Como Provocar um Sheik To Tempt a Sheik
Olivia Gates
Isolada num oásis com um sheik! O sheik Harres Aal Shalaan resgatou Talia Burke, então refém da tribo rival de sua família, carregando-a em seus braços fortes. Porém, logo descobriu que havia muito mais do que imaginava por trás daquela beleza selvagem. Talia guardava uma importante informação capaz de proteger o precioso reino do príncipe Harres... E tinha toda a razão do mundo em não confiar nele. Juntos e abandonados num oásis, Talia não seria capaz de resistir aos encantos do sheik, apesar de a lealdade dele à família e ao seu povo serem suficientes para tornálos inimigos. Apaixonar-se pelo príncipe talvez tivesse sido seu maior erro... Mas, agora, ela temia que fosse tarde demais... Nascido no deserto e destinado ao trono! Digitalização: Rosana Gomes Revisão: Cassia
Desejo nº 171
Como Provocar um Sheik
Olivia Gates
Querida leitora, Eu não saberia dizer o quanto amei escrever a história de Harres e Talia... Mas espere, sei sim! Afinal, estou aqui para isso. Sentia falta de escrever uma história como esta: um verdadeiro romance no deserto. Não um que se passe entre os luxuosos e grandiosos palácios de Zohayd, mas onde a natureza é o principal encanto e inimigo, e onde o perigo é constante para a vida dos heróis e o amor é onipresente, ainda que se mantenham as traiçoeiras conspirações e intrigas políticas. Foi uma grande adrenalina escrever cada palavra, do momento em que Harres salva Talia até a jornada de volta deles com todo risco e paixão. Esta jornada terminou somente quando outra começou uma entrega tumultuada de seus desejos no santuário de um oásis cuja beleza e magia intensificam qualquer significado e aguçam cada sensação. Depois, veio o retorno à metafórica selva, onde ninguém era aliado e seus inimigos estavam prontos para utilizar seus brutais testes de força e romper barreiras. Eu até me perguntava como o amor deles poderia sobreviver! Agora você entende por que adorei escrever esta história, e eu só posso esperar que você se divertisse bastante com ela! Muito obrigada por ler este livro. Sempre estarei ávida a ouvir minhas leitoras, por isso, entre em contato comigo pelo endereço www.oliviagates.com. Também adoraria que fosse minha amiga no Facebook ou me seguisse pelo Twitter. Boa leitura! Olivia Gates
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Tradução: Rafael Bonaldi HARLEQUIN 2012 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIM ENTERPRISES II B.V/S.à.r.l. Todos os direitos reservas. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: TO TEM PT A SHEIKH Copyright © 2011 by Olivia Gates Originalmente publicado em 2011 por Silhouette Desire Projeto gráfico de capa: núcleo i designers associados Arte-final de capa: núcleo i designers associados Editoração eletrônica: ABREU’S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11)2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornal e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A. Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
CAPÍTULO UM
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Harres Aal Shalaan apertou o manto que encobria sua cabeça, deixando apenas uma fresta para os olhos. Ele não precisava de mais do que isso para monitorar seu alvo. Deitado imóvel no cume de uma duna, o vento desértico da meia-noite o golpeava, açoitando-o com areia. Sua respiração abafada rivalizava com o uivo do vento em seus ouvidos. Ele procurou distraidamente por seu jipe, porém o veículo não estava ali. Ele o deixara a 3 km. Mais próximo do que isso o barulho do motor teria ecoado pela vastidão da planície. O ideal seria que ele o tivesse trazido consigo, mas isso acabaria atrasando-o pelo menos vinte minutos. Tempo que ele não podia desperdiçar. Harres não se deixaria enganar pela calma do local que vigiava havia cinco minutos. Tudo poderia mudar a qualquer momento. E aí seria tarde demais para intervir. Por enquanto, tudo estava na mesma. Os dois sentinelas que guardavam a entrada única se amontoavam ao redor de uma fogueira improvisada que lutava contra o vento impiedoso. Mais três duplas de guardas cercavam a cabana de tijolos. De dentro do casebre uma luz a gás bruxuleava pelas persianas de madeira baratas. Ele tinha de tirar o chapéu para os Aal Ossaibis. O clã rival dos Aal Shalaans arquitetara um plano impecável e em pouquíssimo tempo. A cabana ficava no meio do nada. Literalmente. As áreas habitadas mais próximas ficavam a 800 km, em qualquer direção. Um lugar ideal para manter um refém. O refém que Harres precisava libertar. Ele só descobrira esse local porque deduzira a identidade de uma das pessoas que contrataram aqueles capangas. Como havia desvendado a trama a tempo, Harres pôde identificar todos os envolvidos. Ele rastreara o sinal dos celulares antes que a cobertura desaparecesse, a 2 km atrás, e então utilizara a tecnologia disponível e descobrira o local por meio de uma intrincada triangulação via satélite. Qualquer um com poucos conhecimentos específicos e sem o poder e a influência de Harres teria falhado. Mesmo com todos os recursos, ele jamais teria encontrado o lugar se não fosse por suas deduções precisas. E o tempo estava se esgotando. Pelo que sabia do plano do inimigo, restava-lhe menos de 20 minutos para o resgate. Os mentores do sequestro chegariam para interrogar o refém, junto com um exército de guardas. Ele jamais imaginara a bomba-relógio que a situação seria. Harres teria vindo com sua força de ataque só a aparência de seus homens teria feito qualquer um com instintos de sobrevivência se render. Mas, como Ministro do Interior e chefe da Inteligência Central e da Segurança Interna, ele não sabia mais em quem confiar. Sua equipe nessa noite consistia em três de seus melhores homens, a quem ele confiaria á própria vida. E não eram meros subordinados, era uma família; príncipes soldados que, como Harres, morreria em nome de seus reinos Embora em outras circunstâncias ele; pudesse confiar em muitos outros de seus homens, Harres não podia se dar a esse luxo Havia muito em risco, e lealdades dúbias poderiam mergulhar a região inteira no caos. Ele precisava considerar o rosto do mundo como suspeito. E como ele não consideraria, já que até o palácio real havia sido infiltrado? Ele não colocaria seu ministério e as forças responsáveis pela segurança de Zohayd acima dos inimigos da casa real. Harres fechou os olhos. Ele ainda não conseguia acreditar. 4
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Uma conspiração para derrubar os Aal Shalaans como a família real de Zohayd estava sendo arquitetada bem debaixo do seu nariz havia meses. As inestimáveis joias do Orgulho de Zohayd, consideradas por todas as tribos como as detentoras do direito ao trono, foram roubadas e substituídas por falsificações antes do Dia da Exibição, evento no qual elas eram exibidas ao público. Certamente os ladrões planejavam expor publicamente as falsificações, iniciando o caos que tiraria os Aal Shalaans do poder. Nas últimas semanas, Harres investigara a região inteira utilizando informações obtidas por seu irmão Shaheen e a nova esposa dele, Johara. Naquela manhã, Harres conseguira uma pista que o levaria ao mentor da conspiração. Um suposto jornalista americano teria todas as informações vitais sobre a conspiração. Em vinte minutos, Harres chegara à casa alugada do homem. Mas seus inimigos já haviam agido. O homem havia desaparecido. Sequestrado. Harres não perdera um segundo sequer desde então, seguindo o rastro dos sequestradores até esse local desolado. Não havia dúvidas sobre as ordens desumanas do patriarca dos Aal Ossaibis: arrancar as informações do homem e deixar que o deserto cuidasse dele e de seus segredos. Isso já era motivo suficiente para Harres estar ali. Ninguém seria injustamente ferido em solo zohaydiano. Nem mesmo alguém com a intenção de derrubar o clã dos Aal Shalaans. Nem mesmo esse tal de TJ Burke. TJ Burke. O homem era um enigma. Harres possuía em seus bancos de dados informações atualizadas de todos os repórteres de mundo. Ele os vigiava atentamente, uma vez que possuíam a mais perigosa arma de todas: a mídia e sua inexorável influência nos movimentos globais e na construção da opinião pública mundial. Mas TJ Burke escapara de seu radar. Quando Harres descobrira a existência do repórter, algo sem precedentes acontecera. Ele não conseguira descobrir nada sobre o homem. Era como se TJ Burke tivesse começado a existir no instante em que chegara à região, havia uma semana. Ele encontrara referências ao único TJ Burke que já estivera na região, um especialista em TI americano que trabalhara para uma corporação multinacional em Azmahar. Mas esse TJ voltara para os Estados Unidos há um ano. Alguns meses depois, ele foi julgado por fraude e desfalque cometidos na região de Harres. Ele agora cumpria uma sentença de cinco anos em uma penitenciária de segurança máxima. Esse TJ Burke provavelmente se apropriara desse nome, ou então inventara um personagem cujo nome coincidiu com o de uma pessoa real. O que levou Harres a uma conclusão. Ele deveria ser um espião. Um estranho, ocultando seus movimentos e conexões das redes de Harres. Mas ele salvaria TJ Burke mesmo que ele fosse o diabo. Assim que ele estivesse em segurança, Harres obteria todas as informações de que precisava. Se fosse o que ele temia, Harres dobraria o preço que esse homem exigisse pelas informações inestimáveis e faria o possível para garantir que ele nunca as revendesse. Os guardas estavam quase dormindo em frente à fogueira. Ele sinalizou para Munsoor, seu segundo comandante. Munsoor retransmitiu a ordem para Yazeed, no lado sul da cabana que retransmitiu para Mohab, no lado oeste. Simultaneamente, eles dispararam os dardos tranquilizadores.
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Harres levantou-se. Em segundos estava pulando os corpos caídos e pousando silenciosamente nos degraus que levavam até a porta. Os outros o seguiram. Ele trocou um meneio tenso com seus homens, vendo apenas seus olhares sob a combinação misteriosa do luar e da luz da fogueira. Eles lidariam com qualquer surpresa. E Harres iria direto ao alvo. Ele abriu a porta, e o rangido partiu o silêncio. Seu olhar varreu o interior escuro. Burke não estava lá. Havia outro quarto. Ele tinha de estar ali. Ele se aproximou da porta retorcida, abrindo-a lentamente. Um homem magro, de barba, e vestindo uma jaqueta acolchoada cor de areia virou-se. Seus olhares se colidiram. Harres precisou olhar novamente para aqueles olhos impactantes, de um azul-celeste eletrizante. Ele parecia brilhar na escuridão, com um bronzeado incandescente e uma barba loira reluzente ao redor do rosto. Harres desviou o olhar, avaliando a situação. Ali era um banheiro. Burke não estava usando-o. Ele estava tentando escapar, tendo até conseguido abrir a janela de quase dois metros de altura com as mãos amarradas na sua frente. Harres tinha certeza de que os captores não teriam feito o erro de prendê-lo desta forma. O que significava que o homem tinha flexibilidade suficiente para usar as mãos como bem entendesse. Mais um minuto e ele teria escapado. Estava claro que ele não sabia que não havia para onde fugir. Devia estar inconsciente ou vendado quando fora trazido para lá. Mas, pelo o que vira no olhar de Burke, Harres sabia que ele tentaria escapar de qualquer maneira. Esse era um homem que preferiria levar um tiro pelas costas tentando escapar do que um tiro no rosto implorando pela vida. Ele era mais que sagaz. Era engenhoso, destemido. E ele morreria se Harres não o tirasse dali. Harres sabia que os captores prefeririam matá-lo e perder as informações a deixá-lo cair nas mãos de um Aal Shalaan. As observações se transformaram em ações. Ele avançou e agarrou o braço do homem. No próximo segundo, Harres poderia jurar que um míssil entrou por seus dentes e explodiu atrás de suas órbitas oculares. Ele levou segundos para entender o que acontecera. O homem o acertara. Ainda meio cego, ele utilizou seus outros sentidos para desviar da chuva de golpes que o homem desferia. Harres agarrou-o novamente, detendo-o com um sufocante abraço de urso. Não havia tempo para uma apresentação mais formal àqueles punhos tão inesperadamente violentos. O homem contorceu-se com a ferocidade de um tornado. — Pare de lutar, seu tolo — esbravejou Harres. — Estou aqui para salvar você. Parecia que o homem não conseguia decifrar as palavras que saiam da boca encoberta de Harres. Ou não acreditava nelas. Ele deu um chute excruciante na canela esquerda de Harres e o acertou com o joelho. Harres quase não conseguiu evitar aquele último impacto, maravilhado com a agilidade de Burke. Aquele sujeito pequeno teria lutado de igual para igual se estivesse com as mãos livres e com mais espaço.
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Harres descobriu a boca e jogou-o contra a parede de pedra, com um braço aplicando pressão suficiente na garganta para fazê-lo para de lutar e inclinando seu rosto para que fizessem contato visual. Um zunido atravessou-o novamente quando aqueles olhos brilhantes encontraram os seus, o corpo que ele aprisionava debatendo-se em pânico. — Não me faça apagá-lo e carregá-lo como um saco de roupas sujas. Não tenho tempo para a sua paranoia. Agora, faça o que eu mandar, se quiser sair daqui vivo. Ele não esperou por consentimento. Porém, um segundo antes de se mover, Harres achou ter visto a hostilidade nos olhos de Burke se abrandar. Ele arquivou aquela observação para uma análise posterior enquanto o arrastava de volta. Uma troca de tiros cortou a noite, surpreendendo-o. Os reforços deviam ter chegado. Seu coração se acelerou com a necessidade de juntar-se aos seus homens. Mas ele não podia. Todos concordaram que a única coisa que importava era a segurança do alvo. Nada nem ninguém mais; era indispensável. Sentindo o sangue ferver e congelar ao mesmo tempo, Harres virou-se para o homem. Eles teriam de usar a rota de fuga que ele planejara. O homem já estava à sua frente. Harres pegou um punhal de seu cinto e arrancou as amarras de Burke, e então se abaixou para ajudá-lo a sair pela janela. E o homem surpreendeu-o novamente. Com um simples movimento, ele pulou como um gato sobre a beirada da janela, pegando então impulso para se jogar pela abertura. Em um segundo Harres ouviu o som inconfundível de alguém caindo no chão no lado de fora. Esse cara era um acrobata? Ou um agente das forças especiais? Independente do que fosse ele era muito mais do que Harres imaginara. Ele só esperava que aquele teimoso não tivesse fugido ele demoraria mais do que os três segundos que o sujeito levara para sair dali. Em dez segundos, Harres mergulhou pela abertura. Ele deixou-se cair de cabeça para baixo, aterrissando com os braços estendidos. Teve a visão invertida da silhueta do homem, aguardando-o. Afinal de contas, Burke era inteligente o suficiente para saber quais eram suas melhores chances. Harres endireitou-se e correu em direção ao homem, em um movimento contínuo. — Siga-me. Sem uma palavra, ele o seguiu. Eles correram pelas dunas, guiados apenas pela bússola fosforescente de Harres e as luzes das estrelas. Ele não podia usar uma lanterna para voltar para o jipe, e não havia como saber se seus adversários haviam passado por seus homens. Eles correram sem saber se os outros estavam em segurança. Harres só teria certeza quando chegasse ao helicóptero a quilômetros de distância e entrasse em uma zona de cobertura onde pudesse se comunicar com eles. Por hora, ele só pensava em proteger TJ Burke. Dez minutos depois, ele sentiu-se seguro o suficiente para concentrar seus sentidos no homem. Burke o acompanhava. O ritmo de seus pés dizia que ele corria mais rápido que Harres, para compensar a diferença do tamanho de suas pernas Além de ágil e um bom lutador, ele estava em ótima forma. Boas notícias. Ele não queria ter de carregá-lo até o jipe se ele desmaiasse. Mas não havia risco de isso acontecer, Burke mantinha o ritmo notavelmente, respirando sem dificuldades. 7
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E novamente algo... Inexplicável varreu o corpo de Harres conforme aqueles sons preenchiam a noite, mesmo com seus ouvidos sendo bombardeados pelo vento. A sensação originava-se em algum lugar atrás do peito e aprofundava-se, para baixo. Ele rangeu os dentes ao se aproximar do jipe de dois lugares, pulando dentro do veículo. — Entre aqui atrás. Sem titubear, Burke sentou-se atrás dele, colocando as pernas ao redor de sua cintura e pressionando o corpo contra o dele, como se isso fosse algo corriqueiro. Harres sentiu um arrepio quando ligou o motor. Em instantes, ele manobrava o veículo por entre as dunas, dirigindo com mais violência do que a situação exigia. Ele dirigia em silêncio, catapultando o carro pelas dunas e caindo em suas depressões, esparramando areia e levando o motor ao limite. A cada solavanco, o homem se comprimia mais contra Harres, como se ambos fossem se fundir. Sua respiração ficou difícil conforme o calor do corpo do homem era transmitido por cada ponto de contato, encharcando suas costas. Adrenalina. Era isso. Desconforto. Por ter alguém tão próximo de si, mesmo nessas circunstâncias. Sim. O que mais poderia ser? Em minutos, a silhueta do helicóptero Mi-17 surgiu. Era a melhor visão que Harres já tivera. Ele não só conseguira escapar, como também tiraria aquele sujeito das suas costas. Ele freou desenhando um enorme arco na areia, quase capotando o veículo antes de parar abruptamente no lado do piloto. Harres soltou as mãos de Burke de sua cintura e saiu do carro. O homem pulou para fora, novamente com a agilidade de um gato, e esperou por orientações. Quando sua visão adaptou-se à escuridão, Harres o observou em detalhes. Com seus cabelos dourados agitando-se contra o vento e seus olhos iridescentes, Burke parecia um elfo lunar, etéreo, sua beleza intocada pelos esforços... Sua beleza? —Entre no lado do passageiro e aperte o cinto. — Sua agressividade era direcionada para seus pensamentos e reações insanos. — Vou colocar o carro no compartimento de cargas... Primeiro, o som de um trovão. Depois, a compreensão. Era um tiro. Então, o choque no olhar de Burke. Por último, a dor. Harres fora atingido. Em algum lugar no lado esquerdo, próximo ao coração. Não fora no coração, pois ele não se sentia fraco. Ainda. Alguém escapara do cerco de seus homens e os seguira. Esse poderia ser o último erro de sua vida. Harres entrou em ação, impedindo que o homem revidasse. Eles não tinham tempo para isso. Mas ele não deveria ter se preocupado. Burke não era um covarde. Ele correra para o helicóptero enquanto mais e mais tiros voavam ao redor deles. Harres sabia agora que aquele primeiro tiro havia sido por acaso. Não havia 8
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nenhum franco atirador. Mas isso não queria dizer que quem estivesse ali não pudesse acertar um alvo como o helicóptero. Em segundos eles estavam em seus lugares, e Harres já tirava aquele monstro do chão. Ele alcançou a altitude e a velocidade máxima de que o helicóptero era capaz. Em menos de um minuto, já estavam muito longe para ser vistos pelos inimigos. Foi só então que Harres se permitiu investigar os danos no seu corpo. Ele não tinha ideia do que acontecera. Tudo o que sentira fora uma queimação atravessar-lhe o lado esquerdo, logo abaixo da axila. Ferimento leve. Talvez com algum dano ósseo. Nada grave. Se nenhuma artéria tivesse sido rompida. Mas havia algo pior do que a ideia de perder sangue rapidamente e entrar em choque. O helicóptero estava perdendo combustível. O tanque fora atingido. Harres olhou o indicador. Com a perda, o combustível não seria suficiente para chegar à capital. Nem às áreas habitadas onde poderia entrar em contato com sua equipe. Ele precisava fazer um desvio. Para o oásis mais próximo, 724 km mais próximo do que qualquer área habitada. Seus habitantes ainda não conheciam o mundo moderno, mas, assim que estivessem em segurança, Harres enviaria emissários a cavalo para sua equipe. A jornada provavelmente seria atrasada por uma tempestade de areia que estava prevista para atingir a região logo, uma ou duas semanas nas quais seus irmãos e primos os únicos que sabiam de sua missão provavelmente pensariam que ele estava morto. Era um pequeno preço a se pagar. Seu novo plano daria certo. Pousar no oásis, cuidar dos ferimentos e contatar sua equipe. Missão cumprida. No minuto seguinte, ele quase se bateu. De todas as horas para se vangloriar... O vazamento de combustível não era o único problema. Na verdade, era o menor deles. Os danos no sistema de navegação demoraram a se revelar. A aeronave estava perdendo altitude muito rápida. E não havia nada que ele pudesse fazer para endireitar o curso. Ele precisava pousar. Ali. Ou então despencariam. — Está com o cinto? O homem assentiu freneticamente, seus olhos arregalando-se diante da constatação. Harres não tinha tempo para acalmá-lo. Nos próximos vinte minutos, ele tentou todos os truques que aprendera como piloto de teste para pousar o helicóptero. Porém, eles acabaram caindo. Após uma violenta reação em cadeia de impactos e destruição, ele respirou tremulamente ao perceber que não haviam sido pulverizados. Harres recostou-se no assento, enquanto o interior da cabine entrava e saía de foco. Ele perdera sangue ou as luzes da cabine estavam flutuando? Tinha certeza de que o helicóptero estava destruído. Ele lidaria com suas preocupações mais tarde. Depois de verificar o passageiro. Harres soltou o cinto, acendeu todas as luzes da cabine e virou-se para Burke. O homem estava com o rosto virado contra o assento, seus olhos abertos com um misto de pânico e alivio seus olhares se encontraram. E não havia dúvidas sobre o que acontecera então. Harres teve uma ereção. 9
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Ele estremeceu. O que era aquilo? O que estava acontecendo? Seu corpo estava descontrolado por causa do estresse? Chega dessa estupidez. Procure por ferimentos. O homem se encolheu ao toque, como se Harres o tivesse eletrificado. Ele sabia como Burke se sentia. A mesma carga permeara seu corpo. Aquilo passara de estupidez para insanidade. Ele forçou uma inspiração, determinado a acabar com aquelas reações anômalas, pegou Burke pelos ombros e o pôs sob a luz. O homem lutava. — Pare de se mexer. Preciso verificar se você está ferido. — Estou bem. Aquela voz rouca o atravessou, embora mal pudesse ouvi-la em meio ao ruído dos rotores ainda em movimento. E uma convicção o atingiu. Harres achava que estava começando a alucinar por causa da perda de sangue. Mas ele já estava sentindo aquelas coisas inexplicável muito antes de serem atingidos. Ele ouvia sua mente, e o que ela achava que era, e prestava atenção em seu corpo, que gritava desde o primeiro instante, assim como todos os seus instintos. Harres sempre os ouvia. Naquele instante eles diziam que, mesmo naquelas condições terríveis, ele queria TJ Burke. E, conhecendo a si próprio, isso queria dizer apenas uma coisa. Ele fincou os dedos entre os fios dourados do cabelo de TJ Burke, seu corpo endurecendo ainda mais com o suspiro que ele soltou. Harres alisou aqueles lábios úmidos com o polegar, como se para agarrar o som e o choque mortificado que ele percebeu serem reações igualmente incontroladas. E sorriu, satisfeito. — Então, me diga, por que você está fingindo ser TJ Burke, um repórter investigativo barbudo, quando ficaria muito melhor como uma elegante Mata Hari moderna?
