Day leclaire uma família perfeita (desejo 162)

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Uma Família Perfeita Inherited: One Child

Day Leclaire

Contratar. Seduzir. Casar. O plano de Jack Mason para ficar com a custódia de sua sobrinha órfã era perfeito. Ele contrataria uma babá, depois iria seduzi-la e em seguida se casar com ela. Como ele era um homem irresistível, ela não poderia ignorar o seu charme. Certo? Talvez para Annalise Stefano as coisas não funcionassem exatamente dessa forma... É claro que ela adorava a menina, mas daí para se casar com o tio dela era um passo muito grande... Será que ela realmente desejava se tornar a senhora Mason? Melhor ainda: será que ela poderia se tornar esposa de Jack?


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Para os maravilhosos quadrúpedes que compartilham nossas vidas e nos dão tanto amor e devoção. Para os que se foram... Yoson, Brutus, Little John, Thursday e Annie. E para aqueles que nos dão alegria todos os dias... Yoda, Ruggy, Athena e Guinness.

Querida leitora, Sou uma apaixonada por cães, casada com um apaixonado por gatos. Até um ano atrás, meu marido e eu só tínhamos gatos, mas decidi mudar porque sentia falta de um cachorro em minha vida. Frank não queria. — Vai ser seu cachorro. Responsabilidade sua. — Claro, querido. Acha que tenho quantos anos? Cinco? Sou adulta o suficiente para levá-lo para passear e alimentá-lo. Serei completamente responsável pelo cão. Frank concordou, mas relutante; e encontrei Yoda pela internet no dia seguinte. Estava num abrigo para animais que sofreram maus-tratos e foi amor à primeira vista. Embora fosse muito menor que meu cachorro de infância — Brutus, um São Bernardo enorme que apareceu em vários livros meus — esse novo Yoda conquistou nossos corações desde os primeiros momentos.Tornou-se nosso de verdade. Bastaram três dias para que Frank aparecesse na porta de meu escritório como se tivesse, ele sim, cinco anos de idade, com um olhar envergonhado que todos os homens assumem nessas situações e perguntou. — Posso levar seu cachorro enquanto saio para resolver umas coisas? Esperei que saíssem para cair na gargalhada. Desde então, os dois são o melhor amigo um do outro, o que me deixa muito feliz. Adoro animais e tenho um fraco por cães grandes e estabanados. De vez em quando não resisto a colocar um deles em meu livros. Conheça a última cadela: Madame. Espero que goste dela tanto quanto gostei de escrever sobre suas aventuras ao transformar esse trio de estranhos em uma família! Boa leitura! Day Leclaire

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Tradução Cláudia O'Connor Harlequin 2011

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: INHERITED: ONE CHILD Copyright © 2009 by Day Totton Smith Originalmente publicado em 2009 por Silhouette Desire Arte-final de capa: nucleo-i designers associados Editoração eletrônica: ABREITS SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A. Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186/2195-3185/2195-3182 Editora HR Lida. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br

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PRÓLOGO

— Não há escolha, Jack. Se quer manter a custódia de Isabella, precisa se casar. Jack Mason encarou seu advogado. — Sabe que prometi que nunca me casaria. Jack desconsiderou seu comentário com um aceno. — É o que diz, repetidamente, devo acrescentar. — Então podemos prosseguir? Qual a minha próxima opção? — Jack, estou deixando bem claro. Não há escolha. Derek se recostou na mesa enquanto Jack andava pelo escritório. — Olha, somos amigos desde a escola. Pode não ter me contado tudo que se passou entre seus pais, mas posso imaginar, já que conheci seu pai. Nada muda os fatos, o serviço público está muito preocupado com sua sobrinha, graças ao relatório do psicólogo. — Queria poder chamá-lo de mentiroso. — Jack passou a mão pelo cabelo e suspirou. — Mas ele apenas constatou os fatos. Passaram-se três meses desde o acidente de avião e Isabella não está se adaptando. Seus acessos de raiva aumentaram. E ainda não está falando. O rosto de Derek encheu-se de compaixão. — Dar uma vida familiar a sua sobrinha e continuar com a terapia vai ajudá-la muito a mudar. — Contratei babás — Jack percebeu seu tom defensivo e lutou para contê-lo. Irritar a única pessoa que o apoiava totalmente não era a melhor estratégia. — Tenho negócios a administrar, Derek. Isabella só tem 5 anos. Não posso cuidar dela 24 horas. — O Serviço de Proteção à Criança está ciente de sua interminável coleção de babás, desde março. Segundo a carta que recebi, não estão contentes. E, honestamente, Jack, isso não está ajudando na recuperação de Isabella. Jack ergueu uma sobrancelha. — Continue. — Deixe-a ir. Você pode lhe conseguir uma boa casa. A melhor possível. Com pais comprometidos com o bem-estar de Isabella. — Não posso — disse em voz baixa e gutural. — Não vou deixá-la. Derek foi incisivo. — É seu sentimento de culpa falando. Isabella sobreviveu ao acidente, sua irmã e seu cunhado faleceram. Acha que devia estar naquele avião também. Jack não podia negar. Era verdade. — Estaria. Se não tivesse deixado o trabalho me atrasar... — Provavelmente também estaria morto e Isabella estaria na mesma situação, sozinha — Derek afirmou numa lógica brutal. — Precisando de pais que cuidem de suas necessidades, algo que não você pode fazer. 4


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— Não vou abandoná-la — Jack continuava a andar pelo escritório sentindo-se frustrado. — Só preciso encontrar a pessoa certa. Está demorando mais do que esperava. — Precisa de uma esposa. A assistente social é rigorosa. E não quer saber se tem dinheiro, sobrenome nem se seus ancestrais estavam entre os primeiros moradores de Charleston. A única preocupação dela é Isabella. Jack o encarou irritado. — E a minha não? A expressão de Derek se suavizou. — Sei que se importa com sua sobrinha, mas viu-a duas vezes desde que Joanne a adotou, ambas foram quando ainda era bebê. Não há laços sangüíneos. É um estranho completo para ela. E, após a avaliação do psicólogo, a sra. Locke deixou claro que não o considera um guardião adequado. Mencionou colocar Isabella em uma casa de reabilitação. — Só sobre o meu cadáver. — Não tem escolha. Simplesmente vão tirar Isabella de você. A força, se necessário. — Derek sentou-se e suspirou. — O que aconteceu, Jack? Devia ter uma conversa com a sra. Locke. Uma conversa doce, para ser exato. Jack fez uma careta. — Não há substância no mundo que adoce aquela mulher. — Podia ter se esforçado mais, em vez de expulsá-la de seu escritório. A opinião dela vai contar muito na corte, assim como o parecer do psicólogo. — Está dizendo que expulsá-la não foi um bom negócio? — Jack perguntou e aproveitou o silêncio do amigo para refletir sobre suas opções. Não havia muitas. — E se eu me casar como sugere? — As palavras pareciam cacos de vidro em sua boca. — Vai ter uma boa chance de manter a custódia, se a sra. Locke acreditar que o casamento é genuíno. Recomendo que escolha uma noiva experiente em lidar com crianças com necessidades especiais. Uma professora ou assistente social. Uma pessoa boa que dedique todo o seu tempo à Isabella. — Simples assim? Encontrar uma pessoa boa e me casar. — Jack cruzou os braços. — E como sugere que eu realize tal feito? — Do mesmo modo que encontra suas babás. Coloque um anúncio. Jack o olhou incrédulo. — Quer que eu coloque um anúncio pedindo uma esposa? — Não, pedindo uma babá, e que depois se case com ela. Encontre uma mulher com quem possa viver até que o serviço de proteção à criança dê o caso por concluído, e estabeleça um acordo pré-nupcial, Jack nunca se considerara lento para entender, mas estava boiando. — Como vou convencê-la a casar? Mentindo? Fingindo estar apaixonado? Derek deu de ombros. — Se quiser. Pessoalmente, recomendo um método mais simples. — Qual? — Caramba, Jack. Quantos bilhões você tem mofando em várias instituições 5


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financeiras? Perdi a conta. Pegue uma boa parte e compre a bendita mulher.

CAPÍTULO UM

Jack Mason soube que estava perdido assim que a viu. Não sabia por que atraíra sua atenção em uma sala lotada de candidatas a babá de todas as formas, cores e idades. Nenhuma delas sequer desconfiava de suas reais intenções: escolher uma esposa. Essa mulher estava usando um terninho preto totalmente discreto, então talvez a reação fosse pelo modo como estava sentada lendo um livro de bolso... perfeitamente tranqüila, com uma expressão de absoluta paciência num rosto mais surpreendente do que bonito. Jack a examinou com cuidado. Interessante. Tudo nela parecia simples e discreto. Seus cabelos pretos foram impiedosamente domados formando um coque apertado na altura da nuca. Além disso, foi econômica na maquiagem, apenas um toque de cor no rosto e nos lábios. Uma suave pincelada de marrom nas pálpebras destacava seus desconcertantes olhos entre o mel e o dourado, emoldurados por abundantes cílios escuros. Parecia muito jovem, mas aqueles olhos eram os de alguém que já descera ao inferno e voltara. Transbordavam de sabedoria e intensa vulnerabilidade. Por isso que focara nela sua atenção? O que em particular em sua aparência despertara tanto interesse? Era alguma característica sutil. Algo que tocou em instintos que aguçara durante anos sobrevivendo nas águas infestadas de tubarões do mundo dos negócios. Esses instintos lhe diziam que aquela mulher, embora calma e controlada, queimava de paixão. Era como se sentisse o fluxo daquelas águas agitadas e reagisse a um chamado que só ele conseguia ouvir. Se a encontrasse fora dali, iria até ela e descobriria um modo de romper aquele autocontrole cuidadosamente cultivado e liberar sua chama. Sempre fora assim simples. Sempre reagia à essência que se escondia sob a superfície das mulheres e ansiava por desnudá-las, camada por camada, até chegar ao centro da paixão. Aquela mulher devia possuir muitas camadas fascinantes que descobriria intelectual e fisicamente. E queria fazê-lo com uma intensidade nova. Uma de suas possíveis "esposas" tossiu, tirando a concentração de Jack. A consciência do momento e do lugar somou-se uma irritação por ter deixado que tal divagação inútil o distraísse. Voltou a dar atenção para sua tarefa: conseguir uma mulher que servisse como babá e esposa. Quando chamaria o próximo nome da lista, sua sobrinha entrou no escritório. O cabelo castanho-dourado exibia cachos emaranhados que ainda não tinham visto uma escova, e uma breve olhada em sua camiseta revelava que já tomara seu café da manhã. Fizera um furo em cada joelho de seu jeans novo, com uma tesoura, pelo jeito. E usara aquarela para transformar seu rosto em uma máscara assustadora de espirais vermelhas e pretas. Isabella vasculhou a sala com uma raiva louca. Seus olhos verdes reduziam-se a duas fendas. Então fechou as mãos em punho e deu um grito tão alto que as vidraças do escritório estremeceram em protesto. Durante um segundo todos na sala congelaram. Jack pensou em assumir o controle da situação, mas então decidiu esperar a reação das candidatas. Algumas agiram com decisão irrefutável, correram para a porta. Jack suspirou. Eram três a menos. Outras trocaram olhares constrangidos, sem saber como reagir à 6


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criança enlouquecida. Uma mulher grande levantou-se e se aproximou de Isabella. — Pare já com isso — exigiu. Isabella reagiu com um chute em sua canela e gritando ainda mais, algo que Jack pensara ser impossível. De algum modo, sua sobrinha conseguira. A mulher saiu dali, esbravejando entre os dentes. Quatro a menos, Jack agradeceu aos céus. Não suportaria uma esposa de bigodes, nem a assistente social acreditaria em tal casamento. Após ter se livrado das quatro, Isabella dominou a sala. Foi de uma em uma oferecendo performances exclusivas. Cada uma reagiu de um modo. Algumas tentavam adulá-la. Outras assumiam a atitude da primeira e davam ordens. Uma chegou a ameaçar lhe bater. Muitas faziam psss para que ficasse quieta. Só a mulher de preto não reagiu. Continuou sentada tranqüilamente, lendo seu livro como se não tivesse visto nem ouvido o caos a seu redor. Isabella percebeu e ergueu o queixo numa atitude determinada. Jack aguardou e estremeceu. De pé diante da mulher, Isabella extravasou todo o seu descontentamento. Não fez a menor diferença. A única resposta foi uma calma virada de página. Finalmente, Isabella ficou em silêncio. Só então a mulher ergueu os olhos. Por um instante as duas se olharam, numa batalha silenciosa de forças. Uma expressão estranha ardia nos olhos dela, um misto de medo e vulnerabilidade, que não demonstrava sua habilidade em controlar uma criança voluntariosa como Isabella. No momento seguinte, aquele olhar desapareceu e foi substituído por outro, esperançoso e determinado. Essa expressão deixou Jack sem fôlego. A mulher só estava diante de Isabella por um mero instante e dava para ver a ligação emocional que criava com sua sobrinha. Disse algo para Isabella numa voz tão suave que só sua sobrinha ouviu. Depois foi até a porta, abriu-a e olhou ao redor. — Quem é o responsável por esta criança? — Jack a ouviu perguntar. A babá temporária, que estava acovardada no corredor, aproximou-se relutante. — Sou eu. Sem dizer mais nada, a mulher fez com que Isabella saísse, e antes que Isabella pudesse reagir, fechou a porta. Então voltou ao seu lugar e continuou a ler. Todos começaram a aplaudir, mas ela não deu sinal de notar. Mesmo assim, Jack via que o incidente a afetara. Uma veia pulsava em seu pescoço, revelando sua agitação. Ficou impressionado por esconder tão bem sua reação. Conferiu o relógio e fez uma careta. Era hora de prosseguir com aquele espetáculo. Chamou o próximo nome da lista. — Annalise Stefano. Não ficou surpreso quando a mulher que andara observando guardou o livro na bolsa e se levantou. O nome combinava com ela. Caminhou até ele com passos longos e fluidos que combinavam com sua constituição longilínea. Um cacho escapou do controle que tentou lhe impor e caiu em seu rosto numa alegre exuberância. Jack quase sorriu. O cabelo era uma de suas camadas ocultadas que gostaria de liberar. Como ficaria com todos aqueles cachos soltos em total abandono sobre suas costas? — Sou Annalise — ela estendeu a mão. — Prazer em conhecê-lo, sr. Mason. Ele apertou sua mão e sentiu a estranha combinação de fragilidade e força. Refletiria a mulher? Suspeitou que sim. Forçou-se a soltá-la quando, na verdade, sentia um forte desejo de puxá-la para perto nem que fosse só para ver como reagiria, até que ponto manteria seu autocontrole. Isso não era bom. Quem escolhesse seria uma esposa 7


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temporária, alguém que queria por um tempo específico, que depois saísse de sua vida, assim que fosse possível. Resumiria sua relação a duas palavras. Contato proibido. — Srta. Stefano. Venha comigo — Quando fechava a porta do escritório viu outra candidata correr para a saída. Ok, cinco a menos. Pelo menos era a que cogitara bater em sua sobrinha. Fechou a porta e indicou uma das cadeiras diante da mesa. — Sente-se enquanto releio seu currículo. Deu uma olhada rápida para refrescar a memória. Certo, certo. Lembrava desse currículo. Quase a rejeitara por ter pouca experiência. O que contara a seu favor foi o fato de ter formação em educação infantil, assim como em educação especial, e possuir ótimas recomendações. Eram qualificações que Derek recomendaria para sua futura esposa. — Presumo que minha assistente tenha explicado porque preciso de uma babá. — Explicou sim. Também li sobre a tragédia nos jornais, sr. Mason. Sinto muito por sua perda. Inclinou a cabeça, aliviado por não ter que dar maiores explicações. Os jornais foram minuciosos. — Temo dizer que teve o prazer de conhecer minha sobrinha, Isabella, minutos atrás. Annalise deu um breve sorriso que transformou seu rosto surpreendente em resplandescente. — Como pode ver, ela está encontrando dificuldades com essa mudança. E quem pode culpá-la? Não só perdeu os pais como também seu lar no Colorado. Annalise irradiava empatia e seus olhos brilhavam de emoção. — Isso explica seu comportamento. — Quando veio morar comigo, contratei uma agência para me contratar uma babá qualificada. Esgotei o arquivo deles em um mês. A que durou mais ficou uma semana. A que durou menos, uma hora. Desde então, decidi escolher eu mesmo. O que me leva a seu currículo, srta. Stefano. — Por favor, me chame de Annalise. — Certo, Annalise. — Ele olhava a primeira página do currículo. — Tem formação como educadora infantil. Por que procura emprego como babá? Ela não hesitou, já esperando pela pergunta. — Quero fazer o mestrado antes de trabalhar como professora. Essa função vai exigir menos tempo de preparação que o ensino, enquanto persigo esse objetivo. Inclinou a cabeça para o lado. Seria um acordo favorável para seus próprios planos. Ela poderia fazer o mestrado, que Jack ficaria feliz em pagar, enquanto fazia o papel de mãe e esposa devotada. — Aceitaria um contrato de dois anos? E ensinar Isabella em casa, se necessário? Ela fixou os olhos nos dele. — O mestrado dura dois anos, então não seria um problema. Já que estamos no final do período letivo, sua sobrinha e eu vamos ter o verão inteiro para estabelecer uma rotina antes das aulas começarem. Então, se quiser iniciar um programa escolar para ela, terei os próximos meses para criar uma grade curricular de acordo com suas expectativas. Posso dar as aulas à Isabella e comparecer às aulas do mestrado à noite. 8


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Apesar de sua aparência calma, Jack percebeu um certo nervosismo, quase ansiedade, e pensou em qual seria a causa. Deixou que o silêncio se estendesse enquanto considerava as possíveis razões. Podia estar mentindo sobre algo. Se fosse, encontraria um modo de descobrir a verdade. Pensou na ironia dessa hipótese, considerando que aquela entrevista era uma grande fraude. Mesmo assim, precisava confiar em sua futura esposa, o que exigia ter todas as cartas sobre a mesa. Claro que podia estar nervosa por não gostar de entrevistas, mas lhe ocorreu outra possibilidade, que lhe causou um nó na garganta e um desejo inoportuno. Talvez ele a inquietasse. Talvez sentissem o mesmo desejo. Annalise dão quebrou o silêncio com explicações nervosas, como ou lias teriam feito. Isso o impressionou bastante. — Vou ser franco, Annalise. Estou preocupado que mude de idéia e vá trabalhar como professora, me obrigando a recomeçar todo esse processo. Isabella já teve suficientes traumas na vida, não deveria passar por isso de novo tão cedo. — Não vai acontecer. Seu instinto lhe dizia que estava sendo sincera, mas continuava a perceber uma tensão sob a superfície, embora não soubesse a razão para isso. Talvez fosse um simples caso de nervosismo de entrevista. Voltou a olhar seu currículo. — Vejo que também tem qualificação para necessidades especiais. Interrompeu o gesto de tirar um cacho de cabelo do rosto e ficou com a expressão preocupada. — Isabela sempre precisou de cuidados especiais ou só depois do acidente? Jack escolheu as palavras com cuidado. — Começou depois que veio morar comigo. Quero ter a certeza de que a pessoa que eu contratar vai conseguir ajudá-la. Francamente, não acho que tenha a experiência necessária. — Ela vê algum psicólogo? — Não tive escolha. O Serviço de Proteção insistiu. Ergueu a sobrancelha em reação a seu tom ácido. — Com razão. Crianças dessa idade podem ser manipuladoras. Se achar que você a poupa de punições por causa de sua perda, vai se aproveitar disso. Deveria cogitar a hipótese de também ter um acompanhamento para aprender a lidar com as necessidades da criança. Ele se recostou na cadeira e levantou urna sobrancelha. — Pareço ser o tipo de homem facilmente manipulável? Acha que não consigo cuidar das necessidades dela? — Não disse que não possa lhe dar amor e segurança. Só estou sugerindo que não deixe que a compaixão o torne permissivo. — Então ela deu um sorriso vibrante que o atingiu em cheio. — E agora estou dando conselhos sobre como repreender sem ter sido solicitada. É na melhor das intenções. Jack reconhecia isso, e era o mesmo conselho que o psicólogo lhe dera. — Como lidaria com seus acessos de raiva? Se for contratada, não vai poder repetir o que fez e colocar Isabella em outras mãos. Da próxima vez você seria a responsável por ela. — Vou tentar uma variação do que fiz hoje. Ignorar seus gritos, atenta a não permitir que se machuque. Afastá-la da situação quando necessário, especialmente se 9


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estiver em público. E depois falaria com ela com calma e deixaria claro que seu comportamento é inaceitável. Com o tempo, quando perceber que não consegue a reação desejada, vai parar. Claro que depois vai tentar alguma outra coisa. Ele ficou curioso. — O que disse antes de fazê-la sair? — Que gritar é um comportamento inaceitável e que fazer birra traz conseqüências. — Que tipo de conseqüências? É favorável a bater? — Não — ela respondeu firmemente. — Você é? Ele não conseguiu conter um sorriso. — Não. — Que alívio. — Se não utiliza punição física, como planeja mudar o comportamento dela? Estava realmente curioso, já que nada do que tentou funcionara. Claro que não fora firme, nem tinha sido o principal acompanhante de Isabella nas primeiras semanas após o acidente. Quando ela saiu do hospital, suas obrigações de trabalho limitavam o tempo que passava com a sobrinha. E duvidava que as babás que contratara tivessem ajudado em algo. Não era uma figura paterna constante e o comportamento da menina refletia sua ausência. — Ela é inteligente? — Extremamente, — Precisa ser desafiada física e intelectualmente para diminuir seu nível de stress. Precisa de atividades que permitam que trabalhe seu sofrimento em seu próprio ritmo. Ter uma rotina estável ajudaria, assim saberia que todo dia acorda na mesma hora, come e vai dormir no mesmo horário. Isso dá uma sensação de segurança. — Hoje ela não tem isso. — Por ser criança, pode não saber como verbalizar seus medos e preocupações. Atividades criativas podem ajudá-la a se expressar. Pintar ou colorir, jogos que exijam organização, atividade física regular e socialização com outras crianças. — Ela fez uma pausa. — Ela tem pesadelos? — Tem. Annalise aquiesceu, como se não estivesse surpresa. — Também pode regredir a comportamentos de quando era menor, como chupar dedo ou fazer xixi na cama. — Ainda não vi nada assim. — Bem, exceto por um detalhe importante que ele não mencionou... sua recusa em falar. — Como disse, continuar com o psicólogo é vital. Pode ajudar você e a babá de Isabella a desenvolverem estratégias para ajudar em sua recuperação. Sabia que Annalise estava certa. Olhou sua lista de perguntas e escolheu assuntos menos complexos. — Minha assistente deve ter mencionado que esse emprego é de cinco dias por semana em horário integral. — Vai contratar uma babá noturna? 10


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— Fiz isso assim que trouxe Isabella do hospital. A sra. Walters vai chegar no final de seu expediente e fica até eu voltar do trabalho. Às vezes fica para dormir quando estou fora da cidade a trabalho. Seria um problema ser solicitada ocasionalmente à noite? — Não. — Ótimo. Passou para o próximo item. — Tem diploma de primeiros socorros? — Tenho, assim como certidão de antecedentes criminais. Jack novamente conferiu o currículo. O diploma de primeiros socorros era recente, e não possuía nenhum antecedente criminal. — Tem algum problema se eu checar suas referências pessoais? Uma leve hesitação e certa preocupação transpareceram em sua expressão. — Tem? — ele perguntou. Ela balançou a cabeça. — Não, entendo a necessidade de checar as referências. Só apreciaria poder alertar minha família e meus amigos antes. — Alertar? Ela suspirou. — Avisar seria um termo melhor? Gostaria de ligar antes para que não sejam pegos de surpresa. — Parece justo. — Se estivesse escondendo algo, seu detetive particular descobriria. — Você fuma? — Não. — Está envolvida em alguma relação íntima? Ela hesitou novamente. — Qual a relevância disso? Jack a observou, acreditando que talvez tivesse acertado algum alvo. — Preciso saber se tem algum compromisso que possa interferir em sua capacidade de dar completa atenção à Isabella. — Ou impedir que fosse sua esposa temporária. — Também preciso saber sobre qualquer um que possa estar em contato regular com minha sobrinha, para checar a vida dessa pessoa. — Claro. — Ela inclinou a cabeça e outro cacho escapou. A mecha escura brilhosa batia em seu pescoço longo, distraindo-o de modo irritante. — Não tenho nenhum relacionamento íntimo. — Algum relacionamento casual? Annalise corou. — Nenhum tipo de relacionamento. Jack lutou contra a satisfação que sua resposta causou. — Como é sua relação com sua família? Jack a pegou de surpresa de novo. — Só tenho meu pai, e nos damos bem. — Com que freqüência o vê? — Uma vez por semana. Algumas vezes mais, agora que voltei para South Carolina. — Ele mora em Charleston? — Nascido e criado em Jim Isle. 11


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— Acha que vai ter contato com Isabella? Para surpresa dele, viu receio em seus olhos cor de mel, que ganharam um tom âmbar escuro. — Eu... não acho que venham a ter algum contato. Refletiu por um instante. — Por que não? — ele finalmente perguntou. Ela hesitou um pouco. Era a primeira vez que a via perder o autocontrole, e isso o encheu de curiosidade. — Por que meu tempo com Isabella é relacionado ao trabalho e o que passo com meu pai é pessoal. Não vejo rumo esses caminhos possam se cruzar. Interessante. — Acredita em manter a vida pessoal e profissional separadas? — Você não? — Ao ver que ele não respondeu sua pergunta, desconsiderou-a com aceno de mão. — Prefiro manter separadas essas duas partes da vida. — Há algum motivo para não querer que seu pai entre em contato com Isabella? Ele tem algum antecedente criminal? Poderia ser uma má influência para ela? — Não — ela negou imediatamente. — De jeito nenhum. Meu pai é um bom homem. Só prefiro manter minha vida familiar em particular. Isso é um problema para você? — Não faço nenhuma objeção. Seu rosto demonstrou surpresa e alívio antes de esconder suas emoções por detrás de uma fachada de serenidade. Era uma transformação interessante de se ver. Suspeitava que seu autocontrole fizesse parte da personalidade e imaginava que circunstâncias em sua vida a teriam feito desenvolver tal habilidade. Também teria vivido algum trauma? Por isso se revestia daquele autocontrole? Para combater um turbilhão de conflito? Jack a provocou. — Mencionou seu pai, mas não sua mãe. — Minha mãe morreu quando eu tinha 12 anos. — Idade difícil para perder a mãe. Um sorriso insípido levantou o canto de sua boca. — Há alguma idade boa? — Não. Mesmo assim... Deve ter desenvolvido mecanismos para lidar com isso. — Depois de certo tempo. — Algum deles poderia ajudar Isabella? — Sim. Teoricamente. — Teoricamente por quê? — Por que não sou Isabella — ela explicou. — O que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Jack se recostou e olhou para ela por um longo instante. Estava tentado a contratála. Muito tentado. Voltou a perceber um lampejo de tensão sob sua aparência calma. — Encontrou Isabella. Viu quanto trabalho vai ter para se aproximar dela. Por que quer tanto esse emprego? 12


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Annalise umedeceu os lábios e respondeu com cuidado. — Isabella precisa de ajuda. Talvez eu possa dar essa ajuda. No mínimo vou poder descobrir se sou capaz de lidar com crianças com necessidades especiais. — Não sei se quero contratar alguém que considere isso um teste de suas capacidades. — Ela não respondeu, mas ele pôde ver que seu comentário a preocupou. — Tem um detalhe que precisa saber sobre Isabella. — Qual? Decidiu revelar. Se isso a assustasse, saberia que não servia para o trabalho. — Depois que contamos o que aconteceu com seus pais, ela parou de falar. Annalise respirou fundo. — Ela não fala? Nada? — Ela grita. É como se comunica. Deve entender porque eu preciso de uma pessoa experiente para esse cargo. Jack soltou o ar com um ruído baixo. Havia duas razões para não contratar Annalise Stefano, apesar da vontade. A primeira e mais importante era por ela não ter a experiência necessária. Bons instintos, mas pouca prática. E se a sra. Locke decidisse que Annalise não era qualificada? Era sua única oportunidade. Se a encarregada do caso não desse sua aprovação, não poderia procurar outra noiva. Quem escolhesse, devia ser a mais perfeita possível. A segunda razão que o fazia hesitar era a atração que sentia por Annalise. Não era um bom presságio para uma relação profissional e ameaçava criar complicações ao longo do caminho. E não fazia sentido manter uma tentação tão evidente dentro de casa. Arriscado demais. Jack fechou o currículo. — Agradeço por ter vindo à entrevista. Ela lutou para manter o autocontrole. — Já tomou sua decisão, não é? — Seu tom de voz estava sombrio e teve a impressão que ela depositara muitas esperanças naquele emprego, — Não vai me contratar. — Não era uma pergunta. — Lamento, srta. Stefano — Ele confirmou com a maior gentileza possível. — Acaba de se formar. Não tem experiência. Preciso de alguém que tenha trabalhado com crianças como Isabella. Ela não argumentou, embora ele suspeitasse que queria. — Se mudar de idéia, tem meu número. — Levantou e lhe estendeu a mão. — Obrigada por ter me considerado para o cargo, sr. Mason. Jack a cumprimentou e sentiu de novo a estranha dicotomia de força e fragilidade. De vulnerabilidade em conflito com uma tranqüila determinação. Não tinha dúvidas de que se dedicaria de corpo e alma a ajudar Isabella, e se perguntava se não estaria cometendo um erro em não escolhê-la. Ignorou deliberadamente suas dúvidas. Equivaliam à fraqueza, e aprendera com seu pai a nunca permitir que fraqueza influenciasse numa decisão de negócios. Soltou a mão de Annalise, pegou a listagem das candidatas e a acompanhou até a porta. Quando a abriu, congelou. Não havia ninguém. — Droga. Annalise pôs as mãos na cintura e olhou para as cadeiras vazias. — Será que não quer reconsiderar a oferta de trabalho? Que escolha tinha? Tinha pressa e Annalise chegava perto, bem perto, de 13


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preencher o perfil que buscava para babá e esposa. — Gostaria sim. — Achei que gostaria. — Seu sorriso radiante voltou a transformar sua. aparência. — Quando devo começar? À distância, um urro de raiva penetrou pelas paredes. Jack suspirou cansado. — Agora seria cedo demais? — Depende. — De quê? — Antes de responder, gostaria de pedir a opinião de um dos maiores homens de negócios do país. — Ela fez um olhar brincalhão. — Esse seria um bom momento de pedir um aumento? Nada naquele dia fora engraçado, mas mesmo assim Jack se flagrou sorrindo. — Temo dizer que seria um excelente momento. — Fez um gesto para que voltasse a se sentar. — Por que não se acomoda enquanto discutimos um aumento precoce?

