Hitch
MOB
Hitch
MOB Projeto de Conclus達o de Curso em Design 2013
Alice Voltolini Guidoni Orientador Claudio Roberto Y Goya
UNESP/Bauru
“Certos diretores filmam pedaços de vida, eu, filmo pedaços de bolo.”
Alfred Hitchcock
sumario
8. Resumo 9. Prelúdio 13. Roteiro Original 14. Alfred Hitchcock 21. Roteiro Adaptado 22. Design Sustentável 25. Design de Superfície 28. Prototipagem Rápida 32. Saul Bass 35. Luz, câmera... 39. ...ação! 42. Projetos de Redesign 47. Psicose 51. Banqueta Bates
59. Ladrão de Casaca 63. Mesa Glam 73. Projetos de Novos Produtos 83. Um Corpo que Cai 89. Escada Vertigo 97. Os Pássaros 101. Cabideiro Gull and Crow 105. Fotos 112. Poslúdio 114. Gratidão 115. Referências Bibliográficas
“Certos diretores filmam pedaços de vida, eu, filmo pedaços de bolo.”
Alfred Hitchcock
resumo Das páginas do livro de entrevistas Hitchcock/Truffaut veio a descoberta de um homem com talentos muito maiores do que aqueles exclusivos à sétima arte. Alfred Hitchcock, por trás das câmeras, foi um inventor, um solucionador de problemas, um criador de formas, um gênio projetual. E, por acaso, não seriam esses, atributos do Design: criar/projetar, solucionar, inovar? Servindo à duas abordagens distintas do Design Sustentável - o redesign de produtos existentes e a criação de novos produtos - o Design de Superfície e a Prototipagem Rápida aplicam-se a 4 projetos de mobiliário, tendo, como base conceitual, a obra, a técnica, as histórias e as ideias projetuais de Alfred Hitchcock.
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preludio
Um caldeirão borbulhante de desejos caóticos e ideias desconexas: esse era o cenário que a mim se apresentava quando, ainda no terceiro ano da graduação, comecei minha busca por um TCC. A paixão, ingrediente comum à todas essas ideias e desejos, foi, sem dúvidas, a força motriz para o amadurecimento desse projeto. No entanto, o filtrar e sintetizar de todas essas infinitas paixões, deu-se num processo angustiantemente vagaroso. De todas as artes por mim adoradas, o cinema foi aquela sempre presente. É inevitável pensar em distintas épocas da minha vida sem lembrar também de determinados filmes que as viveram comigo. É mais do que simples paixão. É um pedaço de mim. Quanto ao mestre Hitchcock, o conheci, de fato (não mais somente de ouvir falar), aos meus 19 anos, quando - ao assistir Psicose, seu mais popular clássico - ele fez comigo aquilo que, habitualmente, fazia com seus milhares de espectadores à décadas: arrebatou-me, enchendo meu mundo com suas cores, cenários, fotografia, figurinos e histórias impecáveis. Foi amor à primeira vista. A partir de então nada foi capaz (e nem tem sido) de impedir minha crescente admiração e respeito por seu enorme legado. Numa de minhas idas despretensiosas à biblioteca da UNESP, há mais ou menos 2 anos atrás, encontrei - tímido, no canto da estante abarrotada de títulos - àquele que, inesperadamente, viria a ser, para mim, fonte inesgotável de inspiração: o livro de entrevistas Hitchcock/ Truffaut, onde o (na época) novato cineasta eterniza as palavras do mestre à respeito de sua obra. A leitura - que, inicialmente, deu-se como simples hobby - tomou proporções muito maiores do que as por mim imaginadas, levando-me a conhecer um Hitchcock que eu até então não conhecia: um homem que havia refletido sobre sua profissão como nenhum outro, conhecedor de cada aspecto do seu trabalho, um inventor, um gênio, um criador de formas e ideias. Ao me deparar com material suficientemente vasto e, a meu ver, completamente pertinente ao trabalho do designer - já que esse propõe-se também
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a projetar e criar - minha decisão não pôde ser outra senão a de adotar as palavras, ensinamentos e conselhos ali contidos como base integral para o desenvolvimento desse Trabalho de Conclusão. Isso posto, voltei, então, ao caldeirão borbulhante de ideias a fim de retirar de lá os aspectos do Design que mais profundamente haviam me impactado durante os quatro anos e meio de graduação. Logo no início do curso - quando, ainda rasamente, comecei a conhecer o ofício à que me propus exercer, deparando-me com uma necessidade constante de estimular no ser humano a avidez pelo consumo e, consequentemente, abarrotar o mundo com 'criações de novos produtos velhos' - fui tomada por um profundo questionamento com relação à essa minha escolha profissional (já que, toda essa cultura de descartalização do mundo, nunca havia feito, para mim, qualquer sentido): como poderia eu, através de minhas próprias ideias, contribuir para o abastecimento de uma cultura da qual meu ser sempre foi tão contrário (embora inúmeras vezes tenha, inevitavelmente, sucumbido à ela)? O próprio Design encarregou-se de trazer-me a resposta - tão eficaz e satisfatória, que transformou definitivamente minha, até então, abalada relação com a futura profissão, numa relação apaixonada e intensa que, hoje, é parte inerente a mim: quando fui, enfim, apresentada aos ideais propostos pelo pensamento do Design Sustentável, compreendi que o designer carrega consigo - muito mais que o dever de criar no ser humano o desejo descontrolado de consumir - a profunda missão ética de melhorar o mundo em que vivemos. Já minha relação com o Design de Superfície mostrou-se ser muito mais antiga do que até eu mesmo poderia imaginar. A simplicidade das pinturas rupestres, a complexidade dos hieróglifos egípcios, os trabalhados vitrais e mosaicos arquitetônicos do Império Bizantino, as detalhadas pinturas corporais dos povos africanos, a harmonia “Certos diretores filmam pedaços de vida, eu, filmo pedaços de bolo.”
Alfred Hitchcock
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da azulejaria portuguesa, as delicadas porcelanas francesas, as cores vibrantes dos mercados árabes, as vestimentas cheias de grafismo dos povos andinos, a imensidão de texturas do povo indígena brasileiro: essa somatória indiscriminada sempre foi para mim, desde a infância, ao mesmo tempo que motivo de encanto absoluto, motivo também de confusão. Constantemente me perguntava se o fato de gostar de tudo isso fazia de mim uma pessoa que não sabia do que gostava. E novamente, aqui, do próprio Design veio a resposta responsável por sanar-me mais essa questão existencial, mostrando-me que toda essa paixão por padrões e texturas - antes aparente indiscriminada - fazia todo sentido quando vista sob a ótica do Design de Superfície. Das primeiras disciplinas de modelagens e dos primeiros trabalhos na oficina, descobri minha paixão por transformar, através das minhas próprias mãos, as criações do papel em objetos reais. Em maio de 2012 - quando, como bolsista, entrei para o CADEP - Centro Avançado de Desenvolvimento de Produtos - o, até então, novo laboratório de prototipagem da UNESP/Bauru - conheci o mundo mágico da Prototipagem Rápida. Ser apresentada à toda essa tecnologia (que eu nunca sequer havia sonhado que pudesse existir!) de forma tão prática como fui, contribuiu intensamente para que eu me fascinasse por todas as infinitas possibilidades que a área oferece, podendo, logo, enxergar as inúmeras contribuições que poderiam ser dadas à visão do Design Sustentável. E foi, portanto, desse desejo de concretizar meu fascínio pelo cinema (aqui, especialmente por Hitchcock), através dos aspectos do Design que arrebataram-me durante minha formação e transformaram-me na pessoa que sou hoje, que nasceu HitchMOB: um projeto que, em sua essência e forma, tem como objetivo construir um design autoral capaz de transmitir minhas ideias, conceitos, interesses e paixões.
