Legado de Silêncio A Legacy Of Secrets
Carol Marinelli
Como assistente de um chefe temperamental, Ella deve estar preparada para qualquer eventualidade. Por isso, anda sempre com a “Bolsa Santo” … Não se trata de uma elegante peça de grife, e sim da sacola onde guarda todos os objetos que o diabólico produtor de cinema Santo Corretti possa precisar desesperadamente. Mas o coração de Ella não está dentro da “Bolsa Santo”. Será que ele conseguirá convencê-la a entregar seu bem mais precioso?
Digitalização: Simone R. Revisão: Mary
PaixĂŁo Sagas 14.1 - Legado de SilĂŞncio - Carol Marinelli
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli
Tradução Ligia Chabú HARLEQUIN 2014 PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: A LEGACY OF SECRETS Copyright © 2013 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 2013 por MB Sicilian Scandals 2013 Título original: AN INVITATION TO SIN Copyright © 2013 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 2013 por MB Sicilian Scandals 2013 Projeto gráfico de capa: Nucleo i designers associados Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração eletrônica: EDITORIARTE Impressão: RR DONNELLEY www.rrdonnelley.com.br Distribuição para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: FC Comercial Distribuidora S.A. Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli
OS CORRETTI DA SICÍLIA Quanto mais poderosa a família, maiores os segredos escondidos! O IMPÉRIO Jovens, ricos e belos, os Corretti são presença constante nos principais veículos sensacionalistas da Sicília! O ESCÂNDALO Entretanto, por quanto tempo a reputação dos Corretti resistirá aos holofotes da fama quando segredos de família se tornarem públicos? O LEGADO Quase destruídos pela sede de poder no passado, a nova geração dos Corretti está de volta e no topo! Nenhum desgraça poderá derrubá-los!
PAIXÃO SAGAS 014 — LEGADO DE SILÊNCIO — Carol Marinelli PAIXÃO SAGAS 014 — CONVITE AO PECADO — Sarah Morgan PAIXÃO SAGAS 015 — SOMBRA DE CULPA — Abby Green PAIXÃO SAGAS 015 — HERANÇA DE DESONRA — Kate Hewitt PAIXÃO SAGAS 016 — SUSSURROS DE TRAGÉDIA — Sharon Kendrick PAIXÃO SAGAS 016 — FRÁGIL FACHADA — Lynn Raye Harris PAIXÃO SAGAS 017 — NOTÍCIAS ESCANDALOSAS — Caitlin Crews PAIXÃO SAGAS 017 — FOME PELO PROIBIDO — Maisey Yates
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PRÓLOGO
— Por favor. Ella nem imaginava quantas vezes ouvira essa frase lhe ser dirigida no passado, mas sabia que jamais esqueceria essa vez, em particular. — Por favor, Ella, não vá. Ella, com passagem e passaporte na mão no terminal de embarque do Aeroporto Internacional de Sydney, ao fitar os olhos suplicantes de sua mãe, que eram da mesma cor de âmbar dos seus, quase cedeu. Como poderia deixá-la para lidar sozinha com seu pai? Todavia, considerando tudo o que acontecera, como poderia ficar? — Você tem uma linda casa... — Não! — Ella não seria persuadida. — Tenho um apartamento, e o comprei na esperança de que você fosse morar comigo. Pensei que finalmente tivesse decidido deixá-lo, mas você não vai fazer isso. — Eu não posso. — Pode — Ella foi firme. — Fiz todo o possível para ajudá-la a partir, entretanto, você ainda se recusa. — Ele é meu marido. — E eu sou sua filha. — Os olhos de Ella brilharam com raiva reprimida. — Ele me bateu, mamãe! — Porque você o aborrece. Porque tenta me fazer abandoná-lo. Gabriella, sua mãe, embora casada com um australiano e vivendo na Austrália por mais de 30 anos, tinha um inglês ainda muito ruim Ella sabia que deveria ficar ali e argumentar mais, contudo não havia tempo para isso. Assim, falou as palavras que pretendera dizer, e deu a sua mãe uma última chance de partir: — Venha comigo. — E Ella entregou à mãe a passagem que comprara secretamente. — Como? — Eu trouxe seu passaporte. — Ella tirou-o da bolsa e entregou para Gabriella, mostrando quão seriamente pensara naquilo. — Você pode ir embora agora, mamãe. Pode voltar à Sicília e ficar com suas irmãs. Pode ter uma vida... — acrescentou, vendo-a lutar com a decisão. A mãe sentia tanta falta de seu país, falava das irmãs o tempo inteiro, e se tivesse a coragem de ir embora, então Ella a ajudaria de todas as maneiras possíveis. — Não posso. Durante o check-in, bem como no caminho para o portão de embarque, Ella ainda 5
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli tentou persuadi-la a partir, mas Gabriella acabou por decidir que o assunto estava encerrado. — Faça uma boa viagem, filha. — Não estou saindo de férias, mamãe. — Ella queria que sua mãe percebesse como aquilo era sério, que não voltaria dentro de algumas semanas. — Estou indo para procurar trabalho. — Mas você disse que visitaria a Sicília. — Talvez. — Ella honestamente não sabia. — Tive a esperança de ir lá com você. Acho que ficarei em Roma. — Bem, se você for à Sicília, envie meu amor para suas tias. Diga-lhes que... — Gabriella parou. — Não conte a elas, você quer dizer? Ella olhou para a mãe, que enfrentaria problemas somente por ter ido ao aeroporto. Não podia acreditar que Gabriella esperava que dissesse às suas tias que a vida da irmã era fantástica na Austrália, que mantivesse a farsa. — Está me pedindo para mentir, mãe? — Por que você faz isso comigo? — perguntou Gabriella, como fazia toda vez que Ella se revoltava ou questionava coisas. Ella devia ser mais siciliana do que imaginava, porque ficou tentada a usar a mesma frase familiar de sua mãe. Por que você faz isso comigo? Por que ficou parada e gritando enquanto via sua filha apanhar? Por que não teve coragem de levantar-se e partir? É claro que não disse isso. Não compartilhava seus sentimentos com ninguém, nem mesmo com a mãe, desde aquele dia. — Eu tenho de ir, mamãe. — Ella olhou para o painel de voos, realmente precisava ir... mas no último momento, sua voz tremeu: — Mamãe, por favor... — Ella, vá. Gabriella chorou ao se despedir, mas não Ella... não chorava desde aquele dia terrível, dois meses atrás. Em vez disso, abraçou a mãe e se foi. E, quando se sentou no avião, com um lugar vazio ao seu lado, experimentou a culpa por tê-la deixado para trás. Mas, no fundo, entendia que não havia mais nada que pudesse fazer. Estava com 27 anos, e passara boa parte de sua vida tentando afastar sua mãe de seu pai. Até mesmo seu emprego fora escolhido com dinheiro em mente, em vez de paixão. Ella trabalhara como assistente júnior para dois diretores-executivos, então subira de cargo, enfim tornando-se assistente particular de um político. Havia passado os últimos dois anos em Canberra, temendo o que encontraria em sua casa, em Sydney. Incapaz de viver assim, trocara um emprego muito bom por um nem tanto, e comprara uma casa perto de seus pais. Agora, depois de todos aqueles anos tentando ajudar a mãe, sabia que precisava ir embora. Tinha referências em sua bolsa, e falava italiano. Era hora de ter uma vida. A sua vida. 6
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Jamais ocorrera a Ella que pudesse precisar de algum tempo de folga para se curar de tudo o que sofrera... Em vez disso, seu foco era encontrar um emprego. Entretanto, tudo era muito mais intimidador do que imaginara. Era janeiro, e ela deixara o verão quente da Austrália por um inverno frio na Itália. Enfrentando as ruas da cidade mais movimentada em que já estivera, visitou os pontos turísticos de Roma, foi ao Vaticano, e jogou uma moeda na Fontana di Trevi, como sua mãe lhe dissera para fazer. Mas para quê? pensou, uma vez que a mãe nunca voltaria. Ella pegou um trem para Ostia Antica, visitou as ruínas e passou frio enquanto andava ao longo da praia, perguntando-se quando a cura começaria, quando a revelação de que tinha feito a coisa certa ao partir aconteceria. Não aconteceu. Então, em vez de ficar sentada esperando, Ella saiu para procurar emprego. — Você tem muita experiência para alguém de sua idade, mas... Era a mesma coisa em todos os lugares a que ia. Sim, seu currículo era impressionante, todavia, embora elas estivessem conversando em italiano, explicou Claudia durante a entrevista, como os outros tinham feito no dia anterior, Ella não era fluente o bastante para que a agência de empregos a enviasse para as vagas disponíveis nas empresas registradas lá. — Você entende melhor do que fala. — Claudia foi muito amável, então Ella não se ofendeu. — Há algum outro tipo de trabalho no qual estaria interessada? Ella estava prestes a dizer que não, mas, com nada a perder, foi honesta: — A indústria do cinema. — Nós não lidamos com atores. — Não, não... — Ella meneou a cabeça. — Eu tenho interesse em dirigir. Isso era tudo o que sempre quisera fazer, mas economizar dinheiro para dar à mãe a opção de se mudar fora sua prioridade. Naquela manhã, porém, sentada numa agência de empregos em Roma, percebeu que talvez pudesse se concentrar em si mesma. — Sinto muito — murmurou Claudia, e quando Ella ia agradecer-lhe, lembrou-se de algo. — Um momento. Nós temos um cliente, Corretti Media... eles estão na Sicília, em Palermo. Já ouviu falar deles? — Um pouco. — Ella era obcecada pela indústria do cinema. — Eles fizeram sucesso com alguns filmes recentemente. — Alessandro é o diretor-geral, e há Santo... que é produtor de filmes. — Já ouvi falar dele. — Ella preferiu não adicionar que não era por seu talento para produção que ele era famoso, e sim por seu comportamento escandaloso. Entretanto, Claudia pareceu contente em discuti-los. — Ele troca muito de assistente! Claudia fez uma careta, enquanto pegava um arquivo. — Sim, é Santo quem está procurando alguém. Você o acompanharia aos sets de filmagem Precisaria ter uma mente aberta, porque ele está sempre se metendo em encrencas, e tem a reputação de mulherengo. Ella não se importava com a reputação dele, apenas pensou em estar nos sets de 7
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli filmagem. Talvez pudesse obter alguma experiência... aquilo seria um começo. — Talvez ele seja menos exigente com seu italiano, se eu disser que você tem familiaridade com a indústria. — Meu italiano está melhorando. — E você precisaria aprimorar seu visual. Desta vez, Ella se ofendeu. Usava um conjunto cinza de saia e blazer muito caro, que tinha sido adequado para o Parlamento, queria informar, mas isso fazia três anos, e políticos não eram exatamente conhecidos por se sobressaírem na moda. — Santo Corretti espera uma aparência imaculada. Ella forçou um sorriso. — Então é isso o que ele terá. — Um momento. Ella permaneceu sentada enquanto Claudia fazia a ligação, tentando controlar a excitação crescente. Porque, pela primeira vez, queria mesmo um emprego, queria-o de um jeito como nunca quisera antes; embora tivesse se sentido corar quando Claudia a estudou e disse que sim, ela era bonita. Cabelo loiro cor de mel era um requisito para aquele emprego? perguntou-se ao ouvir sua aparência sendo descrita. No final, isso não importava. — Lamento. — Claudia balançou a cabeça. — Era a atual assistente dele, e, embora ela esteja ansiosa para deixar o cargo, disse que nem adianta você tentar. Ele é muito detalhista. — Bem, obrigada mesmo assim Saindo da agência de empregos, Ella parou para um café. Olhando pela janela, para uma manhã movimentada de Roma, disse a si mesma que era ridículo ficar desapontada sobre um emprego para o qual nem tinha sido entrevistada. E mesmo se fosse... Ella olhou para as mulheres na rua. Havia uma elegância natural nas italianas, e se Santo Corretti buscava uma aparência imaculada, então encontraria isso ali mesmo, na Itália. Ele teria dado uma única olhada no seu traje tedioso, e a resposta teria sido a mesma. De qualquer forma, perguntou a si mesma, ela realmente queria trabalhar na Sicília, revisitar o passado de sua mãe? Sim Seu coração disparou, porque ela não estava pronta. No entanto, quando saiu do café, em vez ir para a próxima agência de sua lista, pegou-se olhando lindas roupas nas vitrines, imaginando o que uma assistente de Santo Corretti usaria. E, momentos depois, estava fazendo a mesma pergunta à vendedora de uma loja. Bem, não falou o nome dele, apenas disse que tinha uma entrevista de emprego muito importante. E um pouco mais tarde, Ella saía de um salão de beleza, com o cabelo encaracolado preso de maneira elegante na altura da nuca, maquiagem e unhas feitas. No começo da tarde, fechou a conta no hotel e pegou um voo para a Sicília. Da janela do avião, olhou para a terra que vira em incontáveis fotos desbotadas, que lhe fora descrita repetidamente por sua mãe. Apesar da beleza das montanhas cobertas de neve, do mar azul brilhante e dos prédios competindo por espaço, Ella não tinha certeza de estar pronta para aquilo. Todavia, estava lá para trabalhar, lembrou a si mesma. 8
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Embora a atitude mais corajosa que já tomara fora deixar a Austrália, refletiu ao pegar sua bagagem na esteira e sair para o sol de inverno, estar lá parecia algo bastante corajoso também. Ou tolo. Ela logo descobriria. Pegou um táxi. — Corretti Media. Ella prendeu a respiração, temendo que o taxista pedisse um endereço, mas ele apenas assentiu, e ela tirou um espelho da bolsa, alisando o cabelo e retocando o batom Seu novo sorriso brilhante parecia estranho. Ninguém imaginaria o preço que ela pagara para conseguir aquilo... e não em dinheiro. Fechando o espelhinho, reprimiu seus pensamentos. Quando o táxi parou do lado de fora do edifício da Corretti Media, foi uma mulher muito determinada que pagou ao motorista, antes de entrar no prédio elegante e dizer à recepcionista que estava lá sobre uma vaga de assistente pessoal. — Um attimo, prego. — A recepcionista pegou o telefone, e, momentos depois, Ella saiu de um elevador e ficou perplexa pelo cumprimento que recebeu. — Buona fortuna! — Uma mulher excepcionalmente bonita e muito chorosa empurrou uma agenda de couro e um molho de chaves de carro para Ella enquanto lhe desejava boa sorte ao lidar com Santo, e então gritava, por sobre o ombro, um provérbio italiano que Ella ouvira algumas vezes de sua mãe: — “Se um homem me engana uma vez, a vergonha é dele. Se ele me engana duas, a vergonha é minha.” — Suponho que isso seja um não, então? Uma voz rica e profunda fez Ella virar-se, e, enquanto ele saía de seu escritório, ela pôde, por um segundo de atordoamento, entender a disposição da assistente em ter dado uma segunda chance àquele homem Mas sem dúvida não ia lhe dar a terceira, pois, com um soluço, a jovem correu para a porta, deixando Ella sozinha com ele. Olhos verdes encontraram os seus, e havia um sorriso impenitente numa boca linda, e, na face esquerda dele, uma marca vermelha de mão. — Você está aqui para uma entrevista? — perguntou ele em italiano, e quando Ella assentiu e apresentou-se, gesticulou para sua sala, e ela o seguiu para dentro. Ele não precisava de apresentação.
CAPÍTULO 1
Santo acordou num sobressalto, o coração disparado, e estendeu o braço para buscar conforto familiar, mas, em vez de estar na cama com uma amante ao seu lado, 9
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli dormia sozinho num sofá. O que aconteceu ontem à noite? Sua mente traiçoeira não lhe respondeu o que tinha acontecido... deu-lhe pequenas dicas. Havia uma garrafa vazia de uísque no chão, sobre a qual Santo pulou para chegar ao banheiro, e, quando olhou para baixo, viu que ainda usava o terno do casamento, mas estava sem gravata e com a camisa rasgada e desabotoada. Enfiou a mão no bolso do paletó, lembrando que Ella checara três vezes se as alianças estavam ali antes de ir embora, e antes que ele saísse para ser o padrinho do casamento de seu irmão. As alianças continuavam no seu bolso. Santo jogou água no rosto, que estava todo machucado, assim como seu peito. Olhou para o pescoço e fez uma careta, mas algumas mordidas de amor se mostraram a menor de suas preocupações quando os eventos da véspera começaram a voltar a sua mente. Alessandro! Santo pegou o telefone para chamar um táxi, mas quem atendeu foi a recepcionista da noite, que, talvez sem saber que não deveria fazer tais questões, perguntou para onde ele queria ir, e Santo de imediato desligou. Olhando pela janela, de seu ponto de vantagem luxuoso, podia ver a imprensa esperando. Algo raro para Santo: não se sentia em condições de enfrentá-los, ou de enfrentar seu irmão, sozinho. — Você pode vir me buscar? Apesar da hora, Ella atendera ao telefone, com olhos fechados. Depois de quatro meses trabalhando para Santo Corretti, estava mais que acostumada a ser chamada nos horários mais estranhos, embora ele soasse particularmente terrível, essa manhã. A voz profunda, com o forte sotaque italiano, ainda era linda, mesmo se um pouco rouca. Sim; lindo e terrível basicamente resumiam Santo. Abrindo os olhos, ela olhou para o criado-mudo. — São 6h — disse Ella. — De domingo. O que teria sido razão suficiente para terminar a chamada e voltar a dormir. Entretanto, a noite inteira, Ella esperara que ele ligasse; tanto que arrumara o cabelo de noite, e separara a roupa que usaria. Como o resto da Sicília, Ella assistira ao drama se desenrolar na televisão, na tarde anterior, e vira atualizações nos noticiários por toda a noite. Até mesmo sua mãe, na Austrália, assistindo ao jornal italiano, saberia que o casamento muito esperado do irmão de Santo, Alessandro Corretti, com Alessia Battaglia, fora cancelado no último minuto. Literalmente, no último minuto. A noiva fugira pelo meio do corredor da igreja, e o mundo esperava para ver como duas das famílias mais notórias da Sicília lidariam com o escândalo. Sim, Ella adivinhara que seus serviços provavelmente seriam requisitados antes de segunda-feira. — Ouça, hoje é meu dia de folga. — Ela tentou parecer firme. — Eu trabalhei ontem... — É claro, sendo apenas assistente de Santo, Ella não fora convidada para o casamento. Em vez disso, seu trabalho tinha sido garantir que Santo chegasse sóbrio, no 10
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli horário e com a aparência divina de sempre. A parte da aparência divina foi fácil... Santo seria um lindo padrinho. Os outros dois requisitos demandaram mais de suas habilidades com pessoas. — Preciso ir buscar Alessandro na delegacia — disse Santo. — Ele foi preso ontem à noite. Ella permaneceu em silêncio, recusando-se a pedir detalhes, embora estivesse curiosa sobre o que acontecera. Ela erguera um copo para a tela de tevê, quando vira Santo chegar à igreja com Alessandro, pensando que o conjunto genético devia ter sido efervescido com champanhe caro quando aqueles dois foram concebidos. Eles pareciam gêmeos, à primeira vista — ambos altos, com ombros largos, cabelo preto e olhos verdes, mas havia diferenças. Alessandro era o mais velho, e os dois anos que separavam os irmãos eram significantes. Como o primeiro filho do falecido Carlo Corretti, Alessandro era mais implacável, enquanto Santo possuía uma personalidade um pouco mais suave e divertida... mas ele podia ser muito arrogante, às vezes. — Venha me buscar agora — disse Santo, como se para provar seu ponto. Ella suspirou, dizendo a si mesma que, em poucas semanas, se conseguisse o emprego para o qual se candidatara, todos os escândalos e dramas dos Corretti seriam coisa do passado. Trabalhar para Santo não era nada como imaginara que seria. — A imprensa está por toda parte — avisou ele, obviamente para relembrá-la de se arrumar com elegância. Mesmo numa crise, Santo insistia nas aparências. — Chame um táxi, depois pegue meu carro e dirija-o para o pátio do hotel. Envie-me uma mensagem de texto quando estiver lá. — Eu detesto dirigir seu carro — começou Ella, mas não houve resposta, pois, após ter dado suas ordens, e assumido que ela as cumpriria, Santo devia ter desligado. — Cretino! Então, Ella ouviu a voz dele: — Você me ama. Ella estava muito irritada para se sentir embaraçada. — Eu amo dormir até mais tarde num domingo de manhã. — Durona... Desta vez, ele desligou. Em algumas semanas, você estará livre disto, Ella disse a si mesma enquanto ligava para um táxi e era informada de que o carro levaria entre 15 e 30 minutos para chegar, o que ela achou bom Tomou um banho e foi para o espelho, mas Santo podia esquecer se pensava que chegaria toda maquiada. Mudou de ideia, porém, porque, gostasse ou não, Santo era seu chefe, e Ella levava seu trabalho muito a sério. Então aplicou uma maquiagem mais leve que a usual e prendeu o cabelo num rabo de cavalo baixo. Vestiu uma saia cinza-chumbo e uma blusa cor de creme, e calçou sapatos de salto baixo. Uma coisa boa sobre trabalhar para Santo era ter dinheiro para comprar roupas. Na verdade, essa era a única coisa boa.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli E Ella nem mesmo se importava com roupas! Ouvindo a buzina do táxi do lado de fora de seu pequeno apartamento alugado, Ella pegou sua “Bolsa Santo”, como a chamava, certificando-se de que estar com as chaves reserva do carro dele, antes de sair. Estreitou os olhos diante do sol matinal e observou as cores vívidas da linda cidade de Palermo em maio. O oceano brilhava, e a cidade ainda parecia dormir. Sem dúvida, a Sicília inteira dormira tarde na véspera, acompanhando as atualizações nos noticiários. — Buongiorno. — Ella forneceu o endereço do hotel onde Santo estava hospedado para o motorista de táxi, e recostou-se no banco para ouvir as notícias no rádio. É claro que o assunto era o noivo Corretti rejeitado. E é claro que o motorista de táxi estava encantado com as notícias. — Ora! — disse ele. — Como se um casamento pudesse unir as famílias Corretti e Battaglia. — E continuou falando, muito alegre, sem saber que levava sua passageira para encontrar Santo. Ella escolheu não esclarecê-lo. Santo não lhe contava sobre o que acontecia em sua família. Na verdade, ele falava italiano num ritmo frenético quando o assunto era algum parente, a fim de se certificar de que ela não entenderia completamente. — Eles sempre brigaram? — perguntou Ella. — Sempre — afirmou o taxista, e em seguida adicionou que nem mesmo a morte de Salvatore Corretti, poucos anos atrás, levara paz entre as duas famílias. — Os Corretti fazem guerra até entre si. Disso Ella sabia, pois a todo instante tinha de lidar com os briguentos primos Corretti. A família era muito dividida, e um sempre estava tentando ser melhor que o outro, sob o disfarce do império familiar. E não só no trabalho, mas cada um deles queria ter os melhores carros, as melhores mulheres, os melhores cavalos. Ella estava cansada daquilo. Farta dos segredos e jogos psicológicos que todos faziam. Todavia, teria aguentado por mais tempo, se Santo lhe desse um pequeno degrau na escada que ela queria escalar. Diversas vezes, ela lhe pedira para trabalhar num de seus filmes como sua diretora-assistente júnior. — Presto — dizia Santo, e então, como fazia com frequência quando lhe falava em italiano, irritantemente traduzia em seguida: — Em breve. Bem, em breve ela iria embora. Ella pediu que o taxista parasse, para que comprasse café, e voltou a entrar no carro. Quando eles se aproximaram do hotel, Ella disse ao motorista que queria ser deixada no estacionamento do subsolo. Santo estava certo... havia muita imprensa ao redor, e muitos seguranças, também Ella ficou contente em mostrar sua carteira de identidade, antes de pagar ao taxista e dizer ao manobrista preocupado que queria pegar o carro pessoalmente e apanhar seu chefe. Entrou no banco da frente e sentiu o cheiro familiar de Santo. Antes de ligar o motor, enviou-lhe uma mensagem de texto, informando-o de que estava a caminho de apanhá-lo. Saiu do estacionamento, tentando ignorar o flash das câmeras e a agitação dos paparazzi diante da nova atividade acontecendo. 12
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Apareça, Santo, pensou, enquanto esperava com o motor ligado, temendo que ele tivesse voltado a dormir depois que lhe telefonara. Mas então, ela o viu, ainda usando o terno da noite anterior, andando sem muita firmeza em direção ao veículo. Ella comprimiu os lábios ao ver o estado no qual ele se encontrava. A imprensa teria um dia cheio. O terno se achava rasgado e sujo, e havia arranhões e manchas roxas no rosto dele. A pele mortalmente pálida apenas enfatizava o fato de que Santo não se barbeara. — Buongiorno! — Ela o cumprimentou, assim que ele entrou no carro. — Bom dia, Ella. Aquela era uma pequena brincadeira que eles faziam desde sua entrevista. Ella, determinada a mostrar como seu italiano era maravilhoso, tentando provar que, apenas porque era australiana, não significava que não se achava apta ao emprego, apresentarase no seu melhor italiano. Santo respondera em inglês... impondo sua autoridade, e basicamente dizendo que seu inglês era melhor que o italiano dela, o que era, é claro, verdade. Todavia, como ficou provado, Ella falava italiano o suficiente para lidar com o emprego. Mas quando os dois estavam a sós, eles conversavam em inglês, exceto por essa brincadeira mútua. — Pensei que você nos quisesse com uma aparência elegante. Ele apenas franziu o cenho. — Você falou que havia imprensa por toda parte. — E há — replicou Santo. — Eu só a estava avisando. — Aqui está. — Ela lhe entregou o café. — Você precisa comprar um para Alessandro. — Já comprei. — Vamos, então. Eles saíram do pátio interno do hotel. — Por que você precisa ter marchas? — resmungou Ella, que sempre dirigia um automático, embora Santo não considerasse aquilo dirigir de verdade. Mas ele não respondeu, permanecendo estranhamente quieto, enquanto o carro saía para a luz brilhante do sol. Olhando-o, Ella enfiou a mão em sua Bolsa Santo e estendeu-lhe óculos escuros. Mas nem mesmo estes cobriam completamente a mancha roxa no olho dele. Quando a imprensa surgiu, Ella inclinou-se para a frente, ciente de que uma pisada mais funda no acelerador do carro de Santo poderia atropelar muitos deles. — Vá! — praguejou Santo quando eles se aglomeraram ao redor do automóvel, e então praguejou de novo quando Ella buzinou algumas vezes e, enfim, os dispersou. Seu humor não melhorou ao atravessarem a cidade. — Detesto dirigir neste país — murmurou Ella quando foi forçada a desviar de um carro e quase bateu em outro. Na Austrália eles dirigiam do lado esquerdo da estrada, e, vez ou outra, até conseguiam seguir as regras de trânsito. Todavia, não era o trânsito que perturbava Ella, nem fora o telefonema de seu chefe às 6h. O que a perturbava era o fato de que nenhuma briga que ele tivesse tido na 13
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli véspera explicava os vergões no pescoço de Santo. Meu Deus, pensou ela, até no meio de um escândalo familiar, Santo estava com uma mulher. Mas com quem? Não, Ella não ia pedir detalhes. Realmente não queria saber se ele saíra com Taylor Carmichael, a deslumbrante atriz americana que fazia o papel principal no último filme que Santo vinha produzindo. As filmagens haviam começado na segunda-feira, e Santo tornara sua missão pessoal manter Taylor longe de problemas. Ele insistira que Ella o acompanhasse no casamento do irmão, tanto para garantir que Taylor se comportaria como para obter alguma publicidade para o filme. Mas, com a reputação de ambos, não era difícil concluir o que acontecera. Estava mesmo na hora de uma mudança. Se ela não conseguisse o novo emprego, então talvez pudesse ir para Londres. Ou para a França. Ou quem sabe até para casa? Ele lhe pediu que parasse o carro, de modo que pudesse sacar algum dinheiro, para, se tudo ajudasse, apressar a saída de seu irmão da cadeia. Ella fechou os olhos e recostou a cabeça no apoio superior do banco. O pensamento de sua casa na Austrália não lhe trazia conforto, em absoluto. Dentro de alguns dias seria o aniversário de sua mãe, que esperaria um telefonema seu. Tomada por súbito pânico, abriu os olhos e respirou fundo, percebendo que não estava pronta para retornar ao seu lar. Observou Santo fazendo algumas tentativas no caixa eletrônico, e então, com um suspiro irritado, desceu do veículo e aproximou-se, digitando a senha dele. — O que eu faria sem você? — Não havia um tom carinhoso na pergunta. Ele virou a cabeça para olhá-la, e Ella enrubesceu, mas então disse a si mesma que não existia desafio naquelas palavras. Era improvável que Santo soubesse o que ela vinha planejando nos últimos dias. E quem em sua posição não estaria procurando outro emprego? Consolou-se. Cansara-se de livrá-lo de encrencas; e, agora, tinha de acordar muito cedo no seu único dia de folga para livrar o irmão dele de uma encrenca. Estava farta também de enviar flores e joias para as namoradas dele, reservar mesas íntimas em restaurantes fantásticos, organizar fins de semana românticos, e depois, ter de consolá-las quando Santo, inevitavelmente, as deixava tristes. — Como vai Taylor? — Ela não pôde evitar a pergunta, porque era imperativo para a publicidade do filme que Taylor tivesse se comportado na noite anterior. — Niente dichiarazione — respondeu Santo, sorrindo para os lábios comprimidos dela. — Eu estou praticando “sem comentários” para a imprensa hoje. Talvez você também deva praticar. Ele era tão bom em fugir das perguntas, não apenas sobre mulheres, mas sobre tudo. Sempre conseguindo desprezar coisas que deveriam importar, mas que não importavam para Santo. Quando eles pararam na delegacia, Ella ficou aliviada por não haver ninguém da imprensa esperando; pelo menos a notícia de que Alessandro estava lá não se espalhara. 14
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Como você acha que ele estará? — De ressaca. — Santo bocejou. — E muito melhor sem ela. Santo ia descer, e Ella, que assumira que ficaria sentada no carro por meia hora, ou pelo tempo que levasse para tirar Alessandro de lá, se surpreendeu quando Santo pediu que ela o acompanhasse. — Eu? — Talvez você possa amansar a polizia. — Acho isso realmente ofensivo, Santo. — Ah, mas você acha tantas coisas ofensivas, Ella — murmurou ele. Ella pegou o café de Alessandro e andou em direção à delegacia com Santo. Sabia do que se tratava aquela provocação... Ella era a primeira assistente pessoal que não dormira com ele. Deixara claro, para óbvia surpresa de Santo, que o relacionamento deles era estritamente profissional. Para crédito de Santo, ele não tentara nada, mas de vez em quando havia uma pequena provocação, uma referência sutil ao fato de ela ser resistente ao seu charme. Não completamente, é claro. Mulher alguma poderia ser. Ele era maravilhoso e muito sexy, porém totalmente incorrigível. Sim, uma noite com o chefe podia ser tentadora, às vezes, ainda mais quando ele sorria. Mas o pensamento da manhã seguinte era o bastante para assegurar que ela resistisse. Entraram na delegacia e, apesar de o lugar estar bastante movimentado, um Alessandro muito desalinhado não demorou a aparecer. Ele mostrava sua parcela de machucados também, com os nós dos dedos esfolados, e o terno tão imaculado do casamento, rasgado e coberto de pó. — Aqui. — Ella entregou-lhe o café, o qual estava, sem dúvida, frio agora. Mas Alessandro bebeu de um gole só, ao saírem da delegacia. Ele estreitou os olhos diante da manhã ensolarada demais, e Ella deu-lhe óculos escuros também... Sempre carregava itens reserva. Não era assistente pessoal de Santo por nada. — Obrigado. — Pondo os óculos, Alessandro olhou para o irmão, vendo os arranhões e as manchas roxas no rosto de Santo. — O que houve com seu rosto? Ella prendeu a respiração. Estava louca para saber, mas a resposta serviu apenas para surpreendê-la e confundi-la ainda mais. — Você aconteceu. — Foi a resposta irônica de Santo.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli
