Robyn grady [filhas do poder 3] casamento inesquecível (desejo dueto 43 1)

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CASAMENTO INESQUECÍVEL A Wedding She’ll Never Forget

Robyn Grady

Lembranças apaixonadas. A produtora de eventos Scarlet Anders sempre buscou fazer a coisa certa. Mas ao conhecer o bilionário Daniel McNeal, um homem sexy, indomável e sarcástico, ela passa a questionar suas escolhas. Quando Scarlet tropeça em um véu de noiva por acidente e leva um tombo, tudo muda. Uma amnésia inesperada transforma a srta. Certinha em um vulcão de sensualidade. Ela topa na hora a proposta de Daniel, e ambos vivem um caso intenso e selvagem. Depois que recupera a memória, Scarlet se dá conta de que está apaixonada. Mas e Daniel?

Digitalização: Simone R. Revisão: Carmita


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Tradução Leandro Santos HARLEQUIN 2014 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: A WEDDING SHE’LL NEVER FORGET Copyright © 2013 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 2013 por Harlequin Desire Título original: NO STRANGER TO SCANDAL Copyright © 2013 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 2013 por Harlequin Desire Projeto gráfico de capa: Nucleo i designers associados Arte-final de capa: Ô de casa Editoração eletrônica: EDITORIARTE Impressão: RR DONNELLEY www.rrdonnelley.com.br Distribuição para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: FC Comercial Distribuidora S.A. Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br

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CAPÍTULO UM

Anjos vivem entre nós. E aquele, especificamente, estava equilibrado numa escada portátil, decorando um arco com girassóis e cupidos. Seu cabelo avermelhado chamava atenção para as esmeraldas em suas orelhas, joias que homenageavam a cor de seus olhos. Junto com uma saia escura e uma blusa de seda coral, o conjunto completo dizia refinada e sexy. Havia um par de sapatos de salto ao lado da escada. Cruzando os braços, Daniel McNeal chegou a uma conclusão: um beijo daquele anjo deixaria um mortal de joelhos. Passar tempo com uma planejadora de eventos de Washington não costumava constar da lista de seus afazeres. Por isso, o único motivo para Daniel estar ali era cuidar do vindouro casamento de seu melhor amigo. Quando ela – o anjo – terminou de pendurar o último cupido e começou a descer, ele se aproximou, ansioso pela apresentação. Uma fração de segundo depois, o pé dela escorregou. A gravidade a puxou para trás e Daniel correu, deu um salto à frente e, felizmente, segurou-a antes que atingisse o chão. Com o coração disparado, ele a ergueu enquanto os arregalados olhos de seu anjo olhavam fixo para o teto, seu peito subindo e descendo de medo. Então, o olhar dela o encontrou. – Já subi várias vezes naquela escada. Nunca tinha escorregado. – Seus lábios carnudos tremeram ao formar um sorriso. – Preciso mesmo agradecer a você. – Sei o jeito ideal. Jante comigo hoje. Ela soltou uma risada. Então, franziu o cenho e o encarou. – Nem sei o seu nome. – Daniel McNeal. – Daniel McNeal, famoso pela Waves, a rede social? Agora o estou reconhecendo. Você é australiano, não? Ele assentiu. – E você deve ser Scarlet Anders. Ali, na DC Affairs, ela era parceira de Ariella Winthrop, a mulher que fora rotulada como a filha secreta do presidente recém-eleito. A alegação, feita por um repórter do American News Service num baile comemorativo, deixara a nação de queixo caído. A pergunta óbvia era: se Ariella era mesmo a filha do presidente Morrow, quem fora o responsável pelo vazamento da informação? E até onde ia a invasão de privacidade? – Veio por causa de um casamento, sr. McNeal? – Sim. Mas não do meu. O sorriso dela se alargou. Em seguida, seus olhos se arregalaram de novo, e Scarlet se contorceu até que ele não tivesse escolha a não ser colocá-la no chão. – Muito melhor. Agora, podemos falar de negócios. – Para mim, estava ótimo conversar daquele jeito. 3


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O rosto dela corou antes de Scarlet recompor sua expressão. – Quer dizer que veio falar de um casamento? – Sou o padrinho de Max Grayson. Ela ficou empolgadíssima. – Max é noivo de uma das minhas melhores amigas, Caroline Cranshaw – afirmou Scarlet. – Queremos que o dia de Cara seja mais do que perfeito. – É exatamente esse o meu objetivo. – Nesse caso, é um prazer duplo conhecê-lo, sr. McNeal. Quando Scarlet ofereceu a mão, Daniel resistiu ao ímpeto de tocar os lábios na parte interna do punho dela. Em vez disso, sorriu e apertou-lhe de leve a mão. – Pode me chamar de Daniel. Somos todos amigos aqui, certo? – Amigos. Sim, claro. – Ela se soltou e foi até uma das três mesas usadas para apresentar temas e opções para a cerimônia de casamento. – Eu estava pensando no esquema de cores para Cara hoje de manhã. Rosa pastel é tão bonito para uma noiva... Ele riu. – Infelizmente, não é tão bom para nós, homens. – Cara me deu algumas sugestões. Vamos trabalhar juntos durante as próximas semanas para garantir que ela e Max fiquem felizes. – Scarlet se virou para Daniel, segurando a amostra cor-de-rosa da qual gostava. – Agradeço você ter aparecido para se apresentar. Tenho certeza de que tornaremos a nos falar no jantar de ensaio. – Parece um compromisso. – Será divertido. Relaxante. Um sorriso surgiu no rosto dele. – Adoro diversão e relaxamento. Ao vê-lo ainda sorrindo, ela perguntou: – Você veio aqui para tirar alguma dúvida? Precisando parar de pensar se Scarlet dormia com um conjunto de renda ou nua e se concentrar no assunto, Daniel recuou. – Max e eu somos amigos há muitos anos. Sabemos tudo um do outro. Para ser franco, quando soube da novidade, fiquei surpreso. Não é todo dia que seu melhor amigo avisa ao mundo que encontrou a mulher de seus sonhos. Pelo que Max me dizia antes, eu jamais o imaginei casado. Só com o trabalho. – As pessoas mudam suas prioridades. – Parece que sim. Depois de conhecer Cara e vê-los juntos, estou muito satisfeito pelos dois. Pelo casamento e também pelo bebê que está vindo. Max tem sorte de ter encontrado essa felicidade. A expressão defensiva dela se abrandou. Um pouco envergonhada, Scarlet tornou a sorrir. – Não imaginei que você fosse um romântico. Ele ergueu uma das sobrancelhas. Romântico? Ele só estava ressaltando um fato.

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– O que importa – continuou Daniel – é que vou fazer de tudo para apoiá-los no dia deles e também depois. – Eu também. – Esperava que você dissesse isso, pois preciso da sua ajuda. Quero injetar um pouco de diversão nisso tudo. – Tipo...? – Talvez um pouco de humor australiano. – Humor... australiano? – Nada exagerado. – Nada de cangurus de smoking? – Na verdade, eu tinha pensado em trazer alguns crocodilos. Scarlet ficou horrorizada, antes de perceber que ele brincava. Contudo, por sua expressão apática, ficou claro que ela não achou a menor graça. – Tive o privilégio de ser padrinho de alguns dos meus amigos. Gosto de fazer algo especial no dia. Isso se tornou quase uma tradição. – Faça uma lista. Vou lhe dar nossos detalhes para contato e verei o que posso fazer. Isso se os seus planos não quebrarem o protocolo ou atentarem contra o bom gosto, claro. Pelo visto, aquele anjo também podia ser uma diva. – Não quero interromper nada; só acrescentar – ressaltou ele. – No deserto australiano, imagino que as coisas sejam muito mais... improvisadas. – Não moro no deserto australiano. Nunca morei. – Talvez devesse. – Olhando-o de cima a baixo... jeans, mocassins, camisa de botão casual, as mangas arregaçadas... ela temperou seu tom com uma espécie de elogio: – Quero dizer, você sem dúvida é do tipo rústico. – Isso depende da sua definição de rústico. Quando o olhar dele penetrou o dela, desafiando Scarlet a fitá-lo com mais atenção também, ela ficou agitada – e intrigada. Então, empertigou os ombros e foi para a porta com uma refinada leveza. – Detesto ser mal-educada, mas tenho muito a fazer à tarde. – O que nos leva de volta à minha sugestão. Podemos conversar mais sobre minhas ideias durante o jantar. – Dadas as circunstâncias... eu diria que isso seria inadequado. O sorriso dele foi irônico. – Salvei sua vida, lembra? A ideia de jantar comigo não pode ser tão ruim assim. – Pelo contrário... – Scarlet se interrompeu. E, mais uma vez corada, assentiu com determinação. – Foi um prazer conhecê-lo. Naquele momento, Daniel devia ter se despedido e deixado toda aquela história de lado. Contudo, no instante em que pusera os olhos nela, sentira-se fascinado. Não havia como fugir. Ele já se decidira. Sua caça a Scarlet Anders apenas começara. 5


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Quando Daniel McNeal acabou com a distância que os separava, fundindo seu confiante olhar ao dela, todos os sentidos de Scarlet dispararam. Seu estômago se contraiu e seu coração palpitou. Não pode ser. Acabamos de nos conhecer... e ele vai me beijar? Com tudo acontecendo numa agonizante câmera lenta, ela teria tempo mais do que suficiente para impedi-lo, impedir a si mesma de cometer o maior erro de sua vida. Precisava se lembrar daquele outro homem, da história que eles haviam construído e do futuro estável que pareciam destinados a compartilhar. Cerrando os punhos, ela desviou o olhar, recuou e percebeu outra pessoa no recinto. Boquiaberta, a florista do estabelecimento ao lado olhava fixo para Scarlet, como se a planejadora de eventos, sempre tão contida, tivesse se transformado numa oferecida. – Katie... – Tentando se livrar do calor em suas faces, Scarlet falou: – O que está fazendo aqui? Enquanto Daniel recuperava a compostura e punha as mãos nos bolsos do jeans, Katie avançou. – Não tem ninguém na recepção – respondeu Katie. – Entrei direto. Desculpe. Não sabia que você tinha companhia. Como sempre, os bons modos assumiram o comando e Scarlet indicou seu ousado e sexy convidado. – Katie Parker, este é Daniel McNeal. – É um prazer conhecê-lo. – Katie o analisou de cima a baixo. – Você me parece bem familiar. E esse nome... Scarlet grunhiu. Não queria que começassem a falar do status de celebridade daquele homem, da Waves ou de como todas as pessoas da galáxia faziam parte daquela rede social, incluindo ela própria. Queria apenas que seu perturbador visitante fosse embora. Precisava recuperar a concentração. Com um gesto disciplinado, ela indicou a porta. – O sr. McNeal já estava de saída. – De fato. Conversaremos depois – disse ele a Scarlet antes de se virar para Katie. – Tente convencê-la a jantar comigo, sim? Com uma piscadela, ele saiu. – Estou confusa, Scarlet. Ele a convidou para sair? – Era brincadeira, Katie. – McNeal falava bem sério. O que é fantástico, porque, sejamos francas, o cara é lindo. E charmoso. E sexy... Revirando os olhos, Scarlet se afastou. – Katie, por favor. – Acredite, ele está a fim de você. E parece que o sentimento é mútuo. Se eu não tivesse aparecido, aposto que os dois estariam se beijando agora.

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– Não estaríamos, não. Já resolvi que não vou fazer isso. – Eu sabia! – E também sabe que estou num relacionamento com um homem que qualquer mulher gostaria de ter. – Posso falar a verdade, Scarlet? Pelo que vi, Everett Matheson III não me deixa nem um pouco empolgada. – Everett e eu combinamos. Ele é previsível. Educado... – E entediante. – Possui uma forte ética de trabalho. Vai ser um bom marido e um pai responsável. – Mas você está apaixonada? Estremece de desejo toda vez que pensa nele? Scarlet não ficava assim por motivo nenhum, incluindo homens. – Fui criada para saber respeitar a mim mesma, o que significa que não caio de amores pelo primeiro conquistador que aparece na minha frente. Não sou desse tipo, e você sabe. Katie suspirou. – Depois do grande anúncio de Cara e Max, aposto que Everett logo vai pedir sua mão em casamento também. – Ele já pediu. Ontem à noite. Contratou uma carruagem, e no banco havia champanhe francês e taças de cristal num balde de gelo. Depois que fez o pedido, Everett descreveu todos os motivos para fazermos um belo par. O anel é herança de família. Mas ficou um pouco folgado no meu dedo, precisamos mandar apertá-lo. O rubi de oito quilates posicionado num círculo de diamantes criava um anel de noivado maravilhoso. Katie resmungou: – Tenho que lhe dar parabéns... – Obrigada. – Mas também vou dizer que você não é obrigada a se casar. Nenhum convite foi enviado ainda. O lugar não foi reservado. – Você é uma boa amiga – disse Scarlet ao passar pela florista e seu olhar suplicante –, mas não quero ouvir isso. Chegando a uma mesa, Scarlet se ocupou arrumando as amostras de tecido. – Afinal, quem era aquele deus grego? – Katie quis saber. – Conheço o rosto dele. É algum político emergente? – Ele é dono da Waves. Katie pôs as mãos no rosto. – Claro! Enquanto eu fazia meu cabelo na semana passada, folheei um artigo que falava do crescimento meteórico do site. Interessante. As fotos do diretor executivo eram ainda melhores. O artigo terminava falando que talvez ele posasse nu para um calendário beneficente. Scarlet se recusou a dar atenção ao calor que lhe subiu pelo peito até as pontas dos seios. Mas não conseguiu afastar a imagem de Daniel McNeal sem roupa. Seus antebraços eram fortes, bronzeados. A parte do peito exposta pela gola da camisa 7


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revelara um tentador toque de pelos e a carne ardente que havia por baixo. O jeans se adequava ao seu ar de rebelde sem causa. Scarlet não imaginaria... não devia imaginar como Daniel ficaria delicioso sem ele. – O que estava fazendo aqui? Deixando de lado o latejamento dentro de si, Scarlet posicionou um arranjo floral sobre uma mesa. – Não é meio óbvio que ele veio por causa de um casamento? – Sim, mas não o dele. Porque se Daniel fosse se casar, não teria olhado para você como olhou. Fitando a porta, Scarlet baixou a voz: – Quer que alguém ouça? – Sabe do que você precisa? Esquecer os bons modos, as obrigações, reais e imaginária, mesmo que só por uma semana. Você só precisaria desse tempo. – Para quê? – Para perceber que a vida é mais do que o esperado. Ou que aquilo em que você foi criada para acreditar não necessariamente a fará feliz. É tudo o que tenho a dizer. – Katie fez um gesto como numa solene promessa. – Ariella não está? – Decidiu trabalhar de casa hoje. – Primeiro, aquele grande anúncio de que o presidente era o pai dela. Depois, a mídia passa semanas se metendo na vida da pobrezinha... Ariella é uma rocha. Eu estaria acabada a essa altura. – Deve ser difícil. Muito mais do que difícil. – Quando será que saem os resultados do teste de DNA? – Logo, imagino. O telefone de Scarlet apitou e ela abriu a mensagem de texto. As orelhas de sua amiga deviam estar quentes. Preciso falar com você, dizia a mensagem de Ariella. O resultado do teste saiu.

CAPÍTULO DOIS

Ao ver seu chefe entrar na suíte da cobertura, Morgan Tibbs seguiu Daniel para o quarto que servia de escritório sempre que eles estavam em Washington – o que acontecia com frequência suficiente para que tivessem feito um contrato de aluguel de longo prazo para aquela e mais outra suíte, além de um veículo. – Você disse que passaria o resto do dia fora – disse Morgan. – Entre aqui um instante, sim?

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Ela obedeceu. – Uau! Estou imaginando coisas? Você está tenso? – Conheci uma mulher hoje. – E? – Tem algo de diferente nela. – Achei que isso nunca fosse acontecer. Eu avisei que não éramos todas iguais. – Eu nunca disse isso. Muito menos de você. – Sejamos francos. Você pode ser o Einstein da informática, mas é um novato em relacionamentos. Quatro semanas parecem ser o seu limite. – Se uma coisa não está dando certo, por que continuar? – Deixando para trás uma fila de mulheres magoadas com estrelas nos olhos... – Mas você nunca teve estrelas nos olhos por mim, não é, Morgan? Mesmo parecendo arrogante da minha parte, por que não? De cabelo liso e escuro, Morgan era pequenina, tinha um rosto redondo e um impressionante QI que punha o dele no bolso. Também era dona de uma capacidade telepática de prever precisamente as necessidades de Daniel, e era por isso que ela o acompanhava a todos os lugares. Quase nunca ela se abalava. Agora, no entanto, um genuíno espanto a fez arregalar os olhos. – Você é meu chefe. Sentir atração por você nunca passou pela minha cabeça. – Digo o mesmo. Um homem sabe quando existe uma conexão mútua. Sente a faísca. Aquele calor primitivo. – Talvez seja melhor você falar disso com um amigo. – Não. Preciso de uma opinião feminina. Eu a convidei para sair. Ela recusou. Queria dizer “sim”, mas algo a impediu. Ela estava tentando ser fria. Mas posso garantir que as faíscas estavam voando. Ele se recordou da maneira como Scarlet Anders o olhara, quase temerosa, mas também sedenta. Qual seria o problema? – Imagino que ela já tenha alguém ou esteja tentando superar o passado. – Comprometida ou marcada... entendo. Estou com o telefone dela. Ao menos o comercial. – Daniel tamborilou com os dedos na mesa, tomou uma decisão e pegou o telefone. – Vou ligar para ela. Morgan fechou a expressão. – Se a moça disse não, essa sua atitude pode parecer meio exagerada. – Seria apenas um contato amistoso. – Oh-oh. Quem é ela? Daniel contou tudo para Morgan. Ela já sabia do casamento de Max e Caroline Cranshaw. Todavia, Morgan não soubera da visita dele à DC Affairs. – Quer ajudar uma planejadora de eventos profissional e planejar um casamento? – Você está do meu lado, lembra, Morgan? – Certo. – Ela deu de ombros, como se a solução fosse fácil. – Da próxima vez que você se encontrar com Max Grayson e a noiva dele, faça algumas perguntas sobre a sua 9


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Scarlet. Se ela e Caroline Cranshaw forem boas amigas, como você diz que são, ela poderá lhe dar muitas informações. O sorriso dele começou a crescer. – Muito astuta, srta. Tibbs. – Aprendi com o melhor. – Está me acusando de ser calculista? – Daniel pôs os pés em cima da mesa, cruzando as mãos na nuca. – Devo lembrar a você que sou a pessoa mais relaxada e tranquila de todas? – Ao menos é nisso que quer que todos acreditem, incluindo você mesmo. O sorriso dele vacilou. Às vezes, Daniel se perguntava se sua assistente o conhecia bem até demais. – Agora que já resolveu sua vida social – continuou Morgan – você precisa saber quem telefonou hoje. Ainda não é de conhecimento público, mas, pelo visto, um comitê foi formado no Congresso para investigar invasões de computadores e redes telefônicas durante a campanha presidencial. – O que resultou na questão de paternidade do presidente. Por que não estou surpreso? – Eles querem que você retorne a ligação o mais rápido possível. Daniel estremeceu. – Não estou gostando dessa história. – Nesse caso, acho melhor se mandar logo daqui. A expressão dele não se abrandou, e ela suspirou. – No momento, você é o bambambã do mundo da informática, Daniel. Eles querem que você lhes passe informações básicas e também que fale de outros possíveis perigos de invasão. Mais do que isso, esperam que possa lhes dizer quem está por trás de tudo. – Ela foi para a porta. – Vou pôr o representante do comitê no telefone. – Espere um pouco. – Daniel pegou a extensão. – A Casa Branca pode estar querendo pistas, mas preciso resolver um problema urgente primeiro. Ele decidira seguir o conselho de Morgan com relação a Scarlet Anders. Não telefonaria para ela. Tinha uma ideia muito melhor.

Scarlet recebeu Ariella Winthrop em sua casa em Georgetown com um grande abraço. Sua amiga queria alguém para apoiá-la quando lesse o resultado do exame de paternidade. – Quando perdi meus pais adotivos naquele acidente – disse Ariella, levando o envelope ao peito – senti tanta falta deles que rezei para que um milagre os trouxesse de volta. Agora, estou enfim confrontando a ideia de conhecer meu pai biológico. Com sorte, teremos um relacionamento. Não consigo acreditar que talvez ele seja o presidente dos Estados Unidos. – Ainda não falou com Ted Morrow? – Só com o seu gabinete. É tudo muito calculado. Como se precisassem ter medo de mim. 10


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– Como você está? – Tão nervosa que chego a sentir enjoo. – Venha se sentar. Vamos abrir o envelope juntas. Scarlet levou sua amiga pela sala. Elas haviam passado meses ali juntas, revisando os planos para a sua empresa, discutindo seus pontos fortes, suas esperanças, seus medos. As duas ficaram muito ansiosas e empolgadas quando as portas da DC Affairs finalmente se abriram. Desde então, aprenderam juntas e cometeram seus erros. Contudo, não brigaram uma vez sequer, e sua amizade apenas se fortalecia. Elas se sentaram num sofá diante da lareira. Numa prateleira, os pais de Scarlet sorriam de dentro de uma moldura em formato de coração. Os Anders seguiam o mesmo padrão: imponentes, fortes e amorosos... Ainda que a mãe dela pudesse ser um pouco zelosa demais por vezes. Sentia orgulho por sua filha estar namorando um Matheson e não perdia nenhuma oportunidade de lembrar Scarlet disso. Ainda assim, Scarlet tinha certeza de suas raízes. Olhando para o envelope, Ariella inspirou fundo e disse: – Não parei de me mirar no espelho, de ver fotos, analisando se havia alguma semelhança. Eu me flagro sorrindo, torcendo para que seja ele. Então, penso em como poderá reagir se for verdade. E, acima de tudo, penso na minha mãe. Estou agradecida de verdade pela imprensa ter vasculhado o passado do presidente e descoberto quem era a namorada dele no colégio. Sabemos que ela foi embora para a Irlanda há vários anos, mas por que ninguém consegue encontrar Eleanor Albert agora? Por que ela me pôs para adoção? Preciso saber por que Eleanor e Ted Morrow terminaram. Teria sido por minha causa? – Ao menos você tem um nome agora. Ariella empurrou o envelope para sua amiga. – Pode abrir para mim? Estou tremendo tanto que talvez acabe rasgando. Uma sensação estranha percorreu Scarlet. O país inteiro esperava aquele resultado. Ela abriu a aba, retirou o papel e leu. – Aqui diz que há 99,99999 por cento de probabilidade de paternidade. – Baixando a folha, Scarlet encontrou o olhar vidrado de sua amiga. – Isso significa que Ted Morrow é o seu pai. Ariella, você é filha do presidente.

– Corre por aí um boato de que um comitê foi formado no Congresso para investigar essa história do roubo de informações. Com o telefone grudado na orelha, Daniel fez uma expressão de desprezo ao ouvir o anúncio de Max Grayson. – Tive o privilégio de receber um convite pessoal para a cerimônia. O laptop estava no canto de sua mesa. Daniel abriu a Waves, desceu pela tela, mas ninguém ainda havia postado nada sobre o comitê... mesmo que todos estivessem discutindo a acusação de paternidade feita pela rede de notícias American News Service – o ANS – contra o presidente Morrow. 11


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– A Casa Branca deve estar a mil, se preparando para caçar qualquer um que esteja tentando fazer escutas telefônicas ou invadir sistemas para obter a informação. – Max parou. – Você disse que alguém desse comitê lhe telefonou? – Exatamente. Pode me dar um panorama geral? Sei que aquele inglês, Colin Middlebury, vinha fazendo lobby para que os Estados Unidos assinassem um acordo tecnológico com o Reino Unido. – Middlebury conseguiu aprovar o acordo com apoio do senador Tate. Dizem que a família de Middlebury foi alvo de roubo de informações na Grã-Bretanha. Se pediram a sua presença, eles vão tentar tirar de você todos os detalhes sobre a nebulosa arte dos hackers. Vão querer saber se você tem alguma ideia ou pista de prováveis suspeitos. – Não me meto com gente que gosta de atividades ilegais. – Mas você é um líder mundial em TI. Alguma ideia? – Além do óbvio? – ANS. A ética daquela rede é questionável, para dizer o mínimo. Se não houver nenhum escândalo político, eles inventam um. Cara está feliz por ter se afastado disso tudo. Daniel se lembrou de quando Max lhe contara que iria se casar. Sua noiva, grávida, deixara seu cargo de alta pressão como relações públicas da Casa Branca para trabalhar com suas amigas planejadoras de eventos. Era a oportunidade de que ele precisava. – Conheci a amiga de Cara hoje. – Ariella? – Scarlet Anders. Passei na DC Affairs. – Você devia ter ligado. Cara não vai lá todos os dias. O que foi fazer na DC? – Ser um bom padrinho. – Dar uma olhada na organização? Acho que vamos ter que começar a pensar em carros, ternos e drinques. Claro. Não que ele bebesse. Jamais. – Ela é uma mulher interessante. – Scarlet? Cara a adora – confirmou Max. – Mas, cá entre nós, ela pode ser um pouco metida. Nunca perde a compostura. Os pais de Scarlet são pilares da alta sociedade de Washington, e a filhinha deles é uma cópia dos dois. Daniel fez uma expressão de dor. Uma vida de obrigações e sorrisos forjados? – Talvez Scarlet precise de alguém para mostrar a ela como relaxar. – Você? – Eu a convidei para jantar. Ela recusou. – Estamos pagando à DC Affairs para fazer o serviço. Scarlet jamais misturaria negócios com prazer. – Pensei que ela pudesse estar envolvida com alguém. – Cara e eu saímos recentemente com Scarlet e um executivo de alto nível chamado Everett Matheson. Um engomado de pedigree impecável. – O relacionamento é sério?

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– Os dois estavam tão preocupados em usar o garfo certo e falar com as pessoas certas que não tive como saber. – Nada de beijos? Mãos dadas? – Lembro que a vi ajeitar a gravata dele. Daniel sorriu. – Você não vai me demover. Sabe que adoro desafios. – Sei que você adora ser relaxado, e isso, meu amigo, é algo que Scarlet Anders não é. Posuda e esnobe, sim. Ela preferiria se matar a palitar os dentes em público. Daniel pensou em sua paixão por devorar pipoca enquanto assistia a um jogo. Em como detestava rotina e ir a eventos só por esperarem aquilo dele. Em como se divertia acelerando sua moto pelas estradas. Assim, imaginou Scarlet sentada atrás dele, usando uma roupa de couro, agarrada a sua cintura, o vento fazendo suas mechas ruivas voarem. Sorriu e levantou-se. – Acho que vou convidá-la para sair outra vez. – Você não tem jeito. – Estou com um bom pressentimento. Max achou graça. – Não diga que não avisei. Max precisou atender a outra ligação, e os dois se despediram. Daniel ligou para o comitê e concordou em comparecer. Então, durante as duas horas seguintes, ponderou sobre um assunto muito mais tentador. Resolvera não ligar para Scarlet. Não queria aparecer de novo sem avisar. Foi quando uma ideia lhe ocorreu. Max lhe falara da concorrência do tal Everett Matheson. Scarlet, porém, ainda não estava totalmente conquistada, e o instinto de Daniel mandava que ele arriscasse. Talvez ela estivesse bancando a quase impossível, mas, sem dúvida, ficara interessada. Depois de pesquisar na internet, escolheu uma florista localizada perto do estabelecimento de Scarlet. – Preciso que flores sejam entregues hoje, assim que possível – disse ele à mulher que atendeu ao telefone. – Eu mesma as entrego – garantiu ela. – De que tipo? Algo tradicional, como rosas? – Não gosto de nada tradicional. A menos que... Quando a ideia se formou, Daniel explicou o que pretendia, e, rindo, a mulher do outro lado da linha lhe garantiu que suas instruções seriam seguidas à risca. Quando os detalhes do buquê foram decididos, ele informou seu nome e o número do cartão de crédito e também o nome e o endereço de Scarlet. A mulher tossiu como se tivesse perdido o fôlego. – Você está bem?

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Com um sorriso em sua voz vagamente familiar, ela respondeu: – Estou ótima, sr. McNeal.

CAPÍTULO TRÊS

Quando Ariella se recompôs para ir embora, Scarlet voltou para o trabalho. No caminho, sua mente não parava de retornar ao fato de que Ted Morrow também já teria recebido o resultado àquela altura. Scarlet sentia pena de Ariella, pois o assédio da mídia ficaria dez vezes maior. Mas, com sorte, algo de bom sairia daquilo. Um pai e sua filha se reencontrando. E talvez a história não terminasse ali. O presidente era solteiro. Não seria maravilhoso se, depois de todos aqueles anos, Ted Morrow e a mãe de Ariella se reencontrassem e se casassem? Ariella recuperaria sua família biológica. Durante o resto da tarde, Scarlet se ocupou com os últimos toques do casamento de uma cliente na Catedral Nacional de Washington. Todas as mulheres sonhavam se casar na obra-prima em estilo gótico. Ao entrar em seu escritório, ela sorriu. Antes de os noivos poderem sequer pensar na Catedral Nacional, ao menos uma de três exigências teria de ser cumprida, o que era o caso da família de Everett: um dos noivos tinha de ser ex-aluno da escola da catedral; um dos noivos ou um parente direto precisava ser empregado da catedral; ou os noivos ou um parente direto tinha de ser um importante doador ou voluntário. Everett e sua família doavam regularmente e bastante. Na noite anterior, depois do pedido de casamento, Everett até falara em enviar um pedido para que ele e Scarlett se casassem lá. No momento, Scarlet não pensara em si, mas em seus pais; como ficariam orgulhosos! Com a posição social deles, Scarlet sempre soubera que seu grande dia seria algo inesquecível, com todas as convenções em destaque. Ela já organizara vários casamentos assim para saber como podiam ser cansativos para a noiva. Porém, tudo o que valia a pena costumava ser. Ao arrumar tudo para fechar, Scarlet pensou ainda mais. Que tipo de casamento Daniel McNeal iria querer? Algo casual. Talvez até burlesco. Decerto, nada adequado às necessidades ou ao gosto dela. De qualquer forma, o sr. McNeal não lhe parecera do tipo que pensava em casamento. Prestes a sair, Scarlet parou para atender a uma ligação em seu celular. – Ariella me ligou – começou Cara Cranshaw – e deixou uma mensagem. Só conseguimos nos falar agora. Ela me contou do resultado. – Quando será que os paparazzi vão ficar sabendo? Sem querer ofender. – Max também não gostou da forma como isso foi tratado pela imprensa. Max Grayson fora repórter antes de assumir um cargo de bastidores. – Como Ariella estava quando foi embora, Scarlet? 14


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– Conformada com o fato de que nada mais vai ser como era. – Eu a convidei para vir aqui. Achei que pudesse precisar de companhia, mas ela disse que preferia ficar sozinha hoje. Scarlet também pensara em oferecer companhia a sua amiga. – Vou mandar uma mensagem dizendo que estamos à disposição se ela precisar. – O que vai fazer hoje à noite? Vou ficar na casa de Max, mas ele irá trabalhar até tarde. Seu homem também ficará alguns dias fora, não? Os pensamentos de Scarlet pararam abruptamente. Com “seu homem”, Cara se referira a Everett. Entretanto, por algum louco motivo, fora o rosto de Daniel McNeal que surgira na mente dela. Seu meio sorriso, seu cabelo loiro escuro bagunçado... Scarlet sentiu todo o seu corpo formigar. Totalmente inadequado. Recompondo-se, retomou o rumo da conversa: – Um dos clientes de Everett em Nova York precisava que ele avaliasse alguns números. – Por que não vem para cá, então, Scarlet? Podemos rever os detalhes da festa. Ainda estou dividida entre os esquemas de cores. Scarlet hesitou. Como Ariella não queria companhia, ela pensara em esquecer o mundo e relaxar com uma taça de vinho. Contudo, adorava a companhia de Cara. E, além da diversão que seria discutir o casamento de sua amiga, ela também tinha novidades para contar. Ou deveria esperar até o anel estar em seu dedo? O retorno de Everett? – Claro. Vejo você daqui a uma hora. Quando Scarlet já estava quase do lado de fora da porta, algo na bancada da recepção chamou sua atenção, fazendo-a voltar. Uma dúzia de rosas – um misto de amarelas, cor-de-rosa e rosa-chá – estava disposta perfeitamente num vaso de vidro. Scarlet suspirou ao sentir o maravilhoso perfume. Seus dedos roçaram as pétalas. A melhor parte, porém, o que distinguia aquele buquê, era o acessório originalíssimo. Empoleirado no alto de um caule artificial estava um animal de brinquedo. Um canguru boxeador de smoking.

