REVISTA ECO 21 ED.185

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José Goldember g • Bráulio Dias • André Abreu • Amy Goodman

ISSN 0104-0030

Ano XXII • Nº 185 • Abril 2012 • R$ 10,00

Ángel Rovira Bosch • Pablo Solón • Cao Hamburger • Nádia Ferreira

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Diretora Lúcia Chayb Editor René Capriles Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles Colaboradores André Trigueiro, José Mon­serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo Evaristo Eduardo de Mi­randa Maria do Carmo Zinato Ronaldo Rogério de Freitas Mourão Fotografia Ana Huara Correspondentes no Brasil São Paulo: Lídia Chaib Belém: Edson Gillet Brasil Correspondentes no Exterior Bolívia: Carlos Capriles México: Carlos Véjar Pérez-Rubio Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa Representante Comercial em Brasília Minas de Ideias Serviços Infor­mativos Alemanha: Deutsche Welle Argentina: Planeta Verde, Hojas Verdes Brasil: Ambiente Brasil, Rede CTA, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Agência Envolverde, Terramérica França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile) México: Archipiélago Direção de Arte ARTE ECO 21 CTP e impressão Gráfica Colorset Jornalista Responsável Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108 Assinaturas Semestral: R$ 50,00 / Anual: R$ 100,00 assinantes@eco21.com.br Uma publicação mensal de Tricontinental Editora Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro Tel.: (21)2275-1490 / 2275-1499 eco21@eco21.com.br www.eco21.com.br

A biodiversidade venceu uma batalha A poucos dias da RIO+20, representantes de mais de 90 países, reunidos no Panamá, após vários anos de negociações, decidiram formalizar a criação da Plataforma Intergovernamental sobre a Biodiversidade e os Serviços dos Ecossistemas (IPBES, em inglês) que se ocupará diretamente da grave e crescente perda da diversidade biológica no Planeta, além de documentar e avaliar a degradação dos serviços fornecidos pelos ecossistemas. Este organismo, semelhante ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), também funcionará de forma independente, fazendo um nexo entre o conhecimento científico, a sabedoria das populações tradicionais e as ações dos formulares das políticas em cada país. O IPBES realizará avaliações regulares sobre o estado da biodiversidade mundial, a situação dos ecossistemas e as suas inter-relações, formulando propostas para a elaboração de políticas conservacionistas. Roberto Watson, Presidente da reunião do IPBES, um dos principais cientistas do Ministério do Meio Ambiente do Reino Unido afirmou: “Cientistas, indígenas, ambientalistas e representantes governamentais de todo o mundo estabeleceram com êxito uma interface científico-normativa para todos os países. A diversidade biológica e os serviços dos ecossistemas são essenciais para o bem-estar humano e esta Plataforma gerará o conhecimento para proteger-lhos”. O PNUMA continuará facilitando o funcionamento do IPBES com a colaboração da UNESCO, do PNUD e da FAO. A reunião no Panamá também decidiu que a sede será em Bonn, da mesma forma que a Convenção sobre Espécies Migratórias do PNUMA. Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO comentou que “a criação do IPBES, a poucas semanas da RIO+20, é um sinal muito importante; este organismo permitirá que a biodiversidade seja levada em consideração nas estratégias do desenvolvimento sustentável”. Todos sabem que a perda de biodiversidade é um dos principais indicadores das mudanças que afetam o Planeta. José Graziano, Diretor-Geral da FAO, também elogiou a criação da IPBES e disse: “A biodiversidade é essencial para a segurança alimentar. Milhares de espécies interconectadas constituem uma rede vital da qual depende a produção de alimentos. O combate à fome está intrinsecamente ligado à manutenção da biodiversidade nos ecossistemas agrários, sendo fundamental para lidar com o aumento da população e no combate às mudanças climáticas”. Para financiar a IPBES, será criado um fundo que receberá contribuições voluntárias dos governos, das agências da ONU, do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), das ONGs e do setor privado. A criação do IPBES é um sinal alvissareiro em relação ao que se espera no Rio de Janeiro durante a RIO+20. Gaia viverá!

Lúcia Chayb e René Capriles

4 Flávio Miragaia Perri - RIO+20: uma oportunidade de avanço 6 José Goldemberg - RIO+20: a ausência de uma Agenda Positiva 8 Jean Pierre Leroy - O Potencial da RIO+20 12 Pablo Solón - Países em desenvolvimento temem a Economia Verde 14 André Abreu - A Economia Verde e os mercados da água 16 Bráulio Dias - Um mundo com água e alimentos para todos 18 Johanna Treblin - Banco Mundial privatiza a água 20 Lauro Fiúza Junior - Energia eólica cresce nos mercados emergentes 21 Luiza Torres - Pituaçu é o primeiro estádio solar da América Latina 22 Diogo F. da Rocha - Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil 24 Amy Goodman - O clima está preso por um fio 28 Lúcia Chayb - Entrevista com Nádia Ferreira 32 Maria Luiza Campos - Arara maracanã-verdadeira corre risco de extinção 34 Rafael Silva - O Bioma Caatinga terá novas reservas ambientais 36 Álvaro R. dos Santos - Áreas de risco: limites dos alertas pluviométricos 37 Lívia Duarte - É hora de restaurar o Princípio de Precaução 40 Nádia Pontes - Países se armam para defender território no Ártico 42 Erik Von Farfan - CryoSat constata aumento do "gelo azul" na Antártida 44 Leonardo Boff - Como Deus emerge no processo evolucionário? 46 Heitor Augusto - Entrevista com Cao Hamburger 48 Ángel Rovira Bosch - Um novo paradigma: Sustentabilidade e Turismo 50 Leigh Ann Hurt - O que é a Economia Verde?

Capa: Favela Arte: Venicio


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Flávio Miragaia Perri | Diplomata, foi Secretário-Executivo do Grupo de Trabalho Nacional da RIO-92

Lúcia Chayb

Conferência RIO+20: uma oportunidade de avanço O extraordinário efeito-Internet fez de cada cidadão planetário um ator individual, capaz de emitir opiniões e ganhar adeptos, exibindo o zelo que tornou a questão do equilíbrio entre desenvolvimento e o planeta parte significativa da agenda entre Estados. O que se constata recentemente é a necessidade de governos, empresários, empreendedores de prestar contas não apenas de suas atividades, no que afetam o dia a dia do cidadão, mas em particular o seu futuro. De repente o fenômeno surpreendente é constatar que a humanidade é uma constante que não deseja ter prazos para sua sobrevivência digna. O que progressivamente torna-se uma verdade é que o antropocentrismo cede lugar a um conceito mais amplo que tende a incluir, na consciência e nas preocupações de cada cidadão e da sociedade, os seres vivos, sejam microscópicos sejam gigantes visíveis. O Planeta não é propriedade do “homo sapiens sapiens”, mas hábitat em igualdade de condições de milhões de espécies. Os cuidados com os genes e sua diversidade alcançam o cerne mesmo da vida e não é ignorado nem mesmo descuidado, se somos conscientes da inter-relação entre as espécies vivas, animais ou vegetais e de sua vinculação estreita com o meio físico. O ambientalismo viveu inicialmente das glórias do antropocentrismo. Ideologias e religiões ocuparam-se de assim caracterizar eticamente a ideia da proteção da natureza.

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A Conferência RIO+20 pode ser vítima dos equívocos de sua concepção. Convocada inicialmente como uma ocasião de celebração dos 20 anos da RIO92, nada nela seria atraente para conseguir a presença de Chefes de Estado e de Governo no Rio em Junho. A realidade política, entretanto, traça seus próprios caminhos. Chefes de Estado não Flávio Miragaia Perri se reúnem para um convescote, apenas para celebrar o passado. É da natureza do Poder ocupar espaços e criar fatos. Diante dessa constatação, a RIO+20 ganhou força e musculatura. Hoje, a poucos dias de sua realização, já é vista como uma oportunidade para pensar o futuro ousadamente. Não se ignore nesse processo de transformação da natureza mesma da conferência o extraordinário poder da opinião pública, que progressivamente se veio assenhoreando do evento, para criar seu próprio espaço. A sociedade civil ocupou-se de exibir suas convicções e a pressão que suas opiniões exercem sobre governos no mundo inteiro pode determinar novos rumos.

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Hoje em dia, a ciência, lado a lado com o conhecimento corriqueiro, indica-nos o entendimento da unidade entre seres vivos em um mesmo “enorme” ecossistema (nem tão grande assim, pois o Planeta tem seus limites), que é o hábitat de todos nós. Devo recordar aqui os equívocos dos movimentos ambientalistas, no início de sua expressão ao mundo, quando pretenderam atribuir personalidade jurídica a ecossistemas, a pedras e a seres vivos não humanos. O equívoco não esteve na equiparação de coisas diferentes, mas em querer tratá-las de maneira acadêmica, como atores num quadro jurídico criado para o ser humano. Só mais tarde, depois de batalhas jurídicas sem resultado, é que o conhecimento (a ciência) deu ao ser humano a consciência da unidade do Planeta e de seus habitantes. O “interesse do ser humano” entendeu assim, em benefício próprio, que a Terra é como um ser vivo que sobreviverá apenas se tratada como um todo. A Gaia dos gregos clássicos ganhou o valor de conceito nos trabalhos e pregações de James Lovelock, um pioneiro. A Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável – RIO+ 20 – ocorre diante desse novo quadro. O equívoco inicial de apenas celebrar as conquistas importantes de sua predecessora no Rio, a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, está aparentemente corrigido, mas não deixou de estar presente nas atividades da burocracia internacional nem nas burocracias internas nos Estados. A evolução da opinião, que já tocou recentemente a sensibilidade de negociadores engajados na preparação de um documento final de impacto por seus efeitos futuros, exige que se abandonem os setorialismos que caracterizaram a primeira fase tanto nos planos nacionais quando no internacional, para focalizar a necessidade de integrar todos os setores sob um só conceito, o qual, aliás, dá nome à Conferência, o Desenvolvimento Sustentável. Tudo se relaciona, nada se exclui, parece dessa maneira reafirmado um cacoete de inspiração marxista, mas não se trata disso.

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A inter-relação entre todas e cada uma das partes é um imperativo de sobrevivência para tornar sustentáveis tanto o Planeta quanto o desenvolvimento. Por isso, registro o valor do adjetivo sustentável como qualificativo do conceito de desenvolvimento. Pela primeira vez um adjetivo acrescentou valor abrangente ao substantivo. Não se trata de desenvolvimento social ou de desenvolvimento econômico ou de desenvolvimento ambiental ou de desenvolvimento agrícola ou qualquer outro. Todos os adjetivos que se apuseram ao adjetivo desenvolvimento reduziram seu escopo. Pela primeira vez encontrou-se um adjetivo que tudo inclui e torna abrangente o processo de desenvolvimento. Nem o desenvolvimento nem o Planeta são sustentáveis senão em equilíbrio perfeito de interesses. Dito isto, resta esperar que todas as partes presentes em Junho no Rio de Janeiro entendam que participam de uma ocasião única, da qual se espera um esforço de síntese para levar tudo o que já foi feito até hoje como esforços passados importantes, mas não mimetizáveis. Um novo compromisso, uma nova rota, “all inclusive”, deveria ser o resultado da RIO+20. Abaixo os preconceitos ideológicos, fora os setorialismos (que se devem entender incluídos na síntese), o que a RIO+20 deve apresentar é uma rota para vencer interesses estabelecidos, seja dos vícios da (in)governança internacional e nacionais seja dos pecados de empreendedores de toda espécie. A evolução do Século 21 será determinante de nossa capacidade de sobreviver dignamente. Cuidemo-nos desde logo dos egoísmos particularistas, dos vícios da produção, dos excessos do consumo, do desperdício, da falta de consciência ética quanto a nossos descendentes. Estamos de passagem, não desprezemos por isso o que virá depois de nós. Flávio Miragaia Perri é Embaixador aposentado, foi Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional que organizou a Conferência do Rio em 1992, Secretário Nacional do Meio Ambiente (hoje Ministro), Presidente do IBAMA, Secretário de Estado do Meio Ambiente do Rio. Foi Embaixador junto à Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Em seu período como diplomata, atuou na ONU em distintas Conferências e Assembleias Gerais.

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José Goldemberg | Professor Emérito da Universidade de São Paulo, Prêmio Planeta Azul 2012

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RIO+20: a ausência de uma Agenda Positiva A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92), realizada no Rio de Janeiro em Junho de 1992, mobilizou governos, instituições e organizações da sociedade civil de uma forma extraordinária: participaram mais de cem Presidentes e Chefes de Estado e de Governo e ao redor de 100 José Goldemberg mil pessoas compareceram aos eventos que se desenvolveram na ocasião em torno dela. Essa Conferência – também conhecida mundiamente como “Cúpula da Terra” – foi preparada por personalidades carismáticas, como Maurice Strong, e contou com o apoio entusiástico do Governo Federal. Havia na época um senso de urgência quanto à necessidade de agir diante dos problemas ambientais que ameaçam o bem-estar da humanidade, como o aquecimento da Terra e as consequentes mudanças climáticas. Como resultado, a RIO-92 adotou documentos importantes, como a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre Diversidade Biológica, o Tratado das Florestas e a Agenda 21, que é um roteiro bastante detalhado para atingir um desenvolvimento sustentável. A palavra-chave que entrou no vocabulário de todos desde então foi sustentabilidade, que significa crescimento econômico de um tipo que não comprometa o futuro. Sucede que “futuro” pode ter significados diferentes: para um político eleito, futuro significa quatro ou talvez oito anos, que dificilmente podem ser prorrogados, e preocupações imediatistas têm prioridade nas suas ações. Não são comuns os dirigentes que apresentam nos seus quatro ou oito anos de exercício no cargo visões de longo prazo. No caso brasileiro, talvez o Presidente Juscelino Kubitschek seja o exemplo mais favorável que tivemos, com a criação de Brasília e a implantação da indústria automobilística no país, por mais controvertidas que fossem. 6

Em 1992, os Chefes de Estado presentes no Rio concordaram que o aquecimento global e a perda da biodiversidade – que tem origem na ação do homem – representavam uma séria ameaça à humanidade e providências urgentes tinham de ser tomadas para enfrentá-las. Esse senso de urgência se perdeu ao longo dos últimos anos por causa das guerras no Oriente Médio, das crises econômicas e da falta de liderança. Por essas razões a RIO+20, convocada pela Organização das Nações Unidas, corre o risco de ser um evento sem maior significado histórico, diferentemente do que foi a RIO-92, e não atrair um número significativo de Chefes de Estado. Para ser realista, é o caso de perguntar: por que razão Chefes de Estado, enfrentando as turbulências da crise econômica nos seus países, se deslocariam para o Rio de Janeiro? Para tirar belas fotografias do Pão de Açúcar e não adotar resoluções que sejam relevantes para a população dos seus países? Os problemas imediatos que esses governantes enfrentam ocupam suas agendas e prioridades. E preocupações com mudanças climáticas podem parecer menos urgentes. Esta visão, contudo, é completamente equivocada e se não for alterada a tempo vai transformar a RIO+20 num evento medíocre e possivelmente embaraçoso para o governo brasileiro. A verdade é que as ameaças à sustentabilidade do desenvolvimento, que foram reconhecidas em 1992, não só não desapareceram, como se tornaram ainda maiores. É esta realidade que acaba de ser relembrada por um eminente grupo de laureados com o Prêmio Planeta Azul – considerado por muitos o Prêmio Nobel da área ambiental –, que se reuniu recentemente em Londres. Só para dar um exemplo, os cientistas (entre outros James Hansen, Robert Watson, Jane Lubchenco e Nicholas Stern) dizem claramente em sua análise ser inevitável o aumento da temperatura do Planeta em mais de 3 graus Celsius até 2050, superando o limite até agora aceito de 2 graus Celsius, com todas as suas graves consequências. No caso do Brasil, esse aumento de temperatura vai implicar maior precipitação de chuvas na Região Sudeste e menor na Amazônia, que ficará mais seca. Mais ainda, a precipitação será mais intensa em períodos de tempo menores, o que já está acontecendo em São Paulo, com as chuvas torrenciais todas as tardes no verão. Ab

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Jorge Eduardo

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Vale a pena mencionar também o aumento dos eventos climáticos e hidrológicos extremos, como enchentes, secas, temperaturas extremas, cuja frequência anual era de 400 em 1980 e dobrou nos últimos 30 anos. O grupo reunido em Londres identificou também uma série de medidas que precisam ser implementadas com urgência, mas não estão contempladas no documento preparado pela Organização das Nações Unidas e que será a base das discussões na RIO+20. A ideia central constante nesse importante documento é a de que a linguagem prevalente nas empresas – para as quais o desenvolvimento sustentável tem três pilares: econômico, social e ambiental – não se aplica a governos, para os quais o pilar ambiental é o essencial. Isto porque, se esgotarmos os recursos naturais com a exploração predatória, não haverá desenvolvimento econômico e muito menos justiça social. Daí a ideia de uma transição para uma “Economia Verde”, que foi proposta como caminho a seguir, no qual as causas do aumento de temperatura da Terra seriam removidas. A posição do governo brasileiro nessa questão é ambígua, reformulando a ideia da Economia Verde para uma “economia verde abrangente”, com o objetivo de incluir suas atividades na área social como “Bolsa-Família”. Finalmente, aqueles mesmos cientistas apontam para o fato de que promover o desenvolvimento sustentável não pode ser apenas tarefa dos Ministérios do Meio Ambiente, mas dos governos como um todo, os quais precisam entender que não existe conflito fundamental entre crescimento econômico e preservação ambiental. A proposta atual em discussão para a RIO+20 apenas reafirma as decisões do passado, principalmente as tomadas em 1992, mas não avança nem olha para o futuro. É preciso incluir nessa proposta uma agenda positiva, que o Brasil poderia liderar.