CAPÍTULO DOIS
TJ Burke se afastou daquela força da natureza na forma humana, ofegante sua voz rude e áspera tremendo de pânico. — Você bateu a cabeça na queda? Aquele homem aproximou-se novamente quase sem se mover, fazendo a espaçosa cabine parecer pequena. O sorriso naqueles olhos dourados que pareciam capturar os raios de luz e ampliá-los tornou-se ainda mais perigoso um perigo ainda mais assustador por ser inofensivo, mais... Angustiante pela resposta que suscitava. Então aquela voz de barítono tão profunda quanto á noite soou: — O único golpe na cabeça que levei esta noite foi cortesia de suas mãos bem cuidadas. Como eu tinha a intenção de arrancar sua cabeça fora, devo ter deslocado algo aí dentro. O seu bom senso, provavelmente. Talvez o cérebro inteiro. Precisaria de meu bom-senso e meu cérebro está no lugar. Precisaria de talvez... — seus olhos percorreram o corpo de TJ como mãos ardentes — dez de você para me deixar inconsciente 10
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— Precisei só de mim mesmo para fazer isso hoje — TJ ridicularizou incerto se o ar dentro da cabine duraria por muito tempo. — Eu quase derrubei você. Com as mãos amarradas, literalmente. — Certamente você pode me derrubar, mas não me batendo. Seu efeito em mim não tem nada a ver com sua força física, e com certeza não é proporcional ao seu tamanho. — É só isso que você sabe fazer? Piadinhas sobre o meu tamanho? — Eu jamais faria piadas sobre você. — Novamente os olhos de Harres pareciam emitir um campo de força que atraía TJ. — E acho que seu tamanho é perfeito. Sentindo arrepios e o coração que acabara de se acalmar voltar a se agitar, TJ sorriu maliciosamente. —Tem certeza de que não bateu a cabeça? Ou esse é o seu jeito de falar com outros homens? O insulto pareceu virar cinzas na temperatura crescente do sorriso de Harres. — Nem com mulheres eu falo assim. Mas é desta forma que eu falarei com você. Entre outras coisas. Outras coisas possíveis. TJ encostou-se a e na porta do passageiro. — Então você acha que sou uma mulher? E está flertando comigo? Minutos após sobreviver a um acidente devastador e aterrissar só Deus sabe onde? E ainda não consegue perceber o quão ridículo está sendo? — Ridículo é você ter achado que uma barba e um péssimo corte de cabelo disfarçariam sua feminilidade. Eu a senti... Logo de cara. Então, por que você não para com essa encenação e me conta quem realmente é? — Eu sou TJ Burke! Lábios meticulosamente esculpidos se abriram, revelando dentes tão brancos que eram quase fosforescentes na escuridão. — Minha bela, barbada apenas um de nós possui testosterona circulando nas veias. Não me faça mostrar-lhe... Uma prova tangível. TJ fitou-o ameaçadoramente, tentando não mostrar nenhuma fraqueza e responder no mesmo nível de audácia. — Esta... Prova tangível mostra que você é atraído por mulheres loiras pequenas? Uma risada reverberou das entranhas daquele enorme predador, atravessando TJ como uma voltagem mortal. — A primeira coisa que você precisa aprender sobre mim é que sou à prova de insultos. Eu sequer bateria em você, se você fosse um homem. Mas meu corpo soube da verdade no instante em que pus meus olhos em você naquele buraco desprezível, contra todas as evidências. Então, você vai admitir ou quer que eu... Prove por conta própria? TJ comprimiu-se ainda mais contra a porta quando Harres levantou a mão direita. — Coloque a mão em mim, imbecil, e eu a arrancarei com os dentes. — Do jeito que estou reagindo a você, não há nada que eu queria mais do que seus dentes por todo o meu corpo. Mas, se algo prova a sua feminilidade, é essa sua suposta ameaça. Um homem diria que iria quebrar minha mão ou a decepá-la, ou algo do tipo. — Então é normal que homens o ameacem? E que mulheres lhe arranquem qualquer parte que alcancem? Harres estreitou os olhos, concentrando a intensidade de seu divertimento. 11
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— Você é especialista em mudar de assunto, não? Desista de uma vez. Eu já saquei tudo. Tanto que nem mesmo uma bala está afetando minhas respostas. — Uma bala! — Os olhos de TJ quase saltaram. — Você está ferido? Ele negou. — Você teria piedade de um homem ferido e revelaria seu nome? O seu verdadeiro, desta vez. E deixe-me ver como você é sem este tapete no seu rosto. — Oh, cale a boca. Você está realmente ferido ou só tirando sarro de mim? De repente ele deixou sua aparentemente indolente pose e agarrou a mão direita de TJ. Ele estava prensado contra Harres, peito com peito, rosto com pescoço, um braço ao redor de seu torso corpulento. A sensação era a de tocar um circuito elétrico. Então ele sentiu uma viscosidade repugnante. Antes que TJ pudesse se afastar alarmado, Harres colocou a mão direita em seu cabelo, puxando-o gentilmente até que seus olhares se encontrassem. — Viu? Estou sangrando. Por você. Posso até morrer. Você vai ser cruel a ponto de me deixar morrer sem saber quem realmente é? TJ afastou-o para longe, sua mão ensopada de sangue. — Oh, cale a boca. Aqueles lábios mortais se crisparam. — Vou me calar se você começar a falar. — Você não precisa falar, precisa é cuidar desse ferimento. — Vou cuidar dele. Agora fale. — Não seja burro. Suas artérias intercostais podem estar rompidas, e elas jorram como uma torneira. Você pode achar que está estável, mas não há como saber o seu estado real e o tipo de perda de sangue que você teve. Sua pressão pode cair a qualquer instante. E, se cair, não há como normalizá-la! — Falou como uma especialista. Já foi baleada? — Já tratei de pessoas que foram. Pessoas que não eram estúpidas a ponto de recusar a minha ajuda. — Isso é jeito de falar com o homem que levou um tiro por você? E tire essa coisa do seu rosto, por favor. — Eu não acredito! Você pode entrar em choque a qualquer momento e ainda está tentando provar essa teoria ridícula? Harres apenas sorriu imperturbável, impassível. — Ok, eu vou falar. Depois que cuidar de você. — Vou deixar que você, cuide de mim. Depois que você falar. — Pelo amor de Deus! Onde está o estojo de primeiros socorros deste helicóptero? — Vou lhe mostrar depois que você contar o que quero ouvir. — A verdade? Pois eu acabei de lhe dizer. Harres se afastou quando TJ se aproximou procurando o ferimento. — Nada disso. Não vou deixar você me tocar até admitir que seja uma mulher. Só deixo mulheres me tocarem. Os olhos dele exibiam uma dezena de diabinhos dançantes. — Você não tem ideia da intensidade, da gravidade da sua situação, não? E por que você se importa se eu admitir ou não? Você já sabe, afinal de contas. Além disso, não vou só tocar em você, vou me banhar no seu sangue. A satisfação no olhar de Harres aumentou, engolindo TJ. — Soube que você é uma mocinha sanguinária quando quase me cortou ao meio com a força do seu olhar. Daí você tentou quebrar meus dentes e me transformar de barítono em contralto. 12
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TJ sentiu um sorriso se formar, dissipando o olhar sério gravado em seu rosto, e teve de admitir... Aquele homem era letal. Em todos os sentidos da palavra. Mas, apesar de estar zombando dela, sua deterioração irreversível estava piorando. Não havia como saber o quão sério era o ferimento sem um exame completo. — E eu achei que você era inteligente. Acho que as aparências enganam. Os lábios de Harres se comprimiram. — Agora fale. — Oh, mas eu achei que a minha aparência não tinha enganado você em momento algum, que minha "feminilidade" era gritante. Harres suspirou, meneando a cabeça em um falso desamparo. —Aih. Se eu entrar em choque, lembre-se de que a culpa é sua. Em todos os sentidos. — Ora, por favor. — TJ soprou o ar com força, e começou a arrancar a barba. Ela gemeu como se um maçarico tivesse ferido suas terminações nervosas, forçando-a a deixar a barba pendurada sobre os lábios. Ela então massageou o rosto, fitando furiosamente seu carrasco. — Satisfeito, seu cabeçudo, sua mula teimosa? — Que lisonjeiro! Ninguém nunca me bajulou tanto assim. Ela encarou Harres conforme ele removia o resto da barba, fazendo o adesivo separar-se da pele de uma só vez. Ele então se afastou massageando as faces dela, abrandando-lhe a pele com as costas daqueles longos, ásperos e fortes dedos. Ela murmurou conforme um fogo ainda mais devastador emanou por cada ponto de contato. — Ya Ullah, ma ajmalek. Como você é linda. Achei que já tinha visto todos os tipos de beleza, mas eu jamais coloquei os olhos em nada assim. Você parece feita de luz, ouro, enerru e pedras preciosas. Ela ainda não acreditava que ele descobrira seu disfarce. Ninguém o percebera durante a semana que estivera em Zohayd. Nem os sequestradores, e ela passara um dia inteiro com eles. Porém, ele notara sua feminilidade em instantes, mesmo com sentidos cegos pela escuridão, á tensão e o disfarce. Ele também não tivera nenhuma evidência tátil, graças ás roupas acolchoadas, especialmente a jaqueta e o corselete achatando seus... Atributos. Mas ele descobrira. E, assim como ele sentira suas vibrações, ela mergulhara nas dele. Ela sentira cada centímetro de seu corpo formidável, e seu cheiro acima da podridão da prisão e do caos após o acidente. Ela ouvira cada inflexão da voz dele através do ruído da cacofonia mental e da loucura daquela fuga. E, em vez de reagir à sua masculinidade como reagira à de seus captores com medo, asco, violência e desespero, ela a achava reconfortante, tranquilizadora e, se pudesse acreditar nas reações do próprio corpo nestas circunstâncias insanas, sedutora. Ela não achava um homem tão sedutor assim desde... Sempre. E pensar assim significava que ela havia batido a cabeça. Ou algo do tipo. Algo estava errado, se tudo o que ela queria naquele instante era aninhar-se nele e abraçá-lo. Como se respondesse às suas necessidades, ele se inclinou e recostou o rosto em seu pescoço, respirando e gemendo com um intenso contentamento. 13
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— Mesmo usando colônia masculina e depois de toda a fuga, seu cheiro é celestial. E você ainda não me disse seu nome, ya jameelati. Ela se afastou. Precisava dar um jeito naquele brutamonte teimoso. — E você ainda acha que, perguntando várias vezes, eu vou responder algo diferente. Harres a encarou. E então meneou a cabeça, decidido. — Então seu nome é TJ. O que significam essas letras? — Então você acredita em mim? — Sim. Meus instintos estavam certos sobre você até agora. E dizem que você está sendo sincera. Eles até insistem que você não possui a habilidade de mentir. — Você me faz parecer uma tagarela incontinente. Não contei nada aos meus sequestradores. — Ocultar a verdade não é mentir. Pode haver diversos motivos, do medo à nobreza. Fazer isso sobre ameaça é algo corajoso. Mas, em quase todas as situações, mentir é covardia. E desde o primeiro instante não tive dúvidas da sua coragem. Então, com isso dito... Seu nome é...? TJ inspirou com dificuldade, e soprou o ar com força. — Talia Jasmine. Satisfeito? Agora, onde está o maldito estojo de primeiros socorros? Ela ouviu-o inspirar, sentindo o ar dentro do próprio corpo, como um afago. Mas foi aqueles olhos maravilhosos que a fizeram estremecer novamente. Em silêncio, ele abriu um compartimento acima deles e pegou um imenso estojo de emergência. Ela o agarrou, sentindo-se aliviada ao fazer um inventário rápido do conteúdo. Talia pegou uma bolsa de soro fisiológico, pendurou-a em uma saliência acima da cabeça dele, pôs o braço de Harres em seu colo e buscou uma veia com uma agulha, prendendo-a com uma fita adesiva e aumentando o gotejamento ao máximo para uma reposição de fluidos mais rápidos. Ele levou uma garrafa de água até os lábios dela. Talia então percebeu que estava muito desidratada. Ela esvaziou a garrafa em um só gole. Ele a observou como se quisesse sorve-la, decifrando e assimilando-a. — Ok eu preciso que você exponha o ferimento e que o ilumine com esta lanterna. É melhor fazer isso na parte de trás do helicóptero, para que você possa se deitar. Ele sorriu da sua maneira peculiar, sério e ainda enternecedor. — Posso realizar duas das três exigências. Posso com prazer tirar a roupa. E posso iluminar a bagunça que eu fiz quando todos os meus sentidos estavam tão focados em você que eu não percebi o atirador que poderia ter me matado. Tenho medo de pensar no que teria acontecido com você. — Como se eu estivesse em uma situação melhor — ela murmurou, vestindo luvas. — Estamos ambos inteiros, e um tiro é a melhor das possibilidades em uma operação de resgate. Mas lamento informar que sacrifiquei a parte de trás do helicóptero para preservar a cabina durante a queda. Duvido que haja espaço lá até mesmo para alguém da sua espécie se deitar. — Minha espécie? Mulheres, você quer dizer? Até onde sei, somos um gênero. — Felinos. — O sorriso dele ampliou-se enquanto retirava a faixa da cabeça, iniciando o processo de se expor... De expor o ferimento para ela. — Não 14
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conheço nenhum outro animal capaz de sair por uma janela de quase dois metros com tamanha graça e leveza. — Eles são conhecidos como ginastas. Eu fui uma até os dezoito anos. Parece que minhas habilidades ressurgiram sob o estresse. Ele terminou de despir a faixa com movimentos que ela só poderia descrever como... Eróticos. Esse era um homem acostumado a se equipar com meras vestimentas antes de enfrentar a crueldade e os caprichos do deserto com as próprias habilidades. De súbito todos os pensamentos se evaporaram. A última volta terminou, e uma juba de um reluzente e sedoso mogno cascateou sobre os ombros dele. — Você deveria falar. — Oh? — Uma formidável sobrancelha arqueou-se conforme ele despia a camada exterior de seu traje híbrido negro. Ele pareceu ficar ainda maior vestindo apenas uma blusa justa de manga comprida e colarinho alto. — Você deveria estar em um palco interpretando o próprio Rei Leão. Com pouca ou nenhuma maquiagem — disse ela, fazendo um gesto abrangente. E ele a presenteou com outro ronrono divertido, provando suas origens felinas. Harres então tentou tirar a blusa e gemeu seu rosto contorcendo-se de dor. — Parece que levantar o braço esquerdo não será uma das minhas atividades favoritas por um tempo. — Você trouxe uma troca de roupas? — Sim. E outros suprimentos que vou pegar depois que terminarmos isso aqui. — Ok. — Ela pegou uma tesoura e cortou a blusa dele. Harres arquejou quando a frieza das lâminas deslizou por sua pele quente, gemeu quando elas atingiram as partes grudadas no ferimento, e gritou conforme as mãos enluvadas separavam as adesões e apalpavam as bordas da ferida. Deveria haver apenas dor. Mas, para ouvidos sensíveis às menores inflexões, o prazer também era inconfundível. Tremores dominaram as mãos dela apenas pelo contato com o ferimento dele. O que aconteceria se ela estivesse tocando-o o sem barreiras, explorando a força e a beleza dele apenas por puro prazer? Trabalhe idiota. Pare de fantasiar com toda essa virilidade e termine o curativo. Você provavelmente está em choque e alucinando essas sensações. Imbecil. De repente, ela percebeu algo. Ele a ajudava com total eficiência e óbvio conhecimento do que estava fazendo. Ele não estava brincando quando dissera que iria cuidar do próprio ferimento. Esse homem era versado em muito mais do que operações de resgate. Ele conhecia muito bem os procedimentos de emergência. Quem era ele? Ela abriu a boca para perguntar, quando um daqueles dedos que ela apostava que poderiam dobrar o aço pousou em sua face. A delicadeza de seu toque quase pulverizou seu já precário autocontrole. Lágrimas formaram-se atrás dos olhos dela. Talia as engoliu quietas. Foi ele que fez a pergunta: — Você não estava exagerando quando disse que já havia tratado ferimentos de bala antes. Quem é você, orvalho do Paraíso? Suas mãos se interromperam antes de iniciar o procedimento. Ninguém jamais descobrira o significado de seu nome. 15
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— Seus pais devem ser aplaudidos por escolherem um nome tão apropriado à beleza e delicadeza. Ela lançou-lhe um olhar furioso. — Eu não sou delicada! — Oh, você é sim, incrivelmente. — O sorriso de Harres era pura indulgência. Ela estreitou os olhos. — Como está seu queixo? Algo quente e prazeroso retumbou de dentro do peito dele, reverberando nos ossos dela como uma linha de baixo feita de desejo, não de sons. — Meu queixo sempre se lembrará do encontro com seu punho. Mas guarde as garras. A delicadeza não equivale à fragilidade no seu caso, mas sim à elegância, sensualidade, e á mais pura desenvoltura. É isso que você é. Um exterior de ouro maciço, recheado de puro deleite ao redor de um âmago de aço. — Tem certeza de que não bateu a cabeça? Ou você é sempre assim, tão poético? — Sou exatamente o oposto. As mulheres dizem que sou sovina com as palavras. Jamais digo o que não preciso. O que não esteja sentindo. Não é por acaso que fui escolhido para as leis, e não para a diplomacia. — Então, dentre a multidão de mulheres que passou por sua vida, eu fui á única que, depois de uma missão de resgate à La Missão Impossível, despertou o poeta dentro de você? — Perfeitamente. De repente ele virou-se e deitou de costas, pousando a cabeça no colo dela. — Aqui é o único lugar aonde vou me deitar. Ela engoliu em seco, encarando aqueles olhos de ponta cabeça e reprimindo a ânsia de acariciar-lhe o rosto, de enterrar os dedos naquela cabeleira espalhada sob seu colo e, inacreditavelmente, de inclinar-se e beijar aquela testa antes, de começar e espetá-lo com agulhas e cortá-lo com o bisturi. Antes que ela sucumbisse a algum desses anseios ridícula. Harres pôs a bandeja que ela preparara no chão e virou-se de lado para dar-lhe melhor visibilidade do ferimento. Ela quase engasgou quando ele olhou por cima do ombro e murmurou: — Esta é a melhor posição para entregar-lhe os instrumentos. Ela balançou a cabeça e pigarreou, esperando expulsar qualquer distração. E voltou a examinar o ferimento. Harres olhou para o enigma em forma de mulher que salvara. E que, em troca, estava salvando-o. Ele segurava a lanterna para ela. E enquanto Talia injetava-lhe um anestésico local, ele a examinava. Ela era muito mais que linda. Única. Mágica. Talia pigarreou novamente, o que ele percebera que ela fazia quando tentava se; recompor. E ele tinha certeza de que isso não tinha nada a ver com a parte médica da situação. — Ok. A bala passou sem atingir seus músculos. Ela acertou a ponta de sua escapula, raspando em três costelas. Nenhum tendão ou nervo foi rompido. Há uma lesão muscular no ponto de entrada da bala, e ao sair pela frente ela causou um ferimento de um centímetro na sua pele. Mas o sangramento é o pior, já que muitas artérias estão fora de alcance. Vou ter de ampliar e aprofundar o ferimento para alcançar e cauterizá-las, e para uma futura drenagem. Vou colocar suturas profundas para reparar os tecidos mais 16
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lesionados, e deixarei o ferimento aberto para drenagem. Vou suturá-lo depois, quando o inchaço diminuir, para que não haja nenhuma infecção. Cada minuto trazia novas sensações. Não eram apenas sensações físicas por sentir suas coxas firmes e quentes sobre a cabeça, ou por respirar sua essência sensual e intoxicante. Ele nunca sentira tamanha sinergia, mesmo trabalhando com seus irmãos ou sua equipe. Ele nunca deixara ninguém responsável por nada enquanto estivesse por perto menos ainda por seu próprio bem-estar físico. Harres nunca desejara uma mulher tão intensamente, muito menos enquanto respeitava e dependia das capacidades dela, querendo mimá-la e protegê-la com a própria vida. Isso era real ou tudo estava sendo amplificado pelas circunstâncias, combinado com a perda de sangue, a sobrevivência e a gratidão? Isso era real. Pelo jeito que o olhar e as mãos dela o acariciavam, como se pedissem desculpas pela necessidade de machucá-lo, pelo jeito que seus lábios tremiam a cada leve indicação de desconforto dele, ele sabia. Era real para ela também. Não importava quem eles eram, ou como e quando se conheceram. O tempo que haviam passado juntos como o de uma vida e os eventos e sentimentos que compartilharam significavam que eles podiam pular a maioria das etapas de desenvolvimento da atração. Ela terminou os procedimentos e Harres se sentou, ajudando-a a envolver seu torso com bandagens. Quando ela começou a se afastar, ele não pôde suportar. Sua mão prendeu-se no cabelo dela, tentando aproximá-la. Ela tentou se afastar. Após um longo instante, ele retirou a mão, sussurrando: — Você está com medo de mim? — Não. — O alívio o inundou ao ouvir a negativa veemente. Então ela sorriu timidamente, elevando sua beleza a níveis estratosféricos. — O que pode ser a coisa mais estúpida que eu já senti, considerando que estou no meio do nada com um brutamonte, em uma terra onde não conheço ninguém. Mas, enfim não estou com medo de você. Nem por um segundo. É exatamente o oposto. Ele estava certo. Ela sentia o mesmo por ele. Outra ânsia desconhecida o dominou: o desejo de provocá-la. — Isso é mentira. Você teve tanto medo de mim por alguns segundos que você quase me deixou permanentemente incapacitado. — Isso foi antes de ver o seu rosto, ouvir a sua voz. Antes disso você era... Um grandalhão camuflado que viera me reivindicar. — Você está certa sobre a parte da reivindicação. — Ele passou um braço ao redor da cintura dela, trazendo-a para si. — Então, vai-me dizer onde aprendeu a realizar cirurgias? — Na faculdade de medicina, onde mais? — Quer dizer que você é médica? — Até onde eu sei, é o que se forma em uma faculdade de medicina. — Então tudo o que eu achava que sabia sobre você era falso, do seu gênero até sua profissão. Tem mais alguma surpresa? Um sorriso estremeceu em seus lábios pálidos. — E por que haveria? A ânsia de capturar seus lábios e trazê-los de volta à vida cresceu dentro de si, quase o levando à ação. — Por nada, ya shafeyati. — O que isso quer dizer? — Minha salvadora. 17
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— E como se diz "meu libertador" em árabe? — Monqethi. Ela repetiu a palavra, e sua voz, mesmo quando ela tentou disfarçar, penetrou nele como um afrodisíaco intravenoso, parecendo afagar-lhe o interior, fundindo-se em cada célula. Então ela intensificou a tortura. — E "meu herói"? As cordas vocais de Harres retesaram-se contra a tentação. Ele sussurrou "Buttuli" e ouviu-a repetir, como uma melodia hipnótica, antes de perder o controle. Ele a arrebatou e sorveu o resto daquela homenagem. Ela se entregou arfante, dando-lhe ainda mais. Harres queria se afogar nela, dar-lhe um vislumbre da necessidade e da ferocidade que ela lhe causava. Seus lábios clamavam pelo os dela, sua língua penetrava-lhe cada, vez mais, provocando gemidos e sensações. Ela o recebeu aparentemente incapaz de corresponder àquela paixão, mas devastando-o com sua entrega. — Talia... Nadda jannati... Meu orvalho do Paraíso... — Não é justo — ela gemeu nos lábios de Harres. — Eu não sei o seu nome... Muito menos o que ele significa. Ele mordiscou o lábio inferior dela, sugando-o até que ela gemesse e recebesse ainda mais sua língua. — Harres... Harres Aal Shalaan. — Ele começou a traduzir, dizendo apenas "Guardião...", quando ela se assustou e o empurrou. Ele a encarou, seu ser precisando dela, daqueles lábios contra os seus, daquele calor envolvendo seu corpo repentinamente frio. Ela o encarou de volta, e disparou: — Você é um Aal Shalaan? Harres assentiu arrependido por ter contado. A espontaneidade da atração que explodira entre eles terminara ali na hora que ele revelara quem era nada seria como antes. Dentre os milhares de mulheres que ele conhecera na vida e centenas de mulheres que o desejaram, jamais houvera uma que o enxergara como algo além de um málgama de status, poder e dinheiro. Ele nunca fora apenas um homem para elas. E também não seria para ela. Ele suspirou seu olhar abandonando os lábios intumescidos de Talia enquanto esperava que a artificialidade surgisse daqueles olhos sinceros. Sempre ficara irritado com as armadilhas de seu status e de sua riqueza. Agora, ele deliberadamente os amaldiçoava. Então ela novamente o surpreendeu. O espanto de Talia transformou-se no reflexo da repulsa. — Você é um daqueles ricos e imorais criminosos?
CAPÍTULO TRÊS
Harres encarou a mulher que acabara de chamar sua família de criminosos. E fez a única coisa que poderia ter feito. 18
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Ele jogou a cabeça para trás e gargalhou. Agora que o anestésico local estava passando, o ferimento se manifestava ao menor movimento, golpeando-o com uma dor lacerante. Porém, não tão intensa quanto o olhar de aversão com o qual Talia ainda o fulminava. Parecia que seu divertimento apenas alimentava aquela; repentina antipatia. Mas Harres não pôde evitar. Ele não conseguiu controlar o alívio por, em vez de bajulá-lo, ela estar pronta para lhe dar outro soco. E ela o fez. No braço bom, com força suficiente para acalmá-lo e impedir que ele abrisse aqueles pontos meticulosos de tanto rir. — Não ria de mim, seu imbecil! Ele ergueu a mão, tentando fingir seriedade. Era a coisa mais difícil que ele fazia naquela noite, logo depois de tentar não agarrá-la e trazê-la para si. Aquela mulher sabotava seu autocontrole e provocava todos os seus sentidos. — Eu não ousaria. Estou rindo de prazer, e não de você. — Ele massageou o local do golpe, como se para prolongar a sensação do contato entre eles. Seus lábios ainda queimavam com a lembrança dos dela, de sua língua brincando com a dela do sabor de sua intoxicação e de engolir seus gemidos de prazer. Seu corpo ainda formigava, desejando-a. Ele queria acabar com aquela discussão para tê-la novamente. — E é por sua causa e de suas surpresas. Ela fechou os punhos, comprimindo os lábios até formarem uma linha. — Que tal eu acabar com elas agora, quebrando o seu nariz? A agressão fez com que o prazer jorrasse dentro de Harres enquanto ele alisava o queixo dolorido. — Para fazer companhia ao meu queixo? Que bom que eu não disse meu nome quando você estava me cortando com o bisturi. Os olhos dela se comprimiram, enfurecidos. — Mas agora eu sei, e vou ter de usar o bisturi para fazer o desbridamento da ferida antes de fechá-la. Ou ela infeccionará. E não me diga que você consegue cuidar de si mesmo, porque nós sabemos que não consegue. Você não alcança o ferimento. E, da próxima vez, talvez eu não consiga ficar tão... Calma. Ele fingiu estar chocado. — Você não só usaria suas habilidades contra mim, como também abusaria do seu poder e quebraria o juramento de não machucar ninguém? Você me torturaria com o bisturi? Você zombaria da minha incapacidade e teria prazer com a minha dor? — E, abrindo um sorriso: — Mal posso esperar. Ela o mediu, desdenhando-o. — Então o masoquismo extremo também está na sua lista de perversões? Faz sentido. — Não para mim. Ou, pelo menos, não fazia. Mas estou descobrindo que qualquer coisa vinda de você é bem-vinda. Admitindo que pela primeira vez na vida ele estivesse experimentando algo fora do seu controle, Harres suspirou e procurou o que restara de suas roupas ensanguentadas. E, embora ela continuasse fulminando-o com ódio, ele sentia o desejo incontido dela espalhar-se por seu corpo frio, aquecendo-o de dentro para fora. Harres estremeceu ao ver a frieza do olhar dela mirando seus músculos enquanto ele vestia-se novamente. Sua satisfação aumentou. As reações dela não só alternaram entre o prazeroso e o brutalmente honesto, como também sobrepujavam as dele. A mente de Talia podia estar ordenando que ela o cortasse ao meio, mas todo o resto do ser dela clamava por ele. E claro isso a estava deixando ainda mais; louca. Com ele. 19
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Quando estava terminando de se vestir, ocorreu-lhe tentar ligar o aquecedor. Ele ainda estava funcionando. Virou-se para ela com um sorriso, ao qual ela retribuiu com um olhar de reprovação. — Agora você liga o aquecedor. Queria ver o quanto aguentaria antes de sucumbir à hipotermia? Ou achou que eu iria lhe oferecer o melhor remédio para isso? — Aquecimento corpo a corpo. — Ele quase estremeceu ao imaginar a sensualidade inebriante daquele ato. — E agora você me deixou preocupado. Devo admitir que eu, fui negligente por não pensar nisso, ou que sou um comandante tão ineficiente que não me lembrei do aquecedor de bordo. Vou ganhar um desconto se disser que o motivo da falha foi minha preocupação com você? — Não. Eu tenho outra explicação. Você não pensou nisso porque tem o sangue-frio como todos de sua espécie. Cobras. Harres deixou escapar uma risada, causando mais dores. — Ah, nunca fui tão insultado em minha vida. Não me candeias coisas que saem da sua boca, nunca. O sorriso dela era de condescendência e indignação. — Sou um refrescante banho de ácido comparado a toda doçura artificial e pegajosa à qual você está acostumado, não é, seu tolo mimado? Ele colocou a mão sobre o lado ferido enquanto ria e gemia de dor ao mesmo tempo. — Você é simplesmente hilariante, uma gata selvagem irreverente e destemida, ya nadda jannati. — Não se atreva a me chamar assim de novo! — Talia... — E também não me chame assim. Sou TJ. Não, doutora Burke para você. Não, não sou nada para você. Então não me chame de nada! — Ele começou a dizer o nome dela novamente, mas ela o interrompeu. — E agora eu retiro tudo que disse sobre você. Você não é meu monqethi ou buttuli. Você é mais um desses ditadores egoístas e criminosos. Espera aí: já que você foi enviado para me resgatar, você provavelmente está nos escalões mais inferiores, talvez até seja dispensável. Não que isso o torne melhor que seus superiores. Harres ficou paralisado. — Você não sabe quem eu sou? — Você é um Aal Shalaan — ela disse com desprezo. — É tudo que eu preciso saber. Saber quem ele realmente era mudaria a atitude dela? Para melhor? Ele esperava que sim. O antagonismo de Talia, que agora parecia definitivo, estava rapidamente perdendo seu charme. — Não sou só um Aal Shalaan. Sou Harres. — É eu ouvi da primeira vez. Mas só Harres? Como Elvis ou algo do tipo? — Por aqui? Eu diria Capitão Kirk. Você realmente não sabe do que está falando, sabe? Ela estreitou os olhos. — Então você é um figurão? Harres bufou, apagando os últimos traços de euforia. — O terceiro maior figurão, sim. Ele observou a mente extremamente rápida dela chegar a uma conclusão. Talia ainda o encarava, esperando que ele dissesse algo que negasse aquela declaração e sua dedução. 20
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Harres arqueou uma sobrancelha, instigando-a. Ele queria ver de uma vez a reação que sua identidade sempre causava, e terminar logo com isso. Ela balançou a cabeça, confusa, seus lábios se abrindo e fechando em diversos surtos abortados, antes de finalmente conseguir dizer: — Você é aquele Harres Aal Shalaan? — Quer dizer que há outros? E eu achando que era o único... — E eu achando que o estereótipo da loira burra já havia desaparecido há muito tempo. Obviamente não em Zohayd, se acha que vou cair nessa. — Na verdade acho que você é superiormente inteligente e bem informada. Em geral. Mas, neste caso específico, acho que está sofrendo de um caso severo de desinformação. — Ótimo. Uma das características da inteligência superior é ter a mente aberta. Então eis aqui minha mente, tão vasta quanto o deserto, e pronta para as informações certas. O que o segundo filho do rei e adorado ministro do interior de Zohayd está fazendo em uma missão de resgate? — Viu só? Brilhante. Você vai direto à lógica de qualquer situação. E, como a pergunta é a única a ser feita, a resposta também é singular. Eu não podia confiar a mais ninguém esta missão. Tinha de vir pessoalmente. E agradeço que as circunstâncias tenham necessitado de minha presença. Ela riu amargamente. — Claro, porque você me encontrou, e sou única, mágica, e nosso encontro nestas circunstâncias é um ato único e sem precedentes do destino, e blá-bláblá. As mãos de Harres formigaram de vontade de segurar aquela cabeça orgulhosa e obstinada, subjugar seu ressentimento e ressuscitar seu desejo. Mas ele sabia que isso seria um tiro pela culatra. Ele finalmente entendia a gravidade da situação. A profundidade do preconceito dela. Ele não tinha ideia do que formara tamanho iceberg dentro dela, mas, se não fosse cuidadoso, todos os seus esforços para obter a confiança dela se chocariam contra ele. O último traço de um sorriso se esmaeceu. Ele precisava agir séria e sinceramente. E seria fácil. Harres não precisava ser sentimental. — Há alguns minutos, antes da minha identidade transformar você de aliada a inimiga, você teria concordado com tudo o que agora acha um disparate tortuoso. Os olhos dela o açoitaram ainda mais. Ela acreditava que estava sendo ludibriada por ele, e isso estava exagerando sua raiva. — Claro que eu teria. Até porque, após escapar de ser; interrogada por vândalos do deserto, qualquer um pareceria um cavaleiro camuflado. Você teria feito seu trabalho muito melhor se tivesse me deixado acreditar que era um peixe pequeno um das centenas de "príncipes" com uma gota do sangue Aal Shalaan. Exibir-se como um puro-sangue apenas o torna mais responsável pelos crimes perpetrados por sua família. Isso torna você o inimigo que eu estou aqui para derrubar. Talia observou suas palavras penetrarem em Harres Aal Shalaan. Há alguns minutos, ela conseguira apagar aquele sorriso indulgente que parecia ser permanente no rosto dele. Agora ela avançara mais algumas etapas, tornando a expressão dele sombria. E Talia não conseguia parar. A frustração a impelia. Seu herói, seu salvador, o homem que arriscara a vida para salvá-la, era um Aal Shalaan. E não qualquer Aal Shalaan. Era dos quatro mais importantes. E aquele que tinha tanta jurisdição e até mais poderes sobre as leis quanto o rei. O que significava apenas uma coisa. 21
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Ele tinha mais a perder do que qualquer outro membro da sua família. Ele tinha tudo a perder. E Talia estava usando seus consideráveis poderes de provocação para declarar que ela mesma poderia causar tais perdas incalculáveis. Enquanto estivesse isolada no deserto sem contato algum com a humanidade, exceto por ele. Dúvidas de que ela conseguiria? Ela segurou o fôlego, esperando a reação de Harres. A raiva, a indignação e maldito seja ele estavam fazendo-a perder gota de juízo. Mas não a ponto de se esquecer das possíveis e esperadas consequências. Ele baixou o olhar, libertando o dela pela primeira vez, aqueles olhos se fecharam lentamente, seu coração arrebentando-lhe o peito. Da próxima vez que ele os erguesse Harres tiraria a máscara da suavidade e da tolerância. Eles estariam frios e impiedosos. E ele não seria mais um persuassor, mas sim um interrogador; não seu salvador, mas seu carrasco. Então ele levantou o olhar, e quase a fez deitar-se em seu colo. Aquela orbita dourada emitiam uma energia fixa, um falante que penetrava pelo cérebro dela e se esparramava por todo o corpo. Aquele filho da... De um rei estava tentando hipnotizá-la! E estava quase conseguindo, Talia o subestimara gravemente. Ela achara que, depois de toda sua resistência, aquela fachada de paciência e indulgência, revelando sua verdadeira face, a de um príncipe todo-poderoso acostumando a ter todo o mundo aos seus pés, mas aparentemente ele era infalível em ter as pessoas e percebera que a intimidação não funcionaria com ela. Ele não usaria essa arma agora. Não antes de fazer uma demonstração completa de seu arsenal. Então o príncipe Harres Aal Shalaan não era quem ele simplesmente por ter nascido em uma família real, não obtivera seu status nos negócios da família porque crescera brincando de soldado. Ele evidentemente subira na vida, estando sempre no comando de si próprio. Era sagaz e pensava à frente, permanecendo sempre por cima em qualquer situação. E sabia lidar com pessoas e tinha caminhões de carisma, ganhando seguidores por onde quer que, passasse. E ele quase a ganhara. Então ele falou sua voz polifônica parecendo envolvê-la por todos os lados, e ela quase reconsiderou sua determinação. Quase. — Não sei o que você tem ouvido falar dos Aal Shalaans, mas está enganada. Não somos déspotas, e nem criminosos. — Claro. E eu devo acreditar em você. — Sim, até que eu possa provar. Eu inclusive lhe peço o benefício da dúvida. — Oh, se eu tivesse alguma, eu o concederia. Mas não tenho. — Ao menos permita que eu me defenda contra as suas acusações. — Tenho certeza de que vai pensar em algo. Você já fabricou evidências suficientes. Mas não estamos em um tribunal, e não sou uma juíza. Sou apenas alguém que sabe da verdade. E estou aqui coletando evidências. — Para provar o quê? — Que vocês não são irrepreensíveis como pensam que são. — Quem, em alguma posição de poder, não possui detratores? Governar um país não é algo simples. Leis e regras são contestadas, sejam elas econômicas militares ou judiciais. Com minhas habilidades para manter a paz e para os negócios, tenho certeza de que minhas decisões e ações sempre deixam alguém descontente. Isso não significa que sou uma pessoa ruim. Tenho certeza de que nunca cometi um crime na minha vida. 22
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— Oh, você é esperto demais para fazer algo em público Mas você, senhor "Empreendedor e Mantenedor da paz" manipula a lei e as pessoas. Como fez comigo. Como ainda está tentando fazer. Mas eu saquei tudo. Já saquei toda a sua família. Ser uma família real não os torna menos criminosos. Muitos ditos governantes já foram depostos e levados à justiça pelos crimes que cometeram contra seu povo. Como você será algum dia, assim espero. Ok. Ela conseguira. Ela garantira seu lugar no topo de sua Lista negra. E novamente, aquele homem obstinado receava-se a ceder e retirar a máscara. O rosto de Harres permaneceu a própria visão da sinceridade, e sua voz, o próprio som da seriedade. — Acredite no que quiser Talia. Eu teria vindo salvá-la, independente de quem fosse. E essa pessoa estaria a salvo comigo. Quaisquer que sejam seus planos, você está mais segura comigo do que com sua própria família. Você zomba agora, mas, também acreditou que fora o destino que os unira, nos fazendo sentir esta sinergia, nos enxergando como verdadeiramente somos sem a ajuda ou o obstáculo de identidades ou histórias. Peço que você olhe além do que você acha que sabe, que olhe para o que sabe. Sobre mim. Você é uma médica e está acostumada a ver pessoas despojadas de sua natureza básica em emergências. Você me viu como realente eu sou. Por meio do melhor teste de todos: o perigo mortal. Ela então balançou a cabeça perplexa, rindo agressivamente. — Você deveria ser diplomata. Prenderia qualquer pessoa em uma rede de banalidades e persuasões tão densa que ninguém jamais conseguiria se soltar. Mas agora e muito tarde para mim, então me poupe disso. Harres a encarou longamente. Ela poderia jurar que ele estava lutando para não sorrir. Mas ele suspirou, como um homem obrigado a tolerar aquele incômodo em sua vida. — Você acredita que possui motivos para nos odiar. Diga-me. — Não vou contar nada a você. Até onde eu saiba você não é melhor que meus sequestradores. É, na verdade, muito pior. Minha inimizade com eles foi acidental. Eu era apenas a fonte de informações contra seus inimigos hereditários. Mas, com sua família, minha inimizade é muito específica. E não me venha com "eu levei um tiro por você". Agora eu entendo por que você fez isso. Você quer o que eles queriam. E minha resposta continua a mesma. Você pode pular de um de seus arranha-céus mais altos do mundo. — É assim que você sempre chega a um diagnóstico, Talia? Julga por meio de sintomas que possuem diferentes diagnósticos e insiste no primeiro que lhe ocorrer? Ela cerrou os dentes, contendo a ânsia de dar um soco nele novamente. Ele fazia todo o sentido do mundo quando abria a boca. Não havia como provocá-lo a cometer seu primeiro erro? — Oh, não comece com as analogias. Você não me conhece. — Posso não saber nada sobre você, mas sei muito sobre a verdade. Tenho certeza de tudo o que sei o que coloca suas ações nas piores condições possíveis. Você é corajosa ousada, capaz e intensa. Coloca paixão em tudo o que faz e em tudo que acredita, principalmente no senso de justiça. Seja sincera comigo agora. Dê-me uma chance de defender a minha família. E a mim mesmo. Por favor, Talia, me diga. Cada palavra dele acertou seu coração como uma compulsão, tentando dominá-la. Ela resistiu, goleando-o com sua frustração. 23
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— Eu já lhe disse para não me chamar assim. Mas, já que você é incansável, pode me chamar de TJ. Todo mundo me chama assim. Desta vez ele deixou seu sorriso transparecer. — Então há algo errado com todo mundo que você conhece, se eles conseguem olhar para a sua beleza e pensar em algo tão assexuado e insosso quanto TJ. Para mim, é algo impossível. Só vou chamá-la de Talia. Ou de nada jamais. Lide com isso. — Pelo amor de Deus, desligue seu software de encantamento de mulheres. Não vai mais funcionar. Isso está me perturbando tanto que eu preferia que você usasse seus punhos, como fizeram os sequestradores. Foi como se ela tivesse apertado um botão, mudando a expressão dele de provocante para ameaçadora. — Eles bateram em você? Ela massageou instintivamente a dor persistente na barriga. — Oh, alguns me bateram, só por diversão. Não era parte do interrogatório, já que aqueles imbecis não tinham permissão para fazer isso, e eu aposto que eles tinham ordens para não me machucar. Mas eles não resistiram a maltratar aquele homenzinho. Um deles deu a entender que era o dever de um verdadeiro zohaydiano não deixar nenhum estrangeiro se meter nos negócios do reino. Ele rangeu os dentes. — Eu deveria ter usado algo além de dardos tranquilizantes para apagá-los. Algo que tivesse causado danos permanentes. Ela bufou violentamente. — Pare de fingir que se importa. — Não estou fingindo nada. E eu teria me importado mesmo que você fosse um homem, até mesmo um espião. Nada mais desprezível ou digno de punição do que o abuso dos mais fracos. Sob qualquer pretexto. Aqueles homens não são patriotas como fingiram ser. São imorais, formas de vida inferiores que não perdem a oportunidade de descontar suas deficiências em quem não pode revidar. — Certo. Como se você fosse o defensor dos fracos e oprimidos. Ele meneou a cabeça solenemente. Então, como se renovasse um juramento de sangue, assentiu: — Eu sou. Talia não conseguiu conter-se, e explodiu. — Como você defendeu o meu irmão? Como você o defendeu contra os valentões da sua família que abusaram do poder e o jogaram na cadeia?