CAPÍTULO DOIS

Mary abriu a porta do escritório de Jack e o olhou com ar de pena. — A srta. Stefano pediu para vê-lo — sua assistente lhe informou. — Lamento, chefe. Conferiu o relógio. Sua babá e futura esposa estalando de nova já durava meia hora. Esperava mais, mas era um homem realista. Isabella enlouqueceria a melhor das melhores. Que chance alguém sem experiência como Annalise teria? — Isabella está com ela? — Não. Ela pediu que a outra babá ficasse. Ela está olhando sua sobrinha por um instante. Jack suspirou. — Mande-a entrar. Annalise entrou uns instantes depois, com aquele modo de andar balançando os quadris que achava tão atraente. Outros cachos haviam escapado do coque, caindo sobre suas costas e em volta de seu rosto em alegre abandono. Seus olhos desconcertantes estavam turvos de preocupação. — Sr. Mason... — Pode me chamar de Jack. Ela aquiesceu impaciente. — Não está funcionando, Jack. — Tenho que admitir que está me desapontando. — Ele se recostou e tamborilou 14


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os dedos no braço da cadeira de couro. — Também recebe o prêmio de babá que durou menos. — Menos... — Ela deu uma gargalhada. — Não, não entendeu. Não estou desistindo. Precisamos trabalhar juntos. Se vamos estabelecer uma rotina, precisamos fazer tudo certo desde o começo. — Ela levantou a sobrancelha. — Prefere que eu venha interromper seu trabalho todo dia? — Claro que não — Ele olhou a hora e franziu a testa. — Planejava levá-las para casa para almoçar. Annalise sacudiu a cabeça. — Isso não vai funcionar. Tem muita coisa nova acontecendo, muita excitação. Isso está irritando Isabella. Preciso que saia agora e explique para ela quem sou. Isso ajudaria nessa adaptação. — Ainda não fez isso? Ele flagrou um inesperado lampejo de irritação antes dela se controlar. — Você é tio dela, o que o torna a figura de autoridade — ela explicou. — Isabella precisa que você organize seu mundo e dê os limites desse mundo. Na escola, as crianças aprendem rapidamente que a professora está no comando da classe, mas que a diretora controla a escola inteira e é a principal autoridade. Se está me botando no comando como professora, você, como diretor, deve lhe explicar as regras para que ela saiba que me apoia e que vai ser mandada para a sala do diretor se não me respeitar. — Certo. Posso cuidar disso agora. — Aqui há muitas distrações. É melhor fazer isso onde vamos passar a maior parte do tempo. — Tenho a agenda cheia hoje. — Nesse exato momento há uma obrigação familiar mais importante que sua agenda. — Droga. Está certa, claro. Não gosto que esteja com a razão, mas Isabella vem em primeiro. Ela não tentou disfarçar seu alívio. — Não faz ideia do quanto fico feliz em ouvi-lo admitir. — Vá pegar as coisas dela. Diga à babá que pode ir embora. Tenho certeza de que vai ficar feliz em correr para a saída mais próxima. — Ergueu uma sobrancelha. — Tem certeza de que não quer se juntar a ela? Uma forte emoção transpareceu no olhar dela, despertando sua curiosidade. Por alguma razão, sua sobrinha teve impacto sobre Annalise. Já vira aquele mesmo olhar em pessoas que abraçavam um projeto ou ideia que os tocava de algum modo. No pouco tempo desde que a contratara, ligara-se a Isabella e faria tudo para que o relacionamento entre elas funcionasse. — Vou ficar — ela disse tranqüilamente, confirmando seu pensamento. Pela primeira vez, Jack sentiu esperança de verdade. — Obrigado, Annalise. Assim que seu detetive investigasse sua vida e desse um parecer positivo, Jack prosseguiria com o projeto do casamento. Nesse meio tempo, se Annalise ficasse emocionalmente ligada à Isabella, melhor. Isso a deixaria mais receptiva a sua proposta. 15


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Só precisava descobrir as chaves certas para ajudá-la a cooperar. Esperava que a investigação o ajudasse. A volta para casa foi em silêncio. Isabella foi para seu assento sem protestar. Esperou que fosse um sinal de melhora, mas suspeitou que fosse um mero descanso até o próximo round. Em direção à South of Broad Charleston, Jack virou para Battery e apontou o controle remoto para os portões. Ao lado dele, Annalise reagiu à primeira visão de Lover's Folly com um suspiro. — Lar, doce lar — ele murmurou. — Espero que goste. A fachada que ela exibia nas últimas horas desabou. — Você mora aqui? Essa é sua casa? Ele admitia que a casa de quatro andares e quase três mil metros causava impacto. Meticulosamente, renovada durante as últimas décadas, dava vista para Charleston Harbor e James Island, e era um exemplo excepcional de arquitetura histórica. — É chamada de Lover's Folly. Herdei de minha avó paterna, para desgosto de meu pai. Achava que seria o próximo a herdar o lugar. Está na família desde a metade do século XIX. Meus antepassados a compraram do primeiro proprietário. — Por que tem o nome de Lover's Folly? Ele entrou com o carro em uma garagem de dois andares, grande o suficiente para uns seis carros, se fosse inclinado a esse tipo de excessos. Sua governanta, Sara, vivia no apartamento de dois quartos sobre a garagem com seu marido, Brett, que era jardineiro e responsável pela manutenção. — Foi construída para se desculpar com a esposa do proprietário... Deu uma olhada para o banco de trás. Para seu alívio, Isabella dormia, sem dúvida exausta por seu esforço matinal. Baixou o tom de voz. — Quando ela descobriu que o marido mantinha uma amante em grande estilo, exigiu recompensa. Construiu a casa para compensar sua tolice. Annalise esboçou um sorriso. — Sua tolice de ter uma amante ou de ser pego? Jack riu. — Ninguém sabe, embora tenha havido bastante especulação sobre isso. Jack saiu do carro e tirou Isabella com cuidado do banco traseiro. A menina murmurou algo meio grogue antes de se aninhar no colo dele e voltar a dormir. Raros momentos como esse o convenciam de que fizera a coisa certa, que aquela garotinha precisava dele. — Está exausta, vai dormir um mais um pouco. Aproveite enquanto dura. — Deduzo que não vá durar muito. — Não. Ele foi para a cozinha e apresentou Annalise a Sara. A governanta lhe deu um caloroso sorriso antes de olhar para Isabella. — Vejo que a menina está cansada, mas deve ter ido tudo bem, já que conseguiu contratar outra babá. Jack deu um olhar encorajador para Annalise. — Espero que essa fique. — Ela indicou com a cabeça uma escada nos fundos da cozinha. — Se precisar de mim, estarei no berçário. 16


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Subiu para o segundo andar. O berçário ocupava o lado direito da mansão em forma de U. Fora projetada para uma época em que as famílias eram grandes e ainda alojavam empregados; consistia de quatro quartos, o alojamento das babás e um enorme quarto de brincar. Carregou Isabella para o quarto que ela escolhera. Dava para um grande jardim, cercado por um alto muro de pedra. Depois de colocá-la na cama, prendeu a babá eletrônica na cintura e então conduziu Annalise ao quarto de brincar, onde poderiam conversar sem incomodar Isabella. Assim que entraram no quarto, Annalise virou-se para olhá-lo. Tentava disfarçar, mas estava seriamente desconcertada. Seu rosto estava vermelho e seus olhos rivalizavam com o sol em intensidade. Embora não se mexesse, seus cachos soltos de cabelo tremiam agitados. Respirou fundo, atraindo a atenção dele para onde o decote em V de seu terninho exibia a curva de seus seios, e para sua cintura fina e seus quadris femininos. De repente, o terninho preto não parecia mais ser tão inexpressivo. Não ao examinar o que ele escondia. Sua babá era um nocaute. — Estou pasma — ela revelou. — Tenho certeza de que vai se acostumar. Ela franziu a testa. — Não sei não. Só vi uma pequena parte desse lugar e já estou maravilhada. — Relaxe. Um dos motivos para contratá-la foi seu impressionante autocontrole. — Não, me contratou porque todos os outros ratos abandonaram o navio. Andava de um lado para outro, oferecendo uma visão excelente de suas pernas intermináveis e de seu traseiro gloriosamente redondo. — Isabella veio de uma casa assim? — ela perguntou. — Está acostumada com essa grandiosidade? Jack se forçou a ignorar aquela visão hipnótica e a se concentrar no assunto. — Não, Joanne e Paul levavam uma vida bem mais simples. — Quantas mudanças, coitadinha —- ela murmurou. — Deve ter sido mais perturbador para ela do que para mim. — É assim que vivo. Com o tempo, minha sobrinha vai se habituar. Não terá outra escolha. Espera que eu venda uma casa que pertence a minha família há 150 anos? — Claro que não. — Ele pôde ver que ela organizava seus pensamentos e impressões. — Posso fazer uma pergunta pessoal? Não era o que ele desejava, mas aquiesceu. — À vontade. — Como conseguiu a custódia de Isabella? Sua irmã a deixou sob sua responsabilidade em testamento? — Isso teria tornado as coisas mais simples, mas, infelizmente, ela não pediu. — Então simplesmente assumiu sua sobrinha? Não havia mais ninguém? Ele se encheu de raiva. Colocou as mãos fechadas na cintura e a encarou. — Diz isso como se não me considerasse um guardião apropriado. Ela hesitou. — Não é a palavra que eu usaria. Tem uma... uma casa magnífica. É um bemsucedido homem de negócios. É bem-intencionado... 17


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— Mas? — Não havia outros membros da família dispostos a assumi-la? Alguém com mais tempo para se dedicar a ela? — Não. Paul tem uma irmã que se recusou totalmente. — Por quê? — Por Isabella não ser da família. Joanne e Paul a adotaram quando tinha alguns dias de vida. Por algum motivo, isso deixa a irmã de Paul de fora. — E você dentro? — Annalise adotara uma máscara inexpressiva de novo, mas Jack começou a perceber que quanto menos emoção ela demonstrava, mais sentia. — Foi por isso que a assumiu? Por que mais ninguém queria? Jack lhe deu um olhar que deixaria a maioria de seus concorrentes nos negócios tremendo. — Srta. Stefano, contratei-a como babá de Isabella, não como minha psicóloga. Meus motivos para assumir a guarda de Isabella não têm nada a ver com seu trabalho, pelo qual estou pagando muito bem. Para sua surpresa, ela não se intimidou. Na verdade, chegou mais perto dele. — Toquei num ponto delicado, sr. Mason? Sentiu-se obrigado a assumi-la? Quer proteger sua imagem? Está preocupado com a opinião da imprensa? É por isso que Isabella está aqui? Sua fúria rivalizava com um desejo em estado bruto. Talvez a raiva exacerbara o que sentiu desde o primeiro momento em que pôs os olhos nela. — Está por um fio, srta. Stefano. Se eu tivesse alguém para colocar em seu lugar, a despediria agora. — Por fazer perguntas diretas? Será que minhas perguntas chegaram muito perto da verdade? Eram perguntas idênticas às que a sra. Locke fizera. Mantinha sua vida privada o mais longe possível da mídia. Também mantinha suas emoções sob rígido controle, mais rígido do que o de Annalise. Outra lição que aprendera com seu pai. Por mais que odiasse a idéia, precisava dessa mulher. Isabella precisava dela. Podia ser a única pessoa capaz de manter sua minúscula família intacta. Forçou-se a responder. — Além de Paul, Isabella era a pessoa mais importante da vida de minha irmã. — engoliu para desatar o nó na garganta. — Joanne era a pessoa mais importante da minha. Isabella é parte de minha irmã, é tudo o que restou dela. Minha sobrinha está sofrendo e não faço idéia de como ajudá-la. A raiva de Annalise desapareceu. — Contratou-me para cuidar de Isabella, e é o que pretendo fazer. — Ela apontou na direção do quarto da menina. — Diga uma coisa, acha que aquele depósito de brinquedos que chama de quarto é bom para ela? Que diabos ela dizia agora? — É o menor quarto. Ela mesma escolheu. — A questão não é o tamanho do quarto. Eu nem saberia dizer o quanto é grande, pois está entulhado de brinquedos. — Só estou tentando criar um lar para ela. 18


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— Comprando coisas. Não é assim que se cria um lar. Isabella não precisa de coisas. Precisa de amor e atenção. — Estou fazendo o melhor que posso. — Odiou o tom áspero de sua voz. Annalise percebeu e falou com suavidade. — Sua sobrinha não precisa de mais estímulo, Jack. Precisa de menos. Por alguma razão, ouvi-la usar seu primeiro nome tinha um efeito devastador. Forçou-se a ouvir o que dizia, quando o que queria era puxá-la de encontro a si e ver se toda aquela paixão transbordaria em seus braços. Ela se dava generosamente a uma garotinha que nem conhecia. Qual seria a sensação de ter aquela mesma emoção voltada para ele? Rejeitou imediatamente esse pensamento. Que droga! Teria perdido todo o bom-senso? Isso não fazia parte do plano. Foi até a janela, precisava de ar. Apoiou o braço no parapeito e olhou para o jardim. Fora projetado para ser um paraíso de tranqüilidade, isolado do barulho do trânsito da cidade. Refugiava-se ali quando precisava tomar uma importante decisão de negócios ou pessoal. Foi ali que decidiu assumir a responsabilidade por Isabella. Ali decidiu casar-se para manter a custódia da sobrinha. Annalise seria sua esposa? Ele virou-se e viu que a mulher o olhava com compaixão. — O serviço de proteção à criança quer me tirar Isabella — ele admitiu. Annalise mal conseguia esconder o espanto. — Por quê? O que você... — interrompeu-se abruptamente. — O que os preocupa? — Não era isso que você ia dizer — Foi a vez dele se aproximar. A respiração de Annalise acelerou ao perceber que fora longe demais. — Por que o Serviço de Proteção à Criança está envolvido? — Já contei que Paul e Joanne não designaram um tutor. O poder público quer ter certeza de que farei um bom trabalho. Até agora não estão bem impressionados. — Você pretende mudar essa impressão. Olhou-a com raiva. — Quero deixar bem claro... — fez uma pausa para dar mais impacto às palavras. — Vou fazer tudo para continuar com Isabella. Qualquer coisa. Fui bem claro, srta. Stefano? — Annalise. Por que essa mulher não se intimidava? Nunca ouvira falar de sua reputação ou simplesmente não ligava? — Não fica nem um pouco intimidada por mim, não é? Ela ergueu uma sobrancelha. — Deveria? — Sim, mas você é que nem um cachorro, não larga o osso. Ela o surpreendeu com um sorriso provocativo. — Não é exatamente esse o tipo de pessoa que quer ao lado de Isabella? Sou uma lutadora. Nunca desisto. Parou para pensar. Precisava de alguém como ela, que o ajudaria a enfrentar a sra. Locke. Talvez fosse melhor escutá-la. — O que sugere? Ela não hesitou. 19


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— Duas coisas. Primeiro, simplifique o espaço de Isabella, para que não tenha tantos estímulos visuais. Segundo, sugiro que tire umas semanas de folga para ficar com ela em um... — Ela deu uma olhada ao redor. — Lugar mais simples. — Não posso tirar nem uns dias de folga agora, muito menos semanas. Annalise inclinou a cabeça para o lado, e mais cachos escaparam do coque, caindo sobre seus ombros. Não era de surpreender que tentasse manter um rígido controle sobre seus cabelos. Eram tão voluntariosos Como todo o resto. Seus olhos escureceram ao olhar para ele. — Pensei que estava pronto a fazer qualquer coisa para manter Isabella. Qualquer coisa, lembra-se? — Tenho um império de negócios para administrar. — Então deixe-a ir embora. Sua recomendação, idêntica a de seu advogado, Derek, pairava no ar, e só desapareceu quando ele voltou a falar. — Devia estar louco quando te contratei. — Ajudaria se prometesse que vou colocar as necessidades de Isabella sempre em primeiro lugar? — Nunca duvidei disso. — Sua intuição lhe dizia que ela estava certa. Ele estivera procurando uma solução fácil. Devia saber que não encontraria. Colocar seus negócios de importação e exportação de pé não foi diferente. Exigiu total dedicação e atenção, dia após dia. — Certo. Vamos tentar do seu jeito. O sorriso dela o arrebatou. Ele a segurou pela gola do terninho e a puxou para mais perto. Tão perto que sentia seus seios prestes a explodir do tecido. — Vamos tentar do seu jeito, mas um só deslize basta para mudar tudo isso. Entendido, srta. Stefano? — É um perfeccionista, sr. Mason? Espera que seus funcionários sejam tão perfeitos? Retomara uma maneira formal de se dirigir a ele e podia supor o porquê. Já que não podia se soltar sem perder aquela pequena disputa de vontades, esse era seu jeito sutil de manter distância. — Jack — ele a lembrou. — E, sim, sou perfeccionista. Posso me dar ao luxo de ser. Assim como posso pagar pelo melhor e esperar receber precisamente o que desejo. Ela não se abalou nem um pouco. Continuou a olhá-lo com aqueles olhos que pareciam mudar de cor a cada alteração de humor. Naquele exato momento, o faziam lembrar de ouro manchado. — Nesse caso vou ter que fazer valer seu dinheiro. Ele olhou para sua boca carnuda e vermelha. Mais tentadora do que a maçã que Eva ofereceu a Adão. — Vou ficar de olho — avisou. A tentação prevaleceu, impelindo-o dar uma mordida no pecado. Não resistiria. Algo naquela mulher o fazia querer ir buscar toda a paixão que se empenhava tanto em esconder, até deixar que o invadisse. Precisava de seu calor, sentir as chamas do desejo. Para, só dessa vez, afrouxar o rígido controle que governava sua vida. Que mal essa 20


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única vez poderia causar? Será que estava tão curiosa quanto ele para ver onde aquele abraço poderia lhes levar? Podia poupá-la desse suspense. Cumprira uma etapa de seu projeto de casamento. Contratara uma babá que iria priorizar as necessidades de sua sobrinha e que permaneceria ali tempo suficiente para satisfazer o serviço de proteção. Agora, etapa número dois: mobilizar suas emoções para que cedesse à insanidade de se casar com ele. Por isso Jack baixou a cabeça e se apoderou de sua boca. Achou que tentaria se livrar, mas, para seu alívio, Annalise não ofereceu resistência. Ao contrário, reagiu com uma inebriante doçura. Sua boca tornou-se macia e receptiva e depois seus lábios se abriam e ela intensificou o beijo. Toda a racionalidade se desintegrou. Só conseguia pensar em ter aquela mulher em seus braços e em como seria rápido tirar suas roupas e deixar que suas peles ardentes se unissem. Desceu a mão por suas costas e segurou seu traseiro exuberante, puxando-a contra si. Seu gemido deslizou de sua boca para a dela. Ela passou as mãos por seu peito e ombros. — Jack... O som de seu nome, transbordante de desejo feminino, fez desaparecer o resto de seu autocontrole. Jack a fez recuar até o assento sob a janela que dava para o jardim. A parte de trás das pernas dela bateram de encontro à meia-parede e ela quase caiu. Estava pronto para cair com ela sobre as almofadas quando um barulho o distraiu. O som de choro na babá eletrônica presa em seu cinto. Soltou Annalise e se olharam por um longo instante. Choque e incredulidade transpareciam nos olhos dela, mas ele não sabia se por causa de suas próprias ações ou das dele. Annalise enfim soltou o ar preso na garganta e balançou a cabeça. — Não, que droga. Isso não vai mais acontecer, sr. Mason. Está claro? — Cristalino, mas quer saber de uma coisa? — Ele passou o dedo em seu rosto e viu seus olhos transbordarem de desejo. Ela lutava contra, mas ele podia vê-lo. — Vai acontecer de novo. Por um único motivo. — Qual? — Duvido que consigamos manter as mãos distantes um do outro. Ao dizer isso, saiu do quarto, sem conseguir admitir para si mesmo como foi difícil se mover.

CAPÍTULO TRÊS

Isabella estava encolhida no meio da cama enorme, perdida no meio de travesseiros, bonecas e bichos de pelúcia. Jack sentou-se na beirada da cama. Annalise chegou depois dele e entrou hesitante no quarto. — Oi, Baby Belle — ele murmurou. — Era o apelido pelo qual sua irmã chamava a filha, e usá-lo sempre ajudava a acalmar Isabella. — Tirou uma soneca? Seus olhos verdes eram muito resignados para uma criança de 5 anos. Aquiesceu em resposta antes de voltar sua atenção a Annalise. Para surpresa de Jack, sua sobrinha 21


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não gritou como costumava fazer com outras babás. Tampouco parecia interessada. Olhava-a com uma aceitação apática. Suspirou. Eram mudanças demais em muito pouco tempo. — Isabella, essa é Annalise, sua nova babá. Nós três vamos passar o dia juntos nos conhecendo. Lembrando o que Annalise disse sobre o quarto, Jack o examinou. Agora que realmente o olhava, o lugar mais parecia uma loja de brinquedos que explodia numa exuberância desordenada. Estava certa. O caleidoscópio de cores não permitia que os olhos se fixassem em nada. Por que nunca notara antes? — Sabe... tem muita coisa aqui, não tem? Mal tem espaço para você, que dirá para todos esses brinquedos. Talvez sua nova babá possa dar um jeito nisso. Sua sobrinha não respondeu, mas Annalise pegou a bola que ele jogou em sua direção e começou a brincar. — Tem razão, Jack. Isso aqui está entulhado. — Sentou-se no chão para que sua altura não parecesse intimidadora. — Aposto que seus brinquedos gostariam de ter seu próprio quarto para não ficarem amontoados aqui. O que acha, Isabella? Devemos ter um quarto onde suas bonecas possam ficar quando não estiver brincando com elas? Via-se um debate em detalhes vividos no rosto de Isabella. Deu um olhar questionador para Jack. Diante de seu sorriso encorajador, ela aquiesceu afirmativamente. — Pegue então suas bonecas favoritas e as coloque na cama — Annalise sugeriu numa voz calma. — Elas ficam aqui com você e escolhemos um quarto especial para as outras. Isabella pulou da cama, pegou uma boneca de porcelana que já tinha visto dias melhores e a colocou com muito cuidado na cama. Para surpresa de Jack, voltou-se para Annalise à espera de mais instruções. — Só essa? — ele perguntou. Não conseguia entender porque ficou tão horrorizado quando ela confirmou. — Se quiser outra... Annalise balançou a cabeça numa advertência silenciosa. — E os bichos de pelúcia? — ela perguntou. — Tem algum que poderia ficar com sua boneca? Dessa vez Isabella escolheu três. Um filhote de cachorro puído, um gatinho e um leão feroz. Durante meia hora, Annalise repetiu esse processo até reduzir os favoritos a uns vinte. Quando terminou, Jack teve que engolir seco para conseguir falar. — São os brinquedos que trouxe de casa. Passou três meses aqui, rodeada de brinquedos novos, e tudo o que queria... Para seu horror, não conseguiu terminar o comentário. Ficou cheio de tristeza. O que era o dinheiro em comparação à Joanne e Paul? O que eram todos aqueles brinquedos, comparados às vidas de seus pais? Daria cada centavo de seus bilhões para ter a irmã e o cunhado vivos, mas não era possível. Por isso, Isabella agarrou-se aos restos de sua antiga vida e Jack se agarrou à Isabella. A seu lado, Annalise segurou sua mão e a apertou delicadamente. Esperou que recuperasse o autocontrole antes de continuar. — Não esqueceu nada? — perguntou à Isabella. Ela hesitou por um instante e depois correu até a mesinha de cabeceira, pegou um 22


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porta-retratos e o abraçou. Foi demais. Jack pegou Isabella no colo, sentou-se na cama e a embalou. — Não se preocupe com suas fotos. Vão continuar aqui. Pegou gentilmente o porta-retratos para que ambos pudessem olhar a foto. Joanne e Paul sorriam juntos, com uma versão mais jovem de Isabella entre eles. Passou o dedo sobre a imagem da irmã. As lembranças o atingiram como ondas numa tempestade. — Sua mãe e eu nos parecemos, não é? — ele perguntou sem esperar por uma resposta. Para sua surpresa, ela recostou-se nele e aquiesceu. O cabelo castanho de sua irmã era um pouco mais claro que o dele, com reflexos ruivos, em lugar dos dourados de seu cabelo, mas tinham os mesmos traços no rosto. Nariz fino, boca volumosa e queixo quadrado. Até a intensidade nos olhos negros de Jo era idêntica à que via no espelho. Eram características que herdaram da mãe, uma ligação entre os três. — Que saudade dela — ele disse. Isabella se encolheu em seus braços e ele sentiu os ombros dela tremerem e lágrimas molharem sua camisa. Abraçou-a com mais força e beijou seu cabelo encaracolado. — Vamos superar isso, Baby Belle, prometo. Eu e você vamos ser uma família. Não vai ser igual ao que era, mas vamos conseguir. Enquanto ficaram abraçados, Annalise permaneceu calada e imóvel, dando-lhes tempo para se recompor da tempestade. Depois que Isabella parou de soluçar, colocou-a de pé. Levou-a pela mão até a mesinha de cabeceira e devolveu a foto a seu lugar de honra. — Vão estar sempre te olhando, Isabella. Assim como eu. Isabella aquiesceu solenemente, e Annalise foi até eles. — Vamos escolher um quarto para o resto dos brinquedos? — A sugestão veio no momento perfeito, distraindo-os do sofrimento. — Sempre que quiser algum brinquedo do outro quarto, pode trocar. Você leva um dos brinquedos daqui, põe no quarto especial, e traz o outro brinquedo para morar com você. Está bem? Isabella buscou apoio em Jack antes de concordar. Passaram a hora seguinte escolhendo o "quarto especial" e transferindo os brinquedos. Quando terminaram, o quarto de sua sobrinha passou a ser um quarto relaxante e com muito espaço livre. Seus brinquedos preferidos enfeitavam as prateleiras. Notou que todos os livros continuavam lá, assim como os quebra-cabeças, os livros de colorir e outros brinquedos educativos. — Faz uma boa diferença, não? — Annalise murmurou. — Proporciona a ela um paraíso seguro que pode ajudá-la a relaxar. — Em vez de um lugar que a deixaria agitada. Pensou em mencionar o que acontecera no quarto de brinquedos, mas antes que conseguisse, ela falou. — A encarregada do caso viu o quarto cheio de brinquedos de Isabella? — Viu. Para surpresa dele, ela deu um apertãozinho reconfortante em seu braço. — Não se preocupe. Vai ajudar muito quando ela vir as mudanças. Era a segunda vez que se tocavam desde o beijo no quarto. Não que ela parecesse perceber tal fato. Ele enrolou o dedo em um cacho do cabelo dela. — As mudanças que você está fazendo, não é? 23