Em casa, tomando um banho de espuma, Scarlet pensou na situação de Ariella. E, em seguida, mais uma vez nos mil detalhes do casamento que elas vinham planejando na catedral. Entretanto, seus pensamentos não paravam de retornar a Daniel McNeal, seu buquê com o canguru e a forma como ele a segurara nos braços depois daquela fatídica queda da escada. Scarlet se recordou do ardor de seu olhar azul. Já se sentira atraída por outros homens antes, mas nunca daquele jeito trêmulo e derretido, que a punha arfante e, pela primeira vez em sua vida, reavaliando a pessoa que ela era. Até mesmo duvidando do que queria. Seria apenas ansiedade? Para Scarlet, o casamento era o acontecimento mais importante da vida de uma pessoa. Era natural ficar ansiosa, embora já conhecesse Everett havia mais de um ano. Eles se davam bem em todos os aspectos. Acima de tudo, 15


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ela o amava. Não aquele amor estonteante, mas um tipo de afeto adequado, estável. Algo muito diferente de sua intensa reação de adolescente a Daniel. Afinal, no que se baseavam o amor e um bom casamento? Em respeito e apoio a objetivos mútuos. Não em emoções selvagens, luxuriosas, por alguém que era o exato oposto dela. Loucamente lindo, carismático e confiante, Daniel eriçaria qualquer mulher. Pelo que ela percebera, o físico alto e tonificado dele era excepcional. Sua personalidade, intrigante. Scarlet saiu da banheira, se secou e foi se vestir. Seus dedos passaram por saias sociais e vestidos. Quando ela parou num jeans, lembrou-se da maneira como o tecido abraçava as musculosas coxas de Daniel e sentiu um frio na barriga. Ela não costumava usar jeans. O relaxado Daniel McNeal talvez dissesse que ela não usava esse tipo de calça com frequência suficiente. Contudo, ela não se vestiria para ele naquela noite. E nem em nenhuma outra noite. Antes de vestir um suéter e uma calça preta, Scarlet chamou um táxi e pegou uma garrafa de vinho na geladeira. Estando grávida, Cara não beberia, mas uma ou duas taças fariam bem a Scarlet naquela noite. Ela logo chegou ao endereço de Max Grayson. Sua amiga abriu a porta da cobertura duplex com um sorriso de boas-vindas. – Entre. Eu já ia ligar para você. – Estou meio atrasada. Acabei tomando um belo e demorado banho... Ao entrar, Scarlet parou de falar. Uma voz – de homem – vinha da sala. Era profunda. Trovejante. Cara dissera que Max trabalharia até tarde. Então, outra voz respondeu à primeira, e o coração de Scarlet deu um salto. Aquele sotaque era inconfundível. O que ele fazia ali? Aquela deveria ser uma tranquila noite só delas duas. O que ela diria se ele mencionasse aquelas flores? Ainda pior: como reagiria se ele sorrisse daquele jeito desconcertante? Trêmula, Scarlet recuou. Preciso sair daqui. – Você disse que Max ia trabalhar até tarde. – Ele fez uma surpresa. – Não quero interromper. Rindo, Cara instou sua amiga à frente. – Não está interrompendo, boba. Na verdade, tem uma pessoa aqui que queríamos que você conhecesse. Os pensamentos e o estômago de Scarlet se reviraram. Precisava de uma desculpa. Tinha de sair dali imediatamente. Cara, porém, já segurava seu braço e, a cada passo, aquelas vozes ficavam mais altas. Uma série de incêndios internos surgiu, bombeando um proibido calor pelas veias dela. Então, Scarlet e Cara entravam na sala de estar, e dois pares de olhos se voltavam na direção das duas.

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Quando o olhar de Daniel a encontrou, Scarlet foi consumida por sensações tão poderosas que se sentiu atingida por um raio. Cara a apresentou: – Daniel McNeal, quero que conheça uma querida amiga, Scarlet Anders. Com um sorriso confiante, Daniel se levantou. – Já nos conhecemos. – Já? Onde? Quando? Você acabou de chegar. Entorpecida, Scarlet percebeu que Daniel trocara o jeans por uma calça escura feita sob medida e uma impecável camisa branca. Ele se aproximou e estendeu a mão. Sem pensar, ela a aceitou, e aquele raio a atingiu de novo, mais ao sul de seu umbigo. – Hoje de manhã – disse ele, e contou a todos como aparecera na DC Affairs e a salvara da queda da escada. Scarlet desviou o olhar do de Daniel para se concentrar no fato de que ele ainda segurava sua mão. Ela a puxou com delicadeza. – Já agradeci ao sr. McNeal pela ajuda. – Sr. McNeal? – Cara fez uma expressão melancólica. – Você não está no escritório. Deixe essa garrafa de vinho comigo. Max, pode servir um drinque para Scarlet? Algo espumante para celebrar a reunião de amigas. A atenção de Scarlet contornou a silhueta de Daniel. Max se dirigia ao bar, mas olhou de forma confusa por cima do ombro para seus dois convidados, como se soubesse algo que não deveria saber. Daniel teria revelado a seu amigo que eles já se conheciam? Que a convidara para jantar? Caso ele tivesse feito isso, Max haveria dito que ela estava namorando... Se bem que Max só a vira uma vez com Everett, e a companhia dela passara metade do tempo fora da mesa deles, ao celular. Compreensível. Até perdoável. Os serviços de Everett tinham alta demanda. Daniel a acompanhava até os dois sofás da sala. Cara se sentou num de três lugares. Max, tendo entregado uma taça de champanhe a Scarlet, juntou-se a ela. Sem escolha, Scarlet afundou no sofá de dois lugares, e Daniel se acomodou a seu lado. Pegando seu copo, que continha o que parecia ser refrigerante, ele propôs um brinde: – Ao resgate de donzelas em apuros. Erguendo seu próprio refrigerante, Cara sorriu. – Nunca tinha visto Scarlet precisar ser salva antes. As sobrancelhas de Daniel se arquearam. – É mesmo? – De todas as minhas amigas, Scarlet é a que menos cede sob pressão. – Ah, não sei, não... – Scarlet pensava em Ariella e em como a amiga lidara bem com o recente assédio da mídia. – Scarlet, honestamente. – Cara pôs o copo na mesa de centro. – No seu mundo, nada fica fora do lugar. Você inventou a palavra compostura. – O que me faz pensar... O que você costuma fazer para relaxar? – perguntou Daniel de forma casual.

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Para relaxar? – Bem... eu... hã... gosto de esquiar. – Eu também. – Daniel riu. – Mas na água, não em Aspen. Scarlet não se permitiu imaginá-lo de roupa de banho. Aqueles ombros, aquele peito... – Gosto de ler e ir ao teatro – acrescentou ela. Daniel pensou naquilo e perguntou: – E motos? – Desde que o conheço – disse Max – Daniel sempre adorou voar pelas estradas sobre duas rodas. Scarlet forçou um educado sorriso. – Nunca andei de moto. – Devia experimentar. – Daniel se curvou de leve na direção dela, e o inebriante perfume masculino adentrou seu sistema. – Posso levá-la. Aposto que você gostaria. Scarlet o perfurou com um olhar de aviso. – Aposto que não. – Talvez devêssemos chamar logo o táxi – interveio Max. Scarlet o olhou. – Que táxi? – Quando Max apareceu com Daniel – disse Cara – eu falei que estava esperando você, e ele sugeriu que todos saíssemos para comer. Daniel a olhou com inocência. – Gostaria de sair para jantar? Ela semicerrou os olhos para ele. – Obrigada, mas não. – Scarlet, você está se sentindo bem? Com o tom de preocupação na voz de Cara, Scarlet se acalmou. Fazia questão de jamais ser mal-educada. Isso apenas revelava fraqueza. Falta de autocontrole. – Sim – respondeu inexpressiva. – Só não... estou vestida para sair. Cara descartou a ideia. – Você está ótima, como sempre. Talvez Cara não tivesse percebido o jogo de avanço e recuo que ela e Daniel estavam fazendo, mas, pelo brilho nos olhos de Daniel McNeal, ele queria que Scarlet ficasse ciente de sua determinação a persegui-la. Ela devia informar que não estava disponível. Na verdade, o que a impedia? Não precisava ser grosseira e atirar aquilo para cima dele. Talvez, se ela mencionasse por acaso que sentia falta de Everett... Apesar de isso não ser bem verdade. Everett fora viajar não fazia nem 24 horas. – Scarlet ajudou muito hoje – dizia Daniel.

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– Ajudei? – Quando concordou em trabalhar comigo algumas ideias que quero implementar ao casamento – lembrou ele. – Eu disse que as olharia. – Que tipo de ideias? – Cara quis saber. – Umas coisinhas – disse ele. – Nada que vá contra a etiqueta ou o bom gosto. Cara se levantou. – Vou buscar minha bolsa. – Espere. Tenho de pegar minha carteira e meu celular. – Seguindo Cara, Max pediu desculpas a seus convidados. – Não vamos demorar. Daniel o tranquilizou: – Não se apressem. Quando ficaram a sós, ele se recostou e simplesmente esperou. Em dado momento, Scarlet conseguiu vencer a irritação e falar: – Recebi suas flores. Admito que o canguru foi um toque criativo. – A florista também achou. – Pelo cartão, a florista é a mulher que você conheceu hoje, Katie. – Agora, tudo faz sentido. Ao telefone, ela pareceu especialmente feliz com a encomenda. Scarlet se eriçou. Chega. – Você precisa saber. Eu tenho alguém. Daniel franziu a testa. – Sua amiga florista sabe? – Agora, sabe. – Não estou vendo nenhum anel. Quando ela respirou fundo, chocada, o sorriso dele desapareceu. – Então, diga. O relacionamento é sério? E, antes que responda, quero que saiba que considero você uma mulher linda, intrigante e um tanto metódica, e estou feliz por ter finalmente aceitado sair esta noite. – Não aceitei sair com sua pessoa. – Ela piscou. – Você disse metódica? – Não entenda como ofensa. Isso é muito atraente em você. Mas não consigo evitar querer ver mais do seu lado menos resguardado. – Não sou resguardada. Sou cuidadosa. Ele baixou a voz: – Acho que devia dar um passeio de moto comigo. Parece que Scarlet Anders é muito mais que isso, e quero a oportunidade de conhecer tudo nela. Quando o olhar dele percorreu o rosto e o pescoço de Scarlet, uma perigosa sensação fervilhante dominou o corpo dela, chamando-a, atraindo-a, fazendo com que também se curvasse um pouco na direção dele. Então, Daniel sorriu, e, horrorizada com seu comportamento, com seu desejo, Scarlet recuou de súbito. 19


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– Não me olhe assim. Você está... – Ela arfou. – Está perto demais. – Vai ser difícil. Ficar ao seu lado a noite inteira. Dizer a mim mesmo que eu não deveria. – Não deveria o quê? Com aquela profunda e inebriante voz, ele murmurou: – Beijar você, é claro.

Vendo a cor e a emoção nos olhos de Scarlet se aprofundarem, Daniel seguiu o instinto que lhe dizia para se aproximar. Pensara na rendição dela, naquele momento, o dia inteiro. Agora, estava prestes a conseguir o tão esperado beijo. – Interrompemos alguma coisa? Suspirando audivelmente, Scarlet se sentou reta como uma vara quando os dois olharam para a direção de Cara, ao lado da porta com uma expressão de curiosidade. Um segundo depois, ela sorriu, compreendendo. – Vocês estão analisando as tais ideias de Daniel? – Cara avançou. – Mal posso esperar para conhecê-las. Instável, Scarlet se levantou. – Sinto muito, mas preciso ir, Cara. Everett mandou uma mensagem de texto, pedindo para que eu ligasse imediatamente. Daniel contraiu o maxilar. Então, sob pressão, seu anjo não era avesso a mentir? – Everett? – perguntou ele, sabendo muito bem quem era. – Isso mesmo. – Olhando-o, Scarlet acrescentou: – Matheson III. – Nome impressionante. – Ele é um homem impressionante. Obviamente, não tanto assim. Talvez tivesse saído com Scarlet algumas vezes, mas não prendera sua atenção. E ela era do tipo de mulher que merecia toda a atenção, sempre que quisesse. Contudo, ficou claro que Scarlet nutria sentimentos pelo querido Everett. – Se você precisar de privacidade para telefonar, use o estúdio ou o meu quarto – disse Cara. – Pode demorar. – Scarlet pegou sua bolsa. – Não quero atrasá-los. A testa de Cara se enrugou de preocupação. – Deve ser importante. Scarlet assentiu. – É mesmo. À soleira, ela pediu desculpas mais uma vez e abraçou Cara. Daniel se ofereceu para acompanhá-la até lá embaixo. – Não precisa – respondeu Scarlet firme. – O que eu quis dizer foi que também vou embora – explicou Daniel a Max e Cara. – Vocês não precisam de alguém para segurar vela. 20


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– Você e Max não se veem muito – ressaltou Cara. – Claro que você não irá atrapalhar. – Ainda teremos bastante tempo – disse Max. Durante a torturantemente lenta descida, Scarlet se manteve num canto do elevador, e Daniel, no outro. – Pelos nossos amigos – disse ela, por fim – você e eu devemos nos entender. Quero deixar claro de uma vez por todas que isso não poderá acontecer se você ficar dando em cima de mim. – Eu sei. – Sabe? – Por mais que eu queira, não vou continuar. Arqueando uma das sobrancelhas, ela cruzou os braços. – Foi fácil demais. – É a verdade. Talvez, em algum momento no futuro, ela baixasse a guarda e eles ficassem juntos. Agora, no entanto, Scarlet se determinara a pôr seus amigos em primeiro lugar. Por natureza, Daniel era competitivo e tenaz, mas jamais antissocial. – Acha que podemos começar de novo, Scarlet? – Sendo só amigos? Não sei se confio em você. – Eu arrumo algumas referências. – Talvez devesse mesmo. Contudo, ao saírem do edifício, o passo dela se tornou mais lento e sua expressão se abrandou. – Se Cara confia em Max, e Max confia em você, acho que posso deixar tudo no passado. Satisfeito, Daniel saiu com ela para a rua. – Sendo assim, nós nos vemos depois. Scarlet abriu um pequeno mas genuíno sorriso. – Sem dúvida. Daniel foi para o estacionamento vizinho. Ao chegar à esquina, lançou um olhar para trás. Viu Scarlet no meio-fio chamando um táxi. Parando, ele sentiu uma gota de chuva atingir sua cabeça. O táxi passou direto. Um instante depois, outro fez o mesmo. Quando os pingos aumentaram, Daniel voltou. – Daniel, achei que você tivesse ido embora. Ele apontou para o estacionamento. – Meu carro está ali. – Consigo cuidar de mim mesma. – Isso não é negociável. Nossos amigos jamais me perdoariam se eu deixasse você aqui sozinha, esperando na chuva. – Se Cara soubesse das circunstâncias... 21


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– Diria para você pôr o orgulho de lado e aceitar a carona. – Com um floreio, ele indicou o caminho para o carro. – Sua carruagem dourada a aguarda. Scarlet parecia pronta para discutir, mas um repentino vento surgiu, e ela enxergou a razão e foi com Daniel. Depois que ela lhe deu seu endereço, ele saiu com o automóvel. Durante os minutos seguintes, a frieza dela se reduziu ainda mais. Scarlet até deu início a uma conversa, mas Daniel imaginou que fosse mais por educação. – Sua família mora na Austrália? – Meu pai está em Sydney. Pai adotivo, na verdade. Minha mãe morreu já faz um tempo. – Ah, Daniel, sinto muito. Ela teria ficado orgulhosa do seu sucesso. Você era muito novo? – Tinha idade suficiente para me lembrar. Aquele não era um assunto que ele costumava detalhar. Nem mesmo com seu amigo mais íntimo. Mas Scarlet não sabia disso. – E o seu pai biológico? Espero não estar me metendo demais. – Essa pergunta parece estar em moda, levando-se em consideração a situação de Ariella Winthrop. Acho que o veredicto logo vai sair. – Creio que sim. Scarlet estava de lábios pressionados. Saberia ela de algo que o mundo não sabia? Ariella iria querer compartilhar os resultados do teste de paternidade com suas amigas mais íntimas, mas Scarlet sem dúvida era do tipo confiável. – Essa história vai dar pano para a manga na mídia durante algum tempo – ele afirmou. – Você também é do ramo de compartilhamento de informações. – Mas a Waves tem a ver com liberdade de expressão. Todos os dias, pessoas como eu e você decidem o que precisa ser discutido. – Você se considera uma pessoa comum? – Um cara normal. – Bom saber que uma fortuna obscena não o afetou. Vamos ignorar o fato de que você está dirigindo um Lamborghini. – E a sua família? – Mora em Georgetown também. – Não acha perto demais? – Somos uma família unida. De forma saudável. Tomo minhas decisões, cuido da minha vida. Ele riu. – Não se esforce tanto para me convencer. Ela ficou em silêncio antes de acrescentar: – A verdade é que... às vezes, eles se metem com uma opinião. Mas acho que a maioria das mães faz isso. São todas muito protetoras. 22


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Ele respirou fundo. Aquele assunto doía. Daniel parou diante de um conjunto de casas geminadas. A chuva parara. Quando ele deixou o motor ligado, Scarlet pareceu surpresa. – Não vai me levar até a porta? – Você não quer. – Uau! Está mesmo se esforçando. A menos que seja psicologia reversa ou você esteja zombando de mim. – Zombo apenas de quem tenho certeza de que não vai me bater. – Então, acho melhor eu avisar que tenho um belo gancho de direita. – E é por isso que tenho o máximo respeito por você. Ela sorriu. – Tem, é? – Sim. – Ele fez uma pausa. – Tenho mesmo. Os olhos dela eram tão brilhantes. Sua expressão, isenta de fingimentos. Até vulnerável. E como se tivesse percebido aquela vulnerabilidade, Scarlet deixou de sorrir. Ao mesmo tempo, o espaço que os separava pareceu encolher. Aquela sensação de compartilhamento, de conexão mudou... aprofundou-se. E Daniel já a olhava de uma forma que ele jurara não olhar. Ele apertou o volante. Não agiria dominado pelo desejo. Entretanto, aproximou-se. Quando sua boca se inclinou sobre a dela, os olhos de Scarlet se fecharam, e aqueles doces lábios se entreabriram num suspiro. Ele esperava que ela recuasse a qualquer momento, que lhe desse um tapa. Contudo, com o passar dos segundos, ela apenas se derretia mais e mais contra ele, como se quisesse lhe dizer que aceitava. Apesar de suas objeções, aquela união aconteceria. A língua de Daniel se entrelaçou na dela, e seus dedos subiram para aninhar a nuca de Scarlet. O beijo se aprofundou, e o desejo dele de conhecer mais, de tomar mais para si, começou a arder em sua mente. Quando os lábios se separaram, devagar, Daniel não percebeu nenhuma raiva. Definitivamente, nada de repulsa. Quando seu olhar analisou o rosto dela nas sombras, sua mão tocou a quente face de Scarlet. Seu polegar roçou a úmida borda do lábio inferior. Pouco a pouco, o olhar dela encontrou o dele. – Você nunca mais poderá fazer isso, Daniel. – Isso exigiria que eu nunca mais a visse. – Se isso for necessário... Ele quis rir. Como Scarlet era teimosa! – Respeito o fato de você não querer confundir o que é pessoal e o que são seus compromissos profissionais com o casamento de Caroline. E fiquei sabendo que você saiu com um cara que tem um número no final do nome... – Estou noiva – Scarlet o interrompeu, e seus lábios estremeceram. Daniel sentiu um aperto no estômago. Ela só podia estar brincando. 23


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– Não acredito. – Ainda não contamos a ninguém. Everett fez o pedido ontem à noite. O anel é uma herança de família. Ficou grande no meu dedo, então mandamos reduzir. – Poupe-me dos detalhes – resmungou ele. Mas havia uma coisa que Daniel queria saber. Por que Scarlet se casaria com um homem que ela não amava? Pois, apesar de nunca ter vivenciado aquela emoção, Daniel tinha certeza de que, se desejasse tanto alguém a ponto de fazer o pedido, ele não beijaria outra pessoa por motivo nenhum. Ainda assim, isso não o tornava nenhum mocinho naquela situação. Fechando os olhos, apertou o topo do nariz. – Peço desculpas. Não sou um bom perdedor. – E eu não sou uma boa noiva. Nem perto disso. – Eu assumo responsabilidade. – Não. A culpa foi minha. Sabe, quando eu disse que não confiava em você, o que devia ter dito... o que devia ter compreendido era que eu não confiava em mim mesma.

Scarlet saiu do carro deixando Daniel com uma expressão perplexa e a si mesma com a mente estranhamente esclarecida. Ao chegar a seu prédio e perceber que Daniel não a seguira, ela ficou agradecida. Em primeiro lugar, por não querer a possibilidade de aquele ardente episódio se repetir. Jamais. Em segundo... Agora, ela precisava mesmo falar com Everett. Ao entrar em casa e digitar o número do celular dele, a ligação foi para o correio de voz. Scarlet tornou a tentar. Dessa vez, ele atendeu. – Eu estava indo jantar – disse Everett. – Minha cabeça está zumbindo com números, todos bons. – Riu, um som rouco e arfante do qual Scarlet se deu conta de que jamais gostara. – Goodman perguntou se eu poderia ficar mais alguns dias. Ele quer me apresentar a um círculo de amigos que precisam de um contador. – Isso é ótimo. Mas preciso falar com você, Everett... – Eu sei, eu sei. Disse que só ficaria dois dias aqui, mas é uma oportunidade boa demais. Você sabe que sinto saudade. Ela massageou a têmpora. A maior dor de cabeça de todos os tempos acabara de atingi-la. – Não é isso. – Então, é o anel? Mulheres e suas joias... – brincou ele. – Não se preocupe. Eu o deixei com a minha mãe. Ela não queria que ajustassem o tamanho do aro, mas eu falei que o casamento era meu, não dela. Scarlet pensou na sra. Matheson, em sua expressão de reprovação sempre que a mulher a recebia em sua exuberante casa, mesmo quando Scarlet era impecavelmente educada. Talvez ela não gostasse do fato de haver outra mulher roubando seu único filho.

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Porém, podia ser que a sra. Matheson fosse capaz de detectar um problema do qual Scarlet não estivera ciente, ao menos não até aquele dia. Ela não apenas não amava Everett como nem ao menos gostava muito dele. Não apreciava a forma como ele repartia o cabelo, como falava com os garçons ou como sempre punha o trabalho em primeiro lugar. Ao pensar nisso agora, Scarlet se perguntou como conseguira mascarar aqueles sentimentos. Se Daniel não a tivesse beijado, ela teria continuado acreditando que tomara uma boa decisão casando-se com Everett. Para ser honesta, nunca prestara atenção a outro tipo de homem. Everett era respeitável, previsível. Como os pais dela. Scarlet nunca aceitara que emoções intensamente cruas, sensações eufóricas e fervilhantes pudessem existir de verdade. Everett continuava falando de leis fiscais quando ela o interrompeu: – Everett, não posso me casar com você. Um perplexo silêncio se estendeu pela linha. Então, ele pigarreou. – Pode repetir? – Sinto muito. Demais. Achei que eu tivesse certeza. – O que mudou? Scarlet pensou em sua dieta regular de música clássica. Em seguida, lembrou-se de um canguru de smoking. Uma imagem de um casamento na catedral surgiu em sua mente, junto com a de uma moto roncando. Então, Scarlet imaginou uma série de jantares de negócios e noites solitárias em contraste com a inebriante magia de um único beijo. – Não está certo. Nós não estamos certos. Ele expirou quase pacientemente. – Quer que eu volte para casa? – Ah, Everett, isso não vai mudar nada. A voz dele ficou mais grave: – Não poderia ter esperado para me dizer isso pessoalmente? – Eu queria que ainda pudéssemos ser amigos... Mas Everett Matheson III já desligara.

CAPÍTULO QUATRO

Em meio a smokings e glamorosos vestidos, os sentidos de Daniel se fixaram na presença dela com a precisão de um míssil teleguiado. O justo corpete complementava um diáfano tecido dourado que, com um corte no centro, descia até os saltos. Contudo, o que mais chamava atenção era o cabelo vermelho-dourado; longo, exuberante e hipnótico como Daniel imaginara. 25


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Quando a mulher com quem Scarlet conversava jogou seu coque para trás e gargalhou, Daniel sentiu seu próprio sorriso se espalhar. Especialista em socialização, Scarlet pediu licença e se afastou. Daniel se desculpou com seus interlocutores. Quando ela olhou à volta e o viu se aproximando, os ombros de Scarlet se ergueram, e aquele lindo rosto se iluminou de uma forma que acelerou a pulsação dele. Desde aquele inesquecível beijo uma semana antes, Daniel mantivera distância. Scarlet Anders era noiva de outro homem. Independentemente dos sentimentos dele, do nó em seu estômago e do calor em seu peito sempre que pensava nela, tudo estava acabado. Entretanto, em público, Daniel não seria mal-educado a ponto de ignorá-la. – Que surpresa – disse ele parando diante de Scarlet. – Daniel. – Ela suspirou. – Não achei que gostasse deste tipo de evento. – Não sou muito bom nesses encontros de gala, para ser sincero. Mas esse era o segundo motivo da minha visita a Washington. Sou patrocinador de longa data desta organização de caridade. A testa dela se franziu de confusão. – Quer dizer que ajudar os jovens a encontrar um caminho é uma causa importante para você? – Sim... e também adoro um bom leilão. – Daniel absorveu o vibrante sorriso dela. – E você? – A DC Affairs foi contratada para cuidar dos aperitivos, dos drinques e da decoração. Recebi um convite pessoal há um mês, mas vim mais para ficar de olho em tudo. Meus pais também estão aqui em algum lugar. Assim como Scarlet, Daniel olhou pelo imenso salão de festas. O teto fora transformado numa tela com estrelas cintilantes. Os garçons usavam o uniforme do hotel, mas nem todos distribuíam comes e bebes do jeito costumeiro. Alguns deslizavam sobre algum tipo de patins. – Tênis com rodinhas? – perguntou ele. – Combinei uma representação fluida da juventude de hoje – ela explicou – com a ideia de o céu ser o limite. – Mistura ousada. Mas funciona. Então, como vai o planejamento do casamento? – perguntou ele para evitar dizer a ela como estava deslumbrante. Como Scarlet diria, isso não seria adequado. – Os planos de Cara vão indo muito bem. – Eu me referia aos seus planos. A expressão dela murchou. Então, seu queixo se empinou. – Na realidade, rompi o noivado. O coração de Daniel chegou quase à garganta. Droga! Não esperava aquilo. Passara todas as noites da semana anterior acordado, imaginando como Scarlet conseguira esquecer aquele beijo. No entanto, parecia que ela não esquecera. Ainda havia esperança para eles dois. Porém, não era necessário se gabar. Como Scarlet demonstrara uma semana antes, na sala de Max, algumas situações exigiam uma mentira descarada. – Sinto muito por isso. Matheson deve ter ficado chateado.