CAPÍTULO 2
— Você não lembra? — perguntou Santo, uma vez que eles estavam dentro do carro e Alessandro pediu que Ella o levasse para casa. — Estou tentando não lembrar. Eles falavam em italiano, mas Ella podia entender tudo o que diziam — Passei a noite inteira tentando contatá-lo, Alessandro. — Está óbvio que não foi a noite inteira — veio a resposta ríspida de Alessandro. — Quem você deixou marcar seu pescoço? Santo apenas riu, não oferecendo explicação. — Devo ter ligado para você umas 50 vezes. — E em 49 vezes, eu escolhi não atender. — Alessandro se calou. Ella não o culpava. Santo parecia não ter uma única preocupação no mundo. Tranquilamente, olhava suas mensagens de texto no celular, enquanto eles conversavam, ignorando os constantes toques que o alertavam para uma chamada. Ela dirigiu para a torre Corretti Media, onde Alessandro possuía uma cobertura luxuosa, mas os paparazzi ainda suplicavam por uma foto do noivo rejeitado. — Deite-se no banco de trás, se quiser — sugeriu Ella. — Eu lhe trouxe um casaco. Tentarei a entrada dos fundos do prédio. Mas Alessandro recusou a sugestão de deitar-se, pediu que ela o deixasse na frente do edifício e permaneceu sentado, a expressão séria, enquanto as câmeras batiam suas fotos e os repórteres gritavam suas perguntas. — Eu vou entrar com você — murmurou Santo. — Não preciso de apoio — retrucou Alessandro. Contudo, Santo o ignorou, e, quando ela parou o carro, os dois irmãos desceram. A imprensa reunida enlouqueceu. Os dois estavam, Ella sabia, mais que acostumados a lidar com os jornalistas. Havia sempre questões e escândalos no que dizia respeito àquela família. Todavia, embora houvesse questões que precisariam ser respondidas, entrevistas que teriam de ser dadas, era ainda muito cedo para Alessandro. Ella observou quando uma questão muito pessoal foi feita, e os ombros de Alessandro enrijeceram, as mãos se fechando em punhos. Talvez Santo tivesse percebido que o irmão estava prestes a perder o controle, porque, por uma vez, tomou uma decisão sensata e virou Alessandro para o veículo, novamente. Ella estendeu o braço para abrir a porta, e Santo empurrou seu irmão furioso para o banco traseiro do carro, antes de subir no assento da frente. — Vá — ordenou Santo. — Vire a esquina, e então eu dirigirei. — Ele se mostrava impaciente pela velocidade hesitante de Ella, e depois que ela virou a esquina, Santo a relembrou que parasse. — Tudo bem, mas se você vai dirigir, eu vou descer. Posso sentir o cheiro de 16
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli uísque daqui. Por uma vez, ele não ofereceu uma resposta ofensiva, apenas gesticulou para que continuasse dirigindo, e, virando o carro na primeira oportunidade, ela voltou para o centro da cidade. — Nós podemos ir para o hotel em que você está hospedado — sugeriu Ella para Santo. — Entraremos pela garagem no subsolo. — Não — disse Alessandro. — Eu não serei pego numa armadilha pela imprensa. Só quero me livrar deles. — Que tal irmos para minha casa? — Ella tentou pensar na melhor maneira de dar alguns dias de privacidade para Alessandro, embora não conseguisse imaginá-lo hospedado em sua humilde residência alugada. — É um lugar pequeno, mas bem escondido. Portanto, tenho certeza de que eles nunca pensariam em procurá-lo lá. Ella olhou pelo retrovisor, esperando uma resposta. Mas em vez de responder, Alessandro falou brevemente com o irmão, que argumentou por um momento. E Santo disse: — Leve-o para o porto em Cala Marina. — Santo indicou o caminho. — Alessandro quer ir para seu iate. Ella assentiu, dirigindo para o porto onde o iate de Alessandro estava ancorado. Porém, apesar de sua decisão de não pedir detalhes, não foi capaz de ficar em silêncio: — Você acha mesmo que esta é uma boa ideia? — Ella voltou o olhar preocupado para Santo. Não gostava da ideia de Alessandro sozinho num iate, considerando tudo o que acontecera. — Eu acabei de ser lembrado de que sou o irmão mais novo. — Santo puxou o colarinho desabotoado da camisa, como se estivesse muito apertado. — Ele insiste que o levemos lá, ou irá arranjar o próprio transporte. O que não lhes deixava escolha. Assim, eles percorreram o resto do trajeto em silêncio, até que se aproximaram do porto. Ella desejou que um dos irmãos começasse a falar, de modo que pudesse descobrir o que acontecera na noite anterior, mas talvez, por causa de sua presença, nenhum deles tocou em assuntos da família. — Dove Alessia? — Pela primeira vez, Alessandro iniciou a conversa perguntando onde a ex noiva estava, e Ella prendeu a respiração enquanto entrava no porto. Santo soltou um palavrão em vez de responder à pergunta, mas Alessandro era insistente: — Onde Alessia está? E Ella ainda prendia a respiração quando Santo respondeu, contando a verdade ao seu irmão: que parecia que Alessia e o primo deles, Matteo, tinham fugido juntos. O nome feio que Alessandro vociferou foi merecido, e, ao contrário de Santo, ele era gentil o bastante para se desculpar com Ella por sua linguagem de baixo calão, antes de sair do carro e andar em direção ao iate. Santo observou o irmão por um momento. Em seguida, saiu do carro, tentando, Ella presumiu, persuadir Alessandro a voltar com eles. Ela os viu discutir por alguns minutos, mas o elo entre os irmãos era claro. Não importava que Alessandro tivesse dado alguns socos em Santo na noite anterior. Aquilo 17
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli não mudava nada entre os dois. Não pela primeira vez, Ella imaginou como seria ter um irmão ou uma irmã... porque era tão difícil lidar com seus pais, sozinha. De qualquer forma, independentemente do que Santo tivesse dito ao irmão, aquilo não funcionara. Alessandro partiu, e Santo virou-se. Mas, em vez do sorriso irônico que costumava usar, o rosto estava sério e muito pálido quando ele voltou para o carro e entrou. Permaneceu sentado ali, vendo Alessandro subir a bordo de seu iate. — Acha que ele ficará bem? — Ella detestava ter de ir embora. — É claro — respondeu Santo. — Ele é forte. Alessandro precisaria ser forte... depois de ter sido abandonado no altar com as câmeras do mundo voltadas para ele, pensou Ella. — Santo, eu não sei se é certo deixá-lo. — Apenas dirija. Ele ficará bem. Ela não podia acreditar na falta de preocupação dele, mas aquele era Santo. Lidava com as situações que apareciam, depois, movia-se com facilidade para a próxima, nunca se afligindo com o caos que deixava para trás. Ella ligou para o hotel, pedindo que a suíte fosse arrumada, e um banho de banheira, preparado. Também pediu que eles enviassem café da manhã, com muito café. — Assumindo que sua companhia não irá se importar — murmurou Ella, dizendo a si mesma que não estava sondando por respostas. — Ela foi embora. — Só uma? — Fitou-o, pensando ter visto um pequeno sorriso, mas Santo olhava para fora da janela. A imprensa ainda esperava lá, mas Santo não se abaixou. Permaneceu imóvel, enquanto eles sacavam suas máquinas. Quando Ella ia entrar na garagem do subsolo, ele a deteve. — Eu vou descer na porta do hotel. — Na verdade, Santo removeu os óculos escuros e guardou-os no bolso, antes de descer, enviando um olhar de desprezo em direção às câmeras. Então entrou no hotel com a cabeça erguida. Ella jogou as chaves do automóvel para o manobrista e o seguiu. Quando eles entraram no elevador e as portas se fecharam, Santo encostou-se contra a parede e cerrou as pálpebras. Naquele momento, Ella não estava preocupada apenas com Alessandro: com Santo, também Ele parecia muito pálido. Assumindo que havia sido Alessandro quem batera nele na noite anterior, então fora um punho muito zangado que o golpeara. — Você está machucado em algum outro lugar? Ele não abriu os olhos, apenas meneou a cabeça. — Perdeu a consciência de tanto apanhar? — Ela quis saber. — Infelizmente, não. — Os olhos verdes se abriram, e, quando ele lhe sorriu, ela se pegou olhando para um Santo diferente. Era como se toda a arrogância o tivesse abandonado, e, pela primeira vez, estivesse vendo o homem que ele de fato era. E isso parecia tão hipnotizante que Ella não conseguia parar de encará-lo, mesmo quando as portas do elevador se abriram e por 18
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli um momento, os dois permaneceram parados ali. — O que houve? — Ela jurara não perguntar, mas não pôde resistir. — Por quê? — Eu... estou preocupada. — É claro que está. — O tom de voz dizia que ele a considerava mentirosa. Ella sentiu-se confusa, mas esse não era o momento de analisar aquilo. Em vez disso, eles andaram para a suíte. É claro, Santo não conseguiu achar seu cartão-chave, mas é claro que ela carregava um reserva. Quando entraram na suíte, foi escândalo, em vez de café da manhã, que encontraram Santo folheou os jornais, e Ella cedeu e pegou um. Talvez, consolou-se, fosse melhor que Alessandro estivesse num barco escapando de tudo aquilo, porque as fotos e os comentários eram brutais. — Oh! — exclamou Ella diante de uma fotografia em particular. Lá estava Taylor Carmichael, a mulher a quem Santo deveria estar policiando no dia anterior, a atriz que ele precisava que se comportasse, fazendo o que era esperado, apesar de ter prometido que mudaria. — Isto é alguma surpresa? — perguntou Santo. Não, na verdade, pensou Ella. O espanto ficou por conta do homem na imagem não ser Santo. Mas ele não se importava com nada? As filmagens começariam no dia seguinte, e havia muita expectativa sobre quem faria o papel feminino principal. O retorno de Taylor após uma revelação espetacular era arriscado, na melhor das hipóteses... um desastre para o filme, na pior das hipóteses. E parecia que aquilo caminhava para um completo desastre. Entretanto, problemas com o filme teriam de esperar até o dia seguinte. No momento, havia coisas mais urgentes para Ella resolver... como a ressaca do homem de 1,92m, que levara uma surra. — Vá tomar um banho de banheira. Santo. Eu irei providenciar o desjejum — Não quero comer — foi a resposta inevitável dele. — Só quero dormir. Obrigado por toda sua ajuda. — Você precisa se alimentar. — Mas Ella se calou. Afinal de contas, não era mãe dele. Não que a mãe de Santo tivesse se preocupado muito... as únicas preocupações de Carmela Corretti eram moda e salão de beleza. — Apenas tome um banho — pediu Ella. — Não me importo de você comer ou não. Mas eu estou morrendo de fome, portanto, vou pedir o café. — Claro. — Ele foi para o banheiro e, após alguns minutos, houve uma batida à porta. Ella abriu para que a criada arrumasse a mesa. — Obrigada. — Ella se serviu de um café e tentou não pensar em com quem Santo estivera na noite anterior. Aquilo não era da sua conta. Folheou o jornal, lendo alguns dos detalhes mais sórdidos que tinham saído. Os Corretti eram uma família complicada, e, por um momento, ela se perdeu nas fofocas. Porém, mais tarde, olhando para o relógio do criado-mudo, percebeu que Santo 19
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli estava no banheiro fazia séculos. Pensou que ele pudesse ter dormido na banheira, e tentou ignorar o nó de preocupação em seu estômago. Mas após alguns momentos, bateu. — O café da manhã está aqui. Silêncio. — Santo... — Ela tornou a bater na porta do banheiro. — Responda. Nada. — Santo! — Ella tentou disfarçar o tom de pânico da voz, imaginando ferimentos na cabeça, ressacas e que as manchetes de jornal poderiam ser muito piores no dia seguinte do que eram agora. Na verdade, estava apavorada. — Santo! -Bateu mais forte. — Se você não responder, eu vou entrar. Ainda nada. Ella tentou a maçaneta, mas é claro que estava trancada. Com o coração disparado de medo, correu para sua bolsa e achou uma moeda. Com dedos trêmulos, enfiou a moeda no compartimento e virou a fechadura. — Santo! — gritou ela, e quando ainda não houve resposta, soube que não tinha escolha a não ser entrar.
CAPÍTULO 3
— Santo... — Assim que abriu a porta, Ella se arrependeu. Havia certas coisas que não deveria ver, e soube imediatamente por que ele não atendera ao seu chamado. A nudez de Santo estava coberta em espuma, a cabeça descansando na borda da banheira. Os olhos estavam fechados fortemente, e os lábios, comprimidos. Pela primeira vez, Ella não pegava seu chefe fazendo algo inapropriado... com o que sempre podia lidar. O que não conseguiu lidar imediatamente foi com o fato de que Santo Corretti, um homem que sempre tinha uma resposta perspicaz para tudo, que parecia não se importar com nada, exceto filmes e sexo, estava deitado numa banheira, tentando, sem sucesso, não chorar. Santo nunca chorava. Não podia recordar-se de uma única vez em que chorara. Aquela era uma experiência inteiramente nova para ele.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Não chorou quando seu pai, Carlo, morreu junto com seu tio. Não houve uma lágrima na ocasião da morte de seu avô. Nem mesmo quando criança... era como se ele tivesse nascido sabendo que lágrimas nunca funcionariam com sua mãe, Carmela, e que qualquer sinal de fraqueza apenas enfureceria Carlo. Então, em vez disso, Santo contara com boa aparência, inteligência e charme. Ficara sem estas três coisas, hoje. — Saia... — Ele ergueu a mão, os ombros tremendo com o esforço de conter o choro. Ambos desejaram estar embaraçados por uma razão mais libidinosa. — Não posso. — E não, aquilo não estava na descrição de seu emprego, mas Ella não ia deixá-lo. Assim, sentou-se na beira da banheira e o estudou. Santo estava com a barba crescida, havia arranhões no peito largo, e ele parecia quebrado... não apenas fisicamente. Ela algumas vezes imaginara se aquele homem lindo possuía sentimentos, e agora, ao vê-lo tão arrasado, obteve sua resposta. Observou quando ele suspirou e perguntou-lhe: — Você acha mesmo que ele vai ficar bem? — É Alessandro! — replicou Ella com firmeza. — O que significa que sim... é claro que ele ficará bem Só precisa de algum tempo. Após um momento, Santo assentiu e abriu os olhos. Ella não queria que ele fosse tão lindo, mas ver esse lado dele apenas servia para confundi-la mais. — Eu acho mesmo que ele ficará bem. — O problema não é apenas Alessandro, Ella. São todos eles. Você devia ter ouvido as coisas que foram ditas ontem à noite — começou Santo, mas não continuou. — Você pode me contar. — Porque você se importa? — Havia um estranho tom magoado nas palavras, e Ella franziu o cenho, mas então, ele deu de ombros. — É assunto de família... eu não tenho direito de revelar. Ella escolheu não pressioná-lo. Sabia tudo sobre segredos familiares, sabia que existiam certas coisas sobre as quais você simplesmente não falava. Passara sua vida mantendo segredos, afinal de contas. Olhou ao redor do banheiro e perguntou-se como alguém podia fazer tanta bagunça em tão pouco tempo. As roupas de Santo estavam jogadas no chão, ainda corria água da torneira onde ele escovara os dentes, e não, ele não fechara o tubo de creme dental. — Que confusão — disse Santo, e ela adivinhou que ele não se referia ao banheiro. — Famílias costumam causar confusões. Encontrou os olhos dele, então. No geral, quando isso acontecia, Ella desviava o olhar, não suportando a ideia de que alguém examinasse sua alma. Mas viu tanta dor nos olhos verdes que, por um momento, pensou que poderia chorar, também, o que não fazia desde aquele dia terrível. E quase lhe contou que sabia a dor que as pessoas que mais o amavam eram capazes de causar, mas conteve-se, como sempre. Ele não perguntou. 21
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ela não contou. Era mais seguro assim. — Vamos — murmurou Ella, por fim Sabia que ele teria detestado ter sido visto naquele estado, sabia que nenhum deles deveria mencionar o ocorrido algum dia. Colocou a mão dentro da água e encontrou o tornozelo dele, mas ignorou o toque acidental e puxou a tampa do ralo. Depois levantou-se e fechou a torneira da pia. Mas quando ia sair do banheiro, notou que Santo permaneceu lá, a água desaparecendo rápido, e antes que ela visse muito de seu chefe, agarrou uma toalha. — Eu vou olhar para o outro lado. — Ella ergueu a toalha, tentando brincar, mas não havia espaço para brincadeiras essa manhã, nem para pudores. No final, Santo pegou-lhe a mão e saiu da banheira, enquanto Ella fazia o possível para não olhar. Ele enrolou a toalha ao redor dos quadris e andou para a suíte, indo direto para a cama. — Sinto muito sobre isso. — Oh, você sentirá... — começou Ella, então parou. Realmente não era hora para as provocações normais entre eles. — Vamos esquecer o ocorrido. Isto nunca aconteceu, Santo. — Obrigado. — Ele assentiu brevemente, antes de pedir: — Pode pegar meu celular? Santo sentou-se na beira da cama, enquanto Ella ia para a mesa, e ele pôde ouvila enchendo pratos e servindo bebidas. Realmente não sabia o que estava lhe acontecendo... era como se tudo o que reprimira e ignorara estivesse de repente se espalhando diante dele, e recusando-se a voltar para sua caixa. Os segredos de família revelados na noite anterior fizeram Santo se sentir fisicamente mal. Pela primeira vez, nem mesmo conseguira escapar através do sexo... Parara de beijá-la, sentira os lábios dela em seu pescoço e olhara para outra loira sem nome, sem condições emocionais de levá-la para a cama. Em vez disso, passara a noite com uma garrafa de uísque, tentando falar com Alessandro. Santo refletiu, procurando por uma área boa na sua vida, mas até o filme estava com problemas agora, graças ao comportamento de Taylor no dia anterior. Uma coisa boa. Ele olhou para cima, viu Ella entrando com uma bandeja, sua assistente muito profissional e distante. E, de súbito irritado, Santo entrou debaixo das cobertas e jogou a toalha no chão, num gesto mal-humorado, porque, à parte o drama de sua família, ele descobrira outra coisa na véspera. — Você vai deixar a empresa? Ella sentiu-se enrubescer, e não era porque ele estava nu sob os lençóis. Sentirase terrivelmente culpada por ter mentido sobre seu paradeiro diversas vezes, a fim de procurar emprego. E, para piorar tudo, Santo fora muito gentil sobre sua viagem a Roma, para, supostamente, consultar um médico. Ele pagara pelo seu voo, e até mesmo para que ela passasse a noite num hotel luxuoso. Ela entendia agora algumas das indiretas que Santo lhe dera essa manhã. Ela lhe 22
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli oferecera a chance de falar sobre sua família, quando Santo já soubera que planejava se demitir. Ella sentou-se na beira da cama, a bandeja do café da manhã no colo, e observoulhe o semblante zangado. — Eu ainda não tenho certeza. — A viagem para Roma não foi para ir ao médico. A indústria do cinema é um mundo fechado, Ella... As notícias voam — Nem sei se consegui o emprego. — Bem, parece que sim Luigi me ligou ontem para pedir referências — disse Santo. — Perdoe-me se eu não lhe dou os parabéns. E ela queria mais detalhes, porém, considerando a situação, seria injusto pedi-los. Também não ousaria nutrir esperanças, não até que Luigi a contratasse. Talvez ele só quisesse chamá-la para uma segunda entrevista, por enquanto. — Podemos falar sobre isto mais tarde? — Nós falaremos sobre isto agora. — Santo a encarou. — Eu entendo que você queira ser diretora... entendo que quer algum envolvimento nas filmagens... mas o diretor que contratei para este filme tem sua própria equipe. — Ele pausou, percebendo que não queria perdê-la. — Quando eu fizer o próximo filme, irei me certificar de contratar alguém que... — Eu queria participar deste filme, Santo. — Ella o olhou. — Adoro o roteiro, você sabe disso. — E você sabe como este filme é importante para mim, Ella, agora mais ainda. — Agora? — Não vou entrar em detalhes, além de dizer que não correrei riscos com este trabalho. — A menos que seja um risco chamado Taylor Carmichael — retrucou. — E olhe como esse risco compensou. Mas eu considerarei você no próximo filme. — Não é apenas isso. — Ella fechou os olhos. Quando se era assistente pessoal de Santo havia muitas coisas sobre as quais reclamar. — Não tenho um momento de folga. Você é mais que um emprego de período integral, Santo. — Hoje foi uma exceção. Eu não costumo lhe telefonar num domingo. — Santo, domingo começa à meia-noite do sábado, então, na verdade, você me liga sempre. Aquele era o trabalho dela, Santo consolou-se, mas sabia que exagerara nesse fim de semana. Embora nunca fosse admitir em voz alta, ficara nervoso com o casamento, com a ideia das duas famílias na mesma igreja, e na recepção, depois. Passar a manhã com Ella tinha sido, de alguma forma, tranquilizante. Hoje, para encarar seu irmão, ele a quisera ao seu lado. — Você se tornou indispensável. — Não. — Ella recusava-se a ceder. Santo tinha jeito com as palavras, e era bom em dizer a coisa certa quando queria conseguir algo. — Ninguém é indispensável.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Talvez — concordou ele, então pensou por um momento. — Nós nos damos bem — Não o tempo inteiro. — Pensei que nos déssemos... já rimos juntos muitas vezes. Ela estudou o homem que a fazia rir com tanta facilidade, e que não tinha ideia de que façanha era esta, nenhuma ideia de como sua alma estava ferida quando ela o conheceu. O sorriso que usara na entrevista fora falso em tantos níveis... É claro que ela não podia compartilhar aquilo com ninguém, então olhou para baixo, pegou u m croissant do prato, cortou um pedaço e colocou-o na boca, ciente de que ele a observava de perto. — Eu pensei que você fosse me alimentar. Ela ficou contente em ver um pouco do humor de Santo retornando. — Sem chance. — Ella deu-lhe um sorriso fraco, enquanto ele checava o celular. — Alguma mensagem? — Nada. — A expressão dele era preocupada. — Eu não sabia que você e Alessandro eram tão próximos. — Nós somos irmãos — disse Santo, como se aquilo explicasse tudo. — Você tem irmãos ou irmãs? — Não... sou filha única. Ele notou a leve tensão na voz dela e comentou: — Você quase nunca fala de sua família. — Porque nós dificilmente conversamos. — Por quê? — questionou Santo, mas Ella meneou a cabeça. Não ia se deixar envolver por aquela conversa. Era hora de ir embora, então, depois que ele comeu um croissant e tomou café, Ella se levantou e levou a bandeja para a mesa. — Há mais alguma coisa que eu possa fazer por você? — Você sabe que sim. Sem dúvida, o humor dele estava de volta! — Durma um pouco. — Ella desligou o telefone do hotel sobre o criado-mudo. Em seguida, fechou as cortinas, mais do que um pouco ciente de que Santo a observava. Estava sempre muito ciente dele, o tempo inteiro. Quando olhou para baixo, viu a imprensa do lado de fora do hotel, ainda pairando ali, e soube que eles não iriam embora tão cedo. — Certo. — Ela tornou a se aproximar da cama. — Eu o deixarei dormir até as 14h. — Você vai ficar? — Eu vou fazer algum trabalho na saleta de estar. — Entre de vez em quando e cheque minha pulsação. — Nada disso. Mas eu atenderei aos seus telefonemas. Há alguma declaração que quer que eu dê à imprensa?
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Eu lidarei com tudo isso. Quando Ella foi pegar o celular dele do criado mundo, Santo a deteve, cobrindo-lhe a mão com a sua. — Não. — Eu cuido dos telefonemas, Santo. É para isso que você me paga. Se for Alessandro, eu lhe trarei o telefone. Estava muito ciente da mão quente cobrindo a sua, e tornou-se ainda mais quando a mão permaneceu. Deveria ter recolhido a sua e saído do quarto, como teria feito em qualquer outro dia, mas não resistiu quando ele a puxou e sentou-a de volta na cama. Com as cortinas fechadas agora, o ambiente estava mais escuro, e íntimo demais para seu coração disparado. — Você precisa partir? — Santo, por favor... eu tenho de pensar na minha carreira. Nós não podemos... — Eu quis dizer, você precisa sair do quarto? — Você não quis dizer isso. — Geralmente, ela rejeitava qualquer flerte com facilidade. Era um pouco mais difícil fazer isso esta manhã, e não apenas porque eles estavam numa cama, num quarto muito escuro, mas porque ela sentia que hoje vislumbrara o Santo verdadeiro, aquele por trás da fachada muito cara, porém superficial. — Eu sentirei a sua falta. — Por pouco tempo. — Ella sorriu. — Poderia haver vantagens, todavia... — Enquanto ele falava, o coração de Ella bombeava freneticamente no peito, pois sabia para onde aquilo estava indo. — Lembra quando me contou que você nunca se envolve com alguém com quem trabalha? — Eu lembro. Em seu segundo dia de trabalho, eles saíram para jantar depois do expediente, sentaram-se lado a lado, organizando a agenda dele, Ella tomando notas, tentando ser eficiente e ignorar a incrível beleza de seu chefe, quando ele lhe tocou o rosto. Ela sentira a mão de Santo deslizar pela sua face, os dedos capturando uma mecha de seu cabelo. — Não faça isso. Santo baixara a mão, mas não se desculpara. Em vez disso, perguntara por que, e dera um sorriso curioso diante da resposta dela. Sem dúvida, uma resposta com a qual não estava acostumado. — Eu não preciso explicar por que — dissera Ella, encontrando-lhe os olhos. — Mas se você tentar alguma coisa como essa de novo, eu pedirei demissão no ato. Como se arrependia de tais palavras agora... — Nós temos um problema — afirmou Santo. Ella o olhou e, embora fosse muito difícil pensar em Santo e regras morais ao mesmo tempo, percebeu que ele tinha algumas. Porque, à parte certas sugestões provocantes, à parte o estranho flerte gentil, nem uma única vez, desde aquele dia, ele a tocara. 25
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ela queria que Santo a tocasse agora. E ele o fez. Roçou apenas um dedo em seu braço e esperou que ela detivesse sua mão, dando-lhe todas as oportunidades de se levantar, de mudar de ideia... Ella fora clara em relação a suas barreiras... mas o ar de Santo ficou preso na garganta quando ele sentiu tais barreiras desmoronando. A noite fora terrível, e a manhã, outro pesadelo, mas agora... Ele sentiu os pelinhos do braço dela se arrepiarem sob seus dedos, e a vibração sensual entre os dois se aprofundou quando o silêncio de Ella permitiu que Santo continuasse. — Efeito imediato... — disse Santo, e não estava checando a data em que ela partiria, e sim a reação de sua pele à dele, mas Ella apreciou o contato. Tudo o que queria agora era descobrir a sensação de ser beijada por um homem tão experiente e maravilhoso como Santo. — Eu já lhe disse... hoje nunca aconteceu. Ele estava cauteloso em se mover muito depressa e beijá-la, e, de qualquer forma, havia mais que sua mão queria fazer. Subiu a mão para o pescoço delicado, seus dedos acariciando seu rosto, demorando-se na mesma mecha de cabelo onde ela o detivera uma vez, então tocando os lábios que nunca haviam encontrado os seus. Santo sentiu-os, explorou-os devagar. Ella permaneceu sentada lá, o coração disparado, porque nunca esperara por aquilo. Jamais imaginara que dedos em seus lábios pudessem ser tão sensuais. Oh, ouvira falar muito sobre os homens, sonhara com ele mais do que algum dia admitiria, mas não pensara em Santo desta maneira. Nunca imaginara que ele pudesse tocá-la sem pressa, e causar-lhe ardor entre as pernas sem sequer beijá-la na boca. Dedos hábeis traçavam seus lábios como se ele estivesse acariciando-a lá embaixo. Então ele deslizou um dedo para dentro de sua boca, e ela o capturou de leve entre os dentes e lambeu-o. Sua provocação também funcionou, porque Santo puxou-a para si e substituiu seus dedos pela língua. Foi um beijo profundo e íntimo, enquanto ele lhe segurava a nuca e puxava-a para mais perto. Era como se eles tivessem se beijado centenas de vezes antes, pensou Ella, porque cada um sabia exatamente o que o outro queria. Ela adorou os ruídos que eles produziam, o gemido que Santo emitiu dentro de sua boca. Mas no momento em que ia interromper aquilo, quando soube que tinha de parar, a outra mão de Santo encontrou seu seio, e, não muito gentilmente, massageou-o. Ela sucumbiu ao toque erótico e, enquanto seu corpo respondia, estava ciente de que ele se achava nu sob o lençol, o que a excitava ainda mais. De alguma maneira, Santo moveu-a, e, de súbito, Ella estava em cima dele, cobrindo-lhe o corpo poderoso com o seu. — Onde nós estávamos? — Ele sorriu. — Oh, certo... — E voltou a beijá-la. E embora Ella estivesse vestida e por cima, sentia como se estivesse nua e por baixo, pois Santo assumira o controle total, deslizando as mãos para seu traseiro, pressionando-a contra o membro viril. Aquilo deveria ter sido só um beijo. Porém, os dedos de Santo tinham aberto sua 26
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli saia, e as mãos agora acariciavam suas nádegas desnudas. — Santo. — Ela tentou detê-lo, mas aquilo era tão bom Soube que seria bom, mas não se sentia preparada para tanto deleite. Em poucos minutos, seu corpo estava em chamas, e logo Ella queria rasgar suas roupas apenas pelo alívio de estar nua. Lutava por controle, e percebeu que, com Santo, não tinha nenhum. — Vamos lá, Ella... — Santo a apressava por uma razão: queria que ela atingisse o clímax, de modo que ele pudesse segui-la dois minutos depois, porque sabia que, no segundo em que a penetrasse, explodiria. Sua mão acariciava as curvas que o tinham provocado por meses, e Santo desejava passar o dia compensando o tempo perdido. Por fim, havia uma coisa boa na qual se agarrar, e assim ele fez, apertando-lhe as nádegas, roçando os quadris nos dela. Estava tão perdido no alívio que ela lhe causava que levou um segundo para perceber que Ella parara de beijá-lo. Olhou-a quando ela levantou a cabeça. — Durma. — Ela estava tão ofegante quanto ele. — Não faça isso comigo. — Santo tentou pressioná-la contra si, novamente. — Eu estou fazendo isto. — Ella! — Isto é um beijo, Santo. E um beijo nem sempre tem de levar a algo mais. Exceto que seu corpo dizia o contrário, mas ela não ia perder a cabeça para ele. E por quê? Porque Santo era um libertino, e um libertino impenitente. — Você viu o estado de seu pescoço? Isto me repele um pouco. — Nada aconteceu ontem à noite. Santo sentiu a risada incrédula de Ella reverberando através dele, enquanto os seios quentes e pesados descansavam contra seu peito. — É verdade. Fiquei tão entediado de beijá-la que minha mente começou a divagar. Quando me dei conta, ela estava sugando meu pescoço. — Você deveria prestar mais atenção. Ela foi lembrada da posição das mãos dele quando dedos hábeis acariciaram seu traseiro gentilmente, então se aventuraram para mais perto do centro. — Oh, eu prestarei atenção, senhorita. A ideia era tão tentadora que ela quase cedeu. Mas aquilo deveria ter sido só um beijo, e Ella precisava ser racional, precisava pensar, e com Santo deitado nu sob ela, isso não era possível. — Durma. — Ela lhe deu um beijo breve nos lábios, então levantou-se, fechou a saia com mãos que tremiam e não se esforçou para pôr a blusa por dentro da saia, apenas pegou o celular. Mas quando chegou à porta, a voz de Santo a deteve: — Pode me passar a caixa de lenços de papel? — Sabe de uma coisa, Santo? Você, às vezes, leva as coisas longe demais. — Como? — Mas então ele riu. — Quero assoar o nariz. Esta coisa de chorar é curiosa. Eu nunca tinha feito isso antes. Sinto como se estivesse resfriado. 27
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Mentiroso! — disse Ella, e jogou-lhe a caixa. Ele a capturou, e Ella o ouviu murmurar quando estava abrindo a porta: — Mas se você mudar de ideia...
