguinte ao casamento. Brilhante, foi a expressão que lhe veio à cabeça. Brilhante, atraente e... Meu Deus, lá ia ele novamente. Ela viu o movimento sob o lençol e se mostrou chocada. — Isso não pode ser verdade — disse ela, admirando o fenômeno. — Isso é impossível! — Aparentemente, não — disse ele, recostando-se sobre a cabeceira e dobrando os joelhos para esconder a ereção. — É só ignorar. Reservei uma mesa para jantarmos às oito e meia. Isso te dá mais de uma hora para se aprontar. — Ignorar! — repetiu ela, agitada. Tremeu ligeiramente e levantou os olhos para o rosto dele. — O que foi que você disse? Oh, sim, jantar. Eu... Eu não preciso me enfeitar toda, preciso? Só trouxe roupas esportivas e não quero usar de novo aquele vestido preto. Nem isso — acrescentou, se abaixando para pegar o espartilho, as meias e os sapatos de salto alto do chão. — Por quê? — perguntou ele. — Você sabe por que. Usar essas roupas provocam coisas em mim. Coisas más. — E não era essa a ideia quando as comprou? — comentou ele, dando-se conta de que ela voltara a ser a antiga Renée. — Não. Ela jogou tudo sobre a cadeira que estava ao lado da mesinha-de-cabeceira, onde ele sentava todas as manhãs para calçar os sapatos. — Elas deveriam provocar coisas ruins só em você. Ele sorriu. — Você pode rir. Todo esse vestuário sexy me custou uma nota. — Eu me ofereci para recompensá-la, mas você recusou. Agora, pare de reclamar. Você gostou dos efeitos colaterais das compras a tarde toda. Portanto, acho que foram um bom investimento, não acha? Ela o excitou mais ainda, com a toalha que usava para se cobrir. Ele só teria que esticar a mão para puxar a ponta e ela ficaria completamente nua. Rico tinha descoberto que preferia vê-la daquele jeito. Aquele espartilho tinha sido uma coisa louca, não podia negar, mas nada melhor do que ter acesso a seu corpo todo, cada curva, cada zona erógena, cada parte íntima, que reagiam com tanta intensidade a seus carinhos. Ele adorava acariciar a barriga macia e lisa e beijar muito Renée e percorrê-la com o queixo
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com a barba por fazer. Ela inteira. Ela também gostava muito. Os carinhos dele a deixavam louca. Droga, pare de pensar em sexo, ordenou a si mesmo dolorosamente consciente de que a situação piorava na região pélvica. — Você não respondeu a minha pergunta — ela insistiu impaciente ao lado da cama, sacudindo os cabelos molhados com os dedos, os tornando mais revoltos e mais sensuais ainda. — E o que foi que você me perguntou? — replicou Rico com a voz fria, mas a parte inferior do corpo em brasa. Aquela pequena soneca o tinha revigorado. — Posso ir de calça comprida e uma camiseta nesse lugar que você reservou? — Claro. É bem simples. E fica só a cinco minutos a pé daqui. — Ótimo. Vou fazer um pouco de café antes de me vestir. Você também quer? — Não agora. Vou tomar um banho primeiro. - Um banho longo e frio, pensou. — Tudo bem — completou Renée. Ela se virou e saiu descalça, sacudindo ainda os cabelos com os dedos. Rico saltou da cama de imediato e foi para uma chuveirada providencial. Cinco minutos depois, um Rico batendo os dentes de frio deixou o chuveiro e pegou a toalha. Á agua gelada tinha ajudado bastante e ele havia perdido a ereção. No entanto, sua calma fora apenas temporária. Logo, voltou tudo ao normal. — Agora quero que você se comporte por um tempo — disse ele para o membro, vestindo seu roupão de banho sempre pendurado atrás da porta do banheiro. — Estou tentando conhecer a mulher nas próximas horas. Não estou falando biblicamente. Portanto fique frio, entendeu bem? Rico ficou surpreso quando entrou de novo no quarto e encontrou Renée segurando uma caneca de café fumegante com as duas mãos admirando a vista. Era uma visão completamente inocente. O problema era que a maldita toalha dela escorregara e mais um pouquinho, os seios saltariam por cima da mesma. Os mamilos e o resto. — Quieto, rapaz — murmurou baixinho. — Vou até lá fora no terraço — disse ela quando o viu. — Quero aproveitar mais essa vista. Mas está fazendo frio. E aqui está tão quentinho. E ficando mais quente a cada minuto, Rico pensou irritado. — Dei uma volta pelos outros quartos e depois que fiz o café — continuou ela. — Espero que não se importe. — Absolutamente — disse ele. — Gostei muito do que você fez com essa casa. A escolha dos móveis, quero dizer. Percebi 73
que não mudou as cores das paredes e do tapete. Creme e cinza combinam com qualquer coisa, não é mesmo? O couro vermelho que usou nas áreas de estar ficou fantástico, mas do que gostei mesmo foi da madeira boa, de cores quentes, que você usou aqui — descreveu voltada para a cama, onde ficou parada, segurando a caneca com uma das mãos, enquanto, com a outra, alisava a cabeceira. — Ficou muito mais bonito do que a cor creme da época do Charles. Rico piscou duas vezes e a encarou. Nunca lhe ocorrera, até aquele segundo, que Charles pudesse ter sido um dos amantes dela. Pensou nisso e percebeu que era uma possibilidade real. Antes de Charles conhecer e se apaixonar por Dominique no ano anterior, ele tinha sido um homem bastante popular entre as mulheres. E sinceramente, com mais mulheres do que Rico que não era o playboy que Renée acreditava. — Charles foi um de seus amantes? — perguntou com um nó na garganta. Por favor, pensou. Qualquer um, menos Charles. — O quê? Ela tirou os olhos da cabeceira e pareceu perdida em outro mundo. Provavelmente, pensava na cama que tinha estado naquele mesmo lugar e no último homem com quem transara nela. Seu melhor amigo! Sua expressão passou de perturbada para irritada. — Ora, não seja bobo. É claro que não. — Como sabe como era este quarto quando ele morava aqui? — Pelo amor de Deus, Rico! Estive aqui várias vezes nos últimos anos. Em festas e no casamento de Charles mais recentemente. Sou mulher, o que quer dizer que sou curiosa. Dei uma espiadinha aqui, sim, entendeu? Parecia razoável. Puxa, como ele se sentiu aliviado! — É, pode ser. Então por que disse que era claro que ele não tinha sido seu amante? É porque acha que Charles é velho demais para você, é isso? Você gosta de amantes jovens, suponho. Jovens e fogosos. Tinham que ser, para acompanhar você. No mesmo instante que as palavras ciumentas e inseguras partiram da sua boca, Rico teria dado tudo para que voltassem. Tarde demais. O mal tinha sido feito. Ela tomou outro gole de café, depois suspirou. — Escute, será que podemos evitar esse tipo de conversa? É uma perda de tempo. Estou com você aqui agora e estarei sempre que quiser durante um mês. Sou sua amante por esse período de tempo. Isso não quer dizer que você tenha o direito de me dar sermões sobre os homens que tive no passado, ou sobre qualquer outra coisa. Posso conversar com você sobre uma porção de temas. Trabalho. Tempo. Religião. Política. Sua decoração. E, naturalmente, sexo. Mas não vou discutir a minha vida pessoal, o que inclui o meu passado. 74
— Entendo — disse, quase que mordendo a língua de raiva, frustrado em todos os sentidos. Levá-la para jantar não iria conduzi-lo para onde ele esperava. Não se ela já teimava em afirmar que se recusaria a se abrir com ele sobre a vida pessoal. Ainda iriam jantar, mas não sairia de casa com aquela ereção que tentava esconder. Seu masoquismo, no que se referia a Renée, estava terminado. Durante o próximo mês, pelo menos. — Tudo bem — disse ele, com pose de cavalheiro. — Se é assim que você quer. Largue esse café, tire essa toalha e traga o corpinho gostoso para mim agora! Gostou do choque que viu ter provocado em Renée. Tirou vantagem da hesitação dela, abrindo o roupão e mostrando o que a esperava. Ela ficou atônita. Não havia a menor dúvida. Engolia, nervosa a saliva. Ele percebeu o movimento em sua garganta. Quando ele lambeu os lábios de Renée, percebeu que a tinha impressionado. — Você faz isso com todas as suas mulheres? — lhe jogou as palavras no rosto. — Fazer o quê? — Corrompê-las. Ele teve que rir. — Não. Só com as bruxas de olhos verdes que têm me feito passar anos terríveis. Agora, largue essa caneca e faça o que mandei, minha amante! Ela não moveu um músculo durante um longo tempo. Então, lentamente e com raiva, largou a caneca e tirou a toalha, a jogando para bem longe dela. Era a primeira vez que ele a via nua e de pé. Meu Deus, como ela era adorável. Alta e esguia, com curvas longas e elegantes. Era uma puro-sangue. Se fosse um cavalo desfilando em um leilão, ela receberia a maior oferta. Que pena ele não poder comprá-la de verdade. O devaneio lhe fez lembrar que o tal relatório poderia apontar que ela estava passando por dificuldades financeiras. Então, ele teria algum poder para mante-la em sua cama. No fundo, duvidava. A única coisa com que podia contar era tê-la pelo próximo mês e naquele exato momento. — Agora, venha até aqui — comandou ele, áspero. Ela obedeceu, caminhando como ele imaginava que havia feito sobre uma passarela, com passos longos, lentos e o estranho olhar no rosto perfeito. Foi diretamente até ele, com seus lindos olhos verdes colados nos dele, lançando chispas de desafio e ainda de ódio. — E o que deseja que eu faça, meu amo e senhor? Devo me deitar de costas ou talvez ficar de joelhos? Estou certa de que gostaria disso. Vejam só. Ele não está dizendo mais nada. Não consegue se decidir, meu amor? Deixe, que eu decido por você. — Ficou de joelhos na frente dele. 75
Ele observava, fascinado e assustado. Ela o acariciava com uma das mãos e com a outra segurava e apertava os testículos. O prazer era como eletricidade passando pelo corpo. Seus olhos se enevoaram. Ele se sentia arrastar! Quando a cabeça dela desceu e os lábios fizeram o contato mais íntimo, ele engasgou, gemeu. Como seria fácil deixá-la continuar, permitir que ela o levasse até o fim. Ele quase fez isso. Deixou, por alguns instantes. Talvez quase por tempo demais. No último segundo, a agarrou pelos ombros e fez com que ela ficasse de pé. Por decência ou por o desespero que a impediu? Não tinha certeza. Só sabia que não poderia deixá-la fazer aquilo com ele por raiva. Queria que ela fizesse no calor da paixão. — Não — gemeu ele. Os olhos surpresos de Renée, cobraram uma explicação — Isso, não. Não desse jeito. Eu... Eu quero amar você, não compreende? — declarou-se ele, a sacudindo. — Quero tomar você em meus braços e beijar seus seios e sussurrar doces bobagens em seu ouvido. Eu quero... Eu quero... Ele interrompeu o discurso apaixonado e a beijou. Sim, somente a beijou, até que ela gemesse e se derretesse em seus braços. Caíram juntos na cama, com as bocas ainda coladas, membros entrelaçados, as mãos procurando freneticamente os locais mais íntimos. Não havia nenhuma demonstração de habilidade da parte dele, só o ato da urgência da paixão. Sua boca abandonou a dela, pois precisava respirar. Ela parecia tão desesperada quanto ele, levantando as pernas para laçá-lo, abrindo seu corpo para receber o dele. Ele escorregou para dentro dela como faca na manteiga. Os músculos dela o puxavam cada vez mais para dentro. — Oh, meu Deus! — gemeu ela. — Por que estou deixando você fazer isso comigo? — Fazer o quê? — gemeu ele também, através dos dentes cerrados. — O que estou fazendo com você? — Você está me deixando louca — sussurrou ela. — Isso é uma loucura. Eu não posso. Não outra vez — gemeu e agarrou as nádegas dele, cravando as unhas com toda força e o puxando ainda para mais fundo. Os movimentos de quadril o atraíam cada vez mais. Não demorou para que ela atingisse o orgasmo, aceleradamente. Ele engoliu em seco, afastou as mãos dela e as jogou bem para trás, acima da cabeça, esticando a parte superior do corpo dela cada vez mais. Com um gemido rouco, largou todo o seu peso sobre ela. Seu peito amassava os seios dela, suas barrigas colaram uma na outra. Dentro dela, se obrigou a ficar parado, desejando mergulhar na rendição de Renée. Não tinha certeza por quê. Talvez porque esse fosse o único momento em que se sentia superior a ela. Renée tinha espasmos profundos em torno dele, o arrastando-o inexoravelmente para o clímax. Foi uma luta até o fim e ela venceu. O nome dela explodiu dos lábios dele, enquanto o corpo também explodia, o coração disparava de emoção. Ele se sentia tonto a ponto de desmaiar.
