Identidade ambulante

Page 1

Identidade ambulante


Parque Muni cipal


Começava, antes mesmo da determinação de Belo Horizonte como município, a história do Parque Municipal, 122 anos atrás, quando a comissão responsável pelo projeto da cidade decidiu fazer de uma chácara, existente no meio da área que a futura cidade ocuparia, um centro de lazer e preservação ambiental. A região estava prestes a se tornar uma metrópole, que, com seu crescimento, empurraria para longe de sua área central o verde que até então era prevalente ali, e a busca se deu por um ponto ideal, para que isso não se perdesse. A seleção da Chácara do Sapo foi feita por ser ela uma área com um enorme potencial de biodiversidade vegetal, com um projeto de dois anos que inaugurou o parque no mesmo ano que a cidade. O parque serviu como residência para o arquiteto paisagista Paul Villon, responsável pelo projeto, e para o engenheiro encarrega-

Projeto de dois anos que

inaugurou o parque no mesmo ano que a cidade.


O nome atual se deu

quase cinquenta anos após a fundação do parque.

do da comissão construtora, Aarão Reis, pelo tempo em que o planejamento e transferência da capital para a cidade planejada de Belo Horizonte estiveram em andamento. Conta com árvores hoje centenárias, que foram plantadas ainda em seu processo de fundação. São cerca de 280 espécies, que são moradia para mais de 100 espécies de aves. Em 1898 foi inaugurado o Velo Club, para a promoção de festas esportivas diversas, usando a área do parque. Foi construído o pavilhão que se tornaria, eventualmente, o Teatro Francisco Nunes, para que o público acompanhasse os eventos de corridas a pé, a nado, de bicicleta e velocípede, além de partidas de futebol - foi no parque a criação do Clube Atlético Mineiro, em 1908, por um grupo de estudantes que decidiu usar o espaço que viria a se tornar o coreto como o de sua fundação. Durante a década de 20 as atividades no parque se expandiram ainda mais, passando a incluir a Estação dos Bondes (Mercado das Flores), a quadra de tênis, o coreto e a pista de patinação, com o Bar do Ponto tendo sua influência ampliada para a área interior do local. Nas décadas seguintes ainda se somaram diversas outras atividades esportivas no repertório do Parque, de peteca a remo; além de atividades de piano ao ar livre. Com a dissolução do Instituto de Belas Artes, Alberto da Veiga Guignard ainda transferiu seu curso para as dependências do parque, poucos anos antes da inauguração do Tea-


tro. O nome atual, Américo Renné Giannetti, se deu quase cinquenta anos após a fundação do parque, em homenagem ao prefeito responsável pela primeira grande reforma do espaço, com tratamento e recuperação da água, das alamedas e dos jardins, além da implementação da fonte luminosa e da concha acústica para concertos e, nos anos seguintes, a construção do Orquidário Municipal e do Palácio das Artes, últimas novas aquisições no parque, que, devido ao tombamento posterior, só viu reformas para conservação e readequação de acessibilidade e preservação do ambiente - sendo a mais recente destas a construção das Cascatinhas, que transpuseram a nascente da Fundação Hemominas, parte do projeto original do parque, para abastecer as lagoas do Quiosque e dos Marrecos no lugar de desaguar no Ribeirão Arrudas. Na época de sua construção, o Parque Municipal possuía cerca de 600 mil metros quadrados, tendo quase toda sua perda de área ocorrido após 1905, quando da chegada da Estrada de Ferro Central


do Brasil na cidade, que significou seu corte. Um dos lados do parque tornou-se parte do Bairro Floresta e outra grande porção foi cedida para a construção da Faculdade de Medicina da UFMG e da região hospitalar. Partindo destes maiores blocos e adiante perdendo para construções diversas nos arredores, o parque chegou em 1975 já com 182 mil metros quadrados, apenas, da área original. Ele foi, então, tombado como patrimônio histórico e artístico de Minas Gerais, garantindo a preservação da área verde que ainda se mantém atualmente. Ainda nos dias de hoje, o parque conta com uma visitação mensal de 500 mil pessoas. Tamanho fluxo de visitantes se deve à diversidade de atividades recreativas realizadas ali, às quais se soma, aos domin-


gos, a Feira Hippie. Essa acontece na porta do local e expande sua influência internamente, pela facilidade de deslocamento do público de ambos espaços de um para o outro. Vê-se a evolução histórica por meio dos serviços que se colocam de forma mais permanente no parque, os quais, com o passar do tempo, tiveram sua demanda afetada, como é o caso dos lambe-lambes. Com o desenvolvimento da tecnologia das câmeras fotográficas, que hoje estão sempre no bolso das pessoas, esses profissionais do parque estão cada vez com menos clientes e caminhando para a extinção, ainda que seu trabalho não consista numa simples foto, mas numa viagem ao passado repleta de nostalgia e memórias. Assim como todo o Parque Municipal.