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Jean Pierre Leroy, Fátima Mello, Julianna Malerba, Maureen Santos, Melisanda Trentin, Letícia Tura e Jorge Eduardo Durão | Membros da FASE

O Potencial da RIO+20 O Rio de Janeiro sediará em Junho de 2012 um evento que poderá simbolizar o encerramento de um ciclo e o início de outro. Por ocasião da RIO+20, espera-se que seja feito um balanço abrangente do ciclo de conferências das Nações Unidas dos anos 90, iniciado com a RIO-92 e que incluiu conferências sobre população, direitos humanos, mulheres, desenvolvimento social e a agenda urbana. Também em 2012, o Protocolo de Kyoto terá chegado ao seu limite de vigência.

Resistir ao ambientalismo de mercado e fortalecer os direitos e a justiça socioambiental

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO+20) se propõe a debater três questões: avaliação do cumprimento dos compromissos acordados na RIO-92, economia verde e arquitetura institucional para o desenvolvimento sustentável. A RIO+20, portanto, tem o potêncial de ser um momento ao mesmo tempo de balanço das conquistas e derrotas das últimas duas décadas e também de identificação de uma nova pauta de lutas à frente. 8

O Contexto da RIO+20: fragilidade do sistema da ONU num cenário de múltiplas crises Os seres humanos e o Planeta estão vivenciando múltiplas crises que põem em questão o futuro da humanidade. Nem as Nações Unidas, nem os governos, aprisionados ao passado, estão agindo em consonância com a gravidade do processo de deterioração acelerada em curso. As organizações da sociedade civil global, que vêm se reunindo de forma autônoma em espaços como o Fórum Social Mundial e nos processos e lutas permanentes que ligam o local e o global, em eventos paralelos às conferências da Organização das Nações Unidas, às reuniões do G-20 e das instituições financeiras multilaterais, e que se reunirão no Rio de Janeiro durante a Conferência RIO+20, estão desafiadas a revigorar e a continuar a luta por outro mundo e pressionar os governos e as instituições do sistema internacional a atuarem de forma efetiva. A constituição desse movimento global se intensificou a partir do Fórum Global (realizado no Aterro do Flamengo, também conhecido como ECO-92), em particular do Fórum Internacional das Organizações Não Governamentais, realizado paralelamente à RIO-92, e agora, em 2012, a avaliação do estado das lutas e conquistas globais também estará em pauta. Ab

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A Conferência RIO+10, realizada em Johanesburgo, África do Sul, pelo aniversário de dez anos da RIO-92, as Conferências das Partes (COPs), a insignificância do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e a impotência da ONU em fazer face às catástrofes humanitárias mostram a incapacidade do atual sistema internacional para enfrentar os desafios que o futuro impõe e para fazer cumprir os acordos do ciclo de conferências desde a RIO-92. As COPs encarregadas de implementar as decisões das Convenções sobre Diversidade Biológica, sobre Desertificação e sobre Mudanças Climáticas, demonstram essa afirmação. A biodiversidade é associada historicamente aos povos indígenas, às populações tradicionais e ao campesinato, mas apesar de um reconhecimento em tese do seu papel, eles estão sendo sistematicamente espoliados dos seus direitos, chegando mesmo a serem expulsos dos seus territórios. Cada vez mais, o enfrentamento da desertificação está aquém dos desafios que o tema apresenta, o mesmo ocorrendo em relação às migrações forçadas. E a crise climática, por sua vez, está sendo apropriada pelo mercado para gerar lucros. O balanço dos compromissos assumidos nas conferências de direitos humanos, mulheres, desenvolvimento social e hábitat também não deixam dúvidas sobre a distância entre declarações de compromissos e realidade. Do desenvolvimento sustentável à economia verde: a reciclagem de um modelo insustentável Numa contradição insanável, a Conferência RIO-92, ao mesmo tempo em que reconhecia a grave crise ambiental do Planeta – em particular no que diz respeito à biodiversidade e ao clima – e a responsabilidade dos países industrializados, afirmava a primazia da economia como motor do desenvolvimento, batizado então de “sustentável”. De maneira sub-reptícia, os governos presentes e a própria ONU reconheciam o poder da economia capitalista acima da política, ou melhor, como condutor da política. Consagraram o “desenvolvimento sustentável”, termo rapidamente apropriado pela economia dominante e assim esvaziado do seu potencial reformador. Em substituição ao esvaziado termo desenvolvimento sustentável, a agenda da RIO+20 busca apresentar a “Economia Verde” como uma nova fase da economia capitalista. Através do mercado verde, um novo ambientalismo, fundado no “business verde”, propõe a associação entre novas tecnologias, soluções pelo mercado e apropriação privada do bem comum como solução para a crise planetária. Esta reciclagem das clássicas formas de funcionamento do capitalismo, de seus modos de acumulação e expropriação, constitui-se em um estelionato grave de conseqüências profundas. Dá um novo fôlego a um modelo inviável e oferece como utopia somente a tecnologia e a privatização. Impede tomar consciência da crise que enfrentamos e dos verdadeiros impasses que está vivendo a humanidade. Portanto, impede que novas utopias sejam formuladas e alternativas civilizacionais construídas. Devemos questionar o que o desenvolvimento sustentável e a economia verde têm a contribuir para a proteção e a garantia dos direitos humanos. O mercado deixa a sua defesa aos governos e à ONU, que mantém a retórica dos direitos humanos, incluindo no seu campo o direito à água; mas, sem meios nem vontade política para implementá-los. ECO•21

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Assim, impuseram ao mundo um modelo, técnico e econômico, de produção e de consumo sustentado pela exploração do trabalho, a sobre-exploração dos recursos da natureza e a exploração de outros países. Se a exploração humana e de países pode se perpetuar apesar dos gravíssimos conflitos resultando na exclusão, a exploração da natureza mostra seus limites e começa a afetar a reprodução do capital, direta e indiretamente, quando doenças, diminuição da qualidade de vida e catástrofes começam a levantar suspeitas e minar a base de sustentação do modelo. A crise que emergiu em 2008, inicialmente no sistema financeiro, não deixa dúvidas quanto ao caráter profundo de suas raízes, que revela a quebra de legitimidade e de sustentação econômica, social, ambiental e política de reprodução do modelo vigente. A crise em curso deixa clara a perda de hegemonia do concerto do poder que se perpetua desde o fim da Segunda Guerra e das instituições internacionais que lhe dão sustentação econômica e política. A crise abre, portanto, brechas de disputa pela democratização do sistema internacional. As novas e instáveis coalizões entre países, não mais cristalizadas em divisões Norte-Sul, são sintomas de um cenário político global em movimento. A RIO+20 pode ser um importante momento de alavancagem de uma nova correlação de forças e de uma nova agenda global, oferecendo aos movimentos sociais, organizações populares, movimentos de povos tradicionais e originários, sindicatos, entidades da sociedade civil que refletem ou buscam expressar os anseios de amplos setores da população mundial, a oportunidade de renovar seu protesto e seu questionamento sobre aos rumos dados ao futuro do mundo pelas corporações, instituições e países dominantes, acompanhados pela grande maioria das elites políticas e econômicas, desenhar suas utopias e formular com maior consistência as alternativas que vislumbram.

Jean-Pierre Attal

Voltam-se cada vez mais para intervenções humanitárias, que tendem a substituir a promoção dos direitos. Tendo poder apenas normativo, os compromissos acordados na esfera da ONU ficam soterrados pelo poder de sanção e retaliações de instituições como OMC, FMI e Banco Mundial. Diante da incapacidade da ONU, de um lado, e do poder das instituições multilaterais que servem aos interesses das corporações, do outro, o resultado é que governos e políticas públicas e democráticas perdem cada vez mais espaço para acordos e políticas que entregam nosso futuro à iniciativa privada e, na sua mais nova versão, à Economia Verde. O mundo está subordinado à força hegemônica do capital. Este não tem outra visão de futuro do que a promessa de um desenvolvimento ilusório, porque predador do meio ambiente, violador dos direitos humanos e excludente de países e populações. A ideologia do desenvolvimento, entendido como crescimento econômico que alimenta a expansão de padrões insustentáveis de produção e consumo, penetrou profundamente no imaginário e na cultura de todas as classes sociais, no Norte e no Sul, orientando inclusive a ação de governos eleitos em países do Sul com o mandato de desencadearem transformações, mas que, no entanto, não conseguem construir uma nova correlação de forças capaz de alavancar mudanças e também não conseguem acumular reflexão e força política na direção de novos paradigmas. Os Estados dominantes, ao longo de dois séculos, e com mais intensidade, nas últimas décadas, promoveram a globalização da economia. As guerras coloniais, a ocupação de territórios e a escravidão foram substituídas hoje por acordos bilaterais e instâncias multilaterais que cumprem o mesmo papel de submeter e subordinar os países do Sul ao seu poder.

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A RIO+20 e a construção de alternativas A RIO+20, como evento mundial, nos permite sair das nossas fronteiras; nos abrir à solidariedade universal, para além dos particularismos; buscar pontos comuns de observação, que nos desloquem e façam com que nos encontremos. Mas isso com a condição de que nossa referência esteja nos povos e populações marginalizados e excluídos, com as quais compartilhamos os anseios por uma sociedade cujo pilar de sustentação seja os direitos e a justiça social e ambiental. Não temos todas as respostas, mas temos a responsabilidade de buscá-las, entre o desejável e o possível. Mas mesmo o possível não se realizará sem que seja portador de utopias que reatem os laços entre ser humano e natureza, no campo e na cidade. Ele exige, portanto, uma mudança completa dos paradigmas que definem a civilização ocidental. Querer outras formas de organização das sociedades do que os Estados-Nações, outras formas de democracia do que a democracia parlamentar, outras economias do que a economia capitalista, outra mundialização do que a do mercado, outras culturas do que a imposta pelos EUA. Escutá-los com atenção talvez nos ajude a encontrar os rumos do futuro e formular novas utopias que motivem a humanidade, em particular a juventude. Desenvolvem-se através do Planeta milhares de alternativas que podem ser as sementes da construção de novas utopias: • Milhões de camponeses, de sem-terra, de povos indígenas e outros grupos tradicionais resistem e lutam pela Reforma Agrária, pela agroecologia, pelo definitivo domínio de suas terras ancestrais. Apoiados por tecnologias apropriadas, eles podem garantir a soberania e segurança alimentar e nutricional do planeta e dar uma contribuição decisiva na manutenção da biodiversidade, das águas e na mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Eles apontam uma alternativa ao modelo de agricultura e pecuária dominante, que provoca a destruição dos ecossistemas e da biodiversidade, que contribuem fortemente para o Efeito Estufa e o envenenamento das águas, dos solos e das pessoas. • Experiências de economia solidária e de fortalecimento de mercados locais contribuem para a redução do consumo de energia, encurtando os circuitos entre produção, distribuição e consumo, favorecendo as micro, pequenas e médias empresas, que fornecem empregos, em contraposição à circulação das mercadorias através do mundo e deslocalização permanente das empresas e avanços tecnológicos, que não reduzem o consumo de energia e de matérias primas e produzem desemprego. • A lógica da economia não deve ser a do lucro, mas a de assegurar condições de vida digna para as populações. Fortalece-se uma economia solidária que combate a economia dominante excludente das pessoas. Nas cidades, nas roças e nas florestas do Sul, grande parte dos trabalhadores e trabalhadoras se encontram na economia informal, esquecidos pela macroeconomia, e inventam uma microeconomia em parte sucedânea e concorrente da economia formal, em parte inovadora. • Reconstituição de um tecido urbano descentralizado e interiorizado, novas políticas habitacionais e urbanísticas, de saneamento e de transporte coletivo. Estas propostas visam enfrentar o desequilíbrio dentro das cidades e metrópoles, que viraram plataformas de exportação cercadas por enormes aglomerações de pobreza e miséria, que somadas ao desequilíbrio na ocupação humana dos espaços nacionais e regionais, fazem dessas cidades, e dentro delas, das camadas populares, as primeiras vítimas das mudanças climáticas. ECO•21

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David Hockney

A construção de alternativas e a arquitetura institucional A escala global dos poderes impede o avanço da emancipação humana nos termos da idealidade inscrita nos pactos e convenções internacionais. Portanto, avançar nessas alternativas e em outras supõe disputar e questionar os paradigmas das instituições e atores internacionais que dão suporte ao atual modelo. Isso não quer dizer que acreditamos numa mudança brusca e radical na economia mundial. Deve-se pensar necessariamente em convivência, em transição no médio e longo prazo. Essa transição se fará menos pela reforma interna das instâncias atuais de intervenção na economia, que pretenderia reorientar suas estratégias, seus métodos e suas prioridades, e mais pela construção de novos espaços, de instituições novas que não sejam viciadas pelo seu passado, mas abertas para uma nova correlação de forças e novas agendas. As instâncias atuais continuarão a ser questionadas a agir e até a se reformarem, mas há que se esperar que elas percam progressivamente a sua importância, quando e porque ao seu lado será criado algo radicalmente novo que crescerá econômica e politicamente como contrapeso. Para que tal ocorra é preciso olharmos para o processo rumo à RIO+20 como uma oportunidade para investirmos no acúmulo de forças, na base da sociedade, que seja capaz de disputar uma nova hegemonia. Após o ciclo de ascensão dos movimentos contra-hegemônicos iniciado em Seattle e ampliado com o Fórum Social Mundial, e o relativo descenso que as mobilizações de massa experimentaram nos últimos anos, a RIO+20 se coloca como possibilidade de rearticulação e alavancagem de uma iniciativa política no plano global. É esta visão que orienta e delimita nossa vontade de participação no processo que nos levará a RIO+20. Baseados nela, nos unimos ao apelo da convocatória do grupo facilitador brasileiro criado por um conjunto de coletivos resumido nesta frase: “Cabe a sociedade civil organizada chamar a atenção mundial sobre a gravidade do impasse vivido pela humanidade, e sobre a impossibilidade do sistema econômico, político e cultural dominante apontar e conduzir saídas para a crise. Mas é também da sua responsabilidade afirmar e mostrar outros caminhos possíveis”. 11


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Pablo Solón | Analista internacional e ex-Embaixador da Bolívia na ONU

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Países em desenvolvimento temem a Economia Verde Países em desenvolvimento na defensiva

O rascunho do documento que é negociado para a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – mais conhecida como RIO+20 – passou por duas rodadas de negociação (Janeiro e Março) e agora inclui propostas de todos os países que enviaram ideias até a data limite de 29 de Fevereiro. O “Rascunho Pablo Solón Zero” tinha no início do ano 20 páginas e 128 parágrafos. O atual “documento compilado” (versão de 28/3/12) tem 222 páginas e várias centenas de parágrafos.

Diante dessa proposta agressiva dos países desenvolvidos, os países em desenvolvimento, reunidos no G-77 mais a China têm feito propostas essencialmente defensivas, reunidas no documento compilado em 28 de março passado. O Grupo dos 77 mais a China aglutina a 131 países em desenvolvimento e defende o conceito de desenvolvimento sustentável de 20 anos atrás. Não se opõe à “Economia Verde”, mas diz que é preciso respeitar a “soberania” dos Estados e o seu “direito ao desenvolvimento”. Pauta o tema da “Economia Verde” e “outras visões”, sem definir quais. Fala da necessidade de uma nova Ordem Econômica Internacional sem pronunciar-se claramente sobre o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial ou da Organização Mundial do Comércio (OMC). O parágrafo mais progressista diz: “é urgente lidar com a falta de uma regulação adequada e de um monitoramento do setor financeiro, a falta de transparência e integridade financeira, os riscos excessivos e os padrões de consumo e produção excessivos e insustentáveis dos países ricos”.