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Ele a estava deixando louca, era isso? Que ironia. Ela não sabia que já o deixara louco por muitos anos? Por que fazer amor com ela jamais o satisfazia? Por que começava a pensar na próxima vez, pouco antes desabrochar-se dentro dela? Que nome se poderia dar a esse desejo autodestrutivo? Vício? Obsessão? Amor? Ele não sabia mais como chamá-lo. Tudo o que ele sabia era que Renée seria sua mulher. Não só por um fim de semana. Ou por um mês. Por um longo tempo. Ele a queria ali, sob seu teto, em sua cama, todas as noites. Faria tudo que estivesse a seu alcance, usaria todos os truques dos livros, os meios justos e sujos, para conseguir o que queria.
CAPÍTULO DOZE — Não vou deixar você ir embora, sabe disso — disse ele. Bebiam o Chablis maravilhoso que ele pedira e esperavam um peixe na manteiga com limão. Recusaram a entrada e foram direto para o primeiro prato. Renée dissera que nunca comia entradas e Rico só queria levá-la de volta para casa e para a cama, onde somente ele se sentia acima de qualquer coisa. Logo que ela vestia seu uniforme, as roupas de classe, porém conservadoras, mudava imediatamente para a Renée com a qual ele tinha dificuldades para agir. — Você agora é minha, Renée — acrescentou, se abrindo para ela. — Toda minha. A taça de vinho dela parou no ar por um momento, mas depois ela riu e tomou outro gole. — Cuidado, Rico. Seu sangue italiano está aparecendo. — E o que significa isso? — perguntou ele. — Significa que os italianos, pelo que sei, tendem ao ciúme, tomam-se possessivos com as mulheres que eles... Ah... Com as quais estão. Ele lançou um olhar por cima da mesa, entendendo a acusação. Sim, ele tinha ciúme e era possessivo. Renée tinha dado a ele o corpo tão plenamente, com tal paixão, com tanta intensidade que era perdoável ele pensar que ela nunca havia se sentido daquela forma com outro homem. Logo, ela descobriria que ele era tão especial para ela quanto ela para ele. Enquanto isso, tinha que descobrir mais sobre a amante. Não podia esperar mais aquele maldito relatório. Apesar de afirmar que não discutiria sua vida pessoal, tinha acabado de dar uma brecha. — Você teve outro namorado italiano antes, não teve? '•• — perguntou.
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Ela suspirou com exasperação. — Devo lembrá-lo que você não é meu namorado, Rico? Está entendendo agora? Passe uma noite ou duas com um italiano e ele pensa que é o seu dono. Será que agora podemos mudar de assunto, por favor? — Foi você quem começou. Escute, temos que falar sobre alguma coisa. Então, você já teve um namorado italiano. Grande coisa. Fale-me sobre ele. Ela suspirou e começou a girar sua taça de vinho entre fas mãos. — O nome dele era Roberto — disse ela, finalmente. [ — Era modelo, como eu também na época. Ele era muito bonito, como você — ela acrescentou, dando uma piscadinha para ele. — E bom na cama. Como você — afirmou e mudou para um olhar gelado. — E era completamente miserável. Rico esperou que ela acrescentasse o "como você". . Mas ela não fez. Em vez disso, os olhos dela brilharam durante um instante, antes de levar a taça de vinho aos lábios e beber o líquido até o fim. — Acho que preciso de outra bebida — disse ela, friamente. Os olhos revelavam a angústia dela. Rico pegou a garrafa dentro de um balde com gelo, perto do cotovelo. Lutava o tempo todo para não mostrar emoções, mas queria matar o responsável por transformar Renée daquele jeito, por torná-la hostil em relação a ele desde o início, só pela origem italiana. — O que ele fez foi tão ruim assim? — perguntou, " casualmente, enquanto enchia o copo dela. — Não suportaria repetir os detalhes. Digamos porém somente que ele era terrivelmente egoísta. — Eu não sou terrivelmente egoísta — assinalou ele, com um sorriso para disfarçar. Seu instinto dizia para levar as coisas bem de leve ou ela se fecharia novamente. — É uma questão de opinião. — Nunca deixei você ficar insatisfeita. — Verdade. Nisso tenho que concordar com você. Mas não estou falando de egoísmo sexual. Estou falando da capacidade de não saber ou ligar para o que as outras pessoas sentem. Ela armou um olhar descomprometido. — Um mês, Rico. Esse é o trato. Não pense nem por um momento que vai durar mais do que isso.
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— E se você descobrir que não quer que termine em um mês? Seus olhos, agora eram de alguém que se divertia, mas ele não conseguiu entender o motivo. O que ela achava tão engraçado? — Não tenho mais relacionamentos longos com nenhum homem, Rico. Com certeza não vou ter com você. — Por quê? Por que sou italiano? — Porque não é isso o que eu quero. Rico decidiu jogar o único trunfo que tinha na mão. — Então por que pediu que eu me casasse com você como prémio ontem? Ela quase cuspiu o vinho. Depois da surpresa inicial, ela ficou lá sentada, congelada com o choque, enquanto ele pegava a folha do bloco no bolso traseiro da calça. Ela pegou o papel, colocou o copo sobre a mesa, um pouco desajeitada, e ficou olhando o relevo das palavras que ela escrevera de próprio punho. — Muito esperto — murmurou ela, amassando em seguida o papel. — E então? — continuou ele, impaciente, após um período de silêncio. — Importase de me explicar isso? — Sim. Fizemos uma aposta, Rico e você não honrou a sua parte. Você não deveria saber o que eu tinha pedido. — Por quê? Qual o grande segredo? Isso não quer dizer que esteja perdidamente apaixonada por mim. O que mais, Renée? Ódio? Dinheiro? Sexo? O que motivou o seu pedido? — Era só para levar vantagem sobre você — retrucou ela. — Eu sabia que você iria pedir sexo, então quis ser melhor do que você. Lamentei ter escrito aquilo no mesmo instante. Foi uma atitude imbecil. Fiquei aliviada quando você venceu. Rico lembrou que era verdade. Ela parecia aliviada por ele ter vencido. Não sabiá o motivo então. — Não era o meu dinheiro o que você queria? Novamente, ela pareceu surpresa. — Sabe, Rico, essa é a segunda vez que você menciona o seu dinheiro. Escute, eu sei que pensa que me casei por dinheiro e que acredita que a maioria das mulheres bonitas que se casam com homens ricos são vagabundas e oportunistas. Mas pode acreditar em mim. Não estou interessada em seu dinheiro. Ah, nossa comida está chegando... Ela estava aliviada, Rico pensou. Dessa vez, por causa da chegada dos pratos. Ela também não tinha negado que se casara com o querido e velho Jo pelo dinheiro
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dele. No entanto, apesar de estranho, Rico começava a acreditar que não era esse o motivo. Havia alguma coisa profundamente honesta em Renée. Ela era misteriosa sim, mas não falsa. Essa era a diferença. Rico decidiu que, enquanto comia, pensaria num brilhante tópico para uma nova conversa. Só tinha mastigado algumas garfadas do delicioso peixe, quando seu celular tocou. — Devia ter desligado essa droga — disse. — Rico — foi a única coisa que a sua mãe disse, mas o suficiente para que todos os seus nervos entrassem em alerta. — Sim, mamãe, o que foi? — perguntou, tentando disfarçar a ansiedade. Sua voz deve tê-lo traído, já que nunca vira Renée olhá-lo com tal preocupação antes. — É o seu pai — continuou sua mãe. — Ele sentiu umas dores no peito depois do jantar, mas não queria fazer nada. Disse que era só uma indigestão com a minha comida. Ele parecia tão mal, Rico. Tinha uma cor horrível, respirava mal. Não liguei para o que Frederico dizia, pela primeira vez na vida e chamei uma ambulância. Estou no hospital Liverpool e os médicos, eles... Eles estão fazendo uns exames. Não dizem muita coisa, mas parecem preocupados, Rico. Eu acho que você deve vir para cá. Com você, eles falarão. — Já estou indo. Já estava mesmo de pé, com o coração disparado. O pânico tomava conta do corpo. Não o seu pai. Não antes de ele chegar lá, pelo menos. — Eu tenho que ir, Renée. Meu pai está no hospital com uma suspeita de ataque cardíaco. Sinto muito, mas tenho que ir. — Eu vou com você — disse ela e se levantou com um pulo também. — Não. Você vai me atrasar. Tenho que correr para casa, pegar o meu carro, nada me fará dirigir devagar. Ele terminou de falar já em disparada, deu uma explicação apressada ao mattre e partiu a toda logo que chegou à rua. Mais do que segui-lo, Renée correu ao lado dele, até o prédio de apartamentos. Ele não desperdiçou nenhuma energia perguntando como ela conseguiu acompanhá-lo, até estarem os dois na Ferrari em movimento. Mesmo então, ele só falou quando parado por um sinal de trânsito. Ele estava quase que sem fôlego. — Podia me dizer como conseguiu acompanhar minha carreira? — indagou. — Correr é o exercício que eu faço — respondeu ela. - Corro todos os anos a prova da cidade. Estou bastante em forma!