CAPÍTULO QUATRO
Harres achara que estava pronto para qualquer coisa. Ele compreendera que nunca saberia o que esperar de Talia Jasmine Burke. Mas isso era muito além do inesperado. Ele encarou aqueles olhos. Eles flamejavam de raiva. Mas agora a ansiedade turvava sua luminosidade. Tudo fazia sentido; o sentimento debilitante que ele encontrara em Talia não era relacionado a ela, mas a alguém que ela amava. O irmão. 24
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Harres sabia que ela estava determinada a não contar nada, e odiava ter contado, e estava ainda mais furiosa consigo mesma. Mas estava feito. Pelo menos a primeira pista. Ele percebeu que ela falava do mesmo T J Burke que ele investigara. Não poderia haver outro que também estivesse preso. Mas aquilo ainda não explicava por que ela culpava a família dele pela prisão do irmão. E estava claro que ela só revelaria mais coisas depois de outra batalha. Após um longo momento recusando-se a ceder, o corpo todo de Talia começou a tremer de tensão, e seus olhos tornaram-se mais brilhantes devido à dor estampada neles. Harres formigava por dentro pela necessidade de acalmá-la. Porém, ele era o inimigo agora. E não permitiria que ele a consolasse enquanto o considerasse mesmo que indiretamente responsável pelo sofrimento do irmão. — Você já começou. Agora me conte o resto. Ela o encarou desafiante. — Por quê? Para você dizer que eu entendi tudo errado de novo? Você já disse isso, algumas vezes. — Oqssem b 'Ellahi, eu juro por Deus, Talia, que, se você não começar a falar, vou beijá-la de novo. O ultraje flamejou em seus olhos. E, ele tinha certeza, as lembranças indesejadas e o desejo involuntário. Aquilo parecia apenas alimentar a indignação dela. Harres teria se surpreendido se a atração dela fosse tão devastadora que ultrapassasse aquela hostilidade. Se a severidade da situação não se agravasse a cada segundo. Então ela o surpreendeu, sussurrando: — Minha ameaça "feminina" anterior de arrancar com os dentes uma parte de você ainda está de pé. Mas serão seus lábios, em vez da mão. Harres inclinou a cabeça na direção dela, suprimindo um sorriso. Ele não podia expressar nenhuma leviandade. Ela o interpretaria da pior maneira possível. — Por que se importar, já que você acabaria consertando as coisas? Fale Talia. Se eu vou ser punido por isso, então me mostre os detalhes da minha acusação. — Lembre-se de que eu não sou da polícia. Não lhe devo uma leitura das acusações contra você. Sou da família da vítima, e você é da família dos criminosos. — E o que a minha família de criminosos fez? — alfinetou Harres. — Não crie mais suspense. Ela bufou, xingando e amaldiçoando-o. — Meu irmão... Gêmeo... — Talia pausou para lançar-lhe um olhar de puro ódio — trabalhava em Azmahar havia dois anos. Ele é um gênio da TI, e as empresas internacionais o disputam desde que ele fez 18 anos. Ele conheceu uma mulher e eles se apaixonaram. Ele a pediu em casamento e ela aceitou. Mas a família dela não. O nome dela era Ghada Aal Maleki. — Ela pronunciou aquele nome estrangeiro com perfeita precisão, seus olhos astutos analisando-o. E sorriu maliciosamente. — Não desligue as luzes que se acendem na lua cabeça. Ele contemplou as implicações daquelas novas informações, embora seus lábios reprovassem aquela; última provocação. — Nenhuma luz se acendeu dentro da minha cabeça. A mulher em questão pertence á outra família de Azmahar. Ela está noiva há muito tempo. Mas o que 25
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me espanta é com quem. Mohab Aal Shalaan, meu primo de segundo grau é um dos três homens da minha equipe de resgate desta noite. Ela ficou boquiaberta. Então ergueu as mãos, procurando o apoio de uma plateia invisível enquanto protestava contra a injustiça da última revelação. — Que ótimo. Maravilhoso! Agora eu devo a minha vida a ele, também? Harres balançou a cabeça, determinado. — Você não deve nada a ninguém. Era o nosso dever. O noivado de Mohab e Ghada foi arranjado, e sinto que eles estão tentando sabotar os planos de suas famílias. Primeiro ela insistiu em formar-se na faculdade, e depois quis terminar sua pós-graduação. E ele consentiu alegremente, garantindo o adiamento do casamento ano após ano. Acho que eles querem escapar do casamento e estão usando um ao outro como álibis, até quando puderem. Ainda não há sinal de uma data para o casamento. Ela digeriu as informações e ergueu o queixo, fazendo-se de desinteressada. — Bem, talvez seu primo não queira se casar com Ghada, mas a família dele quer, e a qualquer custo. Deve haver algum investimento pomposo nesse casamento; eles farão qualquer coisa para que ele aconteça. Quando Ghada contou que estava rompendo com seu primo para se casar com meu irmão, eles o tiraram de Azmahar. Mas, quando Ghada disse que iria viver com ele nos Estados Unidos, eles decidiram se livrar dele. Eles inventaram uma detalhada história sobre ciber pirataria e desfalque, acusando-o de fraudes cibernéticas. De alguma forma, eles foram para os Estados Unidos e o colocaram sobre julgamento. Ele foi considerado culpado em dois meses e sentenciado a cinco anos de prisão. Depois da primeira semana, encarcerado eles até armaram para que ele fosse atacado. Ao se defender, ele se tornou inelegível a bom comportamento. Agora ele terá de cumprir a pena total sem a possibilidade de uma condicional. Em uma prisão de segurança máxima. O silêncio imperou depois que a última sílaba tremeu seus lábios. Apenas o resfôlego de sua respiração arfante quebrou a imobilidade atordoante de seus olhos, tomados pela angústia e a revolta, ressuscitadas. Talia esperava que ele fizesse algum comentário. E ele não tinha nenhum. Ela, por outro lado, tinha muitos. — TJ. Sim, esse é o nome dele também, Todd Jonas. Se pareci muito comigo, príncipe Harres. Imagine um homem de 1,77 não muito mais largo do que eu, com o mesmo tom de pele e cabelo que eu e com uma versão mais masculina. Das minhas características, eternamente pueril. Tem ideia do que é a prisão para ele? Eu morro um pouco todos os dias, imaginando como é a vida dele lá dentro. Ele ainda tem mais quatro anos e três meses de pena. Graças à sua família. Ele só conseguia encará-la. Sabia em detalhes horríveis do que ela estava falando. Uma prisão cheia das formas de vida inferiores que ele há pouco descrevera, atacando os mais fracos. E o irmão dela era um alvo fácil e chamativo. — Mas não graças a vocês, ele está a salvo. Por enquanto eu comprei a segurança dele. Provavelmente não vou conseguir bancá-la por muito tempo, já que o preço continua aumentando. Nos últimos três meses, ele triplicou. Desta vez, quando ela silenciou-se, ele sabia que ela contara tudo o que precisava dizer. Passaram-se minutos intermináveis até ele conseguir falar. 26
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— Nada que eu possa dizer expressará meu pesar pela situação de seu irmão. Se for verdade que algum membro de minha família é responsável... A Interjeição cortante dela o interrompeu. — Oh, príncipe Harres. E ganhei a chance de provar que digo a respeito. Harres tentou se aproximar, sentindo a ânsia que a dela lhe causava. — Tente? Que chance? E dada por quem? — Nem se ele tivesse lhe dito que ela poderia cair de paraquedas que ele a pegaria. — Eu contar a você. — É de suma importância que você me conte, Talia — insistiu ele. — Se eu souber de todos os detalhes, poderei ajudar. — Claro que vai. Vai me ajudar a provar que sua família é culpada por fraude, e a enviar os culpados para a cadeia no lugar de meu irmão. — Não posso prever o que vai acontecer, já que não conheço os detalhes, mas, se há algo que eu possa fazer para ajudar seu irmão, eu farei. Ela sorriu afetadamente. — Isso mesmo. Seja inconclusivo, faça promessas vagas. Até que a boba aqui lhe conte tudo. — Digo novamente que não conheço os detalhes. Mas logo saberei. E, quando souber, eu agirei. E posso e vou prometer uma coisa a você: eu lido com minha família da mesma forma que lido com estranhos quando o assunto é culpa. Se eles forem culpados, terão de pagar. — Ah, por favor. — Você acha que eu consigo manter a paz em um reino como Zohayd tendo favoritos? Estou onde estou porque todos sabem que meu código e minhas crenças estão acima da sombra de qualquer dúvida. — Que bom para você. Mas não vou lhe contar mais nada O que você vai fazer? Obrigar-me, como aqueles capangas?' Harres sofreu com a necessidade de apagar aquela dúvida, aquele medo, de uma vez por todas. Ele não poderia suportar que ela ainda duvidasse de seu destino junto a ele. — Novamente, eu juro que você está segura comigo, de todas as formas. O olhar dele chocou-se com o dela, como se tentasse forçar aquela certeza a entrar na mente dela, até que Talia estremeceu desconfortável. Harres sabia que aquilo era tudo que conseguiria por enquanto. Ele suspirou. — Vamos tratar então de outros pontos vitais. Agora que eu já sei que você não é a repórter que achei que fosse, e nem a Espiã que eu suspeitava que fosse me pergunto se isso não é o caso de uma catastrófica confusão de ambos os lados, se você não foi sequestrada pelos motivos errados. Ela encarou-o exasperada. — Por que você está fazendo rodeios para chegar ao motivo pelo qual fui sequestrada e depois resgatada? Ok, vamos esclarecer isso. Cheguei até aqui seguindo uma pista que poderia provar a inocência do meu irmão. E esbarrei em informações terminantemente perigosas contra os Aal Shalaans. Não tenho ideia de como sua tribo rival e até mesmo vocês souberam disso, e tão rapidamente. Talvez pelo e-mail que eu enviei ao advogado do meu irmão contando meus avanços. Pois, sim, eu sei por que fui sequestrada. Sua tribo rival quer as informações que eu tenho para destruir vocês. E você não quer ser destruído. E, embora Talia encarasse-o como se quisesse ver que ele e sua família fossem "destruídos", outra onda de admiração surgiu de dentro dele, por aquela leoa que arriscava tudo pelo irmão. 27
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— Eu estava certo de pelo menos uma coisa, então. Mas você disse que "ganhou" a chance de provar a inocência do seu irmão e recusou me contar de quem. Não percebe que alguém esta orquestrando tudo isso? Ela considerou aquilo. — Claro. E? — E eu acredito que é alguém que não liga para você ou para seu irmão, e que você é só mais uma ferramenta para que causem mais caos e destruição. Ela meneou a cabeça lentamente. — Nunca achei que eles estivessem fazendo isso por pura bondade. — Eles já lhe deram alguma informação que pudesse ajudar seu irmão? — Ela balançou a cabeça relutantemente. — Você não acha suspeito que eles só tenham lhe dado informações que prejudiquem os Aal Shalaans? — De acordo com eles, o reinado de vocês chegará ao fim. O perigo real de isso acontecer fez Harres cerrar os dentes. — Eles lhe disseram como pretendem usar essas informações? Como isso ajudaria o seu irmão? Ela estremeceu novamente, o brilho obstinado de seus olhos sendo substituído pela incerteza. — Não tive tempo para pensar. Eu recebi as informações esta manhã e, dentro de algumas horas, já havia sido presa. Mas eu tinha tomado uma decisão: não contaria nada aos meus sequestradores. Por todos os motivos. Eu sabia que não sairia viva daquele buraco. Então eu não só não iria fazer parte dessa rixa de tribos, como também não iria ajudar meus agressores a tomarem Zohayd e abusar de milhares de pessoas. Ele a encarou. Realmente não havia fim para as surpresas. Qualquer um no lugar dela falaria o que fosse preciso para escapar daquela situação. Mas ela preferira morrer por desobediência, por uma causa, em vez de implorar pela própria vida a alguém que desprezava, se sua sobrevivência causasse sofrimento para outros. Harres lutou contra a necessidade de tomá-la em seus braços e censurá-la por ser uma heroína tão obstinada. Tinha mais alguma coisa que o impediu, além da exaustão causada por aquela situação, foi saber que ela resistiria. A expressão espontânea de emoções era algo que ele teria de lutar para conquistar. Por fim, disse: — Parece que você entende a gravidade das informações que possui e o que vai acontecer se elas caírem em mãos erradas. Já decidiu o que fazer com elas? Ela encolheu os ombros. — Se sair viva daqui, você quer dizer? Vou primeiramente confirmar os fatos. E depois pensarei bastante sobre como usa-los. — Ela fitou-o, taciturna. — Posso anunciá-los ao mundo, abrindo o caminho para que Zohayd finalmente se transforme em uma democracia. Ele levantou ambas as sobrancelhas, respondendo à impertinência dela com sarcasmo. — Como uma das supostas democracias da região? É essa a epítome da paz e da prosperidade, em sua opinião? Você deseja salvar Zohayd de sua atual riqueza e estabilidade, das mãos da família que a vem governando de maneira sábia e justa por quinhentos anos, colocando-a nas garras de novatos senhores das guerras? E não só Zohayd. Você tem ideia do que o surgimento de tal "democracia" entre as outras monarquias causaria? As repercussões intermináveis que seriam transmitidas por toda a região? — Ele esperou até obter evidências de que seus motivos estavam sendo absorvidos, na percepção 28
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sombria em seus olhos, no tremor de seus lábios. E então continuou: — Mesmo que fôssemos depostos amanhã, e isso não mergulhasse a região no caos, isso não ajudaria seu irmão. Ou você se sentiria satisfeita em ver os agressores dele punidos, mesmo com ele ainda pagando sua pena na cadeia? — Eu não sei ok? — ela choramingou seus olhos mostrando confusão e antipatia. — Eu já falei, não tive tempo de pensar. E não teria sentido começar agora. Estou no meio do nada, onde eu não posso ajudar ou prejudicar ninguém. Faça essa mesma pergunta se eu conseguir escapar daqui em condições de tomar algum partido. Antes que ele pudesse afirmar que faria qualquer coisa para protegê-la, Talia contorceu-se, quase dobrando o corpo. O coração de Harres se comprimiu, imitando o espasmo dela. Antes que ele pudesse se mover, ela se ajoelhou e jogou o corpo para trás, e uma bola de pânico irrompeu em suas entranhas. Ele acreditara que ela estava bem. E se ele tivesse deixada passar algum ferimento? Harres a socorreu, não se importando com a dor que o ferimento lhe causava. Ele ergueu o rosto de Talia, examinando suas expressões agonizantes. Foi só quando ela tentou escapar das mãos dele que Harres gritou: — Talia, pare de ser tão teimosa. Você está ferida? — Não. — Ele firmou as mãos que apoiavam o ombro e a cabeça dela, exigindo uma confissão. Ela cedeu, gemendo. — Foram aqueles socos. Acho que eu estava muito ocupada para pensar no que o meu corpo estava sentindo. Mas, de repente, ele... Dói a cada respiração. Sabe como se estivesse terrivelmente dolorido depois de muitas flexões. — Talia então bufou e gemeu conforme esticava o abdome de Harres. — O que eu estou falando? Flexões tão devem ser nada para um tanquinho como o seu. Ela estava distraindo-o. Embora não devesse nada a ele a não ser hostilidade, e mesmo que não estivesse percebendo a sinceridade na preocupação dele, ela estava tentando desarmá-lo. Antes de ele beijá-la, forçando-a a honrar sua promessa anterior, disse: — Talia, eu vou ter de tirar as suas roupas... — Oh, não vai, não! — ela guinchou. — Então tire você mesma. Daí você vai se deitar. Você precisa alongar esses músculos, ou então eles vão piorar. Vou massageá-los com uma pomada anti-inflamatória. Ela permaneceu imóvel por instante antes de ceder, meneando a cabeça e abrindo seu casaco. Ele seguiu aquelas hábil mãos conforme elas despiam as camadas de roupas. E, quando percebeu que ela usava um corselete por baixo da camiseta masculina, Harres sentiu o sangue abandonar sua cabeça, sendo bombeado apenas para a virilha. Ele já tivera problemas suficientes quando achava que ela era um mero rapaz. Talia expôs a barriga e encarou-o envergonhada. Ela ficou tensa novamente quando ele começou a virá-la, sussurrando: — Deixe-me cuidar de você, não resista. Ela deixou escapar um arquejo enquanto ele manipulava seu corpo no colo dele. — Resistir é inútil, não? Ele sorriu enquanto abria o tubo de pomada. — Oh, sim. Você não está em condições. Pode resistir a mim o quanto quiser quando não estiver mais sofrendo. 29
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Ela murmurou algo, um misto de sussurro de consentimento e de dor/prazer quando ele começou a examiná-la cuidadosamente, espalhando sobre a pele dolorida a pomada que ele antes aquecera com as mãos. — Só de pensar que eles tocaram em você me faz pensar em assassinato. A intensidade dele á inquietou e seus olhos o contemplaram. — Quer dizer que você não faz isso automaticamente? Harres lançou-lhe um olhar reprovador. — Assassinato não está nem no mesmo sistema solar que a manipulação e a prisão de inocentes. Não acha que está levando sua inimizade longe demais? — Eu não sei. Talvez você ache que matar alguém seja uma punição adequada para o abuso de poder, como um exemplo extremo para os outros. Quanto à minha inimizade, deixe-me jogar um de seus irmãos na cadeia por cinco anos e arruinar o futuro e a psique dele, e então discutiremos o exagero das minhas crenças e reações. Ele parou os movimentos massageadores quando ela começou a tremer. Ela poderia estar ficando com frio ou... Excitada. Ele estava as duas coisas. E, embora tudo o que quisesse fosse arrancar suas roupas e as dela e acabar com a fonte dos tormentos de Talia, ele sabia que aquilo precisava permanecer uma fantasia por enquanto. Ele manteve as mãos pressionadas gentilmente contra a pele dela por mais alguns instantes, seu olhar emaranhado com o dela. Então Harres as removeu, ajudando-a a se levantar. Ela; recusou a ajuda e arrumou as roupas. Então, com os olhos ainda brigando com os dele, ela sentouse no lugar mais afastado da cabine, contra a porta. Ele pensou que poderia adiar isso para quando ela estivesse mais calma, quando tivesse decidido como prosseguir. Mas o distanciamento dela fez algo estalar dentro dele. Ele precisava resolver isso. Agora. Harres se aproximou, mostrando que não aceitaria mais ser rejeitado e categorizado como vilão. — Vamos esclarecer uma coisa, Talia. Eu não participei do que aconteceu com o seu irmão. Então, não tenho mais nada a dizer sobre isso. Muito menos que me desculpar. — Ele ficou satisfeito ao perceber a justiça surgir no olhar dela. — Então, até que eu esteja em posição de descobrir mais sobre isso, não vou deixar que você, toque neste assunto. A questão do seu irmão está encerrada, por hora. — Ele manteve o olhar nela até que ela bufou, concordando. Harres meneou a cabeça, selando o pacto. E então disse: — Agora, existe apenas um assunto com o qual devemos nos preocupar. Nossa sobrevivência.
CAPÍTULO CINCO
— O que quer dizer com "nossa sobrevivência"? Harres franziu o cenho em resposta ao olhar ameaçador de Talia. Ele estava confuso. Ela também parecia estar, e também enfurecida. 30
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— Que tipo de pergunta é essa? Estamos no meio do nada, como você mesmo disse. O nada mais hostil do planeta. — Sim. E daí? Ele balançou a cabeça, tentando fazer com que as palavras fizessem sentido. — Você estava preocupada em sair daqui com vida. Achei que entendesse o perigo em que estamos. — Achei que eu estava em perigo. O tipo de perigo causado por pessoas. — Quer dizer, causado por mim. Ela deu de ombros, impassível diante do desprazer de Harres. — Sim, causado por você. Achei que você iria usar o fato de eu estar aqui com você como a única maneira de voltar para a civilização... Forçando-me a falar. E como eu não iria contar nada, você não ligaria para o meu bem-estar, ou minha sobrevivência. Ele soprou o ar com força expirando a frustração, antes que explodisse. — Achei que esta ideia errada, e desonrosa, ofensiva e agravante, já tivesse sido esclarecida. Talia pareceu analisar a mente e a psique dele antes de assentir com a cabeça lentamente. — Acho que sim. Mas, como isso aconteceu há alguns minutos, eu não tive tempo de reformular meu ponto de vista. Não considerei nem por um segundo que você estivesse em perigo depois da fuga, do tiroteio e do acidente. Achei que o pior já tinha passado depois que você sobreviveu a tudo aquilo. — Como você pode pensar isso? — Oh, não sei. — O sarcasmo ecoava na voz dela. — Por você estar todo relaxado, talvez. Por estar tão alegre e despreocupado que passou a última hora rindo, fazendo gracejos, me importunando por causa do meu gênero, me interrogando sobre meus planos e me afogando em testosterona. E ele tinha mesmo. Harres riu novamente. — É o seu efeito sobre mim. Você me deixa alegre e despreocupado. Os lábios dela formaram um insinuante sorriso. — Agora você vai dizer que eu fiz você me beijar. — De certa forma. Você me deixou incapaz de respirar, se você não respirasse também; fez-me agradecer. Por encontrá-la, salvá-la, por você ter me salvado, por você existir e estar comigo. E você me fez beijá-la da maneira mais importante, do jeito que nada mais fez. Por você me querer também. Ela lambeu involuntariamente os lábios, seus olhos brilhando como se sentissem os lábios dele. Então Talia bufou irritada antes de estreitar os olhos novamente e fazer um gesto de exasperação com as mãos. — Viu só? Você ainda se pergunta por que eu achei que você não tinha nada com que se preocupar? Quem fala assim em uma situação de perigo, ainda mais correndo risco de vida? Ele suspirou, concordando. — Aparentemente, eu. Com você por perto. Quando me disse que eu precisaria de seu bisturi novamente, achei que isso havia provado que eu compartilhava da sua preocupação. — Oh, eu só estava deixando claro que, se você me mantivesse aqui à mercê dos seus cuidados, estaria sob os meus também. — Estamos dentro de um helicóptero destruído, que é a minha, quer dizer, a nossa única forma de escaparmos daqui. Como pode achar que eu não estou à mercê do deserto tanto quanto você? Ela encolheu os ombros, defensivamente. 31
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— Por que eu consideraria isso? Ok, o helicóptero esta destruído. Mas você é o primeiro e único príncipe Harres Aal Shalaan. Você deve ter consigo todos os tipos de engenhocas e pode contatar sua equipe para vir buscá-lo a qualquer momento. Ele balançou a cabeça, pesaroso. — Eu realmente tenho todos os tipos de engenhocas conhecidas pela humanidade. Mas são todas inúteis em uma zona sem sinal como essa. A área mais próxima com a possibilidade de transmissão ou recebimento de sinal fica a mais de 300 quilômetros. Os olhos dela se a alargaram mais e mais a cada palavra, pilhando um exagero caricatural. — Quer dizer que sua equipe não tem como saber onde você está? Isso. — Após um instante lutando contra o desespero, ela pareceu chegar a uma conclusão que a acalmou. — Bem, seus inimigos passarão um pente fino no deserto atrás de você. — Com certeza. — Ele suspirou, resignado. — E me encontrarão. Talvez daqui a uma semana. Temos água para alguns dias. — Eles não podem levar uma semana para encontrar você! Com toda a tecnologia de última ponta à disposição, e com o país inteiro à procura de seu precioso príncipe, aposto que eles o encontrarão dentro de algumas horas, assim que perceberem que você está desaparecido! Ele queria abraçá-la e absorver a preocupação dela. Mas lhe devia a verdade. Ele a protegeria, mas precisava prepará-la para a inevitável experiência extenuante. A desolação tomou conta de seu coração, apagando qualquer leveza conforme ele se forçava a dizimar as esperanças de Talia. — Eles não têm como saber por onde começar. Assim que meus homens voltarem para casa e descobrirem que eu não os precedi, eles voltarão para o ponto de partida do resgate. Mas eles não terão como saber onde e nem a que distância eu caí. — Então eles demorarão mais, talvez um dia ou dois. — Ela tentou argumentar. — Com certeza eles irão sobrevoar a área com aeronaves suficientes, e uma delas vai nos avistar nesse meio-tempo. Ele balançou a cabeça, apagando qualquer expectativa falsa. Elas eram mais letais que a realidade. — Confiar na busca visual em uma área de 230 mil quilômetros quadrados? Com algumas dunas chegando a mais de trezentos metros de altura? Além de um pouco de sorte, eu estava sendo otimista quando disse uma semana. O silêncio seguiu suas últimas palavras. Ela encarou-o com os olhos tomados pelo horror. Então algo explodiu de seus lábios: — Oh, Deus. Você está isolado aqui comigo. Harres não aguentava mais. Ele tomou-lhe as faces aveludadas, acariciando-as levemente. — E eu não poderia ter sonhado com uma companhia melhor para estar em perigo mortal. Ela abriu a boca, fechou-a e então abriu de novo. Talia não teria ficado tão perplexa se ele tivesse dito que era uma planta. Então ela afastou a mão dele com um, sonoro tapa. — Como você consegue brincar numa hora dessas? — Não estou brincando. — Ele levou a mão até ela novamente, e Talia cravou-lhe os dentes como uma felina enfurecida. Harres retirou a mão, suspirando. 32
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— Você pode arrancar qualquer parte de mim, e isso não mudará o fato de que o que eu disse é verdade. Embora eu não queira que você sinta nenhum desconforto ou perigo, não há mais ninguém com que eu queira estar neste momento. De súbito lágrimas formaram um fio de prata em seus olhos, fazendo o sangue dele fervilhar em seu coração. Ela então arfou: — Oh, cale a boca! — E você me critica por ser otimista? Por você eu teria ficado mudo, não? Ela fulminou-lhe com o olhar. — Você já disse o suficiente, não acha? — Na verdade, eu estava chegando à parte interessante. — Qual parte? Na que depois de milênios alguém descobre nossos esqueletos neste deserto e os coloca em exibição como se fôssemos Adão e Eva? Ele fincou os dedos no assento para que não a agarrasse e clamasse aqueles lábios para si. — Isso é... Antropologicamente interessante. Mas não tenho nenhuma intenção de me transformar em um fóssil, não agora. Para isso, precisaremos sair deste monte de metal retorcido e fazer uma trilha pelo deserto. Ela não disse nada. Então se aproximou dele e deu um, tapinha no próprio colo. — Você deveria deitar-se de novo. É óbvio que bateu a cabeça e tudo o que você disse é fruto de um cérebro danificado. — Você acha então que ele não é danificado por natureza? — Claro, como é esperado de sua linhagem. Mas, quando alguém sugere uma caminhada no "meio do nada mais hostil do planeta", é hora de uma intervenção médica. — Na verdade, é uma caminhada de apenas 80 quilômetros. É á distância até o oásis pra onde estávamos indo antes deste pequeno contratempo. Ele estremeceu ao ver a esperança surgir em seu rosto ultra expressivo sendo então rearranjado na imagem do alívio, para depois ser reprimido. — Por que não disse antes? Isso não é longe. — Isso equivale a duas maratonas. No deserto. Com as temperaturas chegando aos 48°C ao meio-dia e aos -6°C durante a noite. E isso se nós fizermos um trajeto em linha reta até o nosso destino, o que não seria o caso. Não com o mar de areia movediça pelo caminho. Ela encarou-o desafiadoramente. — Se você está tentando me assustar, pode parar. Não vim para Zohayd direto de uma sala de exames com ar-condicionado em um hospital cinco estrelas, mas da sala de emergência frenética e sem recursos de um hospitalescola na África. Aguentei o desconforto durante todos os meus anos de trabalho e já encarei o perigo e o desespero algumas vezes, por escolha própria. Ele pausou para admirá-la por alguns instantes antes de dizer: — Só estou tentando prepará-la. Garanto que passaremos por isso da maneira mais eficiente possível, mas preciso que você esteja a par dos fatos. Até agora, passamos pela parte fácil. Daqui em diante encararemos o deserto. Ele pôde ver o ímpeto e a determinação de Talia vacilarem, dando espaço para a incerteza e o medo. Mas o lado bom de um desafio é que ele mantém a pessoa focada. Talvez ele devesse intensificá-lo, mantendo todas as faculdades dela ocupadas na situação e nele. — Enfim, é bom saber que eu não vou ter de lidar com uma frágil donzela. 33
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— Contanto que eu não tenha de lidar com um cara frágil! Ali estava ela. Ricocheteando de volta. Ele então riu, balançado a cabeça. Eles estavam nos destroços de um helicóptero caríssimo e do que poderia ser outro planeta, tamanha a desolação da área. Harres iria enfrentar a barbaridade do deserto em sua frágil condição para garantir a segurança dela. Talia parecia desejar que ele e sua família desaparecessem da face da Terra. Ainda assim, ele nunca apreciara tanto alguma coisa, nunca esperara tão ansiosamente por algo. Até mesmo a resposta que conseguiu arrancar dela era um ponto contra ele. Não que ele deixaria isso ou qualquer outra coisa ficar no seu caminho. Ele sempre conseguia o que queria. E ele nunca soubera que poderia querer algo tanto assim. Tudo o que ela sabia, sentia e era precisava ser dele. Seria dele. Harres virou a cabeça e o olhar dela deixou transparecer involuntariamente admiração e sensualidade através do cabelo que lhe caía sobre os ombros. O prazer acelerou seus batimentos. — Agora que estamos combinados, que tal guardar a sua inimizade até sairmos vivos dessa? — Você só está sendo gentil comigo porque precisa de mim. A cicatrização inicial de um ferimento desse calibre leva de quatro a dez dias. Ele sabia disso. E sabia também que ela precisava provocá-lo para manterse animada. Ele não se importava. — E você precisa de mim. Não vai encontrar ninguém para pedir uma carona até o oásis mais perto. Então, que tal ser gentil comigo! Os olhos de Talia queimaram de vexame e resignação antes de ela pigarrear. — Ok, ok. Admito que a necessidade seja mútua. — Em todas as formas. Mesmo que você esteja muito zangada agora para admitir. — Oh, cale a boca.