A principal proposta para a RIO+20 dos países ricos é a “Economia Verde”. Eles buscam desenvolver em âmbito mundial um conjunto de indicadores e medidas para quantificar e valorizar economicamente as distintas funções da natureza e introduzi-las no mercado por intermédio de uma série de mecanismos financeiros. Essa Economia Verde busca não somente a mercantilização da parte material da natureza, mas também a mercantilização dos processos e funções da natureza via o comércio dos serviços dos ecossistemas. Em outras palavras, a chamada Economia Verde busca não só mercantilizar a madeira das florestas, mas também a capacidade de absorção do dióxido de carbono das mesmas. Para essa Economia Verde, o desequilíbrio ambiental se deve ao fato de a natureza não ter sido tratada como capital. Por isso, pregam um capitalismo tridimensional, que inclui não só as máquinas e os seres humanos, mas também a natureza. O objetivo da Economia Verde é criar um ambiente propício para o investimento privado em água, na biodiversidade, nos oceanos, nas florestas e etc. Esses incentivos ao investimento privado incluem desde colocar preço na água até garantir os ganhos do investidor privado. A Economia Verde, longe de gerar produtos reais e tangíveis, desenvolverá um mercado fictício de bônus e certificados financeiros, que serão negociados por intermédio dos bancos. A grande banca que provocou a crise de 2008 e foi logo premiada com trilhões de dólares de recursos públicos terá agora a Natureza a sua disposição para especular e gerar lucros fabulosos. Os países ricos esperam que a RIO+20 lhes dê um mandato das Nações Unidas para iniciar o desenvolvimento de um conjunto de indicadores e mecanismos de medição, que eles creem que será a base para um mercado mundial de serviços ambientais e de ecossistemas. 12

Roberto Magalhães

“Economia verde”

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Entre as salvaguardas para a “Economia Verde” não há nenhuma proposta que diga que esta não deve implicar na valorização monetária da natureza e nem na mercantilização dos processos e funções da mesma. Para o G-77, “as estratégias baseadas no mercado são insuficientes por si só para assegurar uma distribuição igualitária do crescimento econômico”. Não há alertas ou comentários contra essas novas formas de mercado. Em resumo, enquanto os países ricos optam por um novo negócio com a natureza que os faça mais ricos, os países em desenvolvimento defendem propostas já acordadas no marco das Nações Unidas. Numa negociação em que um pede para mercantilizar a natureza e o outro só se defende, sem fazer propostas que realmente marquem uma mudança significativa para o Século 21, o mais provável é que o resultado seja mais do mesmo com algumas medidas de financeirização da natureza.

| rascunho zero |

Arquivo

E as propostas de Tiquipaya? Em 2010, a Bolívia realizou a Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra, em Tiquipaya, Cochabamba. Com a participação de 35 mil pessoas, das quais 9 mil eram delegados internacionais, aprovou-se uma proposta que vai muito mais além do desenvolvimento sustentável, porque fala não só em buscar o bem-estar das gerações futuras, como também o bem-estar da Mãe Terra. Defendeu-se um projeto de Declaração Universal de Direitos da Mãe Terra e se fez uma série de propostas concretas para que os orçamentos militares e de defesa fossem destinados à preservação da natureza, para que se promovesse a soberania alimentar, em oposição ao agronegócio, para que os serviços básicos fossem controlados pela sociedade, e não pela iniciativa privada, para que ser preservasse os direitos dos povos indígenas, para que não se mercantilize as florestas e etc. É surpreendente que a Bolívia não propôs a inclusão formal dessas propostas no documento compilado de 222 páginas, onde foram incorporadas todas as ideias que chegaram até a data limite de 29 de Fevereiro último. No documento de negociação aparecem os nomes de dezenas de países que fizeram propostas, e não aparece a Bolívia. A expressão “Mãe Terra”, acordada por consenso na Assembleia da Organização das Nações Unidas, não aparece no documento compilado. A ideia de “Direitos da Natureza” só aparece como uma saudação do G-77 mais a China à Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe. Não existe nenhuma proposta para se discutir a Declaração de Direitos da Mãe Terra no marco na RIO+20. Não podemos esperar a RIO+20 De 20 a 22 de Junho se dará no Rio de Janeiro a Conferência RIO+20. Lá estarão 80 chefes de Estado para tirar um foto juntos e fazer discursos, pois o documento que será aprovado já está sendo cozinhado nas rodadas de negociação que acontecem em Nova York, sede das Nações Unidas, bem perto onde ocorreu a ocupação de Wall Street. A próxima rodada de negociação será de 23 de Abril a 4 de Maio. É fundamental uma articulação em todos os países para nos pronunciarmos e mobilizarmos contra a Economia Verde mercantilizadora da natureza e para avançarmos por um caminho que resgate as propostas que vêm dos povos, como o Acordo dos Povos de Tiquipaya. ECO•21

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| rascunho zero |

André Abreu | Analista da Fundação France Libertés - Brésil

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A Economia Verde e os mercados da água

Quando o “Rascunho Zero” da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, chamada RIO+20, foi publicado em Janeiro, recebemos com satisfação a clara menção ao Direito à Água mencionada no Parágrafo 67, o capítulo mais importante nesse texto para todos aqueles que militam e trabalham pelo direito universal à água potável. Claro que sabíamos que esta primeira versão do texto deveria ser revisto, e palavras e conceitos removidos ou corrigidos pelos Estadosmembros. No entanto, as organizações sociais mobilizadas para o tema não poderiam imaginar que os governos liberais e os mercadores da água preparavam uma ofensiva para deletar e limitar toda menção ao direito à água no texto base para a Declaração da RIO+20. Presentes em Nova York em Março para a penúltima rodada de negociações oficiais na ONU, os grupos da sociedade civil envolvidos nas negociações puderam comprovar que alguns poucos países – pressionados pelos defensores de seus interesses financeiros – vêm trabalhando sistematicamente para apagar ou contornar qualquer menção sobre o direito à água do texto da RIO+20. Mais amplamente, esse mesmo grupo de países se empenha também em atacar outras referências aos direitos humanos e sociais, como o direito à soberania alimentar, os direitos das mulheres e os direitos dos povos indígenas. 14

Os argumentos daqueles que estão se opondo ao Direito à Água – União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Israel e Nova Zelândia, assim como dos grupos empresariais que tem cadeira nos “Major Groups” – é que a RIO+20 é uma oportunidade para fazer avançar a chamada “Economia Verde” e, portanto, não é o lugar para falarmos sobre direitos ou proteção do meio ambiente, mas sobre financiamento e investimentos, através da valorização do “Capital Natural” e da criação de novas oportunidades para o mercado. Três anos após o colapso do Banco Lehman Brothers e do caso Madoff, quando pudemos ver mais de perto os excessos e derivas do mercado financeiro desregulado, é no mínimo curioso ver os Estados se lançarem com tal apetite sobre as soluções para o acesso à água baseadas em mecanismos de mercado. As organizações da sociedade civil mobilizadas para a Cúpula dos Povos por justiça social e ambiental na RIO+20 – assim como a maioria das organizações sociais presentes nas negociações em Nova York – se opõem e condenam esse ataque frontal contra o direito à água – um principio legal aprovado em Julho de 2010 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Ab

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Na Fundação France Libertés, uma organização da sociedade civil, inscrita dentro dos “Majors Groups” da Conferência RIO+20, denunciamos também de forma mais abrangente o ataque sistemático contra o Direito à Água, aos Direitos Humanos e Sociais, o Direito à Soberania Alimentar, o Direito das Mulheres e os Direitos dos Povos Autóctones, que testemunhamos durante as negociações em Março na Organização das Nações Unidas, sob argumento de que precisamos avançar “concretamente” e que para isso temos que remover as barreiras e as regulações que impedem o avanço do livre comércio e do mercado “verde”.

| rascunho zero |

Christophe Taamourte

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No mínimo preocupante, senão assustadora, a visão dos grandes especuladores que perderam com a quebra da bolha imobiliária e financeira e que agora querem avançar sobre o chamado “Capital Natural”. Para isso, precisamos dar preço aos “serviços” da água como um primeiro passo, afastando o fantasma dos direitos humanos e da regulação dos Estados e logo criar nos próximos anos o que Mr. Buiter chama de “mercado unificado da água”. A historia do grande financista do Citi seria anedótica se fosse isolada, mas infelizmente estamos vendo grandes bancos e corporações transnacionais se lançando muito seriamente nesta empreitada.

Para entender melhor o que se esconde por trás desta polêmica “Economia Verde”, é bom ler o texto de Willem Buiter, Diretor do Citigroup, publicado no Financial Times: “Espero ver em breve uma expansão maciça do investimento no setor da água, incluindo a produção de água potável de várias fontes como purificação e dessalinização, assim como seu armazenamento e transporte. Espero ver sistemas de aquedutos que excedam a capacidade de transporte de petróleo e gás dos dias de hoje. Vejo sistemas de tubulação e redes para o transporte de água, com a ambição e a escala dos que estão atualmente em curso na China ligando o Rio Yangtze, no Sul do Rio Amarelo, ao seu Norte árido. Espero ver um mercado mundial integrado de água potável nos próximos 25 a 30 anos. Pois uma vez que os mercados de água estejam integrados, produtos financeiros e outros derivativos indexados sobre a água vão aparecer – swaps, fundos de ações – tanto negociados na bolsa tradicional como em mercados futuros. Haverá diferentes qualidades e tipos de água doce, exatamente como temos petróleo “light sweet crude” e “heavy”. A água como “asset”de ativos financeiros será, na minha opinião, base para os produtos financeiros mais importantes, superando o petróleo, o cobre, as commodities agrícolas e os metais preciosos.” ECO•21

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No ultimo Fórum Mundial da Água, em Marselha, foi igualmente radical o discurso do Presidente da Nestlé, Peter Brabeck. Segundo ele, só as grandes corporações podem garan-tir o financiamento para o acesso à água, e por isso devem ter total liberdade e apoio dos Estados e da ONU para decidir como fazê-lo. Mesmo se naturalmente aprovamos a transição ecológica em direção a uma economia de baixo carbono ambientalmente menos agressiva, e sabemos que para isso teremos que contar com a responsabilidade e participação do setor privado, não podemos aceitar que a RIO+20 entre para a história como a consagração do domínio dos mercados financeiros e do setor privado sobre os bens comuns essenciais à vida. Segundo Danielle Mitterrand, o tempo dirá quais políticos tomaram decisões que levaram a humanidade para um beco sem saída. Diante da visão dos mercados, temos que agir com urgência para construir um espaço político e social que promova outra visão do nosso elemento vital: a água, como bem comum, que deve permanecer livre de interesses privados e gerido para o benefício geral. Tomara que o tempo não seja curto demais para que nossa sociedade e nossos líderes compreendam que poderosos interesses se escondem por trás do belo conceito de “Economia Verde”. 15


| recursos hídricos |

Bráulio Ferreira de Souza Dias | Secretário-Executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica

Elza Fiúza - ABr

Um mundo com água e alimentos para todos

É um desafio significativo: existem oportunidades limitadas para expandir as áreas cultiváveis sem comprometer outros usos da terra, além do fato da agricultura estar atualmente muito dependente de insumos externos e combustíveis fósseis. A disponibilidade de água é considerada a principal restrição para o alcance de maiores ganhos na produção agrícola. Enquanto que nós precisamos de aproximadamente dois a quatro litros de água por dia para beber, são necessários entre dois mil e cinco mil litros de água para produzir a alimentação diária de uma pessoa. A agricultura já é responsável por 70% do uso da água e há cada vez mais competição com outros usos, em particular com a indústria e a rápida expansão da população urbana. Avaliações recentes concluem que, globalmente, nós já estamos atingindo o limite do uso sustentável da água e que esse limite já foi excedido em muitas áreas, como podemos observar no esgotamento generalizado dos fluxos dos rios, na perda contínua de zonas úmidas, na desertificação e na poluição das águas em escalas continentais. Segurar a alimentação das gerações futuras depende da construção de uma parceria de sucesso em torno da gestão sustentável da água.

NRCS

Atualmente existem cerca de 7 bilhões de pessoas para serem alimentadas no nosso Planeta. Nas três últimas décadas foram alcançados grandes avanços na produção de alimentos para a população mundial. Enquanto a crise alimentar, amplamente prevista nos anos 60 e 70, foi evitada com sucesso devido à chamada “Revolução Verde”, Bráulio Dias o progresso veio com um custo ambiental significativo. As perdas de áreas naturais, a poluição dos cursos de água e o esgotamento das fontes de água doce tiveram grandes impactos sobre ecossistemas e biodiversidade. Mesmo assim, muitas pessoas continuam sem comida suficiente ou sem acesso a alimentos com o adequado valor nutricional. A maioria das projeções sugere que será necessário um aumento de 70% na produção de alimentos para uma população global que, segundo as estimativas, até o ano de 2050 será de 9 bilhões.

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Nesse sentido, precisamos gerir melhor nossos ecossistemas a fim de que eles possam nos ajudar a manter água para a produção de alimentos, em face da crescente escassez da mesma. Nossas políticas precisarão reconhecer o importante papel do armazenamento natural da água, feita por ecossistemas saudáveis. Balanços hídricos em solos, terras úmidas e águas subterrâneas, e sua relação interdependente com fluxos de água das terras úmidas e das coberturas de terra, como as florestas, são componentes críticos do ciclo da água. O melhor uso de água da chuva na agricultura, considerado muito importante para o aumento da produção sem irrigação, envolve essencialmente o melhor uso da biodiversidade do solo para sustentar a disponibilidade de água para as culturas. Os ecossistemas fornecem “infraestrutura natural de água”, a qual precisa ser considerada de forma paralela além de complementar à infraestrutura física da água, como são as barragens, as represas e outras abordagens distintas de irrigação. Tais abordagens estão no coração do “Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020” e das “Metas de Aichi”, adotadas na COP-10 da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica realizada em Nagoya, Japão, em Outubro de 2010. Houve uma mudança para além do diálogo de “trade-offs” entre biodiversidade, água e produção de alimentos para o reconhecimento de que existem objetivos mútuos, com significativas oportunidades de sucesso para ambas as partes. A biodiversidade está cada vez mais sendo vista como uma solução para problemas. Reconhecendo-se isso, e com a aplicação fiel do “Plano Estratégico”, apoiado por uma forte vontade política, podemos realizar o objetivo de alcançar um mundo com água e alimentos suficientes para todos até 2050. Através dessas ações, poderemos fazer nossa segunda revolução agrícola realmente “verde”.

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A “Revolução Verde” anterior não poderá ser repetida a fim de enfrentar o desafio de se atingir a segurança alimentar no futuro. Porém, o sucesso é alcançável, deslocando-se o foco da simples intensificação para a intensificação sustentável. Central a isso será a segurança da água, para apoiar a segurança alimentar. Neste processo, a biodiversidade desempenha importante papel. A diversidade genética que existe dentro dos sistemas agrícolas e na natureza é um recurso-chave para encontrar as melhores sementes e as variedades de animais necessárias para o uso eficiente da água. A biodiversidade também é importante através do seu papel de apoiar as funções do ecossistema e os serviços e benefícios que eles oferecem. Quanto à água, estes dados são significativos: a quantidade de água disponível e sua qualidade são bastante influenciadas pelos ecossistemas. Chuvas são influenciadas pela transpiração das plantas em escalas regionais. Vegetações de floresta mantêm a estabilidade do solo, regulando a erosão. A biodiversidade do solo desempenha um papel fundamental, permitindo que a água penetre no solo e seja armazenada lá, facilitando a recarga das águas subterrâneas, assim como a reciclagem de nutrientes, para apoiar a produção agrícola sustentável. A agricultura de conservação é uma abordagem que aproveita os benefícios da biodiversidade, reduzindo a perturbação do solo e a aplicação de químicos, o que mantém a cobertura do solo e reduz o uso de água, enquanto aumenta a produção e a rentabilidade agrícola de forma sustentável. A “Iniciativa Internacional para a Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade dos Solos”, no âmbito da Convenção Sobre Diversidade Biológica, está desempenhando um papel-chave ao apoiar tais abordagens. A agricultura já é um negócio arriscado, principalmente em relação à água. Mudanças climáticas estão adicionando riscos e irão atingir ecossistemas e, consequentemente, a agricultura, em grande parte através da mudança na disponibilidade da água.