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Ele concordou com um aceno de cabeça, sem a menor vontade de falar. Só tinha ficado curioso. — Só dirija, Rico — disse ela. A sensibilidade de Renée o surpreendeu. — E não corra demais. Não vai querer sofrer um acidente ou ser detido. Isso não vai leválo para o lado do seu pai mais depressa, não é? O olhar dele demonstrou a gratidão que sentiu pela compreensão dela. Dirigiu concentrado e em silêncio sem correr, mas tomando todos os atalhos que conhecia, tentando afastar o pânico que sentia. Consolava-se ao pensar que muitas pessoas que sofreram ataques cardíacos conseguiram sobreviver, porque chegaram ao hospital a tempo. Só esperava que seu pai fosse um desses casos. Rezava para que fosse. A viagem levou quarenta minutos e Rico não sabia aonde ir quando chegaram. Seu estresse era muito elevado, seu poder de tomar decisões estava prejudicado. — Ali — decidiu Renée, apontando para uma placa. — É lá que o seu pai deve estar. Você desce e eu estaciono o carro para você. Depois te encontro na emergência, está bem? Ele fez exatamente o que ela ordenou. Rapidamente, mandou um beijo para ela pela janela do carro, antes de sair correndo. — Obrigado — disse. — Boa sorte — gritou ela. — Vou ficar rezando pelo seu pai. — Faça isso — disse ele por cima do ombro, entrando correndo no setor de emergência. Ele já havia rezado o caminho todo. Era um caos lá dentro, com a sala de espera cheia de pacientes. As noites de sábado eram os piores dias para qualquer setor de emergência em um grande hospital. Levou algum tempo para Rico ser atendido. Encontrou o pai de olhos fechados, muito pálido, em uma cama estreita de hospital. Sua mãe estava sentada ao lado do leito. Ela pareceu bastante aliviada quando viu o filho. — Como ele está? — perguntou Rico imediatamente, enquanto a abraçava. — Estou ótimo — respondeu seu pai, prontamente, abrindo os olhos. — Eu disse para a mama que não era nada, mas ela é uma apavorada e aqui estou eu, fazendo um monte de exames bobos, em vez de estar em casa, sentado na minha cadeira, assistindo ao meu programa de televisão. — Que exames eles fizeram? — perguntou ele para a mãe. — E você fique quietinho e descanse — ordenou ao pai, que abria a boca para responder. — Estou falando com a mamãe. — Você está ficando muito convencido — afirmou ele ao filho, antes de fechar os olhos
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e se calar. — Eu não sei — disse Teresa, bastante preocupada. — Um monte de máquinas e de fios e outras coisas. Deram uns medicamentos para ele. Não sei quais. Rico pegou a ficha que estava no pé da cama e tentou decifrá-la. Não era nada fácil. Que coisa mais complicada! — Hum. Parece que fizeram um eletro. A pressão está muito alta. Duvido que seja só uma indigestão papai, mas não parece que você vai morrer desta vez. — Os Mandretti não morrem antes dos noventa — retrucou seu pai. — Só se forem assassinados. Teresa se surpreendeu com o riso baixo da mulher que de súbito, entrou no quarto e se aproximou de Enrico. Uma mulher alta e linda, com cabelos negros, encantadores olhos verdes e um sorriso doce. Teresa era uma dessas pessoas que ou gostam ou odeiam uma pessoa à primeira vista. Daquela mulher, ela gostou. Mas quem era ela? — Ah, você nos encontrou — disse Enrico, sorrindo. — Tive que dizer para eles que era a sua noiva para que me deixassem entrar — contou a mulher. — Estou vendo que o seu pai não está tão mal assim. Isso é ótimo. Minhas orações devem ter funcionado. Teresa gostou dela mais ainda. Uma mulher que rezava não era só simpática, mas também boa. — Mamãe, papai, esta é Renée. Minha amiga das corridas de cavalo e dos jogos de pôquer. Estávamos jantando juntos quando você telefonou, mamãe. Renée foi muito gentil de vir comigo e impedir que eu fosse multado por excesso de velocidade. Teresa não poderia estar mais surpresa. Então essa era Renée? Ora, não parecia ter nem um dia a mais do que uns vinte e cinco anos. E não se parecia em nada com as mulheres que em geral seu filho preferia. Não era loura. Nem tinha busto grande. Nem era exibida. E estava jantando com o seu filho. Enfim a jovem se deu conta do interesse dele por ela! — Finalmente. Muito prazer em conhecê-la, Renée — disse Teresa se adiantando para abraçá-la e beijá-la no rosto. — Tenho ouvido Enrico falar tanto sobre você, mas parece muito mais nova do que eu imaginava. Você precisa nos visitar lá em casa em breve. Não acha, papal — Sim. Se eu conseguir sair daqui. — Bom, isso não será nesta noite, Sr. Mandretti — afirmou o médico ao entrar no quarto. — Vamos querer mante-lo em observação por alguns dias. Por enquanto... Ele foi interrompido pela chegada barulhenta de Katrina, a filha mais nova e a menina
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dos olhos do pai. Katrina foi a única outra pessoa para quem Teresa telefonou, pois não queria perturbar Frederico com visitantes e ruído. A mãe sabia que Katrina jamais a perdoaria se não fosse avisada imediatamente que seu querido papa estava doente. Infelizmente, Katrina trouxera sua filha caçula, Gina, que tinha quatro anos e chorava por qualquer coisinha. Gina deu uma olhada para o avô na cama e começou a choramingar. — Quieta, fïlhinha, quietinha — disse Katrina. preocupada. — Desculpe, mama. Paulo tinha que trabalhar nesta noite e não pude deixar Gina com as outras crianças. Não sabem como lidar com ela. Rico era de opinião que ninguém sabia como lidar com Gina. Katrina com certeza não sabia. Aquela criança tinha sido muito mimada. — Pronto. Deixe que eu fico com ela — ofereceu-se Renée, tirando a criança do colo da mãe. — Sou Renée — apresentou-se para a boquiaberta Katrina. — Minha noiva — acrescentou e riu Rico. A boca de Katrina se abriu mais ainda. — Explico tudo mais tarde. — Vou ficar com ela na sala de espera — disse Renée. A cabeça de Katrina se virava de um para o outro. — Mas... mas... — Não se preocupe — garantiu Renée. — Tenho muito jeito com crianças. Rico constatou que era a pura verdade, já que a diabinha parou de chorar imediatamente. Renée o surpreendia cada vez mais naquela noite. — Obrigado — repetiu ele. Ela sorriu e saiu do quarto, conversando com a criança em seus braços. Rico ficou olhando a cena por um segundo, antes que a sua mente se voltasse para a saúde do pai. Aquilo era a prioridade, apesar de parecer que papa não corria risco de vida. O médico disse para a família que o pai de Rico não tivera um ataque cardíaco e sim uma crise séria de angina. Ela precederia uma trombose. Pretendiam transferi-lo para um centro cardíaco, onde ele poderia ser mantido em observação e sob tratamento por alguns dias, durante os quais seria visto por um especialista. Precisava de uma dieta e de um estilo de vida melhores, o que fez o pai de Rico fazer uma careta e receber uma rápida reprimenda da mãe. — Você vai fazer o que os médicos mandarem — ordenou ela. — Você é um cabeça-dura. — E vou comprar uns cachorros para você — acrescentou Rico. — Assim, poderá leválos para passear. Seu coração vai ficar afinado como um violino e você vai se divertir ao mesmo tempo. — Caminhar e diversão formam uma terapia ótima para o coração — concordou o
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médico. — Deve escutar a sua esposa e o seu filho, Sr. Mandretti. Eles sabem o que é melhor para o senhor. O pai de Rico fez outra careta. — Sim, sim, Enrico sempre pensa que sabe tudo. Se ele é tão esperto, por que não se casou com aquela moça encantadora que estava aqui, em vez de escolher aquela outra de cabelo pintado e de riso falso? Jasmine tinha mesmo um riso falso. Um risinho muito agudo, tão falso quanto toda ela. — Eu volto logo — afirmou o médico e saiu do quarto. Nada de descanso para os malvados, Rico pensou, nem para os médicos da emergência. — Mas ele vai se casar com ela, não vai, papa! — Katrina perguntou, com um ar meio aparvalhado. — Ele disse que ela era a sua noiva. — Foi só uma piada boba — disse o velho. — Ela não quer se casar com o espertinho. A mama me disse. Rico olhou para mãe, depois ficou refletindo consigo mesmo. Ela estava certa. Renée não queria se casar com ele. Ou será que queria? Ela tinha pedido o casamento na aposta, não tinha? Muito bem, ela disse que havia sido só para levar vantagem na partida. Parecia ser a verdade, devido à história deles. Mas e se houvesse alguma outra coisa em jogo? E se... Pela primeira vez, Rico considerou a possibilidade de que poderia estar acontecendo alguma coisa com Renée que ele não tivesse notado. Ali poderia ter acertado na mosca ao dizer que existe muita diferença entre o que uma mulher fala e o que ela sente. Rico tivera demasiadas evidências do que Renée sentia por ele, quando esteve com ela na cama, quando ela baixara a guarda. Não somente desejo e necessidade, mas também paixão. Uma paixão profunda e poderosa, que fazia o corpo dela revelar coisas às quais a mente resistia. ―Eu não devia estar deixando você fazer isso comigo..." Foi o que ela disse logo depois de fingir que não queria fazer sexo com ele, que estava só o obedecendo por ter perdido a aposta. O corpo dela, no entanto, ardia por ele. Não só nesse momento, mas durante todo o tempo. Por quê? O que faria uma mulher como Renée querer tanto um homem que ao mesmo tempo odiava? A resposta veio num rompante. O outro lado do ódio. O amor. Ela está apaixonada por mim! O pensamento quase o fez saltar de alegria. Seria possível que isso fosse verdade?
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Ela poderia negar, é claro. Talvez ela nem mesmo reconhecesse o que realmente sentia, como ele não reconhecera a verdade dos próprios sentimentos por ela até esta noite. Talvez o orgulho tolo dela estivesse no caminho ou aqueles filmes antigos que ela tinha na cabeça sobre homens italianos. Rico franziu a testa e analisou esse último problema bastante real. Ele tinha que fazêla ver que nem todos os homens italianos eram como Roberto. Ele tinha que fazê-la ver que não era só sexo o que ele queria dela, mas também um futuro. Um futuro e uma família. Ela não era velha demais para ter filhos. Absolutamente. Ela... — Enrico — disse sua mãe, colocando a mão suavemente sobre o seu braço. — Chegaram as pessoas para levar o seu pai. — Oh. Oh, desculpe, mamãe. Eu estava longe daqui. — Eu sei... — falou com um sorriso compreensivo. — Talvez você devesse ir ver como sua Renée está se saindo com Gina. Os olhos da mãe e do filho se encontraram. Ela sabe, Rico compreendeu. Sabe o que eu sinto por Renée. Ela deu um tapinha em seu braço e sorriu. — Vá ficar com ela e espere junto dela, até o papa ser acomodado em outro quarto. Então vocês três podem voltar, podem ficar um pouco com ele. Si? — Si — concordou Rico e se curvou para beijá-la. — Eu te amo, mãe — disse. — Já volto para ficar com você, papai — acrescentou, mais alto. — Não se preocupe com Gina, Katrina. Ela vai estar bem. Teresa observou a pressa do filho e por um momento, seu coração de mãe se encheu de pena. Dessa vez eu o perdi mesmo, pensava. Ele pertencia a ela, agora. — Teresa — ouviu o chamado frágil, se virou e viu o marido, depois de quase cinquenta anos de casamento, olhar para ela como nunca olhara antes. Com medo nos olhos. Ela correu para ele e tomou as mãos dele entre as suas. Estava fria, muito fria. — Está tudo bem, Frederico. Eu estou aqui. E você vai ficar bom. Eu mesma vou cuidar de você. O rosto dele registrou surpresa e depois, prazer. — Sï, si, Teresa. Eu sei que vai cuidar. Uma boa mulher, a sua mama — disse para a filha. — Uma mulher muito boa. Não tão boa assim, Teresa pensava. Uma velha mama boba e egoísta que, finalmente, cresceu.