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Annalise congelou e uma veia pulsava em seu pescoço. Estando tão próximo, conseguia ver a textura macia de sua pele, cujo tom claro era acentuado pelo cabelo escuro. Era dominado pela atração que sentia, mesmo lutando para manter-se distante. Não devia estar sentindo essas emoções. Não faziam parte do plano, mas eram inegáveis. O que aconteceria quando se casassem? Se se casassem, ele se corrigiu. Havia um longo caminho até o altar. Considerando o temperamento voluntarioso de Annalise, não seria fácil. Como se confirmasse esse ponto, ela se libertou de seu toque e concentrou a atenção onde devia... em Isabella. — Não conseguiria ter mudado nada se não estivesse aqui para oferecer apoio a sua sobrinha. — Ela lhe deu um olhar de advertência. — Nem vou conseguir fazer mais nada se não entrarmos em um acordo sobre como nossa... relação deve ser a partir daqui. Sutil, mas direta. Pena não estar no mundo dos negócios. Tinha nascido para isso. — Então, qual é o próximo compromisso? — ele perguntou com uma calma que estava longe de sentir. — Almoçar, espero. Posso sugerir algo casual, ao ar livre ou na cozinha? — Vamos comer no pátio. Sara não vai gostar que invadam sua cozinha — ele explicou. A escolha foi perfeita. O local tranqüilo teve um efeito benéfico sobre Isabella. Depois que puseram um lugar à mesa para sua boneca, comeu sem protestar e depois foi brincar sob uma árvore próxima, embalando seu "bebê". — Isso não vai durar — Annalise disse. Pegou uma azeitona dentro de uma vasilha de vidro e a levou à boca. — Quero avisá-lo para que não crie esperanças. — Estava achando que tinha resolvido todos os problemas com sua varinha mágica. — Desculpe. A associação das fadas madrinhas ainda não entregou a minha. Até que isso aconteça, vamos ter que lidar com isso do modo antigo. — Trabalho duro e sorte? — Tivemos sorte hoje. Amanhã quem sabe? — Ela encolheu os ombros. — Mas tenho outra sugestão. — Prossiga. — Poderia tirar umas semanas de folga num futuro próximo? — E iríamos para onde? — Havia certo cinismo em sua voz. — Caribe? Havaí? Europa? — Acha que quero férias gratuitas? — Seu olhar era de riso. — Nada disso. Uma pousada simples em uma das ilhas próximas daqui. Um lugar modesto onde nós três seremos forçados a ficar juntos. — É perigoso ficarmos juntos assim. Ela ruborizou e ele viu o reflexo daquele momento no quarto em seus olhos. — Foco, Mason. Estou falando em ficar junto com Isabella. Depois que viverem bons momentos juntos, podemos voltar para cá. Seria bom se passasse a trabalhar meio expediente e ficasse com sua sobrinha o resto do dia. — Se fizer isso, querida, para que diabos estou te pagando? Annalise não tomou como ofensa, embora seu queixo tenha se erguido em atitude 24


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desafiadora. — Está me pagando para ajudar Isabella a se adaptar a uma nova vida que ela não escolheu. E para tirar o serviço de proteção à criança de cima de você, embora não tenha mencionado esse pequeno detalhe durante a entrevista. — Desculpe. — Ele esfregou as mãos no rosto. — Está certa. Não estou cuidando bem disso. Culpe meu cansaço. Ela levou um minuto para descobrir a razão. — Os pesadelos de Isabella? Ele confirmou. — É difícil acalmá-la depois. Fico acordado umas cinco horas por noite. Ela pode dormir durante o dia para se recuperar, eu não. — Isso explica muita coisa. Não há ninguém para rendê-lo durante a noite? E a mulher que mencionou na entrevista? — Ela buscava seu nome. — Sra. Walters? — Ela fica de cinco às dez da noite, mas se recusa a morar aqui. Já tive muito trabalho para encontrar alguém que fique durante o dia para me arriscar a perder a sra. Walters. Preciso dela quando trabalho até tarde ou tenho uma reunião fora da cidade. Além disso, passo as noites com Isabella... Falou sobre ligar-me a minha sobrinha. Bem, de noite, quando tento fazê-la voltar a dormir, são os momentos em que ficamos mais próximos. — E não quer desistir deles. — Não. — Ela demonstrou alívio com a resposta dele. — A guarda de Isabella não é apenas um dever para mim, srta. Stefano, apesar do que pensa. Ela sorriu. — Já percebeu que quando se irrita comigo volta a ser formal? — Encare isso como um aviso. O sorriso de Annalise aumentou e Jack a olhava sem acreditar. Por que não reagia como qualquer outra pessoa inteligente quando confrontada com sua natureza predatória? Deveria ficar intimidada diante do mínimo franzir de testa. Droga, devia fazer o que dizia sem questionar nada. Em vez disso, pôs outra azeitona na boca, como se recostar ao lado de um homem capaz de destruir sua vida fosse algo corriqueiro. — Não tem nenhum instinto de autopreservação? — ele perguntou. — Conhece minha reputação? Ela franziu a testa. — Claro. Quem não conhece? — O que sabe sobre mim? — Tem 30 anos. É rico. Poderoso. Esperava-se que entrasse nos negócios de família com seu pai, mas, em vez disso, afastou-se e construiu um império de importação e exportação. Tomou-se mais bem-sucedido que seu pai. Esteve ligado emocionalmente a uma das mulheres mais bonitas do mundo. — Ela o olhou perplexa. — É importante que eu conheça sua história? Vai ajudar de algum modo com Isabella? Ele trincou os dentes. — Não, mas poderia ajudar em nossos acordos. Apertou os olhos e voltou a abri-los. Sua boca manifestou um leve tremor antes que mordesse o lábio para suprimi-lo. 25


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— Lamento muito, sr. Mason? Tratei-o de forma inadequada? —Apreciaria que obedecesse imediatamente cada vontade minha — ele respondeu em tom seco. Annalise controlou uma gargalhada e sua voz saiu com um ronronar lisonjeador. — Está bem, senhor. Cada desejo seu será uma ordem, não importa o quanto entediante essa gratificação instantânea possa se tornar. Lutou por um controle que deveria ter alcançado sem esforço, mas desde que Annalise entrara em sua vida com seu caminhar rebolativo, esse controle desaparecera. Não conseguiu evitar uma gargalhada, sem conseguir lembrar a última vez em que se divertira tanto. Annalise o olhou cheia de incredulidade, como se nunca tivesse pensado em ouvir aquele som. A tristeza fez seu humor desaparecer. Sua risada seria realmente tão rara? Annalise compreendeu seus pensamentos com uma exatidão constrangedora. — Entendi. É um homem de negócios impiedoso, mas quem você é para Isabella? Como quer que ela reaja a você, Jack? Deve temê-lo ou vê-lo como um tio amoroso? — Não tenho escolha. Sou o que sou. — Está dizendo que é incapaz de gentileza? De amor? O olhar que lhe deu refletia toda a sua frieza. — Essas qualidades foram erradicadas há muito tempo. O que posso dar a minha sobrinha é segurança econômica e toda atenção que puder. — Isso soa como dever e obrigação. E, há nem dois minutos atrás, afirmou que não foi por isso que assumiu Isabella. Deveria considerar qual opção é a correta. E sugiro que escolha o que vai agradar ao serviço de proteção à criança. — Quer que eu minta? — Nesse exato momento, nem sei se sabe o que são a verdade e a mentira. Jack praguejou entre dentes e se levantou. Já chegava de tolices emocionais. Hora de retomar o controle. Não deixaria mais que Annalise o distraísse de novo. — Precisamos conversar sobre o que aconteceu no quarto de brinquedos. Esse comentário a transtornou. Olhou na direção de Isabella, que continuava ocupada com a boneca. — Já tratamos disso. Não vai acontecer mais. — O tempo vai dizer. Ela também se levantou. Não podia imaginar a força de espírito que lhe foi necessária para encará-lo, mas, de algum modo, ela conseguiu. — Não tenho desculpas para o que aconteceu. Está me pagando para cuidar de sua sobrinha, não para ser sua amante. Decida agora, sr. Mason. O que quer? Uma babá ou uma amante? — E se as duas estradas levarem ao mesmo lugar? — Demito-me antes de virar sua amante. Fui bem clara? — Bastante. — Ele apoiou o ombro numa das varas do caramanchão que sombreava o pátio e cruzou os braços. — Só tem um pequeno problema. — Qual? Annalise não estava tão controlada quanto demonstrava. Jack sempre fora bom em 26


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ler pessoas, e Annalise não era exceção. Percebeu o leve tremor em sua voz e a movimentação nervosa de suas mãos. Ainda mais reveladora era a veia em seu pescoço que pulsava como uma mariposa em volta do fogo. E, como uma mariposa, estava irresistivelmente atraída por algo que a deixaria em apuros. Os braços dele. — Tenho uma rígida proibição contra envolvimentos no escritório. — Não trabalho em seu escritório. — Assim que as palavras lhe escaparam, ela se deu conta do quanto revelara com esse comentário irrefletido. — Quero dizer... Ele a interrompeu. — Essa proibição engloba todos os meus funcionários. Sempre dei a quem trabalha comigo um tratamento exclusivamente profissional. — Ele fez uma pausa deliberada. — Até agora. Até você. Por quê? — Não tenho idéia. — Tem sim. — Jack não se moveu nem um centímetro, mas pela primeira vez ela deu um passo para trás. — Algo inesperado aconteceu entre nós. Algo que me fez ignorar minhas regras. Faz idéia do quanto isso é estranho? — Se o serviço de proteção à criança suspeitar que estamos envolvidos, isso pode causar sérios problemas. Não pode correr esse risco, se é sincero em seu desejo de manter a guarda de sua sobrinha. — Sou totalmente sincero. — Então as necessidades dela devem vir em primeiro lugar. — Concordo, mas isso não muda o que aconteceu hoje. — Chegou mais perto dela. — Nem o que está acontecendo agora. Se nossa reação é assim em um dia, como será em uma semana... um mês? — Pare com isso, Jack. — Ele a via lutar para manter o controle, com uma intensidade que transbordava dela em ondas quentes e desesperadas. Uma vulnerabilidade se abateu sobre ela e o afetou mais do que ele pensava ser possível. Annalise levantou a mão para impedir que se aproximasse. — Está tentando me convencer a me demitir? Se for isso, está conseguindo. — Não quero que se demita, mas não vou fingir que não existe atração entre nós. Para fazer nossa relação funcionar, temos que decidir como lidar com o que estamos sentindo. — Isso é fácil. — Ela lutava para assumir o controle da situação. Não que ele fosse permitir. — Vamos ignorar. Tomar o cuidado de nunca ficarmos a sós. E manter, as mãos longe um do outro. — Minhas mãos não passam de uma pequena parte do problema. — Ela olhou para sua boca. — Mãos. Braços. Lábios. Todas as partes do seu corpo. Ele continuou a se aproximar, tirando a cadeira dela do caminho. Annalise se arrastou pelo ladrilho com um guincho de rendição. — É uma opção. — Oh, Deus — ela sussurrou. — Por favor, Jack, é a única opção. Se não conseguirmos nos controlar, vou pedir demissão. Não tenho outra escolha. Nunca mais posso perder o controle. Ela calou-se e ele parou a uns centímetros de distância. Ficou curioso. — O que acontece quando perde o controle? — ele perguntou. 27


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— Nada de bom. — Uma lição aprendida a duras penas? — Exatamente. — Então não vou tocar em você. Jack odiou fazer essa promessa. Era um homem impiedoso, que não deixava nenhum obstáculo entre ele e seus objetivos, mas um simples olhar angustiado daqueles olhos dourados fez com que se compadecesse. Claramente, perdera a cabeça. O alívio de Annalise era palpável. — Obrigada, sr. Mason — ela disse de modo formal. Afastou-se dela, furioso consigo mesmo por não tirar vantagem do que poderia realizar. O tempo era crucial. Precisava trocar seu papel de babá para o de esposa o mais rápido possível. Mesmo assim, não queria magoá-la nesse processo. — Sem problema. — Ele forçou um sorriso provocativo. — Se mudar de ideia, sinta-se livre para me comunicar. Ela relaxou e deu um sorriso. — Vai ser o primeiro a saber, prometo. O celular tocou e Jack verificou quem era. — É meu advogado — explicou antes de se afastar para atender. — O que há de errado agora? — Não está sendo pessimista? — Tenho razão para estar? — Só se não encontrou alguém — Derek admitiu. — Encontrei — Olhou brevemente para Annalise. Ela se juntara à Isabella sob a árvore, perto o suficiente para participar da brincadeira, mas sem invadir o pequeno território da menina. — Difícil vai ser mantê-la. Acho que me precipitei. — Você não age assim. — Há uma razão — Jack respondeu ironicamente. Tinha dificuldade em manter as mãos longe dela. — O que há de errado agora? — Notícia boa e ruim. Consegui adiar a visita da sra. Locke. Disse que vocês três vão viajar para poderem ficar juntos. Juntos. Essa palavra continuava a assombrá-lo. — Disse boa e ruim. Isso me parece bom. — Seria, se a sra. Locke não tivesse informado que planeja fazer o relatório final depois da próxima visita. — Quê? — Calma, Jack. Vou lutar contra isso e estou certo de que vamos atrasar as coisas de novo, mas ajudaria se tivesse uma babá e esposa carinhosa da próxima vez que a sra. Locke ligar. — Estou trabalhando nisso. — Trabalhe mais enfaticamente. Essa tem as qualificações que sugeri? — Sim. Não tem muita experiência, mas tem a formação apropriada. 28


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Houve uma pausa delicada. — Como ela é? — Derek perguntou. Jack voltou a olhar para Annalise. — Diferente. — Diferente boa? — Digamos que nosso casamento não seria monótono. Antes que esqueça, preciso que peça para nosso detetive particular fazer uma investigação completa. Sei que já fez uma checagem prévia de todas as candidatas. Diga para se aprofundar com Annalise Stefano. Não quero surpresas. — Pode deixar. Então, onde vai passar as férias? A pergunta pegou Jack de surpresa. — Ainda tem essa? — Disse à sra. Locke que iriam. Tem que fazer mesmo. — Agora não tenho tempo. — Dê um jeito. O que acha que vai acontecer se a sra. Locke descobrir que está indo trabalhar? Não vai gostar. — Droga, Derek. — Então desista de Isabella. Pode conseguir um bom lar para ela e então dedicar toda a sua atenção ao trabalho. Não precisa casar. Não precisa agüentar o serviço de proteção à criança. Fim do estresse. Fim de Isabella. Jack fechou os olhos. — Chega. Vamos viajar. — Boas férias. Jack resmungou algo antes de desligar o celular e atravessou o jardim a passos largos. Annalise e Isabella o olharam com a mesma expressão de curiosidade. — Boas notícias. Façam as malas. Vamos partir em uma viagem de férias.

CAPÍTULO QUATRO

Logo cedo na manhã seguinte, Jack já tinha guardado toda a bagagem e acomodado Isabella e Annalise no carro. Deu-lhe um sorriso radiante quando partiram. — Para onde vamos? Ele entrou no tráfego da avenida antes de lhe dar uma rápida olhada. — Vai gostar de saber que segui seu conselho. Vamos ficar num pequeno bangalô na praia. Teve o cuidado de não usar a palavra férias. Quando a disse, no dia anterior, Isabella quase ficou histérica. Só quando Annalise associou a palavra ao acidente que matou Joanne e Paul pôde descobrir um modo de confortar a menina. 29


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Annalise sorriu. — Um bangalô na praia? Parece ótimo. — Não é tão modesto quanto pediu — Jack avisou, — mas acho que vai servir. — Tenho certeza de que vai ser perfeito. Sua confiança o afetou mais do que gostaria de admitir. Tinha 30 anos e recebera uma educação de primeira classe. Vinha de uma das mais tradicionais famílias de Charleston. Possuía e administrava uma multinacional bilionária com inúmeros funcionários sob sua responsabilidade, cuja maioria confiava em sua capacidade. Entretanto, por algum motivo, reagiu à admiração de Annalise como um gato que ganhara uma tigela de leite. Se não tomasse cuidado, começaria a ronronar. — O problema é que preciso de um lugar com acesso à internet para poder manter contato com o escritório. — Claro — ela concordou. — Perfeitamente compreensível. — E que proteja nossa privacidade. — Um aspecto negativo de sua posição social. — Por sorte, tenho um amigo que tem uma propriedade com uma casa para hóspedes à beira-mar. Está passando o verão na Europa, então podemos ficar tanto tempo quanto quisermos. São só dois quartos, mas tem cozinha. Sabe cozinhar? — Sei. — Quer cozinhar? Não faz parte de suas tarefas, mas a recompensaria de bom grado pelo trabalho adicional. — Não precisa — Annalise olhou para fora. — Fico feliz em ajudar. — Ainda parece aborrecida. — Teve um pensamento súbito. — Te ofendi oferecendo pagamento extra? — ele perguntou. Annalise deu um suspiro e virou-se para olhá-lo. — Sim. O mais ridículo é que nem sei o porquê. Talvez não, mas ele sabia. — É por causa do que aconteceu ontem — ele explicou. Ela se enrijeceu. — Quer dizer quando nós... — ela interrompeu e deu uma olhada para Isabella. — Você sabe. — Sim, quando nós você sabe. Isso misturou o profissional ao pessoal. — Então sugiro que os separemos, já que não vai haver você sabe nunca mais. Ele deu de ombros. — Podemos tentar, mas duvido que consigamos. Como fazer o verde voltar a dividir-se em azul e amarelo? Podemos dizer que vamos manter as cores separadas, resistir à tentação de misturá-las, mas nem posso querer te compensar pelas tarefas extras das próximas semanas que já te ofendo. — Vou superar isso, assim como a vontade de me misturar outra vez. — Conte-me se funcionar com você. Temo que meu tom de verde ainda esteja bem vivo. 30


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Um rubor atraente tingiu o rosto dela. Virou-se para trás e começou a falar com Isabella. Ele não insistiu. Haveria tempo de sobra nas próximas semanas para tentá-la a se misturar. Mesmo que não conseguisse conquistá-la, esperava que ficasse tão ligada a Isabella que aceitaria sua proposta pelo bem de sua sobrinha. Só precisava encontrar um modo de colocar as coisas a seu favor. Ignorou a consciência pesada em relação ao seu plano calculista. Não podia ter escrúpulos se quisesse manter a custódia de Isabella. Se seu pai não o ensinara mais nada na vida, Jonathan Mason provara ser um especialista em perseguir seus objetivos impiedosamente. Nada importava, só os resultados. Nada de compaixão. Nem bondade. Jack fora educado sob um lema: fazer o que fosse preciso. Agiria assim em sua batalha pela custódia de Isabella. Não importava o que fosse preciso, Jack fará qualquer coisa. Entrou numa avenida larga, protegida por um alto muro de pedra e um portão eletrônico. Digitou o código que Taye lhe dera e, quando os portões se abriam, foi em direção a uma mansão ainda mais luxuosa que a sua. Annalise ficou de queixo caído. Jack virou numa viela estreita, larga o bastante para seu Jaguar, e continuou por ela durante uns metros até um bangalô aninhado entre o pântano e o mar. Annalise relaxou, possivelmente pelo bangalô ser um exemplo de simplicidade em comparação à casa principal. Ele sorriu satisfeito. — Esperava que aprovasse. — Abriu a porta do carro. — Venha, vamos ver como é. Até Isabella perdeu sua apatia habitual e demonstrou algum entusiasmo. Disparou para o bangalô atrás dele, com um braço em volta da boneca e outro do leão. Jack imaginou se o leão era tido como um protetor. Não que fosse reprimi-la, na verdade, se isso lhe desse segurança a rodearia de leões. A porta da frente abriu-se para um pequeno saguão, que dava acesso à sala principal e uma pequena sala de jantar que poderia usar como escritório. Nos fundos da sala de jantar havia uma cozinha aconchegante. Um corredor saía da sala e Jack as conduziu naquela direção, quase certamente encontrariam os quartos. Jack abriu a primeira porta e ouviu um "ooh" atrás dele. Encheu-se de esperança. Talvez Annalise estivesse certa e aquelas férias poderiam aproximá-los de Isabella. Talvez até voltasse a falar. Forçou-se a andar casualmente pelo quarto, sem querer demonstrar qualquer reação ao entusiasmo para não assustá-la. Isabella entrou logo atrás e foi direto até uma imensa estrutura de madeira que era um misto de beliche e fortaleza na árvore. A menina desapareceu numa parte do forte, passou por portinholas e túneis secretos, terminando em uma cama alojada nos galhos da "árvore", com folhas de pano e animais de pelúcia escondidos em vários cantos e fendas. Seus olhos verdes vivazes brilhavam de prazer e Jack percebeu que nada lhe dera mais prazer do que a visão do rosto radiante de sua sobrinha. — Gostou? — ele perguntou, cuidando para esconder qualquer traço de emoção em sua voz. Ela aquiesceu prontamente e seus cachos castanho-aloirados balançaram em volta de seu rosto corado. — É bom ver seu cabelo crescendo — ele murmurou para Annalise, que estava de pé a seu lado. — Foi cortado depois do acidente? Ele confirmou. — Pelas fotos que vi, Isabella possuía lindos cabelos longos, mas havia tantos ferimentos na cabeça que os médicos foram forçados a cortá-lo em vários lugares. Pareceu melhor igualar e esperar que crescesse de novo. Nunca imaginei quanto trabalho daria para impedir que os cachos fiquem emaranhados. — São os riscos do cabelo crespo. Perdi o número de vezes em que fiquei tentada a adotar um desses cortes supercurtos. 31


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Estudou seu rosto por um instante. — Ficaria bem com qualquer corte. — Obrigada. — Ela corou. — O bom é que vou ter algo em comum com Isabella. Podemos fazer penteados juntas. Ele riu. — Boa sorte. Essa foi uma das batalhas das babás anteriores. Isabella não gosta que toquem em seu cabelo. — Provavelmente porque seu couro cabeludo doía logo após o acidente. Isso não vai ser mais problema — ela falou com uma confiança que ele esperou que funcionasse, mas tinha sérias dúvidas. — Vou trabalhar mais esse trauma. — Não sabia que só haveria camas de criança aqui. Você não vai caber nesse forte na árvore. — Não tem problema. Durmo no sofá da sala. — Vamos ver o outro quarto antes de decidir. Ela ergueu uma sobrancelha. — Seu quarto? Melhor não. — Relaxe. Só pensei que se houver duas camas, poderíamos trazer uma para cá. Ela sorriu. — Tem certeza, sr. Mason? Podia jurar ter visto um tom verde colorindo essa sugestão. — De jeito nenhum, srta. Stefano. Estou totalmente satisfeito com nossa relação atual. — Deixou-a refletir sobre isso enquanto atravessavam o corredor até o segundo quarto. Uma cama enorme dominava o ambiente. Annalise parou atrás dele. — Fim daquela idéia. — Sofá, então. — Ela deu uma olhada em seu relógio. — Temos duas horas até o almoço. Vou para a cozinha ver o que falta comprar. — Pedi à governanta de Taye para verificar o estoque do armário e da geladeira. Se ela esqueceu algo que vá precisar, pode telefonar à casa principal que ela vem trazer de bom grado. — Taye? — Taye McClintock. Dono da McMansão pela qual passamos. — E McClintock é um McLindo, um McSexy ou um Mclnsignificante? — Mclnsignificante? — Jack riu entre os dentes. Taye fora um de seus melhores amigos na universidade e possuía o rosto de um anjo e um cérebro de computador, e era o único homem que Jack conhecia que conseguia levar uma mulher para a cama em exatos cinco minutos. — Taye é definitivamente um Mclnsignificante, o que vou lembrar de informá-lo na próxima vez em que o vir. Ela o olhou horrorizada. — Não faria isso. — Não só faria, como vou. Viu-se um feroz conflito no rosto dela antes de virar-se. — Vou tirar as malas do carro e arrumar as coisas. Jack a segurou pelo braço. — A arrumação pode esperar. Eu pego as malas, enquanto coloca um maiô em 32


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Isabella. E então vamos para a praia antes que o sol fique muito forte. A idéia claramente agradou, e ela concordou. — Negócio fechado. Vinte minutos depois, estavam estendendo suas toalhas na areia. Para seu intenso interesse, Annalise usava um duas-peças recatado, num tom verde que realçava os reflexos dourados de seus olhos. A parte de baixo era um short que ia até o alto de suas coxas e exibia suas pernas quilométricas. A parte de cima também era discreta, parecendo uma camiseta cortada que deixava sua cintura à mostra. Se pensou que Jack acharia isso menos atraente do que algo menor, o subestimara. Aquela roupa provocava seus sentidos, abrindo seu apetite, em vez de satisfazê-lo. O top ondulava de maneira provocante e o short colava-se a seu traseiro empinado e a suas coxas fortes. Seu corpo se enrijeceu e ele se forçou a desviar o olhar. Se estava excitado assim no primeiro dia das férias, que Deus o ajudasse nas próximas duas semanas. — Vou nadar um pouco — disse à Annalise. — Fica de olho em Isabella? — Claro. Estou aqui para isso. — Por algum motivo, estou achando difícil lembrar — ele murmurou. A água do mar esquentara bastante com as últimas semanas de clima quente e úmido. Jack seguia pelas ondas suaves, nadando vigorosamente. Quando saiu da água, recuperara algum controle. Annalise e Isabella construíam um castelo de areia. Sua sobrinha acenou numa presteza comovente. E lhe entregou uma pazinha de plástico e apontou para o fosso que construía em volta do castelo. — Quer me ajudar? Seu sorriso entusiasmado o fez executar a tarefa com vontade. Durante a hora seguinte trabalharam com dedicação, mas seus esforços eram frustrados pelas ondas que quebravam cada vez mais perto, enchendo o fosso e derrubando os muros do castelo. Isabella gritava num misto de protesto e riso, correndo das ondas e voltando para refazer as torres caídas. Pouco a pouco o mar venceu a batalha. Quando a torre final tombou, Jack recolheu suas toalhas e pendurou sua sobrinha no ombro, fazendo-a dar gargalhadas e gritinhos de protesto. Nem mesmo o fato dela espernear cheia de areia poderia reduzir a satisfação que sentia com suas mudanças naquelas poucas horas. — Hora do almoço, esquilinho — ele anunciou. Limparam a areia no chuveiro externo antes de entrarem pela lavanderia anexa à cozinha. Enquanto Annalise e Isabella se trocavam, Jack preparou uns sanduíches e depois foi para tomar banho. Quando voltou, encontrou sua sobrinha vestida e sentada à mesa comendo um sanduíche, com os cabelos úmidos e os cachos penteados. — Não ouvi nenhum grito — ele sussurrou para Annalise. — Como conseguiu? — Deixei que me ajudasse com o meu e depois trocamos. — Obrigado. Não sabia como expressar sua gratidão, exceto... Segurou-a pelo queixo, e começava a encostar seus lábios nos dela quando se deu conta do que fazia. Parou e se olharam. Annalise estava de olhos arregalados e sua respiração escapou num leve gemido. — Desculpe — ele murmurou próximo a sua boca. — Não estava raciocinando. Só queria agradecer. 33


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Tudo nela atiçava seus sentidos. Seu cheiro doce, sua pele sedosa, aqueles olhos gloriosos. E isso o fazia querer tomá-la nos braços e possuí-la, corpo e alma. — Agradece a todas as suas babás assim? — Só você. Não consigo explicar. — Prometeu não tocar em mim. Ele a soltou e deu um passo para trás, pasmo com a força de vontade que isso exigiu. — Melhor? Por um segundo Annalise quase disse não. Queria jogar-se nos braços dele e terminar o que ele começara. Então aquiesceu e virou-se. Naquele instante, suas costas se enrijeceram. Jack logo viu o porquê. Isabella parara de comer e olhava fixamente para os dois. Não saberia dizer se aquela cena perturbara ou agradara sua sobrinha. Talvez nem ela soubesse. Após um instante interminável, Isabella sorriu demonstrando sua aprovação. Uma covinha apareceu em seu rosto. Até então, ele nunca percebera suas covinhas, tão raros eram seus sorrisos. Annalise conseguira isso em apenas um dia. Jack retribuiu o sorriso de sua sobrinha. Quer sua querida babá soubesse ou não, o sorriso de Annalise selara seu destino.