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| recursos hídricos |

Johanna Treblin | Jornalista da Envolverde/IPS

Banco Mundial privatiza a água Apesar de ficar demonstrado que a privatização da água é prejudicial para os pobres, um quarto dos fundos do Banco Mundial vão diretamente para empresas do setor, afirma um documento divulgado ontem. O estudo assegura que o Banco apoia as empresas privadas da água, passando por cima de governos e de seus próprios padrões de transparência. As populações de muitos países do Sul em desenvolvimento têm difícil acesso a água potável, e o enfoque para remediar este problema tem sido depender cada vez mais de empresas privadas. Entretanto, isto é pernicioso, segundo o informe da ONG Corporate Accountability International (CAI), com sede nos EUA. A CAI exortou o Banco Mundial a deixar de financiar o setor privado da água e mudar a direção dos fundos para focá-los em instituições públicas e democraticamente responsáveis. A divulgação do informe, intitulado Shutting the Spigot on Private Water: Case for the World Bank do Divest (Fechando a torneira para a água privada: argumentos para que o Banco Mundial desinvista), coincide com o início das reuniões que esse organismo realiza com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A Corporação Financeira Internacional (CFI), ramo do Banco dedicado a fomentar o desenvolvimento econômico por meio do setor privado, investiu US$ 1,4 bilhão em empresas de água desde 1993, segundo o estudo.

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Até Janeiro de 2013, os investimentos crescerão US$ 1 bilhão ao ano. O informe também assinala que, para cada dólar que a CFI coloca em um projeto, ela atrai entre US$ 14 e US$ 18 em investimentos privados complementares. Isto explica porque o Banco Mundial e a CFI continuam financiando companhias privadas de água, mesmo quando cerca de um terço de todos os contratos assinados entre 2000 e 2010 fracassaram ou estão em risco de fracassar, quatro vezes mais do que no caso de projetos de infraestrutura nos setores de eletricidade e transporte, segundo a CAI. “Em lugar de se concentrar em garantir o acesso a água potável inclusive economicamente, o Banco Mundial promove medidas que deixarão mais cara a água para os consumidores”, diz, por outro lado, um informe de 2010 da ONG Food and Water Watch. O alto custo também pode ser definido em termos humanos. O mesmo documento indica que a má qualidade da água e do saneamento permite a propagação de parasitas que “são a principal causa de doenças e mortes no mundo em desenvolvimento”. A CAI também crítica vários conflitos de interesses, como o fato de o Banco Mundial ser dono de empresas do setor da água enquanto se apresenta como conselheiro imparcial. No fim das contas, o “Banco Mundial é o motor por trás desta invasão corporativa nos sistemas e nos serviços de água”, afirmou a CAI em seu site. O Banco Mundial estimula os países a privatizarem seus sistemas de água ou modificá-los para que tenham por foco o lucro, acrescentou. O Banco Mundial também promove o desenvolvimento de infraestruturas que oferecem vantagens para os “usuários de grandes corporações, acima dos interesses dos indivíduos ou das comunidades”, afirma Kelle Louaillier, Diretora-Executiva da CAI. “Em meio a uma crise mundial da água, o Banco está desperdiçando os recursos necessários para salvar milhões de vidas. Seus estatutos estabelecem que deve ajudar os que têm mais necessidade, mas sua aposta financeira nas corporações da água está criando perversos incentivos que solapam a própria missão do Banco”, enfatizou. Segundo a CAI, as privatizações prejudicam os mais pobres, limitando o acesso ao recurso e afetando os direitos humanos, com ocorreu em Manila, Filipinas, onde o Banco Mundial ajudou o governo filipino a desenhar um plano de privatização. “Anos depois, muitos moradores de Manila ainda carecem de água, e os problemas de acesso se agravaram”, disse Shayda Naficy, especialista da CAI. “A CFI chama isso de êxito, e foi, para seus investidores. Contudo, é um tremendo fracasso do ponto de vista dos moradores e seu direito à água”, ressaltou. Por outro lado, um porta-voz do Banco Mundial disse que o informe da CAI desvirtua o papel do órgão e carece de profundidade. “Os serviços de financiamento e assessoria da CFI asseguraram água potável e saneamento a mais de 20 milhões de pessoas até 2011”, afirmou. “Se mudam as hierarquias, existe a possibilidade de o Banco mudar seu curso”, disse Louaillier antes da eleição do novo Presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim. Ab

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| energias renováveis |

Lauro Fiúza Junior | Vice-Presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica)

Energia eólica cresce nos mercados emergentes

Mark Rumsey – Sandia

A indústria de energia eólica global instalará mais de 46 GW de nova capacidade em 2012. Esse é um dado que faz parte da previsão de crescimento da indústria eólica mundial para os próximos cinco anos, publicada no último dia 17 de abril, no Relatório anual do Conselho Global de Energia Eólica (Global Wind Energy Council - GWEC). Até o final de 2016, a capacidade total de energia eólica mundial será pouco menor do que 500 GW, diante de um mercado anual de cerca de 60 GW previsto para esse período.

Tendo contribuído com informações e dados nesse documento desde a edição de 2008, a ABEEólica - Associação Brasileira de Energia Eólica, instituição que congrega e representa o setor de energia eólica no País, participou presencialmente, pela primeira vez, do lançamento global do Relatório e de uma coletiva de imprensa com a participação dos mais importantes líderes do setor eólico mundial. Representando o Brasil no evento do Conselho Global de Energia Eólica estávamos Pedro Perrelli, Diretor Executivo da ABEEólica e o autor destas linhas. Segundo a nova edição do Global Wind Report 2011, o mercado latino-americano é dominado pelo Brasil, que vem se estabelecendo como um grande mercado internacional. Com uma base industrial robusta capaz de abastecer um mercado em franco crescimento no Cone Sul, o País será responsável, em vasta maioria, pelo crescimento regional até 2016. 20

O Brasil se encontra entre as quatro nações que mais crescem no setor eólico, ficando atrás somente de China, Estados Unidos e Índia. Em 2015 seremos o 10º maior produtor de energia eólica do mundo. Atualmente, nossa capacidade instalada é de 1.471 MW e o nosso potencial gira em torno de 300 GW. Temos um futuro promissor e ainda há muito espaço para crescimento. Em geral, o Conselho Global de Energia Eólica projeta taxas médias anuais de crescimento de mercado de cerca de 8% para os próximos cinco anos, com uma boa perspectiva para 2012 e uma queda substancial em 2013. As instalações totais para o período 2012-2016 devem chegar a 255 GW, com um crescimento cumulativo médio do mercado um pouco abaixo de 16%. Para os próximos cinco anos, o crescimento anual do mercado será impulsionado principalmente pela Índia e pelo Brasil, com significativas contribuições de novos mercados na América Latina, África e Ásia. Pelo segundo ano consecutivo, a maioria das novas instalações, estava fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e essa tendência prosseguirá. A Ásia continuará a ser o maior mercado do mundo com muito mais novas instalações do que qualquer outra região, instalando 118 GW entre agora e 2016, e superando a Europa como o líder mundial em capacidade instalada acumulada em algum momento durante 2013. Depois de quase uma década de um crescimento de dois e três dígitos, o mercado chinês finalmente se estabilizou, e permanecerá nos níveis atuais pelos próximos anos. Pela primeira vez, em 2011, a Índia alcançou um mercado anual de 3 GW e deverá atingir 5 GW até 2015. Já o futuro do sistema de energia do Japão, com a rejeição quase universal da energia nuclear após a triple tragédia em 11 de Março 2011, dá esperanças para a indústria eólica recomeçar no país. O mercado europeu se mantém estável e, considerando o quadro político e metas da Europa até 2020, é pouco provável que aconteçam grandes surpresas. A Alemanha teve um forte ano em 2011 e a decisão do governo de eliminar progressivamente toda a energia nuclear até 2020 dá à indústria um novo impulso. A Espanha teve um ano decepcionante e, em 2012, é provável que isso se repita. Mas, Romênia, Polônia, Turquia e Suécia continuaram a desempenhar seus papéis dentro do cenário de crescimento. O GWEC espera que o mercado norte-americano tenha um forte 2012, visto que Canadá e México instalarão mais de 1.000 MW para complementar um ano que começou com mais de 8 GW em construção. Em geral, estão previstos pouco mais de 50 GW para serem instalados entre 2012 e 2016 na América do Norte, elevando a capacidade instalada total para pouco mais de 100 GW no final do período. Ab

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| energias renováveis |

Luiza Torres | Jornalista

Pituaçu é o primeiro estádio solar da América Latina No sistema de geração foram utilizados 2.302 módulos fotovoltaicos, 52 inversores, equipamento responsável por adequar a eletricidade gerada às características da rede, foram construídas três salas para os inversores e instalado um sistema de medição e aquisição de dados elétricos e ambientais. De acordo com Marcelo Correa, da Neoenergia, o sistema fotovoltaico, instalado em Pituaçu, está conectado à rede elétrica de distribuição, permitindo que toda a energia elétrica solar produzida seja enviada para a rede da COELBA.

Manu Dias - SECOM - BA

Estádio autossuficiente na produção de energia. Desta forma, o Estádio Roberto Santos (Pituaçu) entra para a história do futebol mundial como o primeiro da América Latina com energia solar. O sistema, conhecido como “Pituaçu Solar” foi inaugurado no dia 10 deste mês / Governador Jaques Wagner, o Secretário do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE), Nilton Vasconcelos, e os presidentes Marcelo Correa, do Grupo Neoenergia e Moisés Sales, da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA).

Governador Jaques Wagner na inauguração do sistema de energia solar do Estádio Pituaçu

Com a utilização dessa energia renovável, o Governo do Estado estima economizar cerca de R$ 120 mil/ano, além de fomentar o uso de novas tecnologias sustentáveis. A energia solar gerada e interligada à rede de distribuição será equivalente a 630 MWh ao ano, capaz de abastecer 525 residências. O projeto, que custou mais de R$ 5,5 milhões, dos quais R$ 3,8 milhões aplicados pela Coelba e R$ 1,75 milhão pelo governo estadual foi executado pela COELBA. O consumo médio anual do estádio é de 360 MWh, o excedente de energia gerado é de 270 MWh será compensado do consumo de energia elétrica da SETRE. “A energia, além de suprir as necessidades do estádio, ainda vai contribuir para o consumo de energia elétrica do Governo do Estado. A economia que vamos fazer ao longo dos anos justifica os investimentos feitos com a instalação do projeto”, afirmou o Secretário Nilton Vasconcellos. ECO•21

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Para o Governador Jaques Wagner, o estádio de Pituaçu, que é candidato a centro oficial de treinamento do Mundial de Futebol da FIFA, em 2014, segue uma tendência mundial quando utiliza energia limpa em um equipamento esportivo. “Fico feliz pela Bahia estar dando exemplo de sustentabilidade e inaugurar o primeiro estádio da América Latina com energia limpa. Vale a pena investir neste tipo de energia, porque, além da economia, estamos ajudando na proteção do meio ambiente. Esperamos que o exemplo seja repetido em outros lugares”. Além do sistema de energia solar, a economia de energia do estádio de Pituaçu ocorrerá também com a substituição dos projetores por holofotes. Para isso, foi assinado um convênio entre Governo do Estado e COELBA com investimento de aproximadamente R$ 844,8 mil. Os novos equipamentos vão proporcionar maior nível de iluminação. 21


| justiça ambiental |

Diogo Ferreira da Rocha | Sociólogo, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz

Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil O Mapa de Conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil1 é resultado da vasta experiência acumulada pelo movimento brasileiro de luta por justiça ambiental – em grande parte capitaneado pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA). Nascido do debate a respeito do modelo de desenvolvimento existente no país e suas articulações com a economia global, abrange contextos de degradação, racismo, injustiça e desigualdades sociais dele resultantes ou por ele intensificadas.

O mapa foi lançado oficialmente na Internet em Janeiro de 2010, com 297 casos pesquisados. Assim como muitos projetos derivados da articulação entre diferentes setores sociais para a construção do conhecimento e para a luta social, desde a sua origem o mapa foi movido por duas forças propulsoras de grande fecundidade: a necessidade e o desejo. Necessidade de enfrentar as diversas situações de discriminação e injustiça que levam ao empobrecimento de uma parcela já destituída de direitos econômicos e sociais da sociedade brasileira, mas também de construir novos referenciais teóricos e conceituais para o entendimento dos processos que estão no cerne dos conflitos ambientais. E desejo de transformação da realidade social. Herdeiro de iniciativas locais de mapeamento de conflitos ambientais, de situações de racismo ambiental ou de impactos à saúde de populações vulneráveis produzidos pelo padrão de desenvolvimento hegemônico, o projeto foi realizado por uma parcela da academia brasileira incomodada com o papel assumido majoritariamente por seu próprio campo de atuação. 22

Um papel de suporte teórico e tecnológico a processos que geram injustiças ambientais e de legitimação de discursos que tendem a obscurecer as causas ou a apoiar soluções paliativas para problemas urgentes e estruturais. Um papel que contribui para inviabilizar a explicitação das consequências negativas de projetos ou processos desenvolvimentistas sobre a integridade dos ecossistemas, a saúde e o bem-estar das comunidades, cuja reprodução social depende da biodiversidade e de outros recursos naturais presentes nos territórios em disputa. O conceito de território que embasa as análises presentes no mapa vai além da concepção hegemônica que vê o território como um mero conjunto de unidades administrativas formalmente constituídas sob o controle dos diversos níveis da administração estatal. Ele avança na tentativa de abranger as áreas que, apesar de carecerem de registro cartorial ou de caracterização dentro do arcabouço jurídico vigente, são fundamentais para o exercício da territorialidade das diversas formas de organização cultural e social existentes em nosso país. Após décadas de luta por reconhecimento, os povos e comunidades tradicionais 2 são hoje cada vez mais legitimados legal e socialmente. São também os principais atores sociais que enfrentam (muitas vezes pagando com a própria vida e saúde) o avanço da economia capitalista sobre biomas e ecossistemas preservados pelo manejo tradicional ou pela não incorporação desses territórios à economia global no passado. Ao delinear os conflitos em que essas comunidades estão envolvidas, bem como os impactos ambientais e suas consequências sobre a saúde coletiva, o mapa tem como principal objetivo romper com a invisibilidade dessas situações e suas causas. Também busca apontar a influência do Estado e das dinâmicas econômicas contemporâneas sobre a desestruturação dos laços sociais, de formas não capitalistas de organização social e de economias que funcionam para além do mercado, com base em mecanismos de solidariedade e de cooperação. 1- O mapa é resultado de uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), com o apoio do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. 2- Categoria que abrange povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, extrativistas, geraizeiros, vazanteiros, caatingueiros, caiçaras, comunidades rurais, faxinalenses, catadores de frutos diversos, entre outros, incluindo os agricultores familiares.