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CAPÍTULO TREZE Rico encontrou Renée em um canto distante da sala de espera. Conversava com Gina que, feliz, estava surpreendentemente quieta, sentada na cadeira de plástico ouvindo atentamente a história infantil que Renée contava. — E o grande lobo mau vestiu uma das camisolas da vovó e pulou para a cama dela, quando Chapeuzinho Vermelho... Renée interrompeu a história com a chegada de Rico e a criança protestou imediatamente. Rico tirou Gina da cadeira e se sentou com ela no colo. — Não grite, Gina — a preveniu com autoridade. — Ou não vai ouvir o resto da história. Ele disse a coisa certa. Gina calou-se de pronto. — Pode continuar — ele encorajou Renée. — É uma das minhas histórias favoritas. — Imagino que goste de todas as histórias em que os astros sejam grandes lobos maus — comentou ela ironicamente antes de continuar. Rico sorriu e ficou escutando. Como ela contava bem histórias. Ele estava impressionado. Infelizmente, Gina também estava e quis ouvir outra, logo que Chapeuzinho Vermelho terminou. Renée emendou com Os Três Porquinhos, sem parar para piscar, já que conhecia bem também essa outra história. Felizmente dessa vez, Gina começou a ter sono enquanto ouvia e dormia profundamente logo depois de vou soprar e soprar até derrubar sua casa. Renée parou e Rico protestou. — Eu vim de tão longe. Quero escutar o fim da história. Ela divertiu-se. — Você quer dizer o pedaço onde o lobo mau recebeu o castigo? — Sim. — Hum. É uma pena que a vida real não seja como os contos de fada. Eu conheço um lobo mau que merecia cair dentro de um caldeirão de água fervendo. Isso escaldaria um pouco o seu ego. — Ai! Falando sério, Renée, como é que você conhece essas histórias tão bem? Não se esquece de nada. — É porque passei boa parte da minha adolescência lendo essas histórias para primos muito mais novos, todas as noites. — Por quê?
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— Por quê? Fui criada por meus tios desde os doze anos. — Como assim? Ela suspirou. — Você faz muitas perguntas. — Estou interessado. — Eu sei exatamente em quê você está interessado no que se refere a mim, Rico Mandretti. Mas, como não pode satisfazer esse apetite aqui, você quer então alientar a sua curiosidade. Muito bem, se quer mesmo saber. Fiquei órfã quando tinha doze anos. Meus pais morreram, juntamente com a minha irmã mais nova em um acidente de carro. Eu tive sorte... Ou azar, dependendo do ponto de vista, de estar com os meus tios naquele dia. Eles ficaram comigo depois e morei com eles até sair da faculdade e vir para Sydney trabalhar. — Você não era feliz com eles, era? — disse Rico, lendo nas entrelinhas. Renée encolheu os ombros. — Eles fizeram o melhor que podiam por mim, eu acho. Quer dizer... Eu não era filha deles, só uma sobrinha. Minha tia não era uma mulher maternal. Só Deus sabe por que tinha filho atrás de filho. Só sei que ela adorou fazer de mim a babá. Eu tomava conta daquelas crianças, muitas vezes desde o nascer do dia até o pôr-dosol. Não que eu me importasse muito. Seus filhos me amavam, mesmo ela não me amando e eu precisava de alguém para me amar nessa época. Rico ficou chocado tanto pela história trágica quanto por nunca ter parado para pensar sobre a família de Renée. Mesmo assim, dizia a si mesmo que a amava. Talvez ele fosse tão egoísta quanto o outro italiano da vida dela. Talvez todos os homens fossem egoístas. Fosse o que fosse, já estava mais do que na hora de ele começar a pensar nela e não só em si mesmo. — Você não mencionou o seu tio. Não teve qualquer problema com ele, espero. Ela pareceu surpresa. — O que você quer dizer? Oh... Não, de jeito nenhum. Por que as pessoas sempre pensam coisas horríveis como essa? Rico reagiu e explicou. — É que você deve ter sido uma menina muito bonita, mesmo aos doze anos. — Na verdade, não. Eu não era. Nunca fui do tipo bonitinha, com grandes olhos azuis e cachinhos. Sempre fui muito magra e ossuda, com cabelo liso. Tinha uma pele que não se bronzeava e uns grandes olhos verdes pálidos. Meu apelido na escola era Rãzinha. Por volta dos quatorze anos, cresci muito e me tornei esquisita e desajeitada. Era só pernas e nenhum busto, explicando melhor. Quando fiz dezoito
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anos melhorei um pouco, mas ainda não tinha qualquer estilo ou encanto. Andava com os ombros encolhidos, olhando para o chão o tempo todo. — Acho difícil acreditar nisso. Você caminha lindamente, orgulhosamente. — Graças a um curso de andamento e postura que tive a sorte de ganhar quando cheguei a Sydney. Foi um prémio de uma rifa vendida por mulheres que faziam um trabalho de caridade. Eu era a garota da correspondência em uma fábrica de plástico. As pessoas que davam o curso disseram que eu tinha o aspecto certo para uma modelo e me recomendaram para uma agência. Nunca pensei que seria aceita, mas fui. Logo, eu entrei na passarela e comecei com as fotos de moda. Nunca alcancei o status de supermodelo. Não sou suficientemente alta para isso, mas me saí muito bem na profissão. — Tenho que confessar que me recordo vagamente do seu nome, mas na época, não namorava modelos. — Tinham pouco busto para o seu gosto? — Engraçadinha. Não. Acho que o meu ego era grande demais para competir com uma mulher de sucesso. Ficava contente com as mulheres que diziam que eu era maravilhoso o tempo todo, não com as que diziam o contrário. Felizmente, cresci um pouco desde então. Sei que você pensa que eu salto de uma loura burra para outra, mas não é verdade. Não é mais, quer dizer. Ela o olhou, pensativamente. — Você me surpreende, Rico. É um sinal de verdadeira maturidade poder olhar para trás, para as coisas que fez e compreender por que as fez. Fico feliz por você não voltar mais a namorar garotas como Jasmine. Você merece coisa melhor. Seus olhos se encontraram e ele quis beijá-la. Um beijo dos bons. Era melhor não. Decidiu questioná-la um pouco mais sobre ela. — Como aconteceu o acidente de seus pais? — perguntou. — Em que circunstâncias? Entristeceu-se com a lembrança. — Mamãe e papai tinham que levar minha irmãzinha Fay até Sydney, para ver um especialista. Ela tinha uma escoliose. Nós vivíamos no campo, em uma fazenda, não muito longe de Mudgee. Não havia muitos especialistas por lá. Saíram de carro bem cedo e passaram o dia todo no hospital. Ficaram para fazer uma refeição e só voltaram bem tarde. Estavam pertinho de casa quando o carro derrapou, indo parar do outro lado da estrada e batendo de frente com um caminhão. Acham que papai dormiu na direção. O coração de Rico se apertou por ela. — Que coisa triste, Renée. Eu sinto muito. Seus olhos se encontraram novamente e ele esperou que dessa vez, ela visse uma simpatia verdadeira nos seus.
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— Você não é exatamente um lobo mau, é? — perguntou ela, franzindo a sobrancelha. Ele sorriu, feliz por ela poder ver além do crachá de playboy, finalmente. — Não, mas não tenho estado em meu melhor momento nos últimos dias, admito. — Puxa, se esse não é o seu melhor momento, vou me inscrever para levar uns tratos no mês que vem. Rico teve que sorrir. Renée tinha um estranho senso de humor. Sentia-se quase que tentado a dizer ali e agora que ela não o enganara. Ele sabia que ela queria mais do que sexo. Ela queria que ele a amasse. E que se casasse com ela. Não era a hora certa nem o lugar certo para tal confronto. Ele não queria se arriscar a perdê-la por impaciência. Esperaria o momento chegar, ela estar pronta para aceitá-lo. Enquanto isso, ele continuaria cuidadosamente perguntando a respeito dela. Ela já começara a contar coisas. Não havia motivo para que parasse agora. — O que estão fazendo com seu pai? — perguntou ela, primeiro. — Não parecia estar muito mal, pelo que vi. Estava um pouco abatido, mas perfeitamente bem para viver até os noventa que todos os Mandretti vivem. A menos que sejam assassinados, é claro. Por machados de amantes ciumentas e vingativas, sem a menor dúvida. Ele sorriu e iria colocá-la a par do que o médico dissera, quando Katrina fez a sua entrada, parecendo ao mesmo tempo surpresa e contente quando viu que a fïlhinha dormia. — Eu estava ficando preocupada — disse ela. — Vejo que sem motivo. Muito obrigada. Acho melhor levar Gina para casa agora — continuou, tirando a menina dos braços de Rico e a passando para os seus. — Papa está descansando confortavelmente. Virei vê-lo amanhã. Prazer em conhecê-la, Renée. E obrigada por cuidar de Gina. Acho uma pena que não seja mesmo noiva de Rico. Seria bom para ele se casar com alguém interessante, para variar. Ciao, Rico — despediu-se e curvou-se para beijá-lo. — Seu pateta — sussurrou. Ele sorriu de volta para ela. Katrina sempre foi como uma segunda mãe para ele. Cuidou dele e o mimou quase como fizera com Gina. "Pateta" significava uma repreensão muito séria, mas queria dizer que ela aprovava Renée como cunhada em potencial. Ele gostou da ideia. E muito. — Até amanhã, maninha. Ela olhou de banda para ele e saiu. — Todos os seus irmãos e irmãs são tão bonitos quanto você? — perguntou Renée, enquanto Katrina ia embora. Rico teve que pensar um segundo. — Quase — disse ele. Renée deu um soquinho no braço dele. — Você é um bobo arrogante. — É. Esse é um problema que nós, os lobos, temos. Somos arrogantes. Vamos agora ver 89
o que o velho está pretendendo? Ele se levantou e segurou sua mão para ajudá-la. — Prefere que eu fique esperando por você no carro? — Absolutamente, não. Papai sempre gostou de apreciar mulheres bonitas. Ver você de novo só pode estimulá-lo a viver mais. — Adulador. — Essa é outra qualidade que você pode sempre encontrar em um lobo mau. Somos todos galanteadores. — Mas eu já disse que você não é um lobo mau de verdade. — É, você disse. Nesse caso, não sou um galanteador. Você deve ser mesmo muito bonita, então. Ela lançou um daqueles olhares de simpatia. — Vamos indo, Sr. Mandretti. — Vou ter que perguntar para a enfermeira da portaria onde fica o quarto. Recebeu as instruções e partiu para a ala onde tinham colocado o pai. As explicações foram um tanto complicadas e eles se perderam algumas vezes. Caminharam por corredores vazios, que faziam eco de seus passos, até finalmente alcançarem a ala e o quarto certo. Rico ficou contente quando viu se tratar de um quarto particular, com apenas uma cama. O pai parecia confortável, muito melhor e com o rosto já com alguma cor. Dormia profundamente. Cortesia de uma injeção que recebera, a mãe disse. — Não há necessidade de você ficar — disse ela para Rico. — Venha visitá-lo amanhã. — Mas e você, mamãe? Devia dormir um pouco. Eu levo você para casa. — Obrigada, Enrico, mas não. Disseram que eu podia ficar. Uma enfermeira muito simpática vai trazer uma cama de armar. Vou dormir aqui com o papa. Rico franziu as sobrancelhas. Não estava gostando nada daquilo. Ficara preocupado. Por que o hospital deixou sua mãe dormir lá? A menos que isso significasse... — É uma conduta normal dos hospitais atualmente — explicou Renée. — Não se preocupe. Ele olhou para ela. — Como você...? — Sacudiu a cabeça. — Não importa. Gostava de perceber que já começavam a entrar em sintonia um com o outro, não apenas física, mas também emocional. Deu um abraço de despedida na mãe e um beijo no seu pai, preocupado. — Não abandone a gente, papai — sussurrou. — Eu te amo. — Ele vai ficar bom — disse René, enquanto andavam para o carro. Renée mostrava o caminho. — Está em boas mãos. 90