Os dias passaram voando. Annalise provou estar certa em várias questões. Tirar uns dias para dar atenção total à Isabella fez muita diferença. Claro que não resolveu todos os problemas. Ainda havia umas birras, mas poucas, para seu alívio. Ajudou muito os dois adultos estarem unidos demonstrando que aquele comportamento não seria tolerado. Para Jack, a mudança mais reveladora foi sua sobrinha parar de pintar o rosto com espirais vermelhas, pretas e roxas e escolher cores mais suaves que refletiam sua visão mais positiva da vida. A pintura de guerra durava menos que uma ou duas horas. Suas duas idas diárias à praia lavavam tudo. No quinto dia, ela esqueceu completamente de se pintar, e isso fez a esperança dele crescer. Talvez houvesse uma saída para a escuridão. Jack tinha que admitir que seu momento favorito era quando os três se aninhavam no sofá toda noite e escolhiam um DVD nas prateleiras ao redor da TV widescreen. Ali no escuro, podia baixar a guarda e simplesmente relaxar. — Acho que ela dormiu — Annalise sussurrou durante numa dessas noites. Jack já percebera havia uns dez minutos a respiração de sua sobrinha ficar mais profunda e ela ficar mais pesada de encontro a seu peito. — Daqui a pouco a levo para a cama. — Gosta que adormeça em cima de você, não é? — Ele notou a compaixão em seus olhos. — Isso o faz lembrar de quando você e Joanne tinham a idade de Isabella? Jack deu uma risada áspera, que fez Isabella se agitar. Pôs a mão nas costas da sobrinha para confortá-la e forçou-se a se acalmar. Isabella murmurou algo e continuou a dormir. — Que nada. Meu pai consideraria uma perda de tempo fazer isso. — Oh. — Essa única interjeição disse tudo. — E sua mãe? Pensaria o mesmo? Torceu para que a escuridão escondesse sua expressão, mas pôde ouvir a dor em 34


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sua voz. — Ela era diferente de meu pai. Antes do divórcio ela não demonstrava suas emoções, já que meu pai usaria qualquer sinal de fraqueza contra ela. Depois ela mudou. — Quantos anos tinha quando eles se divorciaram? — Oito. Talvez nove. Joanne era dois anos mais velha. — E em que sua mãe mudou? — Ela se enterneceu, demonstrou afeto mais abertamente. Claro que é difícil saber se era assim o tempo todo. Só posso me basear nos momentos em que a vi. — O que quer dizer? — Ele viu que ela tentava enxergar sua expressão no escuro. — Sua mãe não tinha sua guarda? — Não, só a de Joanne, meu pai ficou comigo. — Eles separaram vocês? — Sim. — Essa decisão destruíra qualquer vestígio de amor e gentileza de sua vida. Ainda sentia essa perda. — Minha mãe nunca conversou comigo sobre aquela época, mas Joanne explicou que meu pai ameaçou levar nós dois e impedir minha mãe de nos ver se não concordasse com seus termos. Um clarão súbito na tela de TV permitiu que visse que Annalise estava transtornada. — Ele teria feito isso? — Considerando que não vi mais minha mãe e minha irmã até completar 13 anos, diria que foi o que ele fez. — Como... — A voz dela ficou mais densa, traindo sua emoção. — Por quê...? — Ela sacudiu a cabeça, incapaz de verbalizar as perguntas que queria. Jack recostou a cabeça no sofá e olhou cegamente para Star Trek, filme favorito de Isabella. — Como? Com os melhores advogados que o dinheiro pode comprar. Por quê? Porque era e ainda é um desgraçado que me usou para atingir minha mãe. — No fim, conseguiu vê-la? Um sorriso de satisfação surgiu em sua boca. — Consegui. — Ele finalmente se compadeceu? — Nem um pouco. No verão em que fiz 13 anos, ele viajou em lua de mel com sua última esposa muito mais jovem. Eu deveria ir para a colônia de férias. Em vez disso, peguei carona para Colorado, onde minha mãe morava com seu segundo marido. — Santo Deus, Jack! — Ela segurou o braço dele. — Fez idéia do perigo que correu? Podia ter acontecido qualquer coisa com você. Ele pareceu achar divertido. — Foi o que minha mãe disse, mas valeu a pena. Passei quase o verão inteiro com eles. — Um verão mágico e cheio de esperança, diferente de todos que vivi antes. — Até meu pai descobrir, mas aqueles dois meses me abriram os olhos. — Como?

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— Eram tão felizes... riam quase o tempo todo. E quando brigavam... — ele buscou as palavras certas. — Eu ficava esperando que outro sapato fosse arremessado, mas nunca acontecia. — Quando brigavam não ficava preocupado que estivessem à beira do divórcio. — Ela esfregou seu braço para confortá-lo. Duvidava que Annalise estivesse consciente de suas ações. — Nunca ofendiam um ao outro. — Exato. Eles eram... espontâneos. Como se o riso, as lágrimas, as brigas, as demonstrações de afeto, fossem acontecimentos normais do cotidiano. — Provavelmente sim. Quando a visitou depois disso? — Nunca. Minha desobediência naquele verão fez com que me mandasse para o colégio militar. Não vi mais Joanne até os 18 anos, quando meu pai não podia mais me dizer quem ver ou aonde ir. Infelizmente, o carro onde estava minha mãe e seu marido caiu num desfiladeiro meses antes. — Oh, Jack! Que horror. — Ele viu o brilho de suas lágrimas e algo se agitou dentro dele, algo profundo e poderoso, decorrente de emoções que preferia evitar. — E Joanne? Foi morar em Charleston com você e seu pai? — Não. Ela já estava na universidade e recusou-se a ter qualquer relação com nosso pai. — Ou você? — ela ousou perguntar. Ele se recusou a aceitar o golpe. Durante anos acreditara nisso, até que Joanne o fez ver a verdade, mas depois encontrou um jeito de isolar a dor emocional que vem do vínculo familiar. — Conseguimos retomar nossa relação, apesar de meu pai. A Jo até o perdoou de coração. Ele nunca, nenhuma vez, pediu perdão. Ironicamente, foi papai quem indicou o advogado que cuidou da adoção de Isabella. — Então Jack levantou-se, atento a não acordar sua sobrinha, terminando a conversa. Annalise afastou sua mão, deixando frio onde antes havia calor. — Hora de colocar nossa pequena na cama. Já volto. Não teve pressa para acomodar sua sobrinha, precisava daqueles minutos para reconstruir suas barreiras. Contara à Annalise mais do que jamais dissera a outra mulher, revelando partes de si que estavam seladas havia quase duas décadas. Geralmente não dava esse espaço às pessoas. Esse tipo de proximidade arriscava criar emoções como as que desencadearam discussões e atos de vingança na relação de seus pais. Desde muito jovem decidira evitar o casamento a qualquer custo. Mesmo quando viu a. relação de amor de sua mãe com seu segundo marido, achou que não passava de pura sorte. Em sua união com Annalise não haveria envolvimento emocional. Cláusulas legais iriam especificar cada aspecto de sua "felicidade" conjugal até a data planejada para o divórcio. Quanto a possíveis complicações românticas... também seriam determinadas através de contrato. Jack não iria contra se ela resolvesse compartilhar sua cama, mas entraria nisso de olhos bem abertos e com todas as cartas sobre a mesa. A relação deles limitaria-se a corpo e intelecto, mais sensação que emoção. Satisfeito por recuperar seu autocontrole, virou-se e se deparou com Annalise observando-o da porta. E foi então que percebeu que não possuía autocontrole nenhum quando se tratava daquela mulher. Nenhum.

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CAPÍTULO CINCO

Jack não se lembrava de ter fechado a porta do quarto de Isabella. Nem de ir até Annalise e encostá-la contra a parede. A partir do momento em que encostou sua boca na dela era como se tivesse ligado um gravador, registrando cada momento em seu cérebro. Ficou dominado pela fragância de sua pele e enlouquecido com o gemido baixo que reverberava em sua boca. O calor das mãos, da pele e dos lábios o incendiava, atingindo diretamente seu cerne congelado e derretendo muros de gelo que acreditava serem muito altos e grossos para serem rompidos. — Tentei manter minhas mãos longe de você — ele disse entre beijos breves. — Quantas vezes te prometi isso? E mesmo assim... Jogou a cabeça para trás numa gargalhada. — Não é bem assim que isso funciona. — Você hão entende. Sempre mantenho minha palavra. É uma questão de honra. E com você... É como se meu cérebro e meu corpo falassem línguas diferentes. — Sem comunicação? — Nenhuma. — A mão dele acariciou seu pescoço longo. E então quis sentir seu gosto, e sua boca repetiu o mesmo trajeto. — Exceto por um simples desejo. Nesse ponto, todas as minhas partes estão de acordo. Uma frase do filme que tinham acabado de assistir lhe veio à cabeça. Resistência é inútil. Isso descrevia perfeitamente sua situação. A tentação acenou de novo e lutou 10 segundos antes de ceder. Incapaz de resistir, segurou seu seio e acariciou-lhe o mamilo através do fino algodão da camiseta. Os olhos dela se fecharam, claramente entregue. Jack usou o joelho para separar suas pernas e colou-se a seus quadris, deslizando contra um corpo que combinava força e suavidade. Ele a queria em sua cama, queria aquelas pernas intermináveis em volta dele. Queria afundar em seu calor até que o último vestígio de gelo tivesse desaparecido de seu corpo. Tudo nela o impelia a um lugar em que nunca estivera antes, que nem sabia existir. Um lugar bom, consolador. De uma urgência bela e de infinitas possibilidades. Em que podia entregar-se confiante a braços que nunca o soltariam enquanto permanecesse no calor daquele abraço. Enfiou a mão sob sua camiseta e permaneceu ali naquele doce lugar enquanto seu desejo aumentava. Os seios dela deslizaram pára suas mãos, as preenchendo com seu peso e maciez. Os mamilos eram dois botões quentes de desejo. Movimentou seu quadril entre as pernas dela, num ritmo lento que a fez dar um gemido. — Durma comigo essa noite — ele pediu. Pôde ver que no rosto dela era travada uma batalha entre o bom-senso e o desejo. Conhecia bem essa batalha. Por um instante, achou que fosse se entregar, mas algo a conteve, algo que encheu sua expressão de pânico e turvou-lhe os olhos com uma intensa vulnerabilidade. Parecia que não era o único a ter lembranças dolorosas. — Não posso. Não podemos — ela corrigiu. — Isabella vem em primeiro lugar. E se fizermos isso, ficaremos divididos entre a responsabilidade e o desejo. — Sempre vou priorizar Isabella. — Então não vai discutir comigo por causa disso, porque fazermos sexo não é 37


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priorizar Isabella. Annalise não deixou espaço para argumentos. Além disso, estava certa. Não podiam se distrair agora. Jack não podia. Ainda precisava de sua ajuda, tinha que encontrar um modo de convencê-la a se casar com ele. E o caminho para isso passava por seu apego à Isabella, não pelo quarto. Por mais que a desejasse, não podia tê-la. Com relutância, forçou-se a tirar as mãos de dentro da camiseta e abandonar o calor e a maciez que sentira por tão pouco tempo. Deu um passou para trás. E depois outro. Ainda se via desejo nos olhos dele, junto com uma resignação impotente. Se tivesse demonstrado arrependimento, Jack a tomaria em seus braços e a possuiria ali mesmo. Mas ela ficou em silêncio. E ele submeteu-se ao dever. A frieza familiar voltou a correr em suas veias. Por quantos anos era sua companheira? Nem lembrava mais. Não que isso importasse. Aprendera a aceitar sua inevitabilidade. Sem dizer uma palavra, Jack virou-se e foi embora.

Jack teve um sobressalto ao ouvir abrirem a porta de seu quarto. — Isabella está aqui com você? — Annalise perguntou. Jack pulou da cama como um raio. — Ela sumiu? Annalise aquiesceu ofegante. — Quando entrei para vê-la essa manhã, não estava lá. Achei que estivesse escondida na árvore-forte, praticamente a desmontei para achá-la. Procurei pela casa toda. Não está aqui. — O medo abalara seu controle habitual. — Não consigo encontrá-la em lugar nenhum. — Olhou lá fora? — Meu Deus, Jack. — Olhou em pânico para a porta da frente. — O mar. Ambos correram para a porta. Não estava trancada, e lembrava de tê-la verificado na noite anterior para ter certeza de que estava. Saiu para a varanda è já ia gritar o nome da sobrinha quando a viu. Estava a meio caminho entre a casa e a água, debaixo do maior cachorro que já vira. Annalise lhe deu um encontrão pelas costas, olhou em volta e a viu. Ao sentir que ia gritar, Jack cobriu sua boca com a mão. — Quieta — ele ordenou num sussurro. — Não os assuste. Soltou-a ao ver que aquiescera. — Jack, aquela coisa pode matá-la. — Não diga isso. Nem pense nisso. Quero que vá pegar meu celular e disque 190, mas só complete a ligação quando eu mandar. — Annalise continuava a olhá-lo aterrorizada, e ele a sacudiu. — Entendeu? Ela pareceu recuperar algum controle e concordou. — Sim. Entendi. Discar 190. Só ligar quando disser. — Também quero que traga até aqui os bifes que estão na geladeira. Devagar e com calma, certo? Nada de movimentos bruscos, nem barulho. — Entendi. 38


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Não disse mais nada e entrou na casa. Jack foi sentar-se nos degraus da varanda e então deu um assovio baixo e suave. A menina e o cachorro olharam para ele. Para seu horror, o cachorro se eriçou e deu um rosnado baixo. Pior ainda, Isabella levantou a mão para afagar o focinho dele. Suas mãozinhas estavam a centímetros de uma fileira de dentes letais. Soube que Annalise tinha voltado ao perceber seu sobressalto por ver o perigo da situação. — Aqui. — Ela lhe entregou as fatias cruas de carne. Sentiu o tremor nos dedos dela, quente e ofegante em suas costas. Mesmo apavorada, falou com uma calma que se derramou como um bálsamo sobre ele. — Vai ficar tudo bem, Jack. Estou com a mão na tecla "enviar". Basta uma palavra e eu ligo. — Volte para dentro — ele instruiu. Não a colocaria em risco também. — Esteja pronta para abrir a porta ao meu sinal. Sentiu sua entrada silenciosa na casa e fixou a atenção em sua sobrinha e no enorme animal sobre ela. Não ousou assoviar de novo. Só esperava que um dos dois viesse até ele. De fato, Isabella riu alegremente e saiu debaixo do cachorro. Para alívio de Jack, o animal permitiu, embora ela, ao menos parecia ser uma fêmea, continuasse a olhá-lo de modo hostil. Precisava afastar aquele cachorro de sua sobrinha, e rápido. Torcendo para não estar cometendo um erro, levantou o primeiro bife. — Aqui, garota! Parecia que alguém tinha apertado um interruptor. O pelo do animal baixou e suas orelhas se levantaram. Abriu-se algo como um sorriso enorme naquela cara quadrada. Depois de lavar o rosto inteiro de sua sobrinha com uma só lambida, foi correndo em direção a Jack. Infelizmente, Isabella resmungou irritada, por ter sua brincadeira interrompida, e a seguiu. Quando a cadela o alcançou, Jack lhe arremessou o primeiro bife, que desapareceu em uma bocada nada feminina. — Senta — ele ordenou. Para sua surpresa, a cadela obedeceu. Estudava-o, particularmente o segundo bife que segurava, enquanto Jack fazia o mesmo, numa cautelosa troca de olhares "o quanto você é feroz" e "quem é o cachorro superior". A cadela não parecia estar em má forma, embora suas costelas estivessem bem protuberantes. Depois de inspecioná-lo, assumiu um olhar doce. Viu que usava uma coleira. Não havia um nome, mas pelo menos tinha uma etiqueta de vacinação antirrábica pendurada. O plano era jogar o segundo bife para bem longe, pegar sua sobrinha e escapar para dentro de casa. Antes que conseguisse, Isabella passou seus bracinhos finos em volta de pescoço robusto do animal e apertou o rosto contra seu pelo curto e malhado. Um erro de cálculo e o cachorro abocanharia sua sobrinha, em vez do bife. Respirou fundo antes de falar. — Isabella, entre para procurar Annalise. Depois que lavar as mãos, pode mostrar a ela sua nova amiga. Faça isso pela janela, até eu terminar de alimentá-la. A menina hesitou, obviamente dividida entre ficar com a cadela e a vontade de mostrá-la à Annalise. Jack usou um tom de quem não toleraria argumentos, que nunca conseguira usar antes com ela. Até hoje. — Agora, senhorita. Ficou aliviado quando a menina obedeceu e subiu os degraus da varanda. Annalise abriu a porta e colocou-a para dentro. Com um choramingo de protesto, o 39


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cachorro passou com seus mais de 70 kg por cima dele, abocanhando o bife de sua mão enquanto o rolo compressor passava. Antes que Annalise conseguisse fechar a porta, disparou para dentro. Jack estava deitado de costas derrotado, lutando para colocar ar para dentro dos pulmões. Ser atropelado por um caminhão teria sido menos doloroso. Olhou para baixo esperando encontrar crateras de patas em seu corpo, mas, para seu imenso alívio, não encontrou nenhuma. Parecia que todas as suas partes vitais estavam intactas. Rolou para cima das mãos e dos joelhos e só conseguiu levantar-se na terceira tentativa. Cambaleou até a porta e encontrou a cadela acocorada aos pés de Isabella. Mesmo sentado, o animal era o dobro da menina de 5 anos, embora a olhasse com adoração. Isabella estava de novo abraçada a seu pescoço, e olhou para Jack com uma alegria que lhe partiu o coração. Conhecia aquele olhar. — Não vamos ficar com ela — disse decidido. — Ela tem dono, e não somos nós. Para sua surpresa, Isabella não reagiu com um ataque de raiva, só continuou a olhá-lo com aqueles olhos verdes inocentes e aquele sorriso radiante. Sua covinha deu uma piscadela sapeca. — Não sabemos quem é o dono dela, Isabella — Annalise reforçou. — A coitadinha deve estar perdida. — A "coitadinha" provavelmente foi expulsa quando ficou do tamanho de um bebê elefante e começou a destruir a casa — Jack resmungou. Não devia ter dito isso. Annalise olhou para ele horrorizada. — Expulsa? Acha que foi abandonada de propósito? Isabella abraçou com mais força a cadela, que respondeu com um gemidinho patético que estremeceu as janelas do bangalô. No dia em que resolvesse latir, o teto desmoronaria sobre suas cabeças. Olhou apreensivo para sua sobrinha. — Talvez alguém esteja tentando desesperadamente encontrá-la. Vou ligar para a sra. Westcott e perguntar se sabe quem é seu dono. — Sra. Westcott? — Annalise perguntou. — A governanta de Taye. — Hora de controlar a situação antes que fosse longe demais. Olhou com firmeza para sua sobrinha. — Desista, querida. Não vamos ficar com o cachorro. Ela tem um certificado de vacinação, o que significa que pertence a alguém. Tenho certeza de que estão desesperados para encontrá-la. Annalise interveio pegando no braço dele. — É um animal lindo — ela comentou. Sem dúvida, era seu modo de acabar com o impasse entre tio e sobrinha. — Gosto das listras. Parece um tigre. — Chama-se pelo tigrado — ele explicou de má vontade. Annalise continuou a olhar para a cadela, sem dar mais nenhum sinal de medo. Nada bom. — Qual será o nome dela? — ela se agachou junto a Isabella. — Se não tiver dono podemos lhe dar um nome. Isabella concordou prontamente e a cadela demonstrou sua aprovação lambendo 40


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sua sobrinha e depois sua babá e futura,esposa prestes a ser estrangulada. — Nada de nome! — ele protestou. Podia ter poupado seu fôlego. Foi ignorado. As três fêmeas começaram um ritual que envolvia o cachorro em posição de esfinge, enquanto Isabella e Annalise o acariciavam da cabeça ao rabo. Ela choramingava numa gratidão patética enquanto revirava os olhos na direção dele. Jack podia jurar que viu uma risada convencida disfarçada. Oh, sim. Uma risada maliciosa. Sabia como derreter um coração. — O cara que paga as contas é que merecia ser mimado — ele resmungou. — Mas, não, tenho que bancar o vilão. Sei como essa história termina, comigo na casa do cachorro, enquanto ela recebe todo o carinho e atenção. Sem essa. — Qual a raça dela? — Annalise perguntou. Ninguém o estava escutando ou pelo menos desenvolveram audição seletiva. Cedendo ao inevitável, examinou o animal. — Dinamarquês. E a julgar por sua anatomia e as orelhas caídas, não ficaria surpreso se for misturada com mastim. — Bem, seja lá o que for, é linda — Annalise respondeu levantando-se. Ele tomou de volta seu celular e ligou para a casa principal. A sra. Westcott atendeu ao primeiro toque. — Temos uma visitante — explicou após trocarem cortesias. — Tem quatro patas, é do tamanho de um carro blindado, e está meio faminta. — Vocês a viram? Graças a Deus. O Controle de Animais tentou pegá-la a semana inteira. É inteligente essa fêmea. Olhou para a cadela em êxtase que esfregava as costas no chão, feliz com sua barriga sendo coçada, com as patas enormes para o alto. — Bem, sua fêmea inteligente está esparramada no meio da sala do bangalô. — Oh, sr. Mason. O senhor é bondoso em abrigá-la... — Não! Eu não... — Estava tão preocupada com ela. Estava chegando no trabalho quando vi um grupo de rapazes a botarem para fora do carro como se fosse lixo, pobre criatura. Graças a Deus vai ter um lar. — Só se alguém for louco de adotá-la. Pode ligar para o Controle de Animais? — Com essa pergunta, três pares de olhos furiosos o fuzilaram. A sra. Westcott fez um ruído desaprovador. — Que foi? — ele respondeu na defensiva. Em resposta, Isabella se jogou em cima da cadela para evitar que a levassem. Não se incomodou em explicar que seria preciso um guindaste para remover o animal se ele não quisesse cooperar. Annalise umedeceu os lábios que lhe deram grande prazer no beijo da noite anterior. Se não tivesse cometido tal gesto, seu cérebro permaneceria no lugar, em vez de vazar pelas orelhas e formar uma poça no chão. — Talvez devêssemos conversar antes que tome uma decisão precipitada. — Não foi uma sugestão, na verdade pareceu uma ordem. — Qual o problema de ficarmos com ela até encontrarmos seus donos? — É sua nova babá? — a sra. Westcott perguntou. — Parece ser uma mulher sensível. Com três mulheres contra um homem, quatro, com a cadela, Jack estava em 41


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desvantagem. — Nunca tomo decisões precipitadas. E como sou eu quem está no comando aqui, acredito que isso me qualifica a decidir se é ou não apropriado ligar para o Controle de Animais. A sra. Westcott bufou. — Seria só por um dia — Annalise afirmou, soando autoritária demais para uma subalterna. — Dois, no máximo. — Há um jeito simples de resolver isso — Jack disse. Agradeceu à governanta pela ajuda e fechou cheio de decisão o celular antes de ir verificar a etiqueta de vacinação. Ali constava o número de telefone da clínica onde a vacina foi aplicada. Ligou e em alguns minutos já falava com o veterinário. — Sei a que animal se refere. Um dinamarquês misturado com mastim — o veterinário disse, confirmando o palpite de Jack. — Chama-se Madame. Ela é... ou, pelo que diziam, foi mascote de uma fraternidade de universitários. Não tinham permissão para ficar com ela. Aparentemente, apostaram em um jogo quem ficaria com ela. O rapaz que perdeu foi quem a trouxe. Presumo que seus pais tenham insistido antes de aceitá-la em casa. — Teria seu nome ou número de telefone? — Tenho. O sobrenome "Zur" e o primeiro nome "Lou" soam familiares? — Lou Zur? — Jack suspirou. — Loser, perdedor? — Oh, esses estudantes. Isso me enche de esperança no futuro deste país. Pode checar o número de telefone que deixou, mas provavelmente deve ser de um bar ou clube de strip-tease. Meu palpite é de quando o garoto chegou em casa com Madame, seus pais mudaram de idéia sobre ficar com ela. Abandonar o cachorro deve ter sido a brilhante solução que encontrou. Queria poder dizer que seu comportamento é exceção, mas se visitar um abrigo de animais verá que não. — Há alguma outra informação que possa me dar? — Jack perguntou. Ouviu ele remexer uns papéis. — Madame tem cerca de 2 anos e meio, excelente saúde, e está com todas as vacinas em dia. — Obrigado por sua ajuda. — Se planeja adotá-la, posso mandar por fax seus registros médicos. — Aviso, se for o caso. — Desligou e praguejou consigo mesmo. Virou-se e viu o brilho de esperança nos olhos de Isabella e Annalise. Devem ter deduzido pelo pouco que ouviram que nada tinha ido bem. Melhor, tinha ido muitíssimo bem... para elas. — O nome dela é Madame. — E o dono? — Annalise perguntou. — O veterinário tinha alguma informação? Não teve escolha. Revelou os fatos em frases curtas e então deu seu veredito final. Era a única escolha lógica, e foi taxativo em sua decisão, sem admitir exceções nem escapatória. E usou seu tom de voz mais intimidador, aquele que deixava seus funcionários tremendo. O tom que fazia seus vice-presidentes e executivos correrem para obedecer. E que ninguém ousara desafiar abertamente durante a década que levou para erigir seu império. 42


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— Vamos levar essa cadela para o abrigo. Fim de conversa. Annalise nem piscou, muito menos tremeu. E não houve o menor sinal de agitação. Em vez disso, olhou na direção de Isabella antes de cruzar os braços numa atitude desafiadora. — Acho que deveríamos considerar ficar com Madame. Pode ajudar em certas questões de adaptação. Annalise não entendera? Jack não discutia com empregados. Um falava, todos obedeciam. — Ajudar de que modo? Destruindo a casa? Assustando meus vizinhos? E se ela afugentar Sara e Brett? Mal consigo manter uma babá, agora também querem me privar de minha governanta e de meu assistente? — Tenho certeza de que vão se apaixonar por Madame. — Ao lado dela, Isabella aquiesceu prontamente. — Além disso, cuidar de um cachorro vai ensinar sua sobrinha a ter responsabilidade. — Annalise baixou a voz, cravando o último prego em seu caixão com uma súplica rouca. — E talvez isso a ajude com seu sofrimento. — Você... Eu... — Ele trincou os dentes. — Sabe muito bem que essa não é uma conversa para termos na frente de Isabella. — ele disse. — Besteira. — Oh, você vai ouvir umas besteiras assim que estivermos sozinhos. — Não acho sensato deixar Isabella sozinha com Madame — Annalise argumentou com um olhar travesso que destoava de sua expressão recatada. — Não até estarmos certos de que é seguro. — Exatamente. — Ele aproveitou a deixa. — Esse animal é muito grande. Poderia machucar Isabella acidentalmente. — Madame tem sido bem gentil. Protetora até. E se foi criada num alojamento, está acostumada com gente jovem. — Não sabemos se essa vira-latas é domesticada. Olha o tamanho dela. Caso não saiba, há uma distinta correlação entre o tamanho do animal e o de seu c... — O olhar de advertência de Annalise o fez parar. — Chocolate. Para não falar nas piscinas de xi... Droga... — Ele queria arrancar o próprio cabelo pela raiz. — De refrigerante. Quem vai limpar isso tudo? Seus olhos cor de mel estavam com um'brilho divertido. — Vamos nos assegurar de que Madame saia bastante para que não deixe acidentalmente nenhum rastro de chocolate ou refrigerante pela casa. — E outra coisa. Quem vai levá-la para passear? Vamos precisar de um caminhão particular para coletar tudo que ela deixar pelo caminho. — Existem utensílios apropriados para esse tipo de coleta. Vamos conseguir. — É um cão difícil de controlar. Moramos na cidade. Se escapar de casa pode danificar um carro, derrubar um poste ou confundir um guarda com um brinquedinho mastigável. Ou... devorar alguns turistas. Não que isso fosse tão ruim. Isabela deu uma risadinha. Aquele era o som mais agradável que já ouvira. — Ela não cabe no Jaguar — acrescentou debilmente, lutando para não amolecer com aquele risinho doce. — Vai derrubar os móveis. A casa é cheia de antigüidades. Vai cavar buracos até a China no meu jardim, Isabella pode cair neles. Isabella não fala 43


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chinês. — Ela não fala nada. — Annalise obervou. — Talvez Madame possa ajudar a mudar isso. Ele não permitiria que essa esperança o influenciasse. — E os latidos? Sabe quanto vai custar para substituir os vidros que seus latidos quebrarão? — Sei que pode pagar — O olhar que ela fez poderia derreter até mesmo seu coração de pedra. — Por favor, Jack, podemos ficar com ela? Sua sobrinha largou a cadela, foi correndo até ele, e se abraçou às suas pernas. — Ah, droga — ele resmungou. — Então temos um cachorro? — Annalise perguntou. — Isso não é um cachorro. — Elefante... cachorro... fábrica de chocolate e refrigerante... — Ela encolheu os ombros. — Ela é nossa? Ele suspirou. — Não tenho escolha. Parece que acabamos de adotar uma Madame.