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Os povos indígenas são os mais impactados pelos conflitos ambientais (representando 33% dos casos mapeados até 2011), seguidos pelos agricultores familiares (31%), quilombolas (21%), pescadores artesanais (14%) e vilas ribeirinhas (13%). Esses dados corroboram a afirmação de que as comunidades tradicionais são as principais vítimas do avanço territorial da economia capitalista. Com a continuidade do projeto, esperamos manter uma base de dados atualizada e relevante como instrumento de democratização das informações sobre os conflitos ambientais e de desocultamento dos processos econômicos e políticos a eles subjacentes. Além disso, o mapa tem como objetivo permitir a troca de experiências e estratégias entre comunidades atingidas pela injustiça e racismo ambiental. Ana Huara

A iniciativa visibiliza, portanto, as cargas de dor e sofrimento infligidas a comunidades cujo principal capital é a capacidade de reprodução a partir do manejo dos recursos naturais. Esse esforço requer o resgate das trajetórias de luta, dos dilemas envolvidos, das histórias de vida das comunidades e da busca de alternativas de desenvolvimento. Como resultado, a denúncia de que é sobre essas populações e territórios que recaem prioritariamente os custos sociais e ambientais do avanço das monoculturas, da pecuária, da mineração, das indústrias eletrointensivas, dos grandes projetos de infraestrutura e energéticos. No processo inicial de elaboração do mapa, foi realizado um extenso levantamento em bases de dados dos movimentos sociais identificados à luta contra o racismo e a injustiça ambiental e engajados na defesa dos direitos humanos e da justiça socioambiental. As principais fontes de informação dos casos apresentados provêm do acúmulo da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e de seus Grupos de Trabalho (GTs). Dentre eles, destacamos o GT Químicos e o GT Combate ao Racismo Ambiental, este último autor da iniciativa do Mapa do Racismo Ambiental no Brasil, que embasou não só a elaboração do formulário utilizado pelos pesquisadores como a sistematização dos primeiros 120 conflitos registrados. Parte dos documentos resgatados encontrava-se disponibilizada no Banco Temático, ferramenta acessível pela Internet elaborada pela FIOCRUZ e pela ONG Fase. A sistematização dos casos inspirou-se também na experiência de vários parceiros, como o Mapa dos Conflitos Ambientais no Estado do Rio de Janeiro, elaborado pela FASE/ IPPUR/UFRJ; o Mapa dos Conflitos Socioambientais da Amazônia Legal, da FASE-Belém; o projeto da Nova Cartografia Social, organizado pelo pesquisador Alfredo Wagner de Almeida; trabalhos realizados por universidades e centros de pesquisa; e os relatórios da Plataforma Dhesca Brasil, em especial da Relatoria de Meio Ambiente. Essas fontes foram complementadas com informações da mídia ou de instituições parceiras das comunidades em conflito, assim como do Ministério Público e da Justiça, que forneceram dados sobre ações ou processos judiciais em andamento. A partir desse levantamento, foram elaboradas cerca de 300 fichas iniciais, às quais foram posteriormente agregadas outras 100. Cada ficha registra o local do conflito, a população atingida, o tipo de dano à saúde e/ou de agravo ambiental, apresentando ainda uma síntese e um contexto ampliado do conflito, indicando os seus responsáveis, os apoios recebidos, as soluções buscadas e/ou encontradas, além das fontes consultadas. Todas as fichas foram primeiramente armazenadas em um banco de dados construído a partir de tecnologia desenvolvida pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Depois de revisadas, foram validadas por pesquisadores ligados aos movimentos sociais de cada estado, para garantir a fidedignidade das informações coletadas e suprir possíveis lacunas existentes nas fontes consultadas. Após a revisão e a edição no formato definitivo, as fichas foram georreferenciadas por uma equipe do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz (LIS/ ICICT/ FIOCRUZ) e lançadas numa Plataforma Google. Numa primeira leitura dos dados, foi possível verificar que, em pelo menos 60% dos casos identificados, as populações atingidas estão situadas em áreas rurais. Outros 10% vivem nas periferias dos grandes centros urbanos.

| justiça ambiental |

Nesse sentido, a divulgação de casos de conflito em que as comunidades asseguraram seus direitos territoriais e sociais ou impediram a violação de direitos humanos essenciais (especialmente o acesso a um meio ambiente equilibrado e à saúde) pode reforçar resistências e apontar caminhos. O mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil também procura servir de ferramenta para que setores da administração pública engajados na redução das desigualdades e iniquidades sociais obtenham informações atualizadas a respeito das demandas e necessidades de saúde das comunidades envolvidas a partir de seus próprios discursos. Para alcançar o objetivo de privilegiar o relato das comunidades, a iniciativa tem contado com o apoio do Ministério Público, das defensorias e de redes de advogados populares de alguns estados. Como horizonte de longo prazo, o mapa pretende contribuir para o fortalecimento da luta das comunidades atingidas e para a redução das vulnerabilidades socioambientais resultantes de um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente insustentável. 23


| política ambiental |

Amy Goodman | Editora de Democracy Now

Karl Gabor

O clima está preso por um fio Nasheed realizou uma reunião ministerial embaixo da água, na qual seu gabinete vestia equipamentos de mergulho, para ilustrar o potencial desastre. Nasheed declarou: “A mudança climática é um problema real e está acontecendo agora. Não é um problema do futuro. Qualquer desequilíbrio na natureza terá impactos enormes nas Ilhas Maldivas e não só nestas ilhas, em outras regiões costeiras do mundo também. Acho que cerca de um terço da população mundial vive em zonas costeiras e se verá gravemente afetada se não fazemos algo para combater a mudança climática nos próximos anos. Deve-se alcançar um acordo internacional para reduzir as emissões de carbono”. Em Fevereiro deste ano, Mohamed Nasheed foi derrubado da presidência à ponta de pistola. O Governo de Obama, através da porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland, disse sobre o golpe de Estado: “atuaram dentro do marco constitucional”. Quando falei com o Presidente Nasheed no mês passado, me disse: “Foi muito surpreendente e muito preocupante que o Governo dos EUA reconhecesse de imediato o restabelecimento da antiga ditadura. Temos que reinstaurar a democracia no nosso país. É uma democracia muito jovem. Conseguimos ter eleições multipartidárias recém em 2008, e só durou três anos. Em seguida houve um golpe de Estado muito bem planejado. Nos surpreendeu que os Estados Unidos reconhecessem tão rápido o novo regime”. Há um paralelismo entre as posições nacionais sobre mudança climática e o apoio ou a oposição ao golpe nas Maldivas.

Shahee Ilyas

O Pentágono a conhece; as principais empresas de seguros do mundo a conhecem; os governos podem ser derrubados por causa dela: é a mudança climática, e é real. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), em Março se registraram temperaturas recordes no país, convertendo-o no Março Amy Goodman mais quente desde que começou a ser feito o registro, em 1895. As temperaturas estiveram 4,8°C acima da média, foram batidos mais de 15 mil recordes de temperaturas máximas em nível nacional. A seca, os incêndios florestais, os tornados e outros eventos climáticos extremos já estão afetando o país. No outro lado do mundo, nas ilhas Maldivas, o aumento do nível do mar continua ameaçando esse arquipélago do Oceano Índico. Trata-se da nação mais baixa do mundo, com uma média de apenas 1,3 metro sobre o nível do mar. A grave situação das Maldivas foi notícia em nível mundial quando seu jovem presidente, o primeiro presidente eleito democraticamente no país, Mohamed Nasheed, se converteu em uma das principais vozes do mundo que se levantou contra as mudanças climáticas, em particular na etapa prévia à Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU realizada em Copenhague em 2009.

Malé, capital das Ilhas Maldivas

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Mauroof Khaleel

Enquanto isso, em Março se registrou o primeiro desastre climático do ano nos Estados Unidos, que provocou mais de um bilhão de dólares em danos. Os tornados que castigaram quatro dos Estados centrais do país deixaram um saldo de 41 mortos. O Dr. Jeff Masters, da página web de informação meteorológica Weather Underground, escreveu em seu blog que as temperaturas recordes registradas em Março “não só foram minimizadas, mas foram modificadas”. No dia 23 de Março, o governador do Texas, Rick Perry (Conservador), renovou o estado de emergência declarado no ano passado como consequência das fortes secas. Mil dos 4.710 sistemas de gestão comunitária da água do Texas estão sofrendo restrições. A localidade texana de Spicewood, com uma população de 1.100 habitantes, ficou sem água e agora dependem da distribuição de água em caminhões cisterna. Enquanto os habitantes enfrentam fortes restrições no uso da água, para o governador Perry restringir o uso da água às empresas que emitem os gases de Efeito Estufa, que provocam a mudança climática, seria impensável. Mitt Romney está por converter-se no candidato Republicano à Presidência e conta com o apoio de ex-rivais como Perry. Os Republicanos já começaram a atacar o Presidente Obama com respeito às políticas sobre mudanças climáticas. O Conselho Estadunidense de Intercambio Legislativo (ALEC), promoveu leis nas câmaras de deputados estaduais que se opõem a qualquer legislação sobre o clima e incitou os membros do Congresso a que bloqueiem todo tipo de ação federal, em particular, que obstaculizem o trabalho da Agência de Proteção Ambiental (EPA). Como detalhou o Center for Media and Democracy (Centro de Estudos sobre Mídias e Democracia) em seu informe denominado “ALEC Exposed”, a ALEC conta com o financiamento das principais empresas contaminadoras do país, como ExxonMobil, BP America, Chevron, Peabody Energy e Koch Industries. Os irmãos Koch também financiaram grupos do Tea Party como o grupo Freedom Works, para dar a impressão de que fazem ativismo social. Este período eleitoral provavelmente será marcado por mais eventos climáticos extremos, com a consequente perda de mais vidas e bilhões de dólares em danos. Enquanto o presidente Nasheed se esforça para voltar a apresentar-se como candidato à presidência que lhe foi arrebatada, o Presidente Obama tenta aferrar-se à sua. Entretanto, o clima está preso por um fio.

Mohamed Nasheed

Nasheed é o personagem principal de um novo documentário denominado “The Island President” (O Presidente da Ilha), que mostra sua notável trajetória. Durante a ditadura de Maumoon Abdul Gayoom foi um destacado militante estudantil que foi preso e torturado, como muitos outros. Em 2008, quando finalmente se celebraram eleições no país, Nassheed derrotou Gayoom e acabou eleito Presidente. Entretanto me disse: “É fácil derrotar um ditador, mas não é tão fácil livrarse de uma ditadura. As redes, as dificuldades, as instituições e tudo o que foi estabelecido pela ditadura continua em pé, inclusive depois das eleições”. No dia 7 de Fevereiro de 2012 pela manhã, Nasheed renunciou, após generais rebeldes do exército ameaçarem de morte ele e seus seguidores. Embora ainda não se tenha achado nenhum vínculo direto entre o ativismo contra a mudança climática de Nasheed e o golpe, ficou claro que, durante a Cúpula de Copenhague em 2009, foi uma pedra no sapato para o Governo de Obama. Nasheed e outros representantes da Aliança de Pequenos Estados Insulares (APEI), assumiram a postura de defender a futura existência de seus países e de construir alianças com grupos de base como 350.org, que se opõe às políticas sobre o clima dominadas pelas empresas. National Weather Service

Green Wave

| política ambiental |

Tornado em Lancaster, Texas em 3 de Abril de 2012

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Danos causados por tornado em Dallas, Texas

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| entrevista |

Lúcia Chayb | Diretora da Revista ECO•21

Todas estamos contribuindo para um mundo sustentável Entrevista com Nádia Ferreira SDS

Secretária do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas Como mulher à frente da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Amazonas, que avanços pode apontar em termos de conquistas das mulheres neste Século? O movimento das mulheres pela igualdade ao longo da história tem conquistado avanços graduais e constantes. Porém, nenhum país possui igualdade total entre homens e mulheres; certamente ampliaram-se as oportunidades profissionais e a participação da mulher na política, que já é uma grande conquista. Mas, há muitos obstáculos, ainda, por vencer que incluem: a diferença salarial entre os dois sexos e a pouca participação feminina em cargos políticos, apesar das mulheres terem maior escolaridade de que os homens e representar mais da metade da população. As conquistas voltadas para a ampliação dos direitos das mulheres têm sido muitas, talvez não na velocidade desejada, mas destaco o planejamento familiar, a união estável; as cotas por sexo para as eleições proporcionais, a proteção ao mercado de trabalho das mulheres; o registro de paternidade, apenas para citar algumas.

Nádia Ferreira

A Secretária do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas, (SDS) Nádia Cristina d’Ávila Ferreira, após sua participação no “I Encontro de Comunicação Socioambiental do Amazonas”, concedeu esta entrevista à ECO•21. Nadia Ferreira é Mestre em Biologia de Água Doce e Pesca no Interior no Instituto Nacional de Pesquisas do Amazonas (INPA/FUA) e possui pósgraduação em Gestão pela Qualidade Total pela Instituto Euvaldo Lodi (CNI/UFAM). Atua no Governo do Estado desde 2003. Foi Coordenadora do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Gasoduto Coari-Manaus. Assumiu a SDS em Fevereiro de 2008 28

Qual a participação da mulher nos setores governamental e empresarial na busca pelo desenvolvimento sustentável no Brasil e no mundo? As mulheres, no decorrer da história, têm participado do fortalecimento das diferentes cadeias produtivas no Brasil e no mundo, consequentemente, a autonomia conquistada pelas mulheres está interligada com o desenvolvimento sustentável, principalmente, no que diz respeito à inclusão social e aos novos papéis sociais assumidos por elas. De que forma as mulheres podem contribuir para a formulação de políticas na conquista de mais espaços na vida pública? Uma das formas é participar ativamente dos movimentos de mulheres em nível federal, estadual, municipal e local, espaços que se constituem na interlocução entre o Estado e os diferentes segmentos da sociedade, na formulação de políticas públicas e na elaboração de legislação específica para as mulheres. Os Conselhos nacionais, estaduais ou municipais dos Direitos da Mulher, são fóruns importantes para discussão dos diversos Programas direcionados para a construção da cidadania das mulheres e a equidade de gênero. Ab

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Em quais setores da produção (ou dos serviços) é possível avançar mais rapidamente com ações sustentáveis?

Os Estados da Amazônia Brasileira possuem riquezas socioambientais e culturais únicas, os modelos de desenvolvimento sustentável devem considerar a valorização do patrimônio ambiental, a partir de uma economia baseada no uso sustentável dos recursos naturais e no respeito à diversidade sociocultural. Os estados amazônicos têm contribuído para a redução do desmatamento ilegal e na ampliação de áreas protegidas, que visam à conservação da biodiversidade e a valorização da população tradicional. Entretanto, é essencial estimular o aumento da eficiência produtiva em áreas consolidadas e incentivar práticas que aliem desenvolvimento e equilíbrio do patrimônio natural. Nossa expectativa é de que o Governo Brasileiro adote compromissos e obrigações referentes ao desenvolvimento sustentável da Amazônia Brasileira, por meio da implementação efetiva de políticas concretas e do reconhecimento da importância desta região e de seus serviços ambientais para o Brasil e para o mundo.

Art Garage

Priorizaria o setor da pesca e da aquicultura. Principalmente, diante do crescimento do consumo dos alimentos e do aumento dos preços no mundo, podemos ampliar a produção do pescado, um alimento nobre e saudável, além de ser uma grande oportunidade para ampliar a renda, contribuir para elevar a escolaridade de pescadoras e pescadores, além de melhorar as condições de trabalho e infraestrutura para o beneficiamento e venda do pescado. O Brasil possui condições favoráveis para alavancar a produção do setor, pois conta com variados ambientes interiores e costeiros, clima favorável para o crescimento dos organismos cultivados e inúmeras espécies nativas com potencial para o cultivo. O grande desafio é estruturar a cadeia produtiva para garantir aumento e regularidade de oferta com um preço acessível aos consumidores.

| entrevista |

Quais as suas expectativas em relação a RIO+20? O que ela poderá deixar em termos de agenda positiva para o Brasil e para os Estados da Amazônia, especialmente o Amazonas? A RIO+ 20 não é uma Conferência para tratar, exclusivamente, do tema de meio ambiente, a Conferência é mais ampla, a abordagem é sobre o desenvolvimento sustentável. Qual o futuro que queremos? Nossa expectativa é de que o tema tenha a participação dos agentes econômicos. O Ministro Antônio Patriota disse: “A RIO+20 representará a finalização das discussões dos últimos 20 anos, e será o ponto de partida para discutir novos temas. É o ponto de partida e não de chegada”. A RIO+20 merece uma discussão baseada no conhecimento científico e tradicional, e em políticas públicas que visem à conservação dos ecossistemas e a transição para um novo modelo econômico. Desse modo, como crescer, incluir e conservar de forma sustentável? ECO•21

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O Governo do Amazonas teve a iniciativa pioneira de trabalhar a RIO+20 de maneira conjunta com os outros Estados da Amazônia Legal. O primeiro passo foi dado no Fórum de Governadores da Amazônia, realizado em Belém do Pará, em Março deste ano. Na ocasião, os governadores concordaram na elaboração da “Carta da Amazônia para a RIO+20”, em conjunto com os grupos majoritários da região. O documento representa um mapa do caminho para o desenvolvimento sustentável da região amazônica, e será finalizado entre os dias 30 de Maio e 1º de Junho, com a realização do Encontro de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Brasileira, em Manaus. O evento contará com a participação dos nove grupos majoritários dos Estados da Amazônia Legal e encerra com outra reunião do Fórum dos Governadores. A Carta será encaminhada à Presidência da República e seus Ministérios, demonstrando o interesse e compromisso da região com o desenvolvimento sustentável. 29


Julian Opie

| entrevista |

Em seu depoimento, ficou evidente o alto grau de machismo que predomina nas relações familiares, e porque não dizer também no trabalho. Situações de humilhação, dor, agressão e violência. Mas, Maria do Socorro não se abateu. Ela e tantas outras têm mudado essa história, a educação foi à motivação para promover a mudança social e política na cidadã Maria do Socorro. Ela decidiu estudar, foi alfabetizada com 18 anos, concluiu o ensino fundamental com 27 e o médio aos 47 anos, e hoje, aos 55 anos, está matriculada no Curso Tecnológico de Pesca, e incentiva outras mulheres a partir do seu exemplo de vida. Percebemos em sua narrativa que o envolvimento com a educação escolar contribuiu para a sua transformação social e pessoal. O que pensa sobre a rede de mulheres para a sustentabilidade (http://hotsite.mma.gov.br/mulheresrumoario20) capitaneada pela Ministra Izabella Teixeira, do MMA? Sim. Considero interessante a iniciativa “Brasil de Mulheres pela Sustentabilidade”, que visa à participação ativa de mulheres empreendedoras, líderes e personalidades que influenciam vários setores da sociedade e podem contribuir com a agenda da promoção do desenvolvimento sustentável. O tema sustentabilidade é transversal, não tem gênero, partido, nem deve ser visto como tema apenas para ambientalistas, a agenda é ampla e precisa urgentemente ser cada vez mais inclusiva.