— Espero que sim. — Você vai se preocupar do mesmo jeito — disse ela, quando alcançaram a Ferrari, sozinha no estacionamento, sob um poste de luz. — Você gosta muito da sua família, não é? — Mas é claro. A família é tudo, Renée. Os olhos dela se tornaram instantaneamente inexpressivos e ele poderia ter se chutado. — Oh, meu Deus, como sou burro — murmurou, a puxando para seus braços. Ela deu um suspiro. Enterrou o rosto no peito dele e chorou. Ele apenas a abraçou e acariciou seu cabelo. — Não devia ter dito aquilo — disse, arrependido. — Foi uma insensibilidade da minha parte. — Não — respondeu ela, sacudindo a cabeça. — Não, foi lindo. Chorou mais. Profundamente. Desesperadamente. Ele a deixou chorar o quanto ela quis, sabendo que não havia nada que pudesse dizer para fazê-la sentir-se melhor. Ele não tinha a menor ideia de como pudesse ser, perder os pais tão tragicamente. Passar por aquele susto com seu pai havia lhe proporcionado apenas uma noção. Como ele poderia saber como ela se sentira, aos doze anos de idade, ao receber a notícia que toda a família tinha desaparecido? E depois, tendo que viver com pessoas que não a amavam? — Não sei de você — disse ele, quando finalmente ela parou de chorar. — Mas eu gostaria de comer alguma coisa. Acha que nosso peixe ainda pode estar quentinho? — Por que não vamos para a minha casa, agora? — ofereceu ela, com olhos ainda adoráveis, apesar de vermelhos. — Tenho uma grande quantidade de comida congelada no freezer, que não demora nada para descongelar no microondas. Não são aquelas coisas de supermercado. Comida boa, que eu mesma cozinhei. — Está me parecendo ótimo — disse ele, escondendo sua surpresa por ela se dar ao trabalho de cozinhar. Sua casa foi outra suspresa. Com mobiliário de estilo campestre e muito confortável, se podia encontrar antigüidades ultracaras e aquelas coisinhas frias e minimalistas de shoppings. Logo, ele estava sentado em um sofá forrado com tecido florido, comendo com pauzinhos comida tailandesa. Um delicioso frango com macarrão e bebendo um refrescante chá chinês. — Não faz a menor ideia de como gosto de comer comida que outros fazem — disse ele. — E você não faz ideia de como gosto de ver outras pessoas comerem o que eu fiz —
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completou ela. — Faço refeições sempre sozinha. Ele deixou aquela informação penetrar em seu cérebro, enquanto saboreava mais da comida, simplesmente deliciosa. Havia tanta coisa que ele não sabia a respeito dela. — Por que se casou com um homem tão mais velho do que você, Renée? — perguntou, quando ambos os pratos estavam vazios. — E, por favor, não me venha com respostas malcriadas. Eu quero a verdade. — A verdade — repetiu ela, lentamente. Recostou-se na cadeira, com uma expressão resignada no rosto. — Você está realmente ultracurioso nesta noite, não acha? Muito bem. Talvez seja mesmo o momento de você saber a verdade. Eu me casei com Jo porque ele me amava. E porque ele não queria filhos. Rico não poderia ter ficado mais surpreso. Ou mais preocupado. — Não teve nada a ver com o dinheiro dele — continuou ela, asperamente. — Ótimo — concordou Rico. — Tudo bem. Acredito em você. Mas por que você não queria filhos? — Eu não disse isso, Rico. Eu disse que Jo não queria. — Desculpe. Estou confuso. Totalmente. — Só estou lhe dizendo isso porque tenho uma sensação estranha de que sei aonde tudo isso aqui pode nos levar. A verdade Rico, é que eu não posso ter filhos. Sua declaração dita de modo tão direto o atingiu como um golpe físico, derrubando de uma só vez tudo o que ele tinha planejado. Como ele poderia se casar com ela e torná-la a mãe de seus filhos, se ela não podia ter filhos? Rico ficou sentado de boca aberta. Sua esperança de um futuro com ela se desintegrava. — Há... Há quanto tempo você sabe disso? — perguntou, quando conseguiu pensar novamente. — Desde que tinha vinte e seis anos. Tive uma gravidez ectópica. Gémeos. Um em cada trompa. Houve complicações, somadas a uma infecção. Depois da operação necessária para salvar a minha vida, me deram a grande notícia. Rico não sabia o que dizer. Sabia agora que o sarcasmo escondia muita dor. Podia ver a dor nos olhos dela. O cirurgião deve ter tido que fazer nela uma histerectomia. Meu Deus, que notícia devastadora para uma mulher de vinte e poucos anos! Aquilo explicava um monte de coisas. O casamento com Joseph Selinsky. A decisão de nunca ter um relacionamento sério desde que ficou viúva. A relutância em falar ou mesmo pensar em amor. — Roberto era o pai, não era? — disse ele, percebendo instantaneamente tudo. — Como adivinhou?
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— E o que aconteceu? Ele abandonou você depois que soube que não poderia mais ter filhos. Foi isso? — Meu Deus, nada disso! Roberto era muito mais egoísta. Ele fingiu ser compreensivo. Disse que aquilo não tinha importância, que me amava loucamente e que ainda iríamos nos casar. Continuou a dormir comigo, naturalmente. Mas começou a viajar muito para o exterior. Contratos com modelo, ele me dizia. Mais ou menos naquela época, comecei a trabalhar na agência de modelos e logo descobri que Roberto não trabalhava na área havia anos. Ele estava viajando quando descobri. Telefonei para ele imediatamente e perguntei a verdade. Ele confessou pelo telefone que passava todo o tempo na Itália com a nova esposa. Sua nova e grávida esposa. Rico se sentiu furioso. O canalha fugiu e se casou com outra! — Ela era de uma família muito rica — continuou Renée, dando um sorriso. — O mais engraçado é que ele não conseguia entender por que eu tinha ficado tão nervosa. Disse que eu não poderia esperar que ele se casasse comigo, que ainda me amava e que queria que continuássemos amantes. Disse que seu pai estava no ramo de calçados e tinha dado um emprego para ele na divisão de exportações. Teria que vir à Austrália de vez em quando, a negócios. Disse que seria um arranjo perfeito e que eu seria uma amante ideal já que não podia ficar grávida e ele não teria que se incomodar em usar camisinha. Ele prometeu que só dormiria comigo e com a mulher dele, para que tudo fosse seguro. Rico mal podia acreditar no que estava ouvindo. Que tipo de homem faria uma coisa daquelas? Ou seria capaz de dizer coisas tão arrogantes e insensíveis? — E... O que você fez? — Como assim, o que eu fiz? — ela respondeu — Mandei que ele fosse à merda e que se se aproximasse de mim novamente, cortaria suas bolas com uma faca de cortar carne! O que você pensa que eu fiz? — disse ela, se levantando histérica. — Você acha que fiquei lá deitada, deixando ele fazer o que gostasse e quando gostasse? Me dê um crédito, tenho um pouco mais de orgulho do que isso. O único motivo de eu estar lhe contando tudo isso é para você não começar a ter ideias tolas a respeito de querer se casar comigo. Você deve ter pensando nisso nesta noite, não foi? Você pensa que me ama. E possivelmente pensa que eu o amo. Talvez eu ame, mas isso é totalmente irrelevante nessas circunstâncias. Você quer filhos. Não posso dá-los. Fim da história. Fim do caso. Ele ficou de pé, contornou a mesa e tomou o corpo dela que tremia, em seus braços. — Eu não só penso que te amo, Renée. Eu sei que te amo. Eu sempre te amei. Eu te amo e quero que você seja minha esposa. Não importa que não possa ter filhos. Eles são secundários diante do que sinto por você — falou ele. E falava sério. Como poderia fazer o que Roberto tinha feito? Casar-se com outra mulher só para ter filhos, enquanto o seu coração pertencia a essa mulher, corajosa, linda, orgulhosa e teimosa? — Não. Não são — chorava ela. — Eles não são secundários. São uma das coisas mais
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importantes para você. E você não me ama. Não verdadeiramente. É só sexo. Vamos ficar um mês inteiro dormindo juntos, noite após noite e esse tal de amor que você sente vai queimar com menos intensidade. Você vai me agradecer por eu não ter dito que me casaria com você nesta noite. Mesmo se você me amasse de verdade, um casamento entre nós seria um fracasso. Você terminaria me odiando! — Eu duvido. Já tentei odiar você e não funcionou. Não funcionou para você também. Nós nos amamos, Renée. Nada nunca vai mudar isso. Nós nos amamos e devemos ficar juntos como marido e mulher. Quanto aos filhos... Podemos adotá-los. Sei que não existem muitas crianças para serem adotadas na Austrália, mas existem em outras partes do mundo onde crianças pobres e órfãs estão chorando para ter uma mãe ou um pai. E nós seremos pais muito bons. Ela ficou olhando o rosto dele, seus olhos verdes brilhavam ainda mais com as lágrimas. Era maravilhoso. Maravilhoso e inacreditável. — Você não está falando sério, está? — Estou. — Meu Deus. Como... como posso dizer não? Mas eu deveria dizer não. Sei que deveria. Foi tudo rápido demais. Cedo demais. Você... Você não está pensando com clareza, no momento. Escute, vou fazer uma proposta. Serei sua amante durante o próximo mês, como combinado. Um mês de sexo selvagem, incontido e constante, Rico. E depois, quando esse mês terminar, se ainda quiser se casar comigo, eu caso. — Não está brincando? Rico sentiu dificuldade para conter a emoção quando ela concordou, não pela promessa de sexo selvagem, incontido e constante. No entanto, pensando bem não seria mal. — Não estou brincando. — Você não vai voltar atrás? — gemeu ele, levantando-a do chão para abraçá-la no ar. — Não, a não ser que você faça alguma coisa realmente terrível durante esse tempo. — Por exemplo? — Eu não sei. Se transformar num assassino ou começar a se barbear nos fins de semana — murmurou ela, correndo seus dedos pelo rosto e o queixo dele com a barba por fazer. — Acho que meus mamilos ficaram viciados nisto. — Só os seus mamilos? — disse ele, sério. — Talvez algumas outras partes sensíveis também. — Você não sabe nada sobre vícios, mocinha — sussurrou Rico e a carregou para o quarto. — Vou mostrar o que é um viciado sério e a única maneira de lidar com ele. Rico fazia amor com ela pela segunda vez, quando se lembrou dos relatórios que tinha encomendado ao detetive. 94
— Rico — gemeu ela, quando ele parou de se mover. Ele beijou seu ombro. — Só estou respirando um pouco, querida. Que Deus o ajudasse, pensou, se ela descobrisse. Deveria ligar para Keith no dia seguinte e cancelar tudo? Não adiantaria muito. Que diferença isso faria agora? Além disso, ele continuava querendo saber com quem ela dormira. E Renée nunca lhe diria isso. Quanto ao aspecto de suas finanças... Talvez ele pudesse ficar totalmente descansado a esse respeito. — Rico... Por favor... — Os quadris dela se moviam na direção dele, os seios agitados sob suas mãos. Ele gemeu. Impossível pensar em outras coisas naquele momento. A mão direita deslizou para segurar a barriga dela. Â esquerda ainda sobre o seio esquerdo. Ele pressionou as costas dela contra ele até os dois parecerem duas colheres perfeitas encaixadas uma na outra, uma só carne. Quando ela se mexeu novamente, impulsos de um prazer elétrico percorreram todo o corpo dele. Rolou na cama para se deitar de costas, levando-a com ele. A penetração agora não era tão profunda. As pernas dela abriram-se mais e ela continuou seu movimento. Ele ficou parado dentro dela. Só as mãos se moviam. A esquerda brincando com os bicos dos seios, muito eretos agora, enquanto a direita se movia para onde ele sabia que ela também estaria inchada. Com o mais leve toque ali, ela gemia. Uma carícia mais forte e ela enrijecia. Um aperto, ela gritava e se derretia. — Minha... — murmurou ele. Depois repetiu violentamente. — Minha... até que a morte nos separe. Ou até... Não, não, Rico pedia desesperadamente. Aquilo não poderia acontecer. Ele não deixaria que acontecesse. Agora não. Nunca! Seria o segredo que ele levaria para o túmulo!