CAPÍTULO SEIS

Olhando em retrospecto, Jack percebeu que a chegada de Madame em suas vidas mudou muita coisa. Para seu alívio, descobriu que era domesticada, mas também uma desastrada. — Vou ter que pagar uma fortuna em consertos a Taye — reclamou com Annalise enquanto varria a última devastação de Madame. — Esse rabo dela é uma arma letal. — Você não me engana, Mason — Annalise respondeu. Segurou a pazinha para ele e jogou os restos do abajur na lixeira. — Admita que adora Madame. Olhou para o sofá da sala, onde Isabella e a cadela estavam aninhadas uma à outra. — O que adoro é a mudança de Isabella desde que Madame chegou. Ficou angustiado ao ver lágrimas brotarem nos olhos de Annalise. — Ela desabrochou, não foi? — Oh, sim. — Queria ter sido ele a causar uma mudança tão notável em sua sobrinha, mas o importante era a recuperação de Isabella. — Coloquei meu detetive particular atrás dos garotos que a abandonaram. Quando encontrá-los, pretendo explicar o erro de sua atitude em termos que nunca esquecerão. — Ótimo. — Ela fez uma inesperada expressão impiedosa. — Não conseguiria 44


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providenciar para que fizessem serviço voluntário no abrigo animal local? Talvez isso ensine a lição. — Confie em mim. Vou encontrar um modo para que aconteça. Agora, o que tenho que fazer é impedir esse desastre de quatro patas de botar minha casa abaixo. Ela mordeu o lábio inferior e franziu a testa. — O que vai fazer? — Já fiz. Pedi à Sara para guardar a maioria dos móveis e antigüidades em um depósito por enquanto. Annalise lhe deu um olhar estranho. — Gerações de antigüidades Mason? Colocou-as em um depósito para que Isabella possa ter um cachorro? — Isso vai melhorar as coisas. O lugar não é apropriado para crianças, muito menos para cachorros. Deveria ter feito isso quando Isabella veio morar comigo. — Ele pegou a lixeira e levou para a cozinha. — Lembro-me de andar nas pontas dos pés quando minha avó morava lá, com medo de respirar mal e quebrar um Luís Enésimo qualquer ou um Pré-colombiano Americano insubstituível. Uma menina pequena não pode viver assim. — Não. — Annalise concordou, com um sorriso tímido no rosto. — Obrigada por colocar os interesses dela na frente. — Claro que sim — ele respondeu ofendido. — Achou que eu não colocaria? — No início, talvez! — Ela encolheu os ombros. — Você tem uma reputação que não dá a imaginar que toleraria os caprichos de uma criança. Admito que fiquei preocupada quando li que ficou com a guarda de sua sobrinha. Ele se enrijeceu. — Ficou? Annalise dever ter notado que seu comentário não foi dos mais delicados. — Sentiu que era seu dever assumi-la, não foi? Ele não poderia negar. — Foi. Viu que ela escolhia as palavras com cuidado. — Outra pessoa em seu lugar poderia achar que dar um lar à Isabella cumpria essa obrigação. Um homem mais insensível a deixaria nas mãos de uma babá e retomaria normalmente seu trabalho. Um vento gélido atravessou a alma dele. — A maioria dos que me conhecem me descreveriam como esse tipo de homem. É como meu pai me educou para ser. — Por que Annalise não conseguia enxergar? Não sentia sua frieza, sua total incapacidade de amar? — O que a faz pensar que não sou assim? Ela sorriu e seus olhos se iluminaram. — Tive a oportunidade de conhecer você. No pouco tempo que passamos juntos já vi que não é esse tipo de homem. — Está errada. Sou exatamente esse tipo de homem. — Precisava fazê-la encarar a realidade e ver quem ele era. — Foi por isso que contratei você. Queria alguém para cuidar de minha sobrinha e me deixar livre para continuar a viver minha vida. Annalise 45


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não deu importância à sua confissão. — No início, talvez, mas mudou de idéia assim que pôs os olhos em sua sobrinha. Está feliz em ter um papel ativo na vida de Isabella. — Estou? O sorriso dela se alargou. — Está, não está? E me disse que vai fazer de tudo para manter sua custódia. Por que acha que está fazendo isso? Porque tem o coração mole. — Isso é mentira. Retire o que disse. — Claro, sr. Mason. Retiro sim. Afinal de contas, não passa de um homem que assumiu sua sobrinha quando ela não tinha mais ninguém, ausentou-se de uma empresa multibilionária para passar um tempo com ela, adotou um cachorro abandonado e esvaziou a casa para acomodar a sobrinha e o cachorro. Nunca conheci alguém tão egoísta. — Sou o próprio. — Então me diga, sr. Egoísta. Há algo que não faria por Isabella? — Não. — Hora de virar a mesa. — Há algo que você não faria? — Como assim? — Um dia desses, vou lhe pedir um favor que vai ajudar minha sobrinha. Quero ver o que vai responder quando esse dia chegar. Ela não hesitou. — Isso é fácil. — Ele ficou surpreso com seu olhar determinado. — Também vou fazer o que for preciso. Ele aquiesceu satisfeito. — Boa resposta. E saiba... — Ele se recostou. Sem conseguir se controlar, roçou seus lábios nos dela. — Que pretendo fazê-la cumprir essa promessa.

Os dias remanescentes no bangalô adquiriram um tom surreal. Como Jack avisara, a cadela quase destruiu a casa. Em poucos dias ganhou peso o suficiente para esconder suas costelas, embora Jack suspeitasse que fosse por causa das guloseimas que Isabella e Annalise lhe davam assim que virava as costas, Os dias passaram voando, exaustivos, animados e cheios de riso e diversão. Nunca vira Isabella tão solta, embora ainda se recusasse a falar. Com Annalise e Madame lhe servindo de mãe, ela recuperou um pouco de sua vida. Não estava de fora. Coma mesma freqüência que sua sobrinha podia ser encontrada nos braços de Annalise ou montada nas costas de Madame, também aninhava-se em seu colo. Esperava que esse ambiente familiar a ajudasse a curar seu sofrimento, como ajudara a curar o dele. O tempo que passavam juntos parecia estar fazendo diferença, mas ainda percebia uma tristeza subjacente que não sabia como aplacar. Como se percebesse seu estado emocional, Madame veio correndo descansar a cabeça sobre seus joelhos e oferecer lambidas confortadoras, enquanto Annalise os observava com seu sorriso radiante. Aquele sorriso o fez desejar algo mais. Algo que completaria a união de sua família. E o verdadeiro avanço aconteceu numa manhã pouco antes do dia programado para partir. O sol tinha acabado de raiar quando a porta de seu 46


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quarto foi escancarada e no instante seguinte sua cama lotara com cachorro, sobrinha e um livro enorme que o atingiu em cheio no queixo enquanto Isabella se aconchegava a seu lado. — Baby Belle? — perguntou sonolento. — Algo errado? Isabella enfiou o livro nas mãos dele e deu um tapinha, piscando para ele com seus cílios longos. Sua covinha apareceu. Madame colocou a cabeça num dos travesseiros, bocejou e voltou a dormir. — Quer que eu leia para você? A menina fez que sim e apoiou a cabeça em seu peito. Seus cachos, ainda emaranhados pelo travesseiro, eram macios. Jack teve uma súbita lembrança. — Isso é... cama familiar, não é? — ele perguntou. A menina confirmou e deu outro tapinha no livro. Antes que conseguisse se recompor para ler, ouviu Annalise ir na direção do quarto de sua sobrinha. — Isabella? Madame? Ei, cadê todo mundo? — Estamos aqui — ele a chamou. Annalise apareceu na porta com os cachos tão despenteados quanto os de Isabella. Ela se deteve ao vê-los juntos na cama. — Oh — disse desconcertada. — Estão aqui. O que... estão fazendo? — Cama familiar — ele explicou. — O que é cama familiar? Jack se perguntou se ela nunca vivenciara algo tão maravilhoso. Que infância teve se nunca conheceu o prazer de dividir a cama com seus pais e irmãos? Até ele, que não tinha vínculos familiares íntimos, conheceu por um verão o prazer de compartilhar a cama. — Todo domingo, minha mãe, meu padrasto e Joanne, pegavam jornais e livros, café e suco, e passavam as primeiras horas do dia juntos na cama. — Olhou para sua sobrinha, colada à ele. — Acho que Joanne continuou essa tradição. Annalise deu um sorriso melancólico. — Parece delicioso. — Por que não se junta a nós? Um lampejo de vulnerabilidade traiu sua vontade, e fez Jack pensar em uma criança com o nariz colado a uma vitrine de doces, olhando do lado de fora. Proibida de experimentar aquelas delícias. Conhecia essa sensação, ficara várias vezes com o nariz colado à vitrine. Então a expressão dela desapareceu como se nunca tivesse existido, e Jack ficou admirado com seu autocontrole. — Não acho que seja apropriado eu participar. — Ela encaminhou-se para a porta. — Vou preparar o café da manhã enquanto você e Isabella se divertem lendo juntos. — Pode prepará-lo depois. Agora é hora de cama familiar. — Ele cutucou sua sobrinha. — Não é? A menina aquiesceu vivamente e estendeu os braços para Annalise, que hesitou, dividida entre o desejo de compartilhar algo que nunca vivera e manter um distanciamento profissional. 47


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— Vamos lá, Stefano. Precisamos de você aqui. Jack disse a coisa certa. Seu sorriso radiante quase o cegou ao aproximar-se da cama. Arrastou Madame pela coleira até a beirada da cama para dar espaço à Annalise. Ela entrou debaixo das cobertas, ao lado de Isabella, e os três se recostaram num monte de travesseiros. Jack abriu o livro de histórias e pigarreou. — Era um dia frio de inverno quando a boneca mágica, Nancy, encontrou a próxima menina que precisava dela... — ele começou. Sua sobrinha deu um tapinha nas costas de sua boneca e a abraçou com mais força. — Sua boneca se parece com a do livro. — Annalise demonstrou surpresa. — É uma boneca Nancy? — Quando Isabella confirmou, sua voz assumiu um tom vivaz. — Não é de se admirar que ela seja tão especial. Acha que está aqui para te ajudar, como a boneca da história? Isabella voltou a concordar e apontou para a cadela. — Acha que a boneca mandou Madame para você? — Jack perguntou. Quando sua sobrinha concordou pela terceira vez, com mais ênfase, olhou preocupado para Annalise. — Isso pode ser um problema? — Acho que não. A menos que comece a acreditar que a boneca realiza seus desejos. — E se já acreditar nisso? — Não sei. — Annalise admitiu. — Espero que com o devido carinho e atenção ela gradualmente perceba que não é o caso. Admito que isso está um pouco fora da minha capacidade. Isabella deu um tapa impaciente no livro e Jack se forçou a relaxar e dar um sorriso de desculpa. — Desculpe, esquilinho, me distraí. Quer começar tudo de novo? A hora seguinte voou, terminando mais rápido do que Jack gostaria. Sua cama ficou vazia e fria quando foram se vestir, e decidiu que a partir de então a cama familiar se tornaria um ritual semanal. Seu celular tocou no instante em que Annalise levava Isabella para comer panquecas na cozinha. Verificou quem era e atendeu. — Oi, Derek? E aí? — Desculpe ligar tão cedo, mas acabo de receber um e-mail com o relatório preliminar do investigador. — E? — E a srta. Stefano está limpa... quase totalmente. Ouviu gargalhadas vindas da cozinha e fechou a porta. — O que não está limpo? — Houve um pequeno problema quando estava com 16 anos. A polícia fez uma busca numa festa de aniversário e ela foi notificada por embriaguez. Retiraram seu registro criminal depois dela prestar serviços comunitários. Desde então, tem sido impecável. — Se o registro foi retirado, como conseguiu os detalhes? — Tenho minhas fontes. Não estou minimizando o que ela fez, Jack, mas foi há 48


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muito tempo. A mãe dela tinha morrido dois anos antes e o pai estava no exército. Depois do problema dela com a lei, ele conseguiu ser dispensado e montou um serviço de charter de pesca, acho que para participar mais ativamente da criação da filha. Todo verão mandava-a para a casa de uma tia, uma professora que mora perto de Columbia. Provavelmente foi a influência de Annalise na escolha de sua carreira. — Achou algo que possa preocupar o Serviço de Proteção? — Nada. Duvido que vão fuçar tanto quanto eu. — Houve uma breve pausa. — E então, seu projeto de casamento está indo adiante? — ele perguntou num tom casual demais. — Vai acontecer. — Acontecer... logo, certo? Jack suspirou. Conhecia aquele tom. — Ah, droga. O que sabe que ainda não sei? — Locke está criando confusão de novo. Fiz tudo para que fosse substituída, mas aparentemente é insubstituível. — Quanto tempo tenho? — Vamos ver... Se você e sua futura noiva preencherem um requerimento de casamento hoje, podem estar casados em 24 horas. O que acha? — Caramba, Derek. Isso não é logo, é imediatamente. — Imediatamente funciona muito bem para mim. — Bem, para mim não. E garanto que não vai funcionar com Annalise. — Sugiro que encontre um modo de fazer funcionar para você dois. Assim que estiverem oficialmente casados, é provável que eu consiga manter o serviço de proteção à criança afastado por mais um mês, convencendo-os de que vocês merecem um tempo de adaptação conjugal. Precisa casar-se agora para que eu possa insistir em um adiamento. E depois precisam criar uma relação de amor boa o bastante para passar pelo crivo da sra. Locke. Jack fechou os olhos e passou a mão pela nuca. — Vou tentar. — Faça mais do que tentar. Jack passou o resto do dia considerando que argumentos apresentar à Annalise. Desde uma declaração de amor eterno, o que a faria morrer de rir, até a pura verdade, que ele temia que o deixasse sem noiva e sem babá. Que escolha possuía? Não conseguiria mentir. Estudava-a enquanto colocavam Isabella para dormir. Precisava encontrar um modo de convencer sua babá a concordar com uma proposta de casamento friamente lógica, ainda que aviltante. Mas como? Só havia um modo. Contaria a verdade e esperava que ela tivesse falado sério quando declarou que faria tudo para ajudar Isabella. — Precisamos conversar — ele disse assim que terminaram de botar Isabella na cama. Annalise o olhou preocupada. — Algo errado? Esperou chegarem à sala para explicar. 49


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— Segundo meu advogado, preciso me casar imediatamente para continuar com a guarda de Isabella. Ela ficou chocada. — Oh, Jack, tem certeza? — Toda. Derek teve várias conversas com a sra. Locke e vários membros do conselho. Embora não tenham dito claramente que preciso ter uma esposa, estão preocupados que, por causa da minha agenda de trabalho, eu não seja a melhor pessoa para educar Isabella. Levantaram até a possibilidade de colocá-la em uma casa de tratamento. Não vou deixar isso acontecer. Vou lhes apresentar uma esposa aceitável que possa dar a atenção que Isabella precisa quando eu estiver ausente. Annalise o olhou espantada. — Com quem vai casar? Isabella a conhece? Ela gosta dela? — Ela a adora. Isso a animou. — Oh. Isso é bom. Nem sei o que dizer — ela acrescentou debilmente. — Parabéns? — Ela ainda não aceitou meu pedido. — Espera aí. Esse é seu modo de dizer que não precisa mais dos meus serviços? — Pareceu ficar arrasada. — Sua esposa, supondo que ela aceite seu pedido, vai tomar conta de Isabella o dia inteiro? — Sim e não. Ainda preciso dos seus serviços. — Jack capturou um cacho de cabelo que escapara e o usou para puxá-la. — Com uma atribuição levemente diferente. Espero que considere isso uma promoção. Ela logo somou dois mais dois e pareceu chocada. — Não pode estar pensando que eu... — Ah, posso e estou. Srta. Stefano, apreciaria muito se considerasse trocar sua posição, de babá pela de esposa. As pernas dela fraquejaram e sua salvação foi o sofá. — Não pode estar falando sério. — Estou. Disse que faria tudo para manter a guarda de Isabella e lembro de você ter dito algo parecido. Sei o quanto falei seriamente. E você, falou sério? Os olhos dela queimavam com uma dor intensa que atingiu em cheio sua alma. Jack aceitou o rancor, não tentou se defender. Merecia ser queimado pelo que iria fazer. E sem dúvida seria. — Oh, Jack — ela sussurrou. — Como pôde? Segurou-lhe as mãos e a fez se levantar de novo. — Como já disse várias vezes, vou fazer o que for preciso para continuar com Isabella. Mas também vou fazer qualquer coisa que me peça, dar tudo o que pedir em troca de sua colaboração. Por favor, Annalise. Case-se comigo. — Não. — Ela balançou a cabeça. — Não posso. Tudo menos isso. — Já é casada? — O detetive teria descoberto evidências de um marido. — Claro que não. 50


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— E disse não estar envolvida com ninguém. — Não estou. — Então é uma objeção de ordem moral. Ela lhe deu um olhar desamparado. — Você não entende. Jack levantou o rosto dela, de modo que suas bocas se encontraram, soltando faíscas que ele não ousou permitir que pegassem fogo. — Então me explique. Ela precisou de um instante para conseguir responder. — Adoro Isabella, sabe disso. Faria qualquer coisa por sua recuperação, mas seria errado eu concordar com isso. Por vários motivos. — Seria temporário, Annalise. Assim que o conselho encerrar o caso, vai estar livre para partir quando quiser. Vou providenciar para que receba todo o apoio necessário. — Dinheiro, quer dizer. Vai me pagar para ser sua esposa. Jack nunca foi considerado um homem encantador, então nem se incomodou em fazer tal papel. — Acho que se chama pensão alimentícia, mas se prefere chamar de salário, como o que recebe para ser babá de Isabella, tudo bem. — Para mim não está tudo bem. — Por causa do dinheiro ou por considerar errado? — Não sei. — Sua voz falhou e ela cobriu o rosto com as mãos. — Simplesmente não sei. — Olha, não estou pagando por sexo. Se escolher compartilhar minha cama será por estarmos atraídos um pelo outro. Considere isso como um casamento às antigas, arranjado. Sou um homem com uma filha, em busca de uma esposa e mãe. É uma mulher com objetivos profissionais que podem ser mais facilmente alcançados através do casamento. Annalise inclinou a cabeça e Jack aguardou que ponderasse as opções. — Uma vez meu pai me disse que ser pai solteiro era a tarefa mais difícil que já teve. Achava que não tinha feito um bom trabalho. Morria de culpa. — Ela finalmente disse. Jack aproveitou-se de sua confissão, sentindo ódio de si mesmo enquanto falava. — Não vou sentir esse tipo de culpa se casar comigo. Ele viu seus olhos encherem-se de lágrimas. — Quanto tempo? — ela sussurrou. — No máximo uns dois anos. — E depois espera que eu simplesmente vá embora? — Iria embora de qualquer jeito, lembra? — ele observou suavemente. — Concordou com um contrato de dois anos, enquanto faz seu mestrado, e então iria ser professora. Ela olhou na direção do quarto de Isabella com uma ponta de pânico nos olhos. — Esse emprego é temporário. — Disse como se lembrasse a si mesma. — Sei 51


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disso. — Só estou sugerindo que passe esses dois anos como minha esposa, em vez de babá de Isabella. Pela primeira vez seu autocontrole a abandonou, deixando-a indefesa. — Não vai ser fácil partir. Teremos nos apegado uma a outra. — Não vou separar vocês. Passei por isso, lembra? Não faria isso com minha sobrinha, nem com você. Vou fazer essa transição o mais suavemente possível. Isabella vai poder ver você quando quiser. As lágrimas dela escorreram por seu rosto. — Eu não deveria me apegar. — Vai acabar tudo bem. Tem minha palavra, mas tudo será em vão se o conselho tirar Isabella de mim. Por algum motivo, fazê-la lembrar disso surtiu mais efeito do que qualquer outra coisa. Enxugou as lágrimas. — Ela precisa de você. Quero fazer todo o possível para consolidar sua relação com ela. Por isso aceitei o emprego. — Então case-se comigo. Juro que não vai se arrepender. — Vou sim. Provavelmente vou me arrepender disso pelo resto da vida, mas não tenho escolha. A primeira vez em que a viu, achou que seus olhos refletiam sabedoria e vulnerabilidade, mas nessa noite também revelavam uma dor profunda. Sentiu que Annalise sofrerá no passado, até mais do que ele. Queria conhecê-la, penetrar naquela dor e descobrir seus segredos mais bem guardados. Como se intuísse seus pensamentos, sua expressão se esvaziou e ela deu um passo para trás. — Muito bem, Jack. Aceito sua proposta. Vou me casar com você e fazer tudo para convencê-los a lhe dar a guarda de sua sobrinha. Jack se aproximou, recusando-se a deixar que o repelisse. O casamento podia ter sido decidido de modo frio, mas não precisava continuar assim. Pegou-a pela cintura e sentiu sua maciez, seu calor delicioso. — Não — ela pediu. — Não dá para lidar com tudo isso. — Lidar? — Ele ergueu uma sobrancelha. — Ou controlar? — Os dois. — Então relaxe. Eu cuido de tudo. Jack a beijou. Foi um beijo simples, mas que criou uma intensa explosão de prazer. Annalise lutou por um instante, mais contra si mesma do que contra ele, e então passou os braços por seu pescoço e entregou-se ao desejo. Desejou estar beijando-a pelo bem de Isabella, mas era mentira. Queria-a toda. Queria tudo, dar felicidade à sua sobrinha e acordar ao lado daquela mulher todos os dias. Infinitos domingos de cama familiar estendiam-se diante dele. Sua cama lotada com criança, cachorro, marido e mulher. Era uma vida que nunca tivera. E que faria tudo que fosse preciso para construir.

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CAPÍTULO SETE

A cerimônia de casamento aconteceu dois dias depois. Foi uma luta convencer Annalise de que um vestido tradicional e um smoking eram necessários. Quando Jack sugeriu, ela o olhou horrorizada. — Deve estar brincando. — Nem um pouco. Precisamos ser convincentes. Infelizmente, meu nome vai gerar notícia. Nosso casamento vai ser notícia. Pretendo tirar vantagem disso. Quero que a mídia inteira mostre muitas fotos nossas com roupas tradicionais de casamento. Quero que todos os artigos falem com entusiasmo sobre o romance entre o bilionário impiedoso e a adorável babá que conquistou seu coração. Ela empalideceu. — Meu pai. Ele nem sabe que trabalho para você. O que vou dizer sobre nosso casamento? — Que foi amor à primeira vista. — Papai nunca vai acreditar nisso. — Por que não? — Ele me conhece. Sabe que não me apaixonaria por alguém como você. — Alguém como eu? — Imaginou se soou tão ofendido quanto se sentia. — Rico, poderoso. — Ela o olhou com impaciência, recusando-se a demonstrar nervosismo com sua reação. — Foi rápido demais. Sou uma pessoa cautelosa. — E o que isso significa? — Uma vez me disse que seu pai te ensinou a fazer tudo para atingir seus objetivos. O meu me ensinou a não tomar decisões precipitadas. Assim como preza seu lema de família, prezo o meu. Meu pai sabe que não me casaria com alguém que conheço há algumas semanas. — Então vai ter que convencê-lo de que abriu uma exceção. Ela virou de costas e ele não pôde ver sua expressão. — Papai aceitou ser capitão de um charter no Caribe no verão. Vai demorar um pouco para conseguir localizar seu barco e mandar uma mensagem. É algo que precisa ser feito pessoalmente. Vou fazer o possível para convencê-lo de que nossa relação é de amor, mas sugiro que providenciemos uma história alternativa. Garanto que vamos precisar. — Ela encarou Jack de novo e escondeu qualquer vestígio de emoção por detrás de uma expressão calma. — Como seu pai vai reagir a nosso casamento? — Vamos descobrir quando sair nos jornais. Seu ar calmo evaporou. — Não vai contar? Ele sorriu. — Confie em mim. Vai ser mais divertido se fizermos do meu jeito. 53


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Jack não lhe deu tempo de argumentar e a levou junto com Isabella até uma pequena butique exclusiva. Instruiu ao dono que vestisse sua futura esposa com o vestido mais romântico que tivesse e que providenciasse algo combinando para sua sobrinha. O cheque em branco que lhe ofereceu para garantir que tudo fosse feito a tempo, garantiu a satisfação de ambas as partes. Divertiu-se ao ver que deixou Isabella contente e Annalise mal-humorada. Na manhã seguinte, Derek o surpreendeu ao aparecer em sua porta acompanhado de Taye. — Que diabos...? — Jack cumprimentou os amigos com um sorriso largo. — Que recepção calorosa — Taye disse. — Voei de Cingapura até aqui... — Pensei que estivesse em Paris. — Isso foi no mês passado — Taye parou de falar e seu rosto angelical assumiu uma expressão brincalhona. — Não poderia perder seu casamento, não é? Jack olhou para Derek. — Contou para ele? — Sobre o casamento, sim. — Sobre o motivo, não — Taye acrescentou com um descaramento possibilitado por uma velha amizade. — Mas posso adivinhar. Deve ter algo a ver com Isabella e o conselho tutelar, certo? Jack ia concordar, mas por razões que não ousou analisar, hesitou. — Isabella é parte do motivo — admitiu. Não saberia explicar sua relutância em entrar em detalhes, mas suspeitou que tivesse a ver com Annalise. Embora Derek tivesse redigido o acordo pré-nupcial que especificava cada detalhe de seu casamento, Jack quis proteger sua noiva dos dois amigos, o que lhe pareceu um pouco absurdo. Mesmo assim, não queria que pensassem que estava se casando por dinheiro, pois sabia que não era verdade. Assim como ele, só estava priorizando Isabella, e esse fato tinha que ser protegido e celebrado. — Ora, ora. Quem diria? — Derek disse. — O quê? — Jack perguntou defensivamente. — Que o grande Jack Mason ficaria de quatro pela babá. — Não enche, Fletcher. Não é nada disso. Taye pareceu intrigado. — Acho que é exatamente isso. Não duvido que seja em parte por Isabella, mas acho que sente algo por sua futura esposa. Por que diabos ela vai se casar com você, Mason? Jack encheu-se de raiva. — Se vão continuar com essa atitude, podem me ajudar no dia do meu casamento indo embora. Taye deu um risinho. — Oh, agora, definitivamente, vejo uma atração. — Sabe... — Derek o interrompeu. — Taye levantou um ponto interessante. Pensei que ela estivesse se casando pelo motivo óbvio. — Ele e Taye se olharam e falaram juntos. — Dinheiro. — Acha que não é isso? — Taye perguntou. 54


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— Rapazes... — Não tenho tanta certeza. Quando a conheci ontem, não li "caça-níqueis" em sua testa. Jack perdeu a paciência. — É porque ela não é. — O que nos leva de volta ao ponto de Taye. Por que ela está se casando com você, Jack? Por Isabella? O que faria uma mulher sacrificar dois anos de sua vida por uma criança que mal conhece? — A menos que fosse por dinheiro. — Taye voltou a sugerir com cinismo. Mas ele tinha seu motivo, Jack sabia muito bem. Vivera isso na própria pele. — Se não for pelo dinheiro... — Taye deixou a questão no ar. — Annalise se importa com Isabella. Tanto quanto eu. Planeja fazer mestrado nos próximos dois anos, e essa é uma oportunidade perfeita de construir seu futuro enquanto ajuda Isabella. Isso soou estranho para seus próprios ouvidos. Como se percebessem sua preocupação, seus amigos mudaram de assunto. Jack mal ouvia. Tinha que admitir que seu plano para enganar o serviço de proteção à criança fora realizado muito facilmente. Bem, sempre dera um jeito de as coisas irem a seu favor. Esse era só mais um exemplo disso, certo? Agora não conseguia deixar de pensar em por que Annalise concordara em casar? Pelo bem de Isabella, como ela alegou? Ou seria por algum outro motivo?