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roteiro original
Alfred Hitchcock “Alfred Hitchcock não é nem um contador de histórias nem um esteta, mas um dos maiores inventores de formas de toda a história do cinema. [...] Aqui a forma não enfeita o conteúdo, ela o cria.” Eric Rohmer e Claude Chabrol, em Hitchcock (1957)
Entrevistas inteligentemente sarcásticas, aparições estratégicas em suas próprias produções, célebres frases repletas de ironia e uma popularidade de proporções mundiais, potencializada em meados dos anos 60, após lançar-se na televisão como apresentador de um programa cujo título levava seu próprio nome - Alfred Hitchcock Presents: esses são apenas alguns fatores que, somados à sua genialidade cinematográfica, contribuíram para que Alfred Hitchcock fosse, hoje, o ícone incontestável da cultura pop que é. Os cinéfilos do presente - admiradores instantâneos de sua obra, que de forma alguma condenam-no por sua riqueza, sucesso e fama - provavelmente pensam que sempre foi assim. Contudo, não é esse o caso. Há uma certa tendência entre críticos e amantes do cinema de que os filmes alternativos, independentes e de baixo orçamento, sejam sempre mais qualificados que os populares, aqueles da massa, que têm como principal motivador atingir o público. Sem dúvidas, esse foi o fator responsável pela relação conflituosa entre Hitchcock e os críticos de cinema americanos. Seu gênio publicitário - comparado apenas, em grandiosidade, ao de Salvador Dalí, somado ao seu prazer de construir histórias pensando exclusivamente em seu espectador, acabou por condená-lo e transformá-lo numa vítima do seu próprio sucesso; sucesso esse que seria cobrado por tais críticos, examinando seu trabalho com arrogância, subestimando-o e denegrindo filme após filme. Foi preciso que os críticos franceses François Truffaut, Jean-Luc Godard, Eric
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Rohmer e Claude Chabrol, fizessem ver, através das conceituadas páginas da revista Cahiers du Cinéma, que Hitchcock, muito mais do que um mero ‘mestre do suspense’, era um autor completo, um homem que havia refletido sobre os meios de sua arte mais do que qualquer um de seus colegas, um dos mais interessantes realizadores cinematográficos da história. Nascido em 13 de agosto de 1899, em Londres, Sir Alfred Hitchcock (assim nomeado pela rainha da Inglaterra, em 1978) interessouse desde muito cedo pelo universo do cinema e teve como influência e inspiração trabalhos como o dos americanos Buster Keaton e D. W. Figura 1: Capa da edição sobre Hitchcock da revista francesa Cahiers du Cinéma. Griffith, do alemão F. W. Murnau e do também inglês (e rival secreto) Charles Chapin. Seu ingresso na indústria cinematográfica deu-se como desenhista de legendas internas para os diálogos dos filmes mudos e dentro dessa mesma empresa, em pouco tempo, Hitchcock construiu e consolidou sua carreira como diretor de filmes ingleses. Não era para menos: o homem parecia ter nascido com a linguagem do cinema na cabeça. Aliado ao seu talento natural, o fato de ter começado no cinema mudo - onde as expressões eram essenciais para se produzir um bom filme - permitiu que Hitchcock tivesse a compreensão e o domínio absolutos do que ele próprio definiu posteriormente como cinema puro. Apesar de não ter esclarecido com detalhes do que se tratava,
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efetivamente, tal termo, a percepção visual de seus filmes demonstra-o claramente: no cinema puro a arte é baseada sobretudo na força da clareza e do impacto visual, sendo que tudo que é dito em lugar de ser mostrado fica perdido para o público. E por ter sido capaz, como poucos em sua época, de assimilar com perfeição os segredos ensinados por Griffith, que Hitchcock conseguiu sobreviver à brutal passagem do cinema mudo para o falado, sem perder a essência da linguagem cinematográfica. Foi para ele - e para o cinema - um tempo difícil. No livro de entrevistas Hitchcock/Truffaut (1986), o mestre fala ao novato cineasta sobre sua decepção com o cinema sonoro e com o retrocesso e a mediocridade trazidos por ele: “[...] na maior parte dos filmes há muito pouco cinema e a maior parte do tempo chamo isso de ‘fotografia de gente que fala’. Quando se conta uma história no cinema, não se deveria recorrer ao diálogo a não ser quando é impossível fazer de outro modo. [...] Eis o que se pode deplorar: com a chegada do cinema falado, o cinema bruscamente se imobilizou em uma forma teatral. [...] O resultado é a perda do estilo cinematográfico e também a perda de toda fantasia. [...] Qualquer que seja a escolha final em relação a ação em desenvolvimento, deve ser aquela que mais seguramente mantenha a atenção do público. Em resumo, pode-se dizer que o retângulo da tela deve ser carregado de emoção.” (TRUFFAUT, 1986, 41). Figura 2: Alfred Hitchcock e François Truffaut, durante as entrevistas que posteriormente seriam transformadas em livro.
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Com uma trajetória marcada pela inquietação e pela vontade de experimentar novos meios, técnicas e possibilidades de linguagem, Hitchcock abraçou não só a passagem do silencioso ao sonoro como também todas as outras mudanças tecnológicas que a indústria lhe apresentou: a chegada da cor, o ‘primeiro’ 3D e o impacto da televisão. No entanto, muito mais do que seu indiscutível ser curioso e inventivo, o que realmente impressionava e chamava atenção a seu respeito era o domínio que ele exercia sobre todas as etapas e aspectos do seu trabalho. Peggy Robertson, sua assistente de direção, disse, certa vez, em depoimento, que o diretor sequer se sentava perto das câmeras: ele apenas dizia aos técnicos onde e como queria que as tomadas fossem feitas e muito pouco precisava ser alterado posteriormente, na etapa de montagem. Isso só era possível porque, antes mesmo que o filme começasse a ser rodado, ele já havia elaborado storyboards completos, contendo a sequência perfeitamente detalhada de cada cena a ser filmada. Esse era, sem dúvida, um dos gritantes diferencias de Hitchcock quando comparado aos outros cineastas de sua época. Na introdução de seu livro, Truffaut faz uma análise da forma com que tais cineastas encaravam o set de filmagens: rodavam uma única cena milhares de vezes, em dezenas Figura 3: storyboard criado pelo cineasta para a clássica cena de de planos, ângulos e enquadramentos, Os Pássaros.
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mudando apenas a objetiva a ser usada entre elas, para que só durante a montagem o aspecto final da cena fosse construído. Em seguida, esclarece porque, para ele, Hitchcock os superava: “Na minha opinião, Hitchcock supera-os pois é mais completo. É um especialista não de tal ou qual aspecto do cinema, mas de cada imagem, de cada plano, de cada cena. Ama os problemas de construção do roteiro, mas ama também a montagem, a fotografia, o som. Tem ideias criativas sobre tudo, ocupa-se de tudo muito bem [...] Para comprovar isso, não é necessário escolher uma cena de suspense, o estilo Figura 4: Hitchcock, ainda jovem, no set de filmagens. ‘hitchcockiano’ será reconhecido mesmo em uma cena de conversa entre dois personagens simplesmente pela qualidade dramática do enquadramento, pela maneira realmente única de distribuir os olhares, [...] (pela arte) de sugerir, fora do diálogo, toda uma atmosfera dramática precisa, a arte, enfim, de nos conduzir de uma emoção a outra ao capricho de sua própria sensibilidade.” (TRUFFAUT, 1986, 18). Mesmo valorizando todas as etapas da produção fílmica, ainda assim, Hitchcock acreditava que uma delas sobressaía-se com relação às outras. Numa de suas declarações públicas disse, certa vez, que um filme para ser considerado bom precisava atender à
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três aspectos: “ter um bom roteiro, ter um bom roteiro e ter um bom roteiro”. Em diversos momentos de sua carreira, Hitchcock foi obrigado a trabalhar com roteiros que, definitivamente, não lhe agradavam e foi através deles que nasceram, na sua opinião, os trabalhos mais infelizes de sua filmografia. Completando sua crítica disse: “uma massa de ideias não basta para compor um filme bem realizado se elas não são apresentadas com suficiente cuidado e com uma total consciência da forma. [...] se a gente se sente realmente Figura 5: a silhueta que se transformou em símbolo da cultura a vontade em um projeto, alguma pop. coisa de bom poderá sair disso [...] se o conceito é bom, alguma coisa poderá ser desenvolvida. O que o filme virá a ser é uma questão de graus, mas o conceito não é mais contestável.” (TRUFFAUT, 1986, 53). Mundialmente reconhecido como o grande mestre do gênero, dos filmes mudos ingleses aos coloridos de Hollywood - com maior ou menor intensidade - o suspense sempre o acompanhou. Mas, afinal, qual o motivo de tamanha fixação? Segundo o cineasta, as sensações de medo e tensão causadas pelo suspense são, sem dúvida, o mais poderoso meio de sustentar a atenção do espectador: em aterrorizá-lo, o mestre encontrou a fórmula mais eficaz de fideliza-lo. Por mais que a crítica dissesse o contrário, Hitchcock
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não acreditava que a qualidade de seus filmes deveria separar-lhe do entendimento e apresso do público maior, sendo que ter a plateia ao seu lado, participando da história, compreendendo-o e acompanhando-o, sempre foi sua paixão. À Truffaut ele deixa claro suas intenções com relação ao suspense: “a arte de criar o suspense é ao mesmo tempo a de colocar o público ‘no lance’ fazendo-o participar do filme. Nesse domínio do espetáculo, fazer um filme não é mais um jogo que se joga a dois (o diretor + seu filme), mas a três (o diretor + seu filme + o público), e o suspense [...] torna-se um meio poético, pois seu objetivo é emocionar-nos ainda mais, fazer nosso coração bater mais forte.” (TRUFFAUT, 1986, 16). O que dizem exatamente seus filmes, Hitchcock jamais se preocupou muito em sabê-lo - e menos ainda em fazê-lo saber, preocupou-se apenas em ensinar ao público sua gramática e, por consequência, o próprio cinema se inventou com ele.