CAPÍTULO 4
ELA NÃO mudaria de ideia, então saiu do quarto e, fechando a porta, serviu-se de um copo de suco de abacaxi. Gostava da sensação de acidez em sua língua, mas isso não a acalmou, porque sua boca ainda queria a atenção dele. A pele de seu rosto continuava quente, e havia uma pulsação insistente entre suas pernas. Ella era uma pessoa determinadíssima e focada no que dizia respeito ao seu trabalho, e não permitiria que homem algum atrapalhasse isso. Nem mesmo um tão maravilhoso como Santo. Especialmente não um tão maravilhoso como Santo. Estava ciente de que atraía patifes; alguns relacionamentos lhe ensinaram isso... mas que Santo não era um. Ele nunca fazia promessas que não pretendia cumprir. Possuía uma reputação que servia como um aviso, e tola seria a mulher que acreditasse que Santo mudaria. Ella não era tola. Recusava-se a ceder ao desejo que às vezes a percorria quando ele estava por perto. Sua carreira vinha em primeiro lugar, mas esta manhã, sabendo que talvez abandonasse seu emprego, por alguns momentos perigosos, ela cedera. E ali estavam as consequências. Deveria ter sido apenas um beijo. Ella não se preparara para uma química tão potente. Passou a manhã recebendo telefonemas, tentando não pensar no homem deitado nu a poucos metros de distância. Ligou o computador de Santo, acessando a conta que tinha lá, checando seus e-mails. Seu coração parou de bater por um instante quando viu que Luigi, o homem que a entrevistara mais de uma semana atrás, enfim respondera. Após desculpar-se por ter demorado tanto a entrar em contato, ele a informava que, dentro de um mês, ela seria assistente de diretor num filme que iria ser rodado tanto em Roma quanto em Florença. Tudo pareceu parar por um momento. Ella esperara tanto por aquilo... Certo, seria assistente júnior, e provavelmente serviria muito café, mas pelo menos faria mais do que vinha fazendo. Santo era muito rígido e protetor em relação aos seus filmes, e ela não o culpava por não lhe dar uma chance.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Fechou os olhos ao pensar de novo no homem dentro do quarto. Sabia muita coisa sobre os relacionamentos de Santo... que duravam dias, no máximo, semanas. Um vislumbre de devoção era tudo o que qualquer mulher recebia dele: jantar, cama, café da manhã, flores e champanhe. Ella pagava as contas dele e fazia as reservas, afinal de contas, e então, com a mesma rapidez que começara, o relacionamento acabava, e era Ella quem precisava atender aos telefonemas e enxugar lágrimas alheias. O telefone do hotel tocou, e Ella atendeu, meio atordoada pela falta de sono na noite anterior. Era da recepção, perguntando a que horas Santo sairia do hotel, ou se ficaria outra noite. — Eu não tenho certeza. — Quando você falava em nome de um Corretti, tais respostas podiam ser dadas, especialmente quando a imprensa estava, sem dúvida, pedindo detalhes na recepção. Ela entrou no quarto, e esperou um momento, para que seus olhos se acostumassem à escuridão. Santo dormia profundamente... considerando a respiração regular e a distinta falta de um comentário perspicaz dele. — Santo? Ele se virou de bruços, pondo um travesseiro sobre a cabeça. — Santo! — Ella chamou com mais firmeza. — São 14h. A recepção quer saber se você vai fechar a conta. — Alessandro ligou? — Não. Santo, é hora de se levantar. — Mais uma hora — veio a resposta sonolenta, e então, talvez lembrando que era domingo, e que ocupara muito do tempo de Ella, ele falou a coisa certa: — Você pode ir para sua casa. Em seguida, falou a coisa errada: — Ou... — Santo virou-se de lado, um sorriso preguiçoso na boca linda. — Pode subir aqui. E ela podia ir agora, sabia. Ele estava sóbrio o bastante para dirigir e resolver as coisas no hotel. Ella ficou ali por um momento, observando enquanto Santo voltava a dormir, então saiu do quarto. Mas não para apanhar sua bolsa e partir. Dirigiu-se ao banheiro e permaneceu parada ali por um longo momento. Não confiava em ninguém, era muito mais seguro assim graças ao que ocorrera alguns meses atrás, não confiava nem em sua própria mãe. Entretanto, de uma maneira bizarra, confiava em Santo. Ele não dava desculpas e nunca mentia. Declarava, de cabeça erguida, sua reputação horrível, e, de alguma forma, a honestidade dele a tornava ousada. Porque, sim, Ella tentara imaginar como seria fazer amor com Santo. É claro que tentara. Afinal, vira as mulheres mais lindas derramarem muitas lágrimas por ele. Agora, com um beijo, ela entendia um pouco melhor, mais que isso, ela ficara curiosa. Ella jamais gostara particularmente de sexo, talvez graças a sua pobre escolha de parceiros, mas sabia que as coisas seriam diferentes com Santo. 29
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Sabia instintivamente, e, de súbito, queria saber na prática. Mas não choraria por ele. Ao contrário das outras, Ella não tinha esperança de mudá-lo, sabia que isso nunca iria acontecer. Queria apenas sua aula de sexo do mestre, disse a si mesma, queria voltar para onde o beijo a levara. Foi por este motivo que aceitou a oferta e mudou de ideia. Não havia uma única célula romântica em seu corpo, pensou ao abrir a blusa. Despiu-se no banheiro, antes de entrar no quarto, observando-o dormir, por um momento. Então, nua, olhou para a cama quente e para o homem ali, e preparou-se para se juntar a ele. Estava fria, porque Santo lhe disse isso quando a puxou para si, seus pés entre suas canelas e pressionou o corpo quente ao seu. Por um momento, ela pensou que ele tivesse voltado a dormir, então temeu que Santo nem mesmo soubesse quem ela era, porque ele estava muito acostumado a não dormir sozinho. Santo lhe telefonara uma vez de um banheiro de hotel, apavorado com a perspectiva de voltar para o quarto, porque tinha esquecido o nome da mulher com quem estava, e precisava que Ella lhe dissesse. — Sentir você é melhor que olhar para você — murmurou Santo, passando mãos quentes sobre seus seios, antes de descê-las para seus quadris. — E você é linda. Ella não fechou os olhos. Não se deixaria influenciar por aquelas coisas que ele devia dizer a todas, mesmo se Santo parecesse sincero. — Eu estou sonhando, Ella? — Não. — Porque não conseguirei olhar para você, se estiver. Este será um sonho muito obsceno. — Ele sussurrou as palavras no seu ouvido, e ela se concentrou nas mãos que percorriam seu corpo, até que estivesse mais do que quente. Sentiu o beijo profundo em sua nuca, o que asseguraria que usasse cabelo solto até o fim da semana, uma vez que estaria marcada por Santo. E a sensação era boa demais. Era muito boa para Santo, também. O fato de Ella ter ido para sua cama era uma surpresa muito agradável. Ela era uma estranha contradição... direta, às vezes, e então, evasiva, a única mulher sobre quem ele nada sabia, mas queria saber. — O que a fez mudar de ideia? -perguntou ele. — Conte-me, de modo que eu saiba da próxima vez. — Não haverá próxima vez, Santo. Lembre-se, nós vamos fingir que hoje nunca existiu. — Oh, haverá próxima vez... — Santo se certificaria disso. — Eu quero você há tanto tempo. Ela se contorceu quando ele moveu a boca e beijou-lhe a orelha. Tentou se afastar, mas Santo cobriu-lhe as coxas com sua perna, prendendo-a. Continuou provocando-a, até que ela gostou daquilo, até que desejou virar a cabeça e encontrar-lhe os lábios. Após mais um momento da doce tortura, ele parou e provocou a pele molhada e sensível com palavras, enquanto sua ereção pressionava a parte traseira das coxas dela. — O que a fez mudar de ideia? — persistiu ele, mas ela ainda não respondeu, então Santo mudou a abordagem: — Eu enviei você para Roma. Enviei-a de primeira classe para um hotel de luxo, pensando que você fosse a algum médico especial, quando, 30
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli na verdade, foi fazer sua entrevista... — Eu lhe disse que queria correr atrás da minha carreira, Santo. Eu ia lhe contar. Achei que ele fosse ligar para uma segunda entrevista. — Ela parou de falar, porque ele estava beijando seu pescoço, e dedos longos beliscavam seus mamilos, e não muito gentilmente. Havia aquele assalto de seus sentidos. A língua quente a enlouquecia, e seu corpo queria virar-se, mas Santo ainda a prendia para torturá-la deliciosamente. — Que desculpa você teria dado para a segunda entrevista? Diria que ia fazer uma cirurgia, desta vez? — A mão dele deslizou para baixo. — Fiquei preocupadíssimo por você ter tido de viajar toda essa distância para uma consulta médica. — Mentiroso. — É verdade — insistiu Santo. — Pensei que fosse coisa de mulher, por isso não perguntei — acrescentou, levando a mão a um lugar muito feminino. — Achei que você estivesse sendo examinada assim sussurrou no ouvido dela, e brincou de médico com os dedos, para demonstrar. — Santo... — Ela não queria continuar de costas para ele, e sim virar-se, beijá-lo, vê-lo, mas ele não permitiu. Os dedos longos estavam em seu interior, massageando-a, e se aquilo continuasse por muito mais tempo, ela estaria fazendo sua própria confissão, em breve. — Ontem à noite, com a garota sanguessuga, eu achei que pudesse estar impotente. — Santo lambia a lateral de seu seio, tentando chegar ao bico, enquanto a mão a puxava para mais perto. — Por favor. — Como podia ela estar rindo e à beira do clímax, como ele podia dar tanta leveza a um tópico tão terrível? — E agora me preocupo que possa ter l’eiaculazione precoce. Ella teve de rir, de novo, porque ele fazia até mesmo “ejaculação precoce” soar sexy. — Então, você entende quando eu digo... — Santo liberou-a, e seu corpo, tão desesperado para se virar, fez isso com naturalidade. No momento em que Ella moveu-se para beijá-lo, ele a deteve, segurando-lhe o queixo, para que o fitasse. — Ella, eu vou tomá-la realmente rápido. Mas depois passarei o resto da tarde compensando-a por isso, e fazendo tudo bem devagar. Ele se inclinou para a frente, o peito sobre a face de Ella, e tateou o criado-mudo. Depois olhou ao redor do quarto e praguejou, porque sua carteira se achava em seu paletó, no banheiro. E sorriu quando Ella balançou alguns envelopes de alumínio, que pegara antes de ir para o quarto. Sim, fora uma atitude calculada. — Boa garota — disse Santo, pensando que nunca se sentira mais contente por ver um preservativo. — Eu farei isto... — Porque, pela sensação causada quando a mão de Ella fechou-se ao redor de sua base, e da lambida que seguiu o gesto, aquilo poderia acabar rápido demais. Santo protegeu-se, mas Ella arfou diante da visão da masculinidade magnífica. Estendeu o braço e tornou a tocá-lo, mas ele lhe afastou a mão. 31
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Um nó de ansiedade apertou a garganta de Ella, porque, em vez de beijá-la, de unir seus corpos, ele se ajoelhou entre suas pernas e puxou-a mais para baixo da grande cama, até que não houvesse travesseiros sob sua cabeça. — Eu tenho pensado em você por um longo tempo, desde que apareceu para ser entrevistada — admitiu ele, sorrindo ao se recordar daquele dia. — Seu italiano era péssimo. — Então por que me contratou? — Porque queria você. Assim que a vi, eu a quis, e você poderá me dizer amanhã que acha isso ofensivo. No momento, eu não me importo. E ali, na cama dele, Ella não achava aquilo ofensivo. Estava apenas tentando lembrar a si mesma que Santo era um mestre com mulheres; sabia como falar as coisas certas, e ela continuava se esquecendo disso, caindo cada vez mais no charme dele. — Mas se, na época, eu soubesse quanto tempo você me faria esperar... — Ele parou. Os olhos de ambos se fecharam, enquanto Santo a penetrava, e ela arfava. Então ela gemeu, porque, uma vez que Santo a preencheu, ficou imóvel por um segundo. Ella estava desesperada por movimento, e suas pernas começaram a tremer. Então ele a massageou pelo lado de dentro, um movimento que a fez se contorcer de prazer. Após um momento, abriu os olhos e sorriu. — Valeu a pena esperar você. E ele precisava falar aquelas coisas? Precisava ser tão gentil? Porque, por um segundo, Ella acreditou na sinceridade daquilo tudo. Naquele momento, teve uma visão de como seria seu futuro próximo... chorando, telefonando para encontrar uma mensagem de voz e sendo tudo o que ela jurara que não seria, porque ele era simplesmente incrível. Até hoje, nem um único dia de sua vida fora tão bom — Aperte o cinto. — Santo sorriu. — Como? — Cruze os tornozelos, Ella. E naquilo ela gostava que Santo fosse seu chefe. Obedeceu... cruzou os tornozelos ao redor dele e poucos minutos depois, Santo a levou para o céu. Não havia mais espaço para pensamentos, para contenção ou para arrependimentos. Não havia nada além da ferocidade de Santo movendo-se entre suas coxas, enquanto ele lhe mostrava como aquilo podia ser bom Ella sentiu os primeiros espasmos do orgasmo, sentiu o arco de suas costas nas mãos dele, e gemeu de prazer enquanto Santo ainda investia em seu interior. — Vamos lá, Ella... — Ele não lhe deu um momento para pensar, apenas a consumiu completamente. Santo a segurava, quando não havia necessidade para isso, pensou Ella, porque ela já atingira o clímax. Porém, não imaginava que outro ainda maior estava por vir. Aquilo deveria ser estritamente sexo, entretanto, ela teve de morder o lábio para não gritar o nome dele. Santo moveu-lhe os quadris mais depressa, e então, imobilizou-a, e continuou os movimentos, num ritmo cada vez mais frenético, até que Ella experimentou um orgasmo como nunca imaginara existir. Não sabia onde começava e onde terminava. Estava se 32
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli contorcendo, e já gritando o nome de Santo quando ele, satisfeito com sua rendição, liberou o próprio prazer. — Obrigado... O delicioso assalto aos seus sentidos continuou, enquanto eles se recuperavam. Ele fazia parecer que ela acabara de lhe salvar a vida. Santo cobriu-a com o seu corpo, beijando-a, dizendo que aquilo não tinha terminado, que era um mero interlúdio, que ela se achava em sua cama e não iria a lugar algum. Ele tinha certeza disso, porque, enfim, havia uma coisa boa sobre esse dia, da qual não abriria mão.
CAPÍTULO 5
SANTO DECLAROU declarou estar faminto. — Há alguns pães doces na sala... — Então Ella parou. Como se Santo fosse se contentar com pães doces não tão frescos e suco morno... Ele já estava pegando o telefone sobre o criado-mudo. — O que você quer? Não havia consultas de menu com Santo, Ella sabia. Ele geralmente pedia a primeira coisa que lhe surgia na cabeça. — Tanto faz. Santo pediu frutas e champanhe, mas, incapaz de esperar, foi para sala e serviu-se de um suco, olhando, pela janela, para a imprensa lá embaixo. Ele checara seu celular... nenhuma notícia de Alessandro ainda. Dirigiu-se ao computador, mais para ver se achava alguma notícia de sua família. Contudo, ficou parado por um momento, lendo o e-mail de Luigi, a última coisa que Ella estivera olhando antes de se juntar a ele na cama. Fora aquilo que a fizera mudar de ideia. Santo passara muito tempo pensando nela, tentando imaginar como eles seriam na cama. E agora, sabia. No entanto, como aquilo era tão incomum para Santo, ele queria saber mais, muito mais. Ele voltou para cama. E quando, logo depois, houve uma batida à porta, que declarava que o intervalo para a refeição estava prestes a começar, ao contrário de Santo, Ella não conseguiu permanecer deitada. Assim, escondeu-se no banheiro por alguns momentos, o que ele achou divertido. — Você é tão puritana. — Santo sorriu quando a viu voltar ao quarto, e ele segurou 33
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli o lençol levantado para que ela subisse na cama. — Vamos comer, mas preciso dar alguns telefonemas. Claro que o mundo real esperava, e ela estava mais que acostumada com Santo ao telefone. Com frequência, ele se afastava, ou ia para outra sala. Mas esta tarde, a privacidade foi descartada, e eles comeram e tomaram champanhe enquanto ele ligava para vários membros da família. Pelas conversas, havia muitas consequências da noite anterior, o que Santo confirmou quando terminou a última ligação e pediu que Ella desviasse todas as chamadas, a menos que fosse seu irmão. Santo pôs as mãos acima da cabeça e recostou-se, olhando para o teto, examinando os eventos da véspera com mais calma, agora. Pela primeira vez, queria conversar sobre aquilo com alguém que não fosse da família... não que pudesse contar tudo a Ella, é claro. — Você sabe que nós faremos um contrato para renovar a área ao redor do porto? — Mais ou menos. — Ella, que vinha tentando decidir entre os figos mais doces que já provara e o último morango coberto com chocolate, olhou-o. Tudo era tão reservado para os Corretti, e ao mesmo tempo tão interligado. A área do porto que eles queriam reformar estava, na verdade, sendo usada para filmagem. Ela sabia que os Corretti nutriam a esperança de dar nova vida à área, e, naturalmente, ganhar dinheiro com isso. — Para mim — murmurou ele quando ela se decidiu pelo morango. Ella o fitou, sabendo que estava sendo testada. Ajoelhou-se sobre ele, e Santo pegou a fruta de seus dedos. Ela observou quando os dentes dele morderam o chocolate, mas no último segundo, ele lhe puxou a cabeça para a sua, a fim de lhe dar metade. Quando ela mordeu o morango, provou a boca de Santo, também. — Quero pedir mais morangos. — Ella sorriu. — Há figos. E eles são mais difíceis de separar, e nós não queremos ser perturbados. — Santo estudou os olhos cor de âmbar e o rosto rosado, que logo estaria escaldante, novamente. Sentiu a nova onda de excitação e estava prestes a persegui-la, mas então, surpreendentemente falou: — Salvatore, meu avô, colocou tudo em ordem antes de morrer... Este era o objetivo do casamento. — Então Alessandro e Alessia não iam se casar por amor? Quando Santo deu-lhe um olhar cômico, Ella lembrou que estava na cama com um Corretti... e, portanto, entendeu aquilo como um não. — Battaglia retirou seu apoio. — O que Santo não acrescentou foi que Battaglia estava agora usando seu poder para apoiar o meio-irmão de Santo, Angelo. Havia tanta história naquela família, tanta hostilidade, e na noite anterior, as coisas haviam subitamente piorado; não que ele pudesse lhe contar metade disso. — No momento, tudo o que quero é me concentrar no filme. — Então ele sorriu. — E em você. — Acho que devemos guardar isto para o filme, Santo. — Ella queria terminar as coisas antes de sair do hotel. Não pretendia esperar até que Santo ficasse entediado com ela. Mas, quando a conversa se voltou para o filme, e as mãos grandes a acariciavam preguiçosamente, enquanto um alimentava o outro com figos, Ella admitiu que não havia lugar que quisesse estar mais do que ali com ele, hoje. 34
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Quando você decidiu que queria começar a dirigir filmes? — Santo espalhara chocolate em pó nos seus seios, e agora os lambia. Ella lembrou-se de ter 5 ou 6 anos quando costumava se fechar no quarto e fazer filmes com sua mente, mudando o ângulo da câmera, concentrando-se na cena, ajustando-a. Qualquer dinheiro que tinha usava para comprar scripts, e mais tarde, foi uma alegria encontrá-los na internet. Estava com 27 anos, e não tinha experiência, mas vinha treinando havia mais de duas décadas. — Foi o que eu sempre quis fazer. — Sendo assim, por que é assistente pessoal, Ella? Você me disse que essa era sua paixão, quando eu a entrevistei. E ele sorriu ao se recordar da mulher inteligente e muito determinada que entrara em seu escritório sem ser anunciada. E lambeu ao redor de sua aréola, até que estivesse molhada, e Ella achou que morreria se ele não tomasse seu mamilo na boca. — Você me falou que sentia grande prazer em garantir que a vida de seu chefe transcorresse com perfeição. — Eu menti. — Ella sorriu. — Como as pessoas fazem em entrevistas. Ser sua assistente é a segunda paixão da minha vida, Santo. Ele podia ouvir o tom irônico na voz dela, e isso deveria tê-lo ofendido. Por que então ela o fazia sorrir? — Terceira — murmurou Santo, porque a queria de novo. Mas Ella ainda tinha em mente a história que ele vinha filmando com Taylor, sentada na cama, com o lençol solto ao seu redor, como se estivesse se escondendo dele. Era um lindo filme sobre um soldado que desaparecera na guerra, presumivelmente morto, e a esposa voltava-se para o melhor amigo do soldado para se confortar. A união causada pelo sofrimento de ambos resultara na gravidez dela, apenas para que eles descobrissem que o marido não morrera. — É uma bela história de amor — disse Santo. — Mas há algumas partes que não me convencem. Ella adorava que eles pudessem falar sobre filmes, que compartilhassem aquela paixão, porque sabia que, geralmente, entediava outros com suas observações e seus pensamentos. — Se ela o ama, eu não entendo como pôde esquecê-lo tão depressa. — Mas ela não o esquece, nem por um minuto. — Se ela pode dormir com outro logo depois, então ele não era o amor da vida dela. — Santo franziu o cenho para o sorriso de Ella. — O que foi? — Olha quem fala! — Eu nunca me apaixonei — defendeu-se Santo. — Nem mesmo sei se uma união por amor, da qual você fala, existe. Ele ponderou por um momento, pensou na história de sua família e balançou a cabeça. Então, enquanto se abria mais um pouco, também se convenceu de que conversava com Ella pelo bem do filme, não para sua própria paz interior. — Minha avó contou que se apaixonou à primeira vista pelo meu avô. 35
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Viu? — Eu nunca disse que esse amor foi correspondido. Salvatore amava o poder, em primeiro lugar... como meu pai. Meu tio, Benito... eu pensei que ele amasse a primeira esposa, mas... — Santo deu de ombros. — Você sabe... Ella observou quando, pela primeira vez, viu-o pensativo. — Se o amor verdadeiro existe ou não, não importa. No filme, porém, não deve haver dúvida quanto a isso. E creio que vai dar certo, porque, quando Taylor e Vince fazem amor, as cenas são muito apaixonadas. — Eles não fazem amor, Santo. Eles fazem sexo. Ela está sofrendo muito, e ele a conforta. — Alguns dias depois que o amor da vida dela desaparece. — Santo esboçou um sorriso triste. — Entende agora por que precisamos de uma boa atriz? — Oh, sim... Ele a olhou. — Você já se apaixonou, Ella? — Não. — Ela sorriu. — Eu já senti luxúria. — Eu percebi. — E não tenho certeza se quero me apaixonar, uma vez que não perdoo e nunca esqueço, duas coisas que são, aparentemente, requisitos. — Aparentemente? — Bem, pelo que eu vi até hoje. Ela não ia lhe contar sobre sua família. Não queria que nada estragasse o dia de hoje, então falou sobre conhecidos mais casuais: — Tenho uma amiga que passa horas chorando pelo amor de sua vida, e quase nunca sorri. Tenho outra que... — E quanto aos seus pais? — interrompeu Santo, percebendo como sabia pouco sobre a mulher que estava na sua vida fazia um bom tempo. — Oh, havia muito perdão e esquecimento lá, também — Ela sorriu, mas se recusou a elaborar a resposta. — Assim, considerando tudo, acho que prefiro ficar com a luxúria. Santo não tinha problema com isso. Ou talvez tivesse um pequeno problema, porque queria saber um pouco mais. Todavia, logo se deu conta de que Ella era tão habilidosa em fugir de temas pessoais quanto ele. Para provar seu ponto, ela retomou a discussão sobre o script: — Você acha que ele a perdoará? — perguntou sobre o retorno do marido, sobre o beijo que deixaria a audiência em deleite. Aquela era uma questão de um milhão de dólares, uma que Santo queria que a audiência se fizesse depois que saísse do cinema. — Eu não perdoaria. — A resposta de Santo era decisiva. — Por que não? Falando sobre o filme, Ella se mostrava mais animada do que ele já a vira, e, para Santo, aquilo podia continuar por longo tempo, porque enquanto ela falava, e gesticulava 36
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli as mãos, mais do seio esquerdo era exposto. — Como ele poderia? Ela era o amor da vida dele. — Santo deu um sorriso irônico, porque amor era algo que não existia. — E quanto a você? — Não sei — admitiu Ella. — Mas acho que esse é o objetivo do filme... que o espectador decida. Não vejo a hora de ver Taylor representando. — Nem eu — admitiu Santo, e eles ficaram em silêncio por um momento, compartilhando uma visão similar em suas mentes... o script e um beijo que, para o espectador, talvez parecesse perfeito, mas que seria muito complicado para filmar. Ella lera o roteiro diversas vezes. Nada era dito no final. Tudo se resumia a um beijo, uma reunião incrível, alívio misturado com medo, enquanto as mãos dele percorriam sua amada, enquanto o soldado notava as mudanças sutis. Quando ele percebia que a mulher de sua vida dormira com outro homem meros dias depois de sua suposta morte. O filme precisava dar certo. Aquilo sempre fora importante para Santo, porém nunca tanto como agora. Com Alessandro fora de cena, com o nome da família prestes a ser manchado nos jornais, havia pelo menos uma chance de provar seu valor, uma chance de sair da sombra de seu irmão e mostrar que ele não era insignificante. Estava perigosamente perto de contar isso a Ella. Na verdade, abriu a boca para falar. Olhou para a mulher na sua cama e, talvez aquele soco zangado de Alessandro tivesse atingido sua cabeça, porque, por um segundo, considerou contar-lhe como tinha sido crescer com um pai como Carlo; como ele, sendo o segundo filho, fora descartado, e até mesmo impedido de participar de uma reunião de diretoria, certa vez. Nunca recebera um sorriso de aprovação de seu pai. Não que Santo precisasse disso, mas havia algo para provar agora. Mas mesmo quando decidiu lhe contar aquilo, mudou de ideia. Havia coisas nas quais você não pensava, e muito menos discutia com outras pessoas, e ele olhou para onde o lençol escorregara e o seio dela ficara exposto. Ali estava uma distração muito agradável de seus pensamentos sombrios. — Eu acho que precisamos resolver alguns detalhes técnicos. — Santo sorriu, e, alcançando a garrafa, completou a taça de Ella. — Ah, verdade? — Eu ainda estou lutando com o final. — Motivo pelo qual você está pagando muito dinheiro para que alguém como Taylor faça... — Mas ela parou ao perceber que eles não estavam mais discutindo o filme. Santo recolocara a garrafa no balde e tirara um cubo de gelo de lá. Ela olhou, fascinada, enquanto dedos longos se aproximavam de seu seio desnudo. — O script diz que ele nota pequenas mudanças no seio dela... — Santo a viu mordiscar o lábio, enquanto ele deslizava o gelo ao redor de seu mamilo. A mão livre de Ella moveu-se para deter a dele, mas ela queria a experiência de Santo completa. Então olhou para o próprio mamilo, rijo e ereto, e, no momento em que aquilo se tornou insuportável, recebeu o alívio da boca quente. Ele lambeu, gentilmente no começo, então com mais vigor, e quando o corpo de Ella suplicou por conclusão, Santo enfiou a mão no balde para pegar mais gelo. — E percebendo que ela poderia estar grávida... — Santo falava sobre o script com 37
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli voz baixa, beijando-a entre palavras e deslizando a mão para sua barriga. Ella fechou os olhos, como Taylor faria no filme, mas, no seu caso, porque a mão dele estava cheia de gelo. — E ele continua beijando-a — murmurou Santo, pondo a pedra de gelo na boca e beijando-a com uma língua muito fria. Então levantou a cabeça e perguntou-lhe: — Por que ele ainda a beija, quando sabe que ela foi infiel? — Porque ele sabe que, quando parar de beijá-la, eles terão de conversar, e ele não quer saber a verdade. — Ele a perdoa ou termina tudo? — Tem de terminar tudo — replicou Ella. — Mesmo que a ame? — Ele não confia mais nela. — Simples demais. — Santo deslizou lascas de gelo por sua barriga. Ela estava muito excitada, observando os dedos longos descerem mais os cubos. Ergueu um pouco os joelhos, empalideceu quando Santo a gelou intimamente, então arfou quando a língua sensual aqueceu-a e provocou um lugar muito mais sensível que seus seios. E Ella era uma participante mais do que disposta, e agora lambia os cubos de gelo e passava-os para ele. Para Santo, a sensação era incrível. Ele gostava de sexo, e algumas preliminares podiam ser boas, mas se o relógio parasse agora, mesmo sem atingir o clímax, esse seria considerado o melhor sexo que já tivera. Estava fascinado pelo corpo de Ella, pelos suspiros e gemidos que ela emitia, pelo jeito como agarrava seu cabelo. — Eu sempre uso... — Santo pressionava gelo dentro dela, com a língua, e Ella achou que iria morrer de prazer. — Eu sei — sussurrou Ella, presa entre prazer e dor. — Eu quero tentar... — Por favor... — Ela estava naquele lugar muito estranho, quando, pela primeira vez, podia vociferar seu desejo, não precisava ser recatada, não tinha de reprimir o que se encontrava em sua cabeça. Nunca se abrira com outra pessoa antes, mas entregou-se agora, mesmo que apenas por um tempo. Santo subiu pelo seu corpo, e ela estava gelada por dentro e fervendo nas redondezas. Seu corpo, sua pele, molhada e fria das brincadeiras, procurava alívio no corpo seco e quente que cobria o seu, agora. — Deus, Ella... — Santo olhou para baixo, nervoso em preenchê-la, enquanto ela lhe suplicava para se apressar. Santo nunca esperara hesitar na sua primeira vez sem proteção, e deu um gemido de choque quando a penetrou. — Eu não gosto disto. — Os dois estavam rindo diante da aventura, e então ele se moveu mais um pouco. — Na verdade, mudei de ideia. Santo investiu mais forte e mais fundo, a fricção aquecendo a ambos, até que eles estivessem ensopados e ofegantes. Ele nunca antes fizera amor sem preservativo, mas 38
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli por aquilo, estivera disposto a quebrar sua regra. — Esta manhã, eu detestei o dia. — Santo se movia com muita velocidade dentro dela. — E agora... Ella não podia entender o que ele dizia, pois encontrava-se presa em seus próprios pensamentos. Então Santo começou a falar em italiano, mas ela não prestou atenção, porque sentiu as coisas começando a tremer, e aquela inundação de calor em seu interior. Todavia, mais que isso, estava brigando com os próprios pensamentos, contendo as próprias palavras. — Santo... — Ela pensou, por um breve segundo, que a imprensa devia ter entrado, porque luzes estavam explodindo em sua cabeça, como se houvesse centenas de câmeras apontadas para eles. Gemeu seu clímax, enquanto Santo se movimentava ainda mais depressa, e era uma alegria já ter aliviado seu prazer, porque agora pôde saborear quando ele obteve seu orgasmo. Santo estava perdido, sentindo-a se comprimir ao seu redor. Forçou a própria tortura, de modo que pudesse sentir cada pulsação, e então cedeu. Ella viu o rosto bonito se contorcendo quando Santo encontrou alívio. Então ele colidiu sobre ela, o peso precioso, a calma da saciedade. Santo permaneceu ali, o rosto no cabelo dela, que estava espalhado no travesseiro, e se sentiu quase nervoso em olhar para cima. Era a falta de preservativo que tornara aquilo tão incrível, disse a si mesmo. Ou talvez ele a tivesse querido por tanto tempo que isso deixara tudo mais intenso. — Santo? Ele pretendia se mover, assumindo que era muito pesado, e o cabelo de Ella deslizou sobre sua face, quando ela virou o rosto para lhe encontrar os lábios. O que Ella não poderia imaginar era que aquele fora o primeiro beijo de Santo com significado.