A cerimônia de casamento aconteceu naquela tarde, na serenidade de seu jardim, com Taye e Derek a seu lado. Annalise e Isabella atravessaram o gramado de mãos dadas, enquanto um quarteto de cordas tocava uma música suave e um fotógrafo trabalhava discretamente ao fundo. Sua noiva parou na metade do caminho até o altar para ajeitar o chapéu de Isabella. A luz do sol as envolvia com um brilho dourado. E o coração dele parou. Naquele momento, sua futura esposa era a mulher mais bonita que já vira. Seu cabelo para trás deixava o rosto à mostra e seus cachos caíam soltos sobre as costas. O véu fino estava preso por uma grinalda de ouro e prata, com um detalhe em forma de folha incrustado com diamante que realçava seus olhos vividos. O vestido marfim era perfeito para seu tipo alto e longilíneo, com o corpete justo e uma cauda longa. Parecia uma criatura fantástica de outra era, apesar dele saber o quanto era real. Isabella também usava um vestido marfim com entremeios de renda que combinavam com os detalhes do vestido de Annalise. Sua sobrinha estava parecendo um anjo. Em vez de um véu, ela usava um adorável chapéu de abas largas que emoldurava seu rosto. Cachos castanho-aloirados escapavam pelas abas e balançavam com a brisa suave. A menina transbordava de excitação. Em vez de sua boneca, que raramente não carregava, a menina levava um cesto cheio de rosas marfim e cor de rosa. Então achou graça ao ver que a boneca estava aos pés de uma árvore próxima a ele. Ela vestira a boneca para a ocasião, com um vestido e um chapéu que lhe pareceram idênticos aos de Isabella. As duas juntaram-se a ele sob as flores fucsia de um rosado, e o capelão disse as tradicionais palavras iniciais que logo os tornariam marido e mulher. A cerimônia foi rápida. Num minuto ele era um homem que jurara nunca se casar, no outro estava casado com uma mulher que o olhava tão emocionada que precisou de todo o seu controle para não carregá-la em seus braços para onde pudessem passar as próximas 24 horas a sós. Isso não fazia parte do plano. 55


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Esse casamento não tinha nada a ver com sua noiva, e sim com a menina de pé a seu lado. Era bom lembrar. O capelão interrompeu seus pensamentos ao dizer as tradicionais palavras finais. — Pode beijar a noiva. Jack não precisou de outro incentivo. Segurou o rosto de Annalise e o ergueu. O véu agitou-se como uma bandeira de rendição, enquanto seus cachos balançaram em protesto, mas seus gloriosos olhos cor de mel o olharam cheios de desejo. Teria noção do quanto eles revelavam? Jack duvidou. Se suspeitasse, teria feito tudo para esconder a verdade por detrás da expressão serena a que se agarrava com determinação. Esperava que Taye e Derek não tivessem visto a expressão dela. Era só dele, se recusava a compartilhar com mais alguém. Baixou a cabeça devagar e a beijou. Seus lábios eram quentes e mais macios que as rosas do cesto de Isabella. Pôs as mãos em seus cabelos e os cachos entrelaçaram-se em seus dedos. Annalise suspirou contra sua boca, num som de doce entrega. Daria sua fortuna para não esquecer nunca mais aqueles cheiros, sons e sabores. Momentos assim, todavia, não duravam e seu beijo não foi exceção. Um latido vindo da direção da casa quebrou o encanto e fez o chão tremer sob seus pés. Madame saiu da cozinha e, ao ver os três, fez uma cara de satisfação e disparou pelo gramado. O capelão disse uma palavra que Jack tinha quase certeza que não podia ser encontrada na bíblia e se protegeu atrás da árvore mais próxima. O quarteto agarrou seus instrumentos e correu para o portão do jardim, derrubando umas cadeiras em sua pressa de fugir. Aproveitando a deixa, o capelão também fugiu. Taye, Derek e o fotógrafo não se mexeram. Enquanto seus amigos caíam na gargalhada, o fotógrafo continuou atirar fotos enquanto Madame se juntava às festividades. Com um latido de excitação, Madame saltou sobre Jack fazendo-o cair. Infelizmente, suas mãos ainda estavam presas ao cabelo de Annalise, que caiu ao lado dele, numa confusão de cetim e renda. Isabella se jogou sobre Madame, tentando tirá-la de cima deles. Era como um gatinho tentando conter um alce. Terminou montada nela como se fosse um pônei, com o chapéu caído de lado e as saias levantadas até os joelhos. Ao lado dele, Annalise deixou escapar um soluço. — Está machucada? — Tentou encontrá-la entre todo aquele cetim. — Querida, não chore. Vai ficar tudo bem. Conseguiu afastar o véu e os cabelos, revelando olhos cheios de lágrimas, mas não eram lágrimas de dor ou raiva. Annalise caiu na gargalhada. E então ele também começou a rir. — Muito elegante e tradicional — ele brincou. — Considerando que nossa família não é exatamente tradicional, parece bem apropriado. — Annalise tentou ajeitar suas saias, que levantaram a ponto de mostrar uma tentadora liga de renda e um pouco de sua coxa. — E, odeio desapontá-lo, mas não sou feita para a elegância. Jack lhe deu um beijo breve e arrebatado que a deixou com os olhos brilhando. — Pareço desapontado? — Empurrou a cadela. — Vocês duas estão proibidas de dar guloseimas à Madame. Ela está tão gorda que quando anda parece um pato. E quanto a vocês dois... — O olhar que deu para os amigos só os fez rir mais. — Obrigado pela ajuda. Derek sorriu. — Disponha. 56


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— O prazer foi meu — Taye acrescentou. Jack se levantou e ajudou Annalise a se levantar. Com um comando severo, fez Isabella sair das costas de Madame, que sentou-se calmamente a seus pés. O fotógrafo se aproximou. — Deseja algumas fotos formais? Acho que todas as informais já foram feitas. — Mas estamos horríveis — Annalise protestou. Jack sacudiu a cabeça. — Está linda. Annalise pareceu preocupada. — Você queria que tudo estivesse bonito. Sei o quanto isso é importante. — Vai ficar ótimo. Com alguns ajustes... Passou os dedos pelos cabelos dela para deixá-los em ordem, mas não muito. Gostava do modo como caíam exuberantes por suas costas. Então ajeitou o véu, limpou a grama da saia dela e aquiesceu satisfeito. Isabella puxou a cauda de seu smoking e o olhou com expressão preocupada. — Sua vez? — ele perguntou gentilmente. Ela concordou solene e Jack ajeitou seu chapéu, amarrando-o sob seu queixo. Removeu cada folhinha de grama de seu vestido e então a girou. — Perfeita para a foto — disse satisfeito. Piscou para Annalise e ficou surpreso ao ver lágrimas em seus olhos. Dessa vez não eram de riso. Havia algo de agridoce em sua expressão. Forçou-se a sorrir e juntouse a eles. A meia hora seguinte foi dedicada às fotos. Algumas com Madame, outras sem. Quando terminaram já era noite. Taye e Derek os parabenizaram, apertando a mão de Jack com uma formalidade imponente, e beijando a noiva com entusiasmo demais. — O que vem agora? — Annalise perguntou quando ficaram sozinhos. Não disfarçou muito bem seu nervosismo. — Sara preparou um jantar formal. Achei melhor não irmos para um hotel, Isabella pode ter algum problema, mas chamei a sra. Walters. — Oh. — Ficou fascinado ao ver seu rosto ficar vermelho e voltar ao normal. — Isso é necessário? Jack a olhou nos olhos. — Absolutamente. Annalise olhou para Isabella, que estava sentada sob a árvore com sua boneca. Madame andava em volta dela. — Pensei que meu quarto seria vizinho ao de Isabella e que não precisaríamos mais da sra. Walters. Afinal, é para isso que estou aqui. — Agora é minha esposa. Vamos dormir no mesmo quarto. — Jack, não é um casamento real — ela sussurrou assustada. — Não deveríamos compartilhar o quarto. — É real sim, e vamos compartilhar o quarto e a cama. — Ele pegou sua mão e a puxou para mais perto, mantendo a voz baixa e reconfortante. — O conselho vai perceber se não vivermos como marido e mulher. Assim como Sara e a sra. Walters. Até Isabella vai sentir que há algo errado. Ela é 57


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muito criança para entender o que é, mas quero que se sinta segura. Ter pais que ajam como pais vai ajudá-la nisso. — Nunca discutimos esse aspecto do nosso casamento — ela protestou. — Eu pensei... Ele sorriu. — Pensou errado. — Até que ponto pretende levar isso? — Levar o quê? Ela o olhou apreensiva. — O azul e o amarelo. — Até a mistura — ele respondeu calmamente. — E se não for uma cor tão firme quanto você gostaria. — Você mede as tonalidades, Annalise. Como quiser. A questão é... — Ele lhe deu um beijinho que fez Isabella rir. — O que vai fazer quando um de nós se transformar em verde? O jantar daquela noite passou voando, com muitas risadas e uma comida deliciosa, enquanto a conversa fluía com facilidade. Foi só depois que o tempo se arrastou. Jack se divertiu ao ver Annalise fazer de tudo para prolongar a noite. Ainda com as roupas do casamento, por insistência de Isabella, brincaram até a hora de dormir, quando a sra. Walters foi buscar a menina. Isabella protestou de ter que ir para a cama, mas Annalise interveio com surpreendente firmeza, e Isabella lhes deu um abraço e um beijo relutantes antes de ir. Assim que ficaram sozinhos, Jack pegou sua noiva no colo e a levou para o quarto. — Isso não é necessário — ela protestou. — Não é todo dia que um homem se casa. — Jack, por favor. — Quero levar você. Usou o ombro para abrir a porta da suíte e cruzou o hall antes de colocar Annalise no chão. Ela ficou ali de pé examinando o ambiente num misto de curiosidade e nervosismo. Jack tentou enxergar o quarto através de seus olhos. Os móveis eram robustos, de linhas simples, pintados de dourado escuro. Não eram exageradamente masculinos, embora um pouco austeros. As velas ajudavam, dando ao quarto um ar acolhedor. Sara providenciara uns toques românticos, fazendo um caminho de pétalas de rosa da porta até a cama, assim como sobre o edredom que a cobria. Duas taças de cristal estavam prontas para uso ao lado de um balde de gelo com champanhe. Jack observava a cena com uma insegurança que nunca sentira nos negócios, preocupado com a reação de Annalise. Durante muitos anos, Jack vivera num vazio emocional. Seu pai foi, e ainda era, um desgraçado frio que tratava o filho como pouco mais que uma mercadoria. Sua mãe o deixara, embora não duvidasse que a contragosto. Não que isso tenha mudado aqueles anos solitários de sua infância. E Joanne... Deus, como sentia falta dela. Sobrevivera à sua perda, claro, mas desde o divórcio de seus pais, passou a impor um rígido controle a todos os aspectos de sua vida. Mantinha as pessoas a distância. Não pretendia ser abandonado de novo. Como se intuísse seus pensamentos sombrios, Annalise lhe deu um sorriso hesitante. — É adorável — ela disse. — Parece saído de um conto de fadas.

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Com aquele simples sorriso, o calor voltou a seu corpo e a tristeza desapareceu. Essa era sua esposa. Sua mulher. Não importava o motivo do casamento. Nesse momento pertenciam um ao outro, e ele faria tudo para que essa noite lhe fosse inesquecível. — Fico feliz que goste. — Ele apontou para o champanhe. — Quer uma taça? — Não bebo — ela confessou. Interessante, levando-se em conta o relatório de Derek. — Nada? — Fui detida por embriaguez aos 16 anos. Não me dou bem com bebida. — É um bom momento para confessar que já sabia disso. Ela congelou. — Como? — Tenho um ótimo detetive que checou tudo antes de te contratar. Ele se referiu a isso como um deslize juvenil. — Ele tentava em vão interpretar a reação dela. — Ficou com raiva de ter sido investigada? — Depende de por que fez isso. Ele não hesitou. — Para ter certeza de que era seguro ter você perto de Isabella. Ela pareceu respirar aliviada. — Claro. Visto que estamos casados, presumo que não encontrou nenhum problema. — Com essa única exceção. — Estava intrigado por não conseguir interpretar sua reação. — Quer falar sobre isso? Annalise foi até a janela, que dava para o jardim em que se casaram. Seu vestido farfalhou no silêncio do quarto. Sentou-se no banco sob a janela e suas saias a rodeavam num arco gracioso. O luar entrava pelas frestas da veneziana e a banhava de prata, mas não dava para ver sua expressão. — Não há muito a dizer. Fiquei bêbada. — Acontece com todo mundo, pelo menos uma vez. E quando aprendemos que há um motivo para as leis sobre bebida. — Ele se aproximou dela com muito cuidado, como se ela fosse um animal ferido. — Há algo além disso? — Para ser sincera, não lembro muito daquela noite. Ele a olhou desconfiado. — Alguém se aproveitou de você? Te drogaram? — Não exatamente — ela sussurrou. — Mas perdi minha virgindade. Ficou furioso. — Abusaram de você. Que tipo de desgraçado... Ela o interrompeu. — Ele estava tão sem condições de tomar decisões racionais quanto eu. Pagou um preço alto por isso. — Seu pai descobriu — Jack presumiu. — O dele também. A coisa ficou feia. — Posso imaginar. — Isso explicava muita coisa sobre ela, especialmente seu rígido autocontrole. Sentou-se a seu lado e pegou sua mão. Os dedos dela estavam 59


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gelados. — Por que está me contando isso tudo? — Para que saiba que não bebi mais álcool desde aquela noite. — Ela ergueu o rosto e seu olhar direto o tocou profundamente. — E também nunca mais estive com alguém sexualmente. Ele ficou sem ar. — Nunca? — Não. — Por causa desse erro na juventude? Ela hesitou, como se refletisse. — Não me parecia... sensato. Além disso, nunca fiquei realmente tentada. Até agora. Até esse momento, Jack nunca percebera o quanto a queria, mas não podia tê-la. Não depois do que ela contou. Fora frio por tanto tempo que quis se aquecer com o calor do desejo de Annalise, mas não podia se aproveitar dela como aquele garoto insensível fez. Não faria isso. Lutou pelo controle, pela calma ponderação que antes lhe vinha tão facilmente. — Annalise? — Vai me mandar embora, não vai? — O quê? Não, embora não, só para o quarto ao lado. — Torcia para que dissesse isso. Jack ficou paralisado. Um tapa não teria causado tanto impacto. — Hoje mais cedo estava certa de que era isso que queria — ela prosseguiu. — Mas agora vejo que era só o medo falando. — Medo? — Eu tinha 16 anos, nem me lembro do ato em si, mas do sofrimento me lembro bem. A vergonha que senti quando acabou ainda é uma lembrança bem vivida, para não falar da humilhação dos cochichos durante os meses seguintes. Ele a olhou penalizado. — Sinto muito. — Não tenho mais 16 anos, Jack, meu medo não é lógico, é mais uma lembrança vaga do que uma emoção racional. — Ela deu um sorriso irônico. — Não acha que devo mudar isso? — Tem certeza? — Tenho. Por favor, Jack. Quero substituir essas lembranças por outras. Melhores. Especiais. Ele deu uma risada. — Mas sem pressões, certo? — A maior pressão é a minha própria. — Ela soltou sua mão e deslizou-a desde o braço até o pescoço dele, apertando-o de leve. — Como essa, por exemplo. Ele chegou mais perto e a deixou se encarregar do beijo. Sua boca escorregou até a dele bem de leve, numa vagarosa exploração externa, e finalmente interna, fazendo-o sentir um gosto tão doce que o embriagou mais do que qualquer bebida forte. De repente ela parou. 60


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— E se eu fizer algo errado? — Não há a menor chance disso. — Não? Por que não testamos essa teoria? Annalise puxou as pontas de sua gravata borboleta, que caiu no chão, desaparecendo nas sombras. Um a um, removeu os botões de seu smoking, dispondo-os em linha reta sobre o peitoril. Fazia alguma idéia do que aqueles gestos lentos estavam lhe causando? Precisou de toda a sua força de vontade para deixá-la guiar, em vez de comandar. Annalise virou as mãos dele para abrir as abotoaduras. Primeiro uma, depois a outra, foram juntar-se aos botões. Queria sentir as mãos dela em sua pele. Aquecendo-o. Em lugar disso, ela baixou a camisa dele até os ombros, sem tocá-lo. A respiração dele ficou ofegante. — Anna... — Shhh... Calma. Annalise ficou de pé e tirou o véu e a grinalda. Colocou no banco sob a janela, ao lado dele. O tule e a renda caíam como uma cascata silenciosa ao luar. Sem nunca tirar os olhos dele, abriu o zíper lateral do vestido. Pouco a pouco, o cetim foi descendo e revelando sua pele dourada pelas semanas na praia. O vestido escorregou até o chão e ela saiu de dentro dele e das anáguas volumosas, ficando diante dele com um bustiê de renda. Jack se recostou na janela com um gemido. Vira de relance sua cinta-liga quando Madame os derrubara, mas não estava preparado para isso. — Deixe-me fazer o resto — ele disse. Não esperou ela concordar, levantou-se e a beijou, dizendo sem palavras como a achava linda. E então foi descendo, venerando-a com sua boca, língua e dentes. Virou-a de costas, jogou seus cachos cor de ébano para frente de seu ombro e abriu o sutiã, expondo a elegante extensão de sua espinha. Traçou um caminho com os dedos desde sua nuca até as nádegas. Provocando-a com carícias suaves, terminou de despi-la até estar coberta apenas pela luz prateada que entrava pela janela. Soltou os cabelos e seus pesados cachos caíram até a cintura. Então ela o olhou por cima do ombro, e ele pôde apreciar a adorável curva de seu seio. — Por favor, Jack — ela sussurrou. — Faça amor comigo.

CAPITULO OITO

Sem dizer uma palavra, Jack a carregou em seus braços até a cama e a deitou sobre o edredom de cetim, cujo vermelho em um rico tom rubi era um complemento perfeito para seu cabelo e sua pele. — A nudez lhe cai bem. Ela riu e corou levemente. — Desconfio que também vá lhe cair bem. — Ela ergueu a sobrancelha. — Ou vai fazer amor de calças? 61


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Tirou o resto de sua roupa seguindo o mesmo processo que ela usou, apesar da pressa de tê-la em seus braços. Queria ir devagar em direção ao momento em que se tornariam um só. Construir as lembranças pouco a pouco. Quando terminou de se despir, Annalise apoiou-se sobre os cotovelos. — Jack... Acabo de começar a tomar pílula, mas ainda não é eficaz. Acho que devia ter contado antes. — Vou cuidar de tudo. E cuidou rápido do assunto, pegou na gaveta uma camisinha e juntou-se a ela na cama. A luz das velas iluminava as curvas do corpo dela e formava sombras em suas reentrâncias. Jack passou o dedo na pontinha sombreada de seu seio e a observou desabrochar sob seu leve toque. — O que devo fazer? — Annalise perguntou. — O que quiser. Nada será errado. — Mostre do que você gosta — ela insistiu. Jack segurou-lhe a mão e a guiou até seu peito, pressionando-a perto de seu coração. Os dedos dela dançavam em sua pele. Cada toque seu derretia o gelo. Onde antes era frio, passava a ser quente. Jack deitou e se entregou. Deleitava-se em observar seu prazer sem disfarces e sua curiosidade. Pouco a pouco suas inibições cederam e seu toque tornou-se mais decidido. Ela passou as mãos por todo seu corpo, e ele fechou os olhos, tentando manter o pouco controle que lhe restava. Era a primeira vez dela, lembrou a si mesmo, sua primeira lembrança de estar com um homem, de satisfazer seu lado sensual e de explorá-lo como bem entendesse. E queria que fosse perfeito. Quando ela o levou ao seu limite, Jack a deitou de costas, presa em seus braços. — Jack — Annalise sussurrou com a voz cheia de emoção. — Faça amor comigo. Ele não conteve um sorriso. — Estou trabalhando nisso. Ela riu. — Trabalhe mais rápido. Jack não lhe deu ouvidos. Continuou no seu tempo. Não queria assustá-la ou fazer algo que a fizesse lembrar o incidente no passado, mas não precisava se preocupar, a cada toque ela relaxava, abria-se mais, tanto física quanto emocionalmente. O luar refletiu-se em seus olhos, deixando-o ver seu intenso prazer. Segurou-lhe os seios e seu peso delicioso preenchia suas mãos enquanto Jack fazia seus mamilos desabrocharem. Então os provou, descobrindo seu sabor único. Sentia o coração dela batendo de encontro a seu rosto e sua respiração eriçando-lhe os cabelos. Deslizando devagar, passou pelos músculos tensos de sua barriga até chegar à virilha. Cautelosamente, penetrou-a. Seu gemido de prazer foi o encorajamento de que precisava. Jack lhe deu prazer até sentir as primeiras ondulações de um clímax iminente. Só então foi instalar-se entre suas coxas. Segurou-a pelas nádegas e arremeteu. Annalise movimentava o quadril de encontro ao dele, lutando para descobrir o ritmo certo. Logo o instinto prevaleceu e ela seguiu a cadência. Moveu-se junto com Jack. Ditou a pulsação. Ao atingir o êxtase, era puro prazer, levou-os a um orgasmo tão profundo que nunca imaginara ser possível. Continuaram ali por um instante interminável antes que as primeiras convulsões o atravessassem. E então explodiram. Quando se separaram Jack percebeu que o frio fora substituído por um fogo que 62


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não parecia possível de extinção. Annalise lhe fizera isso. Fizera isso,para ele. De algum modo insondável Annalise o libertou da terra ártica em que vivia e o colocou sob o calor do sol.

— Você está bem? — Jack perguntou muito, muito depois. — Acho que sim. Seu comentário hesitante o alarmou, e rolou para cima da barriga. Levantou um pouco o queixo dela, para que o luar revelasse sua expressão. Annalise deu um sorriso trêmulo. Uma suavidade lânguida irradiava de seu olhar, mas também uma vaga perplexidade que o preocupou. — Desculpe se não foi como imaginava — ele disse. — Melhora com a prática, prometo. — Não acho que seja possível — ela respondeu rapidamente e lhe deu vários beijos no peito. — Foi incrível. Não dá para comparar a última vez e essa. Jack ficou aliviado. — Assim espero. Se não é esse o problema, o que é então? — Não é bem um problema. — Então... Ela mordeu o lábio inferior e esse pequeno gesto o deixou louco. Queria seus dentes naqueles lábios. Dar uma mordidinha e depois beijá-lo infinitamente enquanto mergulhava naquela boca de mel. Antes que pudesse agir, Annalise voltou a falar. — Vai ser assim em todas as vezes? — Bom assim? — ele perguntou com cautela. — Bom não. — O coração dele parou até ela acrescentar. — Foi incrível. Fantástico. Foi... nem fazia idéia... Nenhuma. — Sua experiência anterior não serve de comparação — ele explicou. Esperou que ela absorvesse suas palavras e depois deu um sorriso malicioso. — Na minha opinião, precisamos praticar para melhorar. Ela arregalou os olhos. — Melhorar? O quê? Não se deu ao trabalho de responder. Havia um modo mais satisfatório de mostrar e executou essa tarefa com toda a dedicação. Gostaria da vida de casado. Muito.