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– Tenho certeza de que o ego dele sofreu. E também de que Everett está seguindo com a vida. Mas como vai a Waves? – Ao que parece, muito bem. Espero voltar a Sydney na semana que vem e, depois, pegar um avião para cá e chegar a tempo do casamento. Como padrinho, ele quisera dar seu toque especial ao grande dia de seu amigo. Sabendo, porém, que Scarlet não gostaria de uma surpresa pouco ortodoxa num dos casamentos “dela”, talvez ele devesse deixar de lado temporariamente as suas brincadeiras nupciais. Nada de chegar com minúsculos carros vestidos de noivo e noiva para trocá-los no último momento por reluzentes Bentleys. Nada de dar de presente uma piscina de plástico na festa enquanto organizava secretamente a renovação do quintal dos recém-casados, que, ao voltarem da lua de mel, encontrariam uma magnífica piscina em estilo resort. – Está louco para voltar e pegar sua moto? Daniel a observou. – Você quer andar comigo, não quer? Admita. Ela soltou uma risada. – Não quero. – Primeiro, tênis com rodinhas. Você logo estará à procura de uma scooter. Depois, vai querer algo mais potente. – A sua moto. – Pode ser. Os olhos dela se arregalaram. Mas Scarlet se recompôs rápido. – Gosta de provocar, não é, Daniel? – A verdade é que gosto de você, Scarlet. Muito. – Caso não tenha percebido, estamos em público. – Não precisamos estar. Ela ficou boquiaberta. Entretanto, parecia mais tentada do que irritada. Scarlet podia se mostrar recatada, mas encerrara aquele relacionamento por causa dos sentimentos por Daniel. – Estávamos falando de planejamento de eventos, Daniel. Tenho tantas coisas importantes ainda para definir no casamento de Cara e Max... – Scarlet inclinou a cabeça. – Você está me olhando de um jeito estranho. Intenso, sedento. Sim, ele estava. – Acho que devíamos esquecer o trabalho e aproveitar a noite – Daniel sugeriu. – Pensei que já estivéssemos fazendo isso. – Eu devia ter dito aproveitar mais. Daniel passou o braço de Scarlet pelo seu e a levou para a pista de dança. Debaixo do enorme lustre central, ele envolveu a cintura dela com o braço. Sua outra mão se entrelaçou à dela. Scarlet apoiou o antebraço na lapela dele, os corpos cálidos e próximos, e os dois começaram a dançar. Com Scarlet se movendo com ele, o olhar dela jamais se desviando do seu, Daniel inspirou o divino perfume da mulher em seus braços. Absorveu o momento tão esperado. 27


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– Como está sua amiga Ariella? – Muitíssimo bem, levando em consideração o assédio da imprensa. O ANS é o pior. As pessoas que mandam naquela rede são vergonhosamente inescrupulosas. Que tipo de gente se diverte encurralando um ser humano, esperando que a pressão acabe fazendo a pessoa ceder para que se consigam as filmagens? É doentio. – Nem todos os repórteres são assim. Max fora um dos diferentes. – Eu sei. Graças a Deus. – Imagino que Ted Morrow e Ariella ainda não ficaram frente a frente. Quando os resultados do teste forem enfim divulgados, a Casa Branca vai querer garantir que a ação do presidente seja a correta. – Nem imagino como isso deve estar deixando Ariella destruída por dentro. Os pais dela morreram faz alguns anos. – Max me disse. – Faz a gente pensar, não? Qual seria a sensação de ver seu próprio pai virar as costas para você? O interior de Daniel se contraiu. Por fora, ele apenas ergueu as sobrancelhas e respondeu: – Não é boa, com certeza. – Mantendo os passos no ritmo da música, fez Scarlet girar. – Viu algo de interessante nas mesas do leilão? Ela sorriu. – Estou pensando nas férias de duas semanas numa ilha da Grande Barreira de Corais, cortesia de um anônimo. – Quem poderia ser? – É mesmo. Quem? – Eu recomendaria. – E ele conhecia o companheiro de viagem ideal para ela. – Nunca fui à Austrália. Parece tão longe. – Não conte a ninguém, mas é. – Aquela pedra vermelha bem no meio... – Hum... – Deve ser uma paisagem e tanto. – Sobretudo ao nascer e ao pôr do sol. – Qual é o seu lugar favorito lá? – As praias. A água. Tenho um iate ancorado em Port Hinchinbrook. – No território da Barreira de Corais. – Você já praticou snorkeling? – Minha pele clara não é fã do sol. – Imagine tartarugas de cem anos passando por você. Cardumes de peixe extremamente velozes. Platôs oceânicos cheios de corais. Alguns têm a cor dos seus olhos. – Daniel baixou o queixo. – E digo isso de um jeito nada sexual. 28


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– Claro. – O brincalhão olhar dela baixou antes de reencontrar o dele. – Mas acho que não adianta evitar o assunto. Não posso negar que o beijo foi muito bom. O problema é que vivemos em mundos diferentes. – Já ouviu dizer que os opostos se atraem? – Você não gosta do sistema. Quando era adolescente, você se rebelou contra ele. Pelo que li nos últimos dias, parecia destinado a uma vida de crime, Daniel. O passo dele quase vacilou. Quão profundamente Scarlet o pesquisara? – Sou agradecido por ter tido alguém para me pôr nos eixos. – Ao que parece, você é um gênio um tanto quanto excêntrico que prefere relaxar ouvindo heavy metal a desfrutar de um vinho antes de ir à ópera. Ele fechou o cenho. – Você gosta mesmo de ópera? – Todo tipo de música clássica. – Mas não tem guitarra. Ela suspirou com a piada dele. – Se nós... por algum motivo... ficássemos juntos e... você sabe... O polegar dele desenhou um lento círculo nas costas dela. – Continue. – A imprensa publicaria. O consenso público seria de que Scarlet Anders devia ter enlouquecido, caindo na gandaia com um playboy nada convencional, fã de esportes, que, tendo juntado uma imensa fortuna, só quer prazer. – Isso já é demais. Não sou tão fã de esportes. – Quando a magia passasse e nós voltássemos às nossas vidas separadas, você continuaria fazendo exatamente o que faz agora. Mas consegue imaginar o estrago que isso causaria à minha reputação? – Você vive sua vida de acordo com o que os outros pensam? – Acredite: aqui, isso importa. O público-alvo da DC Affairs são as classes mais altas. Por que eles deixariam seus eventos nas mãos de uma mulher que ficou louca e se entregou ao prazer depois do fim de um relacionamento estável? – Eu já disse que tenho uma tatuagem? Isso não ajudaria. – Você não está prestando atenção. – Simplesmente não gosto do que estou ouvindo. – Então, ouça isso. Não há como eu me envolver com você. Não é inteligente. – E você é uma mulher inteligente. – Ainda dançando, ele a girou. – Quer dizer que não quer mais me ver? – A não ser no que tiver a ver com Cara e Max, é o melhor a fazer. – Então, eu cedo às suas exigências. – Cede?! – No fundo, sou um cavalheiro. Ela sorriu. 29


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– Ou ao menos quer que eu acredite nisso. – É raro eu dar voz ao meu lado homem das cavernas. Por mais que queira, jamais vou jogar você por cima do ombro e levá-la para minha cama de peles de animais. – Os dedos dele pressionaram a base das costas dela. – A menos que você queira. E a julgar pelo olhar cada vez mais fixo de Scarlet, isso era mais do que uma possibilidade. No instante seguinte, porém, ela se recompôs, restabelecendo um espaço adequado entre eles. – Não tem nada sutil em você, não é, Daniel? – Falo o que penso. – E eu estou falando sério. – Ela recuou e, irritada, afastou-se. Daniel a seguiu. – Você diz o que acha que o sistema quer ouvir. Isso é ser fiel a uma imagem, não a si mesma. Não é ser feliz. Scarlet parou e o analisou. – E imagino que você seja capaz de me fazer feliz. Vai é destruir minha reputação. Não acho que meus pais aprovariam que a única filha deles ficasse com um homem que está pensando em posar nu para um calendário. – Não me diga, você pretendia comprar na pré-venda... – Não tenho vontade de vê-lo nu. Daniel se aproximou demais e sussurrou: – Mentirosa... Uma voz, feminina e autoritária, veio de trás: – Scarlet, teria a bondade de nos apresentar ao seu companheiro? Daniel recuou. Uma mulher de cerca de 50 anos, bem conservada, uma bela loira natural, analisava-o com um misto de curiosidade e reprovação. Ao lado dele, Scarlet se empertigou. – Daniel McNeal, estes são minha mãe e meu pai, sr. e sra. Anders. – O fundador da Waves. É uma doação e tanto a que fez para o leilão, sr. McNeal. – O sr. Anders gesticulou com seu copo de uísque para as mesas do leilão, perto demais do nariz de Daniel. – Suponho que seja o doador anônimo. – Espero que eles recebam bons lances – respondeu Daniel cordial. – Ouvi dizer que você conseguiu tudo sozinho – continuou o sr. Anders. – Com um pouco de ajuda no começo. – Seu pai? Ah, aquela era boa. O pai dele ajudara, sim. Ajudara a destruir a vida do filho. – Na verdade, foi um professor de física. Ele gastou muito tempo e energia pondo meus objetivos na direção certa. – McNeal... – A sra. Anders tocou sua taça de champanhe no queixo. – Irlandês? – Isso mesmo. Do povo que adora piadas e brigas. Um antepassado meu foi de lá para a Austrália no século XIX. 30


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– Piadas e brigas. – O sorriso da sra. Anders não demonstrava alegria. – Bem, é bom ter orgulho de suas origens. – A atenção dela se desviou, e seu sorriso assumiu um ar genuíno. – Ah, estou vendo os Bancroft. Scarlet, lembra-se daquele verão que passamos com eles e o filho, Thomas? Scarlet ficou confusa. – Quando eu tinha 9 anos? – Você tocou Chopin para todos, lembra? – Eu não era muito boa. – Era bem madura para a sua idade. Ainda é. Tão inteligente e responsável. – Ela se voltou para Daniel. – O pai de Scarlet e eu temos orgulho de nossa menina. É melhor irmos falar com os Bancroft antes de eles irem embora. Com licença, sr. McNeal. Scarlet, junte-se a nós quando puder. Tenho certeza de que Thomas adoraria revê-la. Quando o casal se afastou, Daniel disse: – Quer dizer que seus pais sabem que você e o Príncipe Encantado III se separaram. – Todos sabem. – Por isso estão pensando no candidato número dois. – Meus pais querem me ver feliz. Estabelecida. – Ou acorrentada? Scarlet grunhiu. – Preciso de ar fresco. Eles atravessaram a multidão até as portas. Deixando o barulho para trás, os dois saíram para uma sacada vazia. Scarlet parou diante do parapeito e olhou para as luzes da cidade. – Não espero que você entenda, Daniel. Droga. Ele não queria magoá-la, mas não conseguiu resistir a dizer algo. – Se o problema for pedigree, não, realmente, não entendo. Quando Scarlet se virou novamente para as portas do salão de festas, Daniel pensou ter visto o brilho de lágrimas nos olhos dela. Ele quis dizer algo mais. Algo que lhe desse apoio. Em vez disso, atrás dela, Daniel pôs uma solidária mão no ombro de Scarlet. Depois de um longo momento, a tensão que a dominava pareceu se aliviar. Expirando, cedendo, Scarlet se recostou nele. Daniel fechou os olhos. Aquilo era tão bom! – Não quero discutir com você. – Também não quero, Scarlet. – Não preciso de ninguém me dizendo o que é o melhor. – Imagino que não esteja incluindo seus pais nessa afirmação. – Eles querem que eu fique bem. – Acho que você quis dizer “case bem”. Tornando a enrijecer, ela se afastou e se virou para ele.

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– E se quiserem? O que há de errado em escolher um parceiro para a vida inteira que tenha educação superior, que tenha apoio da família, que possa sustentar a mulher e os filhos? – Nada. Contanto que você faça isso pelos motivos certos. Scarlet cruzou os braços. – Com a sua reputação de só querer prazer... e mulheres... duvido que você possa falar de amor. – Isso não significa que eu me venderia. A expressão dela se tornou severa. – Creio que eu já tenha cumprido minhas obrigações aqui. Com licença. – Não precisa ser tão educada – disse ele enquanto ela se afastava. – Não comigo. – Está enganado. Preciso me lembrar de quem sou, especialmente com você.

Na DC Affairs, Scarlet se ocupava organizando o mostruário do cenário “ilha paradisíaca”. Seus clientes chegariam em uma hora para vê-lo. Até lá, ela precisaria manter sua mente e seu corpo ativos; isso ajudava a afastar aquelas lembranças que a atingiam sem cessar. Desde que deixara Daniel no evento beneficente, duas noites antes, não experimentara muita paz. Obviamente, precisava deixar de lado o conselho dele... e aqueles sentimentos autodestrutivos. Os dois eram de mundos diferentes, jamais encontrariam um meio-termo. Ao menos não nas questões mais importantes. Por que ele a afetava tão profundamente? Scarlet se recordou da incrível química que compartilhava com Daniel. Isso não significava que precisasse fazer algo para satisfazer essa atração. Ela não era do tipo que se entregava a finais de semana selvagens repletos do que seria, sem dúvida, um incrível sexo com um homem que mal conhecia. Tinha uma reputação e um senso de valor próprio a manter. E também estava com raiva dele. Apesar de Daniel querer persuadi-la a se juntar a ele debaixo dos lençóis, a tática era péssima. Quase suficiente para fazê-la aceitar a falta de noção de sua mãe. Fossem quais fossem as raízes dele, Scarlet era capaz de admitir que Daniel McNeal era um homem inteligente, articulado e divertido. Por acaso, também tinha um sorriso capaz de iluminar uma pequena cidade e, na certa, o coração de uma mulher. Além disso, Daniel se importava o suficiente com seu amigo Max para se colocar numa situação como aquela. Por experiência profissional, Scarlet sabia que a maioria dos homens não dava importância nem aos detalhes que envolviam o próprio casamento. Daniel, porém, apresentara-se. Quisera contribuir. Assim, eles se conheceram, e isso mudara a vida dela. Se não tivesse sido por Daniel e aquele extraordinário beijo, talvez tivesse prosseguido com seu casamento com Everett e cometido um imenso erro. Ao dar os últimos toques na sala, Scarlet mirou seu reflexo pela porta aberta do vestiário. Ela usava um vestido de linho branco comprado numa loja de grife. Como de costume, seu cabelo estava preso num profissional coque.

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No dia de seu próprio casamento, fosse lá quem fosse o noivo, Scarlet deixaria o cabelo preso ou permitiria que as ondas caíssem por suas costas, como na noite de sábado? Ela sempre gostara da ideia de usar uma tiara para fixar o véu. O que estava em suas mãos naquele momento possuía apenas uma simples tira de pérolas falsas. Olhou do véu para seu reflexo e de novo para o véu. Seus clientes só chegariam dali a um tempo. E, apesar de trabalhar o dia inteiro com aquele tipo de coisa, Scarlet nunca fizera aquilo. Por quê? Mulheres adoravam experimentar roupas, acessórios. Às vezes, era preciso sonhar. Scarlet soltou o cabelo e pôs na cabeça a tira de pérolas com seu véu. Ao se analisar no espelho, uma onda de emoção a dominou. Em sua mente, o vestido de noiva que usaria seria longo e elaborado, com diversas contas. Seu buquê seria de lírios, amarrados com uma grossa fita branca. Então, em sua imaginação, os lírios se tornaram uma única rosa-chá, e aquele canguru de smoking também apareceu. Scarlet franziu o cenho, mas logo sorriu. A sra. Daniel McNeal. Pouco a pouco, porém, a realidade retornou. A vida era feita de uma série de escolhas. Poderiam ser necessários anos para consertar uma decisão tola; fora o que seu pai lhe dissera tantas vezes. Tirando o véu, Scarlet deu as costas ao espelho. Ao voltar para a sala do mostruário, sentiu o tecido puxar e olhou para trás. A última parte se prendera debaixo de um dos pés da escada. O piso de madeira fora polido na noite anterior, e os novos sapatos de salto dela não tinham aderência. Quando Scarlet se curvou para mover a escada e soltar o véu, seu salto se agarrou na borda da renda. Pela segunda vez em uma semana, Scarlet caiu. Dessa vez, não havia ninguém para ampará-la.

CAPÍTULO CINCO

Daniel entrou na recepção da DC Affairs sabendo que ir até ali, por qualquer motivo que fosse, era um erro. Era óbvio que Scarlet não queria tornar a vê-lo. Contudo, ele estava determinado a falar de novo com ela. A se despedir. Ao ir até a mesa da recepção, Daniel repassou sua agenda para o dia. Entregar o prêmio dos vencedores do leilão. Confirmar o horário de partida de seu avião particular. Despedir-se de Max e Caroline. Claro, ele voltaria aos Estados Unidos para o grande dia dos amigos e também se colocaria à disposição para testemunhar quando chegasse o convite do comitê do Congresso.

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Contudo, francamente, naquela cidade os escândalos e as intrigas políticas o irritavam. Daniel enlouqueceria sendo obrigado a conversar com todos. No dia seguinte, ele veria as praias de areias brancas e sentiria o perfume dos eucaliptos de seu abençoado lar. Não encontrou ninguém na recepção, e tudo parecia quieto demais. Mas havia uma placa de “aberto” na porta. Daniel esperara que ao menos uma das três amigas – Ariella, Caroline ou Scarlet – estivesse por ali. Talvez fosse melhor apenas deixar um bilhete: “Boa sorte, sem ressentimentos.” Mas vários outros sentimentos. Por um amargurado instante, Daniel se apegou à imagem de Scarlet ao luar. Com aquele divino vestido, o cabelo caindo sobre os ombros. Ele precisara cerrar os punhos para não puxá-la de volta quando ela se afastara. Contudo, não quisera abalar ainda mais o status quo de sua amada. Não queria magoá-la. Na verdade, seria melhor ir embora dali antes que ele piorasse as coisas. Quase saía pela porta quanto ouviu um estrondo vindo pelo corredor principal e parou. Algo pesado fora de encontro ao chão. Um sinistro silêncio se seguiu. Daniel gritou: – Está tudo bem? Quando o silêncio continuou, Daniel seguiu seu instinto e foi investigar. Ao caminhar na direção de onde viera o ruído, ele entrou numa das salas. Avistou Scarlet sentada no chão, apoiada num dos braços, com uma aparência estranhamente desgrenhada. Aquela maldita escada estava tombada perto dos pés dela. Daniel correu e se ajoelhou para apoiar as costas dela. – Scarlet, você está bem? Com uma expressão de dor, ela pôs a mão na têmpora. – Acho... que bati a cabeça. Com um infinito cuidado, Daniel a ergueu nos braços e a pôs num divã. Agachouse ao lado dela em seguida. – O que houve? – Eu não... não sei. Por cima do ombro, ele percebeu a renda no chão, perto da escada virada. – Você tropeçou? – Talvez. Não tenho certeza. Mas estou bem. – De olhos fechados, ela umedeceu os lábios. – Só estou... tonta. Daniel pegou o celular. – Vou levá-la a um médico. Pode ter acontecido uma concussão. – As coisas estão meio embaralhadas. – Scarlet, olhe para mim. Com a palma segurando o rosto dela, ele virou com delicadeza a cabeça de Scarlet. As pálpebras dela se abriram. Então, um hipnótico sorriso se espalhou pelo rosto de Scarlet, aquecendo Daniel por dentro, fazendo-o sorrir também. – Ei – disse ela – você é muito fofo. 34


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Daniel hesitou. – Como é? – Desculpe. Fui muito oferecida. – Scarlet arqueou uma das sobrancelhas. – Por outro lado, quem não arrisca não petisca. Certo. Aquilo era estranho. A atitude. O olhar francamente sedutor. De onde viera aquilo tudo? – Você consegue me dizer que dia é hoje? Quando Scarlet suspirou, fechou os olhos e virou a cabeça, Daniel a fez fitá-lo outra vez. – Você sabe onde está? Ela piscou e olhou à volta. – Em algum lugar sozinha com você. Você é casado? – Scarlet sorriu. – Lá vou eu de novo. Mas... você não é casado, é? – Uma fraca linha atravessou a testa dela. – Como sei disso? De onde conheço você? Deus do céu! – Sou Daniel. Daniel McNeal. – Belo nome. – E você, como se chama? Ela piscou várias vezes, fechou os olhos com força e pensou. – Não me lembro. – Então, olhou com mais atenção à sua volta. – Não me lembro de nada. Passos soaram atrás deles e Cara Cranshaw entrou. Quando viu Scarlet deitada ali, com Daniel tão perto, ela estacou. – Opa... Desculpe. Não queria interromper. Scarlet sorriu como uma bêbada para sua amiga. – Olá. A cabeça de Cara se inclinou. – Scarlet querida, está tudo bem com você? – Todo mundo está me perguntando isso. – Ela olhou para Daniel. – Scarlet. É o meu nome? É uma pergunta ridícula, não é? Só que... você sabe... estou meio confusa. Desta vez, Cara se dirigiu a Daniel: – O que houve? – Não tinha ninguém na recepção. Eu ouvi um barulho e a encontrei estatelada ali. Cara se agachou ao lado de sua amiga. – Scarlet, você caiu? – Não sei. Não lembro. – Lançou um suplicante olhar para Daniel. – Podemos ir para casa? Quando uma sensação alarmante subiu pela espinha dele, Daniel sentiu a expressão perplexa de Cara se voltar de Scarlet para ele. – Meu médico atende em domicílio – afirmou Cara. 35


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– Abra a porta. – Ele já estava pegando Scarlet nos braços novamente. – Ela precisa ir para o hospital.

Naquela tarde, do lado de fora do quarto de Scarlet no hospital, o dr. Lewis falava com Daniel e Cara. – Às vezes, um trauma na cabeça pode causar amnésia temporária. A memória costuma voltar por conta própria, pouco tempo depois. – Você disse costuma voltar? Quer dizer que ela pode ficar assim? Sem lembrança do passado, de quem ela é? Pelo que Daniel e Cara puderam determinar, Scarlet estava sozinha quando caíra e batera a cabeça. No caminho até o hospital, ela parecera confusa, mas, felizmente, permanecera calma. Exames foram feitos. A não ser por uma pequena contusão no lado esquerdo da cabeça e do fato de que não conseguia se recordar de nada, ela parecia bem. – Há casos em que a amnésia retrógrada de um paciente é permanente – continuou o médico. – Em geral, os acontecimentos imediatamente anteriores ao acidente são perdidos para sempre. Mas o conhecimento da pessoa a respeito do mundo e de seus arredores continua intacta, na maioria dos casos. – A não ser pela perda de memória – disse Cara – ela parece a mesma, mas... diferente. – Dê tempo para o cérebro dela se reorganizar depois do choque. Daniel percebeu uma mulher chegando pelo corredor. Apesar de sua calça social marrom estar impecável, seu comportamento destoava. Quando ela parou diante deles, Daniel viu que usava apenas um dos brincos de ouro, não o par. A sra. Anders fez um movimento de cabeça para Cara e ignorou Daniel ao falar com o médico: – Vim assim que pude. Sou a mãe de Scarlet Anders. O pai dela está fora da cidade, mas vai pegar um avião para cá assim que puder. – Ela inspirou fundo. – Gostaria de ver minha filha agora mesmo. O médico explicou à sra. Anders a condição de Scarlet: – Recomendamos que ela passe a noite aqui, em observação. No momento, a paciente quer falar com o companheiro dela. A sra. Anders tocou o rosto e a testa com um lenço de renda branca. – Scarlet terminou um relacionamento recentemente. Está confusa. – Ela foi bem clara em relação a isso. – O médico fez um movimento de cabeça para Daniel. – Scarlet quer ver você. A sra. Anders baixou o lenço. – Mas eu sou a mãe dela. – Ajudaria muito – disse o dr. Lewis – se todos permanecessem calmos e positivos perto da paciente. A sra. Anders parecia mais confusa que Scarlet quando Daniel a encontrara. – Vou dizer a Scarlet que a senhora está aqui – Daniel afirmou. 36


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– Eu ficaria grata. Daniel bateu de leve na porta antes de entrar. Encontrou Scarlet sentada na cama, parecendo entediada. Até vê-lo. Então, sua expressão se iluminou. Aproximando-se, Daniel abriu um incentivador sorriso. – Como você está? – Bem. A não ser pelo fato de não conseguir me lembrar de quem sou. É uma sensação tão estranha... – É temporário. – É o que dizem. Contudo, quando ela sorriu tão honestamente para ele, algo dentro do peito de Daniel se revirou. Com sorte, Scarlet recuperaria a memória, e logo, mas não era nada ruim que ela o olhasse daquele jeito; com confiança e empolgação. – Quando podemos ir para casa? – perguntou ela. – Minha casa fica na Austrália. – Isso explica o sotaque. Há quanto tempo moramos lá? – Você mora em Washington, Scarlet. Aqui. E gosta disso. Ela semicerrou os olhos, como se estivesse tentando absorver a informação. – Nós moramos a 15 mil quilômetros de distância? – Não nos conhecemos há muito tempo. – Mas, por algum motivo, parece que conheço você desde sempre. Quando a luz desapareceu dos olhos dela, anuviada pela incerteza, Daniel pegou sua mão. – Talvez tenhamos nos conhecido numa vida passada. – Você acha? – Tudo é possível. O rosto dela se iluminou de novo. – É isso o que penso. Mas podemos ir agora? Já chega de exames. – O médico quer que você passe a noite aqui. – Mas não preciso passar, certo? Ainda segurando a mão dela, Daniel suspirou. Não era ele quem devia responder àquela pergunta. – Sua mãe está esperando lá fora. Quer vê-la. – Minha mãe? Diga para ela entrar. – Você se lembra dela? – Não. Mas gostaria de conhecê-la. Um instante depois, a sra. Anders e seu brinco solitário entraram no quarto. Seu sorriso era esperançoso, cheio de preocupação e amor materno. Ela podia ser egocêntrica, mas sem dúvida se importava muito com sua filha. – Olá, Scarlet. Como se sente? Scarlet analisou a sra. Anders antes de seu sorriso ser dominado pela decepção. 37


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– Desculpe. Não me lembro da senhora. Nadinha. De pé ao lado da cama, a sra. Anders assentiu. – Vamos lhe mostrar fotografias. Isso deve ajudar. Fotos recentes, de quando você estava na escola... O rosto de Scarlet se contraiu, e sua concentração se voltou para algum ponto imaginário além da parede. – Não sei bem se é real, se aconteceu mesmo... mas acabei de pensar numa coisa. Uma espécie de flash. A sra. Anders apertou seu lenço. – Algo do seu antigo quarto? Ele continua do jeito que você deixou. Scarlet cerrou as pálpebras, tentando se concentrar. – É um balanço de pneu – disse ela. – E estou brincando com alguém. Não, sou eu brincando com o pneu... Ou acho que sou. A sra. Anders afundou na cadeira e afirmou numa voz fraca: – O médico disse que você precisa descansar. Os olhos de Scarlet tornaram a abrir, e ela falou de forma leve, mas firme: – Já descansei demais. Vamos embora. Daniel vai me levar para casa.

Vendo a inesperada hóspede deles analisar o cômodo principal da cobertura, Morgan enfiou as mãos nos bolsos de trás do jeans e balançou a cabeça. – Isso bate todas as encrencas em que você já se meteu. Observando Scarlet passar a mão avaliando o sistema de entretenimento, Daniel falou pelo canto da boca: – Eu não me meti em nada. Foi ela quem caiu. A sra. Anders ficou chocada quando sua filha anunciou que iria para casa com um quase desconhecido. No entanto, quando Scarlet se manteve firme, a mãe manteve a calma, e, encurralado, Daniel também acatou a decisão. – Eu avisei, não avisei? – sussurrou Morgan. – A amiga dela apareceu poucos segundos depois do acidente. Se você não estivesse lá, Caroline Cranshaw a teria levado para o hospital, e a sua Scarlet estaria com a família agora, em vez de aqui, pensando que está apaixonada por você. Era verdade. Pela forma como Scarlet o olhava, como falava com ele, ficou claro que Scarlet estava convencida de que eles eram – ou deviam ser – um casal. O que ele teria aceitado muito bem duas noites antes. Mas não tanto agora. Scarlet verificava a coleção de DVDs quando se virou para Daniel com uma expressão desconfortável. – Podemos comer alguma coisa? Meu estômago está rugindo mais alto que um urso na primavera. Deus do céu, ela dissera mesmo aquilo? – Algo em especial? 38


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– Um hambúrguer com bastante cebola seria ótimo. E algo doce. – Scarlet pensou por um momento. – Jujubas. Ela soprou um grande beijo de agradecimento para ele e saiu para o terraço. – O hambúrguer vai ser com cerveja ou leite para acompanhar? Daniel ignorou a piadinha de Morgan. – Vi uma tigela de jujubas na mesa do trabalho dela. Pode ser a memória de Scarlet voltando. – Enquanto isso, espero que você tenha um grande pedaço de pau à mão. Vai precisar para mantê-la afastada. Se bem que isso acabaria com toda a sua diversão. – Eu jamais me aproveitaria desta situação. – Acredite ou não, estou mais preocupada com a possibilidade de ela se aproveitar de você. – Morgan foi para a porta, rumando para sua própria suíte. – Vou ligar para adiar nosso voo. Depois, irei pesquisar como pancadas na cabeça podem levar a um maior ímpeto sexual. E, Daniel... – parou à soleira – se precisar de mim, ligue, sim? Ele sorriu. – Sempre faço isso. – E Daniel saiu para o terraço. Descalça, Scarlet avaliava a vista. – Seu apartamento é bem legal – ela afirmou. – O que você disse que faz da vida? – Mexo com computadores. – Adoro quem mexe com computadores! Ou acho que adoro. Sua secretária também é legal. – Não deixe que ela a ouça chamando-a disso. – Por quê? Vocês já foram um casal? – Nunca, jamais. Scarlet achou graça. – Não se preocupe. Acredito no que diz. Ela gosta de você, mas como amigo. – Scarlet considerou suas palavras. – Eu sempre fui boa em julgar as pessoas? – Você me considerou um excêntrico que só queria prazer. – Parece divertido. – Você não achou isso. – Aquela mulher... a minha mãe... ela é tão reprimida. Eu sou assim normalmente? – Talvez um pouco. – Esnobe também? – Digamos focada. – Então, por que gosta de mim, Daniel? Você não parece nada pretensioso. Ele se recostou no parapeito. – Scarlet, não somos um casal... Você sabe disso, certo? – É o que você diz. Mesmo assim, não consigo parar de achar que estávamos envolvidos de alguma forma. Tenho certeza.

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– Envolvidos é uma palavra muito forte. – Daniel passou o dedo pelo cabelo dela, que caía sobre um dos ombros, um hipnotizante rio dourado reluzente. Uma distração grande demais. Sexy demais. – Só para que saiba, você gosta de usar o cabelo preso. Ela ergueu o cabelo e fez uma pose acidentalmente sensual. – Assim? A boca de Daniel começou a salivar. – Pensando melhor – resmungou ele – deixe solto. – Mas não tem problema eu ficar aqui, tem? – Se isso ajudar, não. – Já estou pensando com um pouco mais de clareza. Ele se animou. – Você se lembrou de algo? – Eu me lembro disso. Um provocante dedo desceu pela frente da camisa dele. Quando a unha chegou à fivela do cinto, todos os reflexos de Daniel saltaram, e a mão dele segurou a dela. Aquilo estava fugindo do controle, e não apenas por causa de Scarlet. – Acredite – disse ele com a voz rouca – isso não é uma boa ideia. Ela não lhe deu ouvidos. Apenas sorriu e ficou nas pontas dos pés para passar os lábios pela lateral do pescoço dele. – Eu sabia que você ia gostar disso, Daniel. E estou tendo outro flash. Usando suas reservas de força de vontade, Daniel pôs as mãos nos ombros dela e a conteve com delicadeza. Ao baixar o olhar para aqueles hipnóticos olhos verdes, ele viu os lábios dela entreabertos. Reluzindo. Implacavelmente tentadores. Daniel sentiu a virilha se repuxar. Jamais desejara tanto beijar uma mulher como desejava beijar Scarlet Anders naquele instante. Contudo, ele dissera a Morgan. Avisara a si mesmo. Aquilo não aconteceria. Não com Scarlet estando tão fora de si. Com as mãos ainda nos ombros dela, ele tinha toda a intenção de movê-la para o lado e sair de seu caminho. Em vez disso, porém, percebeu os próprios dedos se fechando nas costas dela, ao mesmo tempo que as palmas de Scarlet subiram por seu peito, para seu pescoço. O impulso de reagir de forma inconfundivelmente positiva encheu as veias de Daniel com um desejo tão tórrido que sua testa começou a suar. Ainda pior: quando as mãos dele a trouxeram para perto, sua cabeça se curvou para baixo. A boca de Scarlet estava a um fio de cabelo da dele, e o homem das cavernas que habitava o íntimo de Daniel não parava de grunhir. Faça. Faça. Uma voz educada, mas que também em nada ajudava, lhe garantia que ele estava fazendo a coisa certa. Agir com base na química reprodutiva é a ordem natural das coisas. Deus do céu, homem, o que está esperando? Droga, ela quase implorava! Cerrando os dentes e xingando ambos os lados de sua natureza, Daniel a afastou novamente de si. 40


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– Precisamos parar. – Sei que já nos beijamos antes. Talvez ajude a minha memória se fizermos de novo. Ela avançou devagar, mas Daniel se manteve firme. – Se continuar com isso, vou levá-la para a casa dos seus pais. Scarlet ergueu as sobrancelhas. – Você não pode falar assim comigo. Sou adulta. – Então, aja como uma. Ela abriu a boca, pronta para protestar. No entanto, sua expressão irritada se abrandou. Com um ar vagamente apologético, Scarlet entrou, enquanto Daniel desabou contra o parapeito da sacada. Queria se esquivar de problemas, mas, santo Deus, também queria acolhê-los. E tinha a distinta sensação de que aquela outra Scarlet sabia disso tanto quanto ele. Sendo assim, quanto tempo ela planejava ficar ali, torturando-o? Quanto tempo levaria até que ele cedesse?