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Na sua opinião existem profissões femininas, ou isso é uma criação da cultura e se pode questionar? Por exemplo, é comum o estereótipo de que a mulher é educadora. Pode falar um pouco sobre a empreendedora Maria do Socorro, que deu seu depoimento no I Encontro de Comunicação Socioambiental do Amazonas?

Em Abril de 2011, a Rede de Saúde das Mulheres LatinoAmericanas divulgou uma declaração que diz: “Não é suficiente que as mulheres tenham atingido os mais altos cargos políticos e de representação nos países e nos organismos internacionais se na vida cotidiana continuam sendo violentadas, excluídas da tomada de decisões, discriminadas no trabalho e subordinadas socialmente. Não é suficiente saber que temos Ministras e executivas de alto nível, se a maioria das mulheres carece de alimentação adequada, de educação de qualidade, de um trabalho digno, de um descanso reparador, de acesso à saúde, a uma sexualidade escolhida, a uma maternidade voluntária, de autodeterminação sobre os nossos corpos, a uma vida livre de violência. Não é suficiente contar com mulheres na educação, nas artes, na tecnologia e nas ciências, se essa cultura, essas artes, essa tecnologia e essa ciência não estão ao alcance de todas. Nada pode ser suficiente se não for para todas”. Está de acordo com essa afirmação? O que deve ser suficiente neste Século 21, que já é considerado o “Século da Mulher”?

Certamente podemos questionar a barreira cultural, que muitas vezes tem impedido a ascensão feminina a altos cargos nas empresas e no governo, especialmente em áreas não relacionadas à saúde, educação, moda, alimentação, comunicação, assistência social, áreas tradicionalmente reservadas às mulheres. Dona Maria do Socorro, agricultora do Município de Itacoatiara, no Amazonas, participou do nosso I Encontro de Comunicação Socioambiental, dando um depoimento carregado de emoção, manifestando sua força, garra e alegria de quem está construindo uma vida diferente, com mais igualdade e dignidade. Compartilhou como tantas outras mulheres, além dos afazeres domésticos, trabalha na roça, plantando, colhendo, comercializando sua produção e quando chega a casa com o dinheiro conquistado após muita luta, o marido pegava o dinheiro para consumir cachaça.

Não. A afirmação “nada pode ser suficiente se não for para todas” passa uma ideia pessimista e não reconhece os avanços conquistados pela luta de muitas mulheres. O suficiente será construído pela história de forma gradativa e contínua. Não é uma luta da mulher se sobrepondo ao homem, mas da equidade com oportunidades iguais e respeito às diferenças. A Presidenta Dilma fez essa afirmação ao discursar na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas: “Vivo este momento histórico com orgulho de ser mulher. Tenho certeza que este será o século da mulher”. Essa frase enche de orgulho a todas nós que estamos dando nossa contribuição para a promoção de um mundo mais sustentável e, como diz Nizan Guanaes, certamente, o “desenvolvimento das mulheres no mundo inteiro é o caminho mais rápido para o desenvolvimento do mundo”. Ab

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Mauro Pichorim

| ensaio |

Maria Luiza Campos | Jornalista

Arara maracanã-verdadeira corre risco de extinção Todo dia 28 de Abril é comemorado o Dia da Caatinga, bioma que já teve 45,4 por cento de seu território desmatado, o que representa aproximadamente uma área de 400 mil quilômetros quadrados a menos de vegetação original, de acordo com os dados divulgados neste mês pelo Centro de Sensoriamento Remoto do IBAMA. Nesse sentido a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, tem buscado financiar diversos projetos de conservação neste bioma. Como a pesquisa sobre a arara maracanã-verdadeira que pode entrar para a lista das espécies ameaçadas de extinção na Caatinga. Uma nova pesquisa realizada no Bioma Caatinga afirma que a arara maracanã-verdadeira (Primolius maracana), pode entrar para a lista das espécies ameaçadas de extinção. O estudo foi comandado pelo pesquisador Mauro Pichorim, da Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). De acordo com ele, a maracanã-verdadeira é da família dos papagaios e tem distribuição pontual em quase todo o Brasil. 32

O fato de a espécie ocorrer em várias localidades do país não significa ausência de pressões quanto a sua conservação, afinal são poucos indivíduos e as populações têm diminuído. “Na década de 1980, por exemplo, ela era mais frequente em São Paulo. Agora, consideramos que ela desapareceu da região. Da mesma forma acontece no Paraná, onde ela já não é mais encontrada”, explica. Segundo Pichorim, é difícil explicar com certeza o porquê dessa situação. A teoria mais aceita é que isso seja decorrente das mudanças climáticas e do desmatamento das regiões de origem. “Assim, as aves têm que buscar outro habitat que se adeque às suas necessidades”, coloca. O pesquisador explica que a Caatinga foi o objeto do estudo, pois a espécie é pouco conhecida na região. “Foi encontrada no Rio Grande do Norte uma população que, embora reduzida, está se reproduzindo, o que vale a pena ser estudado”, comenta. Para Mauro Pichorim, uma das grandes ameaças à maracanã-verdadeira nesta região é a caça e captura de filhotes para venda ilegal. “Esta é uma prática que aproxima a espécie cada vez mais de estar ameaçada de extinção”, ressalta. Ab

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Mauro Pichorim

Mauro Pichorim

Com a pesquisa, foi possível obter dados concretos da espécie. Para isso, foram utilizados registros fotográficos, entrevistas com a população local, observação de campo e análise do canto da espécie (os pesquisadores tocavam o canto da espécie de forma artificial para estimular uma resposta e com isto comprovar o registro da espécie em campo). A reprodução da maracanã-verdadeira, por exemplo, foi comprovada por meio de registros fotográficos. “Na região da pesquisa, a Serra de Santana, foi encontrada uma área de reprodução de extrema importância. A espécie utiliza o mesmo lugar de reprodução durante muito tempo, por isso a importância da preservação deste ambiente”, explica o pesquisador Pichorim. Além disso, de acordo com o pesquisador, foi percebido que antigamente a população era bem maior. “Há 20-25 anos tinham bandos de aproximadamente 20 indivíduos. Hoje os bandos são de três ou quatro indivíduos. Se continuar desse jeito, teremos uma extinção local também na Caatinga”, alerta. A pesquisa sobre a maracanã-verdadeira teve início em 2009, sendo que o trabalho de campo foi realizado entre 2010 e 2011. Em 2012, foi elaborado o relatório técnico sobre a situação da espécie na Caatinga, bem como foi descrito um plano de conservação da espécie.

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| espécies em perigo | Plano de conservação

Segundo Mauro Pichorim, além da pesquisa, a equipe propôs ao governo local uma atenção especial e montou um plano de conservação da maracanã-verdadeira. “Para que a espécie seja realmente preservada, é preciso que todos se unam com este objetivo, por isso, propomos no plano medidas como a fiscalização do comércio ilegal, controle de desmatamento e caça e criação de áreas de conservação. Isso só será possível por meio da sensibilização dos órgãos públicos, bem como da população local”. Ao colocar este projeto em prática, além de obter informações periódicas sobre a espécie monitorando o seu status, também é possível aproximar a sociedade da natureza. “Este é um trabalho junto com a população para que ela própria, ao ver alguém realizando a captura ou degradação da espécie, faça a sua parte e acione também as autoridades”, conclui. A Fundação Grupo Boticário em 21 anos já doou quase US$ 11,3 milhões para 1.282 projetos. Distribuídas por todos os biomas do Brasil, essas iniciativas tiveram resultados efetivos para a conservação da biodiversidade: foram beneficiadas 414 Unidades de Conservação (UCs); estudadas 167 espécies ameaçadas de extinção; e, por meio de 25 iniciativas, descritas 42 novas espécies de animais e plantas, sendo que 12 delas, descobertas em trabalhos realizados no interior de UCs.

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| biomas |

Rafael Silva | Jornalista do Ministério do Meio Ambiente

O Bioma Caatinga terá novas reservas ambientais CODEVASF

O Ministério do Meio Ambiente tomou a iniciativa de promover em Petrolina (PE), uma oficina para a criação de novas Unidades de Conservação em Pernambuco. A medida beneficiará a região de Caatinga, bioma semiárido mais diverso do mundo, que ocupa área 850 mil quilômetros quadrados, o equivalente a 11% do território nacional. Engloba parte dos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais.

O encontro marcará o Dia da Caatinga (28/4) inserido na Semana da Caatinga e traz à tona a discussão de temas importantes sobre o bioma, como sustentabilidade e criação de novas reservas ambientais. Com vegetação de rara biodiversidade, a Caatinga sustenta a economia da Região Nordeste por meio de duas vertentes: fornecimento de energia e produtos florestais não madeireiros. No primeiro caso, 30% da matriz energética da região vem da lenha obtida por meio de exploração não sustentável, utilizada por 70% das famílias na preparação de alimentos. Em relação ao recurso florestal não madeireiro, em diversas atividades econômicas. Desde o forrageiro para pastagem de gado e produção de mel, passando pela comercialização de frutos nativos e plantas medicinais, chegando até às cerâmicas e industrias de gesso, que geram divisas para o pais usando lenha como suprimento de energia. 34

Integração Francisco Barreto Campelo, engenheiro florestal da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, não tem dúvida: “A cada momento nos deparamos com vivências que demonstram que a relação do homem com a biodiversidade pode e deve ser a saída para um amplo processo de conservação ambiental”. No que diz respeito aos aspectos socioeconômicos, existem experiências com a perspectiva de integração do recurso florestal na matriz produtiva dos projetos de reforma agrária, que geram renda de até um salário mínimo e meio por família. A cobertura florestal da Caatinga vem prestando grandes serviços ambientais proporcionando renda e atendendo à matriz energética no Nordeste. “Estamos vivenciando as preocupações das mudanças climáticas, todos procurando alternativas e clamando por modelos sustentáveis”, relata Campello. O uso sustentável dos recursos florestais é uma realidade comprovada cientificamente e observada nas diferentes formas tradicionais de convivência com o semiárido pelas populações locais. Como os fundos de pasto, a pecuária extensiva, o extrativismo sustentável do umbu, caroa, buriti, os sistemas de pousio da terra para agricultura. São formas de assegurar a manutenção da cobertura florestal, conjuntamente com o uso de praticas adequadas de conservação de solo e o uso de sistemas ecológicos de produção. Nos últimos anos foram criados pelo Governo Federal, o Monumento Natural do Rio São Francisco (Alagoas, Bahia e Sergipe), em 2009, com 27 mil hectares, e, em Dezembro de 2010, foi ampliado o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí, em 300 mil hectares, que ficou com cerca de 823 mil hectares. Algumas parcerias estão sendo desenvolvidas com os Estados para implantação de Unidades de Conservação Estaduais. “Os processos foram agilizados e os primeiros resultados concretos já aparecem, como a criação, neste ano de 2012, do Parque Estadual da Mata da Pimenteira, em Serra Talhada, Pernambuco”, diz o engenheiro florestal. Há, ainda, a destinação de recursos estaduais para criação de UCs no Ceará. Ab

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| desastres |

Álvaro Rodrigues dos Santos | Geólogo

Valter Campanato - ABr

Áreas de risco: limites dos alertas pluviométricos O meio técnico brasileiro, A insistência nesse erro resulgeólogos, engenheiros geotécnicos, tará na continuidade da exposição geógrafos, urbanistas, hidrólogos, de milhares de pessoas aos recorprofissionais de defesa civil, etc., rentes e letais acidentes que a cada que lida diretamente com os ano registram-se em escala cresproblemas associados a áreas de cente em centenas de municípios. risco, enchentes e deslizamentos, Diferentemente dos terremotos, vulcanismos e tufões, nossos desassaudou efusivamente a aprovação tres são todos associados a erros da Lei Nº 12.608, de 10/4/2012, recém assinada pela Presidência da cometidos pelo próprio homem República, que instituiu a Política na ocupação de áreas geologicaNacional de Proteção e Defesa mente inadequadas para tanto, ou Civil (PNPDEC), o Sistema áreas que, por suas características, Nacional de Proteção e Defesa exigiriam no mínimo técnicas Civil (SINPDEC) e o Conselho construtivas para elas especificaNacional de Proteção e Defesa mente apropriadas. Ou seja, são Civil (CONPDEC). desastres perfeitamente evitáveis, Essa moderna legislação é fruto caso assim decida e determine a direto das intensas discussões proadministração pública. movidas pelas associações técnicas Ou seja, para o caso brasileiro brasileiras em reação ao recrudesé fundamental ter em conta que cimento das tragédias ocorridas os sistemas de alerta pluvioméem diversos estados brasileiros nos trico para redução de riscos são últimos anos. Contou, felizmente, indispensáveis, mas fazem parte de para sua elaboração e conclusão, uma lógica de Defesa Civil e só se Avalanche detrítica em área urbana de Nova Friburgo, RJ com a competência e a dedicação prestam em um quadro de ações de profissionais pertencentes a emergenciais de curtíssimo prazo, a vários órgãos do Governo Federal. Um belo tento lavrado e cobrir apenas o espaço de tempo necessário à adoção de medique coloca o país em um patamar internacional de qualidade das corretivas e preventivas definitivas. Porém, ao fazer desses no tratamento legal dessa terrível temática. Que essa moderna sistemas seu foco privilegiado de ação e busca de resultados e legislação faça-se agora cumprir nas práticas governamentais não investir esforço maior na abordagem corretiva e preventiva, o Governo, na prática, estaria adotando uma cruel estratégia em seus vários níveis, federal, estadual e municipal. A propósito, ressalte-se que essa ambicionada legislação se de convivência com o risco, de aceitação e administração do apoia conceitualmente e estrategicamente em uma abordagem risco, uma temerária acomodação frente ao que seria essencial de cunho preventivo, onde se coloca como objetivo maior a e possível, qual seja a eliminação do risco. eliminação radical das áreas de risco. Por sinal, a necessidade No âmbito desse correto entendimento, o foco corretivo de se centrar o foco estratégico de um programa de gestão de curto prazo deverá estar na remoção e reassentamento de áreas de risco na abordagem preventiva ficou evidente, dos moradores das áreas de alto e muito alto risco geológico mais uma vez, quando dos mais recentes acontecimentos natural e na consolidação geotécnica das áreas de baixo e de Teresópolis (RJ), ocasião em que, por decorrência de médio risco natural; tendo o foco preventivo no oferecimento deslizamentos e enchentes causados por chuvas intensas, de alternativas habitacionais à população de baixa renda e perderam a vida mais 5 pessoas e mais de 1.000 moradores na rígida regulação técnica das expansões urbanas para que ficaram desabrigados. radicalmente não sejam permitidas (e muito menos incentiAo dedicar atenção prioritária e expectativa exagerada vadas) novas ocupações de áreas geologicamente sensíveis e nos sistemas de alertas pluviométricos a administração para tanto impróprias. Definitivamente há que se perceber pública brasileira corre o risco de cometer um gravíssimo que em nosso país a questão áreas de risco está direta e prioerro na definição de seus focos estratégicos para a gestão dos ritariamente vinculada às políticas públicas de planejamento trágicos problemas associados a deslizamentos e enchentes urbano e habitação popular, e somente sob essa abordagem urbanas no país. terá solução virtuosa e definitiva. 36

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| transgênicos |

Lívia Duarte e Maria Emilia Lisboa Pacheco | Jornalista e Assessora da FASE, respectivamente

O Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas (ISAAA), divulgou recentemente que em 2011, pelo terceiro ano seguido, o Brasil foi o principal responsável pela expansão das lavouras transgênicas no mundo, que cresceram 8%. Conforme o jornal Valor (reproduzida pelo Boletim da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos) “o Brasil responde por 40% dessa expansão. Ano passado, a área ocupada com transgênicos no país somou 30,3 milhões de ha, um aumento de quase 20% ou 4,9 milhões de ha em relação à safra anterior”. Os dados revelam que a aposta de governos e das grandes corporações na tecnologia como “o futuro da agricultura” continua de pé. E nos lembram dos crescentes debates sobre Economia Verde, apoiada centralmente em respostas tecnológicas, no caminho para a RIO+20. Afinal, o que a experiência dos transgênicos nos mostrou até agora? Na FASE, acreditamos que impera uma visão reducionista na avaliação de riscos pelos interessados nessa tecnologia. E a segurança alimentar é praticamente ignorada nessa visão. Pesquisa do prof. Rubens Nodari, identificou na base de dados da CAPES e do Scielo, no período 1987 a 2008, que num total de 716 estudos, apenas 8 abordavam segurança alimentar e exposição a riscos e incertezas para a saúde e o ambiente oriundos dos transgênicos. A incerteza é apenas um dos motivos pelo qual a FASE se mantém contra a liberação dos transgênicos e considera a importância estratégica da adoção do Princípio de Precaução, estabelecido em acordos internacionais como princípio ético e a alternativa um imperativo diante de tantas incertezas e riscos da ciência. Compartilhamos a proposta da ciência precaucionária como alternativa, como nos fala Nodari, coerentemente com a defesa da soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional. ECO•21

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OGM

É hora de restaurar o Princípio de Precaução As promessas das empresas sobre aumento do rendimento e de produção para diminuir a fome, assim como para a redução do uso de agrotóxicos, revelaram-se falaciosas. Tanto a fome no mundo cresceu exponencialmente como o consumo de agrotóxicos tem aumentado e o Brasil, lamentavelmente, sustenta o título de campeão mundial pelo uso destas substâncias há alguns anos. A difusão da soja transgênica aqui foi a principal responsável pelo maciço uso do glifosato, o herbicida conhecido como mata-mato. Há evidências científicas, em pesquisa recente realizada na Argentina, de que entre seus efeitos estão microcefalia e malformação de fetos. Seriam motivos suficientes para termos atuado no processo de criação da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, na década de 1990, assim como estarmos engajados também na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Mas outros aspectos podem ser lembrados. Entre eles, a questão da propriedade intelectual das sementes geneticamente modificadas, possibilitado pela aprovação da Lei de Cultivares em 1997. Este fato determinou a aceleração do processo de transnacionalização da indústria de sementes e o crescente controle de poucas empresas sobre a cadeia agroalimentar. Esta concentração nega a soberania alimentar e tem sido apontada como fator que dificulta a reação à tendência de alta no preço dos alimentos. Além disso, a simplificação dos agroecossistemas provocada pela uniformização desses novos cultivares gera graves conseqüências sobre a diversidade alimentar e a manutenção de animais como abelhas e insetos polinizadores, aumentando o risco de impedir a reprodução de centenas de milhares espécies cultivadas e de seus parentes silvestres. 37


Ecologistas en acción

Por outro lado, as plantas geneticamente modificadas produzem a contaminação de néctar, dos pólens, etc., com as toxinas, gerando riscos para a qualidade dos alimentos e para a saúde. É grave o impacto dos transgênicos sobre a produção familiar: eles ferem a autonomia dos agricultores e agricultoras e desencadeiam processos de contaminação das sementes e erosão das espécies. Por tudo isso, em contrapartida, adotamos o enfoque da agroecologia como estratégia para o fortalecimento da agricultura camponesa e a construção de outro modelo de agricultura. Vemos na prática, através de inúmeras experiências no país das quais faz parte também o trabalho de assessoria e acompanhamento realizado pelas equipes da FASE que este é o caminho para ganhos reais do ponto de vista da soberania e segurança alimentar e nutricional das famílias e da sustentabilidade econômica, social e ambiental.

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Rosenfeld Images

| transgênicos |

Temos uma posição crítica em relação às escolhas definidas pelas políticas científicas reduzidas às necessidades da tecnologia e transformadas no que se chama hoje de tecnociência. Consideramos que mesmo de forma tímida, há um crescimento de interesse do debate no Brasil, especialmente nos últimos tempos, com a aproximação e diálogo entre saúde, meio ambiente e a agricultura camponesa agroecológica, apesar de ainda estarmos longe do cenário europeu, onde crescem os movimentos de resistência à aceitação dos transgênicos, abrangendo cada vez mais amplos setores de consumidores. Não se trata, a nosso ver, de perguntar se a população está apta a este tipo de debate, pois a oposição entre “peritos e leigos” tem um viés ideológico e é recorrentemente utilizada por defensores dessa tecnologia, que de forma falaciosa, em nome da ciência, querem desautorizar ou deslegitimar o debate cidadão. Foi o que assistimos recentemente na resposta dada por pesquisadores da CTNbio – comissão responsável pela liberação de transgênicos no Brasil ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) a propósito da liberação do feijão transgênico. É por isso que hoje – a caminho da Conferência as Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - RIO+20 – consideramos fundamental restaurar o Princípio de Precaução acordado no Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de Junho de 1992 que afirma: “De modo a proteger o meio ambiente, o Princípio de Precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Duas décadas depois da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, RIO-92, a RIO+20 pode ser também a base de lançamento para negociações de um novo tratado: uma Convenção Internacional para a Avaliação de Novas Tecnologias (ICENT), assegurando que cidadãos e cidadãs participem do debate público sobre decisões que afetam suas vidas e a natureza. Ab

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Nádia Pontes | Jornalista da DW - Brasil

Países se armam para defender território no Ártico Estudo revela como as nações que clamam território no Ártico estão se equipando para manter controle da zona gelada. Corrida é alimentada pelas riquezas escondidas debaixo da paisagem branca. A defesa do território gelado e inóspito do Ártico entrou na lista dos gastos militares dos países com área costeira na região. Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI, na sigla em inglês), revela como Canadá, Dinamarca, Noruega, Rússia e Estados Unidos estão investindo para não perder o controle das zonas onde clamam soberania. A alteração do foco não é por acaso: as mudanças do clima estão deixando o Ártico – e todos os recursos naturais escondidos sob a paisagem branca – mais acessíveis. “No passado, o Ártico era somente gelo e neve, e ninguém queria ir até lá. Mas hoje é preciso manter a atenção”, disse Siemon Wezeman, autor do estudo, em conversa com a DW Brasil. 40

A cobertura de gelo no Oceano Ártico retraiu cerca de 30% desde 1970, afirma o Conselho Nórdico. Cientistas da NOAA – agência científica dos EUA – que estudam a vasta área que envolve o Círculo Polar Ártico, apontam um aumento das temperaturas durante a Primavera Boreal no Alasca e no Norte da Europa, além da mudança da vegetação de tundra para pântano em zonas da Sibéria, Canadá e Alasca. Canadá, Dinamarca e Rússia se destacam com uma política internacional de defesa do território, com aumento da presença militar na região. A Noruega transferiu parte das suas operações para o Norte – os EUA, por outro lado, são os que menos dão importância ao Ártico. No campo político, há o consenso de que a região precisa de mais controle. “É uma questão de tempo para que a passagem da região Norte do Atlântico até a Rússia seja aberta. A partir desse momento, devemos dispor de um tipo mais severo de vigilância”, adiantou o cenário Kimmo Sasi, Presidente do Conselho Nórdico. Ab

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Fundado em 1952, o Conselho, que reúne os cinco grandes países do Norte da Europa (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia) e representantes das regiões autônomas dinamarquesas Groenlândia e ilhas Faroer, e do arquipélago Aland, da Finlândia, já discute os próximos passos. “A OTAN deve assumir a tarefa (de vigilância), Finlândia e Suécia podem cooperar de forma independente”, completou Sasi.

O país prevê conflitos de interesses na região, com outras nações clamando exploração econômica exclusiva em algumas zonas do Oceano Ártico. A frota russa inclui submarinos nucleares com lançador de míssil balístico. As operações dessas embarcações na região do Ártico se intensificaram em 2009, diz o estudo. A defesa do Ártico, por enquanto, não parece estar na lista de prioridade dos EUA. Embora as atividades comerciais serem crescentes no local, o governo ainda não anunciou uma estratégia especifica de segurança.

Air Station Kodiak

Jack Sanders

Sébastien Grimard

Força militar no gelo O Canadá priorizou a defesa do Ártico numa nova estratégia de investimento nas forças armadas. Os 18 aviões equipados com sistema antissubmarinos serão substituídos por novas aeronaves até 2020, e veículos aéreos não tripulados estão na lista de compra. Em terra, a força paramilitar na região deve aumentar de 4100 para 5 mil até o final do ano e a patrulha marítima será reforçada com seis a oito navios, além de um novo quebra-gelo militar, com custo estimado em 720 milhões de dólares canadenses. O governo dinamarquês planeja criar uma força especial para operar na Groenlândia e em outras regiões do Ártico, sendo que o número de fragatas passará de três para cinco. Até 2017, um terceiro quebra-gelo será reunido aos dois navios que fazem patrulhamento. A Noruega, por outro lado, mantém uma política fortemente focada na Rússia, mas o país nórdico se voltou, mais recentemente, para a questão dos potenciais conflitos no Ártico. Um exemplo é a compra, em 2011, de embarcações da classe Fridtjof Nansen, mais aptas a operar na região. Já a Rússia expõe claramente sua posição: o Ártico deve ter a importância de uma das principais fontes de recursos naturais até 2020.

| política |

Apesar de os países estarem se armando especificamente para vigilância da região do Ártico, Siemon Wezeman ressalta que os governos em questão estão engajados em resolver qualquer futuro problema de maneira diplomática. “O maior problema que vemos é que, pelo fato de terem mais armas e mais operações na região, há chance de que as unidades militares se encontrem e, com as coisas não muito esclarecidas, eles comecem a apontar armas uns para os outros. Ou qualquer comportamento dúbio pode provocar incidentes que tenham um efeito maior do que o esperado”, apontou Wezeman, depois do informe do Instituto de Pesquisa sobre a Paz. O cenário provoca desconfiança, mas Kimmo Sasi garante que a situação política no Ártico é calma. “Não há tensões exacerbadas. Todos os países estão analisando como escavar e usar os recursos naturais da região. E os países nórdicos estão muito conscientes de que isso será feito de maneira ecológica”, garantiu. Estima-se que o Ártico armazene a maior reserva de petróleo inexplorado do mundo. Segundo uma análise do governo norte-americano, a região armazena 13% das reservas de petróleo e 30% das de gás natural ainda não descobertas. Outros recursos, como carvão, urânio e diamante, são explorados no território gelado e a prospecção de minérios aumentou consideravelmente. “Muitas minas serão abertas na região, já existem algumas sendo operadas. Quanto ao transporte desses bens, os países nórdicos deverão tomar essa decisão conjuntamente para a construção de ferrovias ou abertura de novas rotas da Finlândia e Suécia para a Noruega”, afirmou Sasi. ECO•21

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AOES Medialab - ESA

Erik Von Farfan | Jornalista

CryoSat constata aumento do “gelo azul” na Antártida As medições em campo, feitas na espetacular região dos gelos azuis da Antártida, não só demonstram a precisão da missão CryoSat, da Agência Espacial Europeia (ESA), como também mostram que esta parte dos camada de gelo aumentou em altura. O CryoSat é um satélite artificial desenvolvido pela Agência Espacial Europeia no âmbito do seu programa de Observação da Terra. O seu objetivo é o estudo da camada dos gelos polares e sua evolução, com a finalidade de fornecer informações para os estudos relativos às mudanças climáticas da Terra. Após o fracasso do lançamento, em 2005, da primeira versão do satélite, a ESA construiu um segundo satélite colocado em órbita em 2010. Ele foi planejado para realizar uma missão com a duração inicial de 3 anos. O principal instrumento do satélite é um radar altimétrico que é o responsável pela medição da espessura da camada de gelo nos polos. Para garantir que os dados colhidos pelo CryoSat sobre as alterações da espessura do gelo terrestre são precisos, os cientistas são obrigados a realizar um esforço contínuo, por vezes em alguns dos ambientes mais agrestes do Planeta. Estas expedições foram feitas particularmente num planalto desolado, conhecido como a região do “gelo azul”, nos limites da Antártida. 42

Como o nome sugere, esta região única é uma grande extensão de gelo azul brilhante, desprovido de neve. É exatamente a ausência de neve, numa superfície estranhamente gelada, que permite que essa região seja a ideal para verificar a precisão do radar altímetro do CryoSat, cujo instrumento primário é o SIRAL (SAR - Synthetic Aperture Radar / Interferometric Radar Altimeter). Por não haver neve nesta parte da Antártida, os sinais do radar emitidos pelo altímetro do CryoSat passam o gelo cintilante e voltam para o satélite. A altura do gelo é então determinada a partir da diferença entre o tempo de emissão e o de recepção do sinal. Como normalmente o gelo está coberto de neve, o sinal tem de penetrar nesta camada superior antes de atingir o gelo – um fato que poderá influenciar as medições da altura do gelo, feitas pelo CryoSat. As medições feitas na superfície dura e brilhante da região dos gelos azuis são por isso muito importantes para a verificação, por comparação, dos dados do CryoSat. Se, por um lado, as experiências em campo são concebidas para a validação do aparelho, a análise dos dados de duas expedições, em 2008/09 e 2010/11, mostrou alguns resultados surpreendentes: revelou que nesta parte da Antártida houve um aumento na altura dos gelos de 9 cm, em média, de um período para o outro. Ab

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AOES Medialab - ESA

Os cientistas da Universidade Técnica (TU) de Dresde enfrentaram um clima extremo para mapear as subtis mudanças na altura dos gelos, numa área de mais de 2500 km quadrados de gelo. As medições foram feitas no solo, com sofisticados equipamentos de GPS, instalados em carros especiais para rodar na neve. Cientistas do Instituto Alfred Wegner Institute também fizeram medições a partir de um avião com um instrumento que simula o radar altímetro do CryoSat. Pela análise dos dados recolhidos durante as campanhas e também com o recurso de comparar a série de dados dos últimos 20 anos de medições, os cientistas determinaram as alterações na altura do gelo em três períodos diferentes. Em 1991–2000, houve uma descida de cerca de 5 cm, uma tendência que se estendeu ao período de 2000–08. No entanto, o terceiro período, em 2008–10 mostra uma subida inesperada. Reinhard Dietrick da TU Dresden disse, “Este interessante resultado, que mostra um retrocesso na altura, foi possível graças às expedições anteriores ao lançamento do CryoSat, em 2010. É claro que os resultados são preliminares, mas conhecendo este processo de inversão, será muito importante verificar se o aumento na altura permanecerá no futuro”. Na outra ponta do Planeta, há outra expedição dedicada ao CryoSat que se inicia este mês. Equipos da ESA, NASA, Europa e Canadá agora estão cobrindo o Ártico Superior para medir o gelo, no solo e no ar, enquanto o CryoSat registra os dados desde a sua órbita. Lançado há quase dois anos, o CryoSat é um satélite dedicado ao monitoramento das alterações na espessura dos gelos marinhos que flutuam nos oceanos polares e das variações na espessura das vastas extensões de gelo que cobrem a Groenlândia e a Antártida para melhorar a nossa compreensão das relações entre o gelo e o clima.