CAPÍTULO 6
Eles acabaram saindo do hotel às 4horas. Da manhã! Mas, sempre atencioso, Santo deixou uma gorjeta enorme para a camareira. A imprensa continuava convencida de que Alessandro se encontrava no hotel, portanto, em vez de sair com o cabelo molhado do banho, Ella tomou um pouco de tempo para secá-lo. De pé diante do espelho, de calcinha e sutiã, maquiou-se e se transformou na assistente pessoal de Santo novamente, mas com ele a observá-la. — Você gosta de maquiagem — comentou ele, vendo-a passar blush nas faces. 39
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Gosto? — Ella passou rímel, depois batom, mas Santo não prestava atenção. Ele pegara o creme que disfarçava manchas, e agora estava atrás dela, tentando cobrir as marcas que deixara em seu pescoço. Estava lindo, de jeans preto e camisa preta, e com um olho roxo lhe dando uma aparência quase selvagem Mas havia um sorriso curvando seus lábios, enquanto ele espalhava o creme em seu pescoço. — Você quer o corretivo facial emprestado? — Não é necessário. — Santo se virou para que ela o encarasse. — Eu jamais cubro meus erros. E Ella teria de fazê-los. De súbito, Ella entendeu todas as lágrimas que enxugara das ex-namoradas dele. Tinha jurado que poderia lidar com só um pouquinho de Santo, mas olhando-o agora, soube que já queria mais. Quando ele moveu a boca para beijá-la, quando a puxou para si, ela pôde senti-lo vestido, porém indecente, contra seu corpo quase nu, e o efeito que Santo lhe causava deixava-a nervosa. — Não. — O tom de voz de Ella foi ríspido. — Acabei de me maquiar. E no mundo que Santo habitava, essa era uma resposta inteiramente apropriada, mas a dele não foi: — Eu poderia virá-la, então... Ele fez exatamente isso. Quando começou a beijar seu ombro, ela viu, pelo espelho, as mãos grandes deslizando sobre sua barriga, e então fitou o próprio reflexo e viu seu pânico, porque seria impossível esquecê-lo, porque ela se lembraria daquilo para sempre. E Ella não se envolvia emocionalmente. — Você tem um filme para cuidar, em duas horas, e eu quero ir para casa. — Ela se virou e sorriu. Então vestiu-se e conversou sobre banalidades, não querendo que Santo percebesse que tinha mexido com seus sentimentos. Santo não pareceu notar diferença alguma nela. Era Santo quem havia mudado, porque, desta vez, quando a encarou dentro do elevador, era um homem diferente. Relaxado mesmo quando foi para o lado de fora, não se incomodando com a mídia, ele a conduziu para o carro, então dirigiu para a casa de Ella. Sabia a localização, visto que já a levara lá algumas vezes, mas ela nunca o convidara para entrar, e não fez isso agora. Mas Santo se convidou. — Prepare um café para mim — Santo bocejou, porque ainda tinha de ir para a área do porto, onde eles filmariam, embora Ella não fosse com ele nessa terça-feira. Ele sorriu. — E se você fizer isso, eu lhe darei o dia de hoje de folga. — Eu ia tirar o dia de folga de qualquer forma! — replicou ela enquanto ele a seguia para dentro de casa. Mostrar-lhe sua pequena casa alugada, de um dormitório, era um pouco embaraçoso. Enquanto ela ia para a cozinha fazer o café, Santo permaneceu na sala de estar, olhando para os poucos livros dela, e notando que eram todos sobre direção de filmes. Notando, também, que, à parte isto, não havia nada que revelasse algo sobre ela, 40
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli ali. Santo estava acostumado a observar as casas das mulheres; era uma brincadeira temporária que fazia... mas não havia nada na sala de estar para aprender sobre Ella. Nem mesmo uma foto da família sobre o mantel da lareira. E nada no banheiro, também, notou ele, quando pediu licença por um momento, e, de modo desavergonhado, espiou dentro dos gabinetes. Fazia uma anotação mental sobre o aroma favorito de Ella quando ouviu-a chamar da cozinha: — Café! Santo olhou dentro do quarto dela, viu a cama desarrumada e um sutiã no chão. Por mais exausto que estivesse, por mais que precisasse ir trabalhar, quando pensou nela deitada ali, tudo o que quis foi esquecer a filmagem e pedir que Ella lhe levasse o café na cama. Em vez disso, foi para a cozinha, e a observou servir café preto em duas xícaras, antes de adicionar açúcar. Ela lhe passou um, e Santo deu um gole, agradecido. — Por isto... — Ele sorriu. — ...você pode desligar seu telefone até amanhã. — E deixá-lo furioso porque não atendi? Acho que não. — Estou falando sério — murmurou ele. — Aproveite seu dia de folga. Eu lidarei com qualquer problema que surgir. Religue seu celular quando chegar ao local de trabalho, amanhã. — Há algumas coisas que precisam ser feitas... — Nada que não possa esperar. Faça-as amanhã, e depois vá para lá. Talvez você possa chegar no fim da tarde. Não haverá muita ação no set por uns dois dias, enquanto todos se ambientam e conhecem uns aos outros. — Tem certeza? — perguntou Ella, porque Santo era um chefe muito exigente, mas ela estava mesmo exausta. — É claro que tenho certeza. — Santo observou-lhe a expressão se fechar diante de suas próximas palavras: — A menos que você precise manter o telefone ligado, para o caso de sua família ligar... — Não. Ele deu outro gole do café. Ela não dava a menor dica. — Sua mãe é italiana? De onde? — questionou Santo, embora já soubesse, pelo sotaque dela. — Sicília. — E seu pai? — Ele é australiano. E os olhos cor de âmbar o avisaram que ela não falaria mais, porém, Santo escolheu ignorar. — Eles ainda estão juntos? — Por que pergunta? — Só estava perguntando sobre sua família, como você perguntou sobre a minha. E sim, Ella percebeu, estava sendo defensiva sem necessidade. Aquela era uma questão simples, afinal de contas. 41
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Sim, eles ainda estão juntos. — Agora — começou Santo, mudando de assunto — nós precisamos falar sobre aquele emprego que você está considerando aceitar... — Não. — Ella meneou a cabeça com firmeza. — Acabamos de passar o dia e a noite na cama. — O que torna o momento perfeito para a conversa. — Para você, talvez — foi a resposta rápida de Ella. — Nós falaremos sobre isto no trabalho. — Ella, eu não quero que você aceite aquele emprego. Santo não sabia como era perigoso o terreno sobre o qual caminhava, porque tantas vezes o pai de Ella usara aquelas exatas palavras com a esposa. — Eu escolho onde trabalho. — Se você ao menos me ouvisse... — Falo sério, Santo — interrompeu-o. — Conversaremos sobre isto no trabalho. Você poderá dar palpite em minha carreira quando estivermos lá, e só quando estivermos lá. — Você está sendo ridícula. Não para Ella. Sua mãe trabalhara numa fábrica até seu nascimento, mas abandonara o emprego para ajudar na loja de seu pai. Ella podia lembrar-se de sua mãe perguntando ao seu pai se ela podia trabalhar fora — Deus sabia que eles precisaram do dinheiro, mas ele gostava da esposa por perto, do fato de que ela falava pouco inglês e não tinha amigas. — Não me importo se você acha que estou sendo ridícula. Falarei com você sobre isto no trabalho. — Pode esperar até conversarmos, antes de responder para ele, então? — Santo! — Ella avisou. — Tudo bem! — Apesar de não estar acostumado a ouvir “não”, ele concedeu e deu-lhe um beijo na boca. — Obrigado... Nunca achei que fosse possível, mas você transformou ontem num dia bom — Você também — Ela sorriu, sentindo-se em conflito. Queria que Santo fosse embora, mas, ao mesmo tempo, queria que ele ficasse. Na verdade, não tinha certeza se poderia lidar com aquela situação. Independentemente do quanto dissesse a si mesma que isso não ia doer, havia uma parte sensata em seu interior que começava a perceber que ia. Fitou-lhe os olhos verdes, talvez pela última vez dessa forma intensa, porque, do jeito que Santo era, ele poderia estar nos braços de Taylor naquela mesma noite. — Boa sorte com o primeiro dia de filmagem. — Eu precisarei de sorte. — Santo fez uma careta. — O que dirá a Taylor sobre as fotos? — O que adianta falar alguma coisa? — Ele deu de ombros. — Pedi que ela se comportasse. Expliquei-lhe como o filme dependia que se mantivesse longe de problemas. Talvez fosse mais fácil unir os joelhos dela e costurá-los. 42
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ella riu enquanto se despedia, mas não se sentia alegre com aquilo... porque, mesmo com os joelhos costurados, Taylor ainda era deslumbrante, e Ella não se surpreenderia se Santo lhe telefonasse no meio da noite com o pedido urgente de uma tesoura! Porém, lembrou, ia desligar seu telefone. Era uma felicidade deitar-se na cama e saber que nada a perturbaria, todavia, ela não contara com seus pensamentos. O pânico que a assolara no banheiro do hotel estava de volta. Aquilo não era apenas sexo. Permaneceu deitada, olhando para o teto, ainda tentando convencer-se de que era só sexo, de que podia fazer isso. Ella vinha guardando seu coração fazia muito tempo, portanto, não começaria a alimentar esperanças com Santo. Sorriu diante do pensamento de vê-lo modificado, então parou de sorrir, porque, mesmo que Santo, reformado, viesse amarrado com um laço, jamais poderia confiar nele. Ella dormiu até de tarde, mas, é claro, assim que acordou, checou o celular... presumindo, porque o conhecia, que haveria diversas ligações e mensagens de texto de Santo. Mas não havia nada. Checou e tornou a checar, tentando reprimir seu desapontamento antes que se instalasse. Deveria estar grata por Santo não a ter bombardeado; todavia, a nuvem na qual estivera flutuando começava a se dissipar. Embora fosse típico de Santo, não havia flores chegando a sua porta, com cartões preenchidos com frases sentimentais. Ella até mesmo deu um sorriso irônico ao se recordar de uma das conversas recentes deles. — O que devo escrever no cartão? — Ella perguntara quando ele lhe dissera para enviar flores. — Você decide. Ele sem dúvida se arrependera de deixar aquele bilhete em particular para Ella, porque lhe interfonara alguns minutos depois: — O que você escreveu? Ella suspirara, antes de responder: — “Adorei nosso fim de semana. Você foi incrível. Santo.” — Não, estas são as flores que ela deveria me enviar. — Ele pensou por um momento. — Esqueça as flores, mande uma joia. Safira. — Ela tem olhos azuis, certo? Sim, ela o conhecia bem Pare com isto, disse a si mesma ao arrumar a mala para a viagem, lembrando que não ia permitir que Santo a entristecesse, que entrara naquilo com olhos bem abertos. Então, recusando-se a aceitar o conselho de Santo sobre sua carreira, Ella respondeu para Luigi e aceitou o emprego. Depois redigiu sua carta de demissão... porque, independentemente do que acontecesse entre os dois agora, ela não trabalharia para Santo por muito mais tempo. Passou o resto da noite sem uma única palavra de Santo, e boa parte do dia seguinte. Fez todos os preparativos necessários para um fim de semana na vida de Santo 43
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Corretti. Estava quase anoitecendo quando ela enfim estacionou o carro no hotel, perto de onde a filmagem aconteceria. A viagem deveria ter sido agradável — o cenário era espetacular, e o trânsito, tranquilo, mas Ella passou por algumas placas para o vilarejo de sua mãe, e, embora o local onde eles filmavam não fosse na cidade em que sua mãe nascera, era perto demais para sua paz de espírito. Saindo do carro, ela sentiu um nó de nervosismo no estômago. Em alguns dias, seria o aniversário de sua mãe, e ela não teria escolha a não ser lhe telefonar. Se a mãe descobrisse como estava perto de seu vilarejo, seria estranho que Ella não visitasse suas tias. Rude, na verdade. Havia certas regras em todas as famílias, e especialmente nas famílias sicilianas, pensou Ella, passando pelas portas giratórias de vidro. O hotel era bonito e elegante, e o staff, formal, porém amigável. Depois de registrar-se, dirigiu-se para os elevadores, e piscou quando Taylor Carmichael saiu de um Ela usava óculos escuros enormes, e Ella deu-lhe um sorriso tímido, mas, é claro, Taylor não tinha ideia de que ela trabalhava para Santo, e a ignorou. Entretanto, era excitante ver tamanha celebridade e pensar que no dia seguinte teria a chance de vê-la representando, e de ver o filme que amava começar a se desenrolar. Ella encontrou seu quarto e abriu-o com o cartão, franzindo o cenho ao entrar. O hotel era lindo, mas esse quarto em particular era magnífico. Janelas francesas se abriam para um grande terraço, com vista para um mar muito azul, e, certamente, ela pediria que as ricas cortinas pesadas fossem deixadas abertas de noite, de modo que pudesse absorver a beleza. Olhou para os móveis antigos e imensos espelhos, e imaginou se teria subido de nível. Havia vasos de flores frescas, até mesmo champanhe num balde, e ela corou diante da memória da outra coisa, um sorriso brincando nos lábios. Percebendo agora que aquilo era obra de Santo, ficou tocada por ele ter tido tanta consideração. Mas o sentimento desapareceu no instante em que ouviu a voz dele vinda do quarto, e, percebendo seu erro, andou em direção ao telefone interno. — Ella... — Santo apareceu, então. — Finalmente, você chegou. — Sim. — Ela estava sem graça, embaraçada por ter pensado que ele pedira flores e champanhe para seu quarto. — Houve um erro na recepção. Acho que eles pensaram que eu fosse compartilhar a suíte com você. — Fez uma careta. — Eu falei em italiano quando fiz a reserva. Algo que não repetirei no futuro. — Não há erro algum. — Santo sorriu. — Eu pedi que eles enviassem você para cá. Pensei que pudéssemos jantar, conversar... Há tanta coisa acontecendo... — Você não pode simplesmente me mudar de quarto. — Não estou simplesmente mudando você de quarto. — Então, onde é meu quarto? — Ella, nós trabalharemos 15 horas por dia... ou pelo menos, assim espero. — Como é? — O diretor se demitiu. 44
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ella estava boquiaberta, os arranjos da suíte temporariamente esquecidos. — Ele se demitiu? — Ele deu ultimatos. Não gosto de ultimatos. Ella já vira Santo discutindo com diretores outras vezes, mas perder um no primeiro dia de filmagem... devia ter sido uma briga feia. Perguntou-lhe o que acontecera. — Acabou agora. — Santo deu de ombros. Não era de remoer o passado, e sempre seguia em frente, com facilidade. — Fiquei tentando pensar em qual seria a melhor pessoa para dirigir o filme, e quem está disponível, mas acho que isso está resolvido, enfim. Ele estava servindo champanhe, e Ella sentiu um friozinho de esperança na barriga ao pegar a taça. — Encontrei alguém bom, que compartilha minha visão e está ansioso para despertar o melhor que há em Taylor. — Ele sorriu, e Ella tentou sorrir de volta. — Amanhã, teremos um novo diretor começando: Rafaele Beninato. — Rafaele Beninato? Santo devia ter detectado o desapontamento na voz dela, pois estava decepcionada demais para escondê-lo. Por causa do champanhe, da conversa que eles haviam tido sobre o filme, das visões que compartilharam, Ella pensara, por um momento de cegueira, que Santo poderia lhe dar a função. — Ella.... — Ele não apenas ouviu o desapontamento em sua voz, como viu o rubor em seu rosto. — Você não pensou... — Não. — Ela estava embaraçada demais para admitir que sim, pensara que ele pudesse considerá-la. Afinal de contas, estavam falando de um grande filme. Mas então, de repente ficou zangada. — É o fato de nem ter lhe ocorrido! De nem mesmo ter me considerado para o trabalho. — Como eu poderia? — Ele estava incrédulo. — Ella, você não tem experiência alguma. — Não! — Ela estava mais do que magoada agora. Eles tinham conversado sobre o filme no dia anterior, falado sobre as cenas. Todavia, nem uma única vez passara pela cabeça dele que ela poderia ser uma boa diretora. Sim, aquilo magoava. — Santo, eu amo aquele filme. Li o script centenas de vezes. Sei tudo de cor. Sei tudo o que precisa ser feito. — Ela pôs a taça sobre a mesa, sentindo-se arrasada, porque, embora as palavras dele fizessem total sentido, fossem completamente lógicas, não estava raciocinando com lógica no momento. -Eu vou mudar a reserva da suíte... Ella queria sair dali, antes que falasse demais; queria pensar. Era uma mulher que nunca chorava, mas via-se perigosamente perto das lágrimas, quando pegou o telefone e pediu para voltar ao quarto que reservara. Disse à recepcionista que iria descer e pegar a chave, naquele instante. — Então você vai embora porque não conseguiu o trabalho? — Não! Eu ia embora, de qualquer forma. Este é o motivo de quartos separados, Santo... você tem para onde ir quando uma briga acontece! As malas de Ella chegaram, e ela logo instruiu para que levassem para a outra 45
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli suíte, mas ainda havia a chave para apanhar, e pareceu levar um século até que estivesse finalmente sozinha. Tentou reunir seus pensamentos, mas nem isso conseguiu, porque logo Santo batia a sua porta, recusando-se a sair de lá até que ela o deixasse entrar. — Você não sabe o que quer. — Era Santo quem estava zangado, agora. — Insiste que não podemos trabalhar e dormir juntos, que devemos manter a relação profissional no trabalho, entretanto, quando lhe convém, você quer todas as vantagens de ser minha amante. — Isso não é verdade. — Sim, é verdade. Você quer as duas coisas. Eu só quero uma. Sou eu mesmo agora e na cama, mas no trabalho, tomo as melhores decisões para meus filmes. Ela ouviu a paixão então, a determinação absoluta que o tornava tão brilhante. — Quando estou no trabalho, escolho apenas o melhor para meus filmes, e sempre tomo decisões racionais. E se acha que vou lhe dar o cargo de diretora porque nós tivemos bom sexo, então é você quem tem um problema, não eu. — Eu queria o trabalho desde muito antes de ontem. — E eu não a considerei para tal papel antes também, porque o fato é, Ella, que você não tem experiência. — Porque você não me dá chance de adquiri-la. — Quando surgir uma oportunidade adequada, esta será sua, mas o mundo não está esperando a sua estreia, Ella. Você precisa ganhar sua marca na indústria para ser respeitada, e não na cama. Ela queria esbofeteá-lo, mas permaneceu em silêncio, com o rosto queimando, porque aquilo era verdade. E ele ainda não terminara. — Então, para reiterar, eu apreciei nosso tempo, juntos. Esperava levar as coisas mais longe hoje. Esperava compartilhar uma refeição, conversar, fazer amor. Mas porque você não é capaz de separar trabalho de relacionamento pessoal, nós dormiremos sozinhos. — Eu vou pedir demissão... — Mais uma tolice de sua parte — disse Santo. — Vá trabalhar para Luigi, deixe-o seduzi-la com promessas, e logo descobrirá que eu não sou um cretino tão grande, afinal de contas. Pelo menos, você gostou de dormir comigo. — Luigi não é assim, Santo. Ele é um diretor brilhante e quer uma assistente disposta... — Ei — interrompeu Santo, — você sabe o que as pessoas esperam, quando seus empregadores em potencial ligam para pedir referências. Sempre me pergunto por que os empregados em potencial não fazem o mesmo. Por que eles não tiram um tempo para tentar descobrir onde estão entrando, antes de mergulhar? — Eu gostaria que tivesse sabido, antes de começar a trabalhar para você. — Sabia muito bem onde estava entrando. Como falei, eu não escondo meus supostos erros, e não espero favores, nem os dou, por sexo. — Para um homem que parecia não ter moral, ele provava o contrário. — Por mais patife que você me considere, pense com cuidado, Ella... porque seu trabalho nunca dependeu de dormir comigo, e ainda não depende. Sei como fechar a porta do quarto e continuar com meu trabalho. 46
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ela não disse nada, porque ele estava certo. — Quanto tempo de aviso prévio você está dando? — Quatro semanas. — Ótimo — disse Santo. — Ligue para a agência de empregos amanhã e peça sua substituta, veja se consegue alguém que possa começar imediatamente, de modo que você possa treiná-la. E, desta vez, por favor, avise-os de que eu quero uma pessoa fluente em italiano. Aquilo doía, mas ela se recusou a reagir. — Mais alguma coisa? — Com muita experiência. — Bonita, também? — provocou-o. — Sem dúvida. E, de preferência, sem muitos problemas emocionais. — Você pode entrar em seus próprios sites de encontro... — Eu não entro em sites de encontro, Ella. Não preciso disso, e não tenho tempo. Quero alguém que seja boa no trabalho, que seja agradável aos olhos, e que não atribua tudo o que acontece às atividades entre os lençóis. — E com isso, ele saiu e bateu a porta. Santo estava certo. Tremendo, Ella sentou-se na cama. Seu desapontamento era num nível profissional, mas pessoal também Era ela quem não conseguia separar as coisas, mas, é claro, com Santo, nunca fora capaz. Admitiu para si mesma então: experimentava um desconforto muito pessoal a cada mulher com quem ele saíra, toda vez que sussurrava ao telefone com a última amante, enquanto Ella dirigia. Sabia no que estava entrando, mas ignorara aquilo, refugiando-se no trabalho. Escolhera manter seus dias ocupados, quando deveria ter ficado deitada numa praia, tentando se curar de tudo o que acontecera com seu pai. Talvez devesse ter se isolado por um tempo, para processar suas emoções, em vez de procurar um emprego e ignorar o que agora não podia mais ignorar. Um quarto de hotel não era um lugar para ser tomada pelo pânico, e, diferentemente da suíte de Santo, esta não tinha um terraço, apenas janelas fechadas, que Ella abriu para respirar o ar noturno. Queria ligar para casa, queria gritar, queria bater à porta de Santo, porque não suportava ficar sozinha com seus pensamentos. Não suportava lembrar-se do punho do seu pai atingindo seu rosto, dos gritos de sua mãe e da sensação de ter 6 anos, em vez de 27. Porém, agora estava fazendo exatamente isso. Lembrando-se de cada momento horrível, de cada sensação pavorosa, chorando pela primeira vez desde que acontecera, revivendo o pesadelo, quando não queria revivêlo. E sozinha num quarto de hotel.
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CAPÍTULO 7
Pela primeira vez desde que começara a trabalhar para ele, Ella se perguntou se seria capaz de tomar café da manhã com Santo e discutir a agenda dele. Eles sempre começavam a semana assim, e como tivera folga no dia anterior, ela encontraria Santo no restaurante do hotel às 6h, como faziam quando estavam em locais de filmagem Ella estava diante do espelho, depois de uma noite de pouco sono. O banho frio não ajudara muito a reduzir suas pálpebras inchadas, e a ponta de seu nariz se mostrava vermelha. Parecia uma mulher que passara a noite chorando. Mas não por ele, como Santo, sem dúvida, assumiria... Eram as memórias que ele despertara que a tinham feito desmoronar. Depois de seis meses sem lágrimas. Seis meses dizendo a si mesma que era forte, que não deveria se permitir ser afetada pelo que seu pai lhe fizera, não podia permitir que os punhos dele ferissem sua alma. Mas feriam. Não eram apenas os tapas que deixaram sua marca, mas sim ocorrências de anos. Anos assistindo sua mãe sofrer, anos pisando em ovos para não aborrecê-lo, anos economizando para comprar uma casa aonde pudesse levar sua mãe para longe dele. Ella corria o risco de chorar de novo, então escolheu não pensar sobre aquele dia horrível. Em vez disso, tentou mágica com um pincel de maquiagem, mas nada ia funcionar. Portanto, depois de vestida, foi Ella quem pôs enormes óculos escuros, antes de pegar o elevador, enquanto esperava, fervorosamente, que Santo fosse educado e fingisse não notar o estado de seu rosto. — Jesus! — Ele se levantou quando a viu se aproximar da mesa. É claro que ele parecia imaculado e descansado. Por causa disso, Santo tirou-lhe os óculos... ele era tão italiano... e envolveu-a em seus braços. — Desculpe, querida... — Pare com isso. — Fui longe demais. — Santo falava no seu ouvido, tranquilizando as batidas do coração de Ella. — Contrate uma mulher feia. Ela sentiu lágrimas nos olhos diante da tentativa de Santo de ajudar. — Contrate um homem, eu não me importo. — Santo... — Ela se afastou e se sentou. 48
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Eu não estava chorando por causa disso. Um garçom lhe serviu café, e Santo adoçou. Ella deu um gole e desejou que ele não estivesse sendo tão gentil, porque seria tão fácil desmoronar, de novo. — Por que, então? Deus, ela detestava a palavra: — Problemas. E onde a maioria dos homens fugiria, Santo aproximou a cadeira da sua e passou um braço ao seu redor. — Conte-me. — Não! — Ela não queria o braço dele, não queria um homem que estivesse confortável em sua própria pele e que pudesse se sentar num restaurante e não se importar com quem os visse juntos, nem um homem que achasse que ela poderia discutir tais assuntos. — Eu lhe contarei os meus. — Não. — Não ia deixar que ele a fizesse sorrir. — Tenho centenas deles — disse Santo, e sim, ele a fez sorrir. Então, foi incrivelmente gentil. — Mas no momento, meu problema principal é você. — Nós precisamos ir para o set de filmagem. — Eu direi quando iremos. — Não posso falar sobre isso. — Você poderia. — Não. — Ella meneou a cabeça. Não precisava explicar suas escolhas para ele; contudo, pegou-se tentando fazer isso. — Você não fala sobre coisas que não quer falar, não discute sua família. — Você sabe como minha família... — Santo não terminou, e ela o observou puxando o colarinho da camisa e procurando uma resposta adequada. — Você é um Corretti — Ella o ajudou. — Portanto, seus problemas são muito mais sérios do que os meus poderiam ser. — Sim. — Eu estava sendo sarcástica, Santo. — Sei disso. E eu também; mas o que estou tentando lhe dizer é que pouca coisa aconteceu na minha família. Meu Nonno, Salvatore, começou do nada, e ao morrer era um dos homens mais poderosos da Sicília. Portanto, sim, há coisas sobre as quais não posso falar. Os filhos dele, meu pai, Carlo, e o irmão, Benito... — Santo parou. — Você sabe o que eles dizem sobre língua solta... — O que sei é que você não me contou nada sobre seus problemas e sobre sua família. — Estou tentando informá-la que você pode me contar, se quiser. E se não puder, tudo bem, mas nunca mais passe uma noite assim, sozinha, quando eu estou à distância de um trajeto de elevador. — Santo...