Figura 6: peça publicitária do ano de 1943, para a Life Magazine.
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roteiro adaptado
Design Sustentavel “Contrariamente aos mais comuns clichês, em termos sociais e políticos, caminhar rumo à sustentabilidade é o contrário da conservação. Em outras palavras, a preservação e a regeneração de nosso capital ambiental e social significará justamente romper com as tendências dominantes em termos de estilo de vida, produção e consumo, criando e experimentando novas possibilidades. Se assim não o fizermos, se não adquirirmos experiências diferentes e se formos incapazes de aprender a partir delas, então assistiremos à verdadeira conservação, que resultará na continuação dos atuais e catastróficos estilos de vida, produção e consumo.”
Ezio Manzini, em Design para a Inovação Social e Sustentabilidade (2008)
A crise do petróleo, no ano de 1973, foi o primeiro sinal de alerta, dos muitos que viriam, sobre a concretização dos limites dos recursos do nosso planeta. Com o fim da Segunda Guerra Mundial nasceu um sonho: o american way of life - estilo de vida generoso, banhado pelo ideal sedutor da felicidade material. Desse sonho, por conseguinte, nasceu o desejo baseado apenas no bem de consumo: levados a esquecer os sabores do presente, os consumidores projetavam, para um futuro próximo, novos desejos alicerçados em necessidades completamente irrisórias. Nessa era da posse, a impaciência se tornou uma virtude. (KAZAZIAN, 2005) Obviamente, era impossível que isso se sustentasse por muito tempo. Na década de 80, 13 anos após àquele primeiro sinal de alerta do petróleo, os impactos sobre o meio ambiente tomaram proporções globais: superabundância de resíduos diversos, declínio da biodiversidade, aquecimento do planeta em razão do aumento do efeito estufa, buraco na
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camada de ozônio causado pelos gases CFCs, destruição das florestas do hemisfério norte ocasionada por chuvas ácidas provenientes da emissão de enxofre... era a degradação progredindo e confirmando o que Mahatma Gandhi já havia antecipado: "A natureza pode atender à necessidade de cada um, mas não à avidez de todos.". Desde então, não mais como opção, mas como necessidade e urgência, a busca por um desenvolvimento sustentável tornou-se o grande desafio de nosso tempo. Etimologicamente, o termo sustentável - derivação da palavra sustentar - tem na língua portuguesa, para além de outros significados, os de: suportar, defender, equilibrar, proteger, apoiar, manter, conservar, cuidar e auxiliar. Logo, o termo desenvolvimento sustentável - empregado pela primeira vez pela Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente (ONU), em 1987 - pode ser definido como 'uma forma de desenvolvimento que busca satisfazer às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades'. Esse conceito - que se alicerça, essencialmente, sob um tripé formado por economia, sociedade e meio ambiente - pressupõe que pessoas, ambiente e produção estejam sempre interconectados.
Figura 7: Detalhes do projeto desenvolvido para a disciplina de Design e Sustentabilidade visando, além da utilização da
madeira industrializada (OSB), o aproveitamento de pequenos descartes na construção de uma placa de LCM (madeira laminada colada).
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Nesse processo em direção ao futuro sustentável, o design apresenta-se como peça fundamental, pois é, por si só, ferramenta de solução e evolução. Mas, afinal, qual tem sido o papel efetivo do design até aqui? Infelizmente, a resposta é clara, mas não satisfatória: em termos gerais, uma grande parcela dos designers tem sido, ainda, parte do problema. No entanto, não parece ser, esse, um destino inevitável, já que, no 'código genético' do Design está registrada a ideia de que sua razão de ser é melhorar a qualidade do mundo. E é a partir desse ponto que devemos recomeçar, repensando qual é a qualidade do mundo que o Design, seguindo sua profunda missão ética, deveria promover. Dentro dessa perspectiva, Ezio Manzini afirma: "os designers podem ter um papel muito especial e, esperamos, importante: mesmo não tendo meios para impor sua própria visão aos outros, possuem, porém, os instrumentos para operar sobre a qualidade das coisas e sua aceitabilidade e, portanto, sobre a atração que novos cenários de bem-estar possam por ventura exercer. Seu papel específico na transição que nos aguarda é oferecer novas soluções a problemas, sejam velhos ou novos, e propor seus cenários como tema em processos de discussão social, colaborando na construção de visões compartilhadas sobre futuros possíveis e sustentáveis." (Manzini, 2008) Em suma, o Design Sustentável deve ser, para além dos termos práticos, a atividade de reflexão, sobretudo, a respeito dos valores e estilo de vida que estão sendo estimulados e divulgados, bem como sobre as aspirações e desejos que estão sendo gerados no consumidor, para que - de forma mais abrangente, inclusiva e criativa possa-se repensar os velhos estilos e criar novos conceitos: desenvolvimento para evoluir; sustentabilidade para perdurar e design sustentável para viabilizar.
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design de superficie "As superfícies adquirem cada vez mais importância no nosso dia-a-dia. Estão nas telas da televisão, nas telas de cinema, nos cartazes e nas páginas de revistas ilustradas, por exemplo. As superfícies eram raras no passado. Fotografias, pinturas, tapetes, vitrais e inscrições rupestres são exemplos de superfícies que rodeavam o homem. Mas elas não equivaliam em quantidade, nem em importância às superfícies que agora nos circundam."