CAPÍTULO SEIS

Scarlet se acomodou no enorme sofá de couro preto. – Ainda estou suspirando por causa daquele hambúrguer. – Ela olhou para seu generoso anfitrião, Daniel McNeal, que estava pondo um DVD no sistema de entretenimento. – Você perdeu. – Meu bife estava bom. Estou totalmente satisfeito. Quando Daniel a olhou, Scarlet absorveu seu hipnotizante sorriso. Talvez tivesse perdido a memória, mas qualquer mulher conseguia identificar um destruidor de corações. Desde o momento em que ela pusera os olhos no homem que a salvara quando, ao que parecia, ela caíra e batera sua pobre cabeça, Scarlet ficara arrebatada. Para ser mais exata: apaixonada. Daniel podia insistir na ideia de que eles não estavam “juntos”, mas, a julgar pela forma como Scarlet às vezes o flagrava a olhá-la, com aquele brilho de desejo nos olhos, ela apostava em sua intuição. Ele também estava louco para beijá-la, para abraçá-la com força. Havia uma tigela de doces entre as pernas de Scarlet. – Quer uma jujuba? – ofereceu ela, mastigando. – Não sou muito fã de doces. Quando Daniel se sentou ao lado dela, Scarlet jogou uma das jujubas para o alto. Depois de bater em seus dentes, o doce caiu dentro de sua boca. Ela tentou de novo. 41


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Desta vez, a jujuba quicou em seu nariz. Num reflexo, Daniel pegou o doce, impedindo que caísse no colo dela. Dando prosseguimento ao movimento, sua mão subiu pela perna de Scarlet antes de ele largar a jujuba na mão dela. Scarlet analisou o perfil dele enquanto Daniel continuava a mexer no menu do DVD. Ele queria fazê-la acreditar que não estava sendo afetado. Contudo, por acidente ou não, o dorso da mão de Daniel roçara em sua coxa nua. A sensação disparara a excitação de Scarlet. Como estaria a dele? – Obrigada por ter me deixado usar o seu chuveiro – agradeceu Scarlet quando o filme começou. – E por me emprestar esta roupa. Ele a fitou. – A camiseta está grande demais. Amanhã, vamos trazer algumas das suas coisas. – Poderei ficar? – Espero que a sua memória volte logo. – Não sei. Acho que estou gostando dessa folga de todas as obrigações que tenho na tal DC Affairs. Sou sócia da maior e mais bem-sucedida empresa de planejamento de eventos da cidade? – Pelo que todos dizem, você adora o que faz. – Aquela mulher, Cara, falou de um grande casamento na catedral que vou organizar. – Scarlet levou as mãos à cabeça. – Meu cérebro está sobrecarregado. Prefiro relaxar e ver um filme. – Exatamente. – O quê? – Você gosta de filmes. Scarlet pensou naquilo. Bem... claro. Todo o mundo gostava de filmes, não? – Do que mais você se lembra, Scarlet? – Além do que sinto por você? – Já falamos disso. – Não. Não falamos do passado. O que houve entre nós dois? – Você disse “não” várias vezes. – Isso não bate com o que estou sentindo agora. – Você não está bem. – Daniel permitiu que Scarlet pegasse sua mão. Ela pôs a palma em sua testa, no rosto. Assentiu, solene. – Acho que estou um pouco quente. Daniel se soltou. – Não estou brincando. – Achei que tivesse senso de humor. – Não com isso. – Certo. Então, vamos ficar aqui quietinhos vendo o filme. Tem pipoca? – Claro.

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Alguns momentos depois, ele voltou com uma tigela cheia. Quando a pôs entre eles, Scarlet pegou um punhado e tentou fixar a atenção na cena de abertura do filme. Entretanto, o homem sentado ao seu lado, de camiseta branca, era mil vezes mais intrigante que aquele enredo. – Fale mais de Daniel McNeal – pediu Scarlet enquanto mastigava. – Sou um australiano especialista em informática que deu sorte e conseguiu uma fortuna montando um site de mídia social. – Quero saber de você, Daniel. Quem você é por dentro. Fale da sua infância na Austrália. – Foi há muito tempo. – Talvez isso dispare algumas das minhas próprias lembranças. Ele deu de ombros. – Eu morava no subúrbio do oeste de Sydney. Classe média. Escolas públicas. – Longe do mar. – Estou compensando isso agora. Daniel lhe contou a respeito de um grande iate que ele tinha ancorado num lugar chamado Port Hinchinbrook, e uma pequena engrenagem se encaixou. Ela se lembrou... de algo. Mas não deixou transparecer. Para falar de si mesmo, Daniel era muito difícil. Agora que ele começara, Scarlet não queria interromper. – O que seus pais faziam da vida? – Minha mãe era dona de casa. – Onde ela está agora? – Morreu quando eu era jovem. Já lhe contei isso. Mas ele não contara àquela Scarlet. – Sinto muito – disse ela. – E o seu pai? Como ele é? – Também morreu. – Quando você era jovem? Ele assentiu. – Você se lembra de como ele era? – Lembro que ele trabalhava muito. Era carpinteiro. – Uma profissão digna. Seu pai jogava bola com você nos finais de semana? Levava para pescar? – Ele trabalhava. – Mas deve ter tirado dias de folga. – Não, não tirava. – Daniel baixou o olhar. – Só o fez quando precisou muito. Scarlet tornou a pedir desculpas. – Não queria deixar você triste. – Não estou triste. Estou... nada. – Daniel olhou para a televisão. – Vamos deixar isso para lá.

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Scarlet encheu a boca de pipoca. Já forçara demais. A expressão de Daniel ficara tão severa... Seu corpo, tão imóvel... Fosse lá o que tivesse acontecido entre Daniel e o pai, aquilo era algo profundo e que ainda doía. O que fez Scarlet se perguntar: ela própria teria tido um momento sombrio em seu passado? Algo que preferiria esquecer? Ela empurrou a tigela de pipoca. – Já comi demais. – Como está a sua cabeça? – Não dói. Mas ainda estou me sentindo estranha. No hospital, aquela mulher... a mãe dela... deixara Scarlet irrequieta. Mesmo naquele momento, pensar em Faith Anders lhe causava calafrios. Contudo, não conseguia identificar o motivo. – Não quero ir para a casa daquela mulher – admitiu Scarlet. – É a sua mãe. – Mas não sinto isso. – Talvez porque você decidiu ficar comigo. – Sei que acha que estou fazendo joguinhos, mas não estou. Eu me sinto segura com você. O sorriso dele foi melancólico. – Se ao menos a Scarlet “antiga” pudesse ouvir isso... – Não sei por que eu agia ou pensava como fazia antes. Só posso dizer o que sinto agora. – Você tem o direito de sentir o que quiser. – Está falando sério? – Apesar de eu saber que essa é uma pergunta traiçoeira, sim. – Nesse caso, não seria totalmente errado se você me abraçasse agora. Você sabe, só para me ajudar a saber se estou mesmo tão sem noção assim das coisas. – Talvez você devesse perguntar ao seu pai se essa é uma boa ideia. Ela franziu o cenho. – Sou adulta. Se você não gosta de mim da forma como sou agora, isso já é outro problema. – Está tentando me manipular, Scarlet. – Ah, mas você é inteligente demais para isso. Então, Scarlet foi em frente e fez o que ambos sabiam que ela queria fazer: esticou a mão para trás e puxou o braço de Daniel em volta de si. Querendo suspirar com o calor e a força do toque dele, ela se acomodou contra o peito dele. – Pronto. Viu? Não é tão ruim. – Consigo imaginar duas coisas acontecendo mais para a frente. Você brigando comigo por ter me aproveitado da situação... – Ou nós nos apaixonando novamente. – Novamente? Nunca estivemos apaixonados. 44


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Ela roçou os lábios no braço dele. – Tem certeza? – Scarlet repetiu o gesto. Deu um leve beijo. – Defina paixão. – É uma emoção que domina e começa como uma fagulha dentro de você. Depois, à medida que se torna mais íntimo da pessoa, ela aumenta, esquenta, até que se transforma numa chama que lambe seu corpo inteiro. – E você se sente assim agora. – Sinto que as chamas estão crescendo. Como se eu quisesse ser consumida por elas. Quero que durem para sempre. Ao mesmo tempo, preciso apagar esse incêndio. – Já até sei como. Havia humor na voz dele. Scarlet também sorriu. Então, com um deliberado cuidado, ela começou a desabotoar a camisa. Achou que Daniel não soubesse bem o que estava acontecendo... até que ela deixou um dos lados da peça se abrir. Ele enrijeceu. Mas não recuou. Sentindo-se como se já tivesse feito aquilo antes, Scarlet se moveu apenas o suficiente para fazer a camisa se abrir ainda mais. Pegou a mão dele e a guiou sobre seu abdômen, passando pelo umbigo, até que os dedos dele lhe tocassem de leve o monte nu entre as pernas. Os dedos dele se fecharam e recuaram. – Você planejou isto? – Eu não tinha nenhuma calcinha limpa. – Scarlet percebeu que Daniel se divertia. – Scarlet, você é tão malvada... Ela se encostou nele. – Posso ser muito mais do que isso.

Talvez ele devesse ter pensado melhor. O que aconteceria se cedesse? Como justificaria o fato de se aproveitar dela daquela forma – para si mesmo, para a família dela, ou para a própria Scarlet quando ela recuperasse a memória? Ela podia estar forçando, mas ele se achava no controle da situação. Ou deveria estar. Nenhum daqueles argumentos serviu quando Scarlet encaixou os lábios nos dele. Com as bocas fundidas, eles começaram a explorar com as mãos, com a língua. Quando a palma dele se moldou ao lado do corpo dela e a trouxe irrevogavelmente para perto, Daniel aceitou o destino. Certo ou errado, fraco ou forte, ele a teria em sua cama naquela noite. Com a boca a cobrir a de Scarlet, Daniel estava ciente da camisa aberta, dos seios dela... e todas as partes dali para baixo. Com a macia carne de Scarlet pressionada contra si, Daniel saboreou a vibração amplificada em sua virilha enquanto reagia a cada um dos sinais positivos dela. Com persuasivos dedos subindo pelo cabelo dele e uma coxa nua se entrelaçando em seu colo, Daniel pensou em várias formas de dar prazer a Scarlet.

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Sua palma subiu de novo pela lateral do corpo feminino. Ele segurou e mensurou o peso do seio redondo. Então, com o polegar, provocou o mamilo até que seu pico ficasse rígido. – Eu sabia que a sensação seria esta – disse Scarlet. E Daniel acreditou na realidade da mulher que ardia pelo seu toque, tão menos inibida que Scarlet Anders. A queda fora um acidente, mas a forma como Scarlet o beijava, como gemia docemente... Aquilo não era nenhum engano. Ela montou no colo dele. Como a resposta a um sonho, os dois maravilhosos seios surgiram diante dos olhos de Daniel. Quando Scarlet se arqueou na sua direção, a boca de Daniel encontrou a ponta do seio no mesmo instante em que ele a girou, deitando-a de costas. Seu joelho direito separou as pernas dela quando seu pé esquerdo se plantou no chão para equilibrar seu peso. Daniel sugou com delicadeza e mordiscou, antes de ir para o outro seio. Uma longa e sedosa perna se enroscou na parte de trás da sua coxa. Quando ele mordiscou um pouco mais forte, Scarlet se contorceu, e sua perna o puxou. Daniel segurou a barra da camisa e a puxou por cima de sua cabeça. Estava prestes a tirar o jeans quando seu olhar encontrou o dela. Os olhos de Scarlet se mostravam sedentos, o olhar de uma leoa depois da caçada, desfrutando o início de sua refeição. Ela poderia se fartar com ele quanto quisesse. Ainda assim... Naquelas circunstâncias, Daniel precisou perguntar outra vez: – Tem certeza de que é isso o que quer? Scarlet soltou uma fraca risada, um som rouco e sexy. Movendo-se debaixo dele como uma gata irrequieta, encontrou a mão de Daniel e desceu com ela pelo pescoço, por entre os seios, pela barriga e mais abaixo. Quando o toque dele deslizou por entre as suaves dobras, um urgente calor fulgurou nas veias dele. Scarlet estava úmida e quente. Inconfundivelmente pronta. Encarando-a, Daniel subiu com os dedos para encontrar aquele ponto sensível. Scarlet perdeu o fôlego, seus olhos se fecharam, sua pélvis subiu para encontrá-lo, e Daniel começou a massageá-la de leve. Os quadris dela começaram a se mover, e um sorriso contente surgiu em sua boca. Depois de alguns instantes, quando Scarlet parecia prestes a chegar ao ápice, Daniel despiu o jeans. Com as mãos de Scarlet subindo e descendo por seus braços, Daniel retornou ao que vinha fazendo, concentrando-se em dar prazer a ela, medindo as reações de Scarlet, analisando o que ela mais gostava. Quando sentiu que a tensão que a percorria chegara a um nível crítico, ele pressionou a ponta de sua ereção para dentro dela. A sensação foi uma feroz e visceral onda ardente. Daniel latejou e enrijeceu ainda mais. Então, percebeu algo tocando um ponto logo abaixo de seu pescoço. A mão de Scarlet. Ela queria que ele parasse? Agora? – O que houve? – perguntou ele. – Você esqueceu uma coisa.

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Ele tentou pensar. – Daniel, é melhor nos protegermos. Recuando, ele xingou a si mesmo. Não conseguia acreditar que fora tão descuidado com algo tão importante. Não estava pronto para ser pai. Às vezes, perguntava a si mesmo se algum dia estaria. Daniel se levantou. – Já volto. – Você não vai a lugar nenhum sem mim. Pondo-se diante de Daniel, Scarlet envolveu sua cintura com os braços enquanto seus lábios percorriam uma provocante linha acima do peito dele, subindo até o queixo. Inclinando a cabeça, ele mordiscou a lateral do pescoço dela enquanto suas mãos envolviam o traseiro de Scarlet. Quando ela ficou nas pontas dos pés e se contorceu, Daniel a segurou firme e flexionou os joelhos. Queria ficar mais perto, precisava estar unido a ela. Desejava loucamente investir de novo para dentro daquele corpo, até o fim. Depois de tirar a camisa dela, ele jogou a peça para longe e ergueu Scarlet nos braços, capturando mais uma vez sua boca. Agora, ele não se conteve. O beijo foi implacável. Desesperado. Daniel foi automaticamente para o quarto principal. Não porque eles precisassem da convenção de um colchão. Ele teria consumado o próximo passo em cima de um saco de batata no meio do deserto de Góbi, se essa fosse a opção. Sua missão era encontrar a embalagem dentro da gaveta de seu criado-mudo, e rápido, pois estava ficando quase impossível se manter responsável. A cada passo, as carícias se tornavam mais selvagens. Dentro do quarto, ele a equilibrou com um dos braços e puxou as cobertas com o outro. Em seguida, largou-a sobre o lençol em meio aos travesseiros e abriu a gaveta do criado-mudo. Depois de se proteger, Daniel se juntou a ela. Quando estavam novamente com o olhar fixo no outro, Scarlet o segurou firme na mão. Daniel se contorceu com o choque de prazer. Ela subiu com a mão, desceu apertando e repetiu a ação mais algumas vezes. Daniel se sentia enfeitiçado, flutuando entre o sublime prazer e a sensação de que não aguentaria muito mais tempo. Quando ela o soltou, a mensagem estava clara. Não vamos ficar mais prontos do que isso. Empurrando os joelhos de Scarlet na direção de seus quadris, ele se acomodou entre as coxas dela. Sem demora, penetrou-a apenas o suficiente para fazê-la arfar e se derreter nos lençóis. Os lábios dela estavam entreabertos, tentadores. Um dos braços se curvava por cima da cabeça. Daniel segurou o punho dela antes de mergulhar a adentrála por inteiro. Scarlet se arqueou para cima. – Eu me lembro... – murmurou ela, e tudo, incluindo o coração de Daniel, pareceu parar. Lembrava-se? Do quê? Do suficiente para saber quão determinada ela fora numa vida anterior a não permitir que aquilo acontecesse? Do suficiente para se afastar e lhe dar um tapa no rosto antes de ir embora bufando? Talvez chorando? – Eu me lembro – Scarlet repetiu, percorrendo uma linha em torno da curva do maxilar dele com a mão livre – desta sensação. De estar com você... assim.

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Daniel suspirou. Sentiu vontade de corrigi-la, de lhe dizer que estava enganada. Que aquela era a incrível primeira vez. Contudo, ele decidira que a deixaria acreditar no que ela quisesse, ao menos por ora. Quando seus lábios percorreram a testa dela, seus quadris tornaram a se mover num ritmo regular e controlado. Mas quando o ardor do prazer se tornou escaldante, a velocidade aumentou. Scarlet também se mexia, seus esforços cada vez mais velozes e fortes. Então, as paredes começaram a tremer, e aquele incrível calor se transformou numa poderosíssima chama. Quando os quadris dela se ergueram para se juntar aos dele, a boca de Daniel desceu sobre a dela mais uma vez. Ao atingirem o clímax juntos, ele não conseguiu se imaginar querendo que aquilo algum dia terminasse.

Scarlet se deleitava ao se recuperar de seu incrível orgasmo. Com seu corpo forte acima do dela, Daniel parecia igualmente esgotado. E satisfeito. Seria de admirar que, depois de fazer amor com aquele homem maravilhoso, ela não se sentisse apenas muitíssimo empolgada como também desejasse mais? Ainda que não conseguisse se lembrar do relacionamento deles, em seu coração Scarlet não apenas conhecia Daniel McNeal, mas também se importava muito com ele. Sempre que via seu rosto rusticamente lindo, aquele sorriso malicioso, o instinto lhe dizia que estar com aquele homem era a experiência mais linda de sua vida. Aqueles últimos momentos passados nos braços dele lhe pareciam tão genuínos quanto a divina ordem do universo. Scarlet sempre enxergara o amor romântico em termos tão cósmicos? Naquela noite, ela parecia ter tido uma prova do tesouro máximo. Da única coisa realmente essencial à vida. Contudo, no fundo, num lugar sombrio, ela também se sentia desequilibrada, no limite, como se uma parte oculta sua estivesse se preparando, esperando algo de ruim acontecer. Um satisfeito grunhido trovejou dentro do peito de Daniel antes de, com um beijo cheio de significado, ele rolar para o lado dela. Scarlet se aninhou na hora junto a ele. A sensação de que algo ruim aconteceria se dissipou por completo. – Como se sente? Scarlet fez um sonhador “hummm” antes de falar: – Terrível. Que decepção. O braço dele ficou rígido antes de Daniel se mexer para analisar a expressão dela. Então, os cantos de seus olhos se enrugaram quando ele voltou a se acomodar. Seus dedos logo começaram a subir e descer pelo braço dela. – Você está pensando no que acontecerá depois disso – disse ela. – Sei o que eu quero que aconteça. – Também sei. Já recuperada o bastante, Scarlet se postou acima dele. Rindo, Daniel a manteve ali. 48


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– Ei, vamos com calma, vaqueira. – Fizemos sexo. – Um escaldante sexo, que precisa ser repetido, querido. – Não há motivo para que não aconteça outra vez. A boca de Scarlet tocou o pescoço de Daniel. Ela girou a língua enquanto sua mão serpenteava sobre o abdômen definido dele, descendo. Daniel segurou-lhe a mão. Ela suspirou e parou. – Quero você, Daniel. Não tem nada de sinistro ou de doentio nisso. – Você não me conhece. Erguendo-se, ela, de propósito, não se cobriu com o lençol. Gostava de ficar nua com Daniel. E sabia que ele se sentia da mesma forma. – Sei tudo o que preciso saber. Por que é tão difícil para você aceitar? Estava tão ávido quanto eu para termos nossa primeira vez. Daniel a encarou. – Nossa primeira vez? Franzindo o cenho, Scarlet massageou a têmpora. Se eles nunca haviam tido uma intimidade tão grande até então, por que ela se sentia como se fossem amantes desde o início dos tempos? O reconhecimento disparava pelo corpo dela toda vez que o olhava, toda vez que eles se tocavam. Não era imaginação. Eram experiências anteriores. Não? Atrás dela, Daniel se apoiou num dos cotovelos e começou a roçar o queixo na base das costas de Scarlet. Em seguida, seus lábios percorreram os mesmos locais. Scarlet fechou os olhos e se concentrou nas inebriantes sensações que ações tão simples eram capazes de criar. Queria que ele a beijasse por inteiro. Queria que aquela magia se derramasse por todo o seu corpo. Droga, ela estava louca para desvendar o mistério do que tornava aquele homem tão bom. – Scarlet, estou dizendo que precisamos ter cuidado. – Achei que você fosse do tipo relaxado. Ele parou. – Como sabe disso? Scarlet também ficou paralisada e, quando um frio suor surgiu em sua testa, tentou pensar. Como soubera? Bem... porque... sim. E não estava gostando da forma como ele dissecava tudo o que ela dizia. Fazendo-a duvidar da intuição quando isso era praticamente tudo o que lhe restava. Scarlet entendia que Daniel tentava ajudá-la a recuperar a memória, mas isso não incluía descobrir como eles se encaixavam? Ela precisava conhecer Daniel McNeal. – Você não me respondeu, Daniel. Ele era relaxado? Do tipo que fazia pais correrem para proteger suas filhas? A resposta dele foi balançar as pernas para fora da cama e ir até o banheiro. Scarlet também deixou a cama. Sentia-se tentada a passear por ali sem roupas... ainda que ela não achasse que fosse exibicionista; não desfilaria nua diante de ninguém. No entanto, embora Daniel tivesse, sem dúvida, gostado muito de fazer amor naquela

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noite, ele estava preocupado com a possibilidade de ter se aproveitado dela, o que não acontecera. Scarlet lhe dera seu consentimento. Mais de uma vez. Mesmo assim, ela não queria perturbá-lo demais. Scarlet olhou à volta. Não havia nenhuma camisa ou robe à vista. Poderia dar uma olhada no guarda-roupa dele. Daniel, porém, poderia considerar aquilo uma invasão de privacidade. Sendo assim, Scarlet puxou o lençol e se enrolou nele. E foi até a escrivaninha, estreitando os olhos para enxergar à fraca luz. Como seria típico de um solteiro, não havia nada de pessoal ali, nada que desse um vislumbre da vida dele, de sua história. Pelo visto, ela possuía sua própria casa em Georgetown. No hospital, antes de se despedir, aquela adorável moça, Cara, oferecera-se para ficar lá com ela, mas Scarlet insistira em ir para casa com Daniel. Agora, porém, sentia vontade de ver sua própria casa. Como será que ela gostava de decorar? Que fotografias e lembranças encontraria nas prateleiras? Que pistas acharia para saber se apreciava sua vida ou se queria mudála? O som de uma porta se abrindo ecoou. Ainda gloriosamente nu, Daniel saiu do banheiro. Scarlet estremeceu ao sentir a instantânea conexão entre os dois, a intensa vontade de que ele a abraçasse mais uma vez. Quando o olhar dele a encontrou, as duas mãos de Daniel se flexionaram dos lados do corpo. Ele observou o lençol... e sorriu. – Estou com pouca roupa. – Ela deixou o lençol cair a seus pés. – Erro meu. O olhar dele se aguçou de forma lisonjeira, e Scarlet se sentiu excitada. Sentiu-se... venerada. Talvez esse fosse um estado induzido por seus hormônios, mas, como explicara mais cedo, não era possível controlar emoções. Scarlet sentia aquela conexão – o vínculo que dizia que seu lugar era ao lado dele – e acreditava que Daniel também. Depois de um tenso momento, ele avançou. Ao parar diante dela, analisou seus lábios, seu pescoço. Scarlet aguardou de novo a hipnotizante atração do toque dele. O olhar de Daniel se fixou no dela. Então, estendeu o pé, chutando o lençol para cima e o pegando. Estendeu o tecido para ela. – Cubra-se – disse ele. – Você vai ficar resfriada. O coração dela afundou. Scarlet pegou o maldito lençol. E o largou sobre os ombros dele. – Acho que é você que está querendo acobertar as coisas. – Não estou tentando acobertar nada. – Ele estendeu o braço, girou-a, e, com o movimento, o lençol a envolveu outra vez. – Se é assim, por que não responde à minha pergunta? Converse comigo. – É a sua memória que queremos despertar, Scarlet, não a minha. O sorriso dela foi melancólico. Era mesmo difícil fazer Daniel se expor. Scarlet se sentou na beira do colchão. – Quer mesmo que eu fique com aquela mulher? – Está falando da sua mãe? – Daniel encontrou um short pendurado numa cadeira oculta pelas sombras. – A questão é que eu tinha planejado voltar à Austrália hoje.

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Enquanto ele vestia o short, Scarlet sentiu um aperto no peito. Seu acidente o mantivera ali? O que a Scarlet do dia anterior acharia da partida dele? – Você deve ter coisas importantes para fazer lá. – Simplesmente está na hora de eu ir. – Pretende visitar sua casa naquele lugar, Hinchinbrook? – E sair com o meu iate todos os dias durante uma semana. Talvez passar a noite ancorado em algum local longe de tudo. – Talvez eu não me lembre da minha própria vida, mas sei que Washington não é longe de tudo. – Pois é. – O que mais irá fazer? – Dar um longo passeio na minha moto. Ficar deitado numa praia. Encontrar meus amigos. – E a família? Daniel hesitou. – Lógico. A família, também. – Então, é melhor você ir. Vá amanhã. Bem cedo. Nada convencido, Daniel esfregou as costas. – E o que você fará se eu for? – Todos dizem que logo vou recuperar a memória. Talvez em alguns dias. Ficarei com Faith Anders. – Seu pai volta para casa amanhã. Scarlet estremeceu. Nada naquela história de mãe/pai lhe parecia certo. Teria de ficar sozinha com um casal mais velho que ela não conhecia. Isso, na certa, iria fazer com que se sentisse a única criança numa festa, sem nenhum amigo. Constrangidíssima, para dizer o mínimo. – Talvez eu passe um tempo na DC Affairs. Tentando ajudar. – Você ouviu o que Cara disse. Ela tem falado com a outra sócia de vocês. Cara e Ariella são mais do que capazes de aguentar as pontas enquanto você se recupera. – Acho que eu não ajudaria muito. Mas estou com todo esse tempo livre. Poderia tirar ótimas férias, se ao menos eu soubesse o que gostava de fazer. Aonde apreciaria ir. – Uma vez, você disse que queria conhecer a Austrália. Ela se concentrou nele, e uma palavra lampejou em sua mente. – Cangurus. – Scarlet abriu um pequeno sorriso. – Desculpe. Isso simplesmente me veio à mente. Não foi uma indireta. E sei que o seu país tem muito mais do que aquelas coisinhas fofas. Ele esfregou o maxilar. – Você precisa ver um canguru vermelho adulto pessoalmente. – Daniel foi até a cama e se sentou ao lado dela. – A Austrália é grande, indomável e, sim, lindíssima. Ela o olhou de cima a baixo. – Imaginei. 51


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Daniel era tudo aquilo e mais. No entanto, por mais que Scarlet quisesse estar com ele, já o prendera por tempo demais. Quando recuperasse sua memória, talvez ela tentasse capturá-lo novamente. Levantando-se, Scarlet apontou para a sala de estar. – Acho que vou ficar lá, fazendo... nada. Daniel olhou para a cama antes de baixar os olhos e dizer: – Tenho quartos extras. – Obrigada, mas prefiro me acomodar no sofá e assistir àquele DVD. Ele assentiu. – Quer companhia? – Prefiro ficar sozinha, se não tiver problema. – Ela saiu. – Tenha uma boa noite de descanso. – Parece até que fui eu quem passou a tarde no hospital. Scarlet parou à soleira. – Vou embora de manhã. – Ela abriu um fraco sorriso. – “Obrigada por tudo” parece meio piegas, mas... você entende o que quero dizer. Scarlet saiu do quarto sentindo o olhar dele fixo em suas costas e cheia de dúvidas. Talvez devesse se sentir envergonhada pela forma como o atacara naquela noite. Droga, talvez, quando ela se lembrasse de quem era, ficasse decepcionada consigo mesma. Naquele instante, porém, não conseguia se arrepender nem um pouco. Só sabia que não tinha o direito de fazer Daniel sofrer aquele dilema. Depois de vestir de novo a camisa, Scarlet reiniciou o DVD, acomodou-se no sofá e tentou imaginar como seria recuperar todas as suas lembranças. De certa forma, isso era mais assustador do que o vazio com o qual convivia no momento. A pergunta mais assustadora de todas era... E se ela jamais se recordasse de seu passado?

CAPÍTULO SETE

Bocejando, Scarlet olhou pelo cômodo. Uma grande TV de plasma, uma mesa de centro com pipoca derramada, uma macia manta sobre o peito. Piscou várias vezes. Onde diabos estava?! Uma profunda e conhecida voz chegou até ela: – Você parecia tão confortável que não quis acordá-la.