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Alguém o chamava, dizendo-lhe que era hora de ir, mas ele gritou que os encontraria no set. — Você me entende? — Às vezes é melhor ficar sozinha. — Prefere passar pelo que passou ontem à noite a fazer amor comigo. — Ele lhe beijou a testa. — Então, é louca. — Sexo não é a resposta para tudo. — Mas é uma boa resposta. Funciona muito bem para mim. Mas se você quiser continuar com sua greve de sexo, nós ainda podemos conversar. — Santo levantou-se e ofereceu-lhe a mão. — Vamos andando até o set. — Vai levar muito tempo. — Eles que esperem — decretou Santo com toda arrogância de alguém que sabia que o mundo esperaria. Devolveu-lhe os óculos escuros quando eles saíram ao ar livre, e foi uma companhia agradabilíssima, apontando vilarejos, enquanto eles desciam o morro. — Minha mãe é de lá — contou Ella. — Eu tenho tias na cidade. — Você irá visitá-las? — Talvez, depois que a filmagem terminar. — Não lhes conte que você trabalha para mim, Ella. Suas tias irão precavê-la a meu respeito. — Eu já conheço sua reputação. — Não a minha — negou Santo. — A de minha família. — Apontou ao longe. -Minha Nonna mora ali. Há muita história, muitos inimigos foram feitos. O nosso nem sempre é um bom nome. Problemas — murmurou ele, mas ela não sorriu, e pela primeira vez Santo soube que não poderia escapar do assunto com uma brincadeira, que o silêncio de Ella talvez fosse uma demanda por alguma coisa que ele nunca dera. Então pensou nos olhos inchados por trás dos óculos escuros. Se quisesse mais, teria de dar, primeiro. — Meu pai e meu tio morreram no incêndio de um armazém — Ele não estava revelando nenhum grande segredo. Aquele fora o assunto da Sicília, e, às vezes, ainda era. — Foi quando meu avô dividiu tudo. — Quando as brigas começaram? — Oh, elas começaram bem antes disso — admitiu Santo. — Meu pai e Benito sempre foram rivais, Salvatore certificou-se disso. — Você o chama de Salvatore? — Eu o chamo dos dois jeitos. Você não se senta numa sala de reunião chamando alguém de Nonno. — Suponho que não. — As brigas pioraram quando fez a divisão dos bens. Uma vez por ano, nós representávamos e fingíamos ser educados. — Vendo-a franzir o cenho, Santo explicou: — A família se reúne no aniversário de minha Nonna todos os anos... A única coisa que nos une é que todos nós a adoramos, e fazemos uma trégua pelo dia; mas depois disso, tudo volta ao normal. Estas próximas semanas... 50
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Santo balançou a cabeça. Nunca falava daquilo, e não havia tempo agora. Ele tinha um filme no qual trabalhar, afinal de contas. Todavia, pegou-se parado numa vertente, olhando para a área do porto e para o mar adiante, pensando em como tudo parecera terrível no domingo, no inferno que sentira num quarto de hotel. No entanto, Ella, que estivera lá para ele, transformou um dia miserável num dia maravilhoso. Gostaria que ela tivesse lhe permitido fazer o mesmo na véspera, queria que se abrisse. Então, por ela, quebrou sua regra do silêncio: — Meu avô jogava os filhos um contra o outro. Ensinou-lhes que para ter sucesso você precisava ser cruel. Então, eles foram. Quando a saúde do meu avô piorou, ele dividiu tudo, pondo Benito no comando do império de hotéis, e meu pai, Carlo, no comando da mídia. Agora, todavia, se quisermos que a proposta de reformar a área do cais aconteça, precisaremos nos unir. — Santo deu um sorriso irônico. — Não posso ver isso acontecendo. Angelo é... — Angelo? — Meu meio-irmão. — Você nunca o mencionou. — Nunca o menciono. — Ele olhou morro abaixo. — Angelo construiu algumas das casas aqui. Este deveria ser nosso desenvolvimento, mas agora Battaglia está apoiando Angelo. — Porque o casamento não aconteceu? — Por causa de muitas coisas. — Isso importa? — perguntou Ella. — Quero dizer, é apenas um projeto. — Importa — disse Santo, e, nesta questão, não ia entrar em detalhes. Não ia contar-lhe que o império Corretti estava desmoronando ao redor deles. Não era tanto por não confiar nela... não suportava admitir aquilo para si mesmo. — No momento, eu preciso me concentrar neste filme, mas antes... — Ele a puxou para seus braços e removeu-lhe os óculos novamente, beijando-a com incrível carinho. Com tanto carinho que fez Ella querer chorar, porque entendia agora suas lágrimas anteriores. Aquilo não era apenas sexo... Santo Corretti era o pacote completo. Como o mundo seria triste e solitário depois dele. E então, quando o telefone de Santo começou a suplicar para que o produtor chegasse ao set, não houve escolha se não seguir em frente. Eles chegaram ao cais. A área estava descuidada e precária, mas Santo disse-lhe que com algum investimento ali, o lugar voltaria a ser lindo, algum dia. — A cidade está morrendo, mas se os turistas a encontrarem, se as pessoas voltarem... Havia cidadãos locais reunidos para observar a atividade. — Veja — continuou Santo, — aquele café não funcionava havia anos, mas hoje abriu. Esse é o tipo de coisa que o filme poderia fazer, e talvez leve as pessoas a associar o nome Corretti com o que pode ser feito no futuro... — Então ele parou de falar sobre família. — Você faria uma coisa por mim? Investigaria um pouco sobre Luigi antes de aceitar o emprego? — Eu já aceitei. Para seu crédito, Santo não disse nada; não que tivesse muita chance. Estava 51
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli sendo chamado por diversas pessoas, e Ella sentou-se e começou a trabalhar. Ou a tentar, pelo menos... Com frequência, espiava por sobre seu notebook, franzindo o cenho para algumas das sugestões de Rafaele, porque aquelas não eram interpretações que Ella teria considerado. Entretanto, Rafaele era o especialista, disse a si mesma, determinada a pôr o orgulho de lado e aprender com ele. — Você está bem? — Ella piscou, surpresa, um pouco mais tarde, diante da visão de Santo estendendo-lhe um café. — Melhor agora — afirmou. — Porque se estiver cansada de ficar aqui, eu não preciso de você. — Ele se encolheu. — O que eu quis dizer foi... — Entendi o que você quis dizer. — Ella sorriu, tocada pela consideração dele. — Como está indo tudo? Santo fez uma careta. — Vince acabou de perder a calma e discutir. Suponho que porque hoje é o primeiro dia. Ela deu um gole de seu café, mas após um momento, decidiu aceitar a oferta dele. — Se você tem certeza de que não precisa de mim, irei trabalhar um pouco no hotel. — Claro — concordou Santo. — Eu ligo se precisar de algo. Era mais seguro ficar sozinha agora. Santo se abrira mais sobre a família do que Ella esperara, e, de alguma forma, aquilo a desarmara. Com sexo podia lidar... era tudo o mais que a apavorava tanto. Com tal pensamento em mente, em seu quarto de hotel, contatou a agência de empregos que a enviara para Santo. Passou a maior parte do dia lendo currículos, assim como confirmando os horários de ancoragem para o navio, o qual seria uma parte enorme do set de filmagem. Ella fez algumas entrevistas por telefone, e outras on-line, até que tivesse estreitado suas escolhas para duas pessoas. Depois checou seus e-mails, intrigada com a resposta de Luigi, que dizia estar encantado em lhe dar aquela oportunidade, e que estava ansioso para vê-la quando ela chegasse a Roma, que eles deveriam jantar logo em seguida. Lógico que Luigi iria querer levá-la para jantar e explicar as coisas, antes que o filme começasse, disse a si mesma, ao se dirigir ao restaurante para jantar com Santo. — Melhor? — Santo se levantou brevemente, quando ela se aproximou. — Muito. E então não houve mais conversa pessoal, porque havia muito trabalho para ser discutido, ainda mais agora que as filmagens tinham começado. Eles cobriram quase tudo, até mesmo o assunto mais delicado. — O nome dela é Marianna Tonito. — Ella trouxe o assunto sobre a pessoa em potencial que a substituiria. — Marianna trabalhou para dois produtores de filme e para um ator, portanto, possui muita experiência. Eu falei com a agência, e depois, com Marianna. Ela parece muito...
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Era difícil escolher a palavra certa, pois todas — experiente, competente, autoconfiante — se aplicavam, e, graças à tecnologia das câmeras embutidas nos computadores, Ella sabia que Marianna era muito sexy, também — Adequada. — Ella decidiu-se pelo termo, sabendo que estava convidando o próprio sofrimento ao passar o currículo da mulher para Santo, mas ciente de que Marianna era a pessoa perfeita para o cargo. — Quando ela pode começar? — Imediatamente. Santo franziu o cenho. — Como pode ser tão boa se está tão disponível? — Eu chequei tudo isso. — Ella pensara a mesma coisa. — Marianna ainda está trabalhando, fazendo o mesmo que eu... treinando a substituta dela, a pedido da esposa do chefe. Santo arqueou uma sobrancelha. — Há outras candidatas? Ella entregou-lhe o segundo currículo. Santo tentou manter a expressão neutra... tanto que Ella teve de reprimir um sorriso. — Ele tem muita experiência. — Sim — concordou Santo, cuidadoso. — E talvez as coisas fossem menos complicadas. — Fitou-a, como se para ler seus pensamentos, mas ela se recusou a entregá-los. — Quando ele pode começar? — Paulo já pediu sua demissão. Está em Cingapura agora, com o chefe atual, mas deve voltar para a Itália nos próximos dias, embora ele queira duas semanas de férias, antes de começar um emprego novo. — Mande meu avião buscar ambos para uma entrevista. — Santo podia sentir seu mau humor se instalando. Não queria que Ella fosse embora. E certamente, não a queria trabalhando para Luigi. — Você ainda não me entregou sua carta de demissão. Ela abriu a bolsa e apanhou o documento. — Eu pretendia tê-lo feito ontem à noite. Santo não pegou o papel. — Arquive-a. — Tudo bem — No picador de papéis. — Eu lhe mandarei uma cópia por e-mail, antes de fazer isso. Mais alguma coisa? — Preciso mudar a data do navio. Ella piscou. Levara séculos para organizar aquilo! — Eu preciso que você marque para dois dias mais tarde. — Santo... — Ella suspirou. — Há 300 figurantes agendados. — Acha que eu não sei disso? — respondeu ele. — Mas o fato é que nós perdemos um dia de filmagem ontem, e as coisas não foram muito bem, hoje. Creio que cometi um erro. 53
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ella sabia que Santo se referia a Taylor. A atriz não brilhara exatamente hoje, mas Ella podia ver que o problema não estava na sua atuação. Todavia, se sugerisse que o problema era o diretor, iria dar a impressão de que falava por ressentimento. — Talvez tudo esteja melhor amanhã, Santo. O primeiro dia de filmagem nunca é perfeito. — Eu sei. Mas por enquanto, apenas resolva o problema do navio e dos figurantes. Nós precisaremos de mais tempo. — Verei o que posso fazer. O som que avisava mensagem de texto tocou no celular dele, e a expressão de Santo foi de alívio. — Alessandro? — Graças a Deus! — Santo leu o texto. Ella descobriu-se desejando que ele lhe contasse o que o irmão dizia. — Então, nós terminamos? Ella assentiu. — Você quer mais uma bebida? ofereceu ele. — Não, obrigada. — Quer conversar? — Temos de acordar às 5h, amanhã. — Certo. — Fora um dia terrível, e Santo teria adorado descarregar sua tensão no sexo, mas não ia suplicar. Ele não a compreendia. — Você prefere mesmo ficar sozinha a estar comigo? Sim, pensou Ella, porque era mais seguro estar só naquela noite. Na cama dele, estaria lhe dizendo que o amava ou alguma coisa ridícula, que não causaria o menor problema para Santo. Ele estava muito acostumado a ouvir aquilo. Mas seria péssimo para Ella, que não queria amar ninguém, não queria pôr seu coração num risco maior do que já estava. — Boa noite, Santo — murmurou. — Boa noite, Ella.
CAPÍTULO 8
ELLA NÃO conseguiu contatar Paulo por dois dias, mas, quando o fez, ele se mostrou encantado em ouvir notícias suas. No entanto, tentar marcar uma entrevista 54
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli provou-se um pouco difícil. — Que tal no próximo domingo? Ella estudou a agenda, então mudou de ideia. Se eles mudassem as datas do navio, aquele seria o último dia da filmagem; haveria 300 figurantes andando ao redor, e o set estaria uma loucura. — Deixe-me resolver as coisas por aqui, então eu lhe dou um retorno. — Sem problemas. — Paulo era tão simpático, tão engraçado, e estava tão ansioso para trabalhar para Santo... — Eu não me importaria em tirar apenas uma semana de férias entre um emprego e o outro. Ou nem isso! Mas não conte para ele ainda. Sabe, eu adoraria trabalhar para Santo... Ouvi falar tantas coisas boas. Paulo riu, e Ella também. — Coisas horríveis, também...sobre a família inteira, na verdade. Presumo que você tenha lido o jornal esta manhã. — Você não espera que eu discuta isto! — Ella sorriu, porque havia histórias sobre infidelidade, noivas desaparecidas e ilegitimidades. Era a mãe de Santo, Carmela, que ocupava o destaque no noticiário do dia. Ela era uma mulher excepcionalmente fria, e que, segundo o artigo, tinha mais interesse em roupas de grife do que em ser mãe dos seus filhos. Mesmo se Santo já soubesse disso, estaria, sem dúvida, abalado pela notícia do caso amoroso ilícito de sua mãe. Ela voltou a atenção para Paulo. Eles não estavam realmente fofocando. Ella lhe fizera perguntas sobre seu chefe, e gostou do fato de ele não lhe contar nada. — Este cargo exige muita discrição, Paulo. — É claro. — Mesmo trabalhando diretamente com Santo, você não terá ideia, metade do tempo, do que estará acontecendo. Ele não gosta de falar da família. — Eu nunca esperaria que um Corretti gostasse. Sou siciliano, por isso, sei. Marianna não era nem de perto tão compreensiva ou tão simpática como Paulo. Mais irritante, Marianna insistia em falar em inglês. Deus, os italianos eram tão ofensivos quando queriam. Foi ainda mais difícil agendar uma entrevista para ela do que fora para Paulo. — Eu arranjarei transporte, se você puder me dar uma data adequada. — Ella fez o possível para manter a voz calma. — Santo gostaria que isso fosse organizado o mais depressa possível, então, se você me informar quando estará disponível, eu marcarei com ele. — Deixe que eu cuide do meu transporte — disse Marianna. — Depois você me reembolsa. Ella prendeu a respiração. Sentia-se mais como se fosse ela quem estava sendo entrevistada, como se fosse a assistente de Marianna. Tentou lembrar que aquele era um tipo de pessoa melhor para o emprego... uma mulher ousada e confiante, que poderia reagendar um navio em cinco minutos e lidar com todo o drama que Santo gerava. — Verificarei minha agenda para ver quando estarei disponível. Talvez, se eu falasse diretamente com Santo... 55
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Santo está ocupado com uma filmagem, no momento — afirmou Ella. — Eu cuido da agenda dele. — E ouviu um tom possessivo na própria voz. — Se pudermos combinar um horário, ótimo, mas há diversos candidatos, e Santo está muito ocupado. — Eu entrarei em contato. — Foi Marianna quem desligou. Entretanto, aquilo era uma trivialidade, e ela não aborreceria Santo com isso, porque a filmagem estava indo de mal a pior, e, conforme os dias progrediam, e o filme não, Santo se tornava mais mal-humorado. Porém, havia mais coisas na mente de Ella do que Santo. Esse era o dia que ela temera por semanas — o aniversário de sua mãe e mais tarde teria de telefonar-lhe. E dizer o quê? Ella tentou não pensar sobre aquilo. Em vez disso, respondeu algumas mensagens de texto de Santo, que já estava no set de filmagem; depois organizou a correspondência dele. Às 9h, começou a dar os infinitos telefonemas para resolver a situação do navio e dos figurantes, e então, estava na hora de se dirigir ao set. Pôde sentir a tensão quando se aproximou do local de filmagem. Santo fizera bem de mudar a data da cena do navio. Do contrário, eles não estariam prontos, de forma alguma. — Onde está Vince? — alguém gritou. — Bufando em seu trailer — respondeu Santo. Ella olhou para Rafaele, que posicionava todos os atores, e em seguida para Santo. Um músculo saltava no maxilar quadrado, enquanto ele observava o posicionamento. — Que diabos ele está fazendo? Ela não disse nada, mas como teria adorado se intrometer e mudar as coisas... Rafaele fez Vince andar ao longo do cais, onde ele encontraria Taylor chorando, e ficaria parado por um momento, observando-a, antes de se aproximar. Não funcionou. Supostamente, os personagens nem gostavam um do outro, e aquilo fazia Vince parecer oportunista. E ainda mais quando Rafaele pediu que ele pusesse mais propósito em seus passos. — Marchar para lá? — Santo virou a cabeça para Ella. — Rafaele está lendo o mesmo script que você e eu? Ella não respondeu, apenas ficou olhando em silêncio, enquanto, mais uma vez, a equipe de maquiagem foi chamada para retocar o rosto de Taylor. — Isto é um desastre — reclamou Santo. Ella continuou calada. Mas ele tinha toda a razão. Repetidas vezes, eles viram Taylor chorando quando lhe era ordenado, e então, inúmeras vezes, Rafaele pediu que ela fizesse aquilo de novo. — Isto é demais! — exclamou Santo, e Ella permaneceu silenciosa, sabendo que ele estava nervoso com a pressão colocada em Taylor.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli O problema era que muita coisa estava acontecendo na cena. Aquela em particular deveria ser combinada com uma lembrança da personagem recebendo a notícia de que seu amor tinha morrido. Deveria retratar a heroína devastada olhando para o mar e chorando ao se dar conta de que seu amado nunca voltaria. — Ação! — instruiu Rafaele. Taylor chorou de novo. Vince também estava sendo filmado, observando-a a distância; em seguida, andando ao longo do cais, em direção a ela. Era no fim daquela cena que a dor e a paixão deles se acenderiam. — Primeiro o rosto dela — Santo estava furioso, — depois a praia, e então de volta para o rosto dela, e agora Vince. Santo estava certo. Vince dominava a cena. Ella podia ver o que era necessário. Taylor representava maravilhosamente bem. Era necessário um close-up dos olhos de Taylor, com o oceano refletido neles, e então, ela deveria se virar quando Vince chegasse ao seu lado. — Isto será tão tedioso como assistir a um jogo de tênis — reclamou Santo. Por fim, Rafaele anunciou um intervalo para o almoço de todos. — O que você acha? — indagou Santo. Um sorriso irônico curvou os lábios de Ella por ele ter a audácia de lhe perguntar. — Vamos, Ella, fale o que você está pensando. — Que eu preciso de sua assinatura para depositar o cachê dos figurantes. — Estou falando sobre esta cena. — Eu sou sua assistente — retrucou Ella. — Você declinou de meus conselhos sobre a direção do filme. Ele a estudou, a expressão incrédula. — Ainda está zangada com isso? — Não. — Está sim. — Sabe de uma coisa? Nem tudo gira em torno de você, Santo. — É claro que gira. Aquela era a primeira vez que ela o via sorrir nesse dia, mas o sorriso desapareceu quando ele viu sua expressão. — Eu estava brincando, Ella. Então, o que está errado? — Não importa. — Importa para mim. Às vezes ele podia ser tão incrivelmente amável... Motivo pelo qual encantava tantas mulheres, Ella lembrou a si mesma. — Está arrependida de ter aceitado o emprego de Luigi? — perguntou ele, assinando o papel que ela lhe entregara. — Não. — O que era mentira, uma vez que, desde que Ella aceitara o emprego, recebera cinco e-mails de seu futuro chefe, um mais familiar que o outro. — Nós 57
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli precisamos agendar os horários para suas entrevistas com os candidatos ao meu cargo, de modo que você escolha quem irá me substituir. — E quando você não estiver mais trabalhando para mim, poderemos celebrar na cama? — Santo a viu fechar os olhos por um segundo. — Acostume-se a isso, Ella. Se você acha que sou devasso, espere até conhecer seu novo chefe. — Eu nunca disse que você era devasso. — Ela suspirou. — Mas vamos nos concentrar no trabalho, por enquanto. Paulo não poderá vir até o próximo domingo. — Domingo será o último dia de filmagem — Se eu conseguir reagendar a data do navio. — Você tem de conseguir — disse Santo. — Não estamos chegando a lugar algum. — Certo. — Ella tornou a suspirar. — Estou fazendo tudo o que posso. Pedirei que Paulo chegue por volta das 16 horas. Você pode fazer um breve intervalo em seu trailer, então levá-lo para jantar, enquanto o elenco todo se diverte. Ela esboçou um sorriso tenso, porque as festas que Santo dava no fim das filmagens eram lendárias, embora, considerando como o filme estava indo, talvez acabasse em velório. — E quanto à outra candidata? — Marianna parece pensar que deveria combinar o horário diretamente com você. Santo deu de ombros. — Estou ocupado com outras coisas, para agendar horários de entrevista, Ella. — Sei disso. Eu só estava informando a você o que ela pensa. Certo, se não precisa mais de mim aqui, voltarei para o hotel. — Fique — sugeriu Santo. — Rafaele vai dar um descanso à cena do choro, graças a Deus, e trabalhar no beijo final. — Tenho de resolver a coisa do navio... — Ella... — Santo não podia aguentar aquilo. Jamais quisera tanto alguém. Estava excitado e furioso, e não entendia por que ela mostrava tanta relutância em ficar com ele, por que não parecia sequer querer conversar com ele. Santo suspirou, frustrado. Fora gentil. O sexo havia sido ótimo, e ele mantivera sua distância. Não sabia o que estava fazendo de errado. Finalmente, havia uma mulher que ele não conseguia entender, e não gostava disso nem um pouco. — Eu quero conversar com você, Ella. Longe daqui. Vou terminar às 19h e, então, vou levá-la para jantar fora. Nada de trabalho, portanto, não leve minha agenda. — Não acho que isso seja necessário. — É muito necessário... — começou ele, mas não terminou, porque sua assistente veio lhe dizer que Taylor estava ficando aborrecida. — Isto é tudo de que preciso. — Santo fez uma careta, e voltou-se para Ella. — Pode falar com Taylor, talvez almoçar com ela? Você é boa com pessoas. Talvez consiga acalmá-la. — Esse não é meu trabalho, Santo. — E não devia dizer nada, Ella sabia, mas não foi capaz de resistir: — E eu não a culpo por estar aborrecida... Taylor fez um trabalho incrível esta manhã. Se Rafaele não conseguiu filmar, isso não tem nada a ver com Taylor. Se eu estivesse dirigindo, não teria perdido tanto tempo com a cena do choro. Filmaria um zoom de Taylor chorando, o qual poderia ser rodado no estúdio, se não 58
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli funcionasse aqui fora, e não filmaria Vince andando em direção a ela. Ele ficaria observando por um momento, e então Taylor se viraria, apenas a mão dele movendo-se para o rosto dela... E com isso, Ella se foi. E Santo permaneceu ali, quando queria segui-la. Ella o estava afetando de um jeito como jamais mulher alguma o fizera. Desde que eles ficaram juntos, Santo não conseguia parar de pensar nela... e para quê? Santo levantou a cabeça e encontrou os olhos de uma atriz bonita, que lhe sorria. Se ele a levasse para seu trailer, logo se sentiria melhor. Deveria superar seus sentimentos por Ella usando os velhos métodos, mas estava de volta ao casamento que nunca acontecera... completamente intocado pelas tentações usuais. E por causa de alguém que nem mesmo queria conversar com ele? Por causa de uma mulher que estava indo para Roma e para o Luigi, o patife? Uma mulher mal-humorada, irritadiça, que nem mesmo era uma assistente pessoal tão boa assim, pensou Santo. Então, por que ele a contratara? Você sabe por que, uma vozinha respondeu em sua cabeça. Porque não eram pelas habilidades de secretária que ele a queria por perto, e não, não pensara com a cabeça quando, apesar do terrível italiano dela, a contratara. E então, parou de pensar em Ella, quando, de maneira súbita e completamente inesperada, o inferno se fez presente no set de filmagem.