CAPITULO QUATORZE Rico deixou os dois relatórios sobre a mesinha de tampo de vidro e dirigiu-se ao bar, no canto, para se servir de uma bebida. Escolheu um copo de base pesada da prateleira que ficava sob o bancada coberta de granito preto. Encheu o corpo pela metade com Glenfiddich e acrescentou alguns cubos de gelo, que retirou do balde que ficava na geladeira do bar. Suas mãos tremiam. Eram seus nervos.
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De copo na mão, ele saiu para o terraço, onde se recostou na balaustrada. Tomou um gole de uísque e tentou recompor-se. A noite caía e as luzes da cidade logo começaram a brilhar. A noite prometia ser fria, o céu noturno estava limpo e escuro, cheio de estrelas. O cais, abaixo, continuava movimentado com as barcas que saíam em intervalos regulares, levando os trabalhadores da cidade para casa. Era sexta-feira, portanto muita gente deveria ter permanecido na cidade para relaxar um pouco, tomar umas bebidas e conversar. Renée logo chegaria, vinda de uma viagem de negócios a Melbourne. Viagem inevitável, de acordo com ela na segunda-feira passada, quando se dirigia para o aeroporto. Uma emergência de staff na filial. Ele queria ir junto, mas ela dissera que não. Definitivamente não. Negócios e prazer não podiam se misturar. Além disso, ela voltaria dentro de um ou dois dias. Todas as manhã daquela semana, ela havia prometido voltar à noite e todas vezes, alguma coisa a detinha. Não haveria mais um adiamento naquela noite, ela garantira do aeroporto. Ela viria no voo das oito horas e pegaria um táxi direto. Ele sentira muito a falta dela nos últimos dias. Renée estava literalmente vivendo com ele desde quando fizeram a aposta, há três semanas. Só voltava para casa para alimentar o peixinho dourado e pegar roupa. Sua ausência naquela semana só servira para mostrar mais ainda o quanto dependia da companhia dela. Não pensava só em sexo, apesar de continuar sendo uma das melhores partes. Rico compreendeu no entanto, que a necessidade de ambos de fazer sexo várias vezes por noite ou em intervalos regulares durante o fim de semana, um dia diminuiria. Não poderiam passar o resto das vidas sem conseguir tirar as mãos um do outro. A vida sexual iria perder intensidade e chegar a uma rotina mais normal. Mas dali a muito tempo. Era por isso que ficava emocionado quando se lembrava de como se davam bem durante os outros momentos que passavam juntos. Charles e Dominique ficaram boquiabertos quando os receberam para jantar recentemente e não presenciaram nenhuma rusga. Renée contudo, ainda gostava de provocá-lo um pouco durante as noites de pôquer. Até se comportavam bem nas corridas, o que não era muito difícil, porque Fogo de Ébano vencera brilhantemente nos últimos dois sábados. O orgulho e o prazer de Renée com o seu Pretinho eram comoventes. Chegava a chorar de felicidade. Rico compreendia que os cavalos eram como os filhos que nunca teria, situação que ele pretendia remediar. Já pedira a seu agente para investigar países onde as adoções legais podiam ser feitas rapidamente. Sim, todos os planos de Rico estavam se encaixando. Não tinha mais a menor dúvida de que Renée o amava, apesar de ela nunca ter se declarado. Não tinha a menor dúvida de que ela diria sim à proposta de casamento, no final do mês.
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Por tudo isso, Rico se dava conta, tomando seu uísque em grandes goles, que estava tão nervoso. A mulher que ele amava mais do que a própria vida entraria por aquela porta da frente a qualquer momento. E o que ele iria fazer? Arriscar seu futuro com ela, mostrando aqueles dois relatórios, confessando o que tinha feito. Tinha pensado muito, mudado várias vezes de opinião nas últimas noites e descoberto que não poderia mais viver com aquele segredo. E com a própria curiosidade. Os relatórios da agência de detetives criaram tantas dúvidas quanto as que já tinha ele resolvido. Não que tivessem revelado qualquer coisa de ruim. Exatamente o oposto. Aquela mulher era para ser uma santa. Mas Renée não era uma santa. Quem era ela? O som da porta de vidro se abrindo atrás dele fez Rico se virar, com um frio na barriga. — Não escutei você entrar — disse ele, consciente de que estava tenso. Renée ficou parada na porta. — Estou vendo. O que está bebendo? Bourbon? — Não, uísque. Você quer um? — Hum. Acho que vou querer. Voar sempre me deixa nervosa. Ele sentiu os olhos interrogativos dela e caminhou para o bar, onde preparou a bebida do jeito que ela gostava antes do jantar. Uísque, gelo e um pouco de soda. — E o que foi que deixou você nervoso? — perguntou ela, quando recebeu o copo. — Alguma coisa deu errado com a agenda das suas gravações desta semana? — Não. Foi tudo como um relógio. Venha se sentar aqui, Renée. Tenho uma coisa para dizer para você e acho que não vou conseguir esperar. Ele sabia que se adiasse mais, poderia mudar de ideia. E aquilo não poderia acontecer. — Hum. Parece sério. Só me deixe tirar esta jaqueta primeiro — disse ela, colocando seu copo sobre a mesinha de café, junto dos relatórios. Tirou a jaqueta azul-marinho listrada, que combinava com a calça da mesmo tecico. Por baixo, uma blusa branca, que parecia saída do armário, apesar da viagem. Seus cabelos estavam puxados para trás, presos em um coque e ela usava um único colar de pérolas, combinando com os brincos também de pérola. Ela estava elegante e sensual e Rico queria desesperadamente mudar de ideia, não fazer o que pretendia. Somente queria fazer amor com ela, mas essa seria a escapatória de um covarde. — O que é isso tudo? — perguntou ela, apontando para os dois relatórios, e pegando novamente o copo. — É sobre isso que quero falar com você — disse ele.
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Antes que ele pudesse impedi-la, ela depositou de novo o copo sobre a mesa, pegou o relatório e começou a lê-lo. — Renée, por favor, não fique zangada — saltou ele, quando ela girou a cabeça para ele, com os olhos em brasa. — Você mandou me investigar? — afirmou ela, sem conseguir acreditar. — Como fez com a pobre da Dominique. — Não exatamente. Com Dominique, ele pedira para revirarem todo o passado dela, desde o dia em que a coitada nasceu. — Só existiam algumas coisinhas que eu precisava saber. — Não posso acreditar — falou ela em fúria, sacudindo o relatório na direção dele. — Ora, você... Você... — Quer me escutar antes de chegar a uma conclusão precipitada? — gritou ele, esperando que seu tom soasse firme e não apavorado. — Isso foi uma coisa que eu mandei fazer depois da nossa primeira noite juntos, imediatamente depois que descobri que você tinha pedido para eu me casar com você. Aquilo me chocou, Renée. Não conseguia entender por que você pedira o casamento. Fiquei desconfiado de que o seu motivo poderia ser o dinheiro. Não conhecia a verdadeira você, na época. Droga, não sabia quase nada a seu respeito. E ainda acreditava que tinha se casado com o seu falecido marido por dinheiro. — E no que você acredita agora? — perguntou ela, ainda em fúria. — Ficou satisfeito agora que viu aqui que eu tenho dinheiro suficiente? Ou ainda pensa que estou procurando uma outra mina de ouro? — Fiquei satisfeito em saber que você é uma mulher muito rica e maravilhosa, que dá montanhas de dinheiro para a caridade e preferiu viver de modo razoavelmente simples. Fora as corridas de cavalo, é claro. Os animais custam muito dinheiro. Tente compreender, Renée. Tratava-se mais da minha bagagem emocional do que de você. Depois de Jasmine, perdi a fé em mulheres bonitas. Quando conheci a futura esposa de Charles e você, só conseguia ver mais duas mercenárias, desejando trocar o corpo por segurança financeira. Ponha-se no meu lugar, Renée. Tanto você quanto Dominique tinham passados muito nebulosos. Não pode me culpar inteiramente por pensar o que pensei primeiramente. Ela fez uma careta, depois suspirou. Grande parte da raiva deixou seu rosto e concordou com ele, relutantemente. — Não, acho que não, mas você podia ter me perguntado, Rico. Não mandar um profissional fuçar as minhas finanças e... E... Ela parou. Em seguida, virou-se para pegar o outro relatório, começando a lê-lo antes
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que Rico tivesse a esperança de impedi-la. Ele esperou com nervosismo, pela próxima explosão, que não demorou muito a vir. Ela levantou a cabeça, seu rosto soltava faíscas. — Meu Deus, você mandou investigar até a minha vida pessoal! Minha... Minha vida sexual! — Só nos últimos cinco anos — disse ele, como num pedido de desculpas. — Não existe só em um caso desses, Rico. Isso é imperdoável! — disse ela, jogando os dois relatórios sobre a mesinha de café e engolindo a bebida, trémula. — Você deve saber disso. É imperdoável. E tremendamente típico. Ela engoliu um grande gole do uísque com soda. — Malditos homens italianos! Não se pode confiar mesmo neles. Em nenhum. Eles não amam nem confiam em ninguém. Só desejam nos possuir e descobrir todos os nossos segredos sexuais e... — Você não tem segredos sexuais, Renée — lembrou ele, tentando manter a calma diante da fúria dela. — Você não teve uma vida sexual. Não, desde que o seu marido morreu. Não houve nenhum homem em sua vida desde então. Por quê, Renée? Eu quero saber. — Oh, você quer saber agora? Ora, não me amole. Eu teria pensado que, sendo tipicamente italiano, você ficaria feliz da vida pelo meu jejum. Eu podia ser até qualificada como virgem novamente. Vocês italianos, gostam de virgens. Foi o que pensei. Roberto não ficou nada feliz quando descobriu que eu não era mais virgem, apesar de só Deus saber por que ele pensava que eu ainda fosse. Quando o pobre coitado descobriu, quis saber tudo o que tinha acontecido com cada namorado antes dele. E quer saber o que é ainda mais patético? Eu pensava que o ciúme dele era uma evidência do amor por mim. Pensei que ele fosse louco por mim e que nunca olharia para outra mulher. Eu fui tão imbecil. Tão completamente imbecil, imbecil! Ela começou a caminhar a passos largos de um lado para outro da sala de estar, tomando uísque. — Mas eu não permaneci imbecil! — quase gritou na direção de Rico, que decidiu ser melhor continuar onde estava. — Em meus relacionamentos pós-Roberto, eu sabia exatamente o que os homens queriam de mim e o que sentiam quando me olhavam. Não era amor, Rico. Nunca era amor — queixou-se ela. — Até Jo surgir na minha vida. Eu sabia que não era uma questão de desejo para ele. Rico pigarreou. A pretensa calma dava lugar ao sofrimento. Se ele iria perder tudo, então não perderia em silêncio. Cairia lutando. — Ah, é mesmo? — reagiu. — O que a faz pensar que um homem de sessenta anos é diferente de um de trinta? Ele queria você, sim senhora. E comprou você, pagando o preço devido. Não comece a querer se enganar dizendo que ele estava interessado só no seu espírito, Renée. Isso é mentira, e você sabe muito bem. — Para sua informação, Jo estava morrendo de câncer de próstata — confessou ela,