Vilém Flusser, em O Mundo Codificado (2007)
Apesar de ser um setor cada vez mais privilegiado, com o surgimento de novos materiais e tecnologias, o Design de Superfície ainda é um campo pouco explorado e conhecido no Brasil. Amplamente difundido nos EUA, onde, em 1977, foi fundado o Surface Design Association - com o objetivo de promover o pensamento acadêmico e a aplicação do Design de Superfície no setor têxtil - em solo brasileiro, a pioneira dessa prática profissional foi Renata Rubim. Para ela, Design de Superfície (ou Surface Design) pode ser entendido como uma atividade técnica e criativa cujo objetivo é a criação de imagens bidimensionais projetadas especificamente para o tratamento de superfícies, através da geração de padrões que se desenvolvem de maneira contínua, apresentando, assim, soluções estéticas e funcionais adequadas aos diferentes materiais e métodos, que abrangem desde o setor têxtil e papelaria até as áreas de cerâmica, plásticos, emborrachados e utilitários (louças). (RUBIM, 2004) Em A Gramática do Ornamento (2010), Owen Jones diz que "parece não existir povo, em qualquer estágio inicial de civilização, em que o desejo pelo adorno não seja um forte
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instinto". Isso, a própria história confirma: das pinturas rupestres às corporais, passando por ornamentos encontrados nas armas de caça, vestimentas, utensílios domésticos e espaços arquitetônicos, o homem sempre sentiu necessidade de expressar-se por meio de superfícies. Tido com um dos grandes precursores da área, William Morris - um dos fundadores do Movimento Arts & Crafts (séc. XIX), que defendia o artesanato criativo em oposição a produção em série e tentava aproximar, sem distinções, artista e artesão - destaca-se principalmente no que se diz respeito à produção de estamparia. Seu legado foi gerador do Movimento Art Nouveau e, no séc. XX, da Bauhaus, que possuía em suas instalações um ateliê de tecelagem exclusivo. Em entrevista ao site Design Figura 8: florais de William Morris, em aquarela - acima, Brasil, Renata Rubim esclarece as Windrush (1883) e abaixo, Wandle (1884) peculiaridades existentes entre o Design Gráfico e o Design de Superfície: "o Design Gráfico, a meu ver, tem uma responsabilidade fundamental com a identidade do seu cliente e regras básicas a serem seguidas, enquanto
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o Design de Superfície tem, quase sempre, mais liberdades. Às vezes, ele encontra-se numa fronteira muito tênue entre a arte e o design". Evelise Ruthschilling - autora do livro Design de Superfície (2008), uma importante fonte de estudo sobre o assunto - também compartilha do mesmo pensamento, afirmando em sua literatura que, essa liberdade do Surface Design de interagir com os processos criativos da arte, da linguagem visual e da história da arte é um fator potencializador para o projeto de produto, seja ele artesanal ou industrial.
Figura 9: o bordado da argentina, Leila Montero (acima) e os revestimentos e cerâmicas da brasileira Heloísa Crocco (abaixo) são exemplos de aplicações do Design de Superfície.
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prototipagem rapida "Devido ao fato de a concepção desse processo de fabricação ter sido aplicado inicialmente na produção rápida de peças visando uma primeira materialização de ideia (protótipos), sem muitas exigências em termos de resistência e precisão, o mesmo foi denominado Prototipagem Rápida. [...] Esta denominação persiste atualmente, mesmo depois de os processos terem sido aprimorados a ponto de alguns poderem ser utilizados para fabricação de peças para uso em produtos finais."
Neri Volpato, em Prototipagem Rápida (2007)
Considerada um marco em termos de tecnologia de manufatura, a Prototipagem Rápida - uma das áreas mais ativas em termos de pesquisa e novos desenvolvimentos - revolucionou o que até então fazia-se quando o assunto era a produção de protótipos. A utilização de protótipos físicos, dentre todas as atividades envolvidas no processo de desenvolvimento de produtos, é essencial para melhorar tanto a comunicação entre os envolvidos quanto a qualidade, bem como reduzir as possibilidades de falha. Historicamente, os protótipos físicos vêm sendo utilizados desde a antiguidade. No processo convencional, os modelos são feitos manualmente ou pelas próprias ferramentas da produção definitiva, a partir dos desenhos finais da peça. Em determinada etapa do processo, se algum erro é detectado, corrigi-lo faz-se necessário, o que, inevitavelmente, acaba traduzindo-se em custos acrescidos e possíveis atrasos no lançamento desse novo
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produto no mercado. A Prototipagem Rápida - derivada dos principais processos de fabricação mecânica: fusão (fundição de metais, moldagem por injeção de plástico, etc), remoção (torneamento, fresamento, furação, retífica, etc), conformação (forjamento, conformação, estampagem em chapas, laminação, etc) e adição (soldagem, brazagem, colagem, etc) - define-se pela capacidade de criar protótipos físicos (em 2 e 3 dimensões), através de informações obtidas diretamente de modelos geométricos gerados no sistema CAD (Computer Aided Design) de forma rápida, automatizada e totalmente flexível, possibilitando, assim, que erros de concepção sejam detectados ainda na fase inicial do processo de desenvolvimento, o que, consequentemente, reduz de forma significativa os riscos associados ao lançamento de um produto novo. Vários são os setores industriais que têm se beneficiado com o uso dessa tecnologia, sendo já bastante difundida na área aeroespacial, automobilística, de bioengenharia (medicina e odontologia), produtos elétricos, joalheria, artes
Figura 10: a Prototipagem Rápida aplicada à setores da industria como moda, joalheria e artes.
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moda e arquitetura. Para a indústria, o surgimento da fresadora CNC (Computer Numeric Control) - uma evolução do primeiro código numérico (NC) que permitia o controle de máquinas, criado ainda na Segunda Guerra Mundial, pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts - significou uma radical mudança no processo de produção. Baseada no plano cartesiano de eixos X, Y e Z, a usinagem é feita por meio de uma ferramenta cortante (a fresa), que percorre caminhos coordenados por informações previamente definidas e inseridas na máquina, para cada um dos eixos, viabilizando, assim, a criação dos perfis de cada peça. Com ela, curvas puderam ser facilmente recortadas, complexas estruturas em 3 dimensões tornaram-se relativamente de fácil produção e os números de passos que dependiam de intervenções humanas puderam ser drasticamente reduzidos. Por consequência, a quantidade de erros também diminuiu, aumentando, assim, a qualidade dos produtos e reduzindo o retrabalho e o desperdício. A chegada do CNC foi responsável ainda pela aceleração das linhas de montagem, que podiam, agora, ser adaptadas para a produção de outros produtos, num tempo muito mais curto que no processo tradicional. Podendo movimentar-se por até 5 eixos ao mesmo tempo, dentro da indústria a aplicação mais usual ainda é a de máquinas CNC que se movem por até 3 eixos simultaneamente. Desse modo, os programas de usinagem criados para essas máquinas, dependendo da geometria da peça a ser usinada, podem variar na movimentação de 2 eixos (usinagem 2D – perfil simples sem ângulos ), de 2,5 eixos (usinagem 2,5D – perfil simples com ângulo) e de 3 eixos (usinagem 3D – perfil complexo). Acompanhando o desenvolvimento tecnológico da informática - com o surgimento das tecnologias CAD/CAM - e a tendência por uma interatividade cada vez maior com o usuário - o uso das fresadoras CNC, dentro do âmbito de fabricação de protótipos,
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intensificou-se consideravelmente, incluindo-a no seleto grupo da Prototipagem Rápida e elevando-a ao status de tecnologia de manufatura rápida. As vantagens desse processo, frente às outras possibilidades oferecidas pela Prototipagem Rápida deve-se principalmente: 1) pelo custo menor de produção. 2) pela melhor precisão dimensional possível de ser alcançada. 3) pela maior velocidade e, por consequência, menor tempo de funcionamento. 4) pela vasta gama de materiais que podem ser utilizados.
Figura 11: máquinas em funcionamento no CADEP - pós-processamento de uma impressão realizada pela ZPrinter 650 (à esquerda) e usinagem de placa de compensado pela Router, fresadora CNC de três eixos (à direita).
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saul bass “O autor minimalista que, em 1955, colocou em movimento um recorte de papel no formato de um braço e criou todo um gênero de filme, elevando-o ao nível da arte” New York Times, após sua morte (1996)
Os anos 50 viram o advento de um gênero cinematográfico inteiramente novo, graças ao trabalho de Saul Bass, cujos créditos de abertura revolucionaram por completo a arte da promoção de filmes. Antes disso, os títulos de filme eram uma espécie de não-evento, que muitos projetistas cobriam com as cortinas, as quais só eram abertas quando a sequência havia terminado e o filme estava para começar. (Design Museum) Designer gráfico, nascido no bairro do Bronx, em New York, no ano de 1920, Bass já havia emprestado seu talento à conhecidas marcas, mas foi pelos olhos do cineasta Otto Preminger (que se tornaria seu colaborador por mais de 20 anos) que ele encontrou seu espaço no cinema. Depois de já ter contratado Bass para desenhar o 12: idealizado por Bass, o cartaz de O Homem do pôster promocional do seu filme O Homem Figura Braço de Ouro, foi o primeiro dos muitos trabalhos que ele do Braço de Ouro, de 1955, Preminger ficou realizaria no cinema.