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Assustando-se, Scarlet se sentou. Um homem. Daniel McNeal. Ela se lembrou de ele a ter levado para o hospital e tateou automaticamente em busca do calombo em sua cabeça. Sim, continuava lá. – Eu lembro. O queixo dele se levantou. – De tudo? – Só de ontem, depois do acidente. Quando ele assentiu, a atenção de Scarlet se voltou para os lábios de Daniel, para seus ombros, para o peito, envoltos por uma casual camisa de botão. As mangas estavam arregaçadas até os cotovelos. Ela se concentrou nas grandes mãos bronzeadas dele, e um frisson de excitação a percorreu. – E da noite de ontem. Daniel sorriu. – Não é fácil esquecer. – Não me arrependo. – Eu também não. Ela meneou a cabeça. – Que horas são? – Scarlet quis saber. – Hora de irmos. – Lugares a visitar – lembrou Scarlet a si mesma. Aquilo valia para os dois. Daniel foi à cozinha. – Vou ligar para Cara – disse Scarlet quando ele chegou com duas canecas de café. – Ela não vai se importar de me levar até a casa de Faith Anders. – Eu levo você. – Você já me aturou demais. – Inspirando o forte aroma, aqueceu suas mãos com a caneca. – Não vou mais abusar de sua boa vontade. Antes de adormecer, na noite anterior, Scarlet cimentara sua decisão. Por um lado, eles eram incrivelmente compatíveis no aspecto físico. Por outro, Daniel relutava em se envolver mais profundamente do que isso. Pusera na cabeça que ela não se seria tão amistosa com ele quando sua memória retornasse. Por causa de algo que ele não estava lhe contando? Talvez, se ela passasse algum tempo com Cara e seus pais, conseguisse descobrir mais. Ou sua memória poderia retornar no dia seguinte, e tudo seria revelado. – Você não abusou de mim. – Você vai pegar um avião para casa hoje. Precisa resolver isso. Simples assim. – Errado. É complicadíssimo. Sua mãe confiou seu bem-estar a mim. Sou responsável por devolvê-la aos cuidados dos seus pais. – Não gosto de ser tratada como uma criança que tem de ser deixada numa creche. – Difícil. Um sorriso tocou um dos cantos da boca de Scarlet. 53


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– Você é alfa demais para ser um verdadeiro viciado em computadores. – Não de acordo com a alcateia que me criou. – Daniel foi até a mesa de jantar para pegar uma pilha de roupas e entregar a Scarlet. – Morgan deixou algumas peças dela para lhe emprestar. Trinta minutos depois, eles já tinham terminado de desfrutar um imenso café da manhã com panquecas de morango. Daniel telefonou para Cara para pegar o endereço dos Anders, e, depois que Scarlet juntou suas coisas, acomodaram-se no carro dele. – Meus pais nem vão me reconhecer com essas roupas casuais, vão? – Roupas não definem uma mulher. – Daniel abriu um sorriso brincalhão. – Além do mais, o ecletismo combina com você. Ela fez um movimento de hip-hop da cintura para cima. – Estou com vontade de deitar de costas no chão e girar. O automóvel se encheu com o som da gargalhada dele, tão profunda e sexy que Scarlet nem quis pensar em se despedir dela. Em se despedir dele. – Detesto informar isso – disse Daniel – mas você é uma fã e tanto de música clássica. Uma lembrança surgiu, e um distante som ecoou de um profundo funil dentro do cérebro dela. As atormentadoras sequências musicais vieram em seguida. Então, o som da chuva atingindo o para-brisa as abafou. Scarlet olhou para Daniel. A atenção dele estava fixa na pista molhada e no trânsito. Talvez fosse melhor não contar a ele daquela pequena lembrança, concluiu ela. Daniel logo parava o carro diante do endereço dos Anders em Georgetown. Quando ele abriu a porta de Scarlet, ela saiu já com uma opinião formada: a de que a casa dos Anders mais parecia uma mansão cenográfica. Em estilo neoclássico, era composta por imensas colunas, um grande frontão, uma gigantesca varanda e uma fachada simétrica. E como Scarlet sabia toda essa terminologia?, perguntou a si mesma ao subir os largos degraus da entrada ao lado de Daniel. Talvez tivesse feito algumas aulas de arquitetura na faculdade. Faith Anders atendeu à porta. Scarlet deu o melhor de si para invocar uma lembrança, mas nada no penteado loiro-prateado ou nos lábios cosmeticamente adornados da mulher lhe era familiar. Contudo, quando Faith empinou o queixo ao ver a roupa de sua filha, Scarlet sentiu uma pontada. Nada agradável. Recompondo-se, Faith estendeu os braços para abraçá-la. Scarlet fez o que seria educado e aceitou o gesto. Quando os frios dedos de sua mãe se fecharam, ela se surpreendeu ao sentir algum calor, mas nada de mais. Ao menos já não se sentia mais tão relutante em entrar. – Seu pai está em casa – disse Faith, parecendo tanto desconfortável quanto aliviada. – Espero que eu não o tenha deixado muito preocupado – respondeu Scarlet, entrando no reluzente foyer à frente de Daniel. – Ele está ansioso para vê-la. – Então, Faith se virou para Daniel e falou de nariz empinado, o que não era nada fácil, visto que ele era muito mais alto que ela: – Obrigada por ter cuidado dela ontem à noite.

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– O prazer foi meu – respondeu ele, solene. Scarlet lançou um olhar para Daniel. Tão frio. Você é mesmo um bad boy. Eles seguiram Faith para dentro de uma casa repleta de paredes com painéis de carvalho, suntuosas cortinas e obras de arte dignas de museu. Sem pressa, Scarlet passava as pontas dos dedos pelas superfícies e pelos objetos à medida que eles percorriam o hall e chegavam a um grande cômodo decorado imaculadamente. Perto da lareira apagada, havia um homem de cerca de 60 anos recostado numa poltrona. Ao vê-los chegar, ele se levantou e endireitou a barra de seu paletó social. – Querida... – Ele estendeu os braços, como Faith fizera um minuto antes. Novamente, porém, não houve nem um lampejo de reconhecimento. Ainda pior, Scarlet se deu conta de que nem sequer sabia o nome de seu pai. Ela avançou e permitiu que o homem a puxasse para si. Foi quando Scarlet percebeu Cara Cranshaw parada ali perto, esperando, paciente. Sorrindo, sua amiga fez um movimento de cabeça para ela. – Scarlet – disse Cara. – Você parece tão descansada... – Apesar do fato de que ninguém a reconheceria com essas roupas. – Faith gesticulou para que todos se sentassem. – Não vejo seus cachos tão indomados desde... – Ela se interrompeu antes de ajustar as mangas de sua blusa de seda cinza. – Você costumava ser obcecada com seu cabelo. Eu me lembro de quando tinha 6 anos e queria cortar todas as mechas que não ficavam no lugar. Scarlet prendeu o cabelo num rabo de cavalo e o jogou para as costas. – Tem muitas. Curvando-se à frente, seu pai tocou um de vários álbuns de fotografia dispostos sobre a mesa de centro de mogno. – Sua mãe me contou o que o médico disse, que a sua memória voltará por conta própria. Mas não há mal em fazermos uma viagem pelo túnel do tempo. Daniel permanecera de pé. Cara atravessou o cômodo para se juntar a sua amiga no sofá. Scarlet pegou um álbum e murmurou: – Obrigada... papai. – Sentia-se estranha chamando assim um homem que ela considerava um desconhecido. Scarlet abriu o álbum na primeira página e viu uma foto de si mesma com um vestido de seda preta, erguendo uma taça de champanhe e sorrindo junto com um grupo de pessoas igualmente em júbilo. – É a inauguração da DC Affairs. – Cara indicou outra foto de Scarlet, com o braço em torno de uma mulher deslumbrante. – Esta é Ariella, sua sócia. Scarlet passou o dedo pela fotografia. – Quando posso vê-la? – Telefonei para avisar que íamos nos reunir aqui – disse Cara. – Ela queria vir, mas... Tem algumas coisas acontecendo com Ariella. Ela estava marcando uma reunião muito importante. Algo do qual eu sabia ontem, sem dúvida. Scarlet deixou o álbum de lado. Queria algo mais antigo. Uma capa com desenhos de pôneis chamou sua atenção. Dentro do álbum, as fotos mostravam uma menina com 55


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um flamejante cabelo dourado-avermelhado fixo com grampos numa apresentação de balé; e também soprando velas num bolo; e, por fim, sentada diante de um piano, os pequeninos dedos sobre as teclas. Ela sentiu um fio na barriga. Aquilo era estranho. Indicou a última fotografia. – Nesta, estou tocando só com os dedos indicadores. Faith Anders ficou rígida. – Jamais. Mesmo com aquela idade, sabíamos que você tinha talento. – Sua mãe também toca – informou seu pai. Scarlet digeriu aquela informação. Daniel dissera que ela gostava de música clássica. – Quer dizer que minhas preferências vieram de você? Faith sorriu. – Não vou aceitar crédito por isso. Você sempre foi destinada a ser uma pianista muito melhor do que eu. Scarlet devolveu o álbum à mesa. – Talvez se eu vir meu antigo quarto... Porém, ela experimentou uma súbita pontada de cabeça. Sentiu-se esgotada. Cara tocou-lhe o ombro. – Precisa descansar? Quer se deitar? – Eu não devia precisar. Dormi como uma defunta ontem. Faith estremeceu. – Scarlet, por favor, não diga coisas assim. Estava na ponta da língua de Scarlet dizer que era apenas força de expressão, mas isso seria falta de educação. E algo lhe dizia que ela era muito educada. – O importante é que você está em casa agora – afirmou seu pai. Scarlet bateu com as pontas dos pés no carpete milionário. Em casa... Não era ali. E também não era com Daniel. No momento, ela não sabia onde era seu lugar. De repente, a umidade encheu seus olhos. Mas Scarlet afastou a emoção. Aquele estado não duraria para sempre. Tivera lampejos de sua vida anterior. Como o médico dissera, tudo logo se encaixaria. Inspirando fundo, ela mudou de assunto: – Daniel voltará para a Austrália hoje. – Deve ser um homem muito ocupado. – Faith abriu um sorriso para Daniel. – Sentimos muitos por termos prendido você aqui. Ela está em boas mãos agora. Scarlet ficou irritada. Em boas mãos agora... O que significava que ela não estivera durante o tempo que passara com Daniel. O lindo rosto dele era uma máscara. Daniel entendera o insulto de Faith, mas tinha dignidade suficiente para não devolvê-lo. Quando seu olhar se voltou para Scarlet e ele lhe deu uma rápida piscadela, ela projetou uma silenciosa mensagem. Por mim, eu estava em excelentes mãos. 56


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Ele se dirigiu aos pais dela: – Vocês sabiam que sua filha quer visitar a Austrália? Faith a olhou. – É incrivelmente empoeirado lá. – Ficar sujo nunca fez mal a ninguém – devolveu Scarlet. – Será que alguns dias longe daqui poderiam ajudar? – ponderou Daniel. Olhando-o, o pai de Scarlet se reposicionou em sua poltrona. – Ajudar como? – Ficar longe de tudo. Um pouco de diversão. Em vez de tentar carregá-la de informações, pode ser melhor deixá-la relaxar. Faith se levantou. – Não queremos atrasá-lo, sr. McNeal. Você deve ter um voo marcado. – Meu jatinho está de prontidão. Erguendo-se do sofá, o coração a martelar, Scarlet se juntou a ele. Teria ouvido direito? – Está me pedindo para ir à Austrália com você? – Ela viu o sorriso nos olhos dele, exclusivamente para ela. – Você disse que queria férias. Cara também se ergueu de um salto. – Eu a ajudo a fazer as malas. – Isso está fora de questão – disse Faith com toda a calma. O pai de Scarlet se pronunciou: – Daniel, agradecemos por sua ajuda até aqui, mas, filho, não conhecemos você. – Posso garantir que Daniel é de confiança. – Cara sorriu. – E ele e Max são amigos desde sempre. Meu noivo confiaria a vida a este homem. Revirando os olhos, Faith resmungou: – Tão dramática... Scarlet conteve um rosnado. Queria mandar todos calarem a boca. Podia estar vivendo num vazio, mas aquela era a vida dela, sua escolha. Contudo, estava interessada em saber qual seria a opinião de seu pai. Ele fez um estranho som grunhido, o que lançou uma leve luz sobre a memória de Scarlet. Seu pai fazia isso quando precisava comunicar uma decisão difícil. – Está bem documentado – afirmou o sr. Anders – que aliviar a pressão pode trazer benefícios. O queixo de Faith caiu. – Você concorda que ela deve simplesmente fugir? Ele se levantou. – Sei que está preocupada, mas tenho um bom pressentimento a respeito disso. – Então, dirigiu-se a Scarlet: – Isto é, se você quiser ir.

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Scarlet olhou para Cara, que assentiu depressa. Quando seu olhar encontrou o de Daniel, ele sorriu e deu de ombros. A escolha é sua. Faith Anders empalidecera e parecia prestes a desabar de volta na poltrona. Scarlet não queria magoar ninguém, mas a votação estava quatro contra um. – Prometo que não vou nadar em nenhum lago cheio de crocodilos, mamãe. Faith piscou, e um genuíno sorriso devolveu a cor a seu rosto. – Você me chamou de mamãe... O pai de Scarlet passou o braço pela cintura de Faith. Ele assentiu e sorriu, incentivando sua filha antes de dar um leve beijo no rosto da esposa. Foi quando Scarlet teve outro lampejo. Talvez não se lembrasse daquelas pessoas, mas, naquela casa, ela sabia que era amada.

A um canto, Daniel viu Scarlet observar o interior de sua própria residência. A expressão dela era de curiosidade, mas não parecia que estava se lembrando de nada. Num momento, ela se concentrou no piano. No seguinte, numa foto emoldurada dos pais. Depois, girou e quase tropeçou numa palmeira num vaso, que Scarlet não lembrava de jeito nenhum que estava ali. Pela primeira vez desde o tombo da véspera, uma verdadeira frustração contraiu sua boca. Quando Daniel se juntou a ela, Scarlet forjou um fraco sorriso. Pondo a mão nas costas dela para acalmá-la, ele analisou a sala de estar. Decorada quase da mesma forma como a casa dos Anders, havia muitos painéis de madeira, mobília de bom gosto, caros toques tradicionais, como belas obras de arte e cristais. – Lembra-se de algo? – perguntou ele. – Nada. Mas não me sinto totalmente desconfortável. Aquilo era bom. Promissor. – Talvez você devesse repensar a viagem à Austrália e ficar aqui com Cara. – O que você disse na casa dos meus pais fez sentido. Eu gostaria de fugir de tudo. Deixar meu cérebro respirar, em vez de carregá-lo de coisas. Mas foi inesperado, Daniel. Achei que eu estivesse sufocando você. Nada de sufocar. O que ela fizera fora provocar a consciência dele. Colocá-lo entre a cruz e a espada. Quando eles se conheceram, Daniel quis se aproximar mais de Scarlet. O que eles compartilharam na noite anterior, porém, francamente o deixara louco. Evitar que Scarlet se tornasse uma tentação lhe parecera a melhor opção. No entanto... – É evidente que seus pais querem o melhor para você, mas, pelo que percebi, eles só a estavam deixando ainda mais confusa. – Daniel abriu os dedos logo abaixo da nuca de Scarlet. – E também existe o elemento do interesse próprio na minha sugestão. Scarlet se virou para ele. Seus olhos reluziram quando ela abriu um malicioso sorriso. – Está sugerindo que continuemos de onde paramos? Porque tenho certeza de que há um quarto aqui em algum lugar.

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Quando Scarlet se inclinou na direção dele, os sentidos de Daniel dispararam, preparando-o para o contato. Contudo, aquela não era hora para brincadeiras. Assim, ele segurou os braços dela. – Meu piloto informou um horário para a decolagem. É melhor tentarmos não nos atrasar. Os olhos dela se semicerraram enquanto Scarlet pensava na logística. – Que roupas de viagem eu tenho? – perguntou a si mesma antes de se afastar. Quando Scarlet desapareceu escada acima, Daniel a seguiu. Ele deveria mencionar que, quando ela não se concentrava demais, parecia se lembrar instintivamente de tudo? O segundo andar consistia em dois quartos e seus banheiros anexos. Daniel viu Scarlet adentrar a suíte principal, ir direto até o closet e abrir as portas. Quando ele a alcançou, ela analisava organizadas fileiras de roupas e sapatos. Tudo estava disposto de acordo com a cor. Impressionada, ela soltou um longo assovio. – Tenho bom gosto mesmo. E estes sapatos são incríveis. Devo gastar todo o meu dinheiro em butiques. – Possui algum biquíni? – perguntou ele avidamente. Então, pigarreou. – Vamos passar muito tempo na água... Depois de revirar gavetas, ela desistiu. – Nada. – E observou seus braços descobertos. – Minha pele é clara. Talvez eu não tenha roupa de banho porque não fico ao sol. – Existe uma nova invenção. Chama-se filtro solar. Scarlet indicou a seção de calças. – Tenho um jeans, mas nada mais que seja casual. Nada de sandálias de dedo. – Scarlet ergueu as mãos. – Que tipo de pessoa não tem roupas comuns de final de semana? – Ah, não sei. Uma que fica ótima com roupas de grife? Ela sorriu. – Obrigada, mas eu me sentiria mais à vontade com uma bermuda jeans. – Fico feliz quando você não está usando nada. Mordendo o lábio inferior, Scarlet acabou com a distância entre os dois. – Tem certeza de que não temos uns minutos para dar uma olhada naquela cama? – Acha mesmo que vamos querer parar depois de alguns minutos? – Daniel viu uma mala na prateleira acima das cabeças deles. Pegou-a e a empurrou na direção de Scarlet. – Junte alguns pertences. Eu a levo para fazer compras quando chegarmos. – Aceito. Scarlet abriu outro conjunto de gavetas. Daniel grunhiu. O mundo da lingerie sexy. Talvez a antiga Scarlet não fosse tão reprimida, afinal de contas. Ela se virou, girando uma calcinha no indicador. – Fina, preta e de renda. – Com a peça em estilo fio dental pendurada no dedo, Scarlet rebolou. – Elas parecem ser bem divertidas. 59


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Daniel percebeu que estava assentindo, curvando-se à frente, ficando rígido. Assustado, ele ergueu a mala. – Você não vai me fazer mudar de ideia. – Não? – Não. – Então, vire para lá. Preciso me trocar. – Ela tirou a camiseta. Daniel engoliu em seco. Scarlet não estava de sutiã. Ele largou a mala no chão. – Isso é atentado ao pudor. Mas Scarlet se ocupava tirando a calça e a calcinha. O suor surgiu nas costas dele. – Está quente demais aqui. Scarlet foi até Daniel, sem mais nenhuma provocação, e a boca de Daniel desceu sobre a dela. A ponta da língua de Scarlet brincou com a dele enquanto ela lhe desabotoava a camisa e passava os dedos pelos pelos do peito dele. Quando Scarlet permitiu que ele respirasse, Daniel segurou-lhe os quadris e avisou: – Se você vai se aproveitar de mim outra vez, isso precisará ser rápido. Scarlet desceu dando beijos pelo peito dele e, em seguida, ajoelhou-se. O som do zíper sendo aperto fez Daniel agarrar o batente da porta. Ela baixou a cueca dele, e o ar frio o atingiu antes de o úmido calor da boca de Scarlet o envolver. Aquela seria uma viagem e tanto.

CAPÍTULO OITO

Scarlet deu um gole em sua água gelada e lançou um olhar para a pessoa sentada diante dela. Por fim, pigarreou. – Ainda não lhe agradeci. Morgan Tibbs desviou a atenção de uma revista de negócios. – O avião é de Daniel – disse ela. – Não meu. – Eu me referia às roupas. – Ah... Achei que você fosse precisar. Morgan voltou a ler, e Scarlet, a beber sua água. – Acho que eu devia me sentir esquisita – comentou Scarlet – voando para o outro lado do mundo com pessoas que mal conheço num avião particular de luxo, mas não é mais esquisito do que o resto que vivi nessas últimas 24 horas. – A amnésia? – Ahã. 60


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Morgan baixou a revista. – Tenho uma tia que passou por um estado de fuga dissociativa. Ela era diretora de uma escola. Quando não apareceu no trabalho por dois dias seguidos, uma equipe de busca começou a procurá-la. Ela foi encontrada a 150 quilômetros de onde morava, meditando com um grupo de amantes da paz que esperavam alienígenas pousarem no estacionamento. Minha tia não sabia nada sobre como fora sua vida antes disso. Parece que o marido dela, que fingira a própria morte 20 anos antes, resolvera aparecer de repente. O choque desencadeou a reação. – A memória dela voltou? – Praticamente assim que a levaram de volta para casa. – Isso não aconteceu comigo. – Nadinha? – Algumas coisas. Morgan passou os dedos pelos seis brincos em sua orelha direita. – Talvez seja um jeito de a sua mente lhe dizer para dar um tempo. – Pelo visto, tenho pais legais, que se importam comigo. Possuo uma boa casa. Um bom emprego. E sem dúvida ótimas amigas. – Parece bom. Uma ótima vida para a qual voltar. – Ela tornou a erguer a revista. – E, mesmo assim, aqui está você, voando para longe de tudo. Daniel chegou pelo corredor. – Morgan, estes números não estão batendo. Pode fazer os cálculos e me dizer se o resultado é parecido com o dos meus? – Eu adoraria. – Morgan se levantou, pegou o laptop dele e desapareceu. Quando Scarlet teve certeza de que ela não conseguiria mais ouvir, sussurrou: – Ela foi irônica? – Sempre. – Daniel se sentou ao lado dela. – E é o melhor braço direito que já tive. O sorriso de Scarlet desapareceu. – Daniel, você acha que essa história de amnésia pode ser causada por mim mesma? – Como assim? Como se tivesse tido a intenção de tropeçar e desmaiar? – Como se uma parte do meu cérebro estivesse esquecendo de propósito. – É impossível saber. Scarlet ponderou sobre aquilo. Então, ele estava dizendo que talvez fosse proposital; e talvez não. Ela não se sentia como se estivesse fingindo. Sabia o que sabia, e o mais importante era que se sentia segura com Daniel. Não estaria ali se fosse diferente. Até mesmo sua mãe parecera incomodada com o fato de a filha irritar a alta sociedade fazendo o que considerava o certo. – Eu não conhecia você muito bem, conhecia? E, mesmo assim, minha intuição me diz que você me conhece melhor do que todas as outras pessoas juntas. Por quê? O sorriso dele foi tranquilizador. Sexy. – Não sou médico. 61


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– Você é meu amigo. Não é? – Claro que sou. Mas o sorriso dele dizia que não estava convencido. – Em outras palavras – concluiu ela – é melhor eu simplesmente relaxar, aproveitar o champanhe e as férias com todas as despesas pagas e parar de me preocupar. – Seria o meu conselho. Mas você é mais pedante do que isso. – Pedante tipo transtorno obsessivo-compulsivo? – Você tem metas. – Isso é bom. Daniel desviou o olhar. – A menos que sejam metas ruins. – Ou as de outra pessoa, Scarlet. – Dos meus pais? Ele se virou para ela. – Scarlet, você havia ficado noiva recentemente. Alguns dias atrás, terminou o relacionamento. – Está brincando! Eu ia me casar? – Mas decidiu que ele não era o homem certo para você. – Uau... Espero que não ter partido muito o coração dele. O olhar de Daniel ficou velado. – Meu... noivo... ex-noivo sabe que caí? – perguntou curiosa. – Sabe da minha perda de memória? – Antes de sairmos da casa dos Anders, seu pai me puxou para um canto. Disse que tinha entrado em contato com Everett Matheson para dar a notícia. Ela tentou se recordar, mas o nome não despertava nenhuma lembrança. – E? – E seu ex informou que estava ocupado em Nova York. A emoção atingiu o peito dela, tirou seu fôlego. Nos recônditos de sua mente, Scarlet se recordou da risada pomposa de um homem. Aquilo a fez estremecer. – Ele não ficou preocupado? Nem um pouco? Daniel segurou a mão dela. – Não ligue para isso. Ele não a merecia.

O avião deles parou em Sydney para deixar Morgan e seguiu para Cairns. Durante uma hora e meia, Daniel e Scarlet percorreram a Bruce Highway num conversível até o paraíso de Port Hinchinbrook. Ao entrar no primeiro andar da extravagante casa de praia de Daniel e ser recebia por aquela incrível vista panorâmica, Scarlet arfou. – Parece o paraíso. Por que alguém iria querer morar em outro lugar? 62


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– E você ainda nem saiu de iate. – Você tem tanta sorte! Daniel pensou naquilo. Desejava que sua infância tivesse sido diferente. Normal. Contudo, ele não vivia no passado. Seguira em frente. Fizera seu próprio destino. Ela observava seus próprios braços. – Pus filtro solar quando baixamos a capota, mas preciso de mais. Estou louca para passear pela praia. – Scarlet se virou para ele. – Necessito uma roupa de banho. – Vejamos o que podemos fazer. – Ele a acompanhou escada acima. O segundo andar era um imenso quarto de plano aberto. Disposto sobre a cama, pendurado sobre divisórias e mobília, se achava o guarda-roupa que ele e Morgan haviam comprado secretamente na internet durante o voo. Scarlet levou as mãos à boca. – Isto é tudo para mim?! – Ela foi até o conjunto de vestidos mais próximo, observou algumas das etiquetas de preço e se agarrou numa cadeira para se equilibrar. – Isto é loucura. Obsceno! Deve ter gastado uma fortuna, Daniel. – Você é uma mulher que gosta de roupas de qualidade, lembra? – Não. – Scarlet abriu aquele sorriso despudorado que ele adorava. – Mas não vou discutir. Enquanto Daniel a via dançar pelo cômodo, girando e segurando as diversas peças contra si e passando por ele para lhe dar um grande beijo no rosto, uma sensação o percorreu. Daniel já comprara presentes para os outros antes, gostava de ser generoso, mas não conseguia se lembrar de ninguém ter abandonado tanto a compostura para mostrar sua gratidão. Scarlet parecia uma criança na manhã de Natal. Não tinha problemas em demonstrar ao mundo sua felicidade. Ele adorava a exuberância dela. Seu afeto franco, quase inconsequente. Honestamente, ele ficaria triste quando aquela Scarlet desaparecesse. – Se não gostar de algo, podemos devolver – disse ele. – Não ouse! Adorei tudo. – A expressão dela ficou mais contemplativa quando o analisou. – Você sempre tem essa consideração, não tem? Gosta de surpreender as pessoas. De vê-las felizes. Daniel se aproximou. – Ah, mas também posso ser implacavelmente egoísta. – Acho que é melhor você me mostrar esse lado, para eu comparar. Ele estava pensando a mesma coisa. Os dois se encontraram no centro do quarto, o sol entrando pela parede de vidro e esquentando ainda mais o contato. Os braços dela envolveram as costas dele, e Daniel a ergueu do chão. Uma fração de segundo depois, as bocas se uniram. Enfim, ele a beijava outra vez. Desde aquela escaldante cena no closet dela, Daniel duplicara seus esforços para manter distância de Scarlet no sentido físico. Com a presença de Morgan, o comedimento fora necessário.

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Agora, Daniel libertava seu desejo acumulado. Mal conseguia esperar para tirar as roupas deles. Queria vê-la nua, contorcendo-se debaixo de seu corpo. Depois, iria desejar uma repetição com as posições invertidas. E isso seria apenas o começo. Com a boca sobre a dela, Daniel começou a desabotoar a blusa de Scarlet. Mas as casas estavam apertadas, e os botões eram vários e pequenos. Frustrantes. Ele interrompeu o beijo para poder ver o que fazia. Por que Scarlet ao menos não o ajudava? – Você quer que eu sofra – concluiu ele. – O que acha? Ela estaria se vingando dele? – Morgan já me aguenta demais – disse Daniel. – Foi melhor termos nos contido durante o voo. – Está gostando desse autocontrole agora? Ele rasgou a blusa de uma vez. – Não muito, como você pode ver. – Daniel abriu o tecido, expondo os seios dela. E parou. – Você não está de sutiã. Scarlet tirava os braços da blusa. – Creio que não gosto deles. Daniel admirava o corpo dela, apreciando a forma dos perfeitos seios dela com as mãos, dizendo a si mesmo que devia ir logo ao que interessava e também rasgar-lhe o jeans. – Você estava com muita vontade de ir à praia? – perguntou ele enquanto roçava seus lábios pelo pescoço dela. – Depois de ficarmos tanto tempo sentados, achei que seria bom nos exercitarmos. – Temos muitas formas de fazer isso. – Mordiscou-lhe a orelha. – Uma relação sexual vigorosa pode queimar até 400 calorias. – Daniel roubou outro beijo... um minucioso ataque à língua dela. – Claro... – Arfou em busca de ar. – ...que a melhor forma de garantir um bom exercício é... – O orgasmo? Ele sorriu. – O maior número de vezes possível. Capturando de novo a boca de Scarlet, ele a levou para a cama enquanto passava as mãos pelas costas nuas dela, entrando com os dedos pelo jeans. – Já começou a suar? Ao chegaram à cama, ele já lhe desabotoava o jeans. Os dedos de Daniel serpentearam até aquele lugar quente, macio e úmido. Enquanto a outra mão dele segurava o rosto dela, Daniel a penetrou com dois dedos. Scarlet sorriu e emitiu um som de deleite. Quando Daniel beijou-lhe a orelha e a testa, a pélvis de Scarlet se curvou ainda mais na sua direção. O incêndio dentro de Daniel também ardia. Sua ereção latejava. Daniel se recordou de quando ela se ajoelhara diante dele, tomando-o completamente na boca. Lembrou-se da pressão de quando Scarlet o segurara e o 64


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apertara com delicadeza. Durante o voo, ele não a tocara, mas pensara muito em dar a ela o mesmo tipo de prazer. Scarlet aprovara as roupas. E Daniel esperava que ela gostasse ainda mais do que ele tinha em mente naquele instante. Ela estava agarrada à camisa dele quando atingiu o clímax. Com espasmos a percorrê-la, uma delicada mão segurou a de Daniel. Scarlet fechou os olhos, inspirou fundo e se entregou a cada onda de calor latejante. Daniel não lhe deu tempo de se recuperar. Colocou-a de costas na cama. Com o traseiro de Scarlet perto da borda e as pernas penduradas para fora, ele puxou o jeans e a calcinha dela. Agachando-se, separou-lhe os joelhos e se posicionou entre eles. Vê-la reluzente e inchada foi o suficiente para fazê-lo sentir espasmos. Com uma palma na parte interna de cada coxa, ele usou os polegares para abri-la, expondo seu centro de prazer. Então, baixou a cabeça e, deleitando-se com cada movimento, levou-a mais uma vez ao clímax.

O dia seguinte foi deslumbrante. Céu límpido. Pouco vento. Mar com águas calmas. Da entrada dos fundos de sua incrível casa de veraneio em Hinchinbrook, Daniel seguia com Scarlet. Eles passaram por um parque que pertencera a Daniel antes de ele o doar à comunidade e chegaram ao lugar onde ficava seu maravilhoso iate. – Presidentes têm iates menos impressionantes que este – ela comentou. – Um amigo meu é dono da empresa que os fabrica – disse ele, como se aquilo explicasse tudo. Com um floreio, Daniel a convidou a subir a bordo. – Vamos velejar. De chapéu e filtro solar, ela o seguiu até a ponte de comando. Em meio a uma agradável brisa, recuou e viu Daniel girar uma chave. – Vamos passar pela ilha Hinchinbrook daqui a 30 minutos. Quando eles saíram para uma vasta extensão de água beijada pelo sol, Scarlet se segurou na amurada e, inspirando o inebriante perfume da água do mar, tentou se fixar àquela paradisíaca realidade tropical. Aquele era outro mundo. Outro tempo. Quem precisava de Washington, de seus políticos e todo aquele trânsito? Ela só queria andar por ali descalça. Apegar-se àquela sublime sensação de liberdade. – Fale deste lugar – pediu Scarlet. – Ele me lembra o Taiti. Ele a encarou. – Essa é uma lembrança pessoal? Ou seria de livros, de anúncios na internet, de fotos de amigas? Scarlet não soube dizer. – Não sei bem. Franzindo o cenho, Daniel voltou a se concentrar no oceano. – A ilha ali à frente tem cerca de 38 quilômetros de extensão e dez de largura. Possui 11 praias, todas dignas de cartões-postais. O parque nacional abrange 39 mil hectares. Cem acres de paraíso natural. – Você entende bem das coisas.