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calando Rico. — Seu tratamento já o deixara impotente. O sexo nunca foi parte de nossa vida juntos. Ele só queria de mim afeto, carinho, companheirismo. Depois de Roberto e de todos os outros canalhas com que estive envolvida, isso parecia o paraíso. Muito bem, eu não estava loucamente apaixonada por ele - confessou ela. — Mas gostava dele e o respeitava. Ele me deu muitos momentos felizes. E me ensinou a me doar novamente. Era um homem muito gentil e não vou permitir que você fique dizendo que ele era um velho depravado, porque ele não era! Rico permaneceu calado, depois soltou um suspiro fundo. — Está certo. — disse. — Mas você teria sido muito gentil se tivesse confiado em mim e me dado essa informação, Renée. Aí, eu não teria metido os pés pelas mãos mais uma vez e não teria mandado investigar você. Não pode me culpar por tentar descobrir alguns fatos sobre você. Se esperasse por você para me contar voluntariamente o que eu queria saber, teria que esperar por toda a eternidade! Pelo menos, a razoável argumentação para defender o seu lado a obrigou a parar um pouco e pensar. Agora, sua expressão era uma mistura de confusão e culpa. — Eu... Eu não estou acostumada a confiar nas pessoas — disse ela na defensiva. — Já está na hora de aprender. E eu não sou as pessoas. Sou Rico, o homem que te ama, droga! O homem que vai se casar com você. Ela levantou o queixo raivosa, seus olhos mais uma vez queimavam. — Acha que eu posso me casar com um homem que colocou detetives atrás de mim? — Sim! — rugiu ele de volta. — Pode e é o que vai fazer! Ela ficou perplexa, com os olhos arregalados para ele, que a fitava. As juntas dos dedos estavam brancas. Levantou o copo para tomar o resto aguado do uísque. — Não vou ouvir mais tolices vindas de você, Renée Selinsky — continuou, ao colocar com força o copo de volta na mesa. — E também não vou esperar até o fim do mês. Amanhã vou sair para comprar uma aliança para você. Depois vamos até a sua casa e trazemos aquele maldito peixinho dourado para cá. Logo que terminarmos com a papelada, vamos nos casar. Esse é o novo trato e não vou pedir, estou mandando! A boca dela se fechou e lentamente, um sorriso tímido surgiu dos lábios. — Puxa, quando você se decide, Rico... Acho que vou tomar um banho! Rico chegou a pensar que também precisava de um banho naquele momento. O blefe tinha funcionado! Puxa vida! — Está na hora de você ter algum juízo — falou ele com firmeza. — Agora, venha até aqui, mulher e dê um beijo decente no seu noivo! Ela o obedeceu e o beijou e ele sentiu vontade de chorar. Ele a abraçou com força e o beijo ficou mais intenso. Uma fome não somente sexual, mas também
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emocional. A necessidade dele era se prender a ela e não deixá-la nunca mais sair dali. — Rico — murmurou ela contra a boca dele, quando os dois se separaram um pouco, para respirar. — Hum? — Também tenho que lhe dizer uma coisa... O estômago dele se apertou mais uma vez, pelo pânico que sentiu. Levantou a cabeça, com os olhos procurando os dela. — O que foi agora? — perguntou aflito. Ela parecia preocupada. Disso ele não tinha a menor dúvida. Ela voltou a baixar os braços. — Agora, sou eu quem não quer que você fique zangado — disse, meio hesitante. — Sobre o quê? — Quando eu disse que não poderia mais ter um bebé, você... Parece que você tirou a conclusão de que eu tinha feito uma histerectomia. — E? — Meu... Útero ainda está intacto. Minhas trompas tiveram que ser removidas. Teoricamente é possível que eu tenha um filho por inseminação artificial, apesar é claro, de não haver garantia. Rico não sabia se deveria beijá-la ou matá-la. Por que ela nunca confiava nele, nunca dizia a verdade? Por que deixá-lo pensar que ela estaria totalmente estéril? Lá no fundo, ele já sabia as respostas. Roberto, de novo. Rico desejou nunca se encontrar com aquele miserável, caso contrário, poderia virar culpado de homicídio. Contudo, o fato de Renée afirmar que talvez ainda fosse possível que eles tivessem filhos confirmou o que ele já sabia. Aquilo já não era mais prioridade na vida dele. Seria maravilhoso. Sim. Mas não era a única coisa. A primeira e mais importante era passar o resto da vida com a mulher profundamente ferida, terrivelmente complexa, mas ainda assim maravilhosa, que estava na frente dele. — Por favor, não fique zangado comigo — sussurrou ela, com certo desespero. — Eu... Eu tinha que ter certeza de que você me amava, como você tinha que estar certo de que eu não era uma oportunista. Pensei que, se depois de um mês de sexo sem consequências, você ainda quisesse se casar comigo, especialmente se pensasse que não haveria nenhuma chance de ter um filho, o seu amor seria verdadeiro. Mas havia uma pequena falha no meu plano que surgiu no domingo passado.
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A ficha caiu. — Ficou menstruada — disse Rico. — Você ficou menstruada. — Hum... hum. Não queria que você me fizesse perguntas estranhas, então eu menti. Você nem pode imaginar como me senti mal por estar mentindo para você durante toda a semana. Eu não sabia o que fazer. Eu... Eu tinha que ter certeza do seu amor. Sinto muito, Rico. Talvez você não deva mesmo se casar comigo. Talvez eu já esteja machucada demais para pensar em ser a esposa de alguém. Veja como tratei você mal durante todos esses anos, apesar de estar completamente apaixonada por você o tempo todo. Devo ser alguma espécie de sádica doente. Ou masoquista. Não sei qual das duas! Rico não poderia estar mais surpreso. Ou feliz. — Você me amou esse tempo todo? E nunca disse nada. Na verdade, acho que ainda não me disse que me amava. — Está vendo só? Ainda tenho dificuldade para admitir. Apesar de ter me apaixonado por você no primeiro dia, nas corridas. Achei que você era o homem mais bonito, mais encantador, mais excitante que eu já tinha conhecido. — Então, por que implicava tanto comigo? Pensei que tinha me odiado à primeira vista. — Você tinha duas coisas que contavam contra você. Era italiano e estava noivo de um tipo de mulher que despertava o pior que tenho em mim. Pensava... Como ele poderia estar apaixonado por ela? Então, você olhou para mim e eu vi que não estava. Porque eu conhecia aquele olhar. Pensei: "Ele não a ama. Só vai se casar com ela para ter filhos. Vai ser infiel". Na verdade, também seria infiel a mim, se eu deixasse. Rico não negou, porque talvez tivesse sido mesmo, se recebesse um mínimo de encorajamento da parte de Renée. Certamente teria terminado o antigo noivado. — Havia sempre uma batalha em minha mente — continuou ela. — Toda vez que eu te via, meu Deus, como eu te queria. Mas era mais fácil odiá-lo do que amá-lo. Mexer com você, debochar de você, especialmente quando você se divorciou. Você, repentinamente disponível, foi o meu maior tormento, Rico. Sabia que poderia tê-lo, mas tinha jurado nunca me envolver com outro homem tipo Roberto e você se parecia muito com ele. — Não vejo no quê — retrucou ele. — Pense! Você era um italiano que se casara com uma mulher só para ter uma família. Depois, divorciou-se quando ela se recusou a ter uma. Eu não podia arriscar a dar meu coração a outro Roberto. Pedi que você se casasse comigo naquela aposta, porque já sabia que você estava com uma mão melhor no jogo, você nunca conseguiu blefar comigo nas cartas, querido e eu só queria ver as palavras escritas. Aquilo me causou uma emoção secreta. Eu quase escrevi "eu te amo" também, só para ver aquelas
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palavras. Nunca imaginei que você descobrisse. Mas você descobriu! Foi terrivelmente inteligente! Uma traição da sua parte, Rico. Mas eu sabia que você era falso. — Não, eu não sou — negou ele. — Sou um homem muito direto. Eu te amo e quero me casar com você. E não quero que haja mais segredos entre nós. Você tem toda a razão. Eu não amava Jasmine, mas não percebia que não a amava na época. Quando se é jovem e homem é difícil saber a diferença entre a luxúria e o amor. Ela também fez um trabalho maravilhoso em me convencer que me amava. Somos todos suscetíveis a receber amor, Renée. Você foi com Jo Selinsky. É muito sedutor ser amado. Era mais fácil acreditar que eu sentia amor por Jasmine e só desejo por você, do que o contrário. Principalmente por você ser tão hostil. — Eu fui horrível, tenho que admitir. Ele sorriu. — Não, você foi maravilhosa. Adorei cada momento terrível de frustração que você me fez passar. Ela pareceu surpresa. — Como é possível? — Acho que sempre gostei de um desafio. E você foi o maior desafio. Puxa, quando recebi aquela mão incrível no jogo de pôquer e você concordou com a. aposta, eu me senti no paraíso. — Eu também fiquei muito excitada. Porque eu sabia o que você iria pedir. Quando chegamos naquela suíte de lua-de-mel, eu estava muito nervosa. Sabia que só teria que me tocar para eu me entregar. Quando vi aquela estátua, continuei a pensar em como você seria sem roupa, como eu me sentiria com você dentro de mim. Rico respirou profundamente e seu corpo reagia ao que ela dizia. — Eu também mal conseguia esperar para ver como você seria nua — disse ele. Começou a desabotoar a blusa dela. — Há quatro dias não tenho esse privilégio. Acho que preciso recordar como é. Ela não disse uma palavra, até ele parar no último botão. — O que houve? — perguntou ela, um pouco sem ar. — Por que você parou? — Diga que me ama. Quero ouvir você dizendo as palavras. — Isso é chantagem! — É. Portanto fale logo, meu bem ou só vou amar você à noite, depois do jogo de pôquer. Acredite em mim, eu cumpro. Fazer você sofrer é a primeira coisa em minha lista de prazeres atuais. Ela fez uma careta para ele.