CAPÍTULO SEIS
Ninguém sabe a quão mágica e avassaladora a noite pode ser até vivenciála no deserto. O problema é que ela também é absolutamente petrificante e estranha. Talia sabia que eles estavam no meio do nada. Porém, antes de sair do helicóptero, aquilo era apenas um conceito, uma figura de linguagem. Agora aquilo era real. E impactara cada sentido e inundara cada percepção sua. Ela finalmente pôde apreciar aquilo. E que sorte apreciá-la de onde estava. Harres pousara a 18 metros do topo de uma daquelas dunas homéricas de que ele falara. Dali ela conseguia uma visão quase ilimitada dos tempestuosos oceanos de areia que pareciam fervilhar com uma energia misteriosa, emitindo uma coloração indefinível própria e uma iluminação sombria. Nos limites de sua 34
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visão, havia a demarcação precisa de uma cúpula infinitamente profunda cravejada de estrelas, estilhaços vivos da criação. Sob a luz omnidirecional, cada ondulação íngreme criava sombras que pareciam se metamorfosear em formas, entidades. Algumas pareciam encará-la de volta, outras pareciam acenar, e algumas ainda pareciam rastejar para mais perto. Isso a fez entender por que as fábulas do Oriente Médio são tão vividas e, algumas vezes, macabras. Ela sentia com um gênio ou algo pior fosse se materializar ali a qual momento. Mas ela já havia encontrado seu gênio. Harres estava retirando os destroços da parte detrás do helicóptero para chegar até os suprimentos para a jornada até o oásis. Ela estremeceu novamente, desta vez batendo os dentes, tanto pelo crescente medo quanto pelo frio de gelar a espinha, intensificado pelo vento. Embora Harres estivesse fazendo barulho cortando o metal retorcido com as lâminas que encontrara na cabine e o uivo do vento tivesse aumentado, ele parecia tê-la ouvido. Ele tomou-lhe o rosto entre as frias, grandes e rústicas mãos e franziu o cenho. — Você está congelando. Volte para a cabine. — Sim, estou com frio, mas não congelando. E você que está seminu. A última palavra dela perdeu-se devido ao seu bater de dentes. Ele ficou ainda mais sério. — Precisamos estabelecer algumas regras básicas. Quando eu disser algo, você obedecerá. Sou seu comandante aqui. Ela pôs as mãos na cintura. — Não estamos no exército, e eu não sou um de seus soldados. — Eu sou nativo daqui. E sou o líder desta expedição. Achei que tínhamos concordado que teríamos responsabilidades iguais. — Nós temos. Em nossas áreas específicas. É você o cavaleiro do deserto, certo? Ele encarou, fingindo estar afrontado, com uma das mãos sobre o peito. — Por quê? Não sou a melhor escolha para o papel? — Com certeza você é. — Com um "o"maiúsculo, ela completou mentalmente. — Mas chegamos à conclusão de que as aparências podem enganar. — Achei que eu tivesse estabelecido que elas não pudessem. — Então você é o que parece ser. Mas poderia ser um protótipo e essa ainda seria a minha área. Sou eu a qualificada para julgar quem de nós corre o risco de ter hipotermia. E, até você vestir roupas térmicas como eu, esse é você. E, agora que você já bancou o Incrível Hulk e rasgou os destroços em busca dos suprimentos, volte para a cabine. Vou pegar as coisas de que precisamos. Ele deu um passo desafiante, prensando-a contra a fuselagem. — Você ficaria; horas tentando descobrir onde fica o quê. Eu sei onde estão as coisas de que precisamos, e posso pegar elas em minutos. Se você parar de discutir. — Então eu sou a pessoa ilesa e vestida apropriadamente e sua médica, mas você é o especialista sobre este helicóptero e nossa sobrevivência no deserto. Viu? Temos responsabilidades iguais. Assim, nós dois ficaremos aqui, tralhando juntos para cortar os esforços e o tempo pela metade. — Você é maníaca por controle, não? Ela levantou e baixou os ombros indiferentemente. — Só um consegue reconhecer outro, não é? 35
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Os lábios dele se abriram em um sorriso arrebatador. — Pode apostar. E, embora ela ainda estivesse em perigo mortal, e a luz de emergência lançasse sombras sinistras sobre o rosto de Harres como se expusesse alguma entidade sobrenatural escondida dentro dele, ela não se lembrava da última vez em que se sentira tão... Energizada. Estranho como a companhia fazia toda a diferença, quando a situação permanecia a mesma. E eu não poderia ter sonhado com uma companhia melhor para estar em perigo mortal. Sim, era verdade. Agora ela concordava. Talia na verdade ansiava pela terrível e possivelmente perigosa experiência que a esperava. Ela sempre se saíra bem em situações difíceis e desafiantes, mas nunca estivera sequer perto desse nível de perigo. Com Harres ao seu lado, tudo parecia ser possível. E realizável. E... Prazeroso? Ela balançou a cabeça, como se pudesse expulsar tal pensamento ridículo. Como algo poderia ser prazeroso nesta situação? Ela não tinha ideia como. Mas, racionalizações à parte, estar com ele estava transformando aquele pesadelo na experiência mais estimulante da vida dela. Talia o observou enquanto ele retorcia o último pedaço protuberante de metal, aumentando a abertura improvisada, Harres então se afastou, gesticulando para ela. — Apresente-se para fazer as malas, minha obstinada gota de orvalho. O coração dela batia acelerado. Ninguém, nem mesmo seus pais, jamais a trataram com tanto carinho. Uma mulher poderia se acostumar a isso. — Essa é sua retaliação por tê-lo chamado de mula teimosa, entre outras coisas? — ela disparou, precedendo-o naquele espaço apertado e se ajoelhando no chão irregular do que restava do compartimento de carga. Ele se abaixou encarando-a, começando a procurar por itens. Após pegar uma jaqueta térmica, ele lhe respondeu: — Posso estar me sabotando ao dizer isso, já que você pode querer parar com eles, mas aqueles não foram insultos. Vindos de você, eles possuem o efeito do mais... Intimo carinho. Os olhos dele não deixavam dúvidas do que aquilo significava. Ela quase engasgou ao imaginar o corpo dele se enrijecendo em resposta às palavras dela, a ela... Ela fingiu tossir, acenando para ele. — Tente novamente. Você é à prova de insultos, como já disse. — Você se lembra? — Ele parecia desproporcionalmente feliz ao ouvir isso. — Aih, eu nunca tive um ego sensível. E a maioria dos insultos são mentiras ou exageros, tentativas de se mostrarem superiores. A minha melhor resposta a insultos é deixá-los passarem despercebidos. Ela fingiu estar estupefata. — Quer dizer que as pessoas ousam tentar insultá-lo? — Tenho um irmão mais velho. Ele é muito... Intenso. E irmãos mais novos. Estou acostumado a insultos. Mas você só me ofenderá se não confiar em mim, ou me temer. O coração dela deu um solavanco devido à repentina seriedade nos olhos dele. A mistura de advertência e súplica só á fez querer zombar dele novamente. Instintivamente, ela sabia que ele dizia a verdade. Que ele jamais perdoaria isso. Que isso seria a única coisa que o feriria. 36
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E, mesmo se ela dissesse a si mesma que a situação de Todd contrapunha tudo o que Harres fizera por ela, que ele fizera tudo pelas informações vitais que ele queria extrair e manter em segredo, seu senso de justiça a impedia. Ele fora sincero quando dissera que não tinha nada a ver com a prisão; de Todd. E Talia não acreditava em culpa por associação. Se ela quisesse continuar com a confiança, teria de admitir algo mais. Que ela não queria machucá-lo. De maneira alguma. Baixando o olhar e engolindo seu veneno, ela ajudou-o a retirar as mochilas e a cortar os cintos de segurança que ainda prendiam os engradados nos destroços. — Tem uma coisa que eu não consigo entender. Como você não aceita elogios à sua beleza, meu orvalho de jasmim? Ela guardou garrafas de água e pacotes de rações secas dentro das mochilas. — Daqui a pouco você vai me chamar de docinho de coco. Uma risada ecoou de seu peito massivo. Ele abriu outros engradados e organizou armas, sinalizadores, lanternas, baterias, bússolas e outros itens em duas mochilas. — Posso lhe garantir, nunca chego nem perto de nada doce, exceto em emergências. Para uma reposição rápida de calorias, por exemplo. — Espero que não precisemos disso, já que você já planejou tudo, sendo um cavaleiro do deserto. — Com certeza. E este cavaleiro do deserto está falando para você fechar sua mochila e ajudá-lo a empacotar nossas acomodações. — Esta coisinha é a minha? — Ela encarou a mochila dele. Era quase tão grande quanto ela. — E esse monte é a sua? — Tenho quase o dobro do seu tamanho, e posso carregar quatro vezes ou mais que você. — Olha, isso está ficando repetitivo. Não vou deixar que você, arrebente as minhas suturas. — Achei que elas fossem minhas. — Antes que a ânsia de dar um soco nele se transferisse para o braço dela, Harres adicionou: — Se eu não conseguir carregá-la, eu aviso. — É claro. Depois que contar que avistou o primeiro porco voador. — Mas, como eu sou uma mula teimosa, sou perfeitamente qualificado para carregar bagagens. — Antes que ela pudesse argumentar, ele tomou-lhe o rosto com as mãos. A gentileza de seu toque quase a fez entrar em colapso. — Obrigado por se preocupar comigo. Mas já passei por coisas piores, e treinei por mais de um quarto de século para aguentar as piores condições. — Ele sorriu. — Provavelmente por mais tempo que você esteve neste planeta. Aquilo a tirou do transe. — O quê? Eu não lhe disse que sou médica há anos? Você acha que eles dão licenças médicas a crianças? — Eles dão, aos prodígios. — Bem, não sou um prodígio. Faço 36 anos em agosto. — Impossível. — Ele parecia genuinamente surpreso. — Pode acreditar. Com um último olhar, ele voltou a organizar as mochilas. Depois, Harres fez um trenó com os restos do helicóptero e utilizando algumas cordas como arreios. Nele, colou uma barraca de armar, seus aposentos, como ele a chamara uma pilha de cobertores, sacos de dormir e colchões. 37
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Ela imitou-o passo a passo, seguindo suas orientações, antecipando suas necessidades como se estivessem trabalhando juntos há anos em perfeita harmonia. E sentiu aquela sensação avassaladora de sincronia novamente, a mesma que sentira quando ele a observara tratando de seu ferimento. E não era apenas isso. Talia sentiu o corpo ser atraído para ele, exigindo sua presença. Ela resistiu à compulsão com igual força, até sentir que seria rasgada ao meio. É sobrevivência, ela disse para si mesma. Procurar a pessoa mais próxima. Estar ali em condições normais já teria sido inquietante. Mas ela acabara de perceber que seu dilema era bem pior do que imaginara. E, com Harres gerando aquele campo de confiança e invencibilidade, quem poderia culpá-la por querer apenas se entregar a ele? E desde quando ela enganava a si mesma? Esse homem a eletrificara, como cabos elétricos recarregando uma bateria, no instante em que o vira. Desde então a sua presença transformara aquela vitalidade em algo quase doloroso. Uma lança que a feria por dentro. Uma fome que... — Você está com fome. Antes que a mortificação a sufocasse, ele a acalmou. — Seu estômago está roncando. — E ela percebeu que realmente estava. Não havia comido nas últimas 24 horas. — Eis o plano. Nós comemos, e preparamos nossas coisas para partirmos. Agora é l h da manhã. Se partirmos em uma hora, teremos cerca de oito horas antes que as coisas comecem a esquentar demais. Quando isso acontecer, nós montaremos acampamento e nos esconderemos até o pior passar e sairemos novamente antes do pôr do sol. Caminhando quilômetros a cada três horas, chegaremos, em três dias. Se racionarmos, nossos suprimentos devem durar até lá. — Senão, usarei a reposição de fluidos intravenosa. Ainda temos alguns litros. — Viu? Você é a melhor companhia que eu poderia ter nesta situação. — Tenho certeza de que você teria se virado — ela murmurou, empolgada, irritada, sentindo que as coisas estavam prestes a se tornar reais, e lutando para não se jogar nos bravos dele. — Você admite que eu não seja um incômodo inútil? Sinto-me profundamente honrado. Talia estudou-o por um instante, uma suspeita surgindo em sua mente. Ele estava fazendo isso de propósito? Toda vez que sentia sua vontade aflorar, ele zombava dela ou a provocava, deixando-a furiosa e fazendo-a revidar. Independente do que fosse, estava funcionando. — Ainda não sei o que você é. Você ainda pode nos levar na direção errada, e acabaríamos perdidos. E fossilizados. Harres riu. Um riso rico, viril, atordoante. Ele o intensificou com um gemido de dor. — Eu não me perco. É uma questão de princípios. E ela podia apostar. E poderia apostar a vida nisso. Ela iria. Quais eram as suas escolhas, afinal? Nenhuma. E por que ela deveria se preocupar com isso? Eles chegaram até ali, contra todas as chances. Se alguém neste mundo pudesse salvá-los, seria Harres. Mas, e se não houvesse salvação?... De repente Harres agarrou a mão dela e a puxou contra si. 38
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Desta vez, Talia o encontrou no meio do caminho. E, independentemente de ser sobrevivência, magia, compulsão ou qualquer outra coisa, ela precisava dele. Ela se dissolveu com o delirante gosto da investida da língua quente e aveludada de Harres, conforme ele a envolvia com ternura, luxúria e desespero. Ela se entregou completamente ao seu domínio e suas súplicas. Então Harres a afastou, tomando-lhe o rosto entre as mãos. — Eu disse que você estava a salvo comigo, Talia, de todas as formas. Vou manter você em segurança. Isso é uma promessa. Diga que você acredita em mim. — Eu acredito em você.
CAPÍTULO SETE
Talia se perguntava pela milésima vez desde que fora raptada se tudo aquilo que acontecera poderia ser real. De uma coisa ela estava certa: Harres era real. E ela estava seguindo-o por uma vasta paisagem esmagadoramente árida que a fazia sentir-se como uma das partículas da areia que se moviam sob seus pés. Eles partiram há seis horas. Antes disso, durante a hora que Harres especificara para os preparativos, ele estudara á exaustão as estrelas e sua bússola, explicando-lhe como ele combinava aqueles códigos com seu extenso conhecimento daquele terreno e os segredos de como se calcular uma rota. Ele disse que ela precisava saber tudo o que ele sabia. Talia achou aquilo impossível; ela não conseguia imaginar como ele diferenciava os pontos de referência quando tudo à volta deles era a mesma vastidão. Ainda assim, ele insistia que era vital que ela visualizasse o trajeto deles. Eles haviam apenas começado a caminhada de 32 horas. Harres caminhava na frente, aparentemente sem fazer esforço, carregando sua gigantesca mochila e arrastando o trenó repleto, enquanto ela vinha atrás dele com sua fração da bagagem: Que era surpreendentemente pesada. Eles caminhavam sob a areia firme, então não era muito difícil. Inicialmente. Ela precisava admitir que tivesse sido uma luta carregar algo mais pesado. Fazia horas que o amanhecer havia varrido as estrelas e o aumento gradual da iluminação trazia consigo a igualmente implacável elevação da temperatura. Embora o calor tornasse cada passo mais difícil que o anterior, ele também a distraía de contar seus passos e da fraqueza que invadia seu corpo. Ele havia despido cada camada de roupa, e vestia apenas as bandagens que ela havia trocado há uma hora, uma calça e botas de couro negras. Fitando as costas de Harres, ela finalmente estava livre para estudá-lo, para perceber algo. Ele era perfeito. Não, mais do que isso. Além de não achar nenhuma imperfeição nele, quanto mais ela o examinava, mais detalhes ela encontrava para se maravilhar. Harres parecia ser revestido por bronze derretido e um brilhante cetim, engenhosamente acentuado pela seda negra. Suas proporções eram uma obra39
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prima de balanço e harmonia, um estudo sobre a força e a grandeza. Ela jamais imaginara que um homem desse tamanho e corpulência pudesse exibir tamanha graça, elegância e equilíbrio. Como uma manifestação física tão espantosa podia combinar tamanho poder e poesia? Isso era quando ele estava soterrado pela mochila e amarrado aos arreios do trenó. E isso era apenas seu corpo. O rosto dele era um testamento divino, uma beleza lavrada pela perfeição. Na escuridão, os olhos dele dominara seu foco, mas, agora que ela via o rosto de Harres sob cada angulo possível, encontrava algo novo para apreciar a cada movimento da cabeça dele. Entre a inteligência estampada na amplitude daquela testa leonina, a definição distinta das maçãs do rosto, a proeminência do maxilar esculpido, o nariz, o humor e a paixão moldando aqueles lábios estonteantes, ela não conseguia escolher uma característica favorita. Nem quando outras coisas competiam por sua atenção. As sobrancelhas, os cílios, o pescoço e as orelhas. E havia o cabelo. Desde que os dedos prateados da manhã o tocaram, Talia ficara fascinada por ele. Mas fora necessária a exposição implacável do sol do deserto para destacar seu esplendor. A cor parecia ter saído de uma paleta com todas as cores usadas na criação da Terra, forjada com um brilho jovial e misturada com a energia solar. Conforme ele caminhava, a seda ondulante parecia uma extensão de sua beleza e virilidade, transmitindo o mesmo poder e propósito. Cada vez que ele se virava para verificar se ela estava bem, aquela massa parecia acenar para que ela se refestelasse em seus prazeres. Ele então se voltou novamente para ela, e aquela cortina de luxúria se abriu sob o ângulo indireto do sol, fazendo-a engolir de volta seu coração. E isso foi antes daquele olhar, um amálgama de coragem, solicitude e desafio que injetava força de vontade em suas veias. Talia devia estar começando a alucinar de exaustão. Talvez eles devessem fazer outra pausa antes que ela desmaiasse. O problema era que ela estava exausta, mas não a ponto de desmaiar. O que significava que aqueles pensamentos vinham de uma mente sadia. Ela desviou o olhar daqueles movimentos hipnóticos, tentando documentar as sutis e ricas mudanças que ocorriam na paisagem desértica a cada quilômetro. Esse lugar poderia ser o pesadelo de um viajante, mas era o sonho de um geólogo, artista ou amante da natureza. Conforme o calor e a luz se intensificavam, ela agradeceu por ter consigo óculos de sol, o par não danificado que ele insistira que ela levasse e a fresca roupa de algodão que ele confeccionara em uma cobertura para a cabeça dela. Às l0hs em ponto, ele parou. Embora ela quisesse sentar-se e nunca mais levantar, quando ele virou-se para ela, Talia disse: — Eu posso continuar. Ele balançou a cabeça e retirou a bagagem. — Não tem por que ir mais além apenas para deixa-la mais exausta, pois você precisará de mais descanso. Ou, pior, não conseguirá continuar. — E você que está com um ferimento de bala. E estou acostumada no meu trabalho á ficar dias a fio em pé. Ele retirou a mochila dela, sorrindo. 40
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— Você passou pelo equivalente a quatro de seus dias esgotantes nas últimas 12 horas. — Antes que ela pudesse protestar, ele continuou: — Mas, já que é contra seus princípios ser servida, você pode me ajudar a armar a tenda. Ela concordou relutante. Estava louca para descansar, mas queria acabar logo com a viagem. Harres lhe passou a tenda. Então ela descobriu por que ele a oferecera a ela. Porque não havia quase nada para ser feito. Assim que ela desdobrou a coisa, ela armou-se quase sozinha. Depois de juntar suprimentos para as próximas horas, ele a conduziu para dentro, e Talia ficou ainda mais impressionada. A tenda era grande o suficiente para acomodar dez pessoas, e ele conseguia ficar de pé dentro dela. O tecido da cor de areia era grosso e fresco, de perfeita isolação; as aberturas ficavam seladas quando fechadas e a ventilação era engenhosa. Mas ainda estava quente. Muito quente. E a maior parte do calor estava sendo gerada por seu companheiro brutamonte. Ela tomou água e levantou o olhar, e encontrou-o encarando-a com aqueles olhos que queimavam brandamente como carvões. — Tire suas roupas. Ela se assustou ao ouvir o murmúrio grave, com um jorro de sangue vindo de suas entranhas corando sua pele. Harres baixou o olhar, como se procurasse a origem daquele fluxo que percorria o pescoço e as faces dela. E isso foi antes de ele acrescentar: — Toda a roupa. Talia o encarou, a primeira derrota desde que ela o conhecera. Essa era a última coisa que ela... Ela... Então os lábios dele se crisparam, um canto arqueando-se maliciosamente e traindo a seriedade em sua voz quando elaborou: — Se não tirar, você vai suar litros que não vai poder repor. — Oh. Claro. — Ela mordeu o lábio inferior, meneando, dispersando o alarde ridículo e a tentação que a acometera. O problema era que, em uma situação comum desse tipo, ela ficaria apenas com a roupa íntima, que se resumiria a um conservador biquíni. Mas, como estava usando apenas uma camisa masculina, ela ficaria apenas de short. E Talia não sabia o que a mortificava mais. Que ele a visse de topless, ou que visse a quão ridícula ela ficaria neles. Oh, certo. E isso era motivo para arriscar uma desidratação? Ela meneou a cabeça, bufando. — Será que você podia se virar? Ele lançou-lhe um olhar falsamente inocente. — Por quê? Então Harres começou a despir as poucas roupas que lhe restavam. Começou tirando as botas, e se endireitou para abrir o cinto. Os olhos dela acompanhavam cada movimento. Quando ela percebeu que estava com a boca aberta e que seus olhos se baixavam, antecipando a grande revelação, ela sentiu a fúria surgir para extinguir sua mortificação e acordá-la do torpor. Talia encarou desafiadoramente o olhar de seu mestre-carrasco, e então começou a despir-se. Se ele pensava que ela desmaiaria ao ver seus dotes, que ela se viraria modestamente ou tentaria proteger a própria nudez com braços virginais, era melhor ele pensar duas vezes! 41
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Enquanto ela se preparava para tirar a camiseta, Harres ergueu os braços e manipulou algo no teto. Uma pesada partição de tecido despencou entre eles. Ela congelou, encarando a superfície opaca a centímetros de seus olhos, até que a voz galhofeira do outro lado despertou. — Seu... Seu... Traiçoeiro! Uma mistura de alívio e desgosto a invadiu enquanto ela arrancava o resto das roupas, ao som da risada de Harres. Ela atacou o fino colchão como se fosse ele. Mas, se Talia achava que iria se deitar e virar para o lado com ele a alguns centímetros e com apenas um pano entre eles, ela estava enganada. Ela não sentira nada no instante em que se deitara, até sentir as carícias dele. Ela piscou confusa. Harres estava ajoelhado ao lado dela, acariciando gentilmente seu cabelo, seu rosto e seus braços. Por um longo momento, Talia pôde apenas pensar que aquela era uma maneira maravilhosa de ser acordada. Então o fator "maravilha" cresceu exponencialmente quando ele sorriu. — Eu chamei. E chamei. Até cutuquei você, mas não adiantou. Ela piscou de novo, olhou para baixo e descobriu-se coberta por um cobertor de algodão fino. Como fora ele quem a cobrira, ele deveria ter visto tudo. Ainda assim, ele a cobrira para não desrespeitá-la. Ela lutou contra a vontade de jogar os braços ao redor dele e trazê-lo para si, agradecendo-lhe por ser tão cuidadoso. E mais. Em vez disso, ela resmungou: — Que horas são? — Entardecer. Talia levantou-se alarmada. — Mas nós deveríamos ter saído há duas horas! — Você precisava descansar. Agora nós iremos mais rápido. — Antes que ela pudesse repreendê-lo por não seguir os planos por causa de sua suposta fragilidade, ele afagou o cabelo dela e piscou. — Andando, doutora! Ela bufou enquanto seu coração se acelerava. De repente ele a tratava como sua irmã menor. E isso ainda mexia com ela. Quando ela começou a procurar pelas roupas, ele voltou-se para ela. Harres pegou a camiseta da mão ainda frouxa de Talia e começou a vesti-la passando pela cabeça, e depois guiou os braços flácidos dela, com cuidado para não puxar o cobertor que lhe cobria os seios. Ele o retirou apenas quando a camiseta estava no lugar. Quando ela achou que sofreria um ataque cardíaco, a expressão séria dele tornou-se incandescente e sombria. Então ele se inclinou e abriu os lábios na junção do pescoço e do ombro de Talia. A sensação daqueles dentes e daquela língua era como uma descarga elétrica. Ela se contorceu sob a força das sensações que a permeavam. E aí elas se intensificaram. Ele deslizou até a ponta de seu ombro, mordiscando-o e lambendo seu suor. Harres gemeu contra a pele dela, enviando ondas de choque pelo corpo dela a cada sílaba. Ela achou que ele dissera: — Uma recompensa... Um incentivo... E então se afastou e desapareceu em seu compartimento. Talia deixou-se cair de costas, arfante, antes de se forçar a levantar e vestir-se. Então ela foi até o lado dele para verificar o ferimento antes de continuarem a viagem. 42
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Ela teria horas para contemplar o significado daquelas palavras. E as sensações que elas causaram em suas entranhas. E, embora ela estivesse longe de estar com frio, um tremor a percorreu. Ele acabara de pôr em palavras o que ela sentia. Ela suspirou, sentido como se seus ossos tivessem se transformado em um líquido quente e o resto de seus sentidos tivessem derretido por causa da temperatura de seu sangue. Ao final do segundo dia, o suprimento de água diminuiu bastante, embora eles bebessem apenas quando absolutamente necessário. Eles estavam perdendo litros com o calor e exercício físico. Após a meia-noite, eles pararam para descansar. Enquanto Talia bebia, ela percebeu que ele não tinha bebido. Ela insistiu que ele tomasse um gole, que ele estava perdendo muitos fluidos carregando dez vezes o peso que ela carregava. Ele aceitou apenas a oferta de hidratação Intravenosa. Ele pendurou o soro em sua jaqueta para que ela não precisasse segurá-lo. Ela insistiu na ineficiência daquilo, e ele calmamente desenrolou um colchão, colocou-o contra a beirada da duna, cobriu-o com alguns cobertores e então segurou sua mão e deitou-se com ela. Harres estava deitado com ela entre as pernas, suas costas sobre o peito dele, sua cabeça sobre o ombro direito. Ele então protegeu ambos com cobertores e cruzou os braços sobre ela. Ela logo tentou escapar, mas ele apertou-a com mais força. — Relaxe. Relaxar? Ele estava louco? E não era só isso. Ele estava esfregando os lábios contra a cabeça dela, inalando-a e ronronando de prazer. — Descanse. Mantenha-se aquecida. Está muito mais frio do que ontem. —N-nós, temos cobertores suficientes — ela protestou debilmente. — Esta é a melhor maneira de preservar a temperatura do corpo. — E pensar que fui eu que o lembrei sobre isso! Ele riu em seu ouvido, enviando mais ondas angustiantes através dela. — Conserve sua energia, minha Talia. Durma, e eu a acordarei daqui a uma, duas horas talvez. — Eu... Eu não quero dormir. — Nem eu. Prefiro ficar acordado, compartilhando esta experiência com você. — As estrelas. Elas ainda estão lá em cima. Ele esfregou a bochecha dela com os lábios. — Você não as vê frequentemente onde mora, não é? — Faz anos que não as vejo. E, quando vi, não eram tantas assim. Eu não achava que existissem tantas. Cientificamente falando, sei que há um número infinito delas só em nossa galáxia. Mas nunca achei que poderíamos vê-las. Há milhões delas. — Eu ordenei que elas estivessem presentes especialmente para você. Vindo de qualquer outro homem, aquilo soaria como um ultrajante e muito irritante cantada. Mas, de alguma forma, vindo de Harres, essa força da natureza que parecia estar unificada às forças desta terra, a terra dele, isso não soava afetado. Talia sentira como se ele tivesse empatia, um entendimento do que o cercava como se deixassem que ele dividisse seus segredos e compartilhassem de sua força. E, vinda de um homem que arriscara a vida para salvar a dela, que cuidava tanto dela e mostrava tamanha admiração, respeito e solicitude, ela 43
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podia facilmente acreditar que ele desejava agradá-la. Assim, até o sentimento por trás disso parecia legítimo, sincero. Profundo. E, se uma voz interior dissesse que aquilo tudo era motivado pela necessidade de ele aprender todos os segredos dela, ela não a ouviria. Ninguém era tão bom assim em esconder suas motivações reais. E Talia o conhecera nas piores condições possíveis. E ele brilhara com bravura e desenvoltura, com bondade e confiança. — Eu não me surpreenderia. Elas são subordinadas suas também? — Oh, não. Elas são apenas amigas. A gente se entende. — Eu acho que acredito em você. Eu poderia me acostumar a ouvir você dizendo isso. O sotaque de Harres provocava aquele desejo que surgia no âmago de seu ser. Em vez de deixá-la agitada, ele a embalava. De repente, ela queria dormir. Assim. Abrigada em sua força e perfeição. Ela bocejou. — Você é confortável. — Com certeza não sou confortável. — A risada dele reverberou por ela. Mas foi a poderosa investida contra suas nádegas, tornando-se cada vez maior, se isso fosse possível, que a despertou de seu torpor. Ele a puxou com mais força. — Não se mova. — Mas você está... Está... — Excitado? Com certeza. Estou assim desde o momento em que pus meus olhos em você. E, não, não sou sempre assim. Mas eu não me importo. — Achei que os homens não se importavam com mais nada. — Não sou desses. E, embora isso tenha começado desconfortável, tornando-se doloroso, e esteja agora quase agonizante, jamais apreciei algo tanto assim. Nunca me senti tão vivo. Talia se contorceu a cada palavra, ficando pasma ao perceber que aquilo apenas o excitava ainda mais. Ela jamais conhecera tamanha mortificação. Ou excitação. O coração dela vibrou, até que ele sussurrou: — Jamais farei nada que você não me peça Talia. Que você não implore. Ela acreditou nele. E saboreou a maneira como seus corpos latejavam em união. Ela provavelmente ficaria horrorizada depois. Mas quem se importava agora? Talia se fundiu a Harres, sentindo a respiração e os batimentos cardíacos se tornarem um só. Depois de intermináveis minutos de tranquilidade e comunicação silenciosa, ele beijou-lhe a testa e suspirou. — Vê aquela estrela? Aquela com um brilho azulado? Vou chamá-la de Talia. Ela pressionou as coxas, aliviando um pouco a pressão, e murmurou: — Ela já deve ter um nome. — Não me importo. Ela me lembra dos seus olhos. Ela deu uma risadinha. — Talvez você devesse chamá-la de "Os Olhos de Talia". — Como é apenas uma, é melhor chamar de "O Olho de Talia". Então, qual vai ser ya nadda jannati. O olho direito ou esquerdo de Talia? Já imagino os mitos que surgirão sobre tal nome. — Hum, se eu fosse um Ciclope, não teríamos este problema. — Se você fosse um Ciclope, seria a criatura mais sexy a dominar as fantasias masculinas. — E, entre as suas habilidades, você é faixa preta em flertes rebuscados? 44
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— Você está certa. Eu deveria ter dito a verdade. Você dominaria as fantasias deste homem. A beldade de dois olhos que estou envolvendo agora já dominou. — Aposto que você não diria isso se me visse com trapos manchados de sangue e com o cabelo espetado como um porco-espinho. E aquele corte de cabelo "terrível" não foi só para o meu disfarce. É assim que eu mantenho meu cabelo fora do meu caminho e da minha mente. — Você está falando com o homem que achou você incrivelmente sensual quando ainda estava de barba. Eu a acharia sexy mesmo que estivesse coberta de lama. Oh, espere... Está ai uma boa ideia. — Fantasias de luta na lama, hein? Que másculo da sua parte. — Eu não tenho essas fantasias. Mas, se elas envolverem você e eu, vou definitivamente incluí-las no meu inventário de fantasias. — Ela se virou para encará-lo, e ele apenas assobiou. — Uau. Talvez a chame de "Brilho de Talia". — Por ser fria e hostil, não? — Muito pelo contrário. Esta estrela é irresistível, hipnótica, resoluta, indomável. Ela quase fez algo estúpido, como provar o gosto daquelas palavras naqueles lábios, ou colocar a língua na covinha solitária que aparecia em sua bochecha esquerda quando ele sorria. Ela lançou-lhe um olhar, tentando parecer imponente. — Saiba que este olhar fazia os meus internos e residentes no prontosocorro fazerem o que eu mandasse. — Eu acredito. — De súbito, Harres a agarrou com mais força. — Você consideraria fazer isso aqui? O coração dela vibrou em seu peito. Talia lutou para se livrar dos braços dele e poder encará-lo melhor. — Quer dizer, trabalhar no hospital de Zohayd? — Na verdade, adoraria que você treinasse meus homens e mulheres em campo e em situações de emergência. — Oh... — A ideia de permanecer em Zohayd depois que tudo aquilo terminasse, o fato de ele admirá-la o bastante para lhe oferecer uma responsabilidade dessas, a alegria de pensar que o veria regularmente irrompeu dentro dela. Sem considerar a viabilidade de tal situação, Talia sorriu para ele. — Isso parece incrível! — Quando os olhos dele devolveram seu olhar incandescente, ela hesitou: — Quer dizer, teremos que... Sabe conversar sobre isso quando tudo tiver terminado... Ver se seria plausível, considerando o motivo pelo qual estou aqui e... Espere mulheres? Há mulheres nas Forças Especiais? A impaciência surgiu nos olhos de Harres, principalmente por ela ter mudado de assunto sem responder à sua pergunta. Então eles voltaram a se acalmar, provavelmente por saber das dificuldades da situação em que se encontravam além do perigo real e imediato. — Não muitas, já que esta não parece ser uma das opções de carreira que as mulheres de Zohayd preferem. — Estou surpresa que esta seja uma opção em Zohayd. Que existam mulheres interessadas nela. O sorriso dele tornou-se caprichoso. — Há uma diferença entre ser uma mula teimosa e ser um porco chauvinista. Talia virou os olhos. — Eu nunca vou ver o fim disso, vou? 45
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— Você quer ver? — ele provocou. Ela então ponderou por um momento. E sorriu maliciosamente. — Não. Com isso, ambos caíram em silêncio e se aconchegaram um no outro. Depois de uma hora, eles partiram. O terceiro dia veio. E passou. Ao final do quarto dia, seus suprimentos haviam terminado. E não havia sinal do oásis. No quinto dia, depois do pôr do sol, Harres fez algo que aterrorizara Talia. Ele abandonou seus equipamentos. Quando ela protestou, ele ficou em silêncio por um longo instante. E a fitou solenemente. Ele disse que ela não tinha mais motivos para acreditar que ele sabia o que estava fazendo. E que não podia mais seguir naquele ritmo. Ela confiaria nele para sobreviverem, para alcançarem o oásis? Ela confiou nele. Porém, eles não chegaram ao oásis. Dez horas depois, Talia estava incapaz de continuar. Ela desmaiou. Harres conseguiu agarrá-la antes que ela desmoronasse no chão. Ele a deitou gentilmente, dando-lhe beijos e pedidos de desculpas. Talia sucumbira à inconsciência pensando que aquelas seriam as últimas coisas que sentiria e ouviria na vida. Mas ela acordou e se descobriu envolta em dois cobertores. E a jaqueta de Harres. Ela estava sedenta e sendo frita viva pelo sol escaldante do meio-dia. Ênfase em viva. Então Talia percebeu outra coisa. Ela estava sozinha. Talia livrou-se daquele casulo e sentou-se. Harres não estava por perto. Ele a deixara? Não. Ela sabia que ele jamais faria isso. Mas, e se alguma coisa acontecera com ele? E se inimigos o tivessem encontrado? Seria o príncipe de Zohayd um preço maior a se negociar pelo trono? Como eles o usariam? O que eles fariam com ele? Ela soluçou. Nenhuma lágrima surgiu de seus olhos ressequidos. Sua consciência ia e vinha. E, mesmo nos momentos de lucidez, pesadelos a aterrorizavam, mostrando seu Harres sendo abusado e coisas piores, tudo porque ele a resgatara... — Oh, Deus, Harres... Por favor... Então, como se em respostas à suas súplicas, lá estava ele. Talia sabia que ele não estava realmente lá. Ela estava alucinando de desidratação. Porque esse Harres não era o cavaleiro do deserto moderno, em um jipe e um helicóptero, mas uma versão em cavalo branco. Galopando na direção dela como se viesse sobre o vento, em união com o animal, á mesma nobreza, força e determinação. O cavaleiro que a salvaria. Mas não haveria salvação. Esse era o fim. Não que isso fosse muito ruim. Talia tinha apenas dois arrependimentos. De não ter salvado Todd, e de ter deixado tudo se interpor entre ela e Harres. Se fosse viver, se tivesse mais tempo com ele, ela não ligaria para nada e só ficaria com ele, vivenciado tudo o que pudesse. Agora era tarde demais, e Talia nunca conheceria realmente aquela paixão. Que sensação. 46
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Ela sonhou que Harres pulava do cavalo, espalhando areia em um grande arco. Harres se inclinando, as asas de sua vestimenta branca erguidas como as de uma majestosa águia, envolvendo a em paz e contentamento. Talia estava muito feliz por seu desejo intenso ter criado uma última manifestação tão tangível do homem que amava... Sim, amava... Ela mal conseguia sussurrar sua felicidade. — Harres... Como é bom vê-lo... — Talia, nadda jannati, perdoe-me por tê-la deixado. — Tudo bem... Eu só queria... Que você não precisasse... Partir, também. Sua cabeça regia coberta por uma ghotrah branca que refletia o sol, baixouse para protegê-la da luz, seus olhos mágicos emitindo raios de pura ansiedade. Ela suspirou novamente. — Você seria... Um anjo... Incrível, Harres. Meu anjo da guarda. Pena que você está aqui agora, já que o outro anjo... O anjo da morte... — O quê? Talia estremeceu. Ela estava flutuando nas camadas da voz de Harres, tão deliciosamente profunda e emocional. Agora ela se enchera de preocupação. — Você está viva e ficará bem. Apenas beba ya talyeti. Ela descobriu néctar em seus lábios, e engoliu-o sem questionar ou pensar, sentindo a vida inundá-la conforme ela se afundava no prazer do encorajamento dele, despejando explicações. — Se eu a tivesse carregado, não teria chegado ao oásis. Então eu a deixei, e corri. Eu levei seis horas, e duas horas a cavalo para voltar. Morri de preocupação a cada segundo. Mas estou de volta, e você está viva, Talia. — T-tem certeza? — Tenho. Agora beba, por favor, minha preciosa gota de orvalho. Logo você estará melhor do que nunca. — Não quer dizer, pior? Ela se sentiu envolta por braços trêmulos, pressionada contra um peito arfante; seu esgotamento provavelmente estava abalando sua percepção. — Aí está você. Minha sarcástica dádiva de Ullah. — Você diz... As coisas mais maravilhosas. Você é a coisa mais mmaravilhosa... Que já me aconteceu... Então Talia se entregou ao esquecimento na segurança dos braços dele. Na terra dos sonhos, ela achou ter escutado Harres dizer: — Você é a coisa mais maravilhosa que já me aconteceu, ya habibati.