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tão impressionado com o resultado que pediu ao designer que criasse uma sequência animada de créditos de abertura que incorporasse um forte apelo gráfico e destacasse a trilha sonora. Assim nasceu a mídia de grafismo animado. (RAIMES, BHASKARAN, 2007) Na biografia do designer, encontrada no site Saul Bass TV - um acervo digital bem completo de seu trabalho - Paul Zimmerman declarou: “Durante os primeiros 50 anos do cinema americano, cartazes foram compostos apenas por ilustrações e fotografias das grandes estrelas, como forma de atrair o público aos auditórios escuros. Isso, provavelmente, hoje, ainda seria assim, se não fosse por um homem: Saul Bass”. Seu próprio trabalho em O Homem do Braço de Ouro exemplifica e credibiliza essa afirmação: na abertura do filme, que trata da luta de seu herói - um músico de jazz interpretado por Frank Sinatra - na busca por superar o vício da heroína, Bass optou, em lugar do famoso rosto de Sinatra, retratar - com um tosco recorte de papel em forma de braço - a imagem poderosa do vício, transformando, assim, os paradigmas de até então. Evidentemente influenciado pela Bauhaus e pelo Construtivismo Russo, seu traço minimalista, de cores chapadas e contrastantes, nos anos subsequentes, colaborou com grandes nomes do cinema como Stanley Kubrick e Martin Scorsese, somando em seu currículo quase 50 Figura 13: imagem do site Saul Bass TV, que disponibiliza um vasto conteúdo a respeito da carreira do designer. aberturas até a data de sua
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morte. Com Hitchcock, Saul Bass realizou alguns de seus mais grandiosos trabalhos: Um Corpo que Cai (Vertigo) em 1958, Intriga Internacional (North by Northwest) em 1959 e Psicose (Psyco) em 1960, tendo se tornado um dos grandes e fiéis colaboradores na carreira do mestre, não apenas no âmbito de aberturas mas contribuindo também com a geração de alguns storyboards.
Figura 14: alguns dos trabalhos de maior importância na carreira de Saul Bass.
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luz, camera...
"Quando os anos 1930 trouxeram a depressão econômica e a austeridade, o desenho entrou em uma 'era cinzenta' [...] Ao mesmo tempo, entretanto, acompanhar as tendências se tornou mais importante. Atraídas pelo cinema como uma forma de escapismo, as mulheres da classe média aspiravam as roupas e decoração de suas artistas preferidas na tela. Foi esse período que viu o crescimento da revista de moda e do designer de interiores." Tom Fraser e Adam Banks, em O Guia Completo da Cor (2007)
Tanto as etapas de pesquisa e geração das primeiras ideias e sketches, quanto as etapas de criação e consolidação do conceito para cada peça, deram-se de forma muito livre, sem uma ordem cronológica exata que pudesse ser, por mim, aqui explicitada. Inicialmente, como simples objeto de estudo e inspiração, as palavras de Hitchcock a respeito da criação e invenção projetual, no livro de entrevistas à Truffaut, bem como seus filmes, com suas cores e texturas explodindo na tela, acabaram por tomar proporções muito maiores do que as por mim imaginadas, em razão da amplitude de informações e da riqueza de pormenores, sendo que, não podendo agir de outra forma, acabei por adotar-lhes como base integral para o desenvolvimento do meu trabalho obviamente alicerçados sobre os conceitos referentes ao Design por mim aprendidos e assimilados durante os quatro anos e meio de formação e ampliados também, através das leituras feitas para o próprio TCC. Como ferramenta metodológica para organizar esse grande volume de informações e detalhes, optei por construir painéis semânticos - também conhecidos pelo termo inglês moodboard - para me auxiliarem na sintetização das ideias. Indiscutivelmente, uma das
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maiores dificuldades nas etapas iniciais de qualquer projeto é saber o que fazer com essa enorme quantidade de informações levantadas, bem como, de que maneira utilizá-las na geração de ideias e soluções para os problemas, de forma criativa e inovadora. Ao dispô-las em uma espécie de quadro de referências visuais, contendo determinados aspectos do projeto, como cores, formas, texturas, objetos, pedaços de tecido, fotografias e recortes de revista ou internet, cria-se os chamados painéis semânticos: técnica onde, através da colagem de ideias e inspirações, fica-se expresso semioticamente os sentimentos Figura 15: exemplos de moodboards - físico (acima) e digital (abaixo). e simbolismos entorno do produto, evidenciando, assim, sua essência. Não hesitei ao eleger tal recurso para me servir, aqui, como guia, pois, desde minha infância - por ser uma pessoas extremamente ligada ao visual - criar símbolos através de colagens sempre foi algo natural. Apesar da facilidade e agilidade oferecidos, hoje, pelos muitos recursos digitais disponíveis para a criação de moodboards - como o Moodshare, o Pinterest e até mesmo alguns aplicativos para iPad - minha paixão pelo tátil me fez optar pela forma física, que, ao meu ver, possui um impacto consideravelmente maior devido ao conjunto de sensações se apresentar de forma mais completa.
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As cores e texturas, na construção dos meus painéis, tiveram especial destaque, pois foi, por meio delas, que pude recriar e relacionar os objetos chave dos filmes de Hitchcock às peças a serem produzidas. Por ser muito difundido e utilizado por estilistas e decoradores, foi das revistas de moda e beleza, bem como das revistas de design e de tendências da área de mobiliário e decoração - ricas em cores e referências têxteis - que extraí os recortes ideais para a montagem do meu moodboard.
Figura 16: meus painéis semânticos e algumas referências.
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...acao!
"O homem estava morto, mas não o cineasta, pois seus filmes, realizados com um cuidado extraordinário, uma paixão exclusiva, uma emotividade extrema mascarada por um domínio técnico raro, não deixarão de circular, difundidos através do mundo, rivalizando com as produções novas, desafiando a usura do tempo, confirmando a imagem de Jean Cocteau falando de Proust: 'Sua obra continuava a viver como os relógios no pulso dos soldados mortos'." François Truffaut, referindo-se à Hitchcock, em Hitchcock/Truffaut - Entrevistas (1986)
À cada página lida do, já citado, livro de entrevistas Hitchcock/Truffaut, surpreendia-me com a descoberta de um homem com talentos muito maiores do que aqueles exclusivos à sétima arte: por trás dos filmes que eu tanto admirava descobri o inventor, o solucionador de problemas, o criador de formas, o revolucionário, o gênio projetual. Diante disso, surgiu-me a questão: não seriam, esses, atributos do Design criar/projetar, solucionar, inovar? Por quê não aplicá-los, então - sob à ótica do mestre - no meu Projeto de Conclusão? Isso posto, decidi-me pela criação de 4 peças - alicerçadas sob duas abordagens distintas do Design Sustentável: o redesign de produtos existentes e a criação de projetos para produtos novos - tendo como base conceitual 4 aspectos eleitos por mim dentre os muitos que me chamaram atenção a respeito das histórias e ideias projetuais apresentadas por Hitchcock. Apresento-os a seguir. 1) Para o mestre, não havia dúvidas quanto a importância de um bom roteiro para a realização de trabalhos bem sucedidos: quando bem construído e estudado, mesmo encontrando problemas pelo caminho, há um alvo certo a ser alcançado.