As semanas seguintes passaram envoltas em uma névoa de felicidade, cheias de riso, de uma Isabella contente e uma Madame gorda e desastrada. E as noites eram ainda mais completas. Cada momento nos braços de Annalise era mais rico que o anterior. Essas mudanças serviram para solidificar em Jack a certeza de que fizera a coisa certa, para sua sobrinha e para si próprio. Até a sra. Locke cooperou, adiando sua visita final para que a nova família pudesse se adaptar à rotina. Enquanto Annalise continuava aborrecida por não ter conseguido contar sobre o casamento a seu pai, o pai de Jack deixou sua opinião bem clara. 63


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— Perdeu a cabeça? — Jonathan Mason perguntou. — Casou com a babá? — Sua segunda esposa não era au pair de um de seus sócios? Ou era a terceira? Perdi a conta. — Acho que foi o meu terceiro erro — seu pai respondeu. — Paguei os olhos da cara para escapar daquela armadilha. Pelo menos diga que fez essa mulher assinar um acordo pré-nupcial. Jack teve uma reação defensiva instintiva ao que recebeu como um ataque a algo seu. Sua babá. Sua esposa. Não saberia explicar quando, nem por que Annalise se tornara tão importante. Não era só pelo casamento nem por agora compartilharem a cama. Era maior. Pouco a pouco, passou por suas barreiras e se infiltrou em cada aspecto de sua vida. Trazendo calor. Cura. Não era apenas sua contratada, apesar do que o pacto dizia. Era sua esposa e a defenderia de tudo, inclusive de seu pai. — Essa mulher tem um nome: Annalise Mason — Jack respondeu rispidamente. — E vai tratá-la com o respeito que minha esposa merece. Fui claro? Para sua surpresa, seu pai se desculpou. — Me ligue quando terminar sua lua de mel. Suze e eu vamos lhes receber para jantar. E, Jack...? — Sua hesitação não condizia com um homem tão decidido. — Um consolo que tive nos últimos meses foi ter reconstruído minha relação com Joanne antes dela morrer. Cometi muitos erros quando jovem. Erros terríveis que daria tudo para desfazer. Estaria disposto... Acha que nós... — Ele parou de repente. Jack se forçou a terminar a frase. — Poderíamos recomeçar? Houve uma longa pausa. — Sei que não mereço, mas quero ter meu filho e minha neta em minha vida. Sua esposa também, se estiver disposto. Pensar em Annalise refreou a recusa fria de Jack. Assim como Joanne, desejaria que o perdoasse. Se seu pai podia vencer seu orgulho, algo que lhe parecia impossível, então também poderia. — Gostaria muito, pai. Vamos te ligar para marcar uma data. — Obrigado, Jack. — A voz de Jonathan estava embargada de emoção. — Quando quiser. Passaram-se semanas e a cama familiar tornou-se um hábito dominical. Pouco a pouco arrumaram móveis mais apropriados para uma menina de 5 anos e uma cadela grande e desajeitada. Madame estava feliz com a casa nova. Seu pelo tinha um brilho saudável e suas refeições balanceadas a mantinham bem alimentada, mas enorme. Pelo menos era o que pensava, até Isabella acordá-los numa manhã com um grito lancinante. Jack pulou da cama antes de Annalise e correu para o quarto de sua sobrinha. Não estava lá. As cobertas de sua cama estavam jogadas no chão e não havia sinal de Isabella. Jack ficou apavorado. — Onde ela está? — Annalise perguntou ao entrar. — O que aconteceu? Sua resposta foi outro grito, vindo do quarto de brinquedos. Os dois dispararam pelo corredor. Logo viram Isabella e Madame dentro da casa de bonecas no fundo do quarto. A cadela estava deitada de lado, enquanto Isabella a acariciava freneticamente. Levantou o rosto molhado de lágrimas e lhe estendeu os braços. Jack a pegou no colo, procurando algum sinal de ferimento. — Onde é o machucado, Baby Belle? 64


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— Jack, não é Isabella. É Madame, olhe. — Uma trouxinha úmida de pelo estava colada à cadela. Madame lambeu o filhote e o empurrou até sua barriga para que mamasse. Annalise parou ao lado de Jack e Isabella. — Não chore. Madame não está machucada. Está tendo bebês. A mudança em Isabella foi instantânea. Deu um sorriso radiante e um pulinho que Jack conteve. — Precisamos ficar quietos. Ter bebês é um trabalho difícil. — Isso explica porque estava engordando tanto — Annalise murmurou enquanto Madame dava à luz outro filhote. — Não lembrei de perguntar ao veterinário se era castrada — Jack respondeu. — Vamos cuidar disso assim que os filhotes forem desmamados. Nas horas seguintes, seis filhotes nasceram enquanto Isabella observava de olhos arregalados e tremendo de felicidade. — O que vamos fazer com todos esses cachorros? — Annalise perguntou desesperada. — Uma Madame é ótima, mas seis... — Seis cachorros do tamanho de Madame não dá, principalmente se forem desastrados como a mãe. Vamos encontrar bons lares para eles. Isabella puxou o braço dele sacudindo a cabeça. — Quer ficar com todos, não é, amorzinho? A menina aquiesceu enfaticamente. Jack tentou lhe explicar de uma maneira simples. — Lembra o que seus pais contaram sobre o dia em que adotaram você? — Pela sua expressão, pôde ver que lembrava. — Sua mãe, assim como Madame com todos esses filhotes, não podia cuidar de você e tenho certeza que ela queria muito. Então ela fez uma coisa maravilhosa, encontrou alguém que pudesse te dar amor e um lar. Em poucas semanas, quando esses filhotes estiverem crescidinhos, Madame não vai conseguir cuidar de tantos. Nosso dever é encontrar bons pais e mães para todos os filhotes de Madame. Entendeu? — Viu que Isabella não ficou feliz com isso, mas concordou relutante. Sorriu aliviado para Annalise e ficou assustado ao ver que chorava. Felizmente, Isabella estava tão preocupada com os filhotes que nem percebeu. Annalise conteve um soluço e afastou-se deles. Jack a seguiu. Sua intuição lhe dizia que sua esposa estava mal e foi abraçá-la. — Amor, o que foi? Ela apenas balançou a cabeça. Para seu alívio, Sara e Brett apareceram naquele instante. Entenderam de imediato a situação. — Fiquei preocupada quando ninguém apareceu para o café — Sara falou em voz baixa. — Brett suspeitava do que estava acontecendo. Comentou na noite passada que Madame parecia cheinha demais para apenas algumas semanas de boas refeições. — Ia alertá-los hoje — Brett disse. — Mas vejo que Madame resolveu dar a notícia ela mesma. — Talvez se eu tivesse mais experiência com cachorros, teria notado antes. — Jack olhou para sua esposa, que continuava com o rosto enfiado em seu ombro. — Podem olhar Isabella? Annalise não está passando bem, vou levá-la de volta para a cama. 65


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— Oh, querida — Sara disse preocupada. — Quer um chá com torradas? — Se quiser, eu aviso — Jack respondeu. — Suspeito que Isabella vá ficar grudada em Madame pelas próximas horas, então acho que não vai dar trabalho. Se precisarem de mim, chamem pela linha interna. Com isso, passou o braço pela cintura de Annalise e a levou para o quarto. Assim que entraram na suíte, a mulher se abraçou a ele. Sentiu que tremia e ouviu seus soluços. Esperou que melhorasse, tentando descobrir o que a deixara assim. Deduziu que fosse algo relacionado ao nascimento dos filhotes. Depois de algum tempo ela se soltou. — Pode me soltar agora — ela insistiu. — Desculpe pela cena ridícula. — O que há de errado? Os filhotes trouxeram alguma lembrança? — Não exatamente. Não sei porque reagi desse modo bobo. O que disse a Isabella... — Ela encolheu os ombros envergonhada. — Desculpe, por algum motivo isso me fez chorar. — Entende por que não podemos ficar com os filhotes? — A simples idéia de seis outros cachorros grandes como Madame pela casa o deixava de pernas bambas. — Não podemos dar a tantos cachorros a atenção que merecem. Annalise enxugou as lágrimas. — Não, não. Entendo. — Vou achar boas casas para a ninhada. Tenho muitos contatos na vizinhança e no mundo dos negócios. Vamos encontrar pessoas cujas casas sejam perfeitas para cachorros grandes. — Sei que vai. Não é isso. — Foi o que disse sobre a adoção de Isabella? — perguntou hesitante. — Joanne e Paul eram bem práticos em relação a isso. Queriam que entendesse a verdade desde cedo para que não passasse por surpresas desagradáveis mais tarde. Não que fossem frios — ele se apressou em explicar. — Eram as pessoas mais amorosas que já conheci, e sua filha era o centro da atenção desse amor. — Tudo que aconteceu com ela parece tão injusto. Ainda não encontrara a raiz do problema e se esforçava para tentar descobrir. — Isso não vai mais ser problema. Agora ela nos tem. — E quanto à sra. Locke e o conselho? Jack segurou o rosto de Annalise e enxugou os vestígios de suas lágrimas. — Eles não têm chance alguma contra nós. Um sorriso abriu-se em seu rosto, como o sol depois de um temporal, e seus olhos iluminaram-se. — Como pude esquecer? Você é Jack Mason. Ninguém consegue impedir um Mason de alcançar seus objetivos. — Caso esqueça, também é uma Mason agora. Seu sorriso desapareceu. — Uma Mason temporária — ela corrigiu. Puxou-a pelas lapelas do roupão. O calor de seu corpo juntou-se ao dele, suas 66


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curvas suaves uniram-se com perfeição aos ângulos musculosos. Soltou seu robe e enroscou os dedos nos cachos que caíam sobre suas costas, puxando-a mais para perto. — Pareceu temporário quando fizemos amor ontem à noite? — ele perguntou. — Parece temporário agora que está em meus braços? — Sabe que nosso acordo não é esse... — ela começou a dizer. — Estou mudando os termos de nosso acordo. Jack não lhe deu oportunidade de responder, calando-a com um beijo. Beijou-a com uma paixão que não tinha muito a ver com Isabella, mas sim com seus próprios sentimentos. Annalise correspondeu a seu abraço com uma urgência que anulou qualquer pensamento a não ser perder-se dentro dela. Unirem-se de um modo que desafiaria toda e qualquer tentativa de separá-los. Tornaram-se verde. Ela deve ter sentido algo parecido porque o desejo com que o olhou quase o embaraçou. — Por favor, Jack. Vamos fazer amor. Um último pensamento racional o refreou. — Está exausta. Ela balançou a cabeça. — Nem tanto. Jamais tanto assim. Não conseguiu resistir nem queria. Abriu o cinto de seu roupão, revelando a camisola transparente sob ele. A um leve toque seu, o roupão foi se depositar aos pés dela, como uma piscina de seda. Depois desceu as alças da camisola por seus ombros, desnudando seu desejo enquanto a despia. Jack também tirou a roupa, até que tudo o que restou entre eles era puro desejo, que os levou direto para a cama. Afundou no colchão e lhe estendeu os braços, oferecendo-se como uma deusa pagã. Ele não hesitou. Apoderou-se do que ela oferecia tão docemente, marcando-a com seu peso e seu desejo. Também apoderou-se de seus seios, provocando-os com sua língua e dentes. Annalise o apertou mais contra si, e ele mergulhou em seu calor, sentindo-a envolvê-lo. — Preciso disso. Não posso mais sobreviver sem isso. — Estou aqui — ela sussurrou seu canto de sereia. — Não vou a lugar nenhum. — Não, não vai — Soou mais como um aviso do que uma confirmação. — Agora você é minha, e eu protejo o que é meu. Ela achou graça. — Não somos possessivos, somos? — Só com algumas coisas — A mão deslizou de seu seio até os quadris. Minha, seu toque parecia dizer. Sua necessidade de estar com ela fora além de seu controle. Tentou explicar o que sentia. — Agora que te encontrei, não quero te perder. Agora que tive você, não vou conseguir voltar a viver como antes. — Então não volte. Havia muito mais coisas que gostaria de dizer. De explicar, mas não sabia como. Então lhe disse sem palavras. Sabia o que lhe causava mais prazer. E lhe deu. A cada carícia se agarrava a ele como se nunca fosse deixá-lo partir. Annalise se arrepiava sob o toque de suas mãos. A linha elegante de sua coluna, a curva aveludada de seus seios, a curva de seus quadris. Jack segurou o centro de sua paixão, sentindo a tensão crescente e o estremecimento delicado de uma mulher à beira de seu limite. Passou as pernas dela em volta de sua cintura e a penetrou lentamente, perdendo-se em seu calor. O gemido que ela deu o atingiu bem no fundo, naquele último local frio. A cada vaivém chegavam mais perto. Até que veio a erupção, mais forte e transbordante do que nunca. Jack a possuiu. Tornou-a sua. Deixou saírem os últimos fragmentos de seu controle. A última 67


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lasca de gelo se derreteu e foi substituída pelo amor, um amor que nunca imaginara, nunca pensara ser possível. Mas era.

CAPÍTULO NOVE

Naturalmente, a sra. Locke escolheu o pior momento possível para aparecer, visitando-os seis semanas após o nascimento dos filhotes. A manhã começara perfeita, com Annalise em seus braços, ainda macia e trêmula depois de terem feito amor. Jack a envolvia com seus braços e pernas, colado à batida acelerada de seu coração. Embora nunca dissesse em palavras, cada toque, cada olhar, cada gemido seu falavam de amor. De algum modo, criara um círculo mágico, um lugar mais espaçoso e confortável do que todos os cômodos daquela casa. E naquele círculo ela cultivou um jardim fértil onde Isabella floresceu. Era um lugar onde podia soltar as correntes de sua severidade, sua reserva e simplesmente relaxar. Ele pertencia a esse local mágico em que Madame brincava e em que Isabella logo falaria. Pela primeira vez Jack sentia esperança. Pela primeira vez em muitos anos, encontrara um lar e não iria mais perdê-lo. Enfiou os dedos nos cabelos sedosos de Annalise e os afastou de seu rosto. Ela lhe sorriu e as palavras que desejava ouvir brilhavam nos olhos dela e estremeciam em seus lábios macios como pétalas de rosas. Praticamente podia ouvi-las a cada vez que ela expirava, mas mesmo assim não eram ditas. Era hora de tomar uma atitude. — Quero mudar os termos de nosso acordo. Ela ficou confusa. — Você o quê? — Quero te demitir. Ela se sentou e puxou o lençol até o peito. — Me demitir? — repetiu incrédula. — Ficou louco? E Isabella? E o Conselho Tutelar? Ele alcançou sua perna sob os lençóis e a puxou para debaixo da dele. — Quero que nosso casamento seja real. Quero uma esposa permanente, não uma temporária que vai nos deixar em dois anos. Isabella precisa de uma mãe. Não de qualquer mãe. Isabella precisa de você. Por um breve instante ela brilhou de felicidade, mas ela logo desapareceu. — Não posso te prometer isso — ela afirmou categoricamente. Interpretara mal seus sentimentos? Ficou em pânico, mas se dominou e usou toda a sua força e a perspicácia de homem de negócios à que geralmente recorria quando uma negociação ameaçava azedar. Podia lidar com Annalise. Lidaria com ela do mesmo modo com que negociava uma transação difícil. Derrubaria suas defesas usando lógica, cercando-a até que não tivesse para onde correr a não ser para seus braços. — Qual o problema de tornar nosso casamento real? — ele perguntou. — Não está feliz? 68


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— Estou feliz como nunca fui, mas nossa relação é muito recente. Não sabe tudo sobre mim. Foi para cima dela, pressionando-a de encontro ao colchão. — Isso é uma coisa boa no nosso casamento. Temos muitos anos para nos conhecermos. Seu comentário a deixou ainda mais assustada. — E se não gostar do que descobrir? Ela estava brincando? — Impossível. — É possível sim, Jack. — Umedeceu os lábios e ele viu que sua mente ágil buscava argumentos. Só não entendia por que ela achava isso necessário. — E se o conselho decidir tirar Isabella? Tinha alguma dúvida? — Vamos lutar para tê-la de volta — ele respondeu prontamente. — Para lhes provar, não importa em quanto tempo, que a amamos e que vamos fazer tudo para lhe dar o melhor lar possível. Ela franziu a testa. — Não é isso... O que acontece conosco? Só estamos casados para dar um lar à Isabella. O que acontece com nosso casamento se ela for embora? — Acha que não vou mais te querer? — Acho. Jack balançou a cabeça. — Isso não vai acontecer. Annalise o olhou sem ar. — Sério? Se levarem Isabella, iria querer que o casamento continuasse? — Não é o que quer também? O olhar dela mostrava que sim, mas também estava cheio de cautela... e de algo mais. Algo que a atormentava desde o dia em que se conheceram. Antes que pudesse responder, a porta foi aberta e Isabella entrou no quarto com Madame. Os filhotes vinham logo atrás. Jack olhou por cima do ombro e conteve as feras. — Não é assim que se entra num quarto — ele disse com firmeza. — Por favor, vá lá para fora com a Madame e os filhotes. Bata e espere até ser convidada a entrar, certo? Isabella ficou parada ali, sem saber se teimava ou se obedecia. Ficou aliviado quando virou-se e empurrou Madame para fora. Depois recolheu os filhotes. No instante em que a porta se fechou, Jack saiu da cama e jogou a camisola para Annalise, enquanto vestia uma calça. — Ainda me deve uma resposta — lembrou à sua esposa. — Não há tempo para discutir isso agora. — Hoje à noite, então? Ela pensou por um instante antes de dar um suspiro e concordar. — Tudo bem. Conversamos hoje à noite. 69


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Annalise não pareceu feliz e ele sentiu um vento frio atravessar seu corpo. Não sabia que segredos guardava, mas se recusava a perder o mundo que construíra para eles. Não seria expulso do paraíso agora que o encontrara. Uma suave batida na porta pôs um fim à conversa. Jack abriu a porta para Isabella que, para sua alegria, jogou-se em seus braços. Madame a seguiu com uma dignidade de matrona, que os filhotes briguentos arruinavam mordendo seus calcanhares e pulando em seu rabo. Com seis semanas, cresceram e ganharam peso numa velocidade impressionante. O veterinário ficou muito satisfeito com seu progresso na última consulta e disse que eles e Madame estavam com excelente saúde. Jack já prometera três filhotes às ansiosas famílias de parceiros nos negócios, e achava que não teria dificuldades em achar casas para os outros. Ainda não contara à Isabella e Annalise, mas decidira ficar com o menorzinho dos seis, um macho que compensava seu tamanho com uma personalidade mais forte do que a de todos os outros cinco juntos. Seria uma boa companhia para Madame. A hora seguinte passou rápido, com todos ajudando a reunir os filhotes e leválos para o quarto em que ficavam presos quando estavam sozinhos. Depois de se vestirem, Jack, Annalise e Isabella tomaram o café da manhã antes dele ir para o escritório. Se existia alguma suspeita de mentiras entre o casal, essa situação seria corrigida naquela noite. Assim que terminaram de comer, sua sobrinha lhe deu um beijo de despedida e subiu correndo a escada que levava aos quartos... e aos cachorros. Jack encarou Annalise, forçando-se a usar um pouco da atitude dura que o ajudara a transformar um pequeno negócio de importação e exportação numa empresa multibilionária. Apontou na direção da ex-babá de olhos cor de mel, com beijos inebriantes e um coração maior do que sua conta bancária. — Hoje à noite. Cartas na mesa. — Não era uma pergunta. Ela aquiesceu. — Já disse que sim, mas Jack... — ela advertiu. — Pode não gostar do que tenho a dizer. Tocaram a campainha e ele torceu a boca. — Posso te surpreender. Beijou a boca de sua esposa antes de ir atender. Abriu a porta e ficou contrariado ao encontrar a Bruxa Malvada dos Quatro Pontos Cardeais, de pé sobre seu capacho de boas-vindas. Nesse caso, seu capacho de afaste-se. — Sra. Locke. — Sr. Mason. Plantou-se entre ela e sua casa, observava aquela mulher parecida com um passarinho. Quando se conheceram, aprendera como as aparências podem enganar. Mal chegava à altura de seu peito e parecia frágil como se uma brisa pudesse parti-la em dois. Mas isso era tão mentiroso quanto os alegres olhos azuis que piscavam docemente por detrás das lentes de seus óculos. Deu-lhe um largo sorriso que não o enganou nem por um instante. Era uma bruxa disfarçada sob as penas de um inocente pardal. Jack foi o primeiro a disparar. — Tínhamos algum encontro que esqueceu de marcar? — ele perguntou num tom gentil. Parecia completamente satisfeita consigo mesma, o que o deixou imediatamente em alerta. — Chama-se inspeção familiar não anunciada. 70


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— Engraçado, de acordo com meu advogado, deveria ligar e marcar uma hora conveniente para a visita. — Isso tiraria o sentido da parte "não anunciada" da inspeção. — Ela cruzou seus braços de graveto sobre o peito inexistente. — Vai me deixar entrar ou vai continuar de pé aí com essa atitude ameaçadora? Jack apertou os olhos, a mulher também estreitou os dela. Não sabia como aquela situação terminaria se não fosse por Isabella ter aparecido gritando atrás dele. Ela fez um gesto que usava para avisá-los sobre problemas com os filhotes e o puxou pelo paletó. Jack virou-se para a sra. Locke. — Temos que ir. Temos uma emergência, e isso tem prioridade sobre qualquer outra coisa. A mulher tirou o celular da bolsa numa velocidade incrível. — Devo ligar para 911? — perguntou rispidamente. — Não é necessário. É uma... emergência com cachorros. As sobrancelhas da sra. Locke apontaram para o alto. — Uma emergência de cachorros não é uma emergência que eu reconheça — ela informou num tom gélido. — A inspeção vai continuar. Isabella puxou seu paletó com mais força e ele pôs a mão sobre sua cabeça para acalmá-la. Droga. Por que justo nesse dia? Olhou para a sra. Locke com uma expressão azeda e lhe deu duas opções: — Nesse caso espera aqui até que eu esteja livre ou nos dá o prazer de sua presença num outro dia mais conveniente. — Vou ficar — ela disse num tom implacável. — Jack? Problemas. Os filhotes estão soltos. — Annalise parou no corredor. — Oh, temos visita. Jack fez uma careta. Aquilo ficava cada vez mais complicado. Queria ter preparado Annalise antes que as duas se encontrassem. — A sra. Locke não é uma visita. Está aqui para uma inspeção. — Sra. Locke? — Para sua decepção, um sorriso de boas-vindas abriu-se no rosto de Annalise. — A sra. Locke de Isabella? A bruxa inclinou a cabeça. — E presumo que seja a sra. Mason. — Oh, por favor, me chame de Annalise. — Ela lhe estendeu a mão. — Infelizmente estamos com uma pequena emergência de família. — Foi o que entendi. Algo com cachorros? Isabella fez um ruído de desespero e Jack as interrompeu. — Precisamos tratar disso imediatamente. Annalise, diga a Sara e Brett que façam uma busca no primeiro andar. Eu vejo os quartos. Você e Isabella verificam se algum deles foi para o terceiro andar. Como não é uma visita marcada, a sra. Locke pode voltar outro dia. Num piscar de olhos, sua linda e fiel esposa tornou-se uma traidora. — Eu aviso Sara e Brett, você e Isabella verificam os quartos. A sra. Locke e eu vamos tomar chá gelado no jardim. Quando todos tiverem sido recolhidos, pode juntar-se 71


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a nós lá. — Excelente sugestão — A sra. Locke concordou. — Queria mesmo falar a sós com sua esposa. — Eu... Você... Annalise sorriu satisfeita. — Vou ligar para seu escritório e avisá-los. — Ela tirou o celular do bolso e ligou. — Mary, é Annalise. Jack vai se atrasar de novo. O quê? Oh, sim, claro. A confusão de sempre com os filhotes. Não tem hora para chegar. Isabella não lhe deu chance, de argumentar, agarrou sua mão e o puxou em direção às escadas. A última visão que teve de sua esposa traidora foi de seu traseiro atrevido desaparecendo na direção da cozinha, acompanhada pela Bruxa Malvada. Não era nada bom. Planejava estar junto de Annalise quando ela conversasse com a sra. Locke, para interferir caso houvesse algum problema. Pelo olhar presunçoso da sra. Locke, sabia disso e teve um prazer enorme em lhe passar a perna. Não foi ela a destruir seu plano. Podia culpar sua esposa por esse magnífico estrago. Levaram 30 enervantes minutos para encontrar cinco dos filhotes bagunceiros e levá-los de volta ao quarto que era seu "ninho". Isabella ficou com eles enquanto foi procurar o último, o menorzinho deles. Encontrou Mister Devastação, como o chamava, escapando pela porta da cozinha. Pegou aquele pacotinho cheio de energia antes que conseguisse escapar. Ouviu uma risada feminina vinda do jardim. Ficou ali parado, sem acreditar. Não podia ser a sra. Locke rindo. Não a bruxa. Não fazia idéia de como Annalise conseguira conquistá-la, mas agradecia a Deus por isso ter acontecido. Sabia que sua esposa a conquistara. Viu-a fazer o mesmo com Isabella e com todos que conhecia. Tinha jeito para isso, um charme natural. Acolhia as pessoas. Embora tivesse sofrido no passado, não permitiu que isso a fechasse, como ele fez. Continuou a abrir-se para os outros, mesmo correndo o risco de se machucar de novo. Existia uma vulnerabilidade, que transparecia naqueles olhos, mas ela se abria mesmo assim. As risada desapareceu, e ele ouviu a sra. Locke perguntar: — Diga a verdade, Annalise. Por que se casou com seu marido? Jack não se mexeria dali nem se o chão se abrisse sob seus pés. Tudo nele se esforçou para ouvir a resposta, mas falou tão baixo, que não conseguiu escutar. Saiu para o jardim com o filhote em suas mãos. Não sabia o que esperar, talvez que a resposta de Annalise ainda estivesse suspensa no ar. Ou que pudesse lê-la em sua expressão ou no brilho de seus olhos. Em vez disso, ela virou a cabeça em sua direção e simplesmente sorriu. Só isso. Um sorriso que fez seu coração parar e o deixou frágil e descontrolado como nunca se sentira. — Imagino que Devastação seja o último — ela disse. — Não é assim que o apelidou? — Mister Devastação — ele murmurou. — Quer chá? A pergunta prosaica o inquietou ainda mais. Precisou de toda a sua força de vontade para se manter controlado, quando tudo o que queria era colocar a sra. Locke na rua e fazer Annalise lhe contar tudo o que disse. Queria, precisava, saber por que se casara com ele. Saber de uma vez por todas se fora somente por Isabella ou se acreditava nos juramentos que disse ali mesmo naquele jardim. Para amar, honrar e respeitar... Annalise inclinou a cabeça para um lado. — Chá? — voltou a perguntar descontraída. — Quero sim, obrigado. — Ele beijou sua testa. — Tudo bem? — Tudo. 72


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Sentou-se com Devastação em seu colo e deitou-o de costas. Cocou sua barriguinha e, com um bocejo enorme, Devastação logo adormeceu, com as pernas arreganhadas. Olhou para a sra. Locke, do outro lado da mesa. — Terminou de interrogar minha esposa? Sabia que soou defensivo, como com seu pai, mas dessa vez tinha motivo. Descobrira o porquê. Annalise não era a babá de sua sobrinha nem sua empregada. Era sua esposa, a mulher que se entregou a ele em casamento. Que se entregou em todos os níveis. E faria tudo para protegê-la, para cumprir o juramento que fizera a alguns passos de onde estavam sentados. — Já usei meus instrumentos de tortura — ela respondeu secamente. — E agora só tenho mais uma pergunta antes de ir ver Isabella. Ele a olhou desconfiado. — Só uma? — Só. — Ela inclinou-se para a frente e colocou o copo sobre a mesa. — Sei porque Annalise se casou com você. Mas quero que você explique por que se casou. Foi por amor ou é sua estratégia inteligente para contornar as objeções do conselho à sua guarda? Annalise está aqui para ficar ou só até nos afastarmos? E ali estava a pergunta valendo um bilhão de dólares, Jack pensou. Antes que pudesse responder, Sara apareceu. — Desculpe, sr. Mason. Há um senhor querendo vê-lo. Ele insistiu... Sem esperar por permissão ou convite, um senhor alto e magro, com uns 40 e poucos anos, atravessou o jardim. Tinha porte de militar. Seu cabelo castanho era bem curto. Um boné desbotado sombreava-lhe os olhos e seu rosto bronzeado. Embora não tivesse o mesmo tom de pele de Annalise e parecesse jovem demais para ter uma filha da idade dela, Jack tinha quase certeza de que era seu pai. E o momento que escolhera não poderia ser pior. — Sou Robert Stefano — ele anunciou. — Estou procurando por... — Ele olhou para Annalise. — Leese? — Papai? — Annalise pulou da cadeira e se jogou nos braços dele. — Finalmente! Estou tentando te encontrar há séculos. Ele lhe deu um abraço apertado. — Não recebeu meu recado? — Sobre o charter? Recebi. Bub me passou. Mas... — Vim assim que soube das notícias. Claro, quando chegaram até mim já eram antigas. O que andou fazendo? Ele olhou por cima do ombro dela para Jack, que se levantou e colocou o filhote no chão. — E um prazer conhecê-lo, sr. Stefano — ele disse estendendo-lhe a mão. — Sou Jack Mason. Para espanto de Jack, seu sogro escondeu protetoramente a filha atrás de si. — Ele não, Leese. Diga que há um engano e que não se casou com esse homem. — Algum problema? — a sra. Locke interrompeu. 73


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— Nenhum — Jack respondeu suavemente. — Precisa ir embora. É um assunto familiar que não lhe diz respeito. Claro que não ligou. Ficou bem firme em sua cadeira. — Se afeta Isabella é da minha conta. — Sr. Stefano? — Jack aproximou-se dele. — Sou o marido de Annalise. — Sei quem você é. — Robert tirou o boné e o esmagou entre seus dedos calejados. — O que ainda não sei é que tipo de jogo está fazendo com minha filha. Annalise saiu detrás do pai, enfrentando a situação de cabeça erguida, como fez desde o primeiro momento em que a conhecera. — Pai, isso não é um jogo. — Tem toda a razão. Não é. — Ele estava furioso. — Esse seu suposto marido sabe da verdade? Jack ficou surpreso ao ver que ela vacilava. — Não — ela admitiu. Jack sentiu medo. — Alguém pode me dizer o que diabos está acontecendo? — ele perguntou. — E depois explicar para mim — a sra. Locke acrescentou. Robert ia responder mas parou ao ver algo no meio do jardim, Mister Devastação correu naquela direção e Jack viu o porquê. Isabella saíra para o jardim e recebeu o filhote com um gritinho. — Oh, Deus — Robert sussurrou. Seu boné caiu no chão. — É ela? O pai de Annalise deu um passo na direção de Isabella, e ao fazer isso a luz forte do sol de verão o iluminou. Seus olhos eram do mesmo tom de verde que os da sobrinha de Jack. Robert cerrou seu queixo quadrado, mas não conseguiu evitar que tremesse. E depois abriu um sorriso de felicidade. Uma covinha surgiu em seu rosto. Sem uma palavra, Jack virou-se para Annalise. Lágrimas escorriam em seu rosto. Olharam-se por um momento interminável e a expressão dela era de desafio. Afastaramse um pouco para que ninguém os ouvisse. — Isabella parece com seu pai. Ela é sua irmã? — Jack perguntou em voz baixa e severa. — Robert Stefano é pai dela? — Sou filha única. Foi atravessado por um vento gélido e pôde ver sua vida desmoronar a seu redor. — Então ela é... — Minha. — Annalise endireitou os ombros e o olhou com olhos marejados. — Isabella é minha filha.