CAPÍTULO 9
Aquilo não era sobre Santo. Ella falara a verdade. Esse era o dia que ela vinha temendo fazia semanas. Ligar para casa sempre se provara difícil, mas nos últimos seis meses, se tornara quase impossível. Ela adiou o momento pelo máximo de tempo possível. Completou algumas tarefas bancárias de Santo, ligou para Paulo e marcou a entrevista, deixou um recado para que Marianna retornasse sua ligação. Quando não pôde mais adiar, digitou o número de seus pais e rezou para que a secretária eletrônica atendesse. Não teve tal sorte. 59
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Olá, mamãe. — Ella tentou um tom alegre: — Feliz aniversário. — Filha! Ella detectou a tensão na voz de sua mãe. Sem dúvida, Gabriella também temera o telefonema. Havia tão pouco assunto entre as duas. — Fico feliz que tenha ligado... Onde você está? — Estamos num set, filmando. — Ella tentou ser vaga, mas quando a mãe insistiu por mais informações sobre sua terra natal amada, ela lhe revelou seu paradeiro. — Oh! — Houve uma pausa. — Esse lugar é perto de onde eu cresci. — Eu sei. — Você foi dar uma olhada no meu vilarejo? — Ainda não, mãe. Estou muito ocupada com o trabalho, e a filmagem está atrasada. — Suas tias ficarão tão felizes em conhecê-la — murmurou Gabriella. — Falei tanto sobre você para elas, sobre seu trabalho na indústria do cinema... — Eu não estou trabalhando na indústria do cinema. — Infelizmente. — Sou assistente pessoal. — Por enquanto, filha. Mas você não precisa contar isso a suas tias. Diga-lhes como está indo bem, como tudo está ótimo... Ella podia ouvir o aviso velado, o pedido para continuar com a farsa de que tudo estava perfeito. — Ou talvez seja melhor você não mencionar trabalho. Não sei se será bom se elas souberem que você trabalha para um Corretti. — Eu não vou mentir. — Não estou lhe pedindo para mentir. Apenas acho que elas não precisam saber de tudo. O nome Corretti tem uma longa história... isso pode causar uma má impressão. Sabe como eu fiquei chocada quando descobri para quem você trabalhava. Esse nome causa medo em muita gente, especialmente no meu vilarejo. E até que enfim — até que enfim havia algo sobre o que falar, um assunto em comum entre elas. Talvez sua viagem à Itália tivesse valido a pena, porque, finalmente, havia um elo. — Aquela família é perigosa, filha. — Eu acho que tudo está muito diferente agora. — Bobagem Eu ouvi a notícia de que o casamento entre as famílias Corretti e Battaglia não aconteceu. Ella sorriu, porque desde que era garotinha Gabriella sempre mantinha o rádio italiano ligado. Algo que Ella pôde fazer para tornar a vida de sua mãe um pouco mais agradável foi obter uma televisão via satélite, de modo que ela pudesse assistir ao noticiário italiano, o que Gabriella fazia, o tempo inteiro. — Eu me lembro bem dos filhos de Salvatore... — Carlo e Benito? — Mortos! — exclamou Gabriella. — Eu ainda me recordo da noite em que eles morreram. Você lembra? 60
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli E uma memória ressurgiu, então. Ella estava com mais ou menos 20 anos. Podia ver sua mãe de pé, na frente da televisão, gritando, um depósito enorme pegando fogo exibido no noticiário. Aquilo não significara nada para Ella na época, mas agora, sim Ouviu com mais atenção quando sua mãe falou sobre aquela noite. — Não foi um acidente, independentemente do que qualquer um fale. — Eles foram assassinados? — Um calafrio percorreu a coluna de Ella. — Quem sabe? Eles têm muitos inimigos. Essas são as pessoas com quem você está lidando... nunca esqueça isso. — Santo não é assim — defendeu Ella. — Por favor! Ele é filho de Carlo. Não poderia ser de outro jeito. Carlo era obcecado por poder, por dinheiro, por mulheres... não conseguia permanecer fiel à esposa por cinco minutos. Oh, mas ele era charmoso, também. Talvez Santo tivesse puxado ao pai, afinal de contas. — Salvatore era o pior. — Ele também traía? — Quem sabe? — Gabriella meneou a cabeça. — Ele era ruim... a família Battaglia também. Como eles conseguiam dormir de noite, com sua consciência, é um verdadeiro mistério. As esposas deles também eram ruins. Mandando em todo mundo, como se fossem da realeza, oferecendo suas festas chiques. Sua tia trabalhou na cozinha da esposa de Salvatore, Teresa, num jantar, certa vez. O dinheiro deles era sujo... pergunte para suas tias. As histórias que você irá ouvir... Então sua mãe parou quando foi tomada por uma onda de saudade de casa. Gabriella sentia muito a falta das irmãs, mas também de seu lar, de seu vilarejo e de sua história. — Eu gostaria de poder falar com elas. Quero dizer, nós nos falamos por telefone, mas eu queria vê-las. Queria estar aí quando vocês todas se encontrassem. Eu adoraria mostrar meu vilarejo para você... — Mamãe... — A voz de Ella soou rouca de emoção. — Por que você não vem para cá? — Por favor, Ella, você sabe que isso é impossível. — Apenas por um feriado. Eu pagarei sua passagem aérea... — Mas Ella parou de falar. Estava se repetindo, e, considerando que hoje era o aniversário de sua mãe, não insistiu mais. — Eu logo irei visitar suas irmãs, e enviarei seu amor a elas. — Informe-me quando você for, de modo que eu possa telefonar e avisá-las de sua chegada. — Certo. — Ella não conseguiria fingir alegria por nem mais um minuto. — Preciso ir trabalhar agora. Eu amo você, mamãe. — Eu também te amo, Ella. Quer falai com seu... Mas Ella desligou. Tremia de raiva. Como sua mãe podia até mesmo sugerir que ela falasse com o pai, depois de tudo o que houvera? Deveria fingir que aquele dia horroroso jamais acontecera? Bem, não ia desmoronar agora, mas também não iria fingir que esquecera. Olhou61
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli se no espelho, levantou o cabelo e viu a cicatriz cor-de-rosa. Aquela marca era prova de que aquele dia havia acontecido. A prova também estava em seu sorriso. Os adoráveis dentes brancos custaram um preço muito alto. Ainda podia lembrar-se de si mesma cuspindo os próprios dentes na mão, mas pior que isso era a memória da traição: sua mãe o perdoara e ficara. Gabriela havia sido capaz de ver a própria filha apanhando e, em vez de chamar a polícia, permanecera ali, chorando e gritando. Em vez de chamar uma ambulância, a mãe lhe dera gelo e ditara a história que ela deveria contar para o dentista e para o médico, alegando que, se Ella não quisesse tornar as coisas piores para sua própria mãe, devia dizer a todos que caíra. Ela precisava sair, andar, correr. Foi por isso que abriu a porta, pois nunca teria aberto a porta para Santo, nesse estado. Não estava chorando, mas ainda tremia de raiva, ainda continha um grito que queria sair. Ela passou por ele, mas Santo segurou-lhe o pulso. — Por favor, Santo. — Ella tentou não gritar. — Eu estava saindo para uma caminhada. — Mais tarde... — Ele não podia deixá-la sair naquele estado. Podia ver como estava abalada. — Eu preciso sair um pouco. — É claro que precisa. Todos começam a enlouquecer num hotel, depois de alguns dias. Eu a levarei para um passeio de carro. — Ele não ia discutir sobre aquilo. Fora procurá-la por razões mais urgentes que um passeio de carro, contudo, pelo menos desta vez, o trabalho poderia esperar. Santo dirigia, e ambos permaneceram em silêncio, no começo. E Ella teve de admitir que era bom estar recostada ali, olhando para fora da janela. — A paisagem é linda. — Ella fitava as construções bege salpicadas nos morros. Então eles entraram num vilarejo. Outro lugar, Santo explicou, que se achava em estado precário, necessitando da nova perspectiva de vida que o desenvolvimento poderia trazer. — Só há um único café agora — disse ele, diminuindo a velocidade do carro. Ella olhou para longa escadaria. — Quer parar para um drinque? Ela fez que não. — Há pouquíssimas lojas... — Ella entendia, cada vez mais, a diferença que aquele filme poderia fazer. Essa era uma parte tão linda do país, com vistas incríveis por todo lado. Entretanto, tantas pessoas, como sua mãe, haviam abandonado sua terra natal. Ao passar por construções vagamente familiares, Ella piscou e virou a cabeça, reconhecendo-as pelas fotografias que Gabriela lhe mostrara. — Este é o vilarejo de minha mãe. — Eu sei. — Santo virou-se e sorriu. — Você pode visitar suas tias, agora. — Acho que não. — Ella deu um sorriso tenso. — Deve ser uma boa decisão. Sua mãe ouviria horrores se você chegasse lá com 62
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli um Corretti. — Diminua a velocidade. Ele a obedeceu. — Acho que aquela é a padaria onde minha mãe costumava trabalhar, antes de se mudar. — Ela trabalha agora? — Não. Trabalhou numa fábrica até que eu nasci; depois desistiu, para ajudar na loja de meu pai. — Ella olhou pela janela, enquanto Santo passava devagar. — É bom ver este lugar. Realmente era. Havia algumas mulheres sentadas em seus jardins da frente, conversando. Na verdade, era melhor ver a cidade, pela primeira vez, na companhia de Santo do que sozinha. — Podemos ir àquele café? — É claro. — Ele virou o carro numa rua estreita, com uma descida muito íngreme numa das laterais. Mas não era isso o que fazia o suor brotar na testa de Ella. Deveria tirar um momento para retocar a maquiagem Mas então percebeu que não estava trabalhando, e que não se importava com isso. Eles andaram ao longo da calçada estreita. A rua era de paralelepípedos... e era como voltar na história. Pararam do lado de fora de uma pequena igreja. — Minha mãe fica tão nostálgica quando alguém se casa. Ela me contou sobre a igreja. Diz que as festas que se seguem são incríveis... — Todos saem na rua — murmurou Santo. — Mesas são armadas para a comemoração. — É tão diferente de tudo com que estou acostumada... Não só aqui, mas a Itália inteira. Tudo é muito mais novo na Austrália, mesmo as construções velhas não são velhas, em comparação. — Ella olhava ao redor da arquitetura relativamente intocada, e entendeu por que sua mãe sentia saudade desse lugar, como ainda podia descrever a área tão bem, porque era exatamente o que aparecia nas fotos. — Nada mudou. — É claro que mudou — discordou Santo. — As mudanças apenas não aparecem. Eles desceram os degraus estreitos para o café, e várias cabeças se viraram para eles quando entraram Ella estava quase certa de que isso se devia ao fato de Santo ser um Corretti, e não porque ele era o homem mais lindo do mundo. O lugar inteiro ficou silencioso enquanto eles eram conduzidos para uma mesa. — Eles têm medo de você? — sussurrou Ella. — Ou raiva? — As duas coisas — respondeu Santo. — Espero que, em breve, não sintam mais nada disso por mim. Santo pediu café e crepes recheados com sorvete. Era tão gostoso estar longe do set... Os demais clientes estavam retomando suas conversas, e sim, o sorvete era tão bom quanto sua mãe descrevera. — É tão agradável sair um pouco. Obrigada por isto, Santo. — Por nada. — Por que você não está no set? 63
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Santo deu de ombros. Aqueles motivos podiam esperar. Por hora, queria falar sobre ela. — Sua mãe nunca voltou? — Não. — Um dia, talvez? Ella não respondeu. Mesmo quando eles tornaram a entrar no carro, e Santo tentou descobrir o que a aborrecera tanto nesse dia, Ella ainda falou sobre trabalho. — Eu conversei com Paulo, marquei a entrevista dele, e deixei um recado para Marianna. Paulo parece ótimo, ele apenas não está disponível para começar imediatamente. — O que é um problema — admitiu Santo. — Preciso de alguém que possa começar já. Ella percebeu que ele parara de tentar dissuadi-la de partir. — E quanto a Marianna? — A verdade? — perguntou Ella. — A verdade. — Ela é horrível. É autoconfiante a ponto de ser prepotente, e me tratou como se eu fosse a secretária dela, querendo lidar diretamente com você. Recusou-se a ceder quando tentei marcar um horário para a entrevista. — Ella fez uma careta. — Para resumir, acho que Marianna será perfeita para o cargo. — Eu pensei que já tivesse a pessoa perfeita. Ele a fitou, e ela lhe deu um sorriso relutante. — Não, ambos sabemos que você não tem. — Talvez porque ele fosse tão aberto e honesto, que nisto Ella achou que também poderia ser. — Não sou durona o bastante. — Eu nem sempre gosto de pessoas duronas. — Eu não... — Ella não sabia como dizer aquilo, como admitir o quanto se sentia magoada. — Não acho que Marianna ficará triste se você não lhe enviar flores. — Quer dizer que você ficou? — Sim — No que mais Marianna é boa? — Em multitarefas, pelo visto. Ela olhou para o oceano e para a beleza do dia, e detestou sua melancolia, sua incapacidade de jogar conforme as regras e cair na cama com ele, sem adicionar seu coração à equação. — Creio que Marianna poderia estar anotando um ditado agora enquanto manipulava seu pênis. — Ella virou-se ao som da risada de Santo, e percebeu que também sorria, porque ele produzia esse efeito nela. Santo parou o carro no acostamento, virou-se de lado e segurou-lhe o rosto entre as mãos. — Eu enfrentei uma tempestade naquela manhã... perdi meu diretor, problemas 64
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli aconteceram com minha família, e meu irmão se isolou num barco. — Eu sei, eu sei. — Mas quando soube que você estava chegando, encomendei flores — murmurou Santo. — Mandei entregá-las na suíte, a mesma que você abandonou depois de dar uma olhada. E organizei o jantar... Queria muito lhe dizer o quanto nosso tempo juntos significara, como eu estava ansioso para revê-la. — Estudou-a por um longo momento. — Quem a machucou? Existe um ex-marido? — É claro que não. — Como assim “é claro”? — questionou Santo. — Não sei nada a seu respeito, Ella. Tudo o que sei é que seus pais estão juntos, que você é filha única, que sua mãe é daqui. — Ele viu lágrimas nos olhos dela. — Que o sexo foi como nada que já experimentei antes, mas eu não a conheço... — Você é meu chefe, não precisa... — Eu sou seu amante! — Ele quase gritou. — Ponha isso na cabeça. — Por quanto tempo? — Ella detestava a carência, mas aquela era a verdade, porque ele estava lhe pedindo que se abrisse, que lhe desse mais do que sexo, e ela estava apavorada. — Quem sabe? — Santo foi completamente honesto. — Mas se nós não podemos conversar, então não será por muito mais tempo. — Você não quer falar sobre aquilo que o perturba. — Tenho tentado com mais afinco que você — apontou ele. — Santo, eu não conto a ninguém... — Ela estava perto do pânico, agora. — Não compartilho minhas particularidades com ninguém, e não vou abrir meu coração para você. — Você irá fazer isso. A vista era mais espetacular que o oceano atrás dele...os olhos verdes tão intensos, a paixão brilhando tanto neles. Santo despiria sua alma, e Ella estava apavorada. Não podia imaginar-se compartilhando seu eu com outra pessoa, confiando em alguém. — Apenas me aguarde — acrescentou ele decidido. Então voltou ao assento e ligou o motor. Eles haviam permanecido fora por algumas horas, e Santo não sabia mais do que antes, quando ela abrira a porta do quarto de hotel. — Como foi? Santo virou-se ao ouvir a pergunta de Ella. — Eu quero dizer, lá no café. As pessoas ficaram nervosas apenas em vê-lo. — Isso é porque eu raramente vou lá, mas aqui... — Ele gesticulou a cabeça à frente. — ...eles estão mais acostumados conosco. Aqui é onde a Nonna mora. — Mas como foi? Santo não conseguiu responder. Podia ver a casa de seus avós, tão grande e imponente, e guardiã de tantos segredos. — Você leu o jornal hoje? — Santo não esperou resposta, pois sabia que ela lera. 65
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Há mais por vir. É tudo sempre sobre poder... foi isso o que aprendemos, mas às vezes você apenas quer entrar numa lanchonete e tomar café. Ella assentiu. — Motivo pelo qual eu gosto de estar num set de filmagem. Sou apenas Santo lá. É claro, recebi alguns olhares estranhos hoje, considerando o que foi dito nos jornais sobre minha mãe. Battaglia está determinado a nos esmagar, e não poupará esforços... portanto agora ele se certifica de colocar no jornal cada sujeita que encontra. — Santo a fitou. — E há muita sujeira. Isso era verdade, Santo sabia, mas havia muita coisa boa também, e, de súbito, quis mostrar a ela. No entanto, havia algo que ele vinha adiando por um tempo, que talvez fosse mais fácil fazer com Ella ao seu lado. — Agora, eu a levarei a um lugar a que nunca levei uma mulher antes. — Santo observou-lhe os olhos arregalados. — À casa de minha Nonna. — Você acha que essa é uma boa ideia? — Creio que não. — Santo deu de ombros. — Ela irá nos imaginar casados no momento em que entrarmos lá, mas eu preciso mesmo visitá-la. A Nonna deve estar muito triste com tudo o que vem acontecendo na família, e preocupada com Alessandro, também E enfrentando o luto pelo marido. Vovó nunca superou a perda dos filhos... Santo pausou, pensativo. — Apesar de todas as brigas entre os primos, a única coisa que nos une é nosso amor por Nonna. Ela é uma boa mulher. O silêncio de Ella foi bastante eloquente, porque Santo virou a cabeça em defesa instantânea. — Ela é! — É claro — veio a resposta reservada de Ella. A reputação de Salvatore Corretti era lendária, e se Ella sabia um pouco do que acontecia lá, então a esposa dele devia saber muito mais. — A família da Nonna detestou quando ela se casou com ele mas ela o amava, e fez vista grossa para o que Salvatore fazia — explicou Santo. Ella mordeu o lábio num esforço para não dar voz a seus pensamentos. — Às vezes, é melhor fingir que não se vê... — Ou apenas mais conveniente. — Ella não pôde continuar calada. — Desculpeme, Santo, não quero julgar sua avó... eu nem a conheço, afinal de contas... Mas não compro a desculpa de fazer vista grossa para a situação. — E eu não estou lhe pedindo que faça isso. Estou apenas informando, antes que entremos lá, que os últimos anos foram bastante difíceis para Nonna. Estamos atravessando uma fase muito complicada, então apenas... — Ele balançou a cabeça. — Esqueça. Ao se aproximarem, Ella se sentia tanto nervosa quanto empolgada por conhecer tal figura lendária. Era como ser convidada para ir aos bastidores de um grande espetáculo, e a chance de conhecer a matriarca daquela família era boa demais para ser desperdiçada. Mas à medida que eles andavam em direção à casa, ela pôde ver a tensão no rosto de Santo. 66
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Eu não direi nada que possa ofendê-la. — Sei disso — murmurou Santo, ou ele nunca a teria levado lá.
CAPÍTULO 10
UMA CRIADA abriu a porta para eles, mas, em vez de esperar no hall de entrada, Santo pegou a mão de Ella e seguiu em frente, chamando a avó para anunciar que estava lá. — Santo! — exclamou Teresa em surpresa, quando eles estraram na sala de estar antes mesmo que ela se levantasse. Houve beijos, abraços e apresentações. Teresa estava vestida toda de preto, e pela vela queimando ao lado de uma Bíblia sobre a mesa ficava claro que se achava num luto profundo. Mas o semblante da mulher idosa era de puro prazer ao cumprimentar o neto. Não havia dúvida de que o elo era genuíno, e que Teresa estava muito feliz em vêlo. — É maravilhoso conhecê-la — Teresa falou para Ella. — Uma surpresa tão boa... Perdoe-me se meu inglês não é muito bom — Sorriu. — E corrija-me se eu esquecer e falar em italiano — acrescentou para Santo. — Minha cabeça está cheia de coisas, no momento. — Não se preocupe — murmurou Santo. — De qualquer forma, a mãe de Ella é daqui, portanto, ela fala um pouco de italiano. — Ele sorriu. E Ella também. — Ele está provocando você, não é? — perguntou Teresa, então respondeu a própria questão: — É claro que está. Santo levava um sorriso muito amplo ao rosto cansado da avó. Ele era incrivelmente bom com mulheres — com todas as mulheres, — por isso não se importou quando Nonna chorou um pouco ao falar de Salvatore. — A casa está silenciosa demais —disse Teresa. — Mas então, digo a mim mesma que, pelo menos, ele não está lidando com tudo isso. Salvatore morreu pensando que as famílias se uniriam. — Isso será resolvido — começou Santo, mas Teresa meneou a cabeça. — Não tenho certeza disso. Teve notícias de Alessandro? — Ele está bem Eu o vi esta manhã, depois que trocamos algumas mensagens de texto. Alessandro apenas precisa de tempo. — E o resto da família? Você viu Luca? — Estou me mantendo fora disso o máximo que posso, por enquanto. — Santo foi firme. De certo não queria discutir com sua Nonna os escândalos que vinham 67
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli acontecendo. — Quanto melhor for esse filme, melhor será para a família, para todos. Os moradores locais estão assistindo às filmagens. A área do porto está movimentada pela primeira vez em muito tempo. É nisso que preciso concentrar minha atenção agora. — Mas mesmo o filme está com problemas! — Teresa mantinha os olhos em tudo. — Aquela atriz... — Torceu o nariz. — Eu vi as fotos... ela deveria se envergonhar. — São necessários dois para fazer o que ela fez. — Santo sorriu. — Então, como está indo a moça? — perguntou Teresa, e o sorriso desapareceu do rosto de Santo. — Taylor é uma ótima atriz — foi Ella quem respondeu. — Bem, ela tem muito potencial. Se ao menos tivesse a pessoa certa dirigindo suas cenas, para explorar esse potencial... — Ella acha que deveria estar dirigindo o filme. — O tom de Santo era irônico, mas ele estava satisfeito pela mudança de assunto, porque era evidente que Teresa começava a ficar cada vez mais triste. Os desafios que a família enfrentava não seriam facilmente resolvidos, e ele detestava imaginar a avó lá sozinha, e preocupando-se. — Você tem um problema com um diretor do sexo feminino? — provocou Teresa. — Oh, eu não tenho problemas com o fato de Ella ser mulher. — Santo sorriu, mas então seu celular tocou. — Com licença, preciso atender. Santo saiu para atender à ligação, e Teresa serviu dois pequenos copos de limoncello... um licor de limão italiano que era tão bom quanto aquele que Gabriela fazia, e Ella disse isso a Teresa. — Existem muitas receitas, mas esta é da região. Sua mãe faria o licor da mesma maneira. Já foi visitar a cidade onde ela viveu? — Santo me levou lá no caminho para cá — disse Ella. — Eu irei visitar minhas tias quando a filmagem acabar. — E sua mãe, ela ama a Austrália? Ouvi falar tantas coisas boas sobre o país. Ella deu um gole de seu limoncello antes de responder, cuidadosamente: — A Austrália é um lindo país, mas minha mãe sente muita saudade de sua terra natal. — É claro — murmurou Teresa. — Mas ela está feliz com a escolha que fez? Teresa a estudou por um longo tempo, e Ella decidiu que seria prudente jogar conforme as velhas regras, algo que praticara para dizer às suas tias. — Muito. — Retribuiu o sorriso de Teresa, e olhou para cima, aliviada, quando Santo entrou na sala. — Leve Ella para ver a vinícola, Santo. Escolha um bom vinho para o jantar desta noite. — Você precisa voltar, não é? — Santo perguntou para Ella. Era amável da parte dele lhe oferecer a escolha de ficar mais tempo ou não, mas Ella sabia que seria rude ir embora agora; sabia, pela sua mãe, o que era esperado. — Não. — Ella sorriu. — Eu já fiz tudo, Jantar seria adorável.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — A Nonna parece ter gostado de você. Eles caminhavam através das videiras, indo em direção à vinícola. Ella teria adorado tirar uma foto, contar para sua mãe que estivera lá, mas não tinha certeza se tal sugestão seria bem-vinda. — Você está calado — comentou ela, porque Santo raramente ficava quieto. — É diferente estar aqui e saber que ele não está. — Sinto muito. — Ella censurou-se por sua falta de sensibilidade. — Eu não pensei... — Sem problemas. Não estou chateado. — Entendo que, qualquer coisa que tenha acontecido, ele ainda era seu avô. — Não são memórias afetuosas que tenho, Ella. — Santo não disse mais nada. Eles entraram na vinícola escura e fria, e ela imaginou se ele tentaria alguma coisa ali. Mas Santo apenas passou um bom tempo escolhendo o vinho. — Este — disse ele. — É do ano em que você nasceu. — Como sabe o ano em que nasci? — Eu li seu currículo. — Ele sorriu e aproximou-se, erguendo a mão livre para o cabelo dela. — Sabe... sempre quis fazer sexo aqui. Ele era tão direto... — Com sua avó esperando dentro da casa? — Isso não entra na minha fantasia. — Bem, isso destrói a minha. — Sinto a sua falta. Ella franziu a testa. — Você não me conhece. — É disso que eu sinto falta. Santo nem mesmo tentou beijá-la. Não fez nada além de pegar-lhe a mão e conduzi-la de volta para a casa. A refeição estava deliciosa: salada com o melhor azeite de oliva que Ella já provara, e uma enorme lasanha, mas do jeito siciliano, recheada com linguiça e queijos. Santo conversou e sorriu nos momentos certos, e ela tentou entender o humor dele, mas não conseguiu. Santo olhou para cima, flagrou-a encarando-o e sorriu até que Ella corasse. — Você se lembra da minha última grande festa de aniversário? — Sorrindo, Teresa recontou histórias de supostos momentos felizes. Mas Ella observou um músculo saltar no rosto de Santo, quando Teresa mencionou os filhos de Benito e perguntou por Luca e Gio, embora tivesse sido sábia o bastante para não mencionar Matteo. — Você era tão jovem, então. Grace ainda era viva. — Grace? — A mãe de Lia — explicou Santo. — Benito foi casado antes de Simona.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ele era tão mais aberto ali... Assim como Teresa, Ella percebeu. Teresa devia presumir, uma vez que o neto a levara lá, que eles tinham um relacionamento sério. — Ela morava conosco — explicou Teresa — quando Grace morreu. Teresa sorriu para o neto, e Ella observou quando houve uma breve pausa, antes que Santo sorrisse de volta. Não que Teresa tivesse notado. A Nonna voltou a atenção para Ella. — Você irá contar para sua mãe que jantou comigo? — Não vejo a hora de contar à mamãe. — Ella riu, porque estivera pensando exatamente nisso. Pela primeira vez, depois de muito tempo, sentiu saudade de sua mãe, e desejou que elas pudessem ter compartilhado esse momento. — Ela ficará chocada, e irá alertá-la contra mim. Mas também irá adorar saber! — Era como se Teresa conhecesse sua mãe... como se soubesse exatamente como era ela. — Sua mãe irá querer saber de cada detalhe — continuou, quando a criada levou os doces, — mas mesmo enquanto você estiver lhe fornecendo os pormenores, ela lhe dirá que não deveria ter vindo. — Em seguida, ela pedirá que eu lhe fale sobre seus móveis. Santo observava as duas mulheres rirem, agradecendo aos céus por ter trazido Ella, porque não saberia dizer se poderia ter enfrentado aquela visita, sozinho. Lembranças vinham a sua mente. O aniversário do qual sua Nonna falara com alegria não fora tão perfeito, se Santo bem recordava. Surpreendentemente, foi Santo quem recusou café. Queria apenas ir embora. Ao partirem, Ella foi presenteada por Teresa com garrafas de azeite e de limoncello, e, quando eles entraram no carro, convidou-os a entrar de novo para o café. — Nós realmente precisamos ir — disse Santo. — Temos de chegar ao Vilarejo Olímpico. Felizmente, Tereza não entendeu a piada. — Isso não teve graça. — Ella enrubesceu quando ele ligou o motor. — Eu achei que teve — replicou Santo. — Acho que sexo melhora muito a performance física. — Escreverei uma carta para o Comitê Olímpico Internacional. Tenho certeza de que eles irão apreciar suas ideias. — Tem? — Santo se virou e viu que a expressão dela estava séria. — Você pode conversar comigo? Pode me contar por que estava tão triste quando cheguei ao seu quarto, esta tarde? E ele compartilhara tanto com ela hoje que talvez Ella devesse fazer o mesmo. Na verdade, com Santo, ela queria compartilhar... apenas não sabia como. — Hoje é aniversário da minha mãe. Eu tinha acabado de ligar para cumprimentá-la quando você chegou. Acho muito difícil falar com ela. — Vocês não se dão bem?
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Não concordo com algumas das escolhas de minha mãe. — Após uma pausa, Ella acrescentou: — Não concordo com muitas das escolhas dela. Um pesado silêncio se seguiu. Santo esperava que ela falasse mais, e Ella tentou; abriu a boca, mas então voltou a fechá-la. Eram 27 anos de segredo que ela estava lutando para quebrar, e era especialmente difícil fazer isso para um homem No entanto, Santo não era como nenhum homem que ela já conhecera, e talvez estivesse começando a confiar nele. Talvez fosse hora de se abrir. Santo dirigiu para a entrada do hotel, e o manobrista se aproximou. No momento em que ele abriu a porta, Ella falou: — Meu pai é alcoólatra. Assim que ela desceu do carro, Santo a puxou para si. — Por isso, você ganha um beijo. Ele ignorou as pessoas paradas do lado de fora do hotel, o manobrista esperando as chaves. Como prometido, beijou-a pela confidência que lhe fizera, e Ella estava chorando, porque nunca verbalizara aquilo antes. Então ele estava capturando suas lágrimas com a língua. Era um beijo muito privado, num lugar muito público, mas naquele momento nenhum dos dois se importou. — Vamos entrar — disse Santo. E, não querendo se separar nem por um segundo, eles entraram abraçados pela porta giratória do hotel. — Ele bate na minha mãe — contou Ella em voz alta, dentro do pequeno compartimento entre as divisórias da porta, distraída dos espectadores, não se importando que agora ninguém poderia entrar ou sair do hotel, enquanto Santo a recompensava com outro beijo. Era como se eles fossem as únicas pessoas no mundo. E naquele momento, Ella poderia ter lhe contado qualquer coisa. Pela primeira vez na vida, confiava em outro alguém com todo seu coração. — Agora — murmurou Santo — eu a levarei para a cama, e depois... porque haverá depois... se você quiser, nós poderemos conversar mais. Ella, fraca pela admissão, ficou grata pela chance de um alívio de suas confissões. Quando ele empurrou a porta de vidro e eles adentraram o hotel, tudo o que ela queria era a cama de Santo, o calor e a proteção dele. — Santo Corretti... Foi como se ela tivesse saído de repente de um estado anestésico, quando uma mulher deslumbrante andou na direção deles, e o sentimento caloroso que Ella experimentara foi ameaçado. — Eu sou Marianna... — Ela sorriu charmosamente para Santo, mas tornou-se séria quando cumprimentou Ella. — Sua substituta. — Agora não é um bom momento. — Santo foi abrupto. — Eu não faço entrevistas sem hora marcada. Você pode agendar uma hora com Ella, para amanhã. — Não... — Ella queria acabar logo com aquilo. Não podia culpar Marianna por ter pegado um avião, a fim de convencer o chefe, pessoalmente... Não fizera exatamente a mesma coisa? — Vocês dois podem conversar. Eu preciso... — Ela nem tentou inventar uma desculpa. — Amanhã você estará ocupado com a filmagem Seria melhor se 71
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli resolvêssemos isto hoje. Ignorando Santo, que tentava chamá-la de volta, Ella apressou-se para o elevador e foi para seu quarto, abaladíssima pela mudança de eventos, mas quase satisfeita por isso. Estivera tão perto de lhe contar tudo, de abrir seu coração para ele... E para quê? Estava de partida, mudando-se para Roma em poucas semanas... Que esperança havia para eles, de qualquer forma? Santo não era capaz de manter um relacionamento longo, muito menos a distância. Ella precisava pensar. Jurara nunca chorar por ele, não dar seu coração para aquele playboy, e estivera perigosamente perto de fazer isso. Abriu a porta de sua suíte, e encontrou um imenso buquê de flores esperando lá, o que a fez sorrir. Santo falara ao telefone diversas vezes durante a tarde, e, embora ela estivesse tocada pela consideração dele, ao abrir o cartão preparou-se para mais um gesto afetuoso, lembrando a si mesma que Santo era especialista em flertes. Entretanto, franziu o cenho quando leu: Você será incrível. Entende por que eu tive de dormir com você, antes de lhe contar? Santo. PS: Você está demitida. Ela não entendeu a mensagem enigmática, mas sabia que, durante o dia inteiro, fazer sexo estivera nos planos de Santo, que ele tivera certeza absoluta de que o dia acabaria com os dois na cama. E, se não fosse por Marianna, assim teria sido. Ella se serviu de um pouco do limoncello que Teresa lhe dera, tentou acalmar-se e entender o significado da mensagem. Talvez ele tivesse pretendido levá-la para a cama antes de dispensar os seus serviços de assistente pessoal, e devia estar, neste momento, dando o emprego a Marianna. Que conveniente para ele. — Ella... Sabia que Santo apareceria para oferecer uma explicação sobre a mensagem, e estava com lábios comprimidos quando abriu a porta. — Você recebeu as flores... — Houve uma tentativa de fazer uma brincadeira, mas Ella não estava no humor para isso. — Agora entende por que eu preciso de uma assistente? Até mesmo enviando flores eu consigo estragar tudo. — Então você ia me demitir, depois de dormir comigo. — Não, não, você entendeu tudo errado. — Mas você sabia que eu acabaria na sua cama hoje? — Sim. — Ele não tentou se desculpar por isso. — Eu tinha certeza de que nós íamos fazer amor esta noite. — Então, como foi com Marianna? 72
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Ela é tudo o que você disse. Ella, por favor, pode me ouvir? — Você não quer que eu fique para treiná-la? — Ella... — Porque isso não deve levar muito tempo... Eu simplificarei o processo... — Verdade? — Santo arqueou uma sobrancelha. Gostava de vê-la zangada. — Como? — Bem, você é um trabalho de período integral, porém, não muito complicado. Eu apenas darei a ela a Bolsa Santo. — A Bolsa Santo? — Que contém tudo o que é essencial. — Ela pegou a bolsa enorme que carregava para todo lado, por quatro meses agora, e jogou o conteúdo em cima da cama. — Camisa branca nova, gravata cinza, gravata preta... Ella olhou para trás, e um sorriso impenitente curvava os lábios dele. — Comprimidos para dor de cabeça. E óculos escuros. Santo não disse nada. — Preservativos... Eles parecem acabar muito depressa. — Lágrimas encheram seus olhos quando ela se lembrou de um telefonema de seu chefe às 3h, e estava tão zangada com ele, e tão furiosa consigo mesma por amá-lo. Odiava-o também por tudo o que ele a fizera sofrer, porque tinha sido horrível vê-lo com outras. — Nós filmamos em lugares estranhos. — Mas ele não sorria agora, percebendo a profundidade da dor de Ella, porque até a semana anterior, não houvera a menor indicação de que ao menos gostasse dele. — Kit de primeiros socorros e aqueles incríveis curativos de gel... — Ela o ouviu suspirar com irritação. — Ótimo para pele arranhada. — Eu entendi a mensagem, Ella. — Ah, eu ainda não terminei. Antissépticos... — Você estava com ciúme. — Ele se sentia zangado consigo mesmo por não ter enxergado isso, por tudo o que ela passara. — Durante todo esse tempo... — Ciúme! — Ela bufou. — Eu não sinto ciúme, Santo. Estou cheia disso. Você não precisa de uma assistente pessoal... precisa de uma enfermeira escolar! E ela o detestou por sorrir, então. Sim, estava com ciúme. Sempre sentira ciúme de Santo, e, pior de tudo, ele sabia disso. — Sabe do que precisa? Ele pegou um preservativo de cima da cama e tornou a soltá-lo. — Oh, certo, nós não os usamos. — Você é muito arrogante... — Ele a calou com a boca, pressionando-a contra a parede com um beijo violento, enquanto ela tentava empurrá-lo. — Você precisa disto — declarou, recusando-se a liberá-la, suas mãos erguendo-lhe a saia. — Precisa de um breve lembrete de como nós somos bons. E depois, iremos 73
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli conversar. — Quando você irá me demitir? — Quando eu for contratá-la. — Santo tomou-lhe a boca, enquanto lhe rasgava a calcinha. E amando-o ou odiando-o — não saberia dizer, — Ella estava correspondendo ao beijo. Nunca tivera sexo zangado antes, nunca fora dominada por uma paixão tão feroz. De repente, Santo ergueu-a e apoiou-a contra outra parede, a boca ainda na sua, enquanto falava: — Eu ia lhe oferecer um emprego... — De quê? De sua prostituta no set de filmagem? — perguntou, mesmo enquanto o beijava e abria o zíper dele. — Eu o odeio, Santo. Odeio que você tenha planejado isto. — Você adora. Ele a levantou sobre si, e ela detestou mais as pernas que o envolveram, mas então, aquilo não era uma ameaça ao seu emprego. Uma vez que não trabalhava mais para ele, sentiu-se surpreendentemente livre. — Você ama isso mais do que quer admitir. — Santo estava em seu interior. — É a mulher mais irritadiça que conheço, menos na cama. Ela estava à beira do clímax, tentando contê-lo. — Adivinhe. — Santo começou os movimentos. — Eu aceito que... — Ele ia falar alguma coisa, mas liberou seu prazer. Ela podia ouvir os vizinhos batendo na parede enquanto Santo trocava para o idioma italiano, ouviu os próprios gemidos e gritos enquanto eles caíam no esquecimento. Santo estava certo: ela amava aquilo. Estava apenas morrendo de medo de amá-lo. — EU PRECISO trocar de quarto. — Ella estava inclinada contra Santo, saciada e contente, e desejando nunca mais encarar seus vizinhos. Santo ergueu-lhe o queixo para que ela o olhasse. — Vim aqui esta tarde para lhe dizer uma coisa, Ella. Eu demiti Rafaele. Ele era um completo cavalheiro. Removeu-lhe a calcinha rasgada e colocou-a no lixo, pegou um sapato que voara longe, e até mesmo alisou sua saia, enquanto ela processava a notícia. Demitir um diretor no meio da filmagem era uma atitude extrema, mas ela não ousaria ter esperança, não ousaria sonhar. Santo pôs a camisa para dentro da calça e subiu o zíper, numa estranha tentativa de separar profissional e pessoal, muito embora ela pudesse senti-lo escorrendo entre suas coxas. — Ella, eu pensei muito sobre isso, e acho que você seria uma diretora incrível. — Santo... — Ela umedeceu os lábios. — Eu não sei o que dizer. Isso é porque você não conseguiu nenhuma outra pessoa? — Tenho três diretores que poderiam voar para cá esta noite — replicou ele. — Então é porque... — Era difícil falar aquilo. — Santo, você tem razão. Eu nunca deveria ter considerado que você me devia um favor só porque nós dormirmos juntos. — Isso não tem nada a ver com sexo — explicou ele com seriedade. — Eu jamais 74
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli contrataria alguém por esse motivo. O papel de um diretor é muito importante. Só estou contratando você porque acho que é a pessoa certa para a função. Pensei muito, e cheguei à conclusão de que você seria fantástica... pois entende cada nuance do filme. Viu o desastre que Rafaele fez... Ella assentiu. — E você sabe do que o filme precisa. — Taylor nunca concordaria. — Ela já concordou — disse Santo. — Houve muitos problemas no set hoje. E você estava certa, o entrave não é a representação de Taylor. Eu conversei com ela, contei-lhe sobre a sua sugestão e sobre sua paixão por este filme. Taylor está feliz em trabalhar com você. — Jura?! — Uma visão fresca é sempre boa — Ele sorriu. — Então, aqui está a sua chance. Ella se sentia apavorada, porque o argumento anterior dele estava correto. Não possuía experiência, e contou-lhe sobre sua insegurança. — Você pode fazer isso — afirmou Santo. — Eu acredito na sua capacidade, mas esta é a última ajuda profissional que lhe darei, Ella. Nós brigaremos amanhã, no set. Eu não deixarei de falar o que penso apenas porque é você... e se eu não gostar do seu trabalho... Santo parou. Não precisava continuar. Ella sabia muito bem como ele operava. — Mas quando estivermos fora do set... — Santo esperou e observou-a menear a cabeça. — Ella, eu lhe prometo que nada do que acontecer entre nós num nível pessoal será levado para o trabalho. — Eu não posso. — Ela não poderia, contudo, sabia que mais explicações eram necessárias. Santo lhe oferecera sua maior chance profissional, e também emocional. Ella nunca se abrira tanto com alguém, e precisava fazer isso agora. — Só dormi com você quando soube que tinha o outro emprego. — Eu sei. — Santo não tinha problemas com verdades. — Você deixou seu e-mail aberto no meu computador. — Minha mãe costumava trabalhar para meu pai. — Você não é sua mãe. — Eu sei... — E isso é muito diferente. — Sim, mas jurei, muito tempo atrás, que minha carreira sempre viria em primeiro lugar, que eu nunca a colocaria em risco por um homem Violei muitas de minhas próprias regras ultimamente, mas esta é uma grande chance. Não estou arriscando um emprego de assistente pessoal que eu particularmente não quero. Não posso voltar atrás na minha promessa apenas porque é você. E Ella esperou pelo argumento de Santo, que ele tentasse dissuadi-la, mas isso não aconteceu. — Eu aceito. E só agora ela entendeu o verdadeiro significado do bilhete que acompanhara as 75
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli flores. Santo soubera, desde o começo, quais seriam suas regras. — São duas semanas — murmurou Ella. — Eu preciso me concentrar no filme. — Então faça isso — disse Santo. — Mas entenda uma coisa, Ella... é tudo ou nada. — O quê? — Até que o filme acabe, você vive um relacionamento pessoal comigo, e estaremos juntos em tudo, ou este será estritamente profissional. Não há meio-termo. Então, é tudo ou nada? E para Ella, só poderia haver uma resposta: — Nada. — Tudo bem — Ele se dirigiu para a porta. — Boa sorte. Como meu bilhete dizia... você será incrível.