CAPÍTULO OITO
Harres ignorava a dor e sufocava a exaustão. Ele precisava aguentar até levar Talia ao oásis. Os homens que voltaram com ele se ofereceram para tomar conta dela, dos dois. Mas ele não poderia. Não permitiria. Ele precisava ser o único a salvá-la. Como prometera. 47
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Ele pedira para que alguns deles voltassem pelo rastro dele e de Talia para recuperarem os equipamentos que ele abandonara, antes que a tempestade de areia os atingisse. Principalmente os suprimentos médicos. Harres permitira que aqueles que permaneceram o ajudassem a colocar Talia sob o cavalo, abrigada nos braços dele como estivera durante os descansos da penosa jornada. A cavalgada de volta ao oásis demorou mais. Muito mais. Cada instante parecia se expandir, recusando-se a ser substituído pelo próximo, prolongando a provação de Harres. A cada passo que se afastara dela, ele ficara mais fora de si. Harres se forçara a focar no caminho para o oásis. Mas a visão de Talia enrolada em cobertores e abrigada na barricada de uma duna ficara marcada em seu cérebro. Ele começara a perder a sanidade, sabendo que a proteção dos cobertores se transformaria e a sufocaria quando a paisagem ártica do deserto se transformasse em um inferno escaldante. Ele rezara para que a mensagem que ele deixara na areia não fosse apagada pelo vento implacável, que ela tivesse ouvido a súplica que ele fizera antes de partir para que acordasse logo, lesse a mensagem e usasse os cobertores como abrigo, com a armação da tenda que ele deixara. Mas a mensagem havia sido apagada. E Talia tinha se descoberto, mas não utilizara as cobertas como refúgio contra o sol. Depois de cinco dias de provações além dos limites humanos, fora um milagre ela ter aguentado tanto. O único motivo que ele tinha era salvá-la. Harres a segurou com mais força, seu coração enfraquecendo-se novamente ao imaginá-la acordando sozinha e sem explicações do desaparecimento dele. Foram os cálculos errados dele que os deixaram nesta situação. O terreno mudara drasticamente da última vez que ele estivera ali, e, por temer a letalidade da areia movediça, além da distância que os separava do oásis, ele fizera um caminho muito maior por precaução. Ele se livrara dos suprimentos tarde demais, quando a exaustão irreversível já tomava conta deles. Ele chegara ao oásis em completo esgotamento. Percebera seu estado nas expressões horrorizadas daqueles quem correram ao seu socorro. O horror deles aumentou quando perceberam que Harres estava sangrando. Em sua corrida louca, ele abrira os pontos. Ele deixara que o povo do oásis fizesse curativo e o vestisse com roupas apropriadas, engolindo bebidas revigorantes apenas porque sabia que não seria bom para Talia se ele não se cuidasse. Em questão de segundos, Harres subiu no cavalo mais poderoso e irrompeu do oásis com os melhores cavaleiros atrás de si. Demorou mais de uma eternidade até que ele voltasse para ela. Ele gemeu. Mesmo à beira da morte, sua Talia era a essência da compostura e da graça. E da perspicácia. Uma risada escapou dele conforme as palavras dela ecoavam dentro dele novamente. Ele repetiu as últimas palavras antes que ela se entregasse ao esquecimento em seus braços. Você é a coisa mais maravilhosa que já me aconteceu... Ela pode ter dito aquelas palavras por ter sido salva. Mas ele as respondera do fundo do coração. Depois de uma hora interminável, Harres parou bruscamente o cavalo na frente da cabana que fora preparada para ele. Ele deixou os outros carregarem Talia apenas para amarrar o cavalo. Então a tomou, como se temesse que ela evaporasse. 48
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Uma vez dentro da habitação, ele persuadiu Talia, ainda que inconsciente, a beber novamente copos cheios de água, e uma bebida mineral hipercalórica com vitaminas que os habitantes inventaram para condições de desidratação e insolação extremas. Com o maior cuidado e afeição, ele a despiu daquelas roupas masculinas ridículas, banhou-a em água fresca, abanou-a ate secar e novamente a banhou, aliviando-lhe o calor. Quando sua temperatura finalmente voltou ao normal, ele a vestiu com uma das impecavelmente limpas e vibrantes camisolas que as mulheres do oásis providenciaram. Ela entregou-se aos cuidados dele sem questionar ou resistir, enquanto sua consciência ia e vinha como ondas em um mar tranquilo. Harres finalmente a deitou sob os macios lençóis de linho kettan recémpostos sobre uma cama de plataforma ampla e baixa. Enquanto ele se afastava, um som aflito surgiu daqueles lábios subitamente vivos, seu cenho cerrado como se em dor. Talia não podia suportar a distância entre eles. Assim como Harres. Ele se inclinou sobre ela e a protegeu com o corpo. Ela se enterrou cada vez mais nele a cada respiração entrecortada, até que ele sentiu que ela havia penetrado entre as camadas de seu ser, fazendo-o perceber quantos espaços vazios havia dentro de si. Lugares que apenas ela poderia preencher. Ele se acalmou, saboreando a sensação de cada centímetro dela, vibrando á cada tremor dela, seus murmúrios se harmonizando a cada gemido de fatiga e puro contentamento dela. Então Talia ficou em silêncio e imóvel, e sua respiração se estabilizou, indicando que ela adormecera. Mas ele não se dava por satisfeito. No fundo de sua consciência fatigada, ele achava que deveria procurar o ancião do oásis e perguntar se ainda havia tempo de enviar emissários para seus irmãos antes da tempestade de areia. Mas ele não conseguia deixar Talia. Sua única preocupação era cuidar de sua saúde e conforto. Até que ela abrisse os olhos e sua amada personalidade brilhasse através de seu olhar celestial, ele não conseguiria pensar em mais nada. Ate mesmo o destino de Zohayd estava em segundo plano. Ele não faria nada além de vigiá-la até que ela acordasse... Talia acordou. Por um longo momento após abrir os olhos, ela não acreditou no que viu. Estava abrigada sob uma luz de origem desconhecida, de uma brancura diáfana. Então as formas ao seu redor entraram em foco. Ela estava cercada por fino mosquiteiro, deitada em uma cama gigantesca sobre os mais macios lençóis que já tocara. Ela já sentira aquelas essências mais de uma vez desde que viera para Zohayd, aparentemente em outra vida, incensos de almíscar, âmbar e ood. A luz vazava por aberturas sob o teto rebaixado, cobertas por trabalhos de arabesco tão delicados que deveriam ser tão eficientes quanto o mosquiteiro. Ela não havia movido a cabeça ainda. Mas vira o suficiente para ficar fascinada. Uma parede caiada de tijolos de barro, uma porta de madeira e uma janela com persianas, chão pavimentado com pedras, dois sofás de junco com almofadas de lã tecidas a mão em uma conflagração de cores e padrões, com o mesmo distinto design beduíno adornando um tapete e quadros nas paredes. 49
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Lâmpadas a óleo e queimadores de incenso pendurados nas paredes, feitos à mão, de bronze, simples, requintados e reluzentes. Era esse outro mundo? Outra era? Ela deveria saber onde estava. A resposta apenas lhe escapava. Ela também sabia que havia acordado várias vezes antes. Se é que ela podia chamar aqueles episódios de acordar. Agora fragmentos de lembranças lhe vinham à mente como uma chuva de contas no chão de sua consciência. Conforme os momentos de consciência se acumulavam, as partículas agitadas se acalmavam, fundindo-se para formar uma linha do tempo. Então Talia entendeu o que acontecera. Harres voltara para buscá-la. Seu cavaleiro do deserto viera em um cavalo branco, liderando a cavalgada. Mas não antes de ela agravar a desidratação e a fraqueza com uma insolação. Não era à toa que distorções enchiam a sua cabeça. Mas uma coisa continuava hiper-real no quebra-cabeça dessa nebulosidade: Harres. Cuidando dela. Parecendo estar tão fatigado e ansioso que ela choraria se pudesse. — Você está acordada de verdade, ya habibati! A voz dele estava sombria e abatida, como em seu delírio. Talia se virou, seguindo-a. Ela o encontrou a dois passos de distância, sentado no chão com um joelho dobrado, um pouco acima do nível dela por ser tão alto e a cama dela tão baixa. Ele vestia um abaya branco. Como ela havia imaginado. Ela fechou os olhos para saborear a visão dele usando os trajes tradicionais de sua terra. Ele parecia ser da realeza de qualquer forma, mas assim... Uau! E. Uau deveria se ser sancionado o adjetivo correto para descrever o indescritível. Ele. O ápice da virilidade. Especialmente adornado com o que ele nascera para usar. Ele se levantou com um daqueles movimentos fluidos que nunca paravam de surpreendê-la, considerando seu tamanho e corpulência. Antes que seus olhos pudessem encontrar os dele, ele retirou o mosquiteiro e sua abaya abriuse. O olhar dela se aninhou no peito de Harres. Por causa das bandagens, ele estava nu, uma extensão bronzeada de perfeição e potência. As bandagens dele estavam menores do que as que ela fizera, expondo mais do ébano sedoso que acentuava cada protuberância de sua pura virilidade. E, se isso não fosse ruim ou bom o suficiente, aquele peito torturante indicava para um abdômen esculpido em pedra, guiando os olhos de Talia para onde ele começava a se incendiar... Antes de desaparecer por trás da calça branca saída diretamente de as mil e uma noites. Ela era perigosamente baixa naqueles quadris musculosos, exibindo a força e o tamanho de suas formidáveis coxas. Ela não conseguia respirar. Talia sentia contrações tão fortes de desejo que chegava a gemer com elas. O que era uma boa novidade. Se ela conseguia ir de zero a um milhão em segundos apenas vendo-o, todo o seu sistema estava funcionando otimamente. — Não, ya talyeti. Eu imploro, não feche os olhos novamente. Ela não percebera que os fechara. As súplicas de Harres ao se sentar no colchão os abriram. Ela gemeu novamente. A urgência em seus olhos e em sua pose inundava-a de calor. Mesmo que a expressão de Harres o tornasse mais imponente e até intimidante, e ainda mais sensual... 50
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— Chega. Diga algo! Ela tentou. A garganta de Talia doía e estava tão; seca quanto o deserto. Sua voz finalmente produziu um fraco sussurro. — Estou a-acordada. De v-verdade. Ele se aproximou seus olhos a chamuscando com a intensidade de seu exame e ceticismo. — Você já disse isso antes. Muitas vezes. Minha sanidade não aguenta mais falsas esperanças. — Ele olhou para cima, afagando os cabelos dela. — O que eu estou dizendo? Se você estiver falando dormindo, isso não a despertará. Ela lutou para sentar-se, conseguindo apenas virar-se para ele. — E-estou acordada agora. Sinto-me nova em folha. — Os olhos dele ficaram sérios. — Não, de verdade. Só estou zonza, o que é de se esperar, e dolorida pelo maior exercício de minha vida e por ficar muito tempo na cama... Aquelas palavras saíram enquanto ela tentava novamente se sentar e olhar seu corpo pela primeira vez. Vestia uma camisola decotada de cetim com tons azuis, verdes e laranjas vibrantes, ecoando a exuberância da decoração do quarto. O calor aumentou quando ela imaginou Harres a despindo e a vestindo. Seus pensamentos a queimaram quando elas se desviaram para uma vivida e languida encenação dele despindo-a novamente... E, para piorar, ele se aproximava ainda mais. — Então... P-por quanto tempo eu fiquei inconsciente? Harres olhou para o relógio antes de fitá-la novamente, seus olhos perdendo a frieza. — Cinquenta horas e 42 minutos. — Uau! — exclamou ela, sua voz recuperando a força e a clareza. — É um tempo bom para se recuperar de uma combinação de desidratação e insolação. Que bom que eu sou durona, não? Os olhos de Harres se exaltaram, intensificando sua vivacidade e beleza. — Você é mesmo, além de ser uma gota de orvalho indestrutível. E shokrun lei lah, graças a Deus por isso. — E o que você ficou fazendo enquanto eu dormia? Os lábios dele se contorceram, a malícia que ela conhecia e adorava se reacendendo nos olhos dele. — Eu cuidei de você, enviei emissários para meus irmãos, depois cuidei mais um pouco você. E então, oh, eu cuidei de você. — Você chegou a cuidar de si mesmo? Você dormiu? Harres lançou-lhe um olhar de remorso fingido. — Não intencionalmente, posso garantir. Ela agora via a tensão e a exaustão atravessando seu rosto com linhas que não estiveram lá, mesmo em seus piores momentos. Seu coração se apertou mesmo ao demonstrar sua gratidão e admiração. — Oh, Harres, você é um protetor incurável. — Talia acariciou o antebraço dele, seus sorrisos se contundindo. E então se sobressaltou. — E o ferimento? Alguém o examinou? Como ele está? — Ah... Tenho boas e más notícias. Os olhos dela o analisaram fervorosamente. Não. O que quer que fosse não era algo terrível. Além da evidente fadiga, ela parecia estar bem. — Mande as ruins. Harres fingiu uma expressão grave. — Suas suturas eram muito boas. — No pretérito? — ela gritou. — Você as abriu! 51
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Ele assentiu, erguendo as mãos. — Mas a boa notícia é que não havia sinal de infecção. Veja. — Ele levantou o braço esquerdo facilmente e sem sinal de desconforto. — Além disso, o povo do oásis recuperou nosso kit médico, então você pode me costurar novamente. — Pode apostar que eu vou! — Talia estava aliviada. Seus olhos se desprenderam dele pela primeira vez, e observaram o quarto. Ela conseguia ver o resto do lugar pela porta aberta atrás dele. — Este lugar é incrível. — É um lugar muito especial — ele concordou. — Era a habitação do antigo ancião do oásis. Ele morreu há dois anos. As casas dos anciões permanecem inabitadas, como tributo a suas vidas e à liderança. É uma honra podermos ficar aqui durante nossa estadia. O sorriso dela tremeu novamente. — Só o melhor para o príncipe de Zohayd. Ele balançou a cabeça, seus olhos aquecendo-a. — Não é bem assim. Qualquer sobrevivente que eles resgatem do deserto receberá o mesmo tratamento. Também tenho uma relação com o povo daqui que não tem nada a ver com o fato de eu ser um príncipe. Não tenho certeza se eles consideram os Aal Shalaans como a família real, mas, se consideram, não ligam muito para isso. — Por que não? — O oásis e o seu povo estão fora dos limites do mundo do qual eles são independentes. Eles são... Reverenciados pelo resto de Zohayd e por toda a região, quase temidos como uma nação mística que sempre existirá fora do tempo e da realidade. Ela digeriu as informações, a sensação de estar em outro mundo se intensificando. — Uma nação? Há quantos deles? — Cerca de trinta mil. E a recusa deles em se juntar ao mundo moderno os torna únicos. A singularidade é um poder que independe de quantidade. — Não se eles não tiverem os meios modernos de se defender contra intrusos. O rosto de Harres tornou-se sério. — Não haverá intrusos. Não sob os cuidados dos Aal Shalaans. Não sob os meus cuidados. Ela acreditava nele. Aquele cavaleiro cuja honra o impelia a proteger os indefesos contra os agressores do mundo. De repente, Talia sentiu como se fosse sufocar se não o tivesse, junto ao seu corpo. Ela ergueu os braços trêmulos. — E aí, não recebo as boas-vindas ao voltar para a realidade? — A enormidade da demora por pensar que ela perdera a chance de tê-lo novamente fazia com que as mãos de Talia tremessem conforme elas percorriam as costas de Harres. Seus dedos acariciavam a vitalidade dele, memorizando cada detalhe tátil, sentindo-o integrar-se às percepções e sentidos dela. Então ela alcançou o rosto dele e compreendeu aquilo que procurava, mas não conseguia registrar. — Você se barbeou. Harres sorriu, deixando que ela acariciasse os lábios na sua suavidade perfeita. — Foi á primeira coisa que fiz assim que encontrei água corrente e uma lâmina. Talia esfregou os lábios sob o queixo dele. 52
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— Sabe... Ainda não o tinha visto sem barba. Ele passou o queixo sobre uma das faces dela, dando-lhe outra demonstração da suavidade. — Então você aprova? — Eu mais do que aprovo. Os lábios dela procuraram hesitantemente os dele, sua língua lambendo-os timidamente, ainda não acreditando na realidade daquela experiência, daquela textura e gosto. Um estrondo ressoou na boca de Talia, atingindo seu coração conforme elevava sua excitação a níveis dolorosos com uma autêntica paixão. Então, Harres se afastou daqueles braços trêmulos. Ela não tinha mais forças para trazê-lo de volta. E nenhum direito, se ele não queria mais estar ali. Ele se endireitou, interrompendo aquela conexão. E então se levantou da cama. Harres parou diante de Talia, seus olhos pesados escurecendo sua expressão pela primeira vez desde... Sempre. Ele então mergulhou as mãos nos cabelos e suspirou. — Você pode estar acordada, mas ainda não está totalmente recuperada. Ainda está frágil. — Ele ergueu e soltou os ombros, suspirando novamente. — Precisamos deixar você em forma de novo. Era por isso que ele tinha se afastado? Ele á queria totalmente recuperada física e mentalmente, antes de considerar alterar o status entre deles? Não fazia sentido. Mas á deixava ainda mais agradecida, se é que fosse possível. Talia era um caldeirão de emoções e necessidades fervilhantes naquele momento, e não tinha controle sobre eles. E ela precisava saber se aquilo que sentia derretendo sua resistência era a exaustão, os dias de proximidade inseparável e total dependência, ou se aqueles sentimentos se originavam dela. Agora que o estresse e o perigo haviam terminado, a atração física e emocional continuaria tão avassaladora? Ele continuaria sendo o mesmo homem que fizera de tudo para mantê-los confiantes? Ela cismara que ele havia exagerado sua atração por ela por muito motivos. Sobrevivência, compensando aquele início turbulento. E por motivos não muito nobres: alcançar seu objetivo o segredo que salvaria o trono e sua família. Diversas coisas pairavam como uma nuvem escondendo o sol. A situação de Tood, o papel dos Aal Shalaans e o perigo atual deles, as informações que ela descobrira o dever de Harres como guardião de sua família e de seu povo. Ele fizera a coisa certa ao se afastar. Talia seguiria os planos de Harres, e recuperaria sua saúde e a clareza. Até descobrir o que era real. Ou até que esse problema esse conjunto de problemas fosse resolvido. Se fosse possível.