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CAPITULO DEZ

— Foi tudo uma armação, não foi? — Não. — Annalise balançou a cabeça, falando com uma dignidade tranqüila que o atingiu profundamente. — Não! Jack afastou-se dela, sem conseguir esconder sua dor e sua raiva. Não havia modo de conseguir. Sua fúria tinha o poder de um furacão, trazendo à tona emoções que sempre mantivera sob rígido controle. Explodiram numa torrente ilógica e indomável. — Tenho que admitir. Seu plano foi absolutamente brilhante. — Que plano? — Ela fazia o papel de inocente com perfeição, demonstrando apenas a quantidade apropriada de surpresa. — Tudo o que quis era ter certeza de que Isabella estava segura. — Segura — ele repetiu. — Não imaginava que minha reputação fosse tão ruim. — Sabe que não foi isso que quis dizer. Ignorou seu comentário e continuou a atacá-la com uma sinceridade impiedosa. — Por que se candidatou para ser babá de Isabella? Sabia que era sua filha, não sabia? — Era mais uma afirmação que uma pergunta. Annalise ergueu o queixo, recusando-se a se acovardar. — Sabia. — Vai usar sua posição para manipular o conselho? Convencê-los de que não sou o guardião apropriado? — Ficou louco? — ela perguntou com uma calma impressionante. Ele sacudiu a cabeça, espantado com sua força interior. — Tenho que dar meu braço a torcer. Sua lógica era impecável. Como babá de Isabella podia conquistar seu afeto. E talvez dizer uma ou duas palavras de preocupação nos ouvidos da sra. Locke. Surgiu uma centelha de raiva no rosto dela, em guerra com seu autocontrole. Annalise cruzou os braços. — Para que, Jack? Virar a vida de Isabella de cabeça para baixo de novo quando ela ficasse sob os cuidados da assistência social? Ou, pior ainda, enviada para um programa de tratamento? Ele deu de ombros. — Uma vez que estivesse fora do meu controle, você poderia conseguir a custódia dela. Sua fúria explodiu. — É isso o que acha? Que quero tirá-la de você? A raiva dele equiparou-se à dela. — O que mais posso pensar? Em todo esse tempo você nunca se importou em dizer "Sabe, Jack, Isabella é minha filha biológica". — Ele chegou mais perto dela. — Achou que nunca fosse descobrir? 75


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— Eu ia te contar! — Claro. Agora que está a salvo, casada, numa posição melhor para brigar pela guarda dela. — Essa é sua opinião real sobre mim? Depois de todo esse tempo juntos não me conhece melhor do que isso? A dor que sentia era quase insuportável. — Achei que conhecesse — ele sussurrou. — Mas você mentiu. — Nunca menti. Só não contei tudo. — Ela ousou pôr as mãos sobre seu peito. Conseguiria sentir seu coração batendo? Impossível. Não agora que virará pedra. — Teria se recusado a casar comigo se eu tivesse contado antes? — Não sei. Mas pelo menos poderia ter feito uma escolha consciente. Annalise baixou as mãos, roubando o único calor que lhe restara, e deu um passo para trás. — Então deixe-me facilitar as coisas para você. Vou reduzir suas opções. Podemos ficar casados e superarmos isso, ou nos divorciarmos. — E se eu quiser o divórcio? Pela primeira vez seu autodomínio foi abalado. Não, mais do que abalado, foi destroçado. Achou isso impressionante, pois nunca a vira perder o controle daquela maneira. Annalise precisou de alguns segundos para conseguir responder. — Quando nos conhecemos, eu tinha sérias dúvidas se você era a pessoa certa para cuidar de Isabella. Não tenho mais dúvidas sobre isso. Ele congelou. — O que diabos isso quer dizer? — Acho que você é um pai fantástico, Jack — ela disse. — Não tenho a menor dúvida de que além de estar segura com você, Isabella também vai ser feliz. Não vou contestar o divórcio. Nem vou tentar tirá-la de você. — Annalise... Ela balançou a cabeça e comprimiu os lábios, Jack suspeitou que para evitar que tremessem. — Se mudar de idéia sobre o divórcio, sabe onde me encontrar. — Ela o olhou nos olhos, — Mas se decidir dar uma chance ao nosso casamento, há apenas um modo de me fazer voltar para você. E não é como babá de Isabella. É como sua esposa. Então Annalise virou-se e foi para os braços de seu pai. Abraçou-o por um longo instante enquanto Robert olhava ameaçadoramente para Jack. Sem dizer mais nada, levou sua filha para dentro da casa. Pararam antes de entrar e ela olhou uma última vez para Isabella, que estava distraída. Não o olhou nem uma só vez. E então a porta foi fechada com uma determinação assustadora. Jack ficou imóvel por um bom tempo. Como era possível que em meia hora sua vida passasse da perfeição direto para o inferno? Isabella continuou a brincar com Mister Devastação, rindo numa feliz ignorância das travessuras desajeitadas do filhote. Jack deu um passo na direção dela quando uma voz cortante como cacos de vidro o atingiu. — Você, sr. Mason, é um total idiota — a sra. Locke declarou com desprezo. Virou-se. Esquecera completamente da sra. Locke. Continuava sentada na parte coberta do jardim. Sem tirar os olhos dele, levantou seu copo de chá com uma 76


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casualidade impressionante e deu um golinho. E lhe deu um sorriso azedo. — Esqueceu que eu estava aqui, não é? — Ele resmungou uma palavra que a fez erguer as sobrancelhas. — Espero que não use esse tipo de linguagem perto de Isabella — ela disse. — Como ela não fala, não acho que isso tenha importância — ele respondeu. Para sua surpresa, a sra. Locke sorriu. — Sugiro que venha sentar-se antes que desabe. — Ela pegou a jarra de chá e derramou um pouco num copo vazio. — Tome. Beba isso. Jack se aproximou relutante, surpreso ao se ver pegando o copo e bebendo obedientemente metade de seu conteúdo em um só gole. O açúcar ajudou a clarear suas idéias. — E então, o que achou de sua manhã, sra. Locke? — Jack afundou na cadeira do outro lado da mesa e olhou amuado para sua sobrinha. — Divertida o bastante? — Enormemente. — Que bom que se divertiu. A última vez que tive um dia tão ruim foi quando soube que minha irmã e o marido morreram num voo em que eu deveria estar, e que a vida de minha sobrinha estava por um fio. — Sinto muito, Jack. — Não havia dúvidas sobre sua sinceridade e compaixão. Não conseguiu responder. Em vez disso, fez um rastro com o dedo na umidade acumulada na parte externa do copo. Esforçou-se para decidir qual seria o próximo passo. Tendo começado seus negócios do zero, sabia a importância da flexibilidade. Tornara-se um especialista em pensar rápido, em reagir a situações vagas ainda mais rápido. Lógica e determinação o fizeram superar muitas crises. Mas isso... Não conseguia nem pensar, quanto menos agir. — E então? Casou-se com Annalise por amor ou para se livrar de mim? — Para me livrar de você. — Ele colocou o copo sobre a mesa e esfregou as têmporas para afastar o início de uma dor de cabeça. — Pelo menos era o que eu achava. — Interessante. — O que é interessante? — Quando perguntei a Annalise por que se casou com você, ela respondeu algo parecido. Jack tinha uma vivida lembrança de quando ficou na cozinha tentando ouvir a resposta de sua esposa. Descobrir a verdade foi outro golpe duro. Ele nem tentou disfarçar sua dor. — Ela disse isso? — Não, ela me disse que foi esse o motivo inicial de aceitar casar. Disse que se casou com você por um único motivo. — Qual? — A pergunta lhe escapou antes que conseguisse impedir. A sra. Locke ergueu uma sobrancelha e o fulminou com seus olhos azuis. — Não sabe? — Ela desconsiderou sua própria pergunta com um aceno. — Claro que não sabe, senão nunca teria feito essas acusações ridículas. — Vai me contar o que ela disse ou não? 77


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— Não — ela respondeu rispidamente. — Para ser honesta, o que Annalise disse não importa. Só o que importa é o que você tem a dizer. Por que se casou com ela, sr. Mason? Quero uma resposta sincera. E já. Ele nem precisou pensar. — Por amor. A sra. Locke afastou sua cadeira para trás. — Vou lhe dar três dias para resolver essa situação antes de dar meu parecer final sobre a guarda de Isabella. Sentiu seu instinto protetor vir à tona. Ninguém lhe tiraria sua sobrinha. — Isso é uma ameaça? — ele perguntou suavemente. Assim como Annalise, a sra. Locke não demonstrou o menor sinal de estar intimidada. O que havia com essas mulheres? — É, sr. Mason. — Ela botou a bolsa debaixo do braço. — É uma ameaça. Jack não precisou de três dias para descobrir o que pretendia fazer. Não precisou nem de três horas, lhe foi preciso apenas o tempo de sentar e se lembrar. Lembrar-se de Annalise e de como era desde o dia em que se conheceram. Desde o dia em que pôs os pés em seu escritório ela demonstrara total preocupação com sua sobrinha. Não, não só sua sobrinha. A filha de Annalise. Não aceitara o cargo de babá na intenção de conseguir um marido rico, a questão nunca fora ele. Toda a sua atenção, seu foco, estava voltado para Isabella, em ajudá-la a se recuperar de um trauma que mudara para sempre sua infância. Mesmo tendo dado Isabella em adoção, Annalise provara que colocava a sobrinha dele acima de tudo e que faria sempre o melhor. Casar com ele foi só mais um passo nesse processo. Podia querer que ela o incluísse, mas não era sua prioridade, nunca seria. A filha era a prioridade dela. Ele fechou os olhos. A filha deles. Olhou para Isabella e aceitou a verdade. Era sua sobrinha e ele sempre manteria a memória de seus pais viva. Mas em algum lugar no futuro, deixaria de vê-la como uma extensão de Joanne e Paul e começaria a vê-la como parte de si mesmo. Uma parte vital. Como se sentisse sua atenção, Isabella o olhou e sorriu de felicidade. Segurando Mister Devastação, foi correndo sentar-se em seu colo. Abraçou-a bem forte, sentindo seu cheirinho de bebê. Da tragédia surgira uma vida que nunca pensara ser possível. Não importava o que fosse preciso. O que teria que sacrificar. Não importava nem mesmo nunca ser o primeiro no coração de Annalise. Ele e Isabella precisavam dela, e faria tudo para trazer sua esposa de volta para casa, mas havia algo que precisava fazer antes. Jack puxou Isabella contra si e rezou para encontrar as palavras certas. — Lembra quando falamos sobre encontrarmos pessoas para adotar os filhotes? Isabella aquiesceu, embora visse que ainda ficou um pouco amuada com a idéia. — Também lembra quando falei sobre sua outra mãe? A de antes de você ser adotada? — Quando Isabella aquiesceu de novo, encostou o rosto nos cachos do topo de sua cabeça. Juntou coragem e falou gentilmente. Carinhosamente. — Preciso te contar uma coisa sobre essa primeira mãe...

Jack foi ao cais no começo daquela mesma tarde. Caminhava sob o sol até o grande iate que lhe informaram que pertencia a Robert Stefano, e viu o pai de Annalise antes de ser visto por ele. Isso deu a Jack alguns segundos para observá-lo melhor e 78


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tentar descobrir como lidar com ele. Magro e musculoso, Robert Stefano estava de short e camiseta, o que o fazia parecer ainda mais jovem e viril do que quando se conheceram. Estava sem boné, e o sol destacava seus traços parecidos com os de Isabella. Deve ter sentido que estava sendo observado. Levantou a cabeça e enrijeceu-se, como um predador ao perceber a presença de outro. Virou-se lentamente. Disse um xingamento e andou pelo píer, plantando-se no caminho de Jack com os braços musculosos cruzados diante do peito igualmente musculoso. — Que diabos está fazendo aqui? Jack avaliou seu oponente, que também vinha a ser seu sogro. Caso necessário, conseguiria vencê-lo. Talvez. Imitou a atitude de Robert. — Vim por minha esposa, mesmo que tenha que passar por você para chegar até ela, mas quando eu for embora, vai ser com Annalise. Posso fazer isso com sua cooperação ou sem. A escolha é sua. — Voto em "sem". Ela não é uma esposa de verdade para você. É só um meio de conseguir o que quer, e não vou deixar que a use. Então dê meia-volta, filho. — Robert deu um sorriso maldoso. — Não tem a menor chance contra mim. Eu como executivos como você no café da manhã. Jack fincou os pés no chão, torcendo pela paz, mas preparado para a batalha de sua vida. — Annalise me contou que a criou sozinho depois que a mãe dela morreu. — Criei. — O sofrimento que transpareceu em seu rosto foi impiedosamente suprimido. — Deixei minha filha desamparada aos 16 anos. Não vou decepcioná-la agora. — Parece que temos um problema, porque não vou decepcionar Isabella. Ela precisa de Annalise. — Ele respirou fundo e confessou. — Eu preciso de Annalise. Os olhos verdes de Robert demonstraram suspeita. — Por causa de sua sobrinha? — Por mim. Levei algum tempo para descobrir. Isabella foi a desculpa que usei para ligar Annalise a mim sem admitir porque a queria. Robert abaixou os braços e inclinou a cabeça para o lado como Annalise fazia. — E por que era? Jack não se escondeu por detrás de seu orgulho, pôs tudo para fora. — Porque amo sua filha. Robert o olhou por um tempo antes de aquiescer satisfeito. — Então por que está perdendo seu tempo falando comigo? — Ele abriu passagem. — Vá dizer para minha filha o que sente e tirá-la daquela tristeza. — É exatamente o que vou fazer. — Jack não hesitou. Passou por ele e foi em direção a seu futuro. — Mason? — Robert esperou que Jack virasse. — Tem duas pessoas minhas sob seus cuidados. Vou estar de olho. Jack aquiesceu. Podia lidar com isso. — Faria o mesmo em seu lugar. — Ele entrou a bordo mas Robert o fez parar de novo. — Mason? 79


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— Sim, senhor? — Não teria me vencido. Jack riu. — Eu teria gostado de tentar. Robert também sorriu. — É. Eu também. Uma olhada rápida revelou que Annalise não estava ali em cima. Desceu os degraus que levavam ao interior escuro. Sua mulher estava em pé na pequena cozinha bem equipada, de costas. Ele se deu ao luxo de parar para observar seus gestos graciosos enquanto realizava a tarefa mundana de preparar o almoço. Prendera o cabelo num rabo de cavalo e os cachos balançavam a cada movimento de seu corpo. Vestia uma camiseta leve que se colava às suas curvas e terminava a alguns centímetros de um short de cintura baixa que deixavam suas pernas intermináveis à mostra. Estava prestes a anunciar sua presença quando ela falou, sem se virar. — Seu almoço está pronto, pai. Se quiser uma cerveja, pegue na geladeira. — Não quero cerveja, obrigado. Annalise ficou rígida e, com as mãos trêmulas, colocou com cuidado o prato em cima da bancada. Respirou fundo antes de se virar. — Jack. — Annalise. Viu logo que o autocontrole dela estava tão frágil quanto o dele. Infelizmente, ainda não conseguia decifrá-la tão bem quanto gostaria. Por que se casara? Só por Isabella ou por algo mais? Estava obcecado por isso desde a conversa com a sra. Locke. Queria ler a resposta no rosto dela, mas não estava ali, e Jack sentiu um medo avassalador. — Estava esperando uma ligação de Derek — ela disse. — Estou surpresa que tenha vindo. Reunindo todos os restos de seu controle, Jack apoiou o quadril na bancada e deu de ombros. — O que isso tem a ver com o Derek? Você é minha esposa, não dele. Ela levantou o rosto numa atitude desafiadora. — Por enquanto. — Para sempre — ele disse decidido. Annalise balançou a cabeça. — Esqueça, Jack. Não vou viver com alguém que acredita que eu seja capaz de... — Pare — ele a fez calar-se com apenas uma palavra. Talvez tenha sido o modo como disse, vertendo dor em cada sílaba. Fosse qual fosse a razão, funcionou. — Por favor, querida. Está acabando comigo. Ele reconheceu a vulnerabilidade com que ela o olhou, talvez por estar sentindo o mesmo. Era uma emoção que nunca sentira... até agora. Sempre fora durão. Sempre se mantivera a distância, recusando-se a sentir ou demonstrar a fragilidade que mostrava tão abertamente. E a que isso o levou? Dinheiro. Sucesso, mas o que era isso em comparação a um coração vazio e uma cama fria, e uma garotinha precisando da mãe? Conhecera o paraíso, e faria qualquer coisa para tê-lo de volta. Até mesmo ficar sem defesas diante dela e permitir que o despedaçasse. Sem dizer nada, Jack lhe abriu os braços. O tempo pareceu parar enquanto esperava pela decisão dela. Enquanto esperava para descobrir se levaria uma vida cheia de alegria e calor ou se seria forçado a sobreviver num mundo gélido. Com uma 80


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exclamação inarticulada, Annalise se jogou em seus braços, e Jack respirou aliviado. Abraçou-a com força, enterrou o rosto em seus cabelos e simplesmente, a sentiu. Seu cheiro. Sua pele. O som de seus corações batendo juntos. — Eu te amo, Annalise — ele murmurou entre seus cabelos. — E lamento mais do que consigo exprimir. — Lamenta me amar? — ela o provocou. Ele deixou escapar uma risada áspera. — Lamento ter acreditado no pior. — Devia ter contado sobre minha ligação com Isabella. Eu ia contar. — Ela fez um gesto que enfatizou seu arrependimento. — Mas devia ter feito isso antes de nos casarmos. — Conte agora, Annalise. Presumo que Isabella seja fruto da noite em que perdeu sua virgindade. — Sim. — Ela fechou os olhos e estremeceu. — Não faz idéia de como fiquei apavorada quando descobri que estava grávida. — E o rapaz? — Ele e sua família já tinham se mudado de lá. Meu pai entrou em contato com eles, claro, mas não queriam saber de mim nem do bebê e ficaram muito felizes em assinar os papéis da adoção. — Ela encolheu os ombros. — Tanto quanto eu, Tommy não teria como criar um bebê. — Lembro de Joanne ter dito que foi uma adoção privada, feita entre os advogados das partes. Annalise confirmou. — Meu pai encontrou-se com Joanne e Paul e checou toda a vida deles. Jack a olhou com curiosidade. — Nunca considerou ficar com Isabella? Foi a pergunta errada. Ela controlou sua emoção antes de responder. — Queria muito ficar com ela. Sonhava com isso toda noite, mas tinha 16 anos quando engravidei, tinha acabado de fazer 17 quando a tive. — Falou tão baixo que ele quase não conseguiu ouvir. — Sei que foi uma decisão difícil para meu pai. Ele também foi pai quando adolescente e, por achar que não fez um bom trabalho comigo, não quis que o erro se repetisse em mais uma geração. Estava certo, eu não podia ser egoísta. — Lágrimas caíram. — Eu... tinha que fazer o melhor para Isabella, não para mim. Então escondi minha gravidez até o final do ano escolar e fui ficar com minha tia até depois de Isabella nascer. Depois disso, todos os verões eu ia ficar com minha tia... e lembrar. Celebrar... e sofrer. Suas palavras o deixaram arrasado. — Sinto muito. — Nunca soube quem a adotou, mas papai se manteve informado e podia me assegurar que estava bem. Ele começou a compreender. — Até o acidente de avião. — Sim. Saiu em todos os jornais. No começo disseram que todos a bordo haviam desaparecido. Entrei quando meu pai estava ouvindo a notícia. Estava chorando. Tentou 81


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esconder de mim, mas não foi difícil descobrir porque estava tão triste. — Imagino que tenha lido que fiquei com a guarda de sua filha. Annalise aquiesceu encostada em seu peito. — E que estava tendo dificuldades em manter uma babá. Pareceu a oportunidade perfeita. Eu me candidataria e veria se poderia ajudar nessa transição. Planejei ficar por pouco tempo. Não queria que vocês dois descobrissem a verdade nem pretendia contar a meu pai que peguei esse emprego. Mas aí... — Aí? — Quando a vi fiquei completamente apaixonada. Teria mantido meu plano original se não fosse por outro problema. Ele se enrijeceu. — Que problema? Annalise levantou a cabeça para olhá-lo. — Me apaixonei por você. Estava tentando construir um mundo para você e Isabella e, quando vi, você tinha se tornado meu mundo. O frio interior se despedaçou como um iceberg no degelo. Jack não resistiu mais, baixou a cabeça e a beijou. O beijo não devia ser diferente de todos os outros que compartilharam, mas foi. Não sabia se pela ausência de segredos ou por ambos terem deixado cair suas últimas defesas. Talvez o fato de terem confessado seu amor tenha alterado a natureza do beijo. Fosse qual fosse a causa, sabia que se lembraria daquele momento pelo resto da vida. Lembraria o calor e a entrega, a certeza e a paixão. E acima de tudo saberia que finalmente tinha um lar. Que encontrara o que passara a vida inteira procurando... e estava bem segura em seus braços. — Venha para casa agora — ele pediu. — Estamos perdidos sem você. — Pensei que fosse eu quem estivesse perdida. Enfiou as mãos em seus cabelos, deixando que seus cachos os prendessem um ao outro. — Nós três finalmente nos encontramos. Isso é tudo o que importa agora. Ele se apoderou de sua boca em um beijo demorado, afundando em sua maciez e seu calor. Se estivessem em qualquer outro lugar, pularia na cama mais próxima e passaria as 24 horas seguintes tomando-a sua em todos os sentidos possíveis da palavra. Com relutância, recuou. — Nunca percebi como minha vida era vazia, até você preenchê-la — ele disse. O sorriso dela foi o mais radiante que ele já vira. — Vamos para casa. Robert os observou ao saírem do barco. O que viu deve tê-lo deixado satisfeito, pois apenas sorriu. — Gostaria de ter a oportunidade de conhecer minha neta — ele disse a Jack. — Se estiverem dispostos. — Quando quiser. O caminho até Lover's Folly pareceu interminável, mas finalmente chegaram. Parecia que havia semanas que sua esposa estava fora de casa, em vez de algumas horas. Foram de mãos dadas da garagem ao jardim. A porta da cozinha foi aberta e seis 82


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filhotes travessos saíram e cruzaram o jardim latindo e brigando, com Madame bem atrás deles. Logo depois Isabella apareceu na porta da cozinha e deu um grito que poria fim a todos os outros. Saiu em disparada na direção de Annalise. A mulher soltou sua mão e se ajoelhou, amortecendo a chegada de Isabella com um abraço amoroso. — Oi, Baby Belle — Annalise cumprimentou a filha com um sorriso banhado em lágrimas. Isabella passou os bracinhos em volta do pescoço de Annalise e enterrou o rosto na curva macia entre seu pescoço e o ombro. Jack ficou emocionado ao assistir à cena. Isabella levantou a cabeça e deu uma olhadela ansiosa para ele. Jack lhe deu um aceno de cabeça para encorajá-la, rezando por um milagre. E aconteceu. Com um olhar tímido, Isabella disse: — Oi, mamãe.

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Próximo Lançamento

FAZ DE CONTA DO AMOR Katherine Garbera

A sala tinha um tamanho razoável, mas não o suficiente para a enorme mesa de carvalho. Duas pastas de arquivo caíram e o seu conteúdo se espalhou pelo chão. Adam se ajoelhou e começou a juntar os papéis, mas quando o seu olhar recaiu sobre as palavras seio e boca, puxou a folha e começou a ler. Ele acabou de ler a primeira cena, sentindo-se um tanto excitado com as imagens sensuais que Grace criara. Havia quase cinco páginas de uma fantasia escrita na primeira pessoa. Adam ouviu uma batida na porta e enfiou as páginas na pasta, escondendo-a entre os seus papéis. — Entre. Grace parou à porta, parecendo a mesma de sempre, mas pela primeira vez ele realmente a notou. Não como diretora de escola, mas como mulher. — Desculpe interromper, mas o sr. O'Shea está ansioso para continuar com a reunião. Você só vai precisar de mais alguns minutos, ou devemos retomar depois do almoço? Ele não tinha pressa de voltar à reunião antes de ter uma chance de pensar no conteúdo da pasta, mas sabia que a situação da escola precisava ser resolvida. Ao chegarem na sala de reunião, Grace olhou para o presidente do Conselho de Estudantes e o seu jeito mudou radicalmente. Uma chama se iluminou em seus olhos. — Não estamos dispostos a deixar que um erro acabe com a nossa escola. — E admirável, srta. Stephens, mas... — Deixe-a acabar de falar, Malcolm — disse Adam. — Depois analisamos o seu plano. — Na verdade, o plano não é meu. Todos participaram. Após apresentar o plano, ela se voltou para sair da sala, Adam a observou realmente pela primeira vez. Viu o corpo feminino sob as roupas sem graça e muito grandes para o seu tamanho. Observou as curvas de suas pernas e o balanço de seus quadris. Era pura tentação. — Grace, posso falar um minuto com você? Ela mordeu o lábio e concordou, fechando a porta depois de Bruce ter saído. — O que houve? — Ela sentou em uma das cadeiras para visitantes. Quando cruzou as pernas, a barra de sua saia subiu acima dos joelhos. — Acho que, se trabalharmos juntos, conseguiremos convencer Malcolm e o resto do Conselho a dar uma segunda chance a você e à escola. Ela arregalou os olhos. —Vamos ser honestos. Por que você estaria interessado em me ajudar realmente? — Ela estava corada. Uma mecha de seus cabelos escapara ao prendedor e balançava 84


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tentadoramente sobre o seu rosto. — Adam? Você prestou atenção no que eu disse? — Claro. Podemos discutir este assunto durante o almoço. — Por que está olhando fixamente para mim? — ela perguntou, cruzando os braços sob os seios. Ele ficou momentaneamente perturbado com a visão. — Acabo de perceber como você é bonita. Grace prendeu os cabelos que haviam se soltado e se pôs a observá-lo. Ele esperava que ela encontrasse no seu rosto um sinal de sinceridade ou de naturalidade, algo que ele desconfiava que ela nunca tivesse encontrado. — O sr. está bem, sr. Bowen? — Estou ótimo. Vou pedir ao motorista que nos espere diante do portão. Podemos discutir o seu plano para a Tremmel-Bowen e outras coisas. — Que outras coisas? — ela perguntou assustada. — Você quer que eu me demita? Creio que não seria vantajoso para a escola. Eu sou uma boa diretora, Adam. — Não, Grace. Não quero que você se demita — O que você quer, então? — Você.

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