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— Eu também sempre soube que você era um doente sádico. É por isso que combinamos tão bem. Lá vai. Eu... Te... Amo. — De novo, por favor. Ponha mais sentimento nisso. — Eu... Te... Amo — disse ela e bateu os cílios para ele. — Melhorou? Ele sorriu. — Foi melhor. — Ótimo. Agora vamos logo. Temos que estar na suíte de Ali às vinte horas e já passam das dezenove. — Mas que menina impaciente. — Rico... Ele sorriu e prosseguiram com a performance.
CAPÍTULO QUINZE A primavera chegara finalmente e os jardins de Teresa nunca estiveram tão bonitos. As glicínias estavam totalmente floridas, cobrindo o caramanchão e as queridas azaléias desfrutavam de sua melhor estação, proporcionando massas de flores rosas, vermelhas e brancas. Amigos australianos tinham dito para Teresa que não plantasse azaléias no oeste de Sydney, pois era muito seco e muito quente. No entanto, ela sabia exatamente onde plantá-las: sob as árvores nativas e sobre o pequeno declive que rodeava o terraço dos fundos. Sempre mantinha as plantas bem adubadas e bem regadas e todos que visitavam os Mandretti na primavera ficavam admirados. — Nunca vi azaléias como essas, Teresa — disse Renée. — Nunca tive sorte com azaléias. Nem em vasos. Era o primeiro domingo de outubro e a tradicional reunião de família fora transformada em festa de noivado. Teresa só teve uma semana para prepará-la. Rico havia dado a notícia muito tarde. Ela trabalhou sem parar até ter certeza de que tudo estaria perfeito. A comida. O vinho. A decoração. Nada era bom demais para o seu Rico e a sua encantadora futura nora. O resto da família ajudara, é claro. As mulheres se comprometeram a trazer travessas de saladas frescas e as sobremesas. Os homens vieram no dia anterior para cortar a grama e armar as mesas sob o terraço. Frederico ainda não podia participar do trabalho pesado.
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Mais de sessenta convidados eram esperados, a maioria pertencia à família. O casal feliz chegou primeiro, como foi pedido e Enrico perguntou imediatamente ao pai onde ele queria que construísse os canis para os cachorros com os quais o presentearia no Natal. Frederico ainda fingia estar relutante quanto a isso, mas Teresa sabia que ele estava secretamente contente com a ideia. Logo que os homens se afastaram, Teresa serviu uma taça de vinho para ela e para Renée. Ficaram sentadas ao ar livre, sob a pérgula, relaxando juntas. — As pessoas dizem que eu tenho mãos de jardineiro — lembrou Teresa. — E elas têm razão — concordou Renée com carinho. Teresa sorriu. — Deixe-me ver sua aliança novamente. Quando Renée levantou a mão esquerda e sacudiu o dedo, o sol atingiu o diamante central que pareceu se estourar em cores. — Magnífica! — exclamou Teresa. Renée riu. — Eu sei. — É magnífica, não é mesmo? Igualzinho ao meu Rico — acrescentou. O tom de voz de Renée com a futura sogra revelava mais amor por Rico do que o jeito com o qual a noiva falava com o próprio pretendente. Teresa finalmente compreendeu por que o filho escolhera se casar com uma mulher que talvez não pudesse lhe dar filhos. Ficara chocada quando soube do problema de Renée. Chocada, preocupada, mas também orgulhosa por seu filho ser capaz de amar de modo tão desprendido. Ela já sabia que o seu bambino tinha mais amor em seu dedo mínimo do que a maioria dos homens no corpo inteiro. Teve mais certeza, quando Enrico disse que eles pretendiam adotar umas duas crianças, além de tentar as próprias. Não iriam ficar esperando desesperadamente por uma gravidez. Já tinham planos para ir às Filipinas e visitar vários orfanatos. Teresa achara a ideia excelente. Pais que adotavam crianças, muitas vezes logo depois tinham seus próprios filhos. — Eu... espero que não fique muito desapontada, Teresa — acrescentou Renée, sentindo qualquer coisa no silêncio da outra mulher. — Sei que você teria preferido uma esposa mais jovem para o seu filho. Uma que pudesse ter um montão de filhos. Teresa esticou seu braço por sobre a mesa e acariciou o braço de Renée. — Eu só quero que o meu filho seja feliz. E você o faz feliz, Renée. Nenhuma mãe poderia querer mais. Os olhos de Renée se encheram de lágrimas. — Obrigada, Teresa. Isso faz com que eu me sinta melhor. Olha, estou ouvindo um 105
carro subindo a ladeira e acabei de borrar minha maquilagem. — Venha... Não vai demorar nada e você vai estar linda novamente. O que era verdade. No momento em que os primeiros convidados tocaram a campainha, Renée estava perfeita e sorria novamente. Teresa achou que a futura nora estava mais linda do que nunca, com um vestido bem feminino, verde, esvoaçante, que combinava com os olhos e ressaltava a pele clara e os cabelos negros de suaves cachos em torno do rosto. Mas não foi a beleza exterior de Renée que cativou a família Mandretti nas horas seguintes. Era o carinho verdadeiro, a conversa fácil, além do amor pelo filho favorito, que transparecia para todos. Todos tinham sofrido com o relacionamento de Enrico com a horrível Jasmine e estavam felizes por vê-lo com aquela mulher de substância e estilo. Naturalmente, a própria felicidade de Rico era tocante. Agora que encontrara o amor verdadeiro, sua exuberância natural pela vida transbordava. Ele arrastava a todos com a alegria contagiante. Até o seu melhor amigo Charles, que era um homem muito sério, estava rindo e contando piadas. O almoço já tinha sido devorado, e todos os adultos continuaram sentados em torno da mesa, bebendo os excelentes vinhos feitos em casa pelo próprio Frederico. Relaxavam, quando um grupo de crianças maiores chegou correndo do campo onde jogavam futebol. As meninas maiores estavam dentro de casa, conversando sobre garotos e cosméticos. As crianças mais novas tiravam uma soneca. — Está vindo um caminhão enorme subindo a ladeira, papa! — disseram quase que em coro para Frederico, que olhou para a mulher. Ela encolheu os ombros. — Todos os que vinham já chegaram — disse Teresa. — Vamos ver — respondeu Frederico. Foram todos para o lado da casa para ver que caminhão seria aquele. Rico desconfiou do que haveria por trás daquela chegada misteriosa, no momento em que viu a insígnia real de Ali na lateral do veículo. Apertou o braço de Renée. — Posso estar enganado, mas acho que vamos ter outro desejo realizado. Ela levantou os olhos para ele. — Um cavalo? De Ali? — Acredito que sim. Ali declinara do convite para a festa, como fazia com a maioria dos que recebia. Dizia que as medidas de segurança que tinha que tomar estragavam a ocasião para os outros convidados. O caminhão parou não muito longe dos familiares ansiosos e o motorista saltou, 106
juntamente com um acompanhante, que estava no banco dos passageiros. Os dois usavam chapéus grandes e tinham largos sorrisos. — Trouxemos um cavalo para o casal que ficou noivo, Enrico e Renée — disse o motorista, rindo de orelha a orelha. — Somos nós — apresentou-se Renée, excitada. — Prazer em conhecê-la, senhora, senhor — disse ele, tirando o chapéu para os dois. — Parabéns pelo noivado. Sua alteza, o Príncipe Ali de Dubar, enviou um pequeno presente para os dois, ou melhor, um cavalo não tão pequeno. Aqui estão os papéis de pedigree. Renée perdeu o fôlego quando viu a procedência do cavalo. — Rico! É um meio-irmão de dois anos do Fogo de Ébano. A mãe é a mesma mas o pai é outro. — Isso mesmo, senhora — o acompanhante do motorista informou. — E ele chega a voar. O patrão ia ficar com ele já que era tão rápido. Vocês são um casal de sorte, posso afirmar. Ele está na ponta dos cascos. Só precisa ser treinado. Seu nome de estábulo é Bobbie, mas seu nome de corrida é Raio de Luz. — Eu adorei! — exclamou Renée. — Mal posso esperar para vê-lo. Posso vê-lo agora mesmo? Rico adorou vê-la tão animada e tão feliz. — Sem problema, senhora. Disseram que devíamos tirá-lo e fazê-lo desfilar para os senhores, desde que quisessem e depois levá-lo para os estábulos de Ward Jack-man, em Randwick. O potro era cinza escuro, com a crina e a cauda pretas e muito alegre. Ou então estava agradecido por ter sido tirado da prisão por algum tempo. Levantou-se em suas patas traseiras algumas vezes e parecia dançar, se exibindo sem vergonha para a plateia. O acompanhante do motorista era um grande treinador, pois controlava o potro carinhosamente. — Ele vai ficar de um cinza mais claro quando mais velho — diagnosticou o treinador. — Tenho que tirar o chapéu para Ali como criador de cavalos — disse Rico, com o animal já de volta ao caminhão e a caminho da nova casa. — É um cavalo fabuloso. Um presente maravilhoso. Vou telefonar para ele e dizer como estamos emocionados. Foi o que fez, imediatamente, conseguindo alcançar Ali pouco antes de ele sair do hotel para pegar o avião. Renée também falou com ele, agradecendo e prometendo não vencê-lo no pôquer, pelo menos durante um mês. Ali riu. — Sou um homem muito esperto para cair nesse pequeno blefe, Renée. Na próxima sexta-feira, vou ser mais cuidadoso do que nunca.
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— Nunca imaginei que Ali pudesse ser tão delicado ou generoso — observou Renée, enquanto iam para casa, mais tarde, naquela mesma noite. — Ele sempre me pareceu tão frio. — Ali não é absolutamente frio — replicou Rico. — É só mais um daqueles tímidos que já foram mordidos uma vez. Renée mandou aquele olhar cético. — Não posso imaginar que o Ali que sempre vi olhando para as mulheres nas corridas possa ser descrito como tímido. — Talvez tímido não seja bem a palavra. Precavido seria uma descrição mais precisa. Cuidadoso ao abrir o coração e revelar as emoções. Ali já foi muito magoado uma vez. — Por uma mulher? — Por uma mulher, um homem e por toda a família, eu acho. — Você sabe muito sobre ele que eu não sei, não é? — Nem tanto. Só um pouco. E só fiquei sabendo recentemente. — Você vai me contar a história toda? — Só se você me prometer não contar para mais ninguém. Ali não ficaria feliz se isso se espalhasse. — Prometo. — Eu conto quando chegarmos em casa. Depois de irmos para a cama. Renée riu. — Você só pensa em uma coisa, Rico Mandretti. E essa coisa sempre leva a um único lugar. A cama. — Na verdade, penso em três coisas. Comida, pôquer e sexo. Só que ultimamente, o sexo tem sido dominante sobre as outras duas e você é a única culpada disso, minha senhora. Se não fosse tão excitante, eu não passaria tanto tempo almejando esse desejo. — Não estou exatamente me queixando — disse ela, sorrindo. — Hum... Percebi. — Eu te amo, Rico Mandretti. Ele olhou para ela e sorriu. — Muito bem dito, minha querida. Mas essa é só a sétima vez que você diz. Lembre-se que a cota para cada dia é dez vezes. Renée riu. — Quando vou ser liberada dessa exigência ridícula? — Quando você decidir expressar seus sentimentos por mim da maneira correta.
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— Pensei que eu fizesse isso todas as noites. — Não em palavras. Gosto de ouvir as palavras. Ela riu. — Muito bem. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Que tal agora? — Hum... Não foi mal, mas talvez as ações sejam mesmo melhor do que as palavras. E afundou o pé no acelerador.
FIM.
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