CAPÍTULO NOVE
Uma série de erupções reverberou pelos ossos de Talia. Ela teria instintivamente se, escondido se os braços de Harres não estivessem ao redor de seus ombros. 53
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Ele a reconfortou, rindo em seu ouvido. — Não, isso não é um pelotão de fuzilamento. Engolindo de volta o coração, ela deixou que ele os guiasse por meio da multidão, ainda sem saber para onde estava indo. — Uma saudação a tiros ao príncipe guardião de Zohayd, então? O sorriso dele se abriu ainda mais. — É assim que eles anunciam o começo das festividades. — Com um ataque cardíaco? Harres jogou sua magnífica cabeça para trás e riu. — A agitação extra é em honra à sua recuperação e sua ilustre presença no jantar desta noite. Ela sorriu de volta, seu coração acelerado de felicidade e antecipação. Mas, principalmente, pela presença dele. Há três dias ela estava de pé, totalmente recuperada. Mas o que a tranquilizava era a condição do ferimento de Harres. As suturas que ela fizera foram muito eficientes. E permaneceram quase intactas, precisando apenas de alguns ajustes. A cicatrização fora espetacular. Ela não sabia que seres humanos conseguiam se recuperar tão depressa. Talia o provocava dizendo que deveria haver mutantes ou deuses locais na família dele. O que não a surpreenderia. E, durante a recuperação, eles ficavam na cabana ou no jardim, com o povo do oásis vindo periodicamente para verificar suas necessidades. Talia não quisera sair e conhecer o lugar. Ela estava com Harres. E sabia agora que os laços de harmonia e suficiência que eles formaram no deserto não foram causados pela crise. Nem pelo isolamento ou o desespero. Tudo se originara por suas próprias escolhas, suas inclinações, seus anseios, criando um circuito fechado entre eles de sinergia e afinidade. Estar com ele era suficiente. Hoje seria a primeira noite em que eles se juntariam no povo do oásis. Ela estava muito agradecida pela hospitalidade deles. Mas, antes, ela se sentira envergonhada, também. A mulher e as filhas do ancião da aldeia lhe trouxeram um traje excepcionalmente intricado e estonteantemente vivo para que ela usasse no banquete. Harres ficara ao seu lado traduzindo a felicidade delas pela recuperação de Talia, e elas o comeram com os olhos. Talia quis se juntar a elas e comentar o quão perfeito Harres era. Mas foi só quando os olhos delas se voltaram para Talia cheios de inveja que ela percebeu. Elas deviam pensar que ela e Harres eram... Íntimos. E certamente não era por causa da consideração e do respeito dele. Como não era de deixar dúvidas no ar, ela perguntou. A situação deles estava comprometendo-o, um príncipe em um reino ultraconservador? Agora que ele não precisava estar ao lado dela o tempo todo, ela não poderia se mudar para outro lugar até que os irmãos dele chegassem? Ele respondeu que o povo do oásis seguia regras próprias. Ligados à natureza, eles viviam fora do alcance de normas ou de interesses materiais e não policiavam a moral e a conduta dos outros, deixando a vida tomar seu curso. Mas, mesmo que eles se importassem, ele não ligava para o que o mundo pensava. Harres se importava apenas com o que ela queria. Ela queria se mudar? O coração dela se acelerou novamente. Ele fora muito intenso e ainda assim indulgente por não dar como certo que ela não queria. E ela não queria. Talia 54
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mal conseguia pensar no quão rápido se aproximava o dia que ela teria de se afastar da órbita dele, retornando para uma vida sem ele. Ela não conseguia pensar, então não pensou. Havia tempo suficiente para isso. O resto de sua vida. Com o coração pulsando, ela investigou a fonte do barulho que vinha de fora. Sob a luz da lua crescente e de furiosas tochas, ela viu que ele vinha da maior construção do oásis. Banhada pelo luar e pelas chamas vivas, a construção circular de um andar erguia-se no meio de uma enorme clareira e dentro da congregação de habitações. Era feita do mesmo material, mas provavelmente acomodava alguns milhares de pessoas. Havia mais janelas que paredes, e as mulheres mais velhas estavam sentadas ao redor da única entrada, vestindo longos vestidos esvoaçantes de mangas compridas e com tatuagens cobrindo as têmporas e os queixos, cada uma com uma grande urna de madeira entre as pernas sendo trabalhada em pilões de sessenta centímetros. Ele sorriu para ela. — Quando não está sendo usado como instrumento musical, o mihbaj é usado como um triturador de sementes, principalmente de café, e... — Uma tempestade de novas batidas abafou sua voz, vinda de dentro da construção, fazendo-o colocar os lábios junto ao ouvido dela. — Toda a seção rítmica se reuniu. Vamos lá. Ela sentiu como se tivesse voltado séculos no tempo, ao muito oriente com suas peculiaridades. O lugar era avassalador, rico em profundidade e pureza com uma ponta de decadência mística. Incensos fortes de fodse misturavam com cheiro característico do tabaco com essência de frutas que muitos fumavam em seus sheeshas. A fumaça ondulava como fantasmas perfumados, retorcendo-se sob a hipnótica e branda luz proveniente de centenas de lanternas de cobre polidas feitas a mão. O grande círculo no chão estava coberto por tapetes entrelaçados a mão, as paredes caiadas com janelas em arabesco, a maioria aberta para deixar entrar a brisa do deserto e o luar. Almofadas exuberantes estavam por toda a parte no chão brilhante de tableyahs, rústicas mesas de madeira de 30 centímetros preparadas para o banquete. No lado sem mobília, uma plataforma de 90 centímetros era palco dos tambores que produzia aquele ritmo fervilhante. — O instrumento que lembra um tamborim é o reg. O doff, aquele maior que produz um som grave, funciona como um bumbo. — Ela seguiu o indicador de Harres, absorvendo lindamente as informações. — Mas é o darabukkah, aquele tambor que lembra um vaso invertido, que mantém o ritmo principal. Geralmente o percussionista anima a plateia com rotinas longas e complexas antes de os outros instrumentos se juntarem a ele. Ele com certeza a animava. Talia sentia o sangue fervendo com o ritmo, penetrando suas sinapses, dominando seus impulsos. Ela deixou que Harres a guiasse até seu lugar. Mas, a cada passo, ela sentia o corpo se entregar ao ritmo, cada célula explodindo como pipoca, ricocheteando dentro dela com a necessidade de expandir aquela energia que se acumulava dentro dela com movimentos desenfreados. Subitamente Harres pegou sua mão e a rodopiou, acompanhando o ritmo, apanhando-a em seus braços. 55
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— Dance ya nadda jannati. Celebre estar viva neste paraíso. E estar com você, ela quis gritar. Talia deixou que seus olhos gritassem por ela. E então dançou como se tivesse sido liberta das algemas que a mantiveram presa por toda a vida, seu coração seguindo o ritmo irresistível e a batida primitiva. De alguma forma, eles foram parar no meio de uma roda de dança. Os membros mais jovens da tribo faziam intricados movimentos ao redor deles, os homens como aves de rapina, pulando e batendo os pés em uma corte energética e persistente, as mulheres rodopiando como flores enormes, gesticulando e sapateando em um coquetismo ensaiado. Harres encorajou-a a imitá-las, improvisando sua própria dança de intimidade e prazer. Por um tempo indeterminado, ela sentiu como se tivesse sido transportada para outro mundo, onde nada existia além deles. Ela o sentia, apenas ele, conforme seus olhos e seu toque a atraíam e inflamavam enquanto ele se movia com ela como se estivessem conectados em todos os níveis, como se os mesmos impulsos percorressem seus nervos, como se o mesmo ímpeto controlasse seus membros. E Talia acordou do mundo mágico para a cantoria de todos. Em certos momentos, ela se descobriu repetindo a melodia distinta e cativante, e a letra, sem entender sequer uma palavra. De repente Harres a puxou para si, transformando a energia da dança deles em uma lenta sedução, os lábios dele no ouvido dela estimulando-a cada vez mais. E isso foi antes que ele sussurrasse: — Antes de você, tudo foi um desperdício. Seu corpo todo estremeceu de choque, as emoções surgindo rápido demais para ser compreendidas ou contidas. Ele a puxou para mais perto, sua voz tornando-se mais leve e sombria. — Koll shai gablek addaw daa. Era o que ela estava cantando. Harres estava apenas traduzindo. Mas, não. Ele não estava. Ele sentia aquilo. Mesmo se fosse á amplificação de seus sentimentos pela mágica daqueles momentos, da situação e do lugar... A música parou abruptamente. O silêncio que explodiu no instante seguinte foi como um balde de água fria apagando o fogo dela. Talia olhou para Harres e descobriu-o olhando para ela com os olhos ainda flamejantes. Ela se afastou de sua intensidade, de seu roubo de energia. Ele se inclinou e a tomou em seus braços. Pessoas se adiantaram, indicando o local de honra que eles deveriam ocupar. Ela tentou ficar de pé, mas ele apenas a segurou com mais força. Talia lutou para não enterrar o rosto de vergonha no ombro de Harres por ser carregada daquele jeito, e depois de toda a tribo tê-la visto dançar como um demônio. Em seus lugares, ele a pôs sobre as almofadas e sentou-se ao lado, oferecendo-lhe água e maward — essência de rosa. Então ele começou a pegar frutinhas e servi-las a ela. Talia lutou para não fazer nada embaraçoso, como segurar a mão dele e chupar seus dedos. E descer... Sentindo-se zonza pelas fantasias, ela murmurou com a boca cheia: — Você sabe que estou totalmente recuperada e que não preciso ser mimada, certo? Ele balançou a cabeça. 56
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— Você esgotou suas forças naquela dança. Ela acenou negativamente. — Estou guardando-as para a próxima. Ele sorriu, servindo-lhe um pouco de café com cardamomo em um pequeno copo esverdeado que levou até os lábios dela. — Um gole a cada fruta é a dose recomendada. Talia seguiu as instruções, seus olhos se escancarando ao sentir a incrível mistura de aromas e sabores, de amargura e doçura, a granularidade das frutas se dissolvendo na rica suavidade e calor do café. Ela suspirou, engolindo o resto. Mergulhando ainda mais em contentamento, ela se virou para ajustar as almofadas. Harres pulou para fazê-lo ele mesmo. — Quando você vai acreditar que não precisa ficar fazendo as coisas para mim? Que eu nunca estive tão bem? Nenhum medico teria feito um trabalho melhor. — Eu sei minha gota de orvalho invencível, mas você seria tão cruel a ponto de me privar de mimá-la? O que uma mulher poderia responder àquilo? Nada além de suspiros ininteligíveis, evidentemente. Foi tudo o que ela fez enquanto o ancião do oásis se levantava para dizer umas palavras de boasvindas antes de os garçons trazerem grandes bandejas e dezenas de pratos servirem o jantar. Mais suspiros acompanharam a fantástica refeição. A comida do oásis era a melhor que ela já provara. Harres a alimentou, cortando os variados tipos de carnes e lhe dizendo os nomes e as receitas dos pães assados e grelhados e dos vegetais ao vapor. Ele a apresentou ao vinho de frutas, que ela proclamou que deveria substituir o néctar como a bebida dos deuses. Mas era o logmet al madee que era realmente de outro mundo. As esferas douradas de massa fritas, crocantes por fora e macias por dentro e mergulhadas em um espesso molho eram tão boas que deveria haver e provavelmente havia uma penalidade contra elas. Após o jantar, eles dançaram novamente, e ela cumprimentou centenas de pessoas, agradecendo-lhes pela melhor noite da vida dela. Caminhando de volta para a cabana, ela decidiu algo. Tudo no lugar era pura magia. Mas Talia sabia que essa não era uma avaliação precisa, se ela estivesse com outra pessoa, não teria apreciado nem uma fração de tudo aquilo. Ela já estivera de férias em locais idílicos, mas nunca aproveitara nenhuma delas depois que seus pais morreram, e acabou parando de tentar voltar anos atrás... A... — No que você está pensando, ya talyeti. Talia espantou a melancolia, sorrindo para ele. — Isso significa "minha Talia", certo? Harres assentiu, acariciando seus cabelos sedosos e brilhantes devido a uma mistura miraculosa de óleos locais. — Seu árabe está ficando cada vez melhor. — Eu o acho fascinante, tão rico, expressivo e tão diferente do inglês. Eu adoraria aprender mais. — Então você vai. Era sempre assim. Talia desejava algo, e ele insistia que ela deveria ter. Ela sabia que ele daria qualquer coisa a ela se possível. 57
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Sentindo a pele se arrepiar de emoção, ela respondeu a pergunta anterior de Harres. — Estava pensando em meus pais. Os olhos dele se abrandaram. — Você me contou que eles morreram. Não quis insistir no assunto. Não era uma boa ideia falar da morte de pessoas queridas na situação em que a gente estava. — Mas você quer saber agora. — Só se não for doloroso falar sobre isso. — Não, não. Adoraria falar sobre eles. Odeio o fato de as pessoas evitarem falar sobre eles, como se isso fosse me lembrar de apenas da perda. Como se eu precisasse ser lembrada disso... Na verdade, não falar sobre isso me faz sentir ainda mais a falta deles. — As pessoas podem se equivocar com suas boas intenções. — Harres limpou a garganta e sorriu. — O que eu acho surpreendente é você nunca deixar isso claro para elas. — Oh, mas eu deixo. Ele riu antes de a seriedade dominar suas expressões. — A morte deles é recente? — Parece que foi ontem. E há muitas vidas. — Entendo o que você quer dizer. — Você já perdeu entes queridos, também? Ele balançou a cabeça. — Quis dizer que entendo você. E tão vivido que parece algo perpetuamente novo, tão poderoso que parece que você esteve junto a mim á vida toda, como parte do meu ser. — O que ela poderia dizer sobre algo tão... Incrível? E, o pior, aquilo soara espontâneo e sincero. Que bom que ele não permitiu que ela fizesse um comentário, e continuou: — Mas não tenho uma experiência semelhante. Minha mãe morreu quando eu tinha cinco anos, então eu quase não me lembro dela. Então me diga ya talyeti, me conte sobre seus entes queridos. — Parece que eu os perdi simultaneamente, apesar de haver uma diferença de sete anos entre as mortes. Ok deixe-me começar do início. — Ela suspirou profundamente, permitindo que ele se aproximasse mais, e começou: — Nunca conheci meu pai biológico. Eu sabia dele, mas ele não queria uma esposa e um filho, muito menos dois. Tínhamos o nome da família da minha mãe até que ela se casou com o homem que eu considero meu pai desde que Todd e eu tínhamos dois anos de idade. Conforme eu crescia e aprendia toda a verdade, eu achava que minha mãe era a mulher mais sortuda do mundo, e meu pai cujo nome eu carrego até hoje, o melhor homem que já existira. Nunca vi um casal mais apaixonado e perfeito do que eles. O único problema era que meu pai era quase 35 anos mais velho que minha mãe. Ele nunca se casara antes; dizia que sempre espera por ela. Por todos nós. Quando eu estava no segundo ano da escola de medicina, bem no ano do meu 18° aniversário ele faleceu dormindo, ao lado da minha mãe. Ela nunca se recuperou. Sete anos depois, ela teve uma overdose da mistura de medicamentos prescritos que eu implorava para que ela não tomasse. Eu poderia tê-la salvo se estivesse lá, mas apenas Todd estava em casa. Quando a ambulância chegou, já era tarde demais. Por um longo instante de silêncio, Harres não disse nada. Então eles entraram na cabana, e ele a abraçou, encostando a cabeça dela em seu peito. Eles ficaram assim, compartilhando e saboreando aquele momento, o corpo de Talia tremendo no ritmo de coração poderoso sob seu ouvido. 58
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Então ele beijou o topo da cabeça dela. — "Ana aassef, ya nadda jannati". Sinto muito. Ele não disse mais nada. Então, se retiraram. Na cama, ouvindo ele se movimentar no outro quarto, ela percebeu algo. O porquê de ela desistir de qualquer relacionamento tão facilmente. Seguindo o exemplo de seus pais, ela definira padrões muito altos. Cada conexão que tentava criar ficava a quilômetros abaixo do que ela esperava. Logo desistiu de tentar, resignando-se ao fato de que nunca teria nada parecido com o que eles tiveram, e que preferiria ficar sozinha. Talia se contentou com uma vida cheia de atividades e propósitos. Mas agora havia Harres. — É enorme. Ao ouvir a exclamação de Talia, Harres pressionou seu corpo rígido contra as costas dela, murmurando em seu ouvido: — Sim, é mesmo. Ela se aconchegou nele, observando a depressão do El waha — o oásis que se abria diante deles. Eles passaram os últimos quatro dias conhecendo o local, a cavalo. Agora, montado em Reeh ou "Vento", o cavalo branco que Harres cavalgara para salvar Talia, ela apreciava aquela vista do melhor lugar possível. Parecia que a explosão de vida na esterilidade do deserto alimentava as condições que proporcionavam sua proliferação, em um ciclo interminável de balanço e simbiose. Centenas de milhares de palmeiras e oliveiras. Flores selvagens e cactos de uma beleza e abundância inimagináveis. Plantações de frutas e vegetais, principalmente figos damascos e outras, frutas de tamanho e sabor impressionantes. E, além de cavalos, camelos, ovelhas, bodes, gatos e cachorros, havia inúmeros representantes do reino animal. Gazelas e raposas mansas, que até permitiam ser acariciadas. Até mesmo répteis e pássaros se aproximavam quando ela os chamava e lhes oferecia comida. Ela suspirou de prazer novamente. — Enorme demais. Ele não tem fim. Harres riu enquanto a soltava e descia do cavalo, para ajudá-la a descer também. — É possível ver quatro quilômetros até o horizonte. Como estamos á 90 metros de altura, conseguimos ver cerca de 30 quilômetros. E, já que o oásis mede mais do que isso só na parte mais estreita, não é possível ver seu fim de qualquer lugar, tornando-o infinito. — Você deveria considerar a carreira de guia turístico, se não precisar mais ser um príncipe... — Talia mordeu a língua. Aquilo não era piada que se fizesse com uma conspiração de deposição acontecendo em seu reino. Ele apenas sorriu, mostrando que sabia que ela não quisera dizer nada com sua piada. Sorrindo de volta, aliviada, ela disse: — Agora posso ver como este lugar ganhou sua reputação mística. — Então valeu toda a provação que foi chegar até aqui, não? — Eu teria aceitado uma lixeira se ela estivesse cheia de água. Mas não é porque este lugar significou a salvação para a gente que ele é impressionante. Isto aqui é um paraíso, como você disse. Principalmente por causa de seus habitantes. Todo mundo é tão atencioso e sábio. Talia não mencionou o principal motivo pelo qual ela achava o lugar encantador. A companhia presente. 59
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Por minutos, enquanto o pôr do sol expandia seus domínios sobre o oásis e elevava a sua beleza, Harres a guiou para uma fonte de água cristalina envolta pelas palmeiras. Enquanto eles se aproximavam da fonte, ela afirmou: — Seria tão fácil viver aqui para sempre. — Se Todd estivesse com ela, Talia acrescentou mentalmente, ou pelo menos fora da prisão. Ela sentou-se no tapete que ele havia estendido, buscando a cesta de comida. — Claro, sentiria falta de algumas coisas. Chuveiro quente, por exemplo. E a internet. Ah... Com certeza eu sentiria falta de mais coisas, mas me deu um branco agora. — E a medicina? — Oh, eu a praticaria aqui como sempre fiz. Em longo prazo, eu seria mais útil do que costurando pessoas que saem dirigindo por aí sem cuidado ou drogadas. Ele levou um pedaço de damasco até os lábios dela. — Você é um ser muito complexo, ya nadda jannati, um produto de dezenas de séculos da evolução humana. Estou muito bem qualificado para julgar o quão forte e tenaz você é, mas, além dos confortos que você substituiria pelos prazeres de uma vida e um trabalho mais saudável, você ansiaria por algo que as pessoas daqui não podem lhe dar, precisaria de desafios que eles não podem lhe oferecer. — Provavelmente. Mas é que a simplicidade, o contentamento e a tranquilidade que emanam desse lugar são encantadores. Se fosse do meu jeito, esta seria a vida comum, e a bagunça do século XXI seriam minhas férias. — Então você terá as coisas do seu jeito. Parecia uma promessa. Como se ele quisesse que aquilo nunca terminasse. Mas Talia não tinha ilusões, nem esperanças. Oceanos de fatos reais e montanhas de obstáculos se interpunham entre eles. Ela era uma plebeia de outro país e cultura e ele era um príncipe com um dever com seu povo. E havia também a situação de Todd. Talia não tinha ideia do que a liberdade do irmão significaria para Harres e a família dele. Mesmo que houvesse uma solução que não os ameaçasse ou não transformasse Harres em seu inimigo, ele provavelmente já estava como a mulher por quem seu irmão se apaixonara comprometido a se casar pelos interesses da coroa. Não que ela já tivesse posto Harres e casamento juntos no mesmo pensamento... Ela o observava trançar algumas folhas de palmeira e formar um engenhoso cesto para as frutas. Então disse: — Sabe, vim para cá pensando que todos os Aal Shalaans eram pervertidos mimados. Inúteis ao extremo, que ficassem perdidos sem seus guardas ou suas bugigangas, que, tudo que lhes restava era uma riqueza imerecida e um status herdado. Aquelas ágeis mãos se interromperam, e seus olhos se tornaram contemplativos e sóbrios. Então ele inalou. — E o que você pensava de mim, especificamente? Talia lhe devia a verdade, não importando a quão feia ela fosse. Sentindo a vergonha corar suas faces, ela confessou: — Quando ouvi pela primeira vez as histórias de seu valor e de suas vitórias? Achei que você era o mais arrogante; do bando, brincando de ser herói, levando o crédito pelas conquistas dos verdadeiros heróis anônimos, ou, no mínimo, usando a vida dos seus homens como rede de segurança e seus 60
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infindáveis recursos para fazer o papel do príncipe guardião de Zohayd. Achei que você revelaria quem realmente era quando fosse despido de seus recursos. Ele pôs uma das mãos sobre o peito. — Ai. E agora você acha tudo isso e mais algumas outras coisas? Talia lançou-lhe um olhar de reprovação. — Você sabe o que penso agora. — Conte-me. O jeito que ele disse aquilo, a maneira como ele a encarava. Como se não pudesse viver sem aquele conhecimento vital. — Você sabe o que você é. Possui um reino inteiro que venera a sujeira debaixo dos seus pés. Ele sentou-se lentamente. — Reverência não importa para mim. Nunca faço nada visando ao agradecimento ou à admiração de alguém. Também não espero nada. Ela contraiu os lábios. — Que pena. Você vai ter de manter o queixo erguido e receber o carregamento de veneração como o príncipe que você é. A julgar pela maneira como as habitantes do oásis o tratam você é muito mais do que isso. E é apenas você, e não sua família real inteira. Você fez muito por eles. — Só faço o que estou em posição de fazer. Não mereço crédito ou gratidão por fazer meu trabalho, mas teria recebido desrespeito e descrédito se não o tivesse feito. Bem, desfrute do seu sucesso — ela provocou. — E aguentar o enjoo causado por toda essa bajulação? Você ao menos acredita que eu nunca esperei ou quis nada disso? — Oh, sim. Eu vi você sorrindo quando contaram histórias de bravuras suas na noite passada. Com certeza não liga para a adulação dos outros. — Eu não disse isso. O coração dela parecia que iria explodir. — Você não anseia... Pela minha atenção? Ele negou veementemente. — Eu anseio por sua aceitação, sua aprovação. — Ah... Você esteve presente nas duas últimas semanas, já sabe. Ele ficou de joelhos e a encarou: — Preciso ouvir de você, ya nadda jannati, suas inconfundíveis palavras. O que você pensa de mim é a única validade que eu sempre quis. Ela lutou contra um ataque de arritmia. Mas Harres exigia. E a verdade era o mínimo que ele merecia, já que ela lhe devia a própria vida. — Desde o primeiro instante, fui obrigada a reavaliá-lo. Mas a cada palavra e ação você me mostrou que é tudo o que as pessoas falam, e muito mais. Despido de todas as armadilhas de seu poder, você provou ser o total oposto do que eu achava que era com ô vigor a engenhosidade e a bravura que constantemente me deixam admirada. Você me mostrou que é seu dever proteger qualquer pessoa mais fraca, a qualquer custo, mais seriamente do que eu achava que fosse possível hoje em dia. Acredito que você é único, príncipe Harres Aal Shalaan. O olhar dele tornou-se mais quente, até que ela sentiu que iria explodir em chamas. Quando ela estava prestes a sussurrar, por favor, chega. Harres pegou a mão dela e enterrou seu rosto nas palmas dela por alguns instantes. Então sussurrou arfante: — Você me honra com sua opinião. Vou sempre fazer por merecê-la. 61
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Dali em diante, a atmosfera pareceu ficar carregada com emoções, intensificando-se a cada sensação. Como se em acordo, eles mal falaram enquanto comiam. Ela estava agradecida pelo silêncio dele. Isso lhe deu a chance de lidar com sua revolta e encarar mais verdades. Houve Aal Shalaans que não hesitaram em destruir a vida de Todd para alcançar seus meios, mas ela não poderia mais culpar toda a família por causa de sua raiva e seu preconceito. E, assim como ela não sabia quem exatamente e qual família da Aal Shalaan ou a Ghada era a culpada, elas poderiam ser os lados de uma história que mudaria sua perspectiva. Independente do resultado, ela agora acreditaria que, seguindo o exemplo de Harres, os Aal Shalaans não eram o regime maligno que merecia ser deposto. O que a levava a outras conclusões. E a uma decisão. Logo começou a esfriar e eles voltaram para a cabana sob o brilho da lua cheia. Lá, eles se revezaram para tomar banho. Quando ele voltou para a área em comum, ela começou: — Decidi algo quando achei que estava morrendo. O rosto de Harres se fechou. — Jamais diga isso novamente. Nem ao menos pense nisso. — Eu preciso lhe contar isso. — Talia esperou até que ele assentiu penosamente com a cabeça. — Quando eu pensei que tudo tinha terminado, achei que, se tivesse a chance de fazer tudo de novo, ou uma segunda chance para acertar as coisas, eu faria exatamente o que eu queria fazer, sem pensar em obstáculos, receios ou nas consequências. Daí você me salvou. E agora estou assustada. Harres não pediu que ela se explicasse. Ele apenas a encarou, a seriedade tomando conta de seu rosto completamente, pela primeira vez. Talia sabia que isso não levaria a nada. E que não fazia diferença. Ela o amava. Um amor que permeava sua alma e atravessava seu ser. Um amor forjado no perigo compartilhado, fortificado pela certeza da confiança mútua. E ela não deixaria que mais nada a impedisse de expressar esse amor e tê-lo só para ela. Ela se levantou do sofá, com passos incertos pela ferocidade de suas emoções. Talia parou diante dele e olhou dentro daqueles olhos que significavam tudo para ela. Então, ela fez sua jogada: — Você me disse que jamais faria algo que eu não quisesse, ou que eu não lhe implorasse. Pois aqui estou, lhe implorando. Quero você, Harres. Não quero nada além de você.
CAPÍTULO DEZ
Então isso era a tentação. Irrefreável, irresistível. De morrer. A virago dourada que invadira seu ser, ocupando sua mente e coração, conquistando sua razão e suas prioridades. Talia parou diante dele, oferecendo tudo de si. Harres podia sentir, em cada nuance da própria essência, a totalidade de sua oferta. Não era apenas o corpo dela e seus prazeres, ela estava concedendo-lhe o que tinha tudo que ela era. 62
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E, se ele selasse o espaço que havia entre eles, ele a possuiria. Mas como, se Harres não podia entregar-lhe tudo de si em troca? Talia possuía tudo dele, Harres, o homem, o ser humano, ela possuía desde aquela primeira noite no deserto, quando ficaram desprovidos do essencial, quando suas almas se uniram das maneiras mais profundas possíveis. Se ele tivera alguma preocupação que aquela situação tivesse influenciado seus sentimentos, os últimos dez dias a apagara, e a substituíra pela certeza e pela maravilha. Assim como Talia o impressionara com a maneira que havia lidado com as provações, ela se levantou e ficou ao lado dele. Ela o encantara a cada segundo deles no Oasis. Depois de apenas uma semana, mesmo com o obstáculo do idioma, ela já era a favorita entre os habitantes. Talia não era apenas uma médica, mas também uma guerreira, assim como ele. Ela compartilhava a amplitude e peculiaridades da alma dele. Harres queria, precisava compartilhar o resto de sua vida com ela. Não havia mais dúvidas. Harres, o homem era dela. Para sempre. E, embora o príncipe Harres tivesse lealdades duvidou que... Não seria isso que o impediria de proclamar seu amor, sua devoção. Apenas uma coisa o faria. O ódio dela por sua família. Se tudo o que ela dissera fosse verdade, Talia tinha motivos legítimos para levar sua família à justiça. E se ele não conseguisse libertar e inocentar o irmão dela? Como ele poderia possuí-la, sem poder prometer-lhe aquilo? Uma agitação intensa atingiu seu coração. E isso foi antes de ela fechar os olhos, seu queixo tremendo enquanto lágrimas cristalinas escorriam de seus olhos luxuriosos. — Achei que você me quisesse, também... Harres não podia suportar aquilo. Elal jaheem com os obstáculos entre eles. Ele iria destruí-los. Com um soluço, Talia começou a se afastar. Ele agarrou sua mão, colocando-a sobre o peito, mostrando como seu coração iria explodir para sentir o toque daquela mão que salvava tantas vidas. A mão dele tremeu sob a dela, como que eletrizada. O efeito das palavras dela foi ainda mais brutal. — Esqueça o que eu disse. Eu deixei você em uma situação constrangedora, com todas as coisas que ainda precisam ser resolvidas. E você provavelmente esteve flertando comigo sem a intenção de levar isso em frente, e eu entendo seus motivos, de verdade... — Oh, cale a boca. O queixo de Talia caiu ao ouvir o grito de Harres. Ele a encarou naquele vestido acetinado que lhe caía desde os ombros em pregas suaves até o chão. Ele não era, de forma alguma, sexy. Não em qualquer outra mulher que o tivesse vestindo. Nela, era o máximo do erotismo. Talia se remexeu, tentando escapar do olhar dele. Mas ele não permitiria, e pousou a mão em seu delicioso queixo. — Posso ter a sua atenção, nadda jannati. — Ele esperou ate que ela levantasse os olhos úmidos e assentisse hesitante. — Primeiramente, sim, há assuntos importantes não resolvidos. Mas não é com isso que estou preocupado. Meu pai me disse que cada homem recebe uma dádiva em sua vida, uma perfeição. E cabe a cada um reconhecê-la, aproveitá-la, deixar que ela lhe abençoe a vida. Ele desperdiçou a dele, por motivos que pareciam imperativos naquele momento. Meu irmão Shaheen encontrou a dele e aprendeu pelo erro de nosso pai a não deixar nada se interpor entre eles. Eu achei que jamais teria 63
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essa dádiva. Vivia em total acordo com isso. Até encontrar você. Então, não, Talia, eu não quero você. Os olhos que estavam embaçados por diversas emoções piscaram, confusos. Olhos de deixarem um homem voluntariamente de joelhos. Talia soluçou e então um som de protesto surgiu de dentro dela conforme ela tentava se afastar dele. Ele levou a mão dela até os lábios e prometeu: — Ana ahebbek, aashagekya talyeti, ya noor donyeti. Eu a amo venero e muito mais, minha Talia, luz do meu mundo. Ela ficou completamente imóvel. Os tremores dela pararam. A respiração. Seu olhar tomado pelo choque. Então Talia balançou a cabeça. — Eu... Eu não... Você não precisa dizer isso. Eu só quero estar com você enquanto puder... Então, não... Harres se levantou, deslizando seu corpo dolorido contra o dela, abraçandoa pelos quadris e levantando-a. Seu coração estremecia pela incrível visão do tesouro que tinha nos braços. — Estou ficando bom em fazer você se calar e me ouvir. E, sim, ya talyeti, eu preciso dizer isso, porque eu sinto tudo isso, isso é tudo o que eu sinto. Ela se contorceu até que ele a pôs de volta. Ele sorriu, desejando que ela lesse seu coração. Mas, quando o olhar perplexo não desapareceu dos olhos dela, a incerteza surgiu na mente dele. Teria Harres sentido em Talia mais do que realmente existia? Ela queria se entregar ao desejo que surgiu entre eles no primeiro instante, mas aquilo era tudo? Uma dúvida insuportável e todas as suas ramificações o atingiram como uma rajada de balas. Por fim, ele proferiu as palavras mais difíceis de sua vida: — Se isso não for recíproco, apenas vá embora, e nós esqueceremos o que eu disse. Com a certeza estilhaçada, as expressões que surgiram nos olhos dela confundiram a mente de Harres. Ele parou de tentar analisá-las, com medo de ter esperanças. — Você não vai aceitar minha proposta? — Talia disse lenta e cautelosamente. — Apenas se você sentir o mesmo. De repente, algo que ele jamais pensara em ver nos olhos dela deixou-o estarrecido. Um olhar de genuína sedução, tão voraz, exigente e erótico que ele jurava ouvir seus hormônios urrar em suas veias. E isso foi antes que ela lhe esfregasse o corpo com sua firmeza ardente. — Será que eu não consigo mudar sua opinião? — Talia ronronou no pescoço de Harres antes de afundar os dentes no queixo dele. — Talia... — Harres gemeu agonizado, seu corpo todo virando pedra pela necessidade de sufocá-la. Antes que ele pudesse afastá-la, suas mãos se emaranham no cabelo dele e puxaram sua cabeça para baixo. Ele sabia que, se a beijasse, não conseguiria parar. E Harres preferiria jamais tê-la a possuí-la de todas as maneiras menos da que mais importava. — Não... — Harres virou o rosto, sentindo aqueles lábios abrasadores em sua bochecha, abertos, úmidos, devoradores. — Oh, cale a boca. 64
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O urro agressivo de Talia terminou com um forte puxão de cabelo. E, antes que os nervos sobrecarregados de Harres pudessem disparar mais algum impulso, os lábios dela se chocaram contra os dele, paralisando-o com sua fome, sua suavidade, fragrância e gosto. Antes que a dor viajasse até seu âmago e o estilhaçasse, Talia murmurou dentro dele: — Achei que isso fosse impossível, mas eu consigo amá-lo ainda mais. Você provocou isso em mim. Ele se afastou; ela o agarrou. Todo o sistema dele estava entrando em curto, desorientado. — Você me ama? Ela mordiscou o queixo dele, detonando minas nele e ferocidade no sangue de Harres. — Até a minha última célula. As imagens que as palavras dela pintaram o atingiram assim, todo seu ser explodiu em júbilo. Ele a levantou no ar, gargalhando. — Só você. Só você diria algo assim, minha gota de orvalho única. Eu tinha de me apaixonar por uma médica — De todas as mulheres que você conquistou? Ouvi dizer também que o Príncipe Guardião era o sultão de um haren internacional. Ele a pôs no chão, tomando-lhe o rosto entre as mãos com força. — Há apenas uma mulher para mim. Para sempre. Você. E eu confessaria isso antes de você me deixar, mas não foi preciso. Você me fez reconhecer mais rapidamente a certeza de sua perfeição. Ela apenas assentiu com a cabeça. Talia acreditava nele. E ela fazia-o acreditar, também. Que ele a possuía por completo. Harres agora tinha o mundo todo. Ele se inclinou, levando seus lábios na direção dos dela. Então se aprofundou. Harres sentiu a vida correr pelas veias e a paixão surgir em ondas escuras e avassaladoras. Magia. E amor. É mais. Adoração, e além. Sua Talia. — Talyeti, enti elli, wana elek — ele murmurou, entre as investidas de sua língua. — Você é minha, e eu sou seu. — Sim, sim... Como eu digo "Meu Harres"? — Harresi, — ele gemeu. — Harresi. Meu cavaleiro guardião. E Harres sentia-se dela. Sua propriedade. E estava delirante. Ele ficou novamente de joelhos, juntou o vestido dela nas mãos, ergueu-o alguns centímetros e o substituiu por seus lábios sua língua e dentes, cobrindo sua pele firme de mordidas e beijos. Os gemidos dela ecoavam os seus, e logo se transformaram em gritos arfantes. Quando Harres já não conseguia mais respirar, ele ergueu-se impetuosamente e levou consigo o vestido. Talia levou os braços para cima, ajudando-o. Ele lançou a vestimenta para longe como se fosse seu pior inimigo. Mas, antes que pudesse se afastar e apreciar o tesouro que acabara de descobrir, as mãos dela atacaram suas roupas com a mesma veemência. Talia rasgou a abaya de Harres. Com ele ainda coberto em trapos ela o devorou furiosamente, seus dentes afundando na pele dele em mordidas delicadas. Ele se contorcia a cada uma delas. Então, ela gemeu: — Seu gosto é tão magnífico quando sua visão. Eu quero mais de você. Harres rugiu. A pressão em sua virilha estava se tornando insuportável. Ele precisava detê-la; escapar do precipício, ou isso não seria a lânguida sedução 65
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que ele planejara. Um pouco mais, e o momento em que ele a penetrasse seria como a quebra de uma barragem. Não. Ele não permitira que o primeiro momento de intimidade deles fosse menos do que a mais perfeita felicidade. Ele lhe mostraria que ansiava pelos prazeres dela mais do que ela ansiava pelos dele, que ela sempre estaria em primeiro lugar. Ele se afastou, despindo-se dos trapos. E ficou ali, transfigurado, encarandoa. Sua pele era dourada, brilhante e firme, seus seios eram túrgidos, suas coxas e quadris eram fortes e robustas, e sua cintura era quase impossível em meio àquela voluptuosidade. E ele não podia mais apenas olhar, ele precisava experimentar e reivindicar tudo aquilo. — Rao'ah, jenan... — ele gemeu roucamente, enchendo as mãos com a luz do sol, o ouro e o mel em forma de mulher. A sua mulher. — Uma maravilha, uma insanidade. A beleza como jamais foi sancionada pelos céus. — Olha quem está falando. — Ela gemeu enquanto ele capturava seus seios ansiosamente. Ele se inclinou, sentindo que estouraria uma artéria se não os provasse. — Elahati, minha deusa. — Ele a pegou nos braços, sem reparar no caminho que fez até a cama. Deitou-a ali, arranjando seus membros como se fossem flores, traçando com a língua cada linha que separava seu bronzeado de suas áreas ainda alvas. — Vamos tomar sol nu de agora em diante. Quero ver a leoa dentro de você se manifestar. Faremos tudo e qualquer coisa. Uma ruborização igualou as cores do corpo de Talia enquanto ela se contorcia. — Sim... Por favor, tudo... Qualquer coisa... A ânsia e a confiança dela atingiram o coração de Harres, alterando seu ritmo. Ele ancorou-a quando ela começou a se mover, seus dedos perdidos no prazer insensato de sua acentuada concavidade. Ela choramingou tremulamente, atestando um prazer que ela mal suportava. — Harres, me possua... Daheenah. Ouvi-la dizer agora em sua língua natal foi como uma marreta destruindo o último pilar de seu controle. Um estrondo ribombou dentro dele como trovões distantes enquanto ele deslizava a calcinha turquesa de Talia por suas pernas sedosas. Sua pele era dourada até nos mais íntimos segredos. Ficando de joelhos, ele baixou a calça e libertou uma excitação de extraordinária rigidez. O olhar de ânsia febril e de espantada intimidação no rosto dela o fez querer hesitar, e fazer as coisas de forma lenta e gentil. E o fez também querer correr e esmagá-la com o corpo, montá-la, comprimir sua pele contra a dela até que Talia chorasse de prazer, dissolvendo-se naquela fusão. Sentindo o mundo transformar-se em um longínquo ruído incoerente, Harres agarrou as coxas dela, e as teria apartado se elas não tivessem se aberto para ele. Ela arfou, contorcendo-se, tentando trazê-lo para dentro de si. Harres se afastou, tentando recobrar o controle. Ela manipulava sua sanidade, a ponto de quase destruí-la. Ele podia ferir Talia. Mesmo sabendo que poderia satisfazê-la, também, ele precisava ter cuidado. Harres desvendou seus segredos, abrindo caminho por entre aquele calor úmido, mas negando-lhe a investida total pela qual ela ansiava. Ela entrou em 66