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Na ótica do Design, o mesmo princípio pode (e deve) ser aplicado durante a conceituação de um projeto. Com isso em mente, dediquei-me na elaboração de conceitos concisos, com objetivos claros a serem atingidos, a fim de que todas as decisões tomadas tivessem uma razão de ser. Para isso, decidi filtrar as informações e concentrar as ideias, para cada peça, em um filme específico da carreira do diretor, sendo os 4 escolhidos: Psicose (1960), Ladrão de Casaca (1955), Um Corpo que Cai (1958) e Os Pássaros (1963). 2) Dos filmes mudos ingleses aos coloridos de Hollywood, encontramos a resposta à pergunta que, não apenas os cineastas, mas todos os profissionais que lidam com fatores estéticos deveriam fazer: como exprimir-se de uma maneira puramente visual? Através do que chamava de cinema puro, Hitchcock provou que a forma não é apenas um enfeite, mas fator essencial para se transmitir com clareza visual tudo o que foi idealizado na etapa de conceituação de um projeto. A forma não enfeita o conteúdo, ela o cria. Considerar esse aspecto foi imprescindível para a consolidação de cada projeto. Ainda no sentido de filtrar as informações e concentrar as ideias, dentro de cada filme escolhido, decidi tomar como base cenas especificas que transmitissem, plasticamente, tanto os aspectos do filme por mim adotados, quanto todo o contexto envolvido na obra do diretor. 3) Dos muitos talentos desse homem, o que mais se destaca a mim - e o torna inquestionavelmente admirável - é seu interesse em relacionar-se com o público. Ao invés de restringí-lo - buscando, por meio de seu trabalho, limitá-lo à apenas uma elite pensante de renomados críticos de cinema - ele ampliou-o - incluindo, envolvendo e emocionando através de suas produções. Essa é a essência do Design que acredito e quero promover: inclusivo, não elitizado, acessível à todos. De forma que, para cada peça, projetei meios de interação
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com o usuário, que defini, aqui, como elemento suspense (já que esse era o sentimento pelo qual o mestre melhor comunicava-se com seu público) - a fim de intensificar a relação objeto/usuário, criando liberdades de uso, ampliando possibilidades e agregando sentidos. 4) Como poucos, Hitchcock tinha domínio absoluto sobre todas as etapas envolvidas na produção fílmica. Conhecia cada detalhe e pormenor, bem como as limitações e possibilidades que cada aspecto envolvido apresentava. Em razão disso, conseguia, com exatidão, atingir seus desejos e objetivos projetuais. Ao meu ver, é de suma importância que o designer não se atenha apenas as etapas de projeto e criação, mas esforce-se também em conhecer os meios de produção e as possibilidades por eles oferecidas, a fim de cumprir, satisfatoriamente, sua missão de zelar pela qualidade e eficiência dos produto, por todo o seu ciclo de vida. Por isso, quis ocupar-me, eu mesma, de cada etapa do processo de produção das minhas peças, a fim de desenvolver habilidades e aprimorar conhecimentos.
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Projetos de Redesign
Heranças da Revolução Industrial, a massificação da produção e a obsolescência programada fazem parte de um fenômeno industrial e mercadológico, surgido nos países capitalistas na década de 30 e 40, conhecido como 'descartalização': a perda das funções (reais e/ou sociais) do produto, num curto espaço de tempo, obriga o consumidor a substituí-lo numa maior frequência, garantindo, assim, um consumo constante através da insatisfação. A priori, assimilado pela indústria automobilística (General Motors) e de informática (Microsoft), hoje, não há setor sequer da economia que não trabalhe sob os pilares desse conceito. No setor de mobiliário, suas consequências podem ser observadas através do desaparecimento do valor sentimental dos produtos: a importância dos objetos, nas relações sociais e nas ligações familiares, foi perdida. De acordo com Manzini, o redesign ambiental do existente, trata da realização de pequenas modificações nos produtos já criados, a fim de ampliar seu ciclo de vida e melhorar sua eficiência global em termos de consumo material e energético, bem como, facilitar sua posterior reciclagem e reutilização de componentes. (MANZINI, 2002) Tomado por uma onda nostálgica, o mercado tem sido invadido por tendências 'retrô'. Aos olhos do design sustentável, tal fato apresenta-se como grande oportunidade para a introdução e aplicação dos conceitos do redesign. Sob esse pensamento - intensificado pela forte influência de uma antiga paixão: a restauração de móveis - os dois projetos por mim propostos aqui, tem a finalidade de devolver à peças desgastadas pela usura do tempo, um novo lugar de destaque na decoração de ambientes. Poder prolongar a vida útil, por mais alguns bons anos, de peças que - saídas da casa de minha avó - já haviam feito parte da minha vida desde a infância, trariam-me enorme satisfação. Isso posto, as peças em questão são: uma banqueta de pés-palito do ano
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de 1966, nunca reformada/ restaurada anteriormente e uma mesa de centro estilo provençal, adquirida em 1960, já submetida à algumas reformas anteriores. Para a preparação das peças, na etapa que antecedeu a de transformações específicas relacionadas a cada projeto, optei por utilizar-me de um método empregado por profissionais restauradores, que consiste em raspar a superfície do objeto geralmente com cacos de vidro - na intenção de remover-lhes a pintura antiga. Dessa forma, eu Figura 17: banqueta de pés-palito (1966) estaria preservando as peças da interação com produtos químicos que poderiam agredir o material e contribuindo, também, para a sustentabilidade. Como a integridade estética da madeira já estava comprometida - com arranhões profundos e alguns furos - a solução encontrada foi recobri-la com uma nova pintura. Minha ideia inicial - advinda de uma tendência claramente detectada nas atuais peças de design - era a de elas fossem laqueadas. No entanto, após pesquisa sobre o assunto, constatei que o principal componente - a nitrocelulose - da maioria das peças revestidas
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por laca, hoje, no mercado, ia de encontro aos conceitos sustentáveis por mim propostos para esse projeto. De maneira que, como substituição à esse danoso método, a alternativa por mim adotada foi a utilização de esmaltes à base d'água com acabamento alto brilho: apesar de não oferecerem, nesse sentido (do brilho), o mesmo resultado da laca, seriam a opção ecofriendly Figura 18: mesa provençal (1960) mais semelhante. Nesse âmbito - da criação de projetos que visam adaptar e reinserir produtos já existentes novamente no mercado - destaco que as maiores dificuldade projetuais encontram-se nas condições oferecidas pelo próprio objeto a ser restaurado, pois é na sua construção e montagem que detectamos os principais fatores de limitação. Essa busca por alternativas - no intuito de conciliar conceitos e condições - poderá ser claramente observada nos projetos apresentados por mim a seguir.
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psicose
"A construção desse filme é muito interessante e é a minha experiência mais apaixonante de jogo com o público. Com Psicose eu fazia direção de espectadores, [...] era apaixonante pra mim utilizar a câmera para desorientar o público."