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| ciências do espaço |

TU Dresden - ESA

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Hubble

Nebulosa do Cone e, na pรกgina seguinte, Nebulosa da Ampulheta


| ecofilosofia |

Leonardo Boff | Teólogo/Filósofo

Hubble

R. Sahai e J. Trauger - JPL - NASA

Como Deus emerge no processo evolucionário? A nova cosmologia, derivada das ciências do Universo, da Terra e da vida, vem formulada no arco da evolução ampliada. Esta evolução não é linear. Conhece paradas, recuos, avanços, destruições em massa e novas retomadas. Mas, olhando-se para trás, o processo mostra uma direção: para frente e para cima. Somos conscientes de que renomados cientistas se recusam a aceitar uma direcionalidade do Universo. Ele seria simplesmente sem sentido. Outros, cito apenas um, como o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson que afirma: “Quanto mais examino o Universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que ele, de alguma maneira, devia ter sabido que estávamos a caminho”. De fato, olhando retrospectivamente o processo evolucionário que já possui 13,7 bilhões de anos, não podemos negar que houve uma escalada ascendente: a energia virou matéria, a matéria se carregou de informações, o caos destrutivo se fez generativo, o simples se complexificou, e de um ser complexo surgiu a vida e da vida a consciência. Há um propósito que não pode ser negado. Efetivamente, se as coisas em seus mínimos detalhes, não tivessem ocorrido como ocorreram, nós, humanos, não estaríamos aqui para falar destas coisas. Escreveu com razão o matemático e físico Stephen Hawking em seu livro “Uma nova história do tempo” (2005): “tudo no Universo precisou de um ajuste muito fino para possibilitar o desenvolvimento da vida; por exemplo, se a carga elétrica do elétron tivesse sido apenas ligeiramente diferente, teria destruído o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra, a vida não poderia existir”. Como emerge Deus no processo cosmogênico? A ideia de Deus surge quando colocamos a questão: o que havia antes do Big-Bang? Quem deu o impulso inicial? O nada? Mas do nada nunca vem nada. Se apesar disso apareceram seres é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta no ser. O que podemos sensatamente dizer, é: antes do Big-Bang existia o Incognoscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, eles são antes das palavras, da energia, da matéria, do espaço e do tempo. Ora, o Mistério e o Incognoscível são precisamente os nomes que as religiões e também o Cristianismo usam para significar aquilo que chamamos Deus. ECO•21

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Diante dele mais vale o silêncio que a palavra. Não obstante, Ele pode ser percebido pela razão reverente e sentido pelo coração como uma Presença que enche o Universo e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração. Colocados entre o Céu e a Terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via Láctea? Como disse o grande rabino de Nova York Abraham Heschel: “Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas inseridos na complexidade da natureza e imbuídos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferentes diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmados ao contemplar uma criança recém-nascida”. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus quem colocou tudo em marcha. É Ele a Fonte originária e o Abismo alimentador de tudo. Outra questão importante é esta: que Deus quer expressar com a Criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência. Sirva de ilustração o já citada Stephen Hawking, em seu conhecido livro “Breve história do tempo” (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o Universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus”. Até hoje os cientistas estão ainda buscando o desígnio escondido de Deus. A partir de uma perspectiva religiosa, sucintamente, podemos dizer: O sentido do Universo e de nossa própria existência consciente parece residir no fato de podermos ser o espelho no qual Deus mesmo se vê a si mesmo. Cria o Universo como desbordamento de sua plenitude de ser, de bondade e de inteligência. Cria para fazer outros participarem de sua superabundância. Cria o ser humano com consciência para que ele possa ouvir as mensagens que o Universo nos quer comunicar, para que possa captar as histórias dos seres da Criação, dos céus, dos mares, das florestas, dos animais e do próprio processo humano e religar tudo à Fonte originária de onde procedem. O Universo está ainda nascendo. A tendência é acabar de nascer e mostrar as suas potencialidades escondidas. Por isso, a expansão significa também revelação. Quando tudo tiver se realizado, então se dará a completa revelação do desígnio do Criador. 45


| cultura |

Heitor Augusto | Jornalista

Xingu não é apenas um filme atual, ele é urgente Entrevista com Cao Hamburger Beatriz Lefèvre

Cineasta, diretor do filme Xingu

De que maneira você acha que Xingu, um filme que toca em aspectos históricos importantes, consegue dialogar com o contemporâneo? Xingu não é apenas um filme atual, mas também urgente. Todo o processo de produção foi muito guiado pela ideia de que o filme tem um papel a cumprir, que é o de levantar a questão de como o Brasil trata os povos indígenas, como pretende pensar o seu futuro e de que maneira quer se colocar no Século 21. O Brasil tem a responsabilidade e a oportunidade de enxergar os povos indígenas tanto como detentores de direitos à sobrevivência digna dentro de sua própria cultura como pessoas que podem ajudar a civilização ocidental a dar a virada que estamos precisando. Esse seria o pulo do gato. É muita prepotência nossa imaginar que apenas a civilização dos moldes da Ocidental evoluiu, que a evolução tecnológica é a única forma de medir o grau de evolução de uma civilização. Nós temos tido evoluções técnicas quase inimagináveis nos últimos séculos, mas ao mesmo tempo temos sido tão vorazes na busca desse desenvolvimento, que involuimos, talvez na mesma proporção, em pontos que estão deixando a vida do homem e do planeta mais difíceis. Nesses pontos os povos indígenas poderiam nos ajudar a enxergar o futuro próximo de outra maneira. 46

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Como foi a negociação para trabalhar com os índios no seu filme? O relacionamento com os povos indígenas foi um trabalho à parte que começamos cerca de dois anos antes de rodar. Mantivemos um contato intenso tanto para explicar o que significaria uma equipe de filmagem entre eles como para trazê-los para o filme. O roteiro já foi feito com base nos relatos deles e no ponto de vista que eles têm sobre a própria história. Foram nossos parceiros desde o começo. E a confecção do roteiro, desde o primeiro tratamento que você escreveu junto com Anna Muylaert até os tratamentos seguintes ao lado de Elena Soárez? Começamos o roteiro paralelo a uma forte pesquisa com a antropóloga Maíra Bühler, do documentário “Elevado 3.5”. Ela coordenou a pesquisa enquanto eu e a Anna Muylaert fizemos o primeiro tratamento do roteiro, que continuou a ser aperfeiçoado após a saída da Anna e a entrada da Elena, que ficou até o final. Tanto o Noel, filho do Orlando VillasBôas, como a dona Marina, viúva de Orlando, aceitaram a condição de que teríamos total liberdade. Não leram roteiro e tiveram uma confiança muito grande na gente. Ab

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Xingu flerta com diversos gêneros cinematográficos. Essa decisão esteve desde o início do projeto? Quando comecei a mergulhar nesse universo percebi o quanto o preconceito contra o índio no Brasil é descomunal, cruel, injusto e avassalador. Mesmo com o mito de que aqui é terra que acolhe, miscigenada, o índio é visto como povo de terceira ordem. Então me coloquei a seguinte questão: poderia fazer um filme mais contemplativo ou tentar o desafio de fazer filme sobre o universo de um povo desprezado pela sociedade brasileira buscando um grande público. A questão indígena no Brasil é barra pesada e a discriminação se dá em todos os níveis. “Serras da Desordem” (2006) e “Iracema, Uma Transamazônica” (1976), dois filmes importantes que abordam a questão indígena, chegaram a inspirar o seu trabalho? Ambos os filmes passaram por mim o tempo todo. Não como referência estética, mas sim pelo respeito aos povos indígenas e a consciência da dificuldade de encarar o tema. Xingu é protagonizado por Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat, três atores respeitados e de gerações diferentes. Qual é a importância da escolha dos atores para seus filmes?

Particularmente fiquei satisfeito, pois conseguimos ter a química dos irmãos e ao mesmo tempo atores adequados a cada personagem. A escolha deles é fator determinante. Então, a escolha dos índios que seriam atores no filme tornouse mais importante ainda? Foi fundamental. Levamos com muita seriedade desde a pesquisa para levantar os possíveis atores até a escolha de cada personagem, por menor que fosse. O processo foi parecido com as outras vezes que trabalhei com não-atores, como em “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” – comunidade judaica – e em “Filhos do Carnaval”, quando lancei Thogun como ator. Desta vez contei com o produtor de elenco Chico Accioly, que fez a produção do elenco indígena. Ele é sensível e tem muita experiência. Após o material que ele trouxe da pesquisa, Christian Duurvoort passou a fazer a preparação e auxiliar na seleção. Encontramos ótimos atores que poderiam seguir carreira se quisessem. Xingu ofereceu várias características novas a seus trabalhos, como filmar na mata e assumir uma produção de grandes proporções. Qual é o impacto disso na sua carreira? Filmar na mata ou no cerrado é muito interessante porque não temos os elementos com os quais nos acostumamos na cidade. Coisas como porta, cadeira, mesa, telefone, carro, escada etc. Isso estabelece um desafio para a mise-en-scène e colocação de câmera. Gostei muito de poder filmar em ambiente aberto. Rodar nesse ambiente, em locações distantes e de difícil acesso representa desafio. Logo de cara percebemos que não adiantaria querer dominar ou controlar os elementos da natureza, pois iríamos quebrar a cara. O certo seria entrar na correnteza, adaptar-se aproveitar as dificuldades para construir o trabalho. Foi um exercício diário de interação e diálogo com os fenômenos naturais.

Beatriz Lefèvre

O trabalho de escolha e de direção ocupa, na minha visão, uns 70% do filme. Se você escolheu bem, já está com metade caminho garantido. Se escolheu errado, nunca vai chegar a um resultado satisfatório, no máximo alcançará uma coisa neutra, que não prejudique. O trabalho de escolher um ator é sempre ligado às suas características tanto profissionais quanto as de personalidade, da sua maneira de se colocar no mundo e com o personagem. No caso de Xingu, além de encontrar esses atores que se encaixam no personagem, é preciso que eles tenham química entre si na composição dessa família.

| cultura |

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Francisco Bedeschi


| ecoturismo |

Ángel Rovira Bosch | Ministro do Turismo da Província do Rio Negro, Patagônia Argentina

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Um novo paradigma: Sustentabilidade e Turismo

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É por tudo isto e muito mais, que o Ministério do Turismo da Província do Rio Negro está engajado no processo do turismo com uma visão de sustentabilidade. Para que possamos aprofundar os compromissos, tanto o setor publico como o privado, de forma unida, se esforçam para que a indústria do turismo seja una das atividades que possam atingir as metas de equilíbrio ambiental no mundo, sendo responsável e sustentável não apenas com a com a natureza, mais também com as pessoas. As mudanças das normas tributárias e os hábitos de consumo, como processo inovador para garantir o uso racional da energia, mais também o estímulo à permacultura, à reciclagem e à produção ambientalmente correta, parecem ser os grandes faróis que iluminam a esperança e o rumo PA um futuro sustentável. Em Bariloche e na Província do Rio Negro somos muito otimistas e penso que, apesar de tudo, estamos no caminho certo. Bem-vindo RIO+20! Francisco Bedeschi

O primeiro Parque Nacional da America do Sul foi criado no ano 1922 e se chamou “Parque Nacional do Sul”, nas Províncias de Rio Negro e Neuquén, na Patagônia. Com mais de 750.000 ha, este Parque foi o primeiro do sistema de Parques Nacionais da Argentina. Em 1942 passou a se chamar Parque Nacional Nahuel Huapi, que em mapuche Ángel Rovira Bosch significa “Ilha do Tigre”. E é ali, no coração do Parque, que está a cidade mais apreciada pelos brasileiros: Bariloche. O que mais surpreendia era o turismo, era a atividade escolhida para garantir a sustentabilidade da área como atividade priorizada no entendimento que quem a conhece e pode cuidar. Além de ser um promotor da conscientização. Naquela época, o turismo era mais focado na sustentabilidade ambiental como forma de ocupar o espaço na Patagônia Argentina. Hoje esse conceito incorpora a sustentabilidade econômica e cultural, onde as comunidades locais têm um destaque na inclusão social. No cume da evolução turística, está o ecoturismo, o qual procura respeitar os ambientes naturais e valorizar os bens culturais. Essas são as suas prioridades, mas deve ser implementado com uma gestão de qualidade que inclui o tratamento de esgoto, reciclagem do lixo, destinação correta dos resíduos sólidos, e uma série de normas ambientais, tanto na prestação do serviço turístico, como também nas normas de construção, uso de energias renováveis. Além disso, se percebe a priorização da população local no processo econômico para cumprir com os conceitos de sustentabilidade e identidade. As novas tecnologias e o barateamento delas estão ajudando muito este processo, já que os potenciais clientes têm, cada vez mais, uma maior conscientização e um maior respeito sobre todos estes conceitos. Hoje é uma exigência constante entre os habitantes locais e eles solicitam isso no processo turístico, ainda mais em áreas protegidas. A Província de Rio Negro tem 14 áreas preservadas como a Reserva Provincial do Rio Limay, sendo uma das províncias argentinas que tem mais espaço neste modelo de conservação. No geral, a divisão se baseia na costa marítima Atlântica, no Golfo de San Matías, que possui grande diversidade de aves migratórias e autóctones, colônia de pinguins e baleias. No resto do território da Província do Rio Negro, na Patagônia Argentina, existe uma grande diversidade de endemismos raros, salinas, estepes e sobre tudo una das maiores reservas paleontológicas do mundo, com quase 20 espécies de dinossauros completos e mais de 200 no subsolo.

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| opinião |

Leigh Ann Hurt | Jornalista da Green Economy Initiative

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O que é a Economia Verde? A crise financeira global que teve início em 2007, e perdura nos dias de hoje, é considerada, por muitos economistas, como a pior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929. Uma das principais lições que podemos tirar dessa experiência é que a forma habitual de gestão da economia já não é mais conveniente. A nova Economia Verde é, portanto, uma alternativa apropriada e uma maneira mais sustentável de fazer negócios. Uma E conomia Verde é descrita como uma economia que resulta em melhor qualidade de vida humana e equidade social, além da redução de riscos ambientais e escassez ecológica. Em outras palavras, podemos pensar em uma economia verde como uma ferramenta de baixa emissão de carbono, eficiência de recursos e inclusão social. A Tragédia dos Comuns O dilema que enfrentamos entre a atual economia “marrom” e a proposta de economia “verde” pode ser ilustrado por um artigo escrito por Garret Hardin, chamado “A Tragédia dos Comuns”, em 1968. Ele descreve um pasto comum em que vários agricultores deixam seu gado pastar. A fim de aumentar a riqueza individual, é do interesse de cada produtor ampliar o seu rebanho e continuar a pastar no mesmo trecho de terra. Mas quando o limite de um certo número de bois é ultrapassado, a qualidade da terra começa a diminuir. Como ninguém é particularmente responsável pela terra e nenhum imposto é cobrado para pastagem, cada agricultor continua a maximizar os lucros com o aumento de seu rebanho. O problema, no entanto, continua sendo o fato de a qualidade da terra continuar a degradar-se cm a crescente pressão dos crescentes rebanhos e o capim se torna insuficiente para alimentar o gado. Ou seja, os agricultores que aumentam seu rebanho podem até se beneficiar no início, mas depois perdem seu meio de subsistência, e todos perdem nesse cenário. Economistas ambientais identificaram como principal problema deste dilema o fato de o recurso natural (o capim) ser consumido sem gastos, já que ninguém é dono da terra “comum”. Se, todavia, um imposto for cobrado por cabeça de gado e o valor da terra aumentar com o aumento do rebanho, ficaria muito caro ultrapassar o limite de pastagem. 50

Assim, os agricultores perceberiam as perdas e seriam forçados a reduzir o número do rebanho, consequentemente se autorregulando para níveis sustentáveis para benefício de todos. “A Tragédia dos Comuns” é um exemplo simples de um sistema econômico muito mais complexo. No nosso exemplo, muitas questões são deixadas sem resposta, como quem é beneficiado pelo dinheiro, em que eles usam o dinheiro e como todos continuarão a ser beneficiados neste processo. A Iniciativa Economia Verde (www.unep.org/greeneconomy), liderada pelo PNUMA, foi lançada no fim de 2008 e fornece um mecanismo de trabalho prático e abrangente, por meio de análises e apoio político para o investimento em setores verdes e no esverdeamento de setores que não são ambientalmente saudáveis. A Iniciativa Economia Verde tem três atividades principais, que são: o Relatório Economia Verde (e outros materiais de pesquisa), que analisa as implicações de investimentos verdes na economia, sustentabilidade e redução da pobreza nos diferentes setores; prover consultoria sobre a transição rumo a uma Economia Verde; e engajar uma ampla gama de cientistas, organizações não governamentais, empresas e agências da ONU na implementação dessa iniciativa. Empregos verdes Afinal, por que tanto barulho? Independentemente dos benefícios ambientais e opções para sustentabilidade, investimentos em uma Economia Verde são relatados como um agente de criação de milhões de empregos, como no relatório do PNUMA “Empregos Verdes”. Um dos mais importantes motores para o crescimento da economia é o alto nível de empregos, o que não só reduz os encargos sobre a economia, mas também dá aos consumidores o poder de compra para sustentar vidas através de indústrias de apoio. Até 2008, mais de 2,3 milhões de pessoas em apenas seis países que são líderes em empregos verdes, foram empregados neste setor de baixo carbono (China, Dinamarca, Alemanha, Índia, Espanha e Estados Unidos). A Economia Verde não é apenas uma moda, mas uma das melhores soluções disponíveis para o crescimento verde da economia que reconhece o componente social. Ab

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