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êxtase no primeiro contato de suas intimidades. Ele banhou seu membro no néctar de Talia, massageando-a em um ritmo crescente até ela começar a choramingar. Então, alternou entre estocadas suaves e movimentos circulares repetidamente, provocando-a. Ela se ergueu sobre os cotovelos, arfando entre os lábios abertos, seus olhos lançando-lhe um convite selvagem para que fizesse o que quisesse com ela. Então Harres moveu-se em ritmo mais acelerado, fazendo-a deitar-se novamente com as pernas trêmulas abertas, suas costas arqueando-se cada vez mais a cada onda de um angustiante orgasmo. Vê-la perdida no prazer que lhe proporcionava fez seu coração trovejar de orgulho, alívio e um incontrolável desejo por mais. Ele já estava viciado naquela visão, naquela experiência. Ele queria de novo. E iria conseguir mais. Harres acariciou as partes intumescidas dela, acalmando-as. Encharcados de lágrimas e satisfação, ainda que tomados por uma ânsia ainda maior, um desejo ainda mais selvagem, os olhos dela se acalmaram ao vê-lo realizar aquelas últimas intimidades nela, dominando seu corpo, manipulando seus sentidos, provocando seu êxtase. Logo, suas súplicas começaram. — Não, mais... Mais, me... Possua-me, me possua daheenah, agora, agora... — Aih, agora. Vou possuí-la agora, acabar com você, tomá-la para mim, marcá-la. Vou fazer você chorar de satisfação, ya talyeti. Harres se levantou, chutou para longe sua calça e inclinou-a, fazendo suas pétalas se abrirem para si. Então, começou a invadi-la... E aquilo lhe atingiu como uma marreta. Ele não podia possuí-la. Aquela conclusão quase fê-lo tombar sobre ela. Harres deitou-se sobre ela com todo o corpo estremecendo, seu coração contra o peito dela. Talia choramingou tentando levantá-lo, mas ele resistiu, proferindo as palavras cortantes conforme levantava a cabeça: — Quando voltarmos para a capital. Só então eu poderei tê-la completamente. Mas eu vou satisfazê-la agora, de várias formas. A compreensão surgiu naqueles pedacinhos do Paraíso que eram seus olhos. Então um sorriso sensual e vagaroso se abriu nos lábios de Talia. Ela enlaçou as pernas em volta dele, puxando-o para cima. Harres aquiesceu, escapando de seu aperto escorregadio. Quando alcançou os lábios dela, Talia gemeu roucamente: — Você pode me possuir agora. É seguro. Pelo menos por uma semana. Confie em mim. Sou médica. Então era um período seguro para ela. Ele quase desejou que não fosse. — Eu confio em você, ya habibati, com a minha vida. E mais. E só me preocupo com você. — Ela assentiu seus olhos adorando-o cegamente, a perfeição da crença dela alimentando a conflagração de Harres. — E estou seguro, também. Talia mordiscou o queixo dele, como se o castigando por precisar dizer aquilo. Ela acreditava que ele jamais a machucaria, em todos os sentidos; era algo que não precisava ser dito. Seu urro soou assustador aos seus ouvidos conforme ele enterrava seus dentes em qualquer lugar da pele de Talia, em um golpe cego, fincando-se no pescoço. Ela se contorceu e jogou a cabeça para trás, ajudando-o. Ele estava a um triz de enlouquecer, e tentou controlar o frenesi. 67
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Mas ela tornou a racionalização daquela paixão impossível. — Mostre-me o quanto você me quer. — A voz dela reverberou no cérebro dele, profunda e sombria. Selvagem. — Dê-me tudo de si, e acabe comigo. Não posso mais suportar o vazio... Preencha-me. Com um grito de entrega, Harres agarrou os cabelos curtos de Talia, puxando-os para trás para devorá-la. Ela o bombardeou com um choro de capitulação e comando. Harres se pôs sob o fino colchão e, com uma investida desconcertante, penetrou até o útero dela. Eles se arquearam para trás. Costas esticadas, curvas íngremes. Bocas abertas em gritos mudos pelo ímpeto do momento. Um prazer insuportável. Invasão e conquista. Conclusão. Finalmente. O urro de Harres irrompeu o silêncio quando ele se afastou. Talia prendeu-o com a firmeza de sua feminilidade quente, seus murmúrios delirantes e suas unhas exigindo seu retorno. Ele investiu novamente. O choro dela permeou o seu ser. Ele investiu cada vez com mais força, até que o choro dela se transformou em gritos de torturados. Harres gritou o nome dela conforme se entregava profunda e verdadeiramente pela primeira vez na vida, o êxtase de magnitude assustadora em ondas de convulsões, jorrando sua semente nas profundezas dela até sentirse dissolvido dentro de Talia. Mas, mesmo ao cair nos braços trêmulos dela, em vez de estar satisfeito, ele estava ainda mais rígido e mais faminto do que antes. O que não importava. Precisava dar um tempo para que ela se recuperasse. Ele tentou retirar-se de dentro dela. Mas Talia apenas apertou-se ainda mais forte e dolorosamente ao redor dele, murmurando. — Haverá muito mais logo, e sempre. Agora, descanse. Ela soprou seu prazer dentro dele, inclinando os quadris para engoli-lo novamente. — Só conseguirei se você estiver dentro de mim. Não consigo me satisfazer de você, ya harresi. — Eu também não... Jamais. — Talia estava deixando-o cada vez mais aos seus pés. E Harres estava adorando. Ele a adentrou novamente e ela pulsou ao redor dele, fazendo-o gemer. — Atormentadora. Mas, espere. Eu também vou levá-la alem da insanidade. Em resposta àquela ameaça erótica, ela jogou os braços para trás e arqueou o corpo, comprimindo seus seios contra o peito dele, e ronronou com um abandono agressivo. Ainda trêmulo, ele a virou e coloco-a sobre si, seus ombros junto aos dela. — Quero os seus lábios, ya talyeti... Ela procurou pelos lábios de Harres, alimentando-o com vida e paixão. Então os lábios dela se paralisaram ainda fundidos aos dele, conforme o sono a dominava. Foi então que ele a deixou em paz. E dormiu. Dormiu de verdade pela primeira vez desde que a resgatara. Ela queria ficar deitada sobre ele para sempre. Nos últimos quatro dias, ela dormira assim, após noites de prazer e abandono. Talia levantou-se para admirar o esplendor de Harres. Inacreditável. Era a definição dele. Ele sorriu dormindo, murmurando: — Ahebbek. 68
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Eu a amo. Ela capturou sua preciosa promessa com um beijo. Ele se agitou de imediato, instantaneamente excitado, devolvendo o beijo e a dominando. — Ahebbak. — Ela murmurou seu prazer e amor incondicional conforme ele a virava e a penetrava, sabendo que a encontraria pronta e incapaz de esperar. A ânsia deles era sempre urgente; eram necessários apenas alguns toques, algumas investidas descontroladas, para que eles se convulsionassem nos braços um do outro. Após o êxtase que a proporcionou, ele a virou novamente e a colocou sobre si. — Aashagek — ele suspirou em contentamento. Harres explicara o que aquilo significava. Eshg era um conceito que não possuía equivalente em inglês. Mais abrangente que amor, muito carnal para adoração e tão reverente quando veneração. Era perfeito. — Wana aashagak. E eu não acredito que pensei nisso apenas há alguns minutos atrás, mas não estava em condições de pensar em nada além de você. — Ela sabia que isso interferiria na perfeição. Mas ela precisava dizer. — Eu quero saber de tudo. Harres enrijeceu-se sob ela. Talia cerrou o cenho, alarmada, quando ele se desvencilhou da fusão deles e sentou-se. Fora uma das únicas vezes que ela o vira totalmente sério. — Este é o nosso tempo, ya nadda jannati. E de mais nada, nem de ninguém. Teremos tempo suficiente quando voltarmos para o mundo. Agora apenas eu e você importamos ya malekat galbi. Ela estremeceu pela intensidade da paixão que permeava a voz dele. Harres acabara de chamá-la de dona de seu coração. De agora em diante, Talia tinha certeza de que era. Ela sabia também que isso não importaria. Quando eles voltassem para o mundo, isso os afastaria. Havia apenas uma coisa a ser feita agora. Aproveitar ao máximo o tempo que lhes restava. E contar-lhe o que ele precisava saber. — Preciso lhe contar. Os olhos dourados de Harres exibiam explicitamente sua aversão em deixar o mundo se intrometer entre eles naquele instante. Mas ele finalmente os fechou, consentindo relutantemente. — Há um mês, eu recebi uma carta. Era endereçada a Tood. Ele estava morando comigo desde que voltara de Azmahar, antes de sua sentença. Toda a sua correspondência vinha para a minha casa, e eu a levava para ele quando ia visitá-lo. Mas algo me fez abrir esta. Duas coisas. Que todas as correspondências até então só haviam trazido notícias ruins, e eu decidi que desta vez eu tentaria fazer algo, e só contaria a ele se falhasse. O outro motivo foram os selos zohaydianos na carta. Os olhos dele enegreceram. Ele apenas assentiu para que ela continuasse. — Eu não sabia o que esperar, mas com certeza não fazia a menor ideia do que encontrei ali. — Talia estremeceu novamente com a lembrança das emoções explosivas que a carta enviara. — O autor dizia saber quem estava envolvido na incriminação de Todd, e que poderia expô-lo, exonerá-lo. Ele pedia para Todd que fosse para Zohayd, onde ele forneceria todas as informações. Ele também tinha um grande desejo de revelá-las, mas precisava da ajuda de um estranho. E quem melhor do que alguém que eles injustiçaram tanto? — Talia respirou profundamente. — Depois, de ler a carta dezenas de vezes, eu percebi que o autor não sabia que Todd não estava em condições de atender seu pedido. Havia um e-mail na carta, para que eles pudessem acertar os detalhes da "missão", como ele a chamava. Mandei um e-mail explicando a situação, mas 69
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aceitando a missão no lugar de Todd. Então, bem antes de clicar em "Enviar", eu pensei melhor. Se ele soubesse que Todd já estava preso, poderia desistir da coisa toda. E, pelos relatos de Todd sobre a região, ele se recusaria a fazer negócios com uma mulher. Sem mencionar que uma estrangeira chamaria muita atenção. E então meu plano se formou. Se essa pessoa não sabia que Todd estava na prisão, então eu poderia ir ao lugar dele. Eu tinha o passaporte dele, e poderia me passar por ele com um disfarce. Criei um novo e-mail com o nome de Todd, e entrei em contato com a pessoa. Recebi uma resposta dentro de uma hora. Tudo o que eu tinha de fazer era comprar uma passagem de avião para qualquer lugar do mundo para chegar aos portões de embarque do aeroporto. Alguém me encontraria e me daria um passe para um voo particular, para que eu pudesse entrar na região sem nenhum registro. Aquilo me preocupava, mas eu imaginei que nada iria me acontecer, pois eles iriam querer que eu continuasse com o plano. Pensei também que, se eu tivesse algum problema, poderia correr para a embaixada americana. — Ela fez uma breve pausa novamente. — Eles me trouxeram até aqui. Então exigi as tais informações, e meu contato disse que aquilo era maior do que eu imaginava que meus "problemas" eram parte de algo que poderia não só "me" livrar dos meus problemas, mas também destruir os Aal Shalaans, como eles mereciam. Então ele me ligou no celular que eles haviam me dado. Usou um daqueles aparelhos para distorcer a voz, e disse que não poderia nem sonhar em ser relacionado ao que estava prestes a revelar. E me contou sobre as joias roubadas e falsificadas do Orgulho de Zohayd, e das consequências que isso teria para os Aal Shalaans e seu regime. Perguntei como aquilo "me" ajudaria e ele disse que eu era um rapaz inteligente e que acharia uma forma de usar essa informação. Quando comecei a protestar, disse que ele estava em uma posição muito delicada, que precisava partir ou correria o risco de ser exposto, e que me ligaria mais tarde com mais informações. — Enviei um e-mail para Mark Gibson, o advogado de Tood e nosso amigo de infância, perguntando a opinião dele. Eu não especifiquei o que o meu contato havia me dito, apenas que eu tinha informações que poderia destruir a casa real de Zohayd. Duas horas depois, fui sequestrada. A última coisa de que me, lembro foi de acordar naquele buraco no deserto. O resto você já sabe. Talia então ficou em silêncio. E percebeu que lágrimas deslizavam por suas faces. Reviver aqueles acontecimentos e antecipar ainda mais angústias, não só para Todd, mas para ela e Harres, partiu seu coração. Os olhos desolados de Harres estavam eloquentes com o reconhecimento do receio de Talia. Ele não disse nada, apenas a trouxe para seus braços. Logo ele a beijava, incendiando-a. O temor que o tempo deles, juntos estivesse chegando ao fim tornou a ânsia de ambos explosivos, quase violenta e, seu êxtase, quase prejudicial. Depois, ela ficou abraçada ao corpo de Harres, trêmula pela enormidade daquilo tudo. Ele fingiu estar dormindo. Ela sabia que ele não estava. Talia também não conseguia dormir. Conforme a noite se aprofundou, o ambiente singular do oásis deu lugar ao frio do deserto. Mesmo se ficasse tão congelante quanto ficara durante a jornada, Harres não sentiria nada. Ele estava queimando, de dentro para fora. Talia finalmente adormeceu. Ele saiu para tomar um pouco de ar. Mas não encontrou nenhum na vastidão ao redor dele. Ele parou na extremidade do jardim da cabana, encarando as estrelas prematuramente claras e cintilantes. O calor dentro de si preenchia seus olhos 70
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com uma mistura de frustração e desânimo. Como vira nos olhos dela. Aquilo o ferira como uma facada. E o que mais doía era o fato de não poder afastar aqueles sentimentos. Harres não podia prometer-lhe algo que não tinha certeza de que poderia cumprir. Promessas a encheriam de esperança. Aquilo era ainda mais agonizante do que a resignação, e, se por qualquer motivo, ele falhasse em mantê-las, o desespero seria ainda mais devastador. Ele faria o que precisasse para garantir a felicidade dela. Mas, até lá, precisava ficar em silêncio, precisava sofrer com ela. E amá-la com todo o seu ser. Harres rezou apenas para que ela não precisasse escolher entre ele e o irmão. Ele não poderia perdê-la. Não sobreviveria.
CAPÍTULO ONZE
Talia acordou, a ferocidade e a satisfação da última possessão de Harres fervilhando ainda em seu sangue, em seus ossos. Ela se espreguiçou, gemendo pelo frisson delicioso das dores em seu corpo. Ele manteve a promessa de levá-la à loucura e além. Ela achava agora que a sanidade, assim como a alma que sentia que ele lhe roubara, era um adorno altamente superestimado e sem importância. Ele não estava ali, mas chegaria a qualquer momento. Talia levantou-se, rejuvenescida. Ela ouviu o barulho dos cascos de Reeh ao fundo da cabana. Correu, então, para a porta. No instante em que pisou lá fora, encarando o crepúsculo no céu de que agora tanto precisava, um meteoro piscou e desapareceu, como se nunca tivesse existido. Como o tempo que eles haviam passado juntos. Mas eles não se comportavam como se esse tempo fosse acabar. Eles fingiam que seria para sempre. Ele contornou a cabana, aproximando-se dela com aquele sorriso pelo qual valia a pena viver. Talia correu até ele e montou em Reeh, recostando-se naquele corpo quente e rijo. Depois de um instante trotando despreocupadamente em sua excursão diária ao alain, Talia suspirou, aconchegando-se naquele calor protetor. — Cheguei a uma conclusão — ela anunciou. Ele beijou o topo da cabeça dela e a abraçou com mais força, esperando pela revelação. — Ser sequestrada foi a melhor coisa que já me aconteceu. Harres riu. — Que coincidência, isso também foi a melhor coisa que já me aconteceu. — Você acha que algum dia eu vou poder cavalgar em um cavalo só meu? — Tenho problemas em vê-la em situações de perigo. — Que perigo? Os cavalos daqui, assim como todos os habitantes, são maravilhosamente compreensivos com estrangeiros inaptos.
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— Então eu tenho um problema em manter você nos meus braços o quanto eu puder... — Ele parou, murmurou, e continuou: — Tê-la em meus braços em qualquer oportunidade. Ela sabia que Harres deveria estar se punindo por ter falado daquela forma, por sugerir que o tempo deles, juntos estava chegando ao fim. Talia desviou do assunto, levando seus lábios formigantes pelo entorpecimento do medo ao pescoço dele. — Uma causa nobre. — Precisamente. Eu fiquei viciado em abraçá-la dessa forma desde que chegamos ao oásis. — Buttuli. — Ela jogou a cabeça pra trás e sorriu para os olhos dele, mas encontrou um vazio ali. A ternura então surgiu, fazendo-a se perguntar se havia mesmo visto a tristeza. Mas havia. E Talia não iria tocar nesse assunto. Por que se preocupar com o futuro e macular a pureza da felicidade compartilhada no presente? Talia esfregou o cabelo no peito nu de Harres. Agora que ele não usava mais bandagens, apenas uma das vestimentas locais cobrindo o machucado que se curava rapidamente, ela se fartava no nirvana sensorial de tocar naquela perfeição escultural, sempre que possível. O que era quase sempre. — Harres... — Sim, Talia, diga meu nome assim, como se você não pudesse mais respirar se eu não estiver dentro de você. Como eu logo estarei. A excitação de pensar nele honrando suas intenções, ali, era paralisante. E não só porque aquela era uma fantasia que ela achara que jamais seria realizada. Eles estavam em um lugar aberto, com o povo do oásis distante. Talia achou que estava apenas o estimulando, que ele esperaria até que chegassem ao alain, onde já haviam compartilhado mais de um encontro explosivo, mas daí Harres a levantou, erguendo seu volumoso vestido e deixando-o flutuar sobre seu colo. Então, enquanto uma das mãos segurava as rédeas, a outra deslizou por entre as dobras do decote procurando seus seios. O fogo penetrou em seu ser conforme aqueles dedos manipulavam seus mamilos. As chamas a consumiram quando ele afundou os dentes em sua nuca, como um leão segurando sua fêmea. Talia inclinou o corpo para trás, suas pernas já abertas separando-se ainda mais, sua calcinha ficando encharcada. — Você sabe o que acontece quando eu sinto a sua excitação? — ele murmurou no ouvido dela, enquanto sua mão deslizava para dentro de sua calcinha, apertando-há gentilmente por um instante, tornando o ritmo da palpitação ali ainda mais frenético. — Quero senti-la novamente, mas vou ter de me contentar em sentir seu calor e sua pele sedosa derretendo-se por mim. Mostre-me o quanto você deseja o meu toque, ya talyeti. Sem se preocupar se alguém poderia vê-los, ela abriu ainda mais as pernas, dando acesso total a Harres. — Estou sempre fora de mim desejando você. Toque-me, faça o que quiser comigo. Seu dedo acariciou os lábios úmidos do sexo dela, deslizando sua grossura e sua força, abrindo um caminho, alimentando o prazer agonizante dentro dela. Talia se contorceu, gemeu e virou o rosto para ele. Harres enfiou a língua dentro da boca dela enquanto substituía o dedo pelo polegar, e penetrava o dedo médio 72
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dentro dela. O prazer se intensificou, e ela se abandonou aos cuidados dele. Ele afagou sua intimidade até que o clímax que construíra a devastar. — Fazer você enlouquecer de prazer é a coisa mais maravilhosa que eu já experimentei — ele murmurou enquanto seus dedos a acariciavam, até que ele a acalmou e mudou de direção e ritmo, levando-a á loucura novamente. Quando ela começou a implorar, Talia o sentiu libertar-se, seu membro rijo batendo contra suas nádegas. Harres sussurrou no ouvido dela: — Levante-se usando os músculos das coxas, como eu ensinei a trotar. Ele realmente ia possuí-la ali. Aquela ideia quase a levou a outro clímax. Ela se levantou, e ele se posicionou. — Sente-se sobre mim — Harres disse, quando os músculos dela começaram a ceder. E ela o fez. Ele forjou um caminho por dentro dela como uma lança ardente. Talia achou que já estava acostumada ao tamanho e a espessura de Harres, mas cada vez parecia ser a primeira. Agora a pressão chegara a um ápice de dor e dominação que redefinia todos os seus conceitos de intimidade física e prazer. Talia estava viciada naquela plenitude impossível, na sensação de ocupação total, em ter uma parte vital dele tão inexoravelmente dentro dela, e em extrair o prazer das suas profundezas e das dele, como Harres insistia que ela nem sonhava que existiam. Pelo quarto ou quinto trotar, ela era uma massa de tremores totalmente à mercê dele, violada, invadida, ocupada, satisfeita, possuída, enlouquecida. — Possua-me... Possua-me... — Era tudo o que ela conseguia dizer, tudo o que havia em sua mente. Talia estava enervada com uma overdose de sensações, a pressão elevando-se além de sua resistência. Ele precisava libertála. Antes que alguém chegasse. Ele apenas se reclinou, intensificando seu ritmo. Harres disse o tempo todo coisas que a fizeram se entregar ainda mais. E então ela descobriu duas outras palavras: Por favor. Talia o sentiu crescer ainda mais dentro dela. Ela gemeu, choramingou, e ele urrou, cutucando Reeh, investindo nela com toda a força do galope. Quando ela achou que seu coração iria parar e ela se dissolveria ao redor dele, os dedos de Harres massagearam sua feminilidade em círculos crescentes, seus dentes se enterraram no pescoço dela novamente, e seus urros lançaram uma corrente carnal atando seu coração e seu âmago. Então ela se deteriorou. Um grito surgiu de suas entranhas, demasiadamente frenético para se formar. O próximo teria se formado, mas Harres o apanhou, oferecendo-lhe sua mão para que ela colocasse para fora seu agonizado prazer. Talia mordeu a lateral daquela mão repetidamente, conforme ondas de prazer arrebentavam dentro de si, recuando apenas para se quebrarem contra seu ser. As convulsões irradiavam das profundezas de seu corpo, espalhando-se em ondas de choque intermináveis. Então Harres alcançou uma nova profundidade nela, parecendo empalá-la até o coração, onde ele liberou seu êxtase. Sentir Harres preenchê-la a arrebatou novamente. Ela desejava... Ela desejava... Talia recobrou a lucidez. Ele chegaram ao alain. Ele ainda estava dentro dela. O prazer era um fluxo contínuo agora, um platô de contentamento. A cabeça dela descansava inerte sobre o coração dele. — Você deveria ter dito que não iria apenas me deixar louca, mas que também iria me nocautear. 73
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Ele riu o som da mais profunda presunção masculina. — Eu vivo para satisfazê-la. Ela estremeceu conforme ele separava a fusão entre eles. — E como. Harres ajustou as roupas e pulou do cavalo, abrindo os braços para ela. — E ninguém nos viu. Talia fechou os olhos, mortificada. Ela não acreditava que havia se arriscado daquela forma. Ele realmente a deixou fora de si. O sorriso dele era pura malícia. — Quem sabe da próxima vez. Não houve uma próxima vez. Já estava entardecendo no dia seguinte quando Talia ouviu um zumbido grave reverberar em seus ossos. Em instantes, o barulho distante se aproximou e tornou-se inconfundível. Um helicóptero. Os homens de Harres haviam chegado para resgatá-lo. O idílio deles chegara ao fim. Harres virou-se para ela, seus olhos eloquentes com os mesmos sentimentos. Mas ele tentou sorrir. — Eles estarão aqui em minutos. Você desejar partir imediatamente? Ela não queria de forma alguma partir. Talia disse apenas: — Sim. — Vamos recolher as coisas que o povo do oásis nos deu. — Eu gostaria de poder lhes dar alguma coisa. — Você lhes deu muito mais que souvenires; fez uma diferença duradoura na vida deles. Muitos me disseram que foram abençoados no dia em que o deserto "os presenteou com você". E você poderá lhes trazer algo a qualquer momento. Ela suspirou. Então ele fez sua promessa mais selvagem: — Voltaremos aqui, ya nadda jannati. Eu prometo. Em quinze minutos eles estavam a 30 metros da clareira onde o helicóptero pousara. Quatro homens pularam dele e caminharam em direção a eles com movimentos poderosos e objetivos, nem sequer notando o vento brutal produzido pelos rotores. Conforme eles se aproximavam, Talia não teve dúvidas de que eles compartilhavam o sangue de Harres. Os homens eram parecidos o suficiente para ser classificados no mesmo nível, ainda que diferentes o suficiente para serem totalmente distintos um do outro. Mas foi o homem no assento do piloto que capturou a atenção dela. E não só porque ela reconheceu o príncipe herdeiro da coroa de Zohayd. Amjad Aal Shalaan tinha uma aura ao redor de si que se propagava pelo espaço e roubava o ar das pessoas. Ele a lembrava uma majestosa pantera negra, perpetuamente pronta para o ataque e com olhos cor de esmeralda surpreendente intenso e sem alma. E eles estavam cravados nela. Talia poderia jurar que sentira seus globos oculares prestes a entrarem em erupção antes de ele focar sua atenção no irmão. Mas aquele breve encontro visual fora o suficiente para ela não ter dúvidas. Ele não era em nada como Harres. Aquele corpo perfeito abrigava uma entidade poderosa e cruel. 74
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Ninguém ganhava uma segunda chance com o príncipe da coroa Amjad Aal Shalaan. Ela duvidava que alguém já tivesse ganhado uma primeira. Nos próximos minutos, ela observou as manifestações masculinas daquelas forças da natureza sobre Harres, com alívio e afeição. Todos menos Amjad. Ele hesitou, encarando-a. Talia sentiu como se ele fizesse uma tomografia psíquica de si. Harres apresentou os outros, Munsoor, Yazeed e Mohab este último o relutante noivo de Ghada, como os irmãos que estiveram com ele durante a operação de resgate, eles a cumprimentaram, expressando o prazer de vê-la. Mesmo embora ela não fosse exatamente quem eles foram designados para salvar. Fizeram dezenas de perguntas para Harres sobre o que acontecera desde que eles se separaram, há vinte dias. De repente, Amjad falou: — Chega dessa reunião. Vocês podem debater esse joguinho de agente secreto de vocês depois. — Então se virou para Harres. — Depois que Shaheen passou as três últimas semanas virando o reino de cabeça para baixo comigo atrás de você, ele não podia passar nem mais um instante longe da noiva, e voltou para os braços dela. Os lábios de Harres se crisparam. — Você virou o reino de cabeça para baixo atrás de mim? Espero que possamos endireitá-lo, agora. Amjad lançou-lhe um olhar demolidor de sarcasmo. Talia tinha certeza que um homem menos forte que Harres teria se intimidado. — As provações e os problemas de um irmão mais velho. E eu não poderia deixar você perdido no deserto com as informações vitais de que preciso, poderia? Você pode arruinar as coisas, sozinho. E para isso que existem os irmãos menores. Talia ficou boquiaberta. Harres apenas a abraçou e gargalhou. — Aih, eu também o amo, Amjad. O olhar de Amjad contemplou a unidade que ambos formavam. Então sorriu, e rolou os olhos para cima antes de encarar Harres com nojo. — Você também, não. Harres apenas riu. — Oh, eu também, definitivamente. E eu faço eco das palavras de Shaheen. E mal posso esperar para você fazer também. Amjad o ignorou como se ele fosse uma perturbação insignificante, e voltouse para Talia. Então, fitando-lhe diretamente nos olhos, falou dela na terceira pessoa. — Então, o que ela tem que o resto das mulheres no hemisfério norte não tem? Já que você passou por tudo aquilo, eu estou muito interessado em saber quais características extras ela possui, para você arriscar sua sanidade. Harres cutucou o ombro do irmão, apontando dois dedos para os próprios olhos. — Olhos aqui, Amjad. Amjad deu de ombros e continuou observando-a, ainda que falasse sobre ela, mas não para ela. — O jeito que ela me encara de volta. Fascinante. Destemida ela, não? Ou ela é tão perceptiva que conseguiu analisá-lo perfeitamente, sabendo que poderia fingir ser destemida porque não teria nada a temer, e que isso o fascinaria? Desta vez, Harres que deu um fraco soco nele. 75
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— Pare de bancar a sogra, Amjad, ou se prepare para engolir areia. Os lábios esculpidos de Amjad se crisparam, e a provocação em seus olhos apenas aumentou conforme ele a encarava. — Primeiro você deixou Shaheen se levar pelos encantos de Johara sem prestar ajuda, e agora está correndo para se juntar ao grupo dos homens fisgados. Ela também está grávida? Ela pelo menos foi boa para você... — Amjad deixou que Harres sentisse a ofensa de verdade antes de continuar. — E nos cedeu alguma informação útil? — Ok. Tudo bem. Chegou-se a um veredito. Esse cara fora contratado para ensinar provocações no mundo. Os outros três homens escaparam no meio da discussão, foram para o helicóptero preparar o voo de volta. E, sem palavras, para dar aos irmãos uma chance de acabar logo com tudo isso. Embora Amjad fosse formidável, Harres era claramente o mais preparado fisicamente e quem ganharia em uma luta. Isso se Amjad não jogasse sujo. O que ela tinha certeza de que era o caso. Mantendo a mão dele entrelaçada na sua, Harres respondeu com a mesma tranquilidade letal do irmão: — Vou falar só uma vez, Amjad. Talia é minha mulher, minha princesa. — Ela quase teve um colapso. Harres dizia o que ela tanto desejava, e não estava levando em conta a impossibilidade daquilo. Era magnífico. E terrível. — Eu devo a ela a minha vida, e não terei vida alguma daqui em diante sem ela. Lide com isso. Senão... De repente Amjad dirigiu-se a ela. — Viu só? Seu homem, seu príncipe, cria problemas, me ameaça e emprega a violência física. Tsc, tsc. Um prognóstico ruim de sua vida futura com ele, não acha doutora? — depois, voltou-se para Harres. — E eu tinha tantas esperanças em você. Divirta-se na sua nova vida de mesmice e servidão emocional. Antes que alguém pudesse responder, Amjad virou-se e voltou para o helicóptero, acenando displicentemente para o povo do oásis que fora até lá se despedir. Então, enquanto Talia abraçava todos que haviam ido vê-la partir, chorando rios com Harres ao seu lado prometendo voltar, aquele homem insuportável teve a coragem de buzinar. A volta de Talia à capital foi o total oposto de sua partida. Voltar em um helicóptero real cercada por príncipes era algo que ela certamente nem sonhara quando fora sequestrada, havia vinte dias. Mas estar ao lado de Harres conforme o mundo real se aproximava a fez perceber o peso do tempo que viveram juntos. Depois de aterrissarem no aeroporto privado, Talia trocou de roupa, vestindo as que Harres mandara serem entregues ali enquanto ele também se trocava, antes de irem para o palácio em limusines separadas. Harres lhe dissera que eles não podiam aparecer juntos. Além daqueles que sabiam da verdade, todos pensavam que ele havia desaparecido em uma missão corriqueira. Mas os traidores no palácio saberiam do que se tratava aquela missão. Se ela fosse vista com ele, descobririam sua verdadeira identidade. Assim, ela chegaria ao palácio como uma amiga de sua prima Laylah. Ele fingiria se envolver com ela, o que pareceria natural a todos. Talia disse que iria retomar o contato com seu informante para obter o resto das informações. Mas Harres a proibiu. Ele não a poria em perigo de maneira alguma, nem mesmo se o reino estivesse em jogo. Ele acharia outra forma de descobrir a verdade. 76
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Então, relutante em deixá-la, Harres lhe deu um celular para que eles se falassem até que pudessem voltar a se ver. O que ele pretendia fazer assim que possível. Chegar ao palácio que se assemelhava ao Taj Mahal, só que bem maior foi á única coisa que a fez esquecer aquela situação e a desolação por estar longe dele. Quando pesquisara por Zohayd antes de viajar, Talia descobriu que o palácio de meados do século XVII levara mais de três décadas para ser construído, e que precisou de milhares de artistas e artesãos. Mas uma coisa era olhar fotos detalhadas, independentemente do quão deslumbrante elas possam ser, e outra totalmente diferente é pisar no lugar com os próprios pés, sentindo a história e a grandeza que saturam as paredes e salões ao seu redor permearem seus sentidos. E não importava o que ele dissesse, ela precisava fazer o que fosse possível para proteger aquele legado. Ainda que não tivesse se apaixonado por ele. O reino todo estava imerso na paz e prosperidade. Ela fora preconceituosa ao pensar que eles estariam melhores sem a família real, que fizera tanto por eles. Assim que Talia ligou para seu informante, reiniciando o contato, o telefone em sua mão criou vida. — Tenho novidades, ya habibati. As investigações e negociações que pedi para que minha família fizesse enquanto eu estava fora renderam frutos. Seu irmão será libertado. E não haverá outro julgamento. As acusações serão retiradas e ele receberá desculpas públicas em todos os jornais internacionais, e tudo mais o que ele exigir como compensação. Dizer que ela estava abismada seria o mesmo que dizer que seu amor por ele era algo passageiro. Talia começou a balbuciar seus agradecimentos, quando ele continuou: — Perdoe-me, ya nadda jannati, mas tenho outra coisa urgente. Ligarei assim que puder. Até lá, meus parabéns, ya mashoogati. Talia encarou o telefone, pasma. Todd. Livre. Terminara. Calmamente terminara. Ela iria ter o irmão de volta. Ele teria sua vida de volta. Aquilo era demais para ela. Harres não contara que já estava trabalhando para exonerar Todd. Mas ele conseguira. Ela deitou-se na cama e curvou-se em posição fetal. Sentiu que poderia explodir de tanto amor, alívio e gratidão. Então ela entrou em um frenesi de determinação, e discou o número de seu informante. O número havia sido desabilitado. Ela tentou novamente, para ter certeza de que não discara o número errado. Deveria ser um número temporário, para que ele não fosse rastreado. Pensando da mesma forma, Talia entrou na internet e enviou-lhe um e-mail, listando seus números de telefone. Momentos depois de clicar em "Enviar", seu telefone voltou a tocar. Harres. Ele deveria ter mais informações. Ela derrubou ô celular duas vezes antes de atender, e depois quase o derrubou de novo. Não era Harres. Era uma voz distorcida, que deixou todos, os seus nervos à flor da pele. A de seu informante. Talia não imaginara que ele entraria em contato tão rápido. Mas não fora isso que a abalara. Fora o que ele dissera. — Olá, doutora Talia Jasmine Burke. Ela fechou os olhos. Toda a sua precaução não funcionara. Ela não sabia como, mas seu disfarce fora descoberto. 77
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— Não se preocupe doutora. Ainda quero fazer negócios com você. Você está em uma posição ainda melhor. Harres está fazendo de tudo por você para poder explorá-la, então espero que não esteja se deixando levar pelo charme dele e não se esqueça de seu principal objetivo: libertar seu irmão. — Ao ouvi-la soluçar, aquela voz distorcida riu macabramente. — Sim, eu sei de tudo. Foi por isso que eu a procurei. Porque eu queria alguém com uma causa, e porque você é uma mulher. É conveniente que a queda dos Aal Shalaans esteja nas mãos de alguém que queira vingar-se deles, e quem melhor do que uma mulher para trazer a ruína àqueles homens poderosos? E agora vou lhe dizer quem é o mentor por trás da conspiração. Yusuf Aal Waaked, príncipe do emirado vizinho de Ossaylan. Talia finalmente conseguiu falar: — Mas, por que expô-lo e arriscar que os Aal Shalaans impeçam a conspiração quando souberem quem eles devem caçar e onde procurar pelas joias? — Oh, não há nada que eles possam fazer com essa informação. Esta exposição vai prevenir que ele mude de ideia. Vai garantir que ele leve o plano até o final. Subitamente houve um longo silêncio entre eles, então a voz tornou-se ainda mais assustadora: — Idiota! Você usará essa informação para ajudar Harres, não? Ele a pegou. Eu já deveria saber, com uma mulher nas garras do lendário playboy por tanto tempo. Você deve estar louca para vender a sua alma para ele. Mas eu provarei a você que ele e a família dele não merecem a sua ajuda, mas sim sua vingança. O telefone ficou mudo. Ela não sabia por quanto tempo ficara ali, fitando o vazio, trêmula de agitação. Por fim, Talia se recompôs. Ela precisava ligar para Harres e lhe passar as novas informações. Não importava o que o informante dissera, ela estava certa de que Harres saberia usar aquela informação. Assim que ela começou a discar o número dele, dois homens mascarados irromperam pelas portas que se abriam para os jardins. A arma na mão do primeiro garantia que ela não iria tentar gritar ou lutar. — Não vamos machucá-la — disse o homem armado — se você não tentar nos expor. Só queremos que você venha conosco. Há algo que nosso chefe quer lhe mostrar. Eles a levaram pelos grandes jardins, até uma sala vazia. Antes que ela pudesse dizer algo, ouviu a voz de Harres. Seu coração se encheu de esperança, mas o pavor a dominou novamente. E se ele entrasse ali, e eles entrassem em pânico e atirassem nele? Então ela percebeu que ele não estava se movendo. Estava em uma sala ao lado, falando com alguém. Ao telefone. —... E quantas mulheres você já me viu pegar e descartar? Você acha que essa americana significa algo para mim? As outras pelo menos foram passatempos agradáveis dos quais eu me lembro com um pouco de boa vontade. Ela, por outro lado, quase custou a minha vida. Dá para imaginar o desgosto que foi satisfazê-la por tanto tempo, tentar salvar sua vida miserável e fazê-la confiar em mim para desembuchar seus segredos e mudar de ideia para não revelá-los? Você consegue imaginar o quão irado eu fiquei quando descobri que ela não sabia praticamente nada? Mas eu preciso continuar fingindo. Eu sabia que ela ainda poderia voltar atrás e obter o restante das informações. Ele ficou em silêncio por um instante, e então sua voz implacável continuou: 78
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— Por que você acha que eu lhe dei o incentivo crucial de libertar o irmão? Ela confia á própria vida a mim agora, e fará qualquer coisa para me dar as informações de que eu tanto preciso. Eu cheguei até a proclamar meu amor, e inclusive a pediria em casamento se precisasse. Harres ficou em silêncio por mais um instante, enquanto a pessoa do outro lado da linha falava. Então ele gargalhou, um som que ela jamais diria que veio dele. — Eu até poderia ter tido um ato de cavalheirismo e compaixão em outras circunstâncias. Mas qualquer um é sacrificável para que eu cumpra o meu dever de proteger este reino. E, se ela for inútil para mim, você acha mesmo que eu ligo se ela viver ou morrer?