Alfred Hitchcock, em Hitchcock/Truffaut Entrevistas (1986)
Custo: 800 mil dólares; lucro: 50 milhões de dólares. Essa é a evidência clara, em números, da significância de Psicose à filmografia de Alfred Hitchcock. Aos 60 anos de idade, à procura de inspiração para um novo trabalho e inundado por uma vontade imensa de atingir o público que havia se renovado durante os últimos 10 anos, Hitchcock encontrou no romance Psycho, de Robert Bloch, o roteiro perfeito. Arrebatado pela subtaneidade de um assassinato no banheiro e pelas possibilidades cinematográficas que poderiam ser exploradas ali, o cineasta tratou de comprar anonimamente os direitos do livro e logo em seguida comprou também todas as cópias disponíveis no mercado para que ninguém o lesse e o final fosse, assim, preservado. A história nos apresenta a vida de uma jovem mulher, Marion (Janet Leight), amante de Sam (John Gavin) que em um momento de desorientação foge de Phoenix, de carro, levando consigo 40 mil dólares que seu patrão a havia encarregado de depositar no banco naquela tarde. Ao anoitecer e, enfrentando uma forte chuva, ela decide então passar a noite em um motel pouco frequentado na beira da estrada. Lá é recepcionada por Norman Bates (Anthony Perkins), um simpático mas estranho e tímido rapaz. Numa conversa, antes de Marion se dirigir para o quarto, Norman lhe faz confidências da vida solitária que leva ali, em companhia de sua velha mãe com a qual nutre uma relação de amor e ódio. Já em seu quarto e bastante preocupada com sua situação, Marion decide
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tomar uma ducha e é, nesse momento, subitamente surpreendida pela velha mulher que a mata com uma dúzia de golpes de faca e depois desaparece tal como havia surgido. Norman, desolado com o que vê, passa então a uma escrupulosa colocação de ordem no lugar, limpando qualquer traço do crime - no banheiro e no quarto - colocando tudo dentro do carro da jovem (inclusive o dinheiro roubado) que, após ser jogado, por ele mesmo, dentro de um lago de areia movediça, desaparece completamente. A partir desse momento entram em cena Leila (Vera Miles) - irmã de Marion - e Sam - o amante, que com a ajuda do detetive Arbogast (Martin Balsam), saem em busca do paradeiro da jovem que estava sendo procurada pelo roubo. No desenrolar da investigação descobre-se que a mãe de Bates já estava morta há oito anos, mas o rapaz, utilizando de sua paixão pela taxidermia, havia preservado o corpo da velha, empalhado-a e escondendo-a no porão de sua casa. Norman, travestido com as roupas de sua mãe, praticava pessoalmente os crimes e era ao mesmo tempo ele e a própria velha morta - duas personalidades coabitavam em um corpo só. Segundo Truffaut (1986), em Psicose, subimos degrau a degrau a escada do anormal: em primeiro lugar uma cena de adultério, depois um roubo, em seguida um crime, dois crimes e por fim a psicopatia. Talvez estejam aí, no absurdo e no anormal, o encantamento do filme que, ainda hoje, tem o poder de aterrorizar e arrebatar plateias imensas. Afinal, quem ousaria matar sua estrela logo no primeiro terço do filme? Hitchcock não só ousaria, como faria questão. Assim, tudo seria ainda mais inesperado. E não foi a toa que a cena do assassinado no banheiro acabou por se tornar uma das mais clássicas cenas da história do cinema: para filmá-la foram necessários 7 dias inteiros e 70 posicionamentos de câmera para apenas 45 segundos de filme. Com habilidade e profissionalismo extremos para lidar com todos os prós - o
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suporte de grandes parceiros, como Saul Bass, que assina o brilhante crédito de abertura, e Bernand Herrmann, com a aterrorizante trilha sonora imortalizada na clássica cena do chuveiro - e contras - os enfrentamentos com o estúdio Paramount, o baixo orçamento disponível para as filmagens (levando-o a utilizar a equipe do seu próprio programa de televisão para rodar tudo muito rapidamente) e a censura da época - Alfred Hitchcock provou que, com seu gênio criativo e inovador, ávido pela experimentação, era possível fazer de um pequeno filme algo grandioso como Psicose (segunda receita do ano de 1960, atrás apenas de Ben Hur). A explicação é uma só: aqui, não é a mensagem que intriga o público, não é a interpretação que o transtorna nem o romance que o cativa. O que comove o público é o filme puro.
Figura 19: recortes da clássica cena do assassinato no chuveiro.
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Banqueta Bates
Para o redesign desta banqueta, desde o princípio, meu desejo foi o de reestofála com uma estampa criada por mim. Tendo como base, então, os conceitos do design de superfície, mais especificamente da estamparia digital - uma tecnologia ainda cara, mas que encontra-se em largo crescimento no Brasil por apresentar resultados superiores à estamparia convencional, principalmente no que diz respeito à fidelidade com o desenho original, à qualidade e riqueza de cores e o processo menos poluente (que consome 75% menos água e menos componentes químicos) - minha busca seguiu-se por encontrar o filme que me serviria de inspiração na criação do rapport - termo francês, utilizado em estamparia para referir-se ao elemento de repetição/encaixe do desenho. Demorou até que eu conseguisse enxergar na banqueta a superfície de Psicose. Nesse entremeio, cheguei a desenhar estampas baseadas em outros filmes, como Vertigo (reaproveitada em outro projeto, não mais em tecido, mas em adesivo vinílico - vide pág. x) e Dial M for Murder (que, infelizmente, não consegui encaixar em nenhuma outra peça). O desenho dessas estampas realmente me agradaram, eu sabia que o problema não era elas. No entanto, havia ainda ali, algo que não me deixava satisfeita. Psicose foi a porta de entrada perfeita para que eu conhecesse o mundo do mestre Hitchcock. Logo, como Figura 20: estampa impressa digitalmente pela grife eu havia conseguido negligenciar até aqui a anglo-brasileira Basso e Brooke - inspirada no filme de Hitchcock, Os Pássaros, importância dessa obra para o meu trabalho,
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excluindo-a dos meus desenhos? Foi então que entendi: ela deveria fazer parte desse projeto. E voilá, tudo se encaixou. Na criação da estampa tomei como base 3 aspectos: 1) a opção estilística Figura 21: recortes do crédito de abertura de Psicose, por Saul Bass. de Hitchcock em rodar o filme em preto e branco, pois acreditava que a cena do chuveiro, em cores, ficaria muito sanguinolenta e desagradaria o público (coisas de 1960!). 2) os créditos iniciais criados por Saul Bass. 3) a cena clássica do assassinato no banheiro. A cena dos créditos (figura 21) é, visualmente, muito limpa - uma característica do trabalho de Saul Bass - e é exatamente esse minimalismo o responsável por seu sucesso. Numa combinação perfeita entre cor (o P&B básico: preto, branco e cinza médio) e forma (linhas horizontais e verticais que se intercalam e se alternam), o designer criou um padrão dinâmico e impactante (obviamente em muito intensificado pela música de Bernad Herrmann). Buscando essa mesma simplicidade e impacto visual iniciei o desenho do pattern, no Illustrator, com um quadrado de linhas horizontais intercalado pelas cores preto e cinza. Com o recurso de espelhamento - horizontal e vertical - desse quadrado, fui construindo o que seria a composição final do rapport. Faltava ainda o branco. Seguindo, então, as preferências do mestre Hitchcock, que optava sempre por um bom enquadramento e olhares dramáticos - a linguagem
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cinematográfica pura, como ele mesmo definia - à qualquer cena de diálogo, decidi substituir as palavras dos créditos (que traziam o branco à tela) por desenhos pictográficos que remetessem à cena do assassinato e traduzissem visualmente o momento mais plástico e emblemático do filme. Os pictogramas selecionados foram: a mulher (e aqui decidi que não queria o pictograma de uma simples mulher, dessas que se vê em cada porta de banheiro, Figura 22: cena que serviu de inspração para a criação do pictograma da mulher . mas queria que ela tivesse uma ligação direta e fiel com o filme. Por isso, a fiz com o braço estendido, na intenção de retratar o momento em que ela tenta se livrar das facadas e por fim se agarra à cortina e dá seu último suspiro - figura 22), o chuveiro, a faca e a mancha de sangue. Posicionei-os respectivamente nessa ordem - na horizontal - para que respeitassem, assim uma cronologia com a cena em questão (figura 23). Por fim, novamente com o recurso do espelhamento (horizontal e vertical) finalizei o pattern com o tamanho que seria necessário para a impressão em tecido (120x90cm). No novo estofado, meu desejo era manter o mesmo formato do modelo original - com espuma apenas na parte superior e as laterais quadradas, seguindo a modelagem da própria madeira. Por falta de tempo e de experiência com o processo de estofamento,
Figura 23: encaixe do rapport da estampa já com os respectivos pictogramas inseridos - a mulher, o chuveiro, a faca e a mancha de sangue.