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Com os fortes braços bronzeados estendidos, as mãos no timão, ele abriu um sorriso. – Já banquei o guia turístico antes. Para visitantes de sua casa em Port Hinchinbrook. Convidados em seu iate. Convidadas? Claro, Daniel tivera uma vida antes. Não era nenhum padre. E sem dúvida gostava de companhia feminina. Para ser justa, ela também devia ter tido outros amantes. Everett, o ex, fora um deles. Contudo, sempre que ela observava Daniel, tão sexy bancando o marinheiro, detestava pensar nele com outra pessoa. E tentava não especular sobre com quem ele ficaria depois que aquele incomum relacionamento terminasse. E terminaria. A memória dela retornaria, e as diferenças entre eles viriam de novo à tona. Diferenças que a deixavam preocupada. Ele vinha de um mundo aberto e descontraído. E ela, de outro, um que refletia o nobre lar de seus pais, as roupas imaculadas no guarda-roupa dela. Ao chegarem a mar aberto, Daniel aumentou a velocidade, aproximando-se da antiga ilha. As colinas e a folhagem verdejante pareciam intocadas. – Eles permitem visitantes? – Scarlet indagou. – A ilha Hinchinbrook tem um resort, mas só é permitida certa quantidade de visitantes nas trilhas todos os anos. Viremos fazer uma visita outro dia. Você precisa ver o recife. Eles velejaram para ainda mais longe, enquanto ela absorvia a beleza do mar e do céu e também do capitão. A dobra num dos cantos da boca de Daniel dizia que aquilo era algo que ele apreciava muito. Um dos prazeres para os quais vivia. E, com seu corpo balançando com as ondas do mar, inspirando o perfume da natureza, Scarlet se imaginou desfrutando daquela vida dia após dia. Estando com Daniel daquele jeito o tempo inteiro. Então, lembrou-se do que sabia de sua vida em Washington e simplesmente não conseguiu imaginar um jeito de as duas coisas serem conciliadas. Daniel logo aliviou na velocidade. As águas à volta deles estavam cristalinas. Transparentes. Mais ao longe, era possível avistar patamares de corais. Com suas vibrantes cores, aquele maravilhoso mundo vivo parecia estar logo abaixo da superfície. Scarlet viu vários cardumes de peixes, e mal podia esperar para mergulhar e nadar com eles. Daniel ancorou o iate e esfregou as mãos. – Vamos nos molhar. Dez minutos depois, eles estavam equipados e mergulhando pela lateral do iate numa água de temperatura ideal. Scarlet usava um maravilhoso maiô vermelho-claro. Daniel estava com uma sunga que a fazia se lembrar de James Bond numa incrível cena na praia. Enquanto eles batiam os pés de pato, flutuando, Daniel mostrou a ela como usar o snorkel. Quando Scarlet nadasse até o coral, ela deveria deixar que a mangueira se enchesse de água, explicou ele. Ao retornar à superfície, precisaria “soprar” a água do tubo com força. – Aquele platô... – Scarlet olhava para baixo enquanto balançava as pernas. – Parece estar perto o suficiente para tocarmos daqui mesmo.

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– Você pode nadar na superfície ou prender a respiração, mergulhar e chegar lá de verdade. Uma imensa garoupa passou debaixo dos pés dela. – Devo ficar com medo? Ele riu. – Você deve ficar empolgada. Eles passaram a hora seguinte vagando pelo coral. Tantas cores vibrantes e formas fascinantes... Peixes coloridíssimos e de diversos formatos rodopiavam em torno deles. Por um lado, Scarlet sabia que não costumava gostar de sol e de atividades ao ar livre, mas aquilo era diferente. Ali, com Daniel, sentia-se em casa. Debaixo da água, por trás da máscara de mergulho, Daniel a olhou e gesticulou para cima. Eles emergiram. – É melhor comermos. Descansarmos. – Não estou cansada. – Ficou viciada? – Mal posso esperar para fazer de novo. – Vamos só tirar você do sol por um tempo. Daniel estocara a geladeira. Eles comeram queijo e patê e, em seguida, a melhor seleção de frutos do mar que Scarlet já provara. Recostando-se à sombra do convés, ela se perguntou se existiria uma vida melhor que aquela. Uma companhia mais bonita. Um desejo mais forte de manter tudo como estava. O cabelo de Daniel secara numa série de pontas loiro-escuras, e seus ombros largos estavam pontilhados de sal. Scarlet teve vontade de lhe dizer como estava perfeitamente feliz. Era uma sensação exuberante, ainda que um tanto melancólica. Talvez ela jamais voltasse a sentir aquela felicidade. Uma imensa sombra passou por cima deles. No céu, uma série de nuvens chegava. – Tem muitas tempestades fortes aqui? – perguntou ela. – Há alguns anos, um ciclone nos atingiu. Destruiu a cidade. Os barcos ficaram empilhados uns em cima dos outros na marina. Mas tivemos tempo de nos preparar antes. Alguns de nós nos protegemos no abrigo que eu tinha construído. – Você escolheu ficar? Não se apavorou? – Foi assustador. Eram estrondos constantes. Ficamos no abrigo até os ventos se acalmarem. O cenário do lado de fora era de devastação. As filmagens que fiz foram as primeiras desse tipo, e milhares de posts percorreram o mundo pela Waves. Quando cheguei à minha casa, tinha um barco ancorado na janela do segundo andar. – É difícil acreditar que esta tranquilidade possa se transformar em algo tão feroz. Está tudo tão calmo agora. – Às vezes, acontece assim – disse ele, curvando-se e dando um beijo no rosto dela. – Tem a calmaria. E, depois, a tempestade.

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Como a que Scarlet sentia crescendo dentro de si. Memórias... pequenas, fragmentadas... estavam retornando. Quanto tempo levaria até que tudo se encaixasse? Ela só esperava que não ocorresse um desastre quando isso acontecesse.

Ainda naquela tarde, Scarlet estava sentada no banco da popa, o queixo apoiado nos braços cruzados sobre a amurada. Aquele era o segundo lugar em que Daniel se sentia mais em paz – perdia apenas para uma estrada, em sua moto. Ali, ele não precisava pensar nos negócios, nem nos problemas do mundo. Quando saía para o mar, esquecia tudo, menos o bater da água contra o casco e o calor do sol em sua pele. Durante aquele passeio, Daniel desfrutara da companhia de uma mulher que parecera tão arrebatada quanto ele pela experiência. E, toda vez que ele a olhava, a avaliação que fazia de Scarlet Anders se alterava um pouco mais, e Daniel enxergava algo diferente. Algo inocente, singular, que implorava para ser libertado, e não apenas por um dia, mas pelo resto da vida. Todos mereciam a chance de ter aquela naturalidade. De serem quem eram na realidade. Scarlet o flagrou a olhá-la. Seu sorriso foi largo e confiante. A mensagem enviada derreteu o coração de Daniel. Ele sentiu um formigamento nas pontas dos dedos. A não ser por beijinhos superficiais, Daniel não a beijara durante todo o passeio. Talvez devesse resolver esse problema. – Sr. Daniel McNeal – anunciou ela – seus antepassados são sem dúvida irlandeses. Prestes a se juntar a ela, ele parou. Não queria estragar o dia falando de seu passado. Contudo, a curiosidade dela era inocente, ainda que Daniel preferisse esquecer que seu sobrenome era McNeal. Ele pegou um pano e começou a polir uma peça de aço inoxidável. – Os antepassados do meu pai eram irlandeses. – Sua mãe se apaixonou por ele à primeira vista? – Creio que o sentimento tenha sido mútuo. Ela arqueou uma das sobrancelhas. – E? – E eles logo se casaram. Tiveram um filho. – E lhe deram o nome de Daniel. – Ela inclinou a cabeça. – Meu pai é tão... comum. Tão regrado. Aposto que o seu tinha personalidade. Personalidade? Era um jeito de dizer. – Ele gostava de trabalhar duro. – Daniel já lhe contara aquilo, mas ela não se lembraria. Esfregando vigorosamente a peça de aço, ele abriu um rápido sorriso. – Queria guardar dinheiro para momentos de dificuldade. – Esses momentos vieram? O pano dele parou de se mover. Daniel queria deixar o assunto de lado. No entanto, já decidira. Quando chegassem a Sydney, levaria Scarlet consigo quando fosse visitar seu pai adotivo, o homem que o amara e cuidara dele durante cerca de 20 anos. Sendo assim, Daniel teria que explicar ao menos parte de seu passado. 68


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– Quando eu tinha 5 anos, meu pai perdeu o emprego. Não pelo desempenho dele – ressaltou Daniel, querendo ser justo. – Foi uma medida corporativa de contenção de gastos. Você sabe, quando empresas buscam margens de lucro maiores para deixar os acionistas felizes, o resultado costuma ser trabalhadores, muitos com família, sendo dispensados como se fossem lixo. Meu pai conseguiu pequenos trabalhos, mas não o suficiente para pagar as contas. Ele... – Sentiu um aperto no estômago. Aquilo era mais difícil do que imaginara. – Bem... ele mudou. Scarlet foi até Daniel e pôs a mão em seu braço. – Todos merecem o direito de trabalhar, de ganhar um sustento decente. Lógico. Daniel podia ser dono de uma empresa bilionária, mas garantia que seus funcionários fossem bem-tratados e recebessem os melhores benefícios. – Meu pai se tornou uma pessoa triste – falou Daniel. – Começou a beber. Ele passava muito tempo em casa, no galpão ou no bar. Acho que o uísque o fazia esquecer. Mas também o deixava violento. Scarlet apertou o braço dele. Daniel quis sorrir e dizer que estava tudo bem. Que seu pai nunca machucara ninguém. Só que não seria verdade. Daniel queria afastar a náusea, a raiva, mas ainda não terminara de contar a Scarlet o que ela precisava saber. Não tudo, claro. A versão editada já seria ruim o bastante. – Meu pai fazia coisas das quais, na manhã seguinte, não se lembrava, Scarlet. Um dia, minha mãe o mandou embora. Daniel se lembrava dela gritando para que ele sumisse, sumisse, sumisse! Ele costumava sonhar com aquilo. Pesadelos que o deixavam trêmulo. – O velho se mudou de lá. Mas noite sim, noite não, ele entrava escondido pela minha janela, sentava na beira da minha cama e me prometia que aquilo não seria para sempre. Eu sentia cheiro de bebida no seu hálito. Dias de suor nas roupas. Queria que ele voltasse para casa, mas não daquele jeito. Não fora a intenção de Daniel dar tantos detalhes. Ao dizer aquilo em voz alta, porém, percebeu que devia ter contado a sua mãe a respeito daquelas visitas na madrugada. – Quem me dera poder voltar no tempo para dar um grande abraço em você. – Scarlet se aproximou mais. – E eles dois morreram quando você era jovem? – Fui criado por um homem chamado Owen Cedar. – Um bom homem? – Muito bom. Vou levá-la para conhecê-lo quando formos a Sydney. – E o seu pai biológico... – Nem penso nisso. – Daniel jogou o pano para o lado. – É passado. Ele enxugou o suor que surgira em sua nuca. Droga, como queria que a temperatura baixasse mais alguns graus. Uma resposta dos céus: gotas de chuva começaram a atingir o convés. – Precisamos ir. O rosto dela ficou cheio de decepção. – Não podemos simplesmente entrar? 69


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E aguentar o vento? Daniel a puxou para si, roçou a boca na dela, sentiu Scarlet estremecer. E uma boa parte daqueles maus sentimentos, dos resquícios daquelas desagradáveis lembranças, desapareceu. Ele envolveu-lhe a cintura com o braço e a levou para a cabine. Eles precisavam de um banho para lavar o sal. Daniel pretendia limpar cada grão do corpo dela e, depois, secar pessoalmente cada centímetro.

Quando o vento açoitou em torno deles e Scarlet se segurou nas costas cobertas de couro de Daniel, ela mal conseguiu acreditar que fora tão boba ficando com medo de andar naquela monstruosidade. Eles já tinham passado três dias percorrendo a Great Ocean Road na moto de Daniel, e ela não sabia ao certo do que gostava mais: daquela incrível aventura na estrada ou dos dias tranquilos passados no oceano. Eles permaneceram em Port Hinchinbrook durante três dias. Grande parte do tempo fora passada no iate. Daniel também lhe mostrara a ilha Hinchinbrook. Juntos, eles passearam por praias deslumbrantemente lindas, viram golfinhos saltando na baía e assistiram a um glorioso pôr do sol no mirante. No quarto dia, foram de avião a Victoria, o estado mais ao sul da costa leste australiana. A adorada moto dele os esperava lá, numa garagem numa das pontas da Great Ocean Road, uma rodovia que percorria o litoral sul de Victoria. Daniel se mostrara louco para partir. Scarlet, porém, hesitara. Não havia cinto de segurança. Nem carroceria para dar proteção. Agora, ela se agarrava com mais força e se deleitava com a sensação de liberdade que duas rápidas rodas e um sexy bilionário podiam proporcionar. Ao fazerem uma curva e uma pitoresca baía entrar em seu campo de visão, ela apoiou o rosto no ombro dele e agradeceu aos céus pela queda que dera origem àquela aventura. Mas as lembranças estavam retornando. Trechos de sua vida em Washington, partes relacionadas a seus pais e à inauguração da empresa com Ariella. O cérebro de Scarlet ainda não divulgara nenhuma informação sobre o primeiro encontro com Daniel. Havia apenas uma enevoada recordação de não ter ficado feliz com ele num recente evento de gala... ela lhe dizendo que eles não deveriam ficar juntos porque... Porque... bem, ela ainda não sabia. E não deixara transparecer que sua memória estava voltando. Não queria Daniel se perguntando quando todas as peças se encaixariam. Scarlet preferia desfrutar do tempo deles juntos sem essa complicação. No momento, tudo o que queria era liberdade. Diversão. Aquele outro mundo. Eles paravam em hotéis baratos ou pousadas no caminho. Naquele terceiro dia de viagem, Daniel deixara a moto no acostamento, perto de uma tranquila praia em formato de ferradura, e, de mãos dadas, os dois caminharam até a areia. O imenso sol cor de laranja afundava por trás das ondas. Scarlet se pôs a observar a água, inalando o ar salgado e sentindo a fresca brisa, e Daniel aproveitou para se postar atrás dela e a envolver com os braços.

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– Lindo, não é? – murmurou ele no ouvido dela. – Quase tanto quanto você. Os olhos de Scarlet se encheram de lágrimas num surto de emoção. Ela se segurou nos braços dele, abraçando-os, pressionando suas costas contra a sólida constituição de Daniel. – Eu devia dizer para Max vir aqui com Cara para a lua de mel deles. Isso poderia ser meu presente de casamento. Minha surpresa. – Daniel riu. – Meu Deus, estou mesmo ficando fraco... E, por algum motivo, aquilo foi todo o necessário para que aquelas peças desaparecidas surgissem na mente dela e se encaixassem. Scarlet se lembrou dele aparecendo na DC Affairs quando ela estava pendurando os cupidos. Lembrou-se das rosas e do canguru de smoking. Acima de tudo, lembrou-se do primeiro tórrido beijo deles. E... Oh, Deus. Ela já se lembrava de tudo!

CAPÍTULO NOVE

Na sacada dos fundos da casa de Daniel em Sydney, Scarlet apreciava a deslumbrante vista panorâmica. – Deve ser a cidade mais linda do mundo – comentou ela quando Daniel se aproximou. A Opera House, cercada de água por três lados, era uma maravilha arquitetônica. A porção da cidade à esquerda deles parecia jovem, ousada e cheia de vida. O porto de Sydney, por sua vez, era tão vasto e azul. – Você devia ver no ano-novo. Tantos barcos e pessoas no litoral. – Daniel apontou para longe. – À meia-noite, os fogos de artifício da ponte são disparados, e todo o céu se enche de explosões de cor e luz. Ela indicou uma torre, uma estrutura que a fazia se lembrar do Monumento a Washington. – É a Sydney Tower Eye – explicou Daniel. – O topo tem capacidade para mais de mil pessoas. – Parece incrivelmente alta. – E também é considerada uma das construções mais seguras do mundo. – Onde fica a Bondi Beach? Daniel apontou com o polegar por cima do ombro. – Do outro lado. Vamos tomar sorvete sentados na areia, amanhã. Scarlet fitou os gramados bem cuidados da casa dele. Largos degraus de pedra formavam um caminho do andar inferior da residência até uma imensa piscina triangular.

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Daniel mostrara a Scarlet a propriedade; era grande e luxuosa. Contudo, o estilo não combinava com o que ela conhecia do gosto dele. – Quando este lugar foi construído? – Um empresário mandou construir na década de 1920. Um gigante do mundo dos negócios... dono de fazendas, jornais. A casa já teve alguns proprietários de lá para cá, mas, na primeira vez em que passei pelos portões e pela porta principal, senti a energia. A vista foi um bônus. – Você devia encomendar uma pintura. – Conhece alguém bom? Scarlet quase falou um nome, mas mordeu a língua. Sua memória voltara... tudo. Porém, ela precisava encontrar o momento certo para revelar a Daniel. Quando aceitara a proposta dele de fugir de tudo, Scarlet aceitara uma parte de si mesma que jamais teria sonhado que existia. Impulsiva. Passional. Por causa daquela experiência, por causa do que Daniel lhe dera nos últimos dias, ela se tornara uma pessoa diferente. Mais equilibrada. Menos preto no branco. Claro, não poderia se manter escondida ali com ele para sempre. Aquelas maravilhosas férias logo teriam de chegar ao fim. Mas como abordar o assunto e confessar que todas as suas lembranças haviam voltado sem que ela lhe dissesse nada? Daniel passou o braço por trás de Scarlet e se curvou em sua direção, passando os lábios pelo alto da sua cabeça, dando lentos beijos em sua têmpora. Fechando os olhos, Scarlet se permitiu relaxar quando o outro braço dele a envolveu pela frente, a palma acariciando a faixa de pele exposta acima do jeans. Quando os dedos dele desceram, ela estremeceu e não pensou no amanhã. – Quer passear no porto? – perguntou ele. Scarlet ouviu mais a sexy rouquidão na voz dele do que a pergunta. – Hmm... O que disse? – Podíamos passar a tarde no litoral norte, no Luna Park. – As pontas dos dedos dele percorreram a barriga dela, descendo ainda mais. – Ou podemos ficar aqui. Em seu torpor, ela sorriu lentamente. Ficar ali lhe parecia divino. Contudo, um nome que Daniel mencionara ficara em sua mente. Scarlet já ouvira falar no parque de diversões mais famoso da Austrália, em sua imensa entrada em formato de rosto sorridente, e ela se lembrava... Scarlet se virou. – Não aconteceu um acidente lá há vários anos? Antes que ele pudesse perguntar, ela explicou: – Não sei ao certo... Talvez eu tenha lido sobre isso em algum lugar. Daniel a olhava com curiosidade, sem dúvida se perguntando do que mais ela teria se recordado. – Houve um acidente. No túnel do trem-fantasma. – Pessoas morreram. – Foi há 40 anos. Tudo está modernizado e com inspeções de segurança regulares. Ainda assim... 72


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Ela segurou o áspero maxilar dele entre as mãos. – Tem problema se não andarmos em nenhuma montanha-russa hoje? Daniel deu risada. – Onde está minha pequena caçadora de emoções? Está sendo moderada pela Scarlet mais sensata e madura, pensou ela. E mudou de assunto: – Nós não íamos ver o seu pai? Daniel comentara que queria pôr a conversa em dia com ele. Então, Scarlet se lembrou de qualificar suas palavras: – Quero dizer, seu pai adotivo. Daniel queria mesmo fazer uma visita a Owen. Logo telefonaria para ele. Primeiro, no entanto, precisava satisfazer uma necessidade, que parecia ficar mais poderosa a cada dia. Baixou a cabeça e deu um beijo em Scarlet que apenas o deixou querendo mais. Profundo, minucioso, mas também cheio de significado. Estava feliz por ela não ter querido passear. Não que ele não fosse gostar de lhe mostrar os pontos turísticos da cidade, de ver os olhos dela se arregalarem e ouvir sua risada toda vez que lhe apresentasse algo novo. Todavia, ao prová-la novamente, ao senti-la contra si, ele quis levá-la para a cama primeiro. Pretendia tirar as roupas de Scarlet e cobrir o corpo dela de carícias antes de pensar em qualquer outra coisa. A não ser dar aquele telefonema. Relutante, Daniel interrompeu o beijo e deixou Scarlet admirando a vista. Pegando o celular, entrou e foi até suíte principal. Enquanto esperava Owen atender à ligação, Daniel pensou na forma como Scarlet reagira ao beijo pouco antes. A atitude mais desinibida dela fazia o sangue dele ferver tanto que se conter era um desafio. Contudo, naquelas últimas 24 horas, ele também não achara nada ruim a tendência dela a algo “menos explosivo, mais comedido”. Até cauteloso. O que o levava a pensar na hesitação dela a ir ao Luna Park quando, poucos dias antes, teria sido a primeira da fila para um base jump. E Scarlet se lembrara de que lera sobre um acidente que ocorrera quase meio século antes? Isso dizia que ela recuperara algumas lembranças. Alguma compreensão de quem ela fora antes. Sendo assim, fazia sentido que Scarlet estivesse se sentindo irrequieta ou cautelosa agora, presa e até dividida entre duas realidades. Talvez estivesse perguntando a si mesma como permitira que Daniel a convencesse a ir para tão longe de casa. Antes de sua queda, ela não queria vê-lo de novo. Chamara-o de playboy fã de esportes que só queria prazer. O completo oposto dela. Com suas recordações retornando, ela estaria secretamente chocada por eles terem se tornado tão íntimos? Daniel abria a torneira da hidromassagem do banheiro principal quando a ligação foi atendida. Seu pai adotivo riu ao ouvir a voz de Daniel. – Estou na cidade – disse Daniel. – O que vai fazer hoje à noite? – Visitar você. – Perfeito. Estou organizando um baile. – Angariando fundos para uma das suas causas comunitárias? 73


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– Sempre que posso. Ainda que Owen tivesse recusado doações diretas de Daniel, no passado ele sugerira causas que Daniel talvez quisesse apoiar com alguns trocados. – Importa-se se eu levar uma pessoa? – perguntou Daniel. – Contanto que sua amiga saiba dançar música country. Daniel nem perguntou por que seu pai achava que a pessoa seria uma mulher. Ao longo dos anos, Owen descobrira que seu filho adotivo desfrutava da companhia de mais do que algumas mulheres. Daniel, porém, nunca sentira o tipo de conexão que ele formara com Scarlet. Estranho. Entretanto, quando todas as peças do passado deles se encaixassem, ela iria querer saber dele ou lhe daria um chute no traseiro? Eles logo encerraram a conversa. Owen ainda tinha muito a organizar para a festa. Daniel deixou a torneira da hidromassagem aberta e voltou à sacada. – Precisamos de chapéus de caubói – disse ele saindo para a luz do sol. – Vamos a um rodeio? – Um baile country na casa de Owen. Mas talvez toquem um pouco de AC/DC depois. Segurando uma guitarra imaginária, ele fingiu tocar, atravessando a sacada pulando numa perna só. Perguntou a si mesmo qual Scarlet reagiria àquela ação – a mulher que amava aventura ou a dama muito mais contida de Washington. Quando os lábios dela se apertaram e sua expressão pareceu se estabelecer, Daniel endireitou o corpo devagar. Ele já tinha sua resposta. A socialite que retornava não achara aquilo divertido, ou ao menos não queria demonstrar que achara. Porém, a expressão dela se avivou. Saltitando, Scarlet prendeu o braço dele no seu e girou com Daniel, dançando. Rindo, aliviado, ele a ergueu nos braços e a levou para dentro. – A torneira está aberta – disse ela. – E a água, morna, e, em breve, estará cheia de espuma. No banheiro, ele a pôs sobre o felpudo tapete sobre o piso de azulejos. Em seguida, derramou uma mistura debaixo da torneira. Bolhas espumaram, e o perfume de lavanda os envolveu. – Parece incrivelmente relaxante. – Espreguiçando-se e fingindo bocejar, ela entrelaçou as mãos no cabelo. – Acho que vou acabar dormindo. – Você pode tentar. Ele tirou a camiseta dela. Como adorava o fato de Scarlet não usar sutiã... Daniel despiu apressado o jeans de Scarlet. Enquanto ela chutava a calça para longe, ele tirou também as próprias roupas. Então, entrou na banheira. Quando Daniel encontrou o ponto ideal para se acomodar contra o apoio para a cabeça, Scarlet entrou. Daniel saboreou cada momento enquanto ela mergulhava cuidadosamente na borbulhante banheira. Quando Scarlet submergiu, ele a fez girar, e ela montou em seu colo. Enquanto a boca de Daniel fazia amor com os seios dela, Scarlet segurava a cabeça dele, movendo-se também. A ereção latejava, crescia.

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Com os dedos entrelaçados no cabelo dele, Scarlet o acariciou enquanto a língua e os dentes dele brincavam com os mamilos dela. – Você pode passar o dia inteiro fazendo isso – Scarlet murmurou no instante em que deslizou um braço por entre os dois. Então, os mágicos dedos dela começaram a subir e descer pela intumescida extensão dele até deixarem Daniel prestes a explodir. Ele não sabia ao certo o que Scarlet estava fazendo com as unhas, mas era muito bom. Quando ela subiu um pouco com o corpo, a ponta da ereção de Daniel deslizou de leve para dentro dela. Os quadris de Scarlet se moveram quando ela o segurou e o puxou um pouco mais para cima. Daniel grunhiu. Sua língua contornou um contraído mamilo, lambendo-o até que Scarlet estremecesse, suspirando. Saber que ela o estava usando para ficar ainda mais excitada criou uma erótica imagem na mente de Daniel que o deixou latejando, à beira do clímax. Queria penetrá-la novamente, por inteiro desta vez. Contudo, ele não tinha proteção. Era difícil demais usar o preservativo na água. Não era seguro. Tirando-a de cima de si com todo o cuidado, ele saiu da banheira de hidromassagem e a ajudou a sair também. Pegou duas toalhas. Depois de envolver uma em Scarlet e enrolar a outra em sua cintura, Daniel a carregou para a suíte principal e a colocou na cama. Não se apressou ao enxugar as gotas de água e óleo perfumado da pele dela, enquanto Scarlet simplesmente permanecia deitada ali, seu olhar analisando o rosto dele enquanto ela permitia que Daniel movesse um braço ou uma perna para chegar aos lugares interessantes. Quando Scarlet enfim ficou seca, a água já se evaporara da escaldante pele dele. Daniel subiu com os lábios pela parte interna da perna dela, parando durante um longo momento para abri-la e usar a boca para garantir que Scarlet estivesse tão pronta quanto ele. Então, pegou um preservativo. Protegido, ele a beijou profundamente, mostrando-lhe o quanto aquilo significava. O quanto ela significava. Os braços e as pernas de Scarlet o envolveram quando Daniel se posicionou entre as coxas firmes. Contendo-se, ele investiu para dentro dela. Quando Daniel começou a se mover acima dela, seu braço se curvou em torno da cabeça de Scarlet. Concentrado na expressão sonhadora e nos lábios entreabertos de Scarlet, ele soube que aquela vez era diferente, ainda que não soubesse bem por quê. Talvez por estarem na sua casa, por terem sido a companhia um do outro por dias a fio. Por ele jamais ter estado com uma mulher parecida com Scarlet. Quando o atrito cresceu e o clímax de Daniel o atingiu com uma força que abalou seu corpo e sua alma, ele enterrou o rosto no manto do cabelo dela e quase sussurrou as palavras. Uma frase que não dizia desde a infância. Dominado pelas ondas, sentindo Scarlet se contrair ao atingir o orgasmo, Daniel sentiu uma pontada de preocupação. Um lampejo da realidade. Talvez ele não tivesse tanto controle da situação quanto imaginara.