CAPÍTULO DOZE
— Ouviu o suficiente, ya ghabeyah? Ghabeyah. Estúpido. Talia fizera mais que isso. Ela estava muito mais que devastada. A voz assustadora continuou. — E isso que o seu príncipe diz quando está tendo uma conversa particular com o príncipe herdeiro, que o criticou por estar com você. Esses são os verdadeiros e horríveis sentimentos dele. Ainda quer ir correndo lhe contar as informações? Ou vai finalmente abraçar a vingança que lhe é de direito? Talia encarou o telefone sobre a cama. Quem o ligara? Como ela voltara para o seu quarto? Os olhos dela vagaram cegos. Ela estava sozinha. Aqueles capangas deviam tê-la trazido de volta e ligado o telefone na vivavoz. O chefe deles, seu informante, estava puxando o anzol dentro dela, dilacerando-a por dentro. Então o dilaceramento parou. E um silêncio dizimou o que ficara intacto nela. Talia viu-se no seu lado da cama, um corpo descartado paralisado por uma dor grande demais para ser registrada. Seus olhos estavam abertos, e secos. As palavras de Harres giravam como um serra dentro de sua cabeça, esmigalhando seu cérebro. Ele não quis dizer aquilo. Deve haver uma explicação. Ele estava acalmando Amjad para despistá-lo. Ou algo do tipo. Falar aquilo deve tê-lo devastado. Ele me explicará por que fez isso. Ele me ama. Não vou acreditar em outra coisa... — Talia. Harres. Aqui? Ou seriam suas expectativas febris? Ela se contorceu. Ele estava ali. Observando-a. Por favor, meu amor, retire o que disse, explique-se. Apenas olhe para mim com amor nos olhos, e tudo passará. Mas, pela primeira vez desde que colocara os olhos em Harres, eles estavam vazios. Não. Dê-me algo. Mas ele não lhe deu nada, seu rosto estava tão inexpressivo quanto sua voz. 79
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— Desculpe interromper seu descanso, mas o jato particular já está pronto. — Pronto para quê? — Ela ouviu o próprio sussurro agonizado, e perguntouse como ainda conseguia falar. — Para levá-la para casa. Ela o encarou, o vazio que emanava dele engolindo-a. Então Talia se descobriu levantando-se, como se com uma olhada mais de perto ela poderia ver dentro dele e decifrar a verdade. Talia não encontrou nada. Apenas o abismo de indiferença que ele admitiu sentir por ela. Então tudo veio abaixo sobre ela, o peso da traição de Harres, daquela exploração cruel. E a esmagou. Mas ela percebeu uma coisa. Mesmo magoada além do que palavras podiam expressar mesmo feridas além do que se poderia curar, ela não faria nenhuma retaliação, de forma alguma. Isso era uma coisa que seu informante não considerara em sua busca pela destruição dos Aal Shalaans. Harres havia sistematicamente a destruído, por seu dever, por sua família. Mas, mesmo que ela quisesse se vingar dele, ela jamais destruiria a família real e o reino. E ela não queria se vingar. Talia simplesmente queria morrer, longe desta terra onde ela perdera o coração e sua fé em qualquer coisa, para sempre. Uma coisa sobrou de seus destroços. — E Todd? — Os procedimentos da libertação dele estão em andamento. Ela viu a verdade nos olhos dele, pelo menos em relação a isso. Ou talvez ela a imaginara, assim como imaginara tudo entre eles até então. Talia então entregou a ele o motivo de sua destruição. — O mentor da conspiração é Yusuf Aal Waaked, o príncipe de Ossaylan. Os olhos dele se incendiaram. Mas ela perdera a habilidade de lê-los. De fato, nunca a tivera. E não se importava mais. Talia só queria se afastar de sua órbita. Queria ir para qualquer outro lugar para perecer em paz. — Eu sei — ele finalmente disse com a mesma voz sem expressão. Ele sabia? Como? Uma coisa explicava tudo. Ele monitorara a ligação dela e obtivera sua preciosa informação no momento em que ela também a conseguira. A mão do mestre do serviço secreto ajustara seu plano desde o instante em que se encontraram, de acordo com as reações de Talia e com base em uma leitura precisa de seu caráter. Ela caíra em todas as suas indetectáveis jogadas. Seu cheque-mate fora a última porção de psicologia reversa. O golpe de misericórdia fora a libertação de Todd. Agora Talia não era mais útil para ele. E Harres mal podia esperar para se livrar dela. Com este último estilhaço de racionalização atingindo seu coração, era como se cada lembrança dos últimos vinte dias a bombardeasse, rescritas sobre a nova e macabra perspectiva. A agonia elevou-se a níveis incontroláveis, e a humilhação a inundou. Ela sentiu que sufocaria, se quebraria em pedaços. — Então você sabe. Mas você não pode dizer que eu não lhe dei nada em troca da liberdade e redenção do meu irmão. Agora mal posso esperar para partir desta terra miserável. Não havia dúvidas sobre o que surgira nos olhos de Harres. Espanto. Claro. Ele devia ter pensado que ela iria sorrir e implorar para que ele não a abandonasse, sob quaisquer termos degradantes que ele impusesse. Como 80
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Harres garantira ao irmão, ele tinha prática em usar e descartar mulheres. Ele esperava piamente que o abandono viria somente dele. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Amjad pôs á cabeça pela porta. — Por que toda essa demora? Harres desviou os olhos transtornados dos dela, e encarou o irmão. Então balançou a cabeça, como se tentasse dar crédito ao que ela dissera. Talia mal conseguia imaginar como aquilo soara. Se uma fração do que havia dentro dela estivesse aparente, ele deveria ter ficado perplexo com a aparente súbita mudança dela. Harres permaneceu ali, encarando-a com os olhos cheios de tantas emoções que ela mal conseguia decifrar. Ela desistiu, e saiu do quarto. Amjad estava encostado em uma parede no lado de fora com braços cruzados, vestindo uma jaqueta esportiva imaculada. Enquanto passava por ele, seus olhos brilharam implacavelmente. — Mande... Lembranças ao seu irmão. Ele dever ser parabenizado por ter uma irmã como você. Talia o encarou, sentindo a ânsia de pedir uma explicação. Vontade que logo se esvaiu. Sentindo como se o gelo se apoderasse de seu corpo de dentro para fora, ela se virou e deixou que Harres a conduzisse para fora do palácio. Ele sentou-se ao lado dela na limusine, o silêncio incomum que substituía suas animadas conversas, a indulgência e o interesse simulado dele deixando-a ainda mais, paralisada. Eles chegaram ao aeroporto privado onde haviam aterrissado há algumas horas. Que diferença esse tempo fizera! Harres se apressou para fora da limusine antes que ela parasse. Ele se materializou ao lado dela, ajudou-a a descer do carro e a conduziu para o Boeing 737 lustrosamente prateado que zunia. Seus movimentos eram medidos, a epítome da compostura. As vibrações que emanavam dele eram o oposto. Nas escadas, ele se virou para ela. Mas, embora seus passos fossem controlados, os olhos dele eram uma tempestade de emoções quase incontroláveis. Sua voz soava ainda mais agitada. — O que foi aquilo no palácio? Não seria apenas seu desprazer por ela ter rescrita sua cena de abandono, seria? Chega. Ela precisava parar de tentar ver tudo o que sentia por ele pelo prisma da nobreza e da sinceridade. Talia já ouvira a verdade com os próprios ouvidos. O que ela estava esperando? Ouvi-la pessoalmente? Talia não sobreviveria. Acabe com isso. Agora. Ela encolheu os ombros e virou-se, para fugir. A mão de Harres capturou a dela. Mas foi a confusão e dor que Talia pensou ter visto eclipsarem os sóis gêmeos de seus olhos que a detiveram. — Quer dizer que fora tudo por seu irmão? Manipular-me para libertá-lo. Como ele conseguia soar tão genuíno? Como ela podia ainda ser tão patética a ponto de querer acreditar nele, derreter-se nos braços dele e responder-lhe com proclamações de amor eterno? Ghabeyah. Estúpida. Fora disso que seu informante lhe chamara. Não. Ela não daria a Harres a satisfação de vê-la chorar por ele. Talia estava tão abaixo dele, em tamanha desvantagem em todos os sentidos, mas especialmente na profundidade de seu envolvimento. Restava-lhe apenas tentar deixar tudo em pé de igualdade. 81
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Ela ouviu o ácido que agora percorria suas veias respingar de sua voz. — Eu não fui longe demais para ajudar um homem inocente provar sua inocência, fui? Harres recuou e ele permaneceu ali, suas vibrações tornando-se ainda mais obscuras do que a noite que os envolvia. — Eu é que fui longe demais para ajudar um homem culpado se safar de seus crimes. Por um instante, ela não entendeu o que queria dizer. Conforme ela tentava compreender, ele disparou: — Acho que cometer fraude é uma coisa de família para vocês, afinal. — Ela se afastou dele. — Eu não imaginei que você também pudesse ir tão longe. — Eu também? O que você quer dizer com isso? — Nada. Não quero dizer nada. — Ela iria desabar aos pés dele a qualquer momento. Fuja dele. Talia buscou pelo corrimão, mas Harres a puxou de volta, girando-a para que o encarasse. O rosto de Harres era uma conflagração de todas as emoções humanamente possíveis. — Você está vendo o que quer ver. A dor a atravessou, despedaçando os últimos farrapos de sanidade. — O que é isso? O seu ego está ferido? Você quer que eu parta, mas ainda quer que eu lhe implore para ficar? Ou talvez você queira outro pagamento pela liberdade de Todd. A bordo do seu jato. Se quiser satisfazer outra fantasia da sua lista, será com uma mulher relutante, desta vez. Por uma aparente eternidade, o horror congelou-o. Então o telefone de Harres tocou. Ele se contorceu, olhando para baixo como se não estivesse entendendo de onde vinha aquele som. Ela se soltou e subiu correndo as escadas. Talia queria continuar correndo, para longe de si mesma. Então ela precisou parar, deixando-se cair no último assento do jato. Ela implorou para a primeira pessoa que veio lhe oferecer os serviços que a deixassem sozinha. Ela não queria nada. Talia queria apenas que a dor lhe consumisse. E durante o voo para o lar que já esquecera um lar para quem já se tornara uma sem-teto, ela se permitiu. — Talia! Você conseguiu! Ela se escorou contra a porta que acabara de fechar. — Todd. Talia se virou, e ali estava ele, indo na sua direção com os olhos cheios de lágrimas, para abraçá-la com toda a força. Ela se estremeceu, sua mente exausta incapaz de perceber a realidade de sua presença, ali, tão cedo. Como...? Ela deve ter expressado seu espanto. Ele se afastou seus olhos ávidos pela irmã, tão parecidos com os dela. — Como você conseguiu? Mark me disse que você estava tentando me libertar, mas eu nem me permiti ter esperanças de que você conseguiria. Ela quase disse: "eu vendi minha alma para o diabo para libertar você". Mas aquilo não estava certo. Ela entregara a alma para o diabo por livre e espontânea vontade. E não pedira nada em troca. A liberdade de Todd não fora o preço da sua alma, só apenas mais um fio de uma intrincada e indetectável rede de manipulação. Ainda assim, vê-lo ali, livre, valia qualquer coisa. 82
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Porém, Talia não conseguia suportar mais nenhum tormento ou contato, mesmo com o irmão que sempre fora praticamente uma extensão física dela. Cada nervo de seu corpo estava exposto. Ela se afastou, encolhendo os ombros. — Não importa o que eu fiz. O que importa é que você esta livre, e inocentado. — Como você pode dizer isso? Preciso saber se você se meteu em problemas por minha causa. — O importante é que você está livre, e pode continuar com sua vida. — Oh, Deus, você fez algo terrível, não fez? — Ele segurou os ombros dela, a agitação fazendo seu delgado corpo tremer. — O que quer tenha feito, desfaça. Voltarei para a prisão, e cumprirei o resto de minha sentença. — Não se preocupe Todd. Vou cuidar de tudo. Mas a mentira devia estar evidente no rosto dela. As lágrimas de Todd fluíram por suas faces trêmulas. — Por favor, Talia, desfaça o que fez. Não vale a pena. — Claro que vale. Você é meu irmão, meu gêmeo. E o mais importante: você é inocente. — Mas eu não sou. Talia achara que tinha esgotado seu estoque de perplexidade, que tudo o que restava dentro de si era um oceano de pesar e agonia. Ela encarou Todd, a negação ainda tentando repelir a verdade. As próximas palavras de Todd terminaram a luta. — E-eu cometi todos os crimes pelos quais fui sentenciado. Descobri as contas que eu invadi quando Ghada me pediu para consertar seu computador. Ela era uma boa amiga, e eu inventei tudo aquilo sobre nós para que você tivesse uma história na qual acreditar e simpatizar. Eu desviei milhões, e vendi dezenas de segredos vitais. Fiz muito mais do que as coisas que eles descobriram. Mas eu não podia admitir isso a você. Em parte por vergonha, em parte pela necessidade de tê-la ao meu lado me ajudando a sair deste pesadelo. Eu temia que se você soubesse que eu merecia pagar por tudo o que fiz; seu senso de honra a impediria de tentar. Mas eu não me importo mais. Vou voltar para a prisão, para que não pague mais pela liberdade que eu não mereço. Só espero que um dia você possa me perdoar. Talia apenas o encarou. Aquilo era muito para ela suportar. Era tudo uma mentira. Os dois homens que ela amara mais do que a própria vida usaram e exploraram seu amor incondicional por eles. Ela se soltou das mãos suplicantes de Todd. Ele chorou enquanto Talia cambaleou para longe. Antes de chegar ao seu quarto para se esconder do mundo para sempre, ela voltou-se para ele, entorpecida: — Só não se meta mais em problemas. Não há mais nada em mim para que eu possa ajudá-lo. E o que eu paguei está para sempre perdido. O coração, a alma, a fé, a vontade de amar. Tudo se fora. Parecia que ela era mais complacente do que pensava. Ao amanhecer, Talia já estava de pé, crepitando com uma necessidade irrefreável de confrontar Harres. Ela pensou que preferiria morrer a fazer isso. Mas seus sonhos foram repletos de reproduções fiéis de quando estavam juntos. A contradição entre o que ela vivera e as palavras que ouvira eram impressionantes; ela sabia que 83
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algo estava errado. Não estivera em condições de perceber isso no dia anterior, tão exausta, tão chocada, tão cheia de notícias ruins, tão inseguras, tão qualquer coisa quando sua mente não estava funcionando muito bem. Agora Talia era ela mesma novamente. Mais ou menos. E ela iria resolver tudo isso, iria fazer a pergunta que não pudera fazer antes. Por que ele dissera aquelas coisas? Ela acreditava que Harres tinha uma explicação perfeita, e que ainda era o homem que ela amava, a memória de quem enriqueceria sua vida mesmo se ela jamais o visse novamente. Era muito melhor do que acreditar que ele não tinha nenhuma razão além da mais óbvia, e era o monstro que ela não conseguiria viver acreditando que ele era. Então Talia ligou para ele. Por seis horas seguidas. O telefone dele estava desligado. Enlouquecendo de frustração, ela voltou ao trabalho. Outras pessoas poderiam se beneficiar de toda essa energia. Ela estava indo automaticamente para a sala dos médicos quando, ao se aproximar, sentiu... Algo. Talia balançou a cabeça. Pare de sonhar, TJ. O que "aquilo" estaria fazendo aqui? Ela endireitou os ombros, aprontando-se para enfrentar a tempestade de perguntas sobre sua ausência de um mês. A... Premonição se intensificava a cada passo. A atração tornou-se irresistível. Ela sabia que se sentiria a pessoa mais estúpida da galáxia quando visse que tudo era coisa da sua cabeça, mas não se importava. Ela correu. Talia irrompeu na sala. E ali estava ele. Harres. Ela não imaginara nada. Ela o sentira. O que significava que seu instinto era infalível. O que significava que ela poderia finalmente ter de volta o homem que amava. Ele sempre parecera incrível. Mas ali, cercado por coisas mundanas e pessoas do dia a dia, parecia inequivocamente divino. A potência do orgulho ancestral e do poder que emanavam dele á permeava. Harres esperou que ela entrasse e tivesse consciência dele ali antes de levantar-se lentamente. Ela imaginou-se correndo, jogando-o contra a mesa e perdendo a cabeça. Uma mente que transbordava de imagens e sensações, de vontade de arrancar suas roupas enquanto as mãos mágicas dele arrancavam as dela, antes de erguê-la e colocá-la sobre si, e então... Talia foi seduzida pelo poder da fantasia. Parecia que ele a transmitia diretamente para seu cérebro. Mas eram os olhos dele que a paralisavam. Os de um tigre. Crepitando com uma abrasadora... Raiva? Dor? Ambas? Uma coisa era inconfundível. Um lancinante desafio. Harres se endireitou, inclinando a cabeça na direção dela. — Você me ligou? — Viu minhas ligações perdidas, então? — Talia virou-se para os colegas, que observavam ela e Harres como se eles fossem sua novela favorita. Ela não se surpreenderia se alguém buscasse pipoca. Então, crispou os lábios pelo interesse audacioso deles, e lançou seu sarcasmo: 84
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— Eu acumulei cerca de duzentas. Deve ser porque o príncipe Harres achou que uma visita transatlântica era a única maneira de ver o que estava acontecendo. Percebendo a deixa e mostrando-lhe que era à prova de humilhação, ele caminhou até ela indolentemente. Quando estava a um braço de distância, ele atacou como uma cobra, agarrando-a, seu olhar capturando o dela furiosamente. — Então, doutora TJ Burke... Você está se parabenizando porque eu, que sempre farejei o mais sutil traço de fraude, engoli suas mentiras e ainda assim voltei querendo mais? Talia permaneceu impassível, com o coração cheio de esperanças. — Eu nunca menti. Na verdade, como você disse uma vez, eu não consigo mentir. Pergunte para qualquer um aqui. — Grunhidos de corroboração ecoaram da cada um que já sofrerá por sua inabilidade de esconder seus verdadeiros sentimentos. De repente, a dor que ela sentira na noite anterior revolveu-se dentro dela. E Talia o beliscou, no lado sensível de ambos os braços. Com força. — Mas você mente naturalmente. Ele cerrou o cenho, surpreso pela inesperada reação dela. — Eu nunca menti para você. E, se você nunca mentiu para mim, por que você disse tudo aquilo? Você realmente achou que precisava me seduzir para que eu ajudasse Todd? Se, pensou você não havia percebido que eu ajudaria o próprio diabo para fazê-la feliz? Que você não precisava dizer que sentia algo por mim, porque já é o suficiente para mim sentir tudo o que eu sinto por você? As palavras dele atravessaram o corpo dela em ondas cicatrizantes, varrendo toda a dor e as dúvidas. Então Talia se lembrou da confissão de Todd, e seu coração contraiu-se. Harres provavelmente fizera um monte de coisas ilegais para libertá-lo. Tudo por ela. — Eu estava morrendo de tristeza e perplexidade. — Por quê? — Ele tinha o olhar de um homem que assistia à sanidade esvair-se diante de si. Ela o beliscou novamente com mais força, fazendo-o gemer, uma mistura de dor e excitação. — Porque eu ouvi você dizendo que não se importava se eu morresse ou vivesse. Então, você estava mentindo para alguém. Foi por isso que eu liguei. Para perguntar para quem você estava mentindo, e por quê. — Ela se afastou dos braços dele, colocando os punhos na cintura. — E então? Harres sentiu a montanha que o esmagava desde a noite anterior sair de cima de si. Isso explicava tudo. Ela o ouvira. — Ya Ullah. É um milagre você não ter me matado primeiro e perguntado depois. — Ele riu, descarregando sua confusão e agonia. — O motivo pelo qual eu disse aquelas coisas, que me deixaram tão doente que mal consegui comer desde então, foi que eu recebi um telefonema de alguém dizendo que sabia sua identidade, o que você significa para mim e que, se você não se afastasse, eles a machucariam. Tive de dizer que você não significa nada para num, para salvá-la. Depois disso, tive de continuar sendo frio com você, já que eu sei que temos traidores dentro do palácio e seu quarto provavelmente estava grampeado. Eu havia explicado as coisas para você no instante em que estávamos a salvo, mas você me atingiu com aquela deliciosa surpresa sobre nunca ter sentido nada por mim. Eu não pude acreditar, mas você parecia tão distante, tão diferente, até que eu comecei a enlouquecer pensando que fosse verdade. Eu não teria 85
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deixado você partir se Amjad não tivesse me chamado naquele instante. Mandei dezenas de homens para protegê-la. — Então isso explica aqueles espécimes de terno que surgiram ao redor da minha casa. Só mesmo no estado em que me encontrava para não perceber que eles eram agentes do serviço secreto... — Um sorriso, tímido e adorável, tremeu em seus lábios. Ele quis devorá-los, acalmando a agitação restante. — Não posso descrever o quanto eu me arrependo por... Todd. Eu deveria ter suspeitado de algo, mas acho que sou muito estúpida quando o assunto é ele. — Eu não me arrependo de nada. Na verdade, devo ao seu irmão mal comportado algo que jamais poderei pagar. Sua crença na inocência dele á trouxe até Zohayd e a mim. Amjad e Shaheen tiveram o maior trabalho, mas eu paguei pessoalmente a todos que ele fraudou e isso parece um preço minúsculo para ter você. Então ela estava nos braços dele, afundando-se em seu peito e em seu ser. Ele preencheu seus braços com todos os motivos para viver e ser feliz. Quando pensou que a havia perdido para sempre... Harres estremeceu. Ele não conseguia sequer pensar naquelas horas angustiantes. E precisava contar algo mais. — Não estou aqui porque você me chamou ya talyeti. Eu estava a caminho daqui, por isso eu não atendi suas ligações. Mas estou estático por você não ter desistido de mim, mesmo depois dos horrores que eu fui forçado a proferir. — Como eu poderia, lembrando-me de tudo o que compartilhamos? — Ela lhe contou sobre o próprio telefone, e ambos perceberam ao mesmo tempo. — Meu informante tramou tudo isso. Ameaçar minha segurança, forçar você a dizer aquelas coisas e me forçar a ouvi-las. — Mas foi aí que ele se enganou. — Ele a abraçou, sentindo o coração se acelerar com a bênção da crença dela, tão profunda que passara naquele teste brutal. E ele não tinha dúvidas de que ela aguentaria uma vida inteira de provações. — Ele não contava que sua ética a impediria de fazer seu serviçinho sujo, e que você me amasse tanto que me daria á chance de me explicar. A adoração nos olhos dela o envolveu, fazendo-o sentir-se invencível. — E ele não contava com fato de você ser incapaz de acreditar que eu iria usá-lo desta forma, que você viria atrás de mim e que nós deixaríamos para trás as dúvidas e aflições, e que ficaríamos juntos. De repente, Harres a girou no ar. A risada dela ecoava o esmagador alívio e a alegria dele. Ele então a pôs no chão, tomando-lhe o rosto entre as mãos. — Não há mais obstáculos em nosso caminho. — Ele se ajoelhou. — Eu não tenho nada para lhe oferecer enquanto faço esta oferta, a não ser tudo o que eu sou. Você me aceita, ya lalyeti, ya ghalyeti, ya noor donyetil Você aceita casarse comigo, e me tornar completo? Talia teria caído se Harres não tivesse pegado seu corpo pela cintura. Talia encarou-o conforme ele se ajoelhava diante de si, uma alegria avassaladora empolando sua língua: — V-você n-não está prometido a algum ca-casamento de estado? Ele sorriu para ela, aquele sorriso aniquilador que vaporizava suas funções mentais. — Não. Estou livre para me casar com a mulher que meu coração escolher. E meu coração, e tudo em mim, escolhe você. — Considerando que sou sua para sempre, também, é sábio da sua parte fazer uso deste fato. De algum lugar distante, ela ouviu o som de palmas. 86
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Seus colegas infernais. Eles ainda estavam ali? Bem, médicos no plantão de emergência não possuem uma vida privada. Ela vira a maioria dos momentos reveladores e embaraçosos deles. Eles testemunharam muitos dos dela, também. Então, que eles compartilhassem do momento mais incrível de Talia. Enquanto ela se perdia no beijo de Harres que selara seus destinos, um dos médicos disse: — Há um armário da zeladoria bem grande virando o corredor, cara. Ambos viraram para ele e disseram simultaneamente: — Oh, cale a boca. Então, trocando um olhar conspiratório com Harres, ela segurou sua mão e o levou para fora da sala. Uma colega de Talia perguntou: — E se o chefe descobrir que você se registrou hoje, mas não encontrá-la em lugar nenhum? — Diga que eu precisei atender a uma vítima de tiro — ela respondeu. — Sim — Harres completou. — Alguém tão impressionado com as habilidades médicas dela que irá doar quantos milhões ela achar necessário para este departamento, em gratidão. Eles deixaram a sala sob uma explosão de contentamento. Assim que encontraram o tal armário, ele a puxou para dentro e a pôs contra a parede. — E o que esta virago dourada a quem devo o despertar de meu coração, o resgate de minha vida e de minha fé deseja agora? Talia o puxou para si, implorando por seu beijo. — Apenas seu amor. Apenas você. — Você já o tem, e a mim, sempre. Para sempre.
Fim
BEBÊ DE UM BILHÃO DE DÓLARES KATHERINE GARBERA — Como você está Cassidy? — perguntou ele. — Bem. Eu não tive nenhuma complicação na gravidez. — Ela estava com 28 anos, e em grande forma, graças a uma vida inteira de exercícios físicos e alimentação correta. O bebê era saudável, algo que Cassidy às vezes fantasiava que se devia ao fato de que ela e Donovan tinham estado muito, apaixonados no momento da concepção. Mas sabia que isso era apenas sua imaginação. — Fico feliz. 87
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— Verdade? — perguntou ela, arriscando um tom sarcástico, mas soando um pouco contente por ele estar preocupado com sua saúde. — Sim. — Ele recostou-se na cadeira. — Por que você não me contou sobre o bebê? Estou assumindo que o bebê é meu. Ele parecia saber que ela não estava interessada em nenhum outro homem. Cassidy não escondera seus sentimentos quando eles estavam juntos. — Sim, é seu. Eu não lhe contei porque não me pareceu o tipo de informação na qual você estivesse interessado. — O que você quer dizer com isso? — Apenas que você não dá muita atenção a qualquer coisa que não envolva Manufatura Tolley-Patterson, ou algum de seus interesses profissionais. — Eu dei atenção para você — disse ele. — Quando não havia uma crise em uma de suas companhias, claro, você me deu atenção. Mas ela sempre tivera ciência de que a posição dele como vice-presidente de Tolley-Patterson, a companhia da família, era a coisa mais importante na vida de Donovan. Ele também era consumido por seus outros interesses profissionais e por aumentar seu número de ações. Possuía uma companhia de artigos para esportes em sociedade com seu antigo companheiro de quarto da faculdade, e tinha ações num resort na ilha de Tobago, com um amigo da época do colégio interno. Por um tempo, o constante foco de Donovan aos negócios não importara. Mas durante os últimos meses, enquanto eles estavam separados, Cassidy percebera que havia se vendido barato no relacionamento deles. Donovan sempre fora obcecado em provar que seu interesse ia muito além do dinheiro, e ela não estava interessada em competir pela atenção dele novamente. Superar seus sentimentos por ele tinha sido difícil. A coisa mais difícil pela qual já passara. No começo, achou que não ia conseguir se recuperar e, quando recebera confirmação de que estava grávida do filho dele, decidira que o bebê era a razão pela qual o destino a colocara na vida de Donovan. Seu filho receberia todo o amor que ele nunca realmente quisera dela. Mas agora Donovan estava de volta, e Cassidy sentia aquele friozinho na barriga, que lhe dava esperança de que ele poderia ter mudado para sempre. Uma possibilidade que a assustava mais do que enfrentar o filho sozinha. — O que este comentário significa? Eu nunca ignorei você quando nós estávamos juntos. Donovan estava tentando processar o fato de que Cassidy ia ter o seu bebê. Não podia acreditar em sua boa sorte por ela estar grávida. Tinha ido lá hoje para pedi-la em casamento novamente, para convencê-la que havia mudado de ideia sobre família e precisava fazer isso sem revelar as circunstâncias que o levara à porta dela hoje. Donovan esquecera como Cassidy era linda. A pele dela era como porcelana, lisa e clara, e os cabelos eram ricos e grossos. Ele sabia, por experiência, como eram sedosos contra sua pele. Os lábios eram carnudos, e embora ela estivesse sem batom, eles possuíam uma coloração rosada perfeita... Do mesmo tom de seus mamilos. Deus, ele queria esquecer essa conversa, envolvê-la nos braços e beijá-la. Como sentira saudade daquela boca...
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