CAPÍTULO 11
SANTO PISCOU surpreso, quando entrou no set naquela manhã, não por Ella estar lá. Soubera que ela chegaria cedo. Seu espanto se deu porque era uma Ella que ele nunca vira. Ela usava uma saia jeans desbotada, alpargatas e uma blusa amarrada atrás do pescoço. O cabelo normalmente arrumado estava solto. Quando ela lhe sorriu, Santo constatou que não havia um pingo de maquiagem no rosto bonito. — Esta é a Ella diretora? — perguntou ele, quando ela aproximou-se. — Não, esta é Ella. E foi como um golpe saber que todas as roupas e maquiagem que ela usara tinham sido parte do personagem que Ella representara para ele, o que apenas confirmava que Santo não a conhecia, em absoluto. Marianna aproximou-se e falou em italiano com Santo: — O agendamento do navio está feito. Sim, Marianna era uma assistente pessoal muito mais eficiente, decidiu Ella. Em poucas horas, conseguira o que Ella tentara por dias. — Então todos estarão a postos às 5h, e o navio parte às 15h, do dia seguinte. — Eccellente. — Santo olhou para Ella. — Precisamos ter acabado até lá.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — E teremos. Santo assentiu e voltou-se para Marianna, dizendo-lhe para organizar uma festa para a equipe, na última noite da filmagem. Aquela era uma parte do trabalho que Ella adorara fazer. Santo sabia como dar uma boa festa, e Ella apreciara organizá-las. Mencionou alguns dos contatos que tinha para Marianna. — Eu posso passá-los para você, esta noite — ofereceu Ella. — Desculpe-me por não ter pensado nisso antes. — Sem problemas — replicou Marianna. — Eu tenho meus próprios contatos. De qualquer forma, falarei com Santo, se precisar saber alguma coisa. — Começou a se retirar, então mudou de ideia. — Na verdade, preciso da chave reserva do carro de Santo, da agenda dele, esse tipo de coisa... Ella estava terrivelmente ciente do sorriso de Santo ao pegar os itens em sua bolsa e entregá-los a Marianna. — Você esqueceu os óculos escuros — disse Santo. Com as faces queimando, Ella os entregou. — Comprimidos para dor de cabeça — acrescentou ele. — Não é necessário — interviu Marianna. — Eu tenho alguns comigo. A bolsa de Ella logo ficou bem mais vazia quando entregou a camisa e as gravatas para a outra mulher. — Acho que isto é tudo. — Certeza? — questionou Santo, apreciando o desconforto dela. — Estou certa de que Marianna está preparada para qualquer eventualidade. — Ella sorriu docemente, então concentrou-se no que era importante, no que permaneceria. Trabalho. Porém, queria compartilhar aquilo com ele. Para começar, estava muito nervosa. Parecia errado dar instruções para uma atriz tão talentosa como Taylor, mas maior que seu nervosismo era a excitação crescente de que Taylor parecia entendê-la perfeitamente. — Você não está feliz com isto, Taylor, mas despreocupada. Sim, sabe que ele partirá amanhã, mas não tem ideia do que está por vir. — Ela observou Taylor andar ao longo da praia, com seu amor, que logo desapareceria, observou a cena que adorava, e seu nervosismo passou então, porque podia fazer aquilo. Todas aquelas noites infinitas de sua infância passadas em seu quarto, fazendo filmes em sua cabeça, foram recompensadas hoje, quando, enfim, uma cena ganhou vida. E seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela assistia ao seu desenrolar. E Santo a viu crescer diante de seus olhos, também. — Vince, de agora em diante, você não observará Taylor. — Ella voltou para o coração do script. Na direção de Rafaele, Vince deparava com Taylor chorando, mas Ella lera o script inúmeras vezes e visualizara a cena de outra maneira. Agora, fez acontecer.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Você precisa estar aqui primeiro, pensando no seu amigo, então vê Taylor chegar. Lembre-se de que até este ponto você nunca gostou dela. Acreditava que ela estava usando o seu amigo, mas, observando-a chorar, você vê, pela primeira vez, o quanto Taylor o ama... É isso o que o emociona. — Certo. — O Vince mal-humorado chegou a sorrir, porque, até agora, Rafaele fizera seu personagem parecer nada além de um homem se aproveitando de uma mulher vulnerável. — É por isso que você se aproxima — explicou Ella para Vince. — Percebe que ela sabe como você se sente, que ambos têm saudade dele. E, Taylor... quando ele a aborda, você está na defensiva. Está acostumada com ele fazendo comentários sarcásticos. Mas a empatia que ele lhe mostra fará vocês dois caminharem para a praia. — Entendi. — E nós não faremos a cena completa do choro, ainda... Santo observou quando Taylor deu um suspiro de alívio. Os últimos dias tinham sido exaustivos. — Apenas algumas lágrimas. O que eu quero capturar é a sua expressão quando Vince a aborda. Taylor foi brilhante. Pela primeira vez desde que a filmagem começara, Santo conseguiu respirar. Ter Vince lá primeiro mudava toda a dinâmica da cena. Era algo em que ele não teria pensado, e disse isso a Ella, ao voltarem para o hotel. — Nós fizemos mais hoje do que durante a semana inteira. Ela se deleitou com o elogio. Até que enfim, estava fazendo o trabalho que amava, e sabendo que o fazia bem — Estou morrendo de fome — disse Santo. Eram 22h, e eles tinham ficado muito ocupados com o trabalho para pararem para comer. Agora, tudo o que Ella queria era pedir alguma coisa do serviço de quarto, ou... Olhou para Santo, enquanto eles atravessavam o foyer. Talvez eles pudessem jantar e conversar sobre as cenas do dia seguinte, ou... simplesmente conversar. — Eu também. — Ela se sentia em conflito, vacilando na decisão que tomara mais cedo. Santo não levaria nada do que acontecesse entre eles para o set. E estava certo... ela não era sua mãe. Era muito mais forte que isso. — Talvez nós pudéssemos... O celular de Santo tocou, e ele atendeu. — Desculpe-me. — Após terminar a ligação, expressão dele era aborrecida. — Certo, Ella, eu a vejo pela manhã. Nós começamos às 6h. — Claro. — Respirou fundo. — Acho que irei ao restaurante, se ainda estiver aberto. — É claro que está — replicou Santo. — Eu avisei que chegaríamos tarde. Eles estão sendo muito compreensivos sobre os horários estranhos. — O celular tornou a tocar, e Santo cerrou os dentes. — Aprecie seu jantar — murmurou, dispensando-a, e agora ela lhe dissera para onde estava indo. 78
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ella não teve escolha a não ser se dirigir ao restaurante. Disse a si mesma que não havia nada de embaraçoso em pedir uma mesa para um, mas sentiu-se estranha. Vince estava lá, conversando com um dos outros atores, e ficou claro que um flerte estava acontecendo entre os dois. Ella pediu uma massa, após ter decidido que aquilo não era tão ruim assim, e Santo entrou no restaurante, ainda falando ao telefone. Ela sorriu ao vê-lo se aproximar, mas seu sorriso desapareceu quando ele passou reto. Ella não podia acreditar que Santo levara as coisas tão literalmente, que cada um se sentaria a uma mesa, em vez de compartilharem uma refeição. Mas no momento em que Marianna entrou, Ella percebeu que Santo não pretendia jantar sozinho. Era trabalho, disse a si mesma, enrolando macarrão no garfo e tentando não ouvir a conversa e as risadas deles. Aquilo era exatamente o mesmo que ela e Santo tinham feito em tantos hotéis, em muitas ocasiões. Mas era preciso consumir uma garrafa de vinho para discutir a agenda dele? Aquele era um inferno de sua própria criação, Ella repetiu para si mesma, inúmeras vezes, nos dias que se seguiram. Num set, o mundo era pequeno e fechado, mas nem mesmo isso podia filtrar os rumores sobre os Corretti. Ella observava Santo ler um jornal, um artigo anunciando que os primos estavam firmemente divididos, que os filhos de Carlo não queriam ter nada a ver com os filhos de Benito, e que eles iriam oferecer uma contraproposta contra o meio-irmão de Santo, Angelo, que tinha todo o apoio dos Battaglia. Ella sabia que Santo estava sofrendo com isso tudo, assim como Teresa também estaria. Entretanto, a menos que fosse relevante para o filme, Santo não lhe dizia uma palavra sobre o que estava acontecendo em sua vida. O rosto sempre sorridente vivia fechado agora, os olhos, sempre escondidos atrás de óculos escuros, mas Ella podia ver a tensão nos lábios perfeitos, podia ouvir a impaciência nas palavras que ele pronunciava constantemente ao telefone. Detestou que, em determinado momento, enquanto eles discutiam a próxima cena, Marianna tenha surgido e pedido para falar com Santo. — Em particular — disse Marianna, então mudou para o italiano: — Famiglia. Marianna o conduziu para o lado, e Ella viu as feições de Santo empalidecerem, e os dedos puxarem o colarinho da camisa, como fazia quando ficava ansioso. Então ele pegou seu celular. — Está tudo bem? — perguntou ela na primeira oportunidade. Eles estavam de volta ao hotel, subindo no elevador, mas em vez de apertar o botão de seu andar, Ella tentou conversar. — É claro — respondeu ele. — A filmagem foi boa, hoje. O elenco inteiro parece mais feliz. — Eu quis dizer... com você. Teve notícias de Alessandro? — Ella, pensei que tivéssemos concordado que falaríamos apenas sobre trabalho. — Santo, eu sei que alguma coisa está errada. — E? — Ele a encarou. — Como eu lhe disse, podia ter tudo ou nada de mim. Você fez sua escolha. Foi você quem falou que não era possível conciliar as duas coisas. 79
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Agora: queria falar sobre o filme? — Não. — Neste caso, se me der licença, eu irei me aprontar para jantar. — O elevador estava no andar dele, e Santo saiu, mas Ella o seguiu. — Santo, por favor, eu cometi um erro. Achei que se nós apenas nos concentrássemos no trabalho até depois da filmagem, seria melhor para o filme. — E agora você mudou de ideia? — Sim — E mudará de ideia amanhã, de novo? — indagou, de modo cruel. — Você voltará para sua greve de sexo? Porque esse não é um bom jogo, Ella. — Não estou tentando fazer jogos. — Eu fiz tudo que você me pediu. Nunca a pressionei para fazer nada que não quisesse, mas você escolheu assim, Ella. Sei que as coisas estavam ruins para você, mas agora, estão ruins para mim. Tudo bem, posso lidar com períodos difíceis... embora fosse ser muito melhor com seu apoio. Mas foi você quem escolheu quartos separados, e não estar aqui. Então, agora, se me der licença, eu gostaria de jantar. — Posso jantar com você? — Eu já tenho companhia esta noite. — Marianna? — É claro. — Ele deu de ombros. — Tenho mais coisas para resolver além do filme, no momento. E ela estava determinada a não falar nada, mas as palavras foram expressas através de seus olhos, e, sem hesitação, Santo as respondeu: — O quê? — Ele não era siciliano à toa. Suas palavras foram duras e diretas: — Ela é bonita demais para jantar comigo? Se eu contratasse só pessoas feias, você confiaria em mim, então? — Santo a encarou por um longo tempo. — Sabe, não acho que isso acontecerá algum dia. — Você me culpa, Santo? Eu o vi em ação. Sei melhor que qualquer um... — Não. — Ele se aproximou, parando bem na sua frente. — Não tente virar isto para mim. O fato de que você nunca confiará em mim não tem nada a ver comigo ou com minha reputação, porque você não nos deu uma única chance. O fato é que você não quer confiar. Nós poderíamos estar presos numa ilha deserta, e isso ainda seria um problema. Os olhos de Ella se inundaram de lágrimas, porque estava certo. Não era Santo, com seu passado irredimível, que a detinha. Na verdade, ela não sabia se era capaz de viver um relacionamento, não sabia como amar e ser amada. — Você nos nega até mesmo uma chance. — Não. — Sim, Ella. Você deixou muito claro, desde o começo, que não queria relacionamento comigo. Estabeleceu o que desejava, portanto, não me culpe por respeitar a distância que você insistiu em impor. — Ele ergueu um dedo, para enfatizar um ponto, do jeito como todo homem italiano fazia. Viu-a se encolher, viu-a mover a cabeça para a esquerda, e sua respiração acelerou. — Agora, pensou que eu fosse bater em você?
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Não. — Sim. — Santo balançou a cabeça em desgosto. — Eu não levarei a culpa por ele... Não assumirei a vergonha por ele. Você está tão presa quanto sua mãe, Ella. Pode estar do outro lado do mundo fisicamente, mas na verdade, nunca saiu de casa. Santo não poderia tê-la insultado mais. — Agora, eu vou jantar com uma mulher adulta.
CAPÍTULO 12
Santo estava certo. Mais ou menos. Ella, deitada em sua cama, em vez de negar as palavras dele, em vez de se defender para si mesma, lembrava-se da mágoa nos olhos verdes, do jeito como Santo se sentira ofendido, e não o culpou por isso. Não que ela não quisesse confiar nele; simplesmente não sabia como. Achara muito mais seguro esconder-se atrás de sua carreira e de desculpas do que arriscar um relacionamento. Aquele não parecia um lugar seguro agora. Ella sentia-se vazia e, pior, egoísta. Sabia que não estivera lá para Santo, não compartilhara os momentos difíceis com ele, e, por causa disso, talvez tivesse estragado a pequena chance dos dois. Mas por que tivera de se apaixonar por Santo? De todas as pessoas no mundo, como alguém com grandes problemas de confiança acabava se apaixonando por um homem tão mulherengo como Santo? Ella até mesmo deu um sorriso irônico diante da lição cruel que o destino lhe pregara, mas saltou ao som do toque de seu telefone. Agora que não era mais assistente de Santo, seu celular não tocava muito, contudo teve o segundo sobressalto quando ouviu quem era. — Mamãe?! Era a primeira vez que sua mãe ligava desde que ela fora embora de casa. — Está tudo bem? — Tudo bem — afirmou Gabriella. — Tudo igual — corrigiu. — Mas esperei até que seu pai dormisse, para que eu pudesse falar com você. — Aconteceu algo? — Sinto sua falta — murmurou Gabriella. — Parece estranho saber que você está aí. Como vão as coisas? 81
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli E Ella contou-lhe... não sobre a promoção, mas sobre a notícia que causaria surpresa em sua mãe. — Você jantou com Teresa Corretti? Ella, tome cuidado. — Ela soava apavorada. — Não conte para suas tias. — Mamãe, Teresa é uma mulher adorável, e não acho que o nome dela está tão manchado agora. Todas as pessoas da região estão assistindo às filmagens, e parecem muito empolgadas... — O que você comeu? — interrompeu Gabriella, e a conversa entre as duas foi boa? Ela contou sobre a comida, e, sim, sua mãe perguntou sobre os móveis. — Teresa me deu alguns litros de azeite de oliva para enviar para você. — Ela pediu que você desse para mim?! — Disse que você devia sentir falta do azeite daqui. — E sinto. Houve um longo silêncio, então Gabriella revelou a verdadeira razão do telefonema: — Ella, eu sinto muito. — Mamãe... — Ia pedir que Gabriella parasse, mas não costumava censurar sua mãe por não conversar, por ser tão fechada? — Eu nunca deveria ter pedido que você não o denunciasse, mas tive medo. Se nós contássemos à polícia, o que teria acontecido depois? Você fez bem em fugir, e fez bem em não querer falar com ele. Eu nunca mais lhe pedirei que fale com seu pai. — Obrigada. Como precisara ouvir sua mãe se desculpar... Elas conversaram um pouco mais, choraram um pouco mais, e quando Ella desligou, soube que também precisava se desculpar com alguém. De maneira apropriada. No entanto, ele estava no restaurante, e ela não iria lá interromper o jantar. Assim, enviou uma mensagem de texto, pedindo para lhe falar, qualquer que fosse o horário. Não ficou surpresa quando Santo não respondeu. Ela o magoara, o ofendera, e sabia que Santo era orgulhosíssimo.
CAPÍTULO 13
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli ELE ESTAVA mal-humorado e inacessível, no set, na manhã seguinte. De braços cruzados, conversava com Luca, um dos primos, e a conversa não parecia agradável, mas Ella tentou se concentrar em Taylor. — Usaremos o zoom para um close-up — Ella informou a Taylor. — E se faltar alguma coisa, nós faremos no estúdio, depois. Não vou lhe pedir que repita a cena infinitas vezes. Apenas, dê o melhor de si, agora. Quando Taylor saiu para retocar a maquiagem, Ella olhou para as feições sérias de Santo. Luca desaparecera. As câmeras estavam todas posicionadas, e tudo estava pronto. E mesmo que aquele se provasse o momento mais embaraçoso de sua vida, ela ainda precisava enfrentá-lo. Precisava dizer a Santo que não estivera fazendo um jogo, que apenas não tinha sido capaz de seguir as regras de um playboy. Aproximou-se, e, apesar dos óculos escuros de Santo, ela sabia que os olhos verdes lhe diziam para recuar. Ele estava recostado num trailer, os braços cruzados. — Sinto muito. — Deus, é muito difícil falar isto quando se está sendo sincera. — Lamento tanto... Sei o quanto o insultei ontem à noite. Sei que você nunca bateria em mim. Ele não disse nada. Era como falar com uma parede, porque nem o rosto nem o corpo de Santo se moviam — Falei com minha mãe, ontem à noite, e compreendi que você estava certo. Eu venho reprimindo meus sentimentos. — Ella respirou fundo. — Gosto de você há um longo tempo. Muito. E, sim, eu senti ciúme, mesmo se não quis admitir isso. E porque estou ciente de que você não tem relacionamentos longos, sabia que, dormindo com você, eu estaria assinando minha própria carta de demissão. Sabia que não seria capaz de trabalhar ao seu lado se você estivesse com outra mulher. — Você presume coisas demais. Santo olhou-a por trás de seus óculos escuros. Nem uma única vez, Ella indicara que o estilo de vida dele a incomodava. Santo pensou nos cartões que ditara para ela passar para a floricultura. No entanto, não houvera nenhum nos meses recentes, pois as frases familiares tinham parado de vir a sua mente com facilidade. Joia era uma opção mais fácil e mais rápida, acompanhada com uma frase simples de “combinar com os olhos dela”. E Ella as escrevera. — Foi muito mais que sexo, e eu não queria que você soubesse como eu me sentia; mas agora, quero. — Taylor está tomando seu lugar. — Santo... — Ao trabalho, Ella. Ela tremia quando se afastou. Dissera-lhe tudo, e ele não lhe dera nada em retorno. Bem, nem tudo. Ella sabia que não fora completamente aberta com ele... mas como? Não queria jogar a carta da compaixão. Rejeitara a chance de conversar com Santo em tantas ocasiões. Não era justo exigir tal chance de volta, agora. 83
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Pronta? — perguntou Ella para seu personagem principal. — Você quer tomar o meu lugar? — questionou Taylor ao ver os olhos marejados de Ella. — No momento, eu bem poderia — admitiu Ella — mas não seria uma representação. — Se eu fizer bem a cena, você poderá me pagar um drinque esta noite — ofereceu Taylor. — E eu lhe emprestarei meus ouvidos. Taylor fez a cena com perfeição. E assisti-la foi tanto um privilégio quanto uma agonia. Testemunhar o sofrimento intenso do personagem... Não havia dúvida de que Vince seria atraído para ela. E os espectadores entenderiam por que os personagens fariam amor na praia, alguns minutos mais tarde. Ella quase queria pedir que Taylor parasse para respirar, porque, embora não estivesse produzindo ruídos, era evidente que estava arrasada. Os olhos estavam fechados contra as lágrimas que escorriam, os lábios, comprimidos, e a expressão facial era de pura dor. Ela estava no fundo do poço, assim como Santo estivera naquela manhã, onde ela o encontrara, chorando na banheira. Ella teve um insight, então. Recordou-se das lágrimas que Santo derramara naquela manhã, de como ele estivera sofrendo, de tudo o que eles haviam compartilhado. Fora, ela entendeu agora, muito mais que sexo para ele também, e ela o abandonara. A única vez que Santo precisara de outra pessoa, ela se fechara. Frenética, desviou os olhos de Taylor para Santo por um segundo, mas ele continuava impassível, de braços cruzados, assistindo à ação, observado Taylor, do jeito que ela deveria fazer agora. Os olhos azuis de Taylor se abriram. Ela estava afogada em lágrimas. Então, embora eles já tivessem a cena filmada, ela a repetiu, só para garantir, virou a cabeça para Vince, empalideceu, como se esperasse críticas, então moveu o rosto para o beijo dele. E que beijo aquele seria, porque agora Ella sabia com toda a certeza que este filme daria certo. — Corta! No segundo em que Ella falou, Taylor caiu na gargalhada, extravasando sua alegria pela cena perfeita. — Foi sensacional! — elogiou Ella. — Simplesmente brilhante. E disse o mesmo a Taylor, mais tarde, quando lhe pagou um drinque, tímida por estar sentada e conversando com alguém tão famoso como Taylor Carmichael. — É melhor você se acostumar com isso — disse Taylor quando Ella admitiu seu nervosismo por ter saído com ela do set. — Se este filme fizer sucesso, você logo será famosa. Receberá scripts... — Não pensei sobre o futuro — admitiu Ella. — Só estou tentando me concentrar em fazer este trabalho direito. Sei que não haverá outra oportunidade igual. — Houve uma pausa. — Fiquei tão focada no trabalho que esqueci o que é importante. — Nós todos fazemos isso, às vezes — murmurou Taylor. — Santo entenderá. Ella enrubesceu ao perceber que estava sendo tão óbvia para todos, mas então 84
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli sentiu-se culpada quando Taylor continuou: — Mas as coisas estão terríveis para os Corretti no momento. — Ela foi direta sem ser indiscreta, e Ella capturou-lhe o olhar. Taylor devia saber muito bem o que acontecia no momento. Aquela foto comprometedora na qual, surpreendentemente, Santo não estava, ainda tinha o escândalo do nome Corretti atado a ela. — Talvez esteja na hora de esquecer um pouco o trabalho. Sem dúvida. Ella acabou seu drinque e agradeceu a Taylor mais uma vez pelo incrível dia de trabalho. Então pegou o elevador, não para a segurança de seus aposentos, mas para o perigo do quarto de Santo, porque queria se desculpar, de novo. Queria explicar por que se encolhera quando ele erguera a mão. E isso não tinha nada a ver com jogar a carta da compaixão. Era sobre falar a verdade e admitir o motivo de não ter sido capaz de dar uma chance aos dois. Respirando fundo, bateu à porta da suíte dele. Após um momento de silêncio, a porta se abriu para revelar a deslumbrante Marianna, vestida num roupão do hotel, o sutiã de renda à mostra. Ela mal piscou ao encarar Ella. — Scusi — disse Marianna. — Pensei que fosse o serviço de quarto. — Ela sorriu. — Santo está no banho. E Ella não disse nada. — Ah, aqui está agora — disse Marianna quando um balde de gelo e uma garrafa de champanhe foram entregues no quarto, seguido por um carrinho com refeições. Todos os pratos estavam cobertos, é claro, mas Ella podia imaginar o que havia por baixo, assim como soube o que estava interrompendo. — Perto da cama — ordenou Marianna. Como Santo gostava. — Você precisa dele para alguma coisa em particular? — Nada que não possa esperar — respondeu Ella, e voltou para seu quarto, sentindo-se entorpecida, esperando pela dor, esperando para descobrir, como secretamente sempre esperara, como era a sensação de ter um coração partido por Santo.
CAPÍTULO 14
ELLA ESTAVA no set às 6h, ainda entorpecida, ainda esperando pela explosão de dor, ao se preparar para ver um Santo pós-coito, sabendo que precisava, de alguma forma, ser profissional, e não fazer referência ao que acontecera entre os lençóis. 85
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Dove Santo? Todos faziam a mesma pergunta, querendo saber onde Santo estava. No final, Ella telefonou-lhe, mas a ligação caiu na caixa postal. Então ligou para a suíte dele, determinada a manter o tom de voz neutro, se Marianna atendesse. Ninguém atendeu. Ela foi informada de que, pelo visto, o sr. Corretti deixara o hotel. — E Marianna Tonito? — perguntou Ella. Também havia deixado o hotel. E então o celular de Ella avisou que havia uma mensagem de texto dele. Houve um imprevisto importante. Eu sei que o filme estará bem em suas mãos. Marianna deixou minha agenda para você. Sei que está muito ocupada, mas pode providenciar para que haja champanhe na festa de encerramento das filmagens? Então era essa a sensação de ter um coração partido por Santo, pensou, exceto que o entorpecimento permaneceu. O céu não desmoronou sobre sua cabeça, não houve a explosão de dor que esperara, e, para sua infinita surpresa, Ella descobriu que era incrivelmente forte. — Houve um imprevisto — informou Ella à equipe no set. — Não tenho ideia de quando ele voltará, mas nós teremos de continuar sem Santo. Ficaremos bem Porque ele não lhes dera outra escolha. Absolutamente nada era importante para Santo? — Vamos lá, pessoal. — Ella consultou o relógio. Eles já tinham perdido muito tempo naquela manhã, e ela não ia jogar sua carreira fora — ou a dos outros — por causa de um homem, nem mesmo um homem maravilhoso como Santo. Sim, descobriu que podia pôr o coração partido de lado, por ora, porque, nos dias que se seguiram, houve muitos dramas, lágrimas e acessos de nervos; apenas nenhum de Ella. Não teve opção a não ser lidar com todos... Havia um navio chegando e 300 figurantes, e ela lidou com isso, também E, sim, até mesmo encomendou o champanhe. — Amanhã será o último dia de filmagem — anunciou para o elenco e para a equipe. — Eu quero todos aqui às 4h. A cidade fervilhava. Os restaurantes estavam abertos para os figurantes. A alegria era geral, e Ella fez o possível para participar do bom humor, não se permitindo entregarse à dor ainda. Tirou fotos das ruas movimentadas, assim como do navio, e pensou em enviá-las para sua mãe. Pensou em lhe telefonar naquela noite. Queria tanto saber mais sobre os perigosos homens Corretti, e sobre as mulheres que os amavam... Mas sabia que isso poderia doer mais do que ela suportaria nesse momento; sabia que deveria passar por esse período sem lágrimas. E assim teria feito, com certeza, se não fosse por certa pessoa que estava esperando por sua volta, no hotel.