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Daniel encomendara roupas e acessórios adequados: chapéus e botas para si, e um sexy colete preto para Scarlet. Eles chegaram cedo à casa de Owen, e a música já estava alta. Daniel levou sua linda acompanhante para os fundos da residência. O generoso quintal estava decorado com fardos de feno e cercas de madeira rústicas. Owen, de costas para eles, fazia os últimos preparativos. Quando Daniel baixou a música, seu pai adotivo se virou e estendeu-lhe os braços. – Você chegou sorrateiramente! Eles se estreitaram em um grande abraço. – Precisa de ajuda? – Tudo pronto. Então, Daniel notou Scarlet. Indo até ela com seu passo tranquilo, Owen estendeu a mão. Enquanto eles trocavam algumas palavras sobre a visita dela à Austrália, o estômago de Daniel se contraiu. Seu pai conhecera outras mulheres com as quais ele saíra, mas Daniel nunca tivera aquela sensação antes. A de que queria que eles se encontrassem de novo. Outro casal apareceu, e Owen também os cumprimentou, fazendo apresentações e servindo drinques. Apenas coisas leves. Owen também nunca bebia, e seus eventos beneficentes eram sempre isentos de álcool. Assim, aumentaram a música quando mais convidados chegaram. – Owen é adorável – disse Scarlet. – Não conheço ninguém que não concorde com você – respondeu Daniel. – Teve sorte por ele ter querido criar você. Ela o olhava como se estivesse dizendo: Sei que seu pai foi embora, que seus pais morreram, mas o que aconteceu entre uma coisa e outra? – Owen era um amigo da família. Ele se ofereceu para me acolher. – Mas o que houve com seus pais? Você não se importa de eu perguntar, não é? Na verdade, sim, eu me importo. – Não falo dessa parte da minha vida. – Nunca? – Jamais. Em 20 minutos, já havia quase cem pessoas conversando no perímetro da pista de dança de grama ou dançando. Um pequeno grupo armara uma churrasqueira. O cheiro de linguiças assando se misturava ao perfume de eucalipto. Todos estavam animados e querendo se divertir. Daniel pôs a conversa em dia com moradores do bairro que ele não via com frequência. Manteve Scarlet perto de si e não deixou de incluí-la nas conversas. Daniel ficou feliz quando um amigo de longa data disse que um antigo professor e mentor dele, o sr. Fielding, estava bem, visitando parentes na Inglaterra. Contudo, ninguém mencionou da confusão em que Daniel se metera na adolescência e de como Fielding salvara o rebelde Daniel McNeal da autodestruição. Em seus últimos anos do colégio, ele se tornara iracundo. Tão cheio de fúria que mesmo agora não era capaz de pôr em palavras o que de repente o fizera querer socar

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paredes, começar discussões e ser um idiota com praticamente todos, incluindo o pobre Owen. No dia em que Daniel roubara um carro para passear, o que quase terminara com o atropelamento de um casal, ele esperara ir para um centro de correção juvenil. Era como uma bomba-relógio, certo de que se tornaria alguém como seu pai. Não merecia, nem queria nada da vida. O dono do carro, porém, o sr. Fielding, vira algo valioso naquele desvirtuado garoto. Por trás do furioso jovem, ele vira a criança que sofrera com uma indescritível tragédia. O sr. Fielding dedicara tempo a seu aluno. Mantivera Daniel ocupado e focado. Demonstrara uma infindável paciência ao lhe ensinar tudo o que ele sabia de matemática. E, ao fim daquele ano, Daniel encontrara um propósito para a vida. Aos 19 anos, ele abrira sua empresa. Pouco depois, conseguira seu primeiro milhão. O primeiro bilhão viera alguns anos depois. Quando outra música terminou, Owen falou ao microfone: – Marco, Calum, levem meu filho e a dama dele para a pista, sim? – Vamos lá – disse Daniel a Scarlet. Eles se posicionaram no fim de uma fila de casais. Como nas danças anteriores, o pai dele deu instruções. A música começou, e a dança se iniciou de verdade. Todos pisavam com os calcanhares no chão, deslizavam juntos, batiam palmas e giravam as parceiras. Todos riram até o fim do número, e muitos ficaram arfantes, incluindo Scarlet. Daniel a tomou nos braços e a girou no ar. – Quer dançar de novo? – perguntou ele. Inspirando fundo, ela fez que sim, com avidez. Daniel, porém, vislumbrou outra coisa reluzindo nos olhos dela. Algo diferente. O mesmo brilho de apreensão que ele percebera mais cedo naquele dia. – Peguem seus parceiros para a Última Dança de Ned Kelly! Daniel e Scarlet se juntaram a um grupo de dez casais, formando duas colunas. Quando a música começou, ele se aproximou de sua parceira e se curvou. Ele e Scarlet dançaram um de costas para o outro. Então, virando-se, curvaram-se mais uma vez. Daniel girou Scarlet nos braços. Todos bateram palmas e com o pé no chão, com o casal principal girando e girando. Quando foi a vez de Daniel e Scarlet liderarem a dança, girando sem parar enquanto todos os outros paravam, batendo palmas, o calcanhar da bota dela escorregou. Daniel a pegou e a ergueu e, sem perder o ritmo, girou-a em seus braços. Quando o olhar dele se fixou no dela, numa fração de segundo, Daniel sentiu algo mudar dentro de si. Era como se ele fosse o noivo numa festa de casamento, e Scarlet... A música terminou. Entretanto, quando os outros casais se reuniram para ouvir as instruções da dança seguinte, Daniel puxou Scarlet para perto, observou seu rosto, seus olhos. Ela o fitava daquele jeito outra vez. Bem, se Scarlet tinha algo a dizer, ele queria ouvir. Daniel a conduziu para um lugar tranquilo atrás de alguns arbustos. E fez a pergunta direta: – Do que você se lembra? – De que adoro jujubas. 77


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– Do que mais? – Dos meus pais. Meu emprego. Minhas amigas, Cara Cranshaw, Francesca Orr... Eu me lembro da situação de Ariella. Sinto-me terrível por tê-la abandonado quando ela precisava de mim. – Você se lembra de nós? Um momento se passou antes de ela assentir. – De tudo? Scarlet assentiu novamente. Daniel inspirou fundo. – Há quanto tempo? – Já me lembrava de quase tudo desde antes de termos saído de Hinchinbrook. O resto veio durante a viagem pela estrada. Daniel recuou a cabeça. Quer dizer que ela já havia recuperado a memória quando eles fizeram amor no barco. Quando percorreram aquela estrada litorânea. Por que diabos Scarlet não lhe dissera antes? Quisera fazê-lo de bobo? – Então, você fingiu na maior parte do tempo. – Daniel, não foi assim. Por favor, não fique com raiva. – Sou o sr. Relaxado, lembra? Não fico com raiva. – Não mais. Não como quando era um delinquente. – Não me arrependo desta viagem, das coisas que fizemos. Do que compartilhamos. – Sei que vou ouvir um “mas”. Os olhos dela estavam suplicantes. – Mas é hora de voltar. – Para consertar sua reputação manchada? – Nos seus posts na Waves, você não disse o nome da pessoa com quem estava viajando. Não mostrou meu rosto em nenhuma das fotos. – Sim, tenho consideração. A melhor amiga da filha do presidente precisa tomar cuidado. Não que ele ou qualquer outra pessoa de fora soubesse com certeza que Ariella era filha de Ted Morrow. – Foi divertido. Tão romântico e louco... – Ela passou a palma da mão pela camisa xadrez dele. – Mas esta não sou eu. Não na realidade. Daniel se lembrou de todas as ocasiões em que eles fizeram amor. – Você quase me convenceu. – Eu estava feliz. Estou... feliz. Mas preciso voltar para casa. Daniel, eu me lembro mais do passado do que me lembrava antes. – Do que está falando? – Tenho uma lembrança. Ela sempre existiu... Está mais clara agora. Mais real. Mas, sempre que surge, sinto como se eu estivesse fora do meu corpo. É difícil explicar. Ele parara de respirar. Um coágulo sanguíneo? Psicose? Deus do céu! Daniel segurou os ombros dela. 78


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– Precisamos levar você a um médico. – Eu preciso é de respostas. E sei muito bem onde consegui-las.

CAPÍTULO DEZ

– Você falou tão pouco ao telefone – disse Faith sentando-se na poltrona reclinável. – Está tudo bem? – Depende do ponto de vista. – Scarlet se acomodou no sofá. – Recuperei a memória. Sentado em sua poltrona favorita, seu pai pareceu aliviado. – Quer dizer que se lembra de tudo de antes do tombo? – Sim. Até certo ponto. Momentos antes, quando Faith Anders abrira a porta de sua casa para sua filha e Daniel McNeal, Scarlet se atirara nos braços da mãe, esgotada e aliviada. Eles logo foram até ali, para a sala de estar da qual Scarlet se recordava tão bem. A cabeça doía de tantas imagens e pensamentos fraturados em sua mente. Ou ela estava enlouquecendo, ou um acontecimento de seu passado tentava lhe dizer algo que não deveria ignorar. – Já me lembrei da época da escola, da faculdade, de quando abri a empresa. Eu me recordo das minhas amigas. De vocês dois, claro. Mas também me lembro... de outros. A expressão de Faith mostrava preocupação. – Isso está parecendo um filme de terror. Vai nos dizer que está vendo fantasmas? – De certa forma. E também os ouço. Às vezes, até sinto o cheiro deles. Quando o rosto da mãe empalideceu, o pai de Scarlet pôs a mão no braço de sua esposa. – Scarlet, isso não tem graça. Você está assustando a sua mãe. – Também estou assustada – afirmou Scarlet. – É por isso que preciso saber do que vocês sabem. Faith ficou ainda mais pálida. – Lembro que eu tinha uma amiga quando mais nova – continuou Scarlet. – Uma menina que se parecia muito comigo. Costumávamos brincar num balanço de pneu. Uma mulher cuidava de nós e trazia limonada. O sr. Anders pareceu ter sido pego de surpresa. A voz dele saiu rouca: – Como você consegue se lembrar de algo tão antigo? 79


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– Você só tinha 2 anos. – Faith meneou a cabeça. As têmporas de Scarlet começaram a formigar. Ela estava certa. Mas por que a lembrança parecia tão vital? Por que não a deixava em paz? – Aquela mulher... ela era real, não era? As duas eram reais. – Scarlet se curvou à frente. – Quem eram? Por que eram tão importantes a ponto de eu me lembrar delas agora? – Durante toda a sua vida – começou Faith – discutimos se devíamos contar a você. – Contar o quê? – Você tinha uma irmã... gêmea. – Fechando os olhos, o sr. Anders levou a mão à testa. – Scarlet, ela morreu. Ao lado dela, Daniel segurou sua mão enquanto as lembranças do distante passado ficavam claras. Mas nada daquilo fazia sentido. Uma irmã? Que morrera?! Então, Scarlet se recordou de mais coisas. Aquela garota... – Ela caiu do balanço – disse Scarlet, mais para si mesma. – Bateu a cabeça. – Como eu. – Sim, ela caiu – confirmou o pai dela. – E quando começou a ter febre, disseram que era culpa do acidente. Mas sua irmã morreu de meningite. Ficamos arrasados. Principalmente a sua mãe. – Isso não faz sentido. Essa menina era minha irmã. Gêmea. – Ela analisou o rosto pálido de Faith. – Mas, na minha cabeça, você não é a mãe dela. Aquela outra mulher... – Aquela outra mulher de quem você se lembra, Scarlet... – O pai respirou fundo. – É sua mãe biológica. Nós nos casamos um ano antes de você nascer. Depois do acidente, ela foi dominada pela tristeza... Quando ele baixou a cabeça, incapaz de prosseguir, Scarlet olhou para Faith e se forçou a fazer a pergunta presa em sua garganta. – Você não é minha mãe? Os olhos de Faith reluziam com lágrimas não vertidas. – Sempre tentei ser a melhor mãe que eu podia. – Imogene... sua mãe... se culpou por não ter vigiado vocês de um jeito melhor – afirmou o sr. Anders. – Mas ela nos vigiava, sim. – Scarlet fechou os olhos, e a lembrança retornou, mais vívida do que nunca. – Na minha mente, ela está sorrindo, feliz, sempre presente. – Na véspera do funeral – falou o sr. Anders – deixamos você com alguns amigos. No dia seguinte ao da cerimônia, Imogene foi embora. Simplesmente... desapareceu. Tentei encontrá-la. Consegui algumas vezes, mas ela se recusou a voltar para casa. Sua mãe... quero dizer... Faith era uma grande amiga nossa. Quando precisei de ajuda, ela se apresentou. Você logo começou a chamá-la de mamãe. Talvez tenha sido errado, mas ficamos agradecidos por você parecer inabalada por aquilo tudo. – Então, vocês permitiram que eu esquecesse. – Scarlet se sentia vazia e traída. – Você era tão inocente... – Faith não enxugou a lágrima que escorria por seu rosto. – Tínhamos planejado lhe contar quando você ficasse mais velha, mas não quisemos abalá-la no último ano, nem atrapalhar seu ótimo desempenho na faculdade. 80


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Então, você começou a construir uma carreira... – Uma expressão de derrota a dominou. – Acho que todos queríamos esquecer. – Onde está Imogene agora? – perguntou Daniel. – Não faço ideia – afirmou o sr. Anders. – Depois que ela assinou os documentos do divórcio, para que eu e Faith pudéssemos nos casar, não a vi mais. Daniel tinha outra pergunta: – Onde ela estava na última vez em que você entrou em contato? O pai de Scarlet grunhiu. – No México. Quando a cabeça de Scarlet baixou e seus ombros desabaram, Daniel apertou-lhe a mão. – Prometo que vamos encontrá-la – disse ele. – Vamos começar a procurar agora mesmo. Scarlet se sentia tão murcha, tão vazia, que mal conseguiu reunir forças para falar: – Já faz 25 anos. Ela não me procurou nem uma vez. Como uma mãe faz isso com a filha? Daniel apoiou sua testa na de Scarlet. – Infelizmente, você vai ter que perguntar isso a ela.

CAPÍTULO ONZE

Incrível o que muito dinheiro é capaz de fazer. Depois da revelação dos pais de Scarlet dois dias antes, Daniel prometera procurar em toda parte. Jurara que eles encontrariam Imogene e rápido. Agora, ao sair da limusine naquele quente dia na Carolina do Sul, Scarlet se sentia agradecida por Daniel ter acesso a todos aqueles recursos e estar tão disposto a ajudar. Depois de saírem da casa dos pais dela, eles foram direto para a cobertura de Daniel, onde ele dera alguns telefonemas. Em menos de uma hora, os detetives particulares mais bem-sucedidos da Costa Leste já estavam no caso. As últimas 24 horas foram um agonizante jogo de espera. Comida não interessava a Scarlet. Ela não tinha sono. A espera por notícias a reduzira a um monte de nervos. Tantos anos atrás, ela perdera a mãe e uma irmã... gêmea. Como seus pais puderam guardar aquele sombrio segredo durante tanto tempo? Ela se sentia a maior idiota do mundo. Como se todos os momentos de sua vida tivessem sido mascarados por uma mentira. Essa percepção fazia Scarlet se sentir ainda pior por não ter contado a verdade a Daniel. Mas não quisera que a aventura terminasse. Ele parecera tão magoado quando a

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verdade enfim surgira, na casa de Owen... Com boas intenções ou não, ela mentira para ele, assim como seu pai e sua mãe adotiva, Faith, mentiram para ela. Scarlet pensou em Ariella. Era estranho que, agora, as situações delas fossem tão parecidas. As duas queriam encontrar a mãe biológica. Com sorte, a busca de Scarlet terminaria naquele dia. Naquela manhã, o detetive particular lhes fornecera um endereço. A mãe de Scarlet, Imogene Anders – que agora usava o nome de solteira, Barnes – morava naquela casa comum em Myrtle Beach. Não tornara a se casar, nem tivera outros filhos. Quando ela e Daniel chegaram à porta da frente, marcada pela tinta verde que descascava, Scarlet foi dominada pela empolgação. Quase incapacitada pela ansiedade. Feliz, mas ainda recuperando-se de tudo o que a levara até aquele momento. Havia tantas perguntas... O detetive também lhes dera o nome e a descrição de uma mulher que dividia aquela casa com Imogene. Quando a porta se abriu, Scarlet imaginou que aquela devia ser a sra. Rampling. Com cerca de 60 anos, ela era bem cuidada, com cabelo grisalho, e usava grandes óculos. Daniel se apresentou, e também Scarlet. A mulher respondeu anunciando: – Eu avisei ao detetive. Isso não vai dar certo. Scarlet se irritou. Apesar de a sra. Rampling ter dito que Imogene Barnes morava mesmo ali, ela se recusara a responder a mais perguntas do detetive. E Imogene também não quisera atendê-lo. – A senhora sabe da situação. – Scarlet se impôs. – Francamente, não estou preocupada com sua opinião. – O que Scarlet quer dizer – interveio Daniel com um tom diplomático – é que foi um choque descobrir a respeito da mãe biológica. Se a senhora puder dizer à srta. Barnes que a filha dela agradeceria se tivesse alguns minutos de seu tempo, ficaríamos muito gratos. A sra. Rampling analisou Scarlet. – Você não parece muito forte. Scarlet engasgou. – O que isso tem a ver? – Parece que teve uma vida fácil, menina. Talvez seja melhor deixar para trás parte dessas coisas mais difíceis. O estômago de Scarlet se revirou. Fora assim que Imogene falara de sua família? Que era difícil demais? – Se Imogene tiver algo a dizer – falou Scarlet, preparando-se – ela terá de sair aqui e dizer pessoalmente. Os lábios da sra. Rampling se contraíram. Scarlet não era completamente desprovida de solidariedade. Confrontar erros, aceitar responsabilidades não eram coisas fáceis. Ela já sabia que fugir dos pontos negativos de uma situação podia se tornar um vício. Perder uma filha, claro, estava em outro nível. Era uma tragédia da qual todos iriam querer se esquecer, se fossem capazes. Imogene Barnes, porém, tinha outra filha; uma que ficara calada durante 25 anos e, agora, merecia um pouco do tempo dela. 82


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– Tenha a bondade de dizer a Imogene que estou aqui – pediu Scarlet. – Diga que não irei embora. Quando a sra. Rampling abriu um solidário sorriso e começou a fechar a porta, a paciência de Scarlet se esgotou. Ela passou direto pela mulher, adentrando a casa. Um instante depois, sentiu os dedos de Daniel tocando seu braço, quase a segurá-la. Ela mal conseguia acreditar que estava violando a lei, entrando numa residência sem permissão. Contudo, momentos extremos exigiam medidas extremas. A tinta das paredes amarelara e o teto parecia baixo demais. Se sua mãe não a tivesse abandonado, talvez Scarlet houvesse sido criada ali. Algo muito diferente da pompa de Georgetown. – Imogene Barnes! – gritou Scarlet. – Sou sua filha. Scarlet. – Ouvindo os passos de Daniel atrás de si, ela avançou mais pelo corredor. – Por favor, quero falar com você. Um forte braço envolveu-lhe a cintura. Scarlet estava trêmula. – Quero que ela diga na minha cara que não quer me ver, Daniel. Nem preciso de uma explicação. Mas mereço a cortesia de... As palavras dela se interromperam. Algo se mexendo no quarto ao lado chamou sua atenção... uma pessoa sentada num sofá, de frente para uma janela em arco. Era possível ver apenas a parte de trás da cabeça da pessoa. O cabelo tinha uma cor incomum... um tom mais fosco do vermelho-dourado da própria Scarlet. Hipnotizada, Scarlet entrou no cômodo devagar, enquanto a sra. Rampling protestava: – Não vá diretamente até ela. Você irá assustá-la. A sra. Rampling estava enganada. Scarlet, sim, fora a criança que devia ter ficado apavorada quando a mãe não voltara para casa. – Imogene não conhece você. – A sra. Rampling segurou-lhe o braço. – E eu não a conheço. – Ela fora até ali resolver justamente esse problema. – Imogene. Mãe. Scarlet contornou o sofá. E parou no momento em que a mulher do cabelo ruivo desbotado desviou sua atenção da janela. Seus olhos eram verdes, reluzentes. Ou seriam vidrados? Ao ouvir a voz da única filha que lhe restava, o olhar dela não se iluminou de reconhecimento. Não se cobriu de vergonha. Sua expressão dela... não mudou em nada. Scarlet se agachou. Aquele rosto era desconhecido, mas tão incrivelmente familiar. Scarlet se sentia olhando numa bola de cristal que previa o tempo em que ela também se tornaria pele e osso. Com o corpo arrasado. A mente vazia. Ficando tonta, Scarlet suspirou quando Imogene se virou de novo para a janela. – O que houve? – sussurrou Scarlet. A sra. Rampling se sentou no sofá ao lado de sua velha amiga. – Os médicos chamam de Alzheimer precoce. Atinge algumas pessoas até de 30 anos. Os pensamentos começam a se embaralhar. Coisas pequenas no início... esquecimento de certas palavras, confusão com tarefas cotidianas. À medida que pioram, elas se sentem como se as pessoas estivessem falando delas, acusando-as... – A sra. Rampling fechou os dedos acometidos por artrite sobre uma das ossudas mãos de Imogene. – Na maioria dos dias, ela nem sequer se lembra de mim. 83


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– Ela falou alguma vez de seu passado? Alguma vez... – Scarlet engoliu em seco para vencer a emoção que bloqueava sua garganta. – Comentou sobre as filhas? – Imogene disse que você ficaria melhor sem ela. No início, discuti. Ela devia a todos, inclusive a si mesma, voltar para casa e resolver os problemas. Mas acho que Imogene sabia, mesmo naquela época. Lidar com aquele horrível acidente, com a sensação de culpa... isso teria sido bastante difícil mesmo sem os pensamentos “embaralhados”. – E a senhora cuidou dela durante todos esses anos? – Ela era uma boa amiga. E me ajudou muito quando meu marido inútil fechou nossas contas bancárias e me expulsou de casa. Genie e eu... somos como uma família. Família? Scarlet se permitiu absorver aquela palavra. Então, quase sorriu. Ela sempre tivera uma família. Agora, estava feliz por sua mãe ter também, de certa forma, desfrutado desse tipo de relacionamento. – É difícil – continuou a sra. Rampling – quando ela fica confusa a ponto de começar a gritar ou até chorar. Imogene gosta de rotina. Tranquilidade. Também aprecio manter as coisas assim. Ela amava vocês. Se é que isso existe, acho que ela amava demais. Scarlet seguiu o olhar de Imogene. O jardim estava repleto de tulipas. No meio de todas as flores, havia um gigantesco carvalho, e, ainda que Scarlet soubesse da verdade – que não era real – imaginou o rangido de uma grossa corda num dos galhos. Então, viu um balanço de pneu e duas meninas brincando. Quis acreditar que sua mãe também enxergava aquilo. Quando Scarlet saiu para a luz do sol, seus olhos estavam cheios de lágrimas. Daniel se aproximou e a envolveu com os braços. Scarlet se apoiou nele e respirou fundo. Durante toda a jornada até ali, ela jurara não chorar. – Está tudo bem. – Daniel lhe massageava as costas. – Ela não se lembra de mim. Não se lembra de nada. – Você fez o que se dispôs a fazer. Vamos para casa. – Elas devem viver com dificuldade. A sra. Rampling... será que ela tem alguma ajuda? Daniel a abraçou com mais força. – Vou fazer um cheque. – Independentemente do que tenha acontecido no passado, Imogene... minha mãe merece os melhores cuidados. Sei que meu pai também acharia isso. Ela precisa de uma enfermeira em tempo integral. Um bom médico. – Providenciarei tudo isso. Ela pressionou a outra face molhada na camisa dele. – Ela está tão doente... Só Deus sabe como deve ter sofrido. – Imogene passará a ter cuidados em tempo integral. – Daniel levantou o queixo dela e a encarou. – Você aguentou muita coisa nos últimos dias. O que acha de descansarmos? Scarlet franziu o cenho. Ele queria que eles fossem embora. Já? – Preciso ficar um pouco mais. Garantir que tudo se resolva. 84


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– Certo. Reservarei um quarto de hotel para uns dois dias. – Vou precisar de mais do que isso. – Uma semana? – Eu... não sei. – Scarlet levou a mão à testa. Seus pensamentos giravam. Sua mãe a abandonara quando criança, mas Scarlet compreendia por que aquilo acontecera, como a condição de Imogene, que se deteriorava, poderia ter influenciado sua decisão de permanecer longe. Scarlet queria que seu pai tivesse se esforçado mais para levar a esposa dele de volta para casa. Que sua mãe tivesse recebido ajuda antes. Não havia nada que ela pudesse fazer agora. Mas não poderia... não queria abandonar sua mãe. Então, Scarlet se lembrou de Faith, da mulher que cuidara dela, que a amara durante todo aquele tempo como uma mãe deveria amar. A pessoa que ela chamava de mãe podia ser arrogante e controladora às vezes, mas também sempre ficara perto de sua família. Apesar de todos os seus defeitos, Faith Anders sempre tivera boas intenções. Scarlet sabia que ela compreenderia as ações de sua filha. – Não tive Imogene na minha vida – disse Scarlet. – Ela não teve a mim. Quero ficar com ela, naquela casa, até ter certeza de que fiz tudo o que podia. – Talvez seja melhor perguntar à sra. Rampling antes de você se estabelecer lá. – O melancólico sorriso dele se abrandou, e Daniel pegou as mãos dela. – Dê um tempo a si mesma. Deixe que um profissional venha avaliar a situação. Fazia sentido. A mãe biológica de Scarlet precisava de uma abrangente avaliação, isso era óbvio, e Scarlet tinha um emprego em Washington. Mas queria ficar ali para ajudar. Então, finalmente lhe ocorreu: – Ela pode voltar comigo! – Scarlet, a casa dela é aqui. Você ouviu a sra. Rampling. Imogene fica confortável em ambientes conhecidos. Com pessoas conhecidas. – A sra. Rampling também poderia vir. Ou eu poderia dar férias a ela. A pobrezinha merece um descanso. – Acho que você não entende a responsabilidade que está querendo assumir. – Sou a filha dela. – Querida, ela não sabe disso. Scarlet soltou as mãos dele. Daniel não estava prestando atenção. – Não posso deixar você dar dinheiro a elas – disse Scarlet – e simplesmente ir embora depois. Daniel passou a mão pelo cabelo. Em seguida, olhou para a porta, com a tinta verde descascando. – Não sei bem o que você quer que aconteça. – Quero ajudá-la. – Não há mais como ajudar. Pelo amor de Deus, Scarlet, você sabe disso. – Você conseguiria fazer isso com a sua mãe? Ir embora? Desistir?

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O olhar dele ficou sério. A voz, mais profunda: – Não estamos falando de mim. – Talvez, se você não tentasse se esconder do seu próprio passado, não pensasse no meu dessa forma. O sorriso dele foi fraco. – Isso não vai funcionar. – Sendo assim, pare de tentar me convencer a não fazer o que acho que tenho que fazer. Agradeço por tudo, Daniel, mas tenho de agir da forma como julgo que é certo. É a minha decisão. Um estranho olhar recobriu o azul que reluzia nos olhos dele. – Você já encarou isso. Precisava enfrentar. Mas, agora, tem de seguir com a sua vida. Mantenha contato com elas, mas não pode permitir que isso a destrua. – Também não posso deixar de lado. – A alternativa vai acabar com você. Vai deixá-la furiosa com coisas que não tem como mudar. Com coisas que vão bagunçar a sua cabeça até você querer destruir algo, o que quer que seja. Ele estava falando de si mesmo, não dela. – Não precisa ser assim, Daniel. Se eu a levar para casa, contratar alguns especialistas, tirar um tempo de folga... – Certo. – Erguendo as mãos e com a expressão sombria, ele recuou. – A vida é sua. A escolha é sua. Ela queria gritar: Não tenho escolha! – Bem, o que vai fazer agora? – perguntou Daniel. – Agora? – Neste exato instante. – Vou voltar lá para dentro e falar com a sra. Rampling. Explicarei a ela o que tenho em mente e por que acho que é importante. – E se ela disser “não”? – Posso ir à Justiça. – Divertido – resmungou ele. – Vou fazer isso. – Independentemente do que você disser. – Então, fará sem mim. – Ele olhou para a limusine. – Pegarei um táxi e deixarei o carro. Você vai precisar dele. Avise quando quiser voltar para casa, para eu providenciar o avião. Por que ele não tentava entender? Sair de sua própria realidade e compreender os motivos dela? A vida não era só fugir. – Posso providenciar meu próprio transporte. – Se é assim que você quer... Scarlet engoliu em seco. – É o que quero. 86


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Daniel a olhou durante um longo e tenso momento. Quando o maxilar de Daniel relaxou, Scarlet achou que ele pediria desculpa, que a abraçaria, beijaria. Todavia, ele apenas suspirou e, balançando a cabeça, foi embora.

CAPÍTULO DOZE

– Ela está se adaptando bem? Descendo a escadaria de sua casa de dois quartos em Georgetown, Scarlet hesitou ao ouvir a pergunta de sua mãe adotiva. Faith visitava sua filha pela segunda vez desde que Scarlet trouxera Imogene consigo. Scarlet não sabia ao certo como responder. A ideia de ter sua mãe biológica morando em sua casa surgira com a melhor das intenções. Convencer a sra. Rampling fora difícil. Entretanto, ela acabara concluindo que, se Imogene ainda tivesse alguma parte de sua memória, iria querer ficar com sua filha. Contudo, ela insistira em ir junto e ficar também em Washington. E Scarlet estava agradecidíssima por isso. Uma equipe de saúde fora chamada para avaliar Imogene. No entanto, até mesmo a enfermeira em tempo integral tinha dificuldades quando Imogene entrava em surto. Pobrezinha... Imogene estava tão magra e desgastada... Mal parecia que teria forças suficientes para mover um braço, que dirá para explodir. – A sra. Rampling me garantiu que ela está bem. A enfermeira afirmou que logo precisará ser alimentada por via intravenosa. Ela recomendou cuidados em tempo integral numa instalação que seja especializada nesse tipo de paciente. Faith olhava, apática, para as teclas do piano. Tocou alguns acordes de uma melodia que Scarlet reconheceu. Scarlet, porém, não queria tocar. Desejava apenas que todas as sensações ruins fossem embora. Quisera respostas, mas, ao encontrá-las, ela simplesmente criara mais perguntas. – O que vou fazer? A enfermeira quer que Imogene vá para um lar para idosos, a sra. Rampling está esperando pacientemente para voltar com a amiga dela para Myrtle Beach e eu sou responsável por toda essa confusão. Faith tocou mais alguns acordes. As seguras lembranças daquela música fizeram Scarlet se sentir perdida. Ela apoiou os dedos nas teclas. A superfície lisa e fria a fez relaxar. – Consegue entender que o que aconteceu todos aqueles anos atrás não foi culpa sua de jeito nenhum, Scarlet? Se você a tivesse conhecido antes daquele horrível dia... Imogene era tão otimista com a vida! Generosa. Engraçada. Não iria querer que você se sentisse responsável por ela agora. Scarlet se sentia dividida. Triste pela perda, feliz por ter conhecido aquela outra Imogene, mais jovem, ainda que apenas por pouco tempo. Suspirando, ela também tocou a melodia. – Ela foi uma boa mãe – disse Scarlet, tendo certeza daquilo. 87


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– E talentosa. Quando você começou a se sentar ao piano, soubemos que tinha herdado dela esse dom. Sei tocar, mas Imogene era brilhante. – Não toco há anos. – Devia começar novamente a tocar algumas das suas músicas preferidas... – Faith abriu um terno sorriso. – E também encontrar algumas novas. Elas tinham conversado outra vez sobre os acontecimentos após aquele trágico acidente. Faith e o pai de Scarlet lhe mostraram fotos e a acompanharam quando ela pedira para visitar o túmulo de sua irmã. O nome dela era Laura. A sensação de ter sido traída desaparecera. Scarlet compreendera toda a situação. Apesar de tudo, ela também ganhara algo. Uma segunda mãe, que, apesar dos defeitos, dera o melhor de si para proteger a filha. Scarlet se perguntava que tipo de relacionamento ela teria com seus próprios filhos. No entanto, desde aquela discussão com Daniel, não conseguia mais se imaginar se casando ou mesmo tendo uma família, especialmente depois que os médicos lhe disseram que havia chance de a doença de Imogene ter sido passada para ela. Scarlet e Daniel haviam conversado poucas vezes, em curtos telefonemas. Contudo, com o lento passar dos dias, em várias ocasiões, Scarlet quase se rendera a telefonar para ele. Sentia mais falta de Daniel do que jamais imaginara ser possível. Em noites insones, ela se lembrava da risada dele, da força de seus braços a envolvê-la. Sentia saudade das conversas e das aventuras. Queria que ele olhasse em seus olhos e lhe repetisse o que ela significava para ele. Daniel McNeal, porém, só queria se divertir. Scarlet costumava se perguntar onde ele encontrava tempo para administrar uma empresa imensamente bem-sucedida. Tudo em Daniel parecia tão natural. Tão viciante. Ainda assim, sempre que aquela sensação de solidão ameaçava engoli-la, Scarlet lembrava a si mesma que ele já devia ter superado o relacionamento dos dois àquela altura. Ele não deixara claro que o mundo dela era muito cheio de restrições, entediantes protocolos e responsabilidades? A verdadeira Scarlet retornara e sempre soubera que, no que realmente importava, ela e Daniel McNeal simplesmente não eram compatíveis. Scarlet só esperava não levar a vida inteira para convencer seu coração disso. – Deve ter sido difícil para você e papai guardar esses segredos durante tanto tempo. – Não queríamos arriscar a possibilidade de você crescer achando que não era amada. Porque você era, e muito; e continua sendo. Às vezes, quando estamos envolvidos demais com uma situação... com uma pessoa... é difícil saber o melhor. Scarlet a olhou e viu Faith sorrir, cheia de compreensão. Talvez ela não fosse a única que tivesse mudado naquelas últimas semanas. Naquele momento, ela se sentiu íntima de Faith, sua mãe, como nunca antes. Tocaram juntas até o final da música. Então, abraçaram-se. Demorada e fortemente. Um abraço de mãe e filha. – Sempre me senti privilegiada por ter criado você, Scarlet. Queria dar tanto a você, sufocá-la de amor, garantir sua segurança. Admito que houve momentos em que fui longe demais. Como quando deixara evidente sua preocupação em relação a Daniel. Scarlet tornaria a encontrá-lo no casamento de Cara e Max. Ele a trataria com desdém? Ou a tomaria nos braços e a levaria embora? Seria mais provável que ele levasse uma 88


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acompanhante. O estômago de Scarlet se revirou. Achava que não seria capaz de suportar isso. Scarlet fechou o piano. A mão de sua mãe repousou sobre a dela. – Não preciso lhe dizer que fiquei feliz quando você começou a sair com Everett. Eu achava que precisava vê-la estabelecida, bem casada. Tinha me convencido de você estava feliz. – Esbarrei com Everett outro dia. Eu ia fazer a coisa educada e dizer oi. Ele simplesmente me olhou de um jeito frio e distante, como se eu não existisse. Faith meneou a cabeça. – Ah, querida. Sinto muito. Scarlet não queria que sua mãe se sentisse mal. Muitas mães bancavam o cupido para as filhas. Scarlet, contudo, jamais repetiria aquele tipo de erro. Faith afastou uma mecha de cabelo do rosto da filha. – Gosto do seu cabelo solto. Scarlet estava prestes a dizer Daniel também gosta, mas, em vez disso, simplesmente falou: – Obrigada. Faith baixou o queixo. – Teve notícias de Daniel? – Ela sabia da discussão, de como sua filha ficara triste. – Nós nos falamos rapidamente ao telefone. Ele pediu desculpa por termos discutido. – Mas você não aceitou? – Daniel McNeal só quer saber de ser livre, de tranquilidade. Ele vive numa nuvem. – Admito que a reputação dele não me pareceu boa. Posar nu para um calendário... Ele ainda vai fazer isso? – Não sei. – Se fizesse, o calendário venderia aos milhões, especialmente com aquela tatuagem de borboleta num lugar que o público não costumava ver. – Acho que é por uma boa causa... – Faith suspirou. – A questão é que, depois de ver como vocês tinham ficado íntimos... depois de ver a maneira como ele olhava para você no retorno da viagem... Bem, mudei de ideia. Acredito que ele goste de verdade de você. Scarlet engoliu em seco para conter a crescente emoção, o desejo de que tudo pudesse ser diferente. – Ele encontrará outra pessoa. Várias. – Não seria maravilhoso se pudéssemos deixar todos aqueles que amamos felizes o tempo inteiro? Scarlet observou a expressão compreensiva de sua mãe. E precisou admitir: era verdade. Apesar de ela desejar não amar Daniel, amava-o e queria fazê-lo feliz. Entretanto, depois de ver a expressão dele, sua reação em Myrtle Beach, sabia que aquilo jamais aconteceria. Daniel tinha suas prioridades, e Scarlet, as dela. Aquela 89


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separação podia doer mais do que uma faca em seu coração, mas, no final das contas, era melhor que tudo tivesse terminado.