Vendedores ambulantes Parte da história contada pelo Parque Municipal foi e continua sendo escrita pelos seus vendedores ambulantes. Por meio deles, os visitantes do parque podem reviver e produzir novas memórias, que ampliam a experiência proporcionada pelo local. Se não fosse pela existência desses trabalhadores, provavelmente o parque deixaria de ser um ponto tão turístico de Belo Horizonte. Para a realização deste trabalho, procuramos nos aproximar dos vendedores para ouvir o que eles teriam a nos dizer. Com poucas e simples perguntas, passamos a ter conhecimento da relação, praticamente familiar, que eles possuem com o local. Conversamos com seis pessoas diferentes: o pipoqueiro, o sorveteiro, a moça do cachorro-quente, a moça do algodão doce e dois lambe-lambes. Todos possuem uma vida ali dentro há mais de dez anos, são muitas lembranças de um tempo que não volta mais. Durante nossas conversas, perguntamos para eles como foi que começaram a trabalhar ali, a maioria respondeu que o trabalho passou de geração em geração, os pais trabalharam ali e quando já não poderiam mais exercer seus ofícios os passaram para seus herdeiros, que disseram que cresceram dentro do Parque. Não diferentemente dos pais, tiveram seus próprios filhos e seguiram a tradição, agora trazem eles para desfrutar do parque e aprender seus ensinamentos. Apesar dessa ser uma das perspectivas que nos foram apresentadas, nem tudo são flores. Mesmo com todo o carinho que possuem pelo local, alguns disseram que só continuam ali por falta de opção de emprego em um lugar melhor. Nos contaram que, com o passar dos


anos, muitas coisas mudaram ali, principalmente o público que fre quenta o lugar. Atualmente, o espaço virou palco de muita insegurança, porque muitos usuários de drogas e moradores de rua fizeram dali sua casa, e infelizmente eles acabam sendo violentos em diversas situações ou acabam repelindo a freguesia, que se vê intimidada por essas pessoas. Eles reclamaram que os que deveriam fazer a segurança do local estão ali como enfeites, e não exercem realmente a sua função. Além disso, eles também reclamaram do poder público, que deveria estar repassando certo valor para o parque como incentivo à cultura, mas que eles não veem nem sinal. Com os dois lados de uma mesma moeda, o que realmente se destacou foi o amor que sentem pelo local acima de tudo. Construíram uma vida inteira dentro do Parque Municipal e mesmo com os pontos negativos as boas memórias se destacam, ficam saudosos da época em que se preocupavam menos. Os próprios conseguem reconhecer a sua importância na construção da identidade do parque e consideram-se elementos importantes do lugar. Os vendedores ambulantes são a estrutura que mantém viva uma história de mais de cem anos do patrimônio ambiental mais antigo da capital mineira.

São muitas lembranças

de um tempo que não volta mais.














Abr igo

Tudo pareceu tĂŁo diferente,

mas ao mesmo tempo tĂŁo igual


Convenhamos que não conheço um lugar com tantas cores, sons e cheiros diferentes como o parque. Flores por todo lado, algodão doce, crianças gritando, pipoca, correria, verde para todo lado, respingos de fonte, sons duvidáveis dos antigos brinquedos... Os mesmos de sempre. Entretanto, dia desses me surpreendi quando voltei para aquele lugar depois de tanto tempo. Tudo pareceu tão diferente, mas ao mesmo tempo tão igual. Lembro-me de quando papai me levava à cidade grande como se fosse ontem. A viagem era longa e cansativa, mas valia cada segundo. Era sempre uma novidade, um mundo novo que se abria na minha frente a cada passo. Aquilo era um pedacinho verde no meio de uma cidade em que eu só via cinza. Era de fato algo mágico. Anos depois, voltei com outros olhos, a antiga cidade cinza agora me acolhia no meu pequeno pedaço de liberdade: a vida morando sem meus pais. O lugar antigamente mágico virou rotina, e com o tempo foi virando apenas um borrão verde que passava rápido pela janela do ônibus. Acredito que o momento em que ele recuperou sua cores foi quando ele se tornou cenário da minha primeira relação. As primeiras conversas, os primeiros abraços, as primeiras trocas de carinho. O parque virou meu abrigo, espaço que a cada dia se abria para novas experiências. E depois de tudo isso, hoje vejo o parque como um apanhado dessa infinidade de memórias, diversos momentos e sentimentos morando em um só lugar. No fundo, acredito que o parque continuou o mesmo, quem passou foi o tempo, e quem mudou talvez fui eu.


Diagramação Carolina Senna e Leticia Fiuza

Fotografia Alice Gonçalves e Marina Nadu

Edição de imagem Alice Gonçalves

Autores Alice Gonçalves, Luiza Freitas, Marina Nadu e Isabela Castro

Publicação Mateus Agostini


F i m.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.