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CAPÍTULO 15
— TERESA CORRETTI está aqui — informou o recepcionista, claramente ansioso por alguém tão reverenciado ter chegado de surpresa. — Eu expliquei que Santo não está, mas ela esperou para falar com você. — Obrigada. Ella olhou à frente, e lá estava Teresa. Aproximando-se, forçou um sorriso. — Lamento, Santo não está aqui... — Eu sabia disso. — Teresa beijou-a em ambas as faces. — Vim para falar com você. — Ah... — Venha... acredito que há um bom bar no saguão. Ella estava mais que um pouco perplexa, e talvez o staff do bar no saguão também estivesse. Uma mulher vestida de preto era uma visão rara ali, e o fato de ser a matriarca Corretti tornava aquilo duplamente espantoso. Teresa pediu dois drinques e, enquanto esperavam chegar, perguntou se Ella contara para a mãe sobre ter ido visitá-la. — Eu contei. — Ella sorriu. — Ela nem mesmo fingiu não ficar fascinada. — Como o filme está indo? — Muito bem. — Ella esforçou-se para esconder a ansiedade da voz, quando os drinques foram servidos. Não era culpa de Teresa que o neto tivesse ido embora no meio da filmagem — Você é a primeira mulher que Santo levou para me visitar. Ella lutou contra o rubor que sentiu esquentar seu rosto, incerta de como dizer àquela mulher elegante que ela já havia sido dispensada. — Na verdade — começou Ella, sentindo-se desconfortável — não existe nada sério entre mim e Santo. — Não?! — Teresa franziu o cenho. — Eu achei que existia muita afeição entre vocês dois. Ella apertou o copo em sua mão. Não podia contar àquela senhora idosa que o neto dela era um homem extremamente afetuoso com muitas. — Santo é muito complicado — disse Teresa. — De todos os meus netos, ele é o que... — Gesticulou as mãos, num gesto de impotência. — Mesmo quando criança, ele sorria e dava risada, era o mais feliz externamente, seu coração, porém, era triste e fechado. — Santo? — Santo — confirmou Teresa. — Ele é igual agora. Ri, é bem-humorado, mas não deixa ninguém se aproximar. Sempre houve mulheres, entretanto, você é a única que ele levou para me ver. 87
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Signora Corretti... — Ella não sabia como lidar com aquilo. — Não acho que Santo estava nos apresentando. Quero dizer, não creio que ele tenha me levado para visitá-la no sentido antiquado. Acho que as coisas entre mim e Santo acabaram — Você acha? E ela pensou em Marianna, e em como ele pudera simplesmente ter ido embora. Mesmo se Ella tivesse engendrado aquilo, pois lhe oferecera uma tentação irresistível numa bandeja, o fato de que ele mordera a isca doía. — Eu sei, senhora. Há coisas que não se consegue perdoar. E ela não ia discutir sua vida sexual com a Nonna de Santo. Mas quando se ama um homem como Santo existem muitos outros motivos com que se aborrecer. — Ele deveria se importar com este filme. Era a coisa mais importante para Santo, para o vilarejo, para o nome da família. Entretanto, sem pensar duas vezes, ele partiu. — Então Ella suplicou, mais por si mesma do que pelo filme: — A senhora sabe onde ele está? Qual foi o imprevisto? — E estava começando a chorar. — Como quem ele está? — Essas não são perguntas que fazemos em minha família. Não, eles eram tão corruptos, tão poderosos, faziam suas próprias regras e não se importavam com quem era pisado no processo. — É um filme... — Teresa deu de ombros. — Você pode perdoá-lo, se quiser. — Talvez a senhora possa. — Ela olhou para a mulher mais velha, que adorava, motivo pelo qual podia ser honesta em vez de rude. As duas sabiam que não estavam falando sobre filmes. — Eu nunca poderia. E era uma coisa boa para Ella saber que tinha seus limites, que, por mais que o amasse, não poderia se fingir de cega. Tal conhecimento foi o bastante para deter suas lágrimas, para que sorrisse e conversasse um pouco mais com Teresa. Para saber que ela seguiria com sua própria vida. — Eu preciso voltar — avisou Teresa um tempo depois, quando Ella, exausta, fazia o possível para não demonstrá-lo. — Ou nós poderíamos tomar um café... Ella ia menear a cabeça, mas, embora não fosse como sua mãe, tinha sido criada para cumprir certas regras. — Isso seria adorável. — Talvez — Teresa sorriu — um café amargo. É bom para a digestão. Ela precisaria acordar bem antes do amanhecer, mas concordou, tomando a bebida com gosto de xarope de ervas, ouvindo Teresa falar sobre Salvatore. — Eu falo demais — desculpou-se Teresa. — Foi ótimo conversar com a senhora. — Você é uma boa garota — murmurou Teresa, enquanto elas saíam do hotel, onde o motorista a esperava, paciente. — Você cuidou bem de mim, esta noite. Gostei de nossa conversa. — Eu também gostei.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Aquilo era verdade, percebeu Ella, mesmo exausta, encontrando tempo apenas para ajustar o despertador antes de cair na cama, muito cansada para pensar em Santo, exausta demais para pensar no filme que seria finalizado no dia seguinte.
CAPÍTULO 16
AO ACORDAR o primeiro pensamento de Ella foi para Santo. Era o último dia de filmagem, e Ella olhou pela janela de seu quarto de hotel. Uma lua maravilhosa brilhava na água. Olhou para o navio sobre o qual Santo fora tão meticuloso, e ele nem mesmo ficara lá para vê-lo. Não, era essa a sensação de ter um coração partido por Santo. Ela estava começando a sentir agora não somente a dor, mas a pequena chama de raiva em relação a si mesma e ao jeito como lidara com tudo. Todavia, reprimiu seus sentimentos e vestiu-se em sua favorita saia jeans e uma blusa branca, e então, deliberadamente, como se dando um aviso a si mesma, passou rímel; e não um à prova d’água. Poderia chorar o quanto quisesse naquela noite, depois que tudo tivesse acabado. Poderia levar para seu quarto uma garrafa do maldito champanhe que encomendara e tomá-la inteira, se assim escolhesse. Foi tal promessa que fez Ella aguentar firme, porque assistir à cena final, com o navio atrás deles, ver as mãos do marido que voltara percorrendo o corpo de Taylor, e lembrando-se das mãos de Santo fazendo o mesmo com seu corpo, não foi nada fácil. Ella desejou que tudo aquilo acabasse logo. Observou o beijo entre marido e mulher, a infidelidade sendo revelada. O set inteiro estava em lágrimas, inclusive Ella. O navio brilhava no oceano, os figurantes se achavam todos em harmonia, e, quando a câmera aproximou a cena, Ella olhou através do visor. Não poderia estar mais perfeito. Até que sentiu alguém parado atrás de si, e soube, sem virar a cabeça, que Santo retornara. E não poderia ser menos perfeito agora, porque Santo estava ao seu lado, e ela o queria tanto, apesar de tudo. Ella determinou-se a não se virar. — Peça para cortar. — Ainda não. — Por favor — pediu Santo — de modo que eu possa levá-la para o trailer. Ele só podia estar brincando. — Preciso falar com você. — Estou ocupada, no momento...
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Mas ela pediu para cortar a cena, porque tinha acabado, e houve uma forte salva de palmas da equipe. Enxugou as lágrimas com um lenço de papel, viu as manchas pretas do rímel e deu uma risada irônica. Depois de todo seu esforço para não chorar por ele, agora teria de encará-lo parecendo um urso panda. — Estas lágrimas não são para você. — Eu sei — disse Santo. — Eu a estava observando. Ela desejou que ele não estivesse. Tentou manter a mente no trabalho... não conseguiria encará-lo. — Eu preciso dar os parabéns... — Não agora. Quero que você venha comigo. Ela se virou e olhou-o, e foi como a primeira manhã em que dormira com ele. O olho esquerdo de Santo estava roxo, e havia um pequeno corte no lábio carnudo, mas desta vez, ela não queria saber os detalhes. Queria ficar o mais longe possível da vida pessoal de Santo. — Há algo que preciso lhe dizer — murmurou Santo. — Algo que talvez a faça sentir que eu passei dos limites. Ella fechou os olhos. De fato, pensara que aquilo era algo que nunca pudesse perdoar. Entretanto, de alguma maneira masoquista, garantira que Santo tivesse a mulher perfeita trabalhando para ele, enquanto ela se escondia. Agora precisava pagar o preço por ter colocado a tentação diante dele. Não, essa não era uma conversa que eles poderiam ter lá. Estavam recebendo taças de champanhe, enquanto a festa começava. Ella o seguiu para o trailer, mas preparando-se para enfrentar aquilo. — Eu nunca pretendi que isto acontecesse — começou Santo. — Foi uma coisa impulsiva... E ela tentou fazer o jogo da pessoa adulta, dizendo que entendia, embora as lágrimas inundassem seus olhos. Não, não conseguiria fazer aquilo. — Se um homem me engana uma vez, a vergonha é dele. Se ele me engana duas, a vergonha é minha. — Ella falou o provérbio italiano que Santo devia saber de cor, que devia ter ouvido de muitas mulheres. Nessa ocasião, ele não corrigiu seu italiano, e Ella murmurou: — Sabe, tudo o que eu amo em você é tudo o que odeio também Ele franziu o cenho. — Eu não vou perdoá-lo. — Essa era quem ela era. — Sei que isto não parece muito sofisticado, mas eu sou assim Não consigo perdoar.... — Fechou os olhos, porque saíra de cena tão depressa que praticamente o entregara para a outra mulher. — Nunca esperei que você levasse isto tão a sério quanto eu... — Ah, eu levo isto muito a sério. — Eu sei sobre Marianna. — Marianna? — Santo ergueu as sobrancelhas. — Marianna foi embora. — É claro que foi, porque dormiu com você. — Ele tinha de entender seu ponto de vista. — É por isto que não posso misturar pessoal e profissional. — Ella, acho que é loucura que nós não estejamos dormindo juntos. Isso tem me 90
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli deixado louco, mas eu respeito sua vontade. No entanto, Marianna... — Ele meneou a cabeça. — Você acha mesmo que fui tão leviano assim? Tive de demiti-la porque ela tentou me seduzir. Santo encarou a expressão confusa de Ella. — Saí do banho e... Bem, você não precisa de detalhes, mas havia champanhe, muita renda e insinuação... — Santo deu um sorriso que quase a fez se derreter. — Nada aconteceu... nem mesmo um beijo. — Fitou-a com intensidade. — Acho que perdi meu talento com as mulheres, a menos que ela venha com muita bagagem, e esteja mais focada nos ângulos da câmera do que em mim. — Você não dormiu com Marianna? — Eu lhe disse que não. — Santo nunca mentia. Ella percebeu isso, então. Nem uma única vez ele tentara encobrir seus erros. — Marianna tentou, mas eu não quis. Não senti nada por ela. — Santo pareceu pensar sobre aquilo por um momento. — Talvez tenha notado que ela era bonita, mas isso foi tudo. Santo era tão honesto que Ella teve de sorrir, e aquilo foi o bastante para que ele a envolvesse nos braços. — Senti tanta saudade sua — murmurou Santo enterrando a cabeça em seu cabelo. — Eu a quero tanto... — Santo, você não pode simplesmente desaparecer, então voltar como se nada tivesse acontecido. — Posso, sim. — Ele estava descendo as alças de sua blusa, com impaciência. — Você irá me perdoar em breve, mas antes eu preciso tê-la. — Não. — Eu preciso. — Santo estava removendo-lhe a blusa agora. — Ella, por favor, faz tanto tempo! — Onde você esteve? — Ella estudou-lhe o rosto machucado. — Você não precisa saber agora. — Engano seu. Tenho de saber o que está havendo. Santo, perdoe-me por não ter compartilhado mais. Por não ter ficado do seu lado enquanto você enfrentava problemas. Eu estava tão fechada em mim mesma que esqueci tudo pelo que você vinha passando. — E... — Santo incentivou-a a continuar, abrindo o fecho do sutiã e enterrando o rosto nos seios dela. — Eu estava errada — admitiu Ella. — Por quê? — Ele tomou um mamilo na boca. — Por quê? — repetiu. — Porque... — Ela parou. — Porque eu preciso ter você do meu lado. — Santo baixou-lhe a saia, impulsionou-a para a cama e despiu-se apressado. — Do mesmo jeito que preciso estar do seu lado para tudo. — Onde você esteve, Santo? Ele lhe beijava o corpo, mas parou. — Posso lhe contar depois? Ela ficou deitada lá, contorcendo-se, e não apenas com indecisão. 91
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Você realmente precisa saber agora? Então Ella o encarou, vendo o desejo e a paixão que precisavam ser correspondidos, não perguntas e respostas. — Não. — Fale de novo. — Não. — Não o quê? — Não, no momento, eu não preciso saber onde você esteve. — Por quê? — Ele lhe abriu as pernas, e ela permaneceu ali, nua sob o corpo poderoso. E, como da primeira vez, era Santo quem estava no controle. Ele lhe extraiu a verdade, sua resposta, uma que ela não conhecia até agora. — Você está fazendo vista grossa, Ella? — Não. — O que significa...? O que significava, perguntou Ella a si mesma. Se não precisava saber onde ele estivera, se não exigia explicação imediata... — Que eu confio em você. E certamente, ele deveria recompensá-la com sua ereção viril, mas, em vez disso, Santo a fez esperar; obrigou-a a falar, antes. — O que significa...? — Que eu te amo. — Resposta certa. E ela ganhou sua recompensa, então. Amava-o, sempre soube disso. E, nesse momento, não importava se ele a amava ou não, porque isso não mudava nada, e ela aprendeu mais naqueles instantes de felicidade do que poderia ter aprendido numa vida inteira. Amava Santo, sendo correspondida ou não. Assim, parou de lutar contra seus sentimentos, e apenas se entregou ao deleite de estar naqueles braços fortes, enquanto ele a levava para o lugar a que apenas Santo poderia levá-la. Depois, Ella cobriu-se com um lençol, como sempre fazia. Santo notou e virou-se para ela, com um sorriso. — Você me ama? — Tola como sou. — Eu sou muito amável. — Sua Nonna me contou. Santo riu, mas a risada foi interrompida por um grito de Ella, quando, mortificada, mergulhou sob o lençol no momento em que a porta do trailer se abriu. — Eu não vi nada — veio uma voz vagamente familiar, uma que não parecia nem um pouco embaraçada pelo que encontrara. — Volto depois... Vim para a entrevista... — Paulo? — indagou Santo, e Ella não pôde acreditar que ele estava prolongando 92
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli sua agonia. — Quando você pode começar? — “Agora” é a resposta certa? Sem dúvida, pensou Ella, embora talvez viesse a morrer se a conversa continuasse. Santo precisava se sentir tão à vontade em relação a sexo? Mas então, percebeu Ella, um assistente pessoal de Santo via muita coisa desse tipo. Portanto, Paulo teria de se acostumar. — Quero que você providencie uma seleção de anéis, Paulo. Anéis de noivado — esclareceu Santo enquanto o coração de Ella parecia parar. — Você tem algo em particular em mente? — Os olhos dela são cor de âmbar, mas ela acharia que estou sendo superficial. — Assim como mesquinho — acrescentou Paulo. — Eu sei. E Ella ouviu Santo estalar a língua, fingindo ter tido uma ideia, como se não houvesse planejado cada segundo daquilo. Ele estava um passo à sua frente o tempo inteiro. — Um diamante, tão grande quanto um cubo de gelo, do formato de um cubo de gelo... — Um anel de princesa — murmurou Paulo. — Deixe comigo. De baixo do lençol, ela ouviu Paulo murmurar: — E não se preocupe, Ella, você não terá de me levar para jantar fora. — Ele parece bom — comentou Santo, puxando o lençol de cima dela. — E não posso me imaginar seduzindo-o. Entretanto... — Sorriu. — Você conhece o ditado “Nunca diga nunca”? — Você é incorrigível. — Apenas com palavras — replicou Santo. — E de agora em diante, estas palavras são somente para você. Pedirei que Paulo cancele os preservativos de minha lista de compras, e, se você me aceitar, serei exclusivamente seu. Aquele não era o pedido de casamento mais romântico do mundo, mas eram as melhores palavras que ela já ouvira. — Eu nunca irei machucá-la — prometeu Santo. — Eu sei. Ela sabia. — Estou falando sério, Ella. Quero me casar com você, assim que Paulo puder providenciar tudo. — Um casamento simples... — Ella não podia acreditar que ele estava falando em casamento, no casamento deles. Santo meneou a cabeça. — Não. Um casamento de verdade. Um bom casamento siciliano. — Como? Você não tem ideia de onde seu irmão está, e meus pais nunca viriam. — Ei, pensei que você tivesse dito que confiava em mim. E ela se lembrou, então, do quanto confiava nele. 93
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Teresa veio me procurar — sussurrou Ella. — E me contou algumas coisas que estão acontecendo com vocês. Sinto muito por eu não ter estado ao seu lado, para apoiálo. — Você está aqui agora. E poderá compensar pelo tempo perdido... Acredite quando eu falo que há muito mais por vir. — Lamento que haja tantos problemas em sua família. — Ela lhe alisou o rosto machucado. — Assim como há na sua — apontou Santo. — Seu pai gosta de usar os punhos... Ella não queria falar sobre isso agora, e ia avisá-lo, mas Santo se adiantou: — Mas eu juro que não revidei batendo nele. — Santo viu a expressão horrorizada no rosto de Ella quando entendeu a origem de seus machucados recentes. — Fui falar com seu pai, pedir permissão para me casar com você, e vi, por mim mesmo, como ele é. — Santo! — Ela estava em pânico, apavorada pelo que podia ter acontecido, pelo que sua mãe deveria estar passando nesse exato momento. Quando ia se levantar da cama, Santo prendeu-a com seu peso. — Sua mãe está aqui, querida. Ela ficará hospedada com minha Nonna por alguns dias, e depois nós a levaremos para encontrar as irmãs. Aquilo era inacreditável. — Ela deixou meu pai! — Estava com medo, mas sim. Ela voltou no avião comigo — contou Santo. — Você tem de entender o nosso jeito italiano. É o mesmo para minha avó... elas são leais, os votos matrimoniais são mais importantes que elas mesmas. — Minha mãe não veio para cá quando eu pedi. Como você conseguiu convencêla? — Conversei com a Nonna. — Ele olhou para Ella. — Eu queria entender melhor... queria saber o que era melhor dizer quando eu falasse com sua mãe. — Como sua avó saberia? — Ella não compreendia. Sim, as duas mulheres eram parecidas, ambas presas às tradições, mas suas vidas eram completamente distintas. Ela olhou para Santo e viu que, pela primeira vez, ele lutava com as palavras, como se fosse difícil quebrar uma vida inteira de silêncio. O que, Ella bem sabia, era. — Salvatore batia em minha Nonna. — A expressão de Santo era de puro desgosto ao revelar isso. — Ela lhe contou? — Nunca. — Ele meneou a cabeça. — Essa foi uma das razões pelas quais ela gostou de você, Ella. Você se comporta de acordo com as regras da família. Fala que tudo está bem, fica para jantar, faz o que uma boa garota siciliana faria, mas eu disse à Nonna que isso acaba agora. Não haverá silêncio em certos assuntos, e minha Nonna concorda. Ela guardou o próprio segredo por muito tempo. — Como você soube? — Aquela festa de aniversário sobre a qual ela estava falando. Fiquei escutando atrás da porta... eu fazia muito isso... e ouvi meu pai confrontando meu avô, dizendo o que tinha visto. 94
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — O que Salvatore falou? — Que aquilo acontecera só uma vez. — Santo a fitou. — O que não é desculpa. Ninguém mais sabe disso, nem mesmo Benito, e eu jurei para a Nonna que não repetiria... exceto para você. A história é dela para contar, se ela sentir que precisa fazê-lo. — Por que ele não contaria para Benito? — Para poupá-lo, talvez. — Santo deu de ombros. — Eles eram rivais, mas no final das contas, ainda eram irmãos. Inacreditável que ele tivesse ido falar com sua Nonna, que confrontara uma vergonha do passado apenas para ajudá-la. E Ella lhe disse isso. — É claro que confrontei o passado por você — respondeu Santo. — Eu sempre a apoiarei, como você me apoiará nos próximos meses, quando minha família se desintegrar. — Talvez isso não aconteça, Santo. Deve existir algum elo aí... Vocês são parentes. — Os piores inimigos que alguém pode ter. Porque eles nunca vão embora. Mas, às vezes, eles provam ser os melhores aliados, também Minha Nonna disse que, apesar de tudo o que seu pai fez, sua mãe sentiria medo por ele, também — Eu estou com medo por ele — admitiu Ella, porque, apesar de odiar tudo o que seu pai fizera, imaginá-lo sozinho e sofrendo não trazia o conforto que ela imaginara que traria. — Não precisa temer por seu pai, querida. Eu contratei uma enfermeira diária e uma governanta para ele. Seu pai receberá cuidados, mas não de sua mãe. Eu prometi todas essas coisas a Gabriela para convencê-la a partir, e não revidei os socos dele. Mas se eu soubesse o que sei agora, talvez não tivesse conseguido me controlar. Conversei por um longo tempo com sua mãe, durante o voo de Sydney para cá. — Santo a viu empalidecer, enquanto lágrimas escorriam dos olhos de Ella. — Ele bateu em você. — Uma vez. — Ela fez uma pausa. — Eu saí de casa assim que pude, e consegui um apartamento e dinheiro suficiente. Então tentei tirar minha mãe de perto dele. — Ele bateu muito em você? Santo insistiu em detalhes. Não acreditava na versão de Gabriella, e então Ella contou-lhe. Levantou o cabelo e mostrou-lhe a cicatriz, e falou sobre os implantes dentários caríssimos. — Eu deveria ter ido à polícia e denunciado meu pai. Mas sabia que isso apenas pioraria as coisas para minha mãe. Simplesmente não podia acreditar que ela continuaria lá, depois do que ele fez comigo. — Sua mãe não acha que você pode perdoá-la. — Estou tentando. — Sendo assim, eu também tentarei. Nunca mostrarei minha raiva a ela, mas... — Santo não terminou. — Sua mãe está aqui agora. Eu disse que precisávamos desta noite, e que iríamos vê-la amanhã. — Isso não é muito siciliano. — Ella sorriu. — Eu sei. — Ele sorriu de volta, mas então ficou sério. — Você resolverá as coisas com sua mãe, tenho certeza. 95
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli — Nós já começamos a fazer isso. Eu quase liguei para ela, ontem à noite... — Por que acha que você estava sentada num bar, tomando um drinque com minha Nonna? Ela sorriu, surpresa. — Você a enviou! — É claro! Você deve saber que os Corretti são muito bons em preparar armadilhas. Tivemos medo de que você ligasse para casa e seu pai atendesse, então Teresa sugeriu que você estivesse muito cansada até mesmo para dar um telefonema. Santo saiu da cama. — E agora, nós temos uma festa para ir. Estou na indústria do cinema por tempo suficiente para desaparecer e ser perdoado, mas sua carreira ainda é nova. Mesmo naquilo, ele estava cuidando de seus interesses. Ella olhou para o homem com quem não via a hora de se casar, aquele com quem, graças aos céus, passaria o resto da vida. Os olhos verdes que encontraram os seus disseram-lhe que ele a amava da mesma maneira. Havia tempo para um último beijo, antes que eles fossem para a festa, e então Santo lembrou-se de algo: — Eu não falei que te amo. — Acho que você acabou de falar. — Bem, para me certificar... — Santo a puxou para seus braços — Eu te amo. E nunca falei isso para outra pessoa. Eu a amo tanto que passarei o resto de meus dias lhe provando que, embora você tenha tido todas as razões para ser cautelosa comigo, estava certa em confiar em mim E Ella respondeu com sua própria verdade: — Você já provou.
Epílogo
O SANTO reformado não veio embrulhado num laço. Mas, como era o jeito siciliano, havia um enorme laço branco na igreja, no vilarejo de sua mãe, para mostrar que um casamento estava prestes a acontecer. — Nem nos meus sonhos — murmurou Gabriella, caminhando ao lado da filha ao longo das ruas de paralelepípedos, iluminadas por tochas, em direção à igreja — eu pensei que fosse ver isto algum dia. — Sua filha se casando com um Corretti? — Eu ainda não acredito nisso! — Gabriella sorriu. — Mas não, nunca pensei que fosse vê-la casando-se em minha igreja, com minhas irmãs aqui... 96
Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Juntos, Santo e Paulo operaram milagres. Sim, eles optaram por um casamento rápido e discreto — a família estava muito dividida para que todos estivessem presentes, e Ella ainda se sentia magoada ao pensar no pai, que, por escolha dele, não estava lá hoje, mas de certas tradições Santo não abrira mão. Entretanto, se fosse o casamento do sonho de sua mãe, esse seria pequeno. Teresa estaria lá, assim como suas tias, e as duas sobrinhas pequenas de Ella seriam as damas de honra. Todavia, para Ella, nada daquilo importava. Quando as portas da igreja se abriram, tudo o que ela queria ver era seu noivo. — Oh! A igreja estava lotada, e todas as cabeças se viraram e sorriram. — Seu futuro marido conversou com os moradores do vilarejo. Eles estão muito felizes por eu estar de volta, e querem lhe dar as boas-vindas também, minha filha. E, sem dúvida, estavam todos encantados em ter um Corretti em seu meio, pensou Ella enquanto andava para seu futuro marido. Santo olhou para o vestido verde-claro de Ella, que tinha sido da tia dela uma vez, e sorriu. — Verde para fertilidade — disse Ella, porque, na velha tradição siciliana, noivas às vezes usavam vestido verde, para esse fim. Santo e Ella sabiam, havia três dias, que não tinham problema no departamento de fertilidade, e estavam excitados sobre suas notícias secretas. A cerimônia foi linda. Ele sorriu quando ela fez os votos em italiano. Santo mostrou nervosismo quando fez os seus, Ella percebeu, porque os dedos dele se moveram para o pescoço, a fim de puxar o colarinho. Mas sabia que ele falava com o coração. E agora eles estavam casados. — Nós ficamos aqui — explicou Santo, enquanto eles esperavam numa pequena casa perto da igreja. — Agora eles preparam a festa. — Puxou-a para seu colo. — E nós nos comportamos. — É claro. E ele lhe contou sobre a casa que vira em Palermo, mas primeiro eles iam se deitar naquela praia, do jeito que ela deveria ter feito anos atrás. — Mas então, eu não teria conhecido você. Os sicilianos sabiam como dar uma boa festa. As ruas estavam alinhadas com mesas. Havia abundância de comida, discursos e mais comida, mas também conversas e risadas. Ella viu sua mãe conversando com Teresa, e nem em seus sonhos mais loucos poderia ter imaginado esse momento, também — Nós dançamos agora — disse Santo. E ela pensara que o casamento seria apenas uma formalidade... Mas, nos braços dele, concluiu que talvez fosse um pouquinho romântica, afinal de contas, pois essa era a melhor noite de sua vida. E, ao fitá-lo, soube que nunca iria querer mudá-lo. — Eu amo você — declarou Ella com tanta facilidade, agora. — Nunca mude. — Só para melhor — respondeu Santo, com toda a seriedade. — Mas não para muito melhor. Escolhi três scripts para levar em nossa lua de mel.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli Ella franziu o cenho, enquanto eles dançavam. Não queria falar sobre trabalho. — Um mostra uma situação de refém — sussurrou ele em seu ouvido. — Há muito diálogo, eles conversam tanto... Ela começava a sorrir. — Outro, um romance — murmurou Santo, e ela sorriu mais ainda contra o peito dele, tão grata pela imaginação que a salvara quando criança, enquanto fazia um novo filme em sua cabeça. — Deus, eu adoro tanto o nosso trabalho. Nós nunca ficaremos entediados. Não; com Santo, era impossível ficar entediada. — E o terceiro script? — perguntou Ella, um friozinho de desejo percorrendo sua barriga quando olhou para ele. — Um faroeste. — A fisionomia de Santo era impassível ao fitá-la, vendo-a começar a rir nos seus braços ao formar as imagens mentais. E felicidade era um estado contagiante. As pessoas ao redor sorriram e começaram a bater colheres em seus copos, para pedir que os noivos selassem a união com um beijo. Não, não havia escolha, em absoluto; contudo, foi mais do que por tradição que os lábios de ambos se encontraram. Foi simplesmente por amor.
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Paixão Sagas 14.1 - Legado de Silêncio - Carol Marinelli ENTREVISTA OS BASTIDORES DE OS CORRETTI DA SICÍLIA Com Carol Marinelli
É um mundo tão grande para se criar, uma dinastia siciliana inteira. Você conversou sobre algumas partes com as outras autoras? Normalmente debatemos bastante no começo. Então, cada uma parece se retirar para o próprio mundo para escrever sua história, e no final nos reunimos de novo para o ajuste fino. Qual a diferença entre fazer parte de uma continuidade e escrever as próprias histórias? Minhas histórias são sementinhas que eu cultivo, mas quando participo de uma continuidade, já as recebo germinadas, em grande variedade. Viro um pouco eremita quando escrevo, e uma continuidade me força a sair. Qual foi o maior desafio? E do que você mais gostou? Um dos maiores desafios foi escrever um epílogo para o primeiro de uma série com muitos segredos ainda não revelados, e que eu não podia contar. Do que mais gostei? Do momento em que descobri como fazer isso. Eu me diverti muito pesquisando, o que pode ser um grande recurso de procrastinação, mas quando descobri que as noivas sicilianas costumam usar verde, tudo se encaixou. Alguma coisa no herói e na heroína a surpreendeu durante o processo de escrita? O amor de gelo deles! Meu herói, bem sério, realmente surpreendeu a mim e à minha heroína. Eu sofri com uma cena chave no início do livro, tentei suavizá-la ao máximo, e depois de reescrevê-la várias vezes e tentar mudar meu herói, acabei voltando para a versão original. Do que você mais gostou na criação da dinastia siciliana dos Correti? Adoro escrever sobre relações familiares complicadas. Uma dinastia siciliana me atrai do mesmo modo que a luz a uma mariposa — mesmo eu sabendo que acabaria me queimando. Se você pudesse dar um conselho à heroína no início do livro, qual seria? Acho que nenhum, as pessoas cometem os próprios erros e encontram os próprios finais felizes. Qual era o maior segredo do seu herói? A vida toda dele é um segredo, e ele revela isso. O que seu herói mais ama em sua heroína? O fato de eles terem as mesmas fantasias. O que sua heroína mais ama em seu herói? O fato de eles terem as mesmas fantasias também.
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