Bem cedo na manhã seguinte, Scarlet chegou à DC Affairs e foi direto para o escritório de Ariella. – É tão bom ter você de volta! – Ariella a abraçou apertado. – Por suas mensagens de texto, percebi que tinha muita coisa acontecendo. Scarlet contou à sua amiga os detalhes de sua viagem à Austrália. Ariella suspirou quando ouviu sobre as praias e os coalas. Scarlet contou como sua memória retornara completamente. Por fim, falou daquelas lembranças muito antigas e de como encontrara Imogene, trazendo-a consigo. Claro, sendo uma das amigas mais queridas de Scarlet, Ariella compreendeu muito bem. – E Daniel McNeal? – Desapareceu. – Bem, durou pouco, mas tenho certeza de que foi incrivelmente doce. – Ele não é conhecido por longos relacionamentos. Ainda bem que o nosso não virou manchete. Eu não queria nenhum escândalo afetando os negócios aqui. – Acho toda essa história tão romântica! E, como o romance é uma parte muito importante do que fazemos aqui na DC Affairs, quem sabe? Alguns vazamentos de informação poderiam ter nos feito bem. Scarlet sorriu. Não pensara por aquele lado. – Falando em vazamentos... Ouvi o noticiário no rádio no caminho até aqui. – Sobre o comitê formado no Congresso para investigar o escândalo do roubo de informações? – Também. A explicação do ANS de que fora uma governanta quem lhes contara a história da paternidade não se sustentava. Escutas telefônicas foram encontradas, contas de e-mail, invadidas. As autoridades estavam determinadas a encontrar e punir aqueles que encomendaram as espionagens, violando a lei. O comitê dissera ter recebido evidências em áudio que confirmavam que dois repórteres do ANS, Troy Hall e Brandon Ames, haviam tramado a contratação de hackers para gravar a atividade telefônica e invadir os computadores de determinados parentes de Eleanor Albert, a mãe biológica de Ariella, e de velhos amigos de Fields, Montana, onde o presidente e sua namorada dos tempos de colégio tinham crescido. Ninguém fora acusado ainda. O nome de Daniel também foi mencionado como um dos especialistas que seriam chamados para dar seu parecer. Ele não ficaria feliz com isso. Ariella, porém, devia ter ficado grata, ao menos de certa forma, por alguém ter infringido a lei e vasculhado o passado do presidente. – Então, acho que o mundo inteiro já sabe – falou Scarlet.

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A imprensa enlouquecera. Todos queriam saber se Ted Morrow dissera a verdade ao afirmar que não fazia ideia de que era pai. – Não vou dar entrevistas. Mas sim. É oficial. O presidente Morrow é o pai biológico de Ariella Winthrop. – Um pequeno sorriso curvou os lábios de Ariella. – Nós nos falamos no telefone. Ele quer me conhecer. – Ora, é claro que quer! – Tenho tantas perguntas. – Conheço esse sentimento. – Temos tanta coisa a compensar. – E é só questão de tempo até encontrarem a sua mãe biológica. – Mesmo que ela não queira ser encontrada. Talvez seja melhor se não a acharem. – Ela lançou um olhar preocupado para Scarlet. – Não estou dizendo... Que talvez teria sido melhor Scarlet não ter encontrado Imogene? – Sei que não está – garantiu Scarlet a sua amiga. – E nós, que, alguns meses atrás, pensávamos que nossas vidas não eram complicadas... Elas se encontraram no centro do escritório e se deram as mãos. – Não sei o que eu faria sem minhas amigas. Do fundo do coração, Scarlet respondeu: – Você nunca vai precisar descobrir, meu anjo.

CAPÍTULO TREZE

Daniel fez cara feia e pedalou mais rápido. – Não vou telefonar para ela outra vez. Morgan arqueou uma das sobrancelhas. – Talvez seja uma ideia sábia. – Ela pode ficar aborrecida com o que aconteceu em seu passado, pode se irritar falando disso quanto quiser. – Daniel aumentou a velocidade em sua bicicleta ergométrica de última geração. – Mas eu não preciso estar por perto para vê-la se autodestruir. – Evidente. Sua Scarlet pode cuidar da própria vida. – Ela não é minha Scarlet. – Ele parou de pedalar. – E por que tenho a impressão de que você não está do meu lado? – Eu estaria aqui se não estivesse? – Morgan foi até a esteira ergométrica ao lado da bicicleta. – É que... Bem, gosto dela. 91


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– Também gosto. Apesar de ela me enlouquecer. – Daniel voltou a pedalar loucamente. – Quando ela finalmente me contou que havia recuperado a memória quase no momento em que chegamos à Austrália, fiquei irritado. Eu me senti um idiota, mas deixei para lá. Quando voltamos, Scarlet quis encontrar a mãe biológica. Então, não poupei esforços e consegui o melhor detetive particular que podia. Ele encontrou a mulher, e eu levei Scarlet de avião até a Carolina do Sul; sem problema. Mas vou lhe dizer uma coisa. Não é nada divertido ver uma mulher ficar tão desesperada. Vê-la chorar. O peito dele doía tanto que Daniel pensou que estava tendo um infarto, e não por causa do exercício. – Encontrar a mãe verdadeira depois de tanto tempo... vê-la daquele jeito. Scarlet ficou arrasada. Não a culpo. – Ele reduziu a velocidade. – A questão é que o que ela está fazendo agora é errado. – Na sua opinião. – Penso bem nas coisas. Determino os resultados. Faço planos à prova de erro. Em suma, raramente me engano. – Raramente. – O que quer dizer? – Que você não tem razão. Você a magoou demais. Vá pedir desculpa. – Eu já pedi. Pelo telefone. Três vezes. – Pelo telefone. – Digo a ela que sinto muito. Ela diz ótimo, obrigada e desliga. Digo que sinto saudade. Ela diz ótimo e desliga. – O que você disse da terceira vez? – Rastejei. Bastante. Ela não acreditou em mim. – Por que acha isso? – Porque ela desligou. – A essa altura, eu já teria mudado de número. – Morgan subiu na esteira. – Tente outra vez. Pessoalmente. E faça dar certo. Caso não tenha percebido, você está apaixonado por Scarlet Anders. Daniel parou. Pensou. Morgan tinha uma boa intuição... – Acha possível? Morgan começou a correr. – Você não é mais nenhum menino. Pegando a toalha, ele enxugou o suor que escorria de seu rosto e peito. – Não sou tão velho assim. – Se quiser esperar, tudo bem... – Morgan imprimiu maior velocidade. – Mas não reclame se ela escapar. – Você está falando de me ajoelhar. De me casar. – Imagine os maravilhosos convidados. – Morgan já estava correndo com a velocidade e a graça de uma gazela. – Não se esqueça de contratar uma boa banda.

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Daniel não sorriu. – E se eu não tiver sido feito para ter esposa e filhos? – Todos precisam de alguém para amar. – Scarlet me disse durante o último telefonema... – Ele baixou a voz: – Que está preocupada com a possibilidade de ter herdado a doença da mãe. – É possível. – Morgan o olhou com seriedade. – Isso importaria para você? – Sabe que não, ora. Eu só não soube o que dizer. Como confortá-la. – Algo que você precisa melhorar. – E você? Algum interesse romântico? – Estou planejando incluir uma vida amorosa na minha agenda em algum momento. – Quando conhecer o sr. Perfeito, Morgan, quero ser convidado para o casamento. – Você teria que me dar folga para isso. – Tem razão. Sou um escravagista. Tire um mês agora mesmo. Dois. Ela saltou e deixou a esteira funcionando. – Eu estava pensando em fazer uma caminhada pela Itália. Mas isso custaria uma fortuna a você. Depois que Morgan saiu da academia da cobertura e voltou para sua própria suíte, Daniel permaneceu sentado na sacada até o pôr do sol, olhando para a capital. Repassou em sua mente a discussão com Scarlet, várias vezes. Então, voltou ainda mais no tempo. Apesar de não gostar disso, ele forçou a mente a relembrar os acontecimentos daquela fatídica noite, tantos anos antes. Repensou cada detalhe; imagens, sons, cheiros, raiva, medo. Por fim, pavor. Tinham lhe dito que aquilo fora um assassinato. Alguns meses depois de sua mãe ter expulsado o marido de casa, o pai de Daniel chegara ao fundo do poço. Extremamente bêbado, sem dinheiro, ele aparecera à porta da casa da família. Batendo na porta, berrara insultos. Daniel e a mãe se encolheram dentro de casa, rezando para que ele fosse embora ou para que os vizinhos chamassem a polícia. Eles próprios não poderiam telefonar. Fazia um ano que não pagavam a conta. Enquanto seu pai esmurrava a porta, Daniel cobrira as orelhas; tentara ser corajoso, mas logo começara a chorar. Sua mãe, contudo, permanecera forte, enxugando as lágrimas do filho, segurandoo junto a si. Por fim, ela abrira a porta e dissera a seu marido, implorara, para que ele mudasse pelo bem de sua família, por seu filho. Ela admitira que eles se envergonhavam dele. Quando o pai dele tornara a insultá-la, a mãe o mandara apodrecer no inferno. Fora quando ele enlouquecera. O tipo de loucura que criava uma névoa vermelha como sangue diante da visão de um homem. O pai de Daniel rosnara, dizendo que aquela era a casa dele. Que ninguém o expulsaria. Que entraria lá e que seria melhor que ela não tentasse impedi-lo. Daniel tinha apenas 5 anos na época, mas soube que precisava fugir, buscar ajuda. Ia saindo pela porta dos fundos quando ouvira os gritos. De sua mãe. Depois, os de seu pai. Encontrara seu pai de pé na varanda da frente, balançando, agarrado ao 93


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parapeito e olhando para baixo. Então, ele desabara, como um saco de areia rasgado ao meio. Trêmulo, Daniel olhara para a cena ao pé dos degraus. Sua mãe estava deitada naquele quadrado de concreto, quebrada. Imóvel. Seu pai cometera suicídio duas semanas depois. Quando adulto, Daniel conseguira ler o boletim de ocorrência do que acontecera com sua mãe. Fratura na perna direita. Quinta e sexta vértebras estilhaçadas. Medula espinhal rompida. Ele nunca falara daquela noite. Com ninguém, nem mesmo Owen. De que adiantaria recordar? Sempre que uma imagem se esgueirava pelos cantos da mente dele, Daniel tinha vontade de quebrar alguma coisa. Se pudesse, destruiria aquelas lembranças antes que elas pudessem destruí-lo. Contudo, passara a compreender. Uma pessoa nem sempre era capaz de manter algo assim guardado, oculto, sem que se manifestasse de outras formas. Por volta da meia-noite, Daniel se levantou e, exausto, entrou para fazer café. Então, com uma fumegante caneca cheia, acomodou-se no sofá e se obrigou a relembrar um passado ainda mais distante. Visualizou seu pai, mais jovem, sorridente, cantando. Até dançando. A família tinha muita comida na mesa, e ninguém discutia por causa de contas não pagas. Sua vida era fácil, sem preocupações, como devia ser a de uma criança. Sempre que seu pai parava para jogar bola com ele ou bagunçar seu cabelo, Daniel via um super-herói. Um exemplo do tipo de homem que ele queria ser. Antes de as coisas terem se deteriorado, houvera bons momentos. Muitos deles. Ele esquecera. Seu maxilar se contraiu. Os punhos se cerraram. Contudo, não conseguiu se livrar do ímpeto. Talvez, no fundo de sua mente, sempre tivesse sabido que aquele dia chegaria. Guardado num armário de um dos quartos extras, Daniel o encontrou, embalado numa caixa de papelão. Anos antes, ele trouxera aquela caixa consigo da Austrália. Não conseguia permitir que ficasse guardada em sua casa principal. Também não era capaz de reunir forças para jogá-la fora. Pondo a caixa no chão, Daniel se ajoelhou e a abriu. A madeira do violino era escura e lisa. O cheiro era o de algo antigo. Esquecido. Quando ele pegou o violino e apoiou o instrumento no queixo, como seu pai lhe ensinara, seus dedos começaram a formigar. Inspirando o cheiro da madeira, fechando os olhos, permitiu-se voltar ao passado. Permitiu-se sentir. Em sua mente, seu pai ria, batendo o pé no chão enquanto amigos aplaudiam e dançavam. Sua mãe estava lá, e Daniel sorriu, lembrando-se daquela expressão no rosto dela, do brilho em seus olhos e do sorriso de admiração em sua boca. Ela amava o marido. E ele a amava. Tão profundamente que bastava que as pessoas os vissem juntos para saber que era algo verdadeiro. Como devia ser o amor. Daniel abriu os olhos. E pensou em Scarlet.

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CAPÍTULO CATORZE

Quando Scarlet viu Daniel entrando no salão de festas, disse a seu tolo coração para parar de martelar. Então, com mãos subitamente trêmulas, voltou a arrumar os laços da cobertura de uma das cadeiras. Com o casamento de Cara e Max marcado para começar dali a meia hora, Scarlet não precisava de distrações, muito meno do tipo que Daniel costumava lhe trazer. – Obrigada – disse ela no salão vazio – mas tenho tudo sob controle. Não há necessidade de você ficar aqui. Quando Daniel não reduziu a velocidade de seu avanço, Scarlet desviou seu olhar dos hipnotizantes ombros largos cobertos por um paletó feito sob medida e se levantou, virando-se de costas para ele. Não poderia ser mais clara do que isso. – Não vim falar do casamento, Scarlet. – É só nisso que estou concentrada no momento. – Ela foi até a mesa seguinte. – Se me der licença... O estômago dela se contraíra. No entanto, aquele era o dia em que ela mais precisava manter sua compostura. Cara logo se casaria. Ela e Max combinavam tanto, estavam tão apaixonados que Scarlet se sentia satisfeitíssima por eles. Porém, estaria mentindo se dissesse que não pensava também em seu próprio futuro. Durante o tempo passado com Daniel na Austrália, os problemas deles tinham se evaporado. Ali, eles encontraram um lugar comum para compartilhar, onde viver, onde ser louca e maravilhosamente felizes. Contudo, todos precisavam retornar à realidade em algum momento, e a de Daniel era um lugar amargurado. Apesar de ele querer passar um ar relaxado e despreocupado, em seu íntimo vivia um menino que enterrara o passado. A maneira como Daniel lidava com isso era problema dele. Scarlet, porém, escolhera um caminho diferente. Mesmo quando a dor de olhar para trás fora quase insuportável, ela avançara rumo à cura. Para prosperar, precisara perdoar, aceitar e seguir em frente. Infelizmente, Daniel não parecia enxergar as coisas da mesma maneira. Quando ela foi ajustar outro laço, ouviu a profunda voz dele vindo de trás. – Tudo o que você fez para a cerimônia, aqui dentro e lá fora, está ótimo. Max e Cara vão guardar muitas lembranças. – Todas boas, espero. – No início da semana, vim visitar este lugar – continuou ele. Arrumando as flores no centro da mesa, Scarlet parou. Apesar de não ser mais tão rígida como fora algumas semanas antes, ainda se orgulhava de garantir que todos os eventos transcorressem sem problemas. Sem mudanças de última hora. Sem surpresas. Ela se virou para Daniel. – Com Max? – perguntou, cautelosa. – Sozinho. – Repensando aquilo, ele deu um puxão na própria orelha. – Quero dizer, não é totalmente verdade. Vim com vários fantasmas me atormentando. Ela voltou às flores. 95


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– Não a culpo, Scarlet, por não querer falar comigo agora. Não ouvi quando eu precisava ouvir. Não sabia fazer isso. Uma dor imensa atingiu o peito dela. Exatamente. Ele não a ouvira, e, naquele momento, Scarlet se sentira mais invalidada do que nunca. Talvez Daniel preferisse se esconder atrás de uma parede de chumbo. Scarlet, por sua vez, não preferia. Pelo canto do olho, ela viu as longas pernas dele cobertas por uma calça social preta se aproximando e ficou nervosa. – Como vai sua mãe Imogene? – perguntou ele. – A doença dela... – Scarlet engoliu em seco para vencer o embargo em sua garganta. – Ela precisa de cuidados em tempo integral. – Deve ser difícil. Difícil? Scarlet se virou para ele. – Se quer saber, vê-la daquele jeito parte o meu coração. Nunca vou conhecer minha mãe de verdade, e, agora, ela também nunca mais vai me reconhecer. – Scarlet cruzou os braços. – Mas já chega de ter pena de mim mesma. Estou tentando aceitar o passado. Na verdade, eu o acolhi, apesar do seu conselho. Daniel passou a mão pelo cabelo, deixando um rastro de mechas loiras pontudas. – Foi um mau conselho – admitiu ele. Ela descruzou os braços. Daniel merecia ouvir o resto: que ele não estivera totalmente equivocado. – A sra. Rampling, o médico e eu conversamos bastante. Decidimos que Imogene deve voltar para a Carolina. Para o lar que elas duas conhecem. Vou encontrar uma enfermeira de tempo integral para ajudar lá e farei visitas sempre que puder. – Construir novas lembranças. – Ele se aproximou. – Você sabe que também tenho lembranças? Boas, quero dizer. Ela ficou curiosa. – De quando você era mais jovem? – Do meu pai rindo e ajudando os vizinhos, os amigos. Dele me equilibrando no ombro para voltarmos correndo do galpão a tempo para o chá. Ultimamente, tenho pensado muito nesses momentos. – O olhar azul dele reluziu. – Demoro para aprender, mas a ficha finalmente caiu. É esse o tipo de coisa ao qual preciso me apegar, do qual preciso me lembrar. As partes boas. Os momentos felizes. Scarlet o analisou com cuidado. Daniel enfim aceitara todas as perdas e frustrações de sua infância? Se ele tivesse feito mesmo as pazes com o passado, com aquela parte de si mesmo, ela precisaria parabenizá-lo. De qualquer forma, Daniel seguiria com sua vida, do mesmo modo que ela. E Scarlet desejava sorte aos dois. Mais desafios os aguardavam no futuro. A vida era assim. – Tem um minuto? Preciso lhe mostrar uma coisa. – Desculpe, Daniel, não tenho tempo. Scarlet podia estar adiantada em seu cronograma, mas ir a algum lugar com Daniel, por qualquer motivo que fosse, não seria algo inteligente. Ele era uma distração grande demais, sobretudo sendo tão incomumente humilde. – Dois minutos – pediu ele.

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– Perdoe-me, mas... Antes que ela terminasse, ele pegou-lhe a mão. Aqueles fortes e cálidos dedos se fecharam em torno dos dela, e a gélida casca de Scarlet se derreteu. Ela não mudaria de ideia com relação a sair novamente com ele. Jamais. Para ser franca, teria dificuldade até para ser amiga dele, mesmo que por Max e Cara. Apenas olhá-lo e se lembrar já doía demais. Contudo, Scarlet não lhe desejava mal. E, se a vida era um crescimento, Daniel a fizera florescer mais naquelas últimas semanas do que qualquer outra pessoa. Fizera uma grande diferença na maneira de Scarlet enxergar os relacionamentos. Enxergar a si mesma. Por isso, ela se sentia grata. Scarlet puxou ua mão e, depois de um momento de dúvida, sentindo-se forte o suficiente, seguiu-o até o lado de fora. Quando Daniel abriu a porta para uma sala adjacente, um mundo diferente pareceu saltar diante dos olhos dela. Havia fotos por toda parte. Muitas estavam ampliadas. Penduradas nas paredes, apoiadas em cavaletes, pendendo do teto por uma fita. A maioria era em cores, mas várias capturavam um momento atemporal em emocionantes preto e branco. Todas eram fotos do passado, de Daniel ou dela própria. Perplexa... maravilhada... Scarlet entrou. A imagem diretamente diante dela mostrava a própria Scarlet quando criança, sentada no joelho do pai enquanto ele lia uma história para ela. Virando-se, viu Daniel, também criança, usando um short surrado e uma camiseta de um time de futebol americano. Bochechudo, ele fazia bolhas de sabão com uma mulher que tinha o mesmo cabelo claro e os risonhos olhos azuis dele. Prosseguindo, Scarlet se viu com sua irmã gêmea de pé no banco da frente de um sedã verde, enquanto Imogene brincava, fingindo dirigir o carro parado. Um rastro de memória se acendeu, disparando lampejos, e, de súbito, Scarlet conseguiu sentir o cheiro daquele novíssimo banco de couro. Mais uma vez inspirava o doce perfume de sua mãe. Mais à frente, um Daniel de 4 ou 5 anos abraçava seus pais no quintal dos fundos de uma casa suburbana. Ao lado daquela foto, sobre um surrado banco, havia um violino que parecia ter cem anos. Scarlet tentou relembrar. A quem pertencia aquele instrumento? Daniel tocara quando menino? Improvável. Ele gostava de rock; quanto mais pesado, melhor. À direita dela, talvez a maior e mais tocante imagem de todas. Ao fundo, Imogene, parecendo orgulhosa e saudável, sorria ao olhar para as filhas. Num primeiro plano cheio de tulipas, Scarlet tentava empurrar sua risonha irmã gêmea no balanço de pneu, uma cena atormentadora que não estava muito clara na mente dela, como pedaços de um lindo sonho. Tudo ali se fora, a não ser as lembranças, aquela foto e a dor amargurada que ameaçava engoli-la. Sua respiração ficou entrecortada. Scarlet se sentia incrivelmente fraca, mas também aquecida. Ao tentar falar, suas palavras saíram num sussurro sufocado: – Onde você as conseguiu? Daniel estava logo atrás dela. – Em álbuns, envelopes amarelados e caixas de sapato amarradas com barbante. Sua mãe Faith ajudou. Considerando-se a mudança de opinião dela a respeito de Daniel, Scarlet acreditava. 97


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– E aquele violino? É seu? – Sim. – Ele sorriu levemente. – É meu. Foi quando Daniel fez a coisa mais incrível de todas. Contou-lhe uma história de sua infância, um conto triste e violento que deixou os olhos de Scarlet cheios de lágrimas. Quando ele terminou, incrivelmente recomposto, aliviado, apontou para o lado esquerdo dela. Perto do banco, havia uma cômoda branca. Sobre ela, um buquê de tulipas cor-derosa e uma enorme tigela cheia de jujubas. Scarlet conteve as lágrimas. Ele pensara em tudo. Daniel já se postara ao lado dela. Enquanto o calor do corpo dele se irradiava, adentrando-a, Scarlet observou o tranquilo olhar dele percorrer o recinto. – Sempre experimento uma dor no coração quando penso no meu pai perdendo o emprego, pegando uma garrafa. Mas consigo olhar para esses momentos e admitir... Sou grato por aquelas memórias antigas. Pela família que tive. Eu daria qualquer coisa para ter de volta tudo aquilo. Uma quente lágrima escorreu pelo rosto dela. Daniel podia ser condescendente, brincalhão, mas Scarlet acreditou nele com todo o seu coração. Não era um truque barato. Ele enfim aceitara o que o destino lhe fizera, e, do ponto de vista de Scarlet, essa aceitação era um choque duplo. Cinco minutos antes, ela pensara estar muito à frente dele em relação a perdoar e aceitar o passado. Quando Daniel observou os olhos dela com uma franqueza que expunha até sua alma, Scarlet leu a mente de Daniel e recuou dois passos. – Olhe, isto é muito tocante. Admito, estou emocionada. Mas, Daniel... – Estou apaixonado por você – afirmou ele, e a mente de Scarlet ficou paralisada. Então, encheu-se de perplexa incredulidade. – O que disse? – Amo você, Scarlet. O tipo de amor que nunca vai embora, que fica mais forte a cada hora, a cada dia. Pega de surpresa, ela balançou a cabeça. Daniel não gostava daquele tipo de complicação. Não queria a responsabilidade. A rotina. Scarlet acreditara que aquilo fosse parte do motivo pelo qual ele a afastara, indo embora. – Você está confuso – concluiu ela. – Meus pensamentos estão claríssimos. Quero acordar todas as manhãs sabendo que você está deitada do meu lado. Quero me comprometer com seja lá o que o futuro reservar para nós. – Ele inclinou a cabeça e segurou o rosto dela. – Tenho certeza de que, independentemente de aonde essa jornada vá me levar, nunca deixarei de ter esperanças de que, um dia, de alguma forma, você também venha a me amar. Quando o coração dela deu um solavanco, Scarlet semicerrou os olhos. Uma tola parte sua quase quis acreditar naquilo, mas... tudo estava meio fácil demais. – Você quer que voltemos a ser amantes. Daniel a queria na cama dele. – Sim, quero que sejamos amantes. E amigos. Os melhores amigos.

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– Melhores amigos não podem sentir o que sinto por você. Sempre que estou do seu lado, as coisas que você faz... É como tentar resistir a um furacão. Fico completamente desequilibrada. O braço de Daniel envolveu a cintura dela, e ele a puxou para perto. – Assim? Devia ter existido um momento de hesitação. Um instante em que ela empurrasse o peito dele e lhe dissesse para largá-la. Ao menos para ir com calma. Em vez disso, quando o outro braço de Daniel envolveu-lhe as costas e sua cabeça baixou sobre a de Scarlet, ela se flagrou entregue, deleitando-se com a fração de segundo antes de a boca dele capturar a sua. Quando os lábios se tocaram, ela sentiu apenas a empolgação e uma cegante paz de espírito. Então, Daniel se aproximou ainda mais, os contornos rígidos de seu peito pressionando os seios dela, e Scarlet simplesmente se derreteu ainda mais. Quando a palma dela encontrou o rosto dele, Daniel aprofundou o beijo até que Scarlet ficasse sem ar. Depois de ele recuar lentamente, deu um demorado beijo no rosto dela, em sua orelha. Estava arfante. E Scarlet não conseguia raciocinar com clareza. Saber o que fazer em seguida. Ela perdoara seu passado. Seria capaz de perdoar Daniel também? Aquele contato, aquela força, aquela habilidade, aquela ternura... Apesar de terem vivido em mundos separados, seria possível que fosse simplesmente o destino que duas pessoas ficassem juntas? Curvando-se para trás no círculo dos braços dele, ela pôs a mão na testa. – Estou tonta. Um dedo ergueu o queixo de Scarlet, e o olhar de Daniel se fundiu ao dela. – É só uma teoria, mas já pensou na possibilidade de você estar sentindo o mesmo por mim? Será que também está apaixonada? Suspirando, Scarlet admitiu a verdade. – Eu sei que estou apaixonada por você. – Ela franziu o cenho. – Talvez por você ser tão ruim para mim. – Diga: você acha isto ruim? – Ele tornou a beijá-la, e, desta vez, todo o recinto se tornou um grande carrossel. Daniel a abraçou e a girou, e ela se derreteu. Quando ele, enfim, a soltou, Scarlet estava exposta. Tonta e indefesa. – Amo você – admitiu ela, e já não havia mais tanto problema em dizer isso agora. – E quando eu pedir a sua mão em casamento, talvez você até diga “sim”. Os joelhos dela cederam. Mas, com dois poderosos braços ao seu redor, Scarlet não caiu. – Está perguntando se quero me casar com você? – Quero uma família. Nossa família. Um menino a quem eu possa ensinar a pescar e jogar bola. Uma menina para mimar e a quem contar histórias de pôneis mágicos. Uma lágrima escorreu do canto de um dos olhos dela. Se aquilo fosse um sonho, Scarlet ficaria feliz em dormir para todo o sempre.

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Robyn Grady - [Filhas do Poder 3] - Casamento Inesquecível (Desejo Dueto 43.1)

– Você quer isso comigo? – Ela pensou de novo no problema de sua mãe, em se ela ficaria do mesmo jeito algum dia. – Scarlet, não quero ficar com ninguém a não ser você até o dia da minha morte. Não importa onde ou como, quero passar nossas vidas juntos, haja o que houver. Mais lágrimas caíram. A garganta de Scarlet estava embargada de incredulidade. De amor. Ela soltou uma soluçada risada. – Você é mesmo romântico, não? – Adivinhe só. – A ponta do nariz dele contornou a ponta do nariz dela. – Você também é. Os lábios deles se encontraram, e Scarlet se derreteu em outro beijo enlouquecedor. Contudo, quando recuaram, algum tempo depois, Scarlet fez uma expressão de dor ao sentir um quê de culpa. – O casamento já vai começar. Ele nem sequer fez menção de soltá-la. – Podíamos pedir uma cerimônia dupla. Seria uma ótima surpresa. – Daniel! Isso não seria certo. Ele piscou e inclinou a cabeça. – Não, não. Claro que não. Enroscando os braços no pescoço dele, ela arqueou uma das sobrancelhas. – Eu estava pensando mais numa cerimônia numa praia deserta ao pôr do sol, com sua moto estacionada por perto para uma fuga rápida. Os olhos dele cintilaram com uma risada. Seu rosto de encheu de amor. Aproximando-se para beijá-la mais uma vez, o homem que ela veneraria para sempre confessou, feliz: – Parece o paraíso para mim.

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