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decidi terceirizar o serviço, mandando-o para uma loja especializada em Bauru. E qual não foi minha surpresa, quando fui buscála, me deparei com algo bem diferente do que havia sido combinado (apesar de ter deixado lá várias imagens do modelo original que não deixavam dúvidas sobre como o serviço deveria ter sido feito). Decidi refazer, eu mesma - com a ajuda de um amigo que contava com uma certa experiência em estofamento - o assento da banqueta e, apesar de não ter ficado com a qualidade de Figura 24: detalhe do pattern finalizado. um trabalho profissional, esteticamente ficou como eu planejava. A pintura, que inicialmente também seria terceirizada, foi feita no Laboratório Didático de Materiais e Protótipos (LDMP), da UNESP - sob minha supervisão - pois, antes mesmo do fato citado acima (com o estofamento) acontecer eu já temia pelo possível resultado desagradável desse serviço. Logo, mantendo-a em meus cuidados, eu garantiria que tudo fosse feito corretamente. Essa peça propriamente não tinha segredo: depois das etapas de remoção do verniz antigo, massa, lixa e primer, ela recebeu tinta preta (esmalte à base d'água) para que - dentro do conceito já estabelecido para a peça - a pintura não brigasse com as demais informações, ficando assim, o mais neutra possível. Vale destacar que, quando a peça veio da loja de estofamento, além do serviço não ter sido satisfatório, a pintura (que foi pronta para lá) voltou danificada, tendo de ser refeita com
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novo lixamento e novas demãos de tinta. Quanto a definição do elemento suspense - talvez em razão do próprio desenho da peça (que oferecia poucas possibilidades de interação) ou até mesmo por, de início, não ter tido um filme específico em mente (ou, quem sabe, por ambos os motivos) - encontrei aqui grande dificuldade. Minhas alternativas primeiras incluíam ideias bem pouco prováveis (e viáveis): um tecido com estampa em 3D, uma banqueta que se transformaria em bandeja/apoio para laptop e até uma banqueta que se transformaria em cadeira de balanço. Da mesma forma que com a estampa, somente após ter me decidido por construir a ideia do projeto sob o conceito de Psicose, consegui estabelecer a interação perfeita entre a peça e seu usuário. O minimalismo do gráfico de Bass foi meu ponto de partida, fazendo-me entender Figura 25: restauração e preparação da madeira para a etapa de pintura. que a solução pedia uma ideia simples. Após uma conversa com o orientador sobre cordas, velcro e botões de pressão, enfim defini o que seria aqui meu elemento suspense: a criação de bolsos móveis (que quando não utilizados poderiam ser escondidos) fixados nas laterais da banqueta.
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Os dois motivos principais que me conduziram à essa decisão vêm a seguir: 1) não há obra que traduza tão bem o trabalho de direção de Alfred Hitchcock como Psicose: aqui sua genialidade cinematográfica é fator principal e decisivo para o sucesso do filme. Diante de tal importância, como forma de incluí-lo no conceito da peça e, por consequência homenageá-lo, inspirei-me nas famosas cadeiras de diretor que têm, em uma de suas laterais, bolsos semelhantes ao por mim proposto, como apoio para os materiais utilizados no set de filmagens (figura 27). 2) a dupla funcionalidade agora presente na banqueta (sentar + guardar) traça um paralelo direto com a própria personalidade dobre do assassino do filme. O estilo do móvel - de pés-palito - somado à fotografia em P&B do filme agregam à Figura 26: impressão digital no tecido (acima) peça elementos do passado. Como meio de e reestofamento da banqueta após o resultado criar um contra ponto à essa ideia propus insatisfatório do primeiro serviço (abaixo). que o elemento suspense trouxesse à ela a modernidade. Para isso, então, como artifício, me utilizei da cor: o vermelho sangue (aquilo que para Hitchcock, em 1960, era sinônimo de mal gosto, hoje é lugar comum em
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qualquer filme com classificação indicativa de 12 anos). Para a confecção dos bolsos, procurei por um tecido emborrachado que mais se assemelhasse ao tecido da estampa (que a gráfica não soube me informar o nome) e após fazer o corte e a montagem das peças, costurei - com a ajuda da minha avó - e por fim, fixei na banqueta com cola de contato e adesivo epóxi, reforçando e dando acabamento com tachas próprias para estofamento. A maneira mais prática e simples que encontrei para permitir a mobilidade do bolso foi por meio de velcros fixados neles (através de costura, feita por minha mãe) e na madeira (com cola de contato à base d'água). Justamente com a função de receber e sustentar uma das partes do velcro, adicionei duas ripas de madeira na parte de baixo do assento, o que acabou por contribuir também para uma maior resistência da peça.
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Figura 27: detalhes - bolso lateral na típica cadeira de diretor (acima) e pedaço de madeira adicionado à estrutura, a fim de receber o velcro para a fixação do bolso (abaixo).
Ladrao de Casaca 59
”Fotografei Grace Kelly impassível, fria, e a mostro a maior parte das vezes de perfil, com um ar clássico, muito bela e muito glacial.”
Alfred Hitchcock, em Hitchcock/Truffaut Entrevistas (1986)
Um dos filmes mais leves da carreira do mestre Hitchcock, considerado pelo próprio cineasta como 'um filme pouco sério', Ladrão de Casaca não é propriamente um suspense; melhor o definimos se o colocamos como uma maravilhosa comédia romântica gênero sempre tão pouco rico, mas que nas mãos do mestre ganha extrema competência e beleza. Tudo nele é pensado e feito para transmitir glamour, elegância e charme: Grace Kelly, Cary Grant, os cenários, figurinos e, claro, as paisagens de tirar o fôlego da Côte d'Azur, na Riviera Francesa - lugar sinônimo à tudo isso, desde sempre. Em Ladrão de Casaca, que tem seu título original - To Catch a Thief - inspirado diretamente em um antigo ditado inglês que diz que 'para apanhar um ladrão, só outro ladrão' - Hitchcock retoma os mais insistentes temas de sua obra: a loira, a mãe e o homem inocentemente acusado. Nesse caso, ele é John Robie (Cary Grant), mais conhecido como 'O Gato' - ex-ladrão de joias americano, regenerado após ter lutado contra os nazista ao se juntar à La Résistance e que agora vive numa mansão à beira-mar em Côte d'Azur, na Riviera Francesa. Uma série de roubos à joias nos hotéis de Nice e Cannes, com a sua marca e seu modus operandi, fazem-no suspeito e, para se ver livre das falsas acusações e da perseguição policial, Robie decide conduzir sua própria investigação. Assume, então, a falsa identidade de Mr. Burns - fazendeiro do Oregon, recém chegado a Côte d'Azur - e se infiltra no mais charmoso e sofisticado cenário do Mediterrâneo. Nesse contexto, conhece Frances Stevens (Grace Kelly) - jovem rica, linda e inteligente, mas que, apesar de tudo, nutre uma certa insegurança com relação aos homens: não sabe se os atrai por
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sua beleza ou pelo dinheiro da família. E, com suas joias, ela colocará à prova as reais intenções de Robie/Burns. Muito mais do que a trama, dois são os aspectos que realmente impressionam no filme. O primeiro deles é a belíssima fotografia de Robert Burks aliada à genialidade plástica de Alfred Hitchcock: Burks e sua fotografia imprimem na tela o azul penetrante das belíssimas paisagens, repletas de montanhas sinuosas, do Mediterrâneo e transmite com Figura 28: o azul penetrante da fotografia de Robert Burks. perfeição o visual exuberante e rico do conhecido balneário de férias da burguesia europeia. Enquanto Hitchcock constrói aqui, um de seus filmes plasticamente mais perfeitos. Prova disso é a cena em que Frances e Robie se encontram no quarto dela de hotel, diante do Mediterrâneo e dos fogos de artifício que explodem no céu, após terem passado juntos uma tarde mergulhada em um completo clima de sedução - cheio de frases de duplo sentido e insinuações - já que Frances dizia à Robie que havia descoberto sua verdadeira identidade. A sequência é extremamente bem feita, bem planejada, bem estruturada e fotografada: Frances usa um vestido imaculadamente branco, ombros estupendos à mostra e um colar que parece milionário. A luz do quarto está apagada para que vejam melhor os fogos lá fora. Então, uma das tomadas mergulha o rosto de Grace Kelly na sombra e o colar brilha sobre seu
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colo nu. Nesse momento, Frances convida John Robie, o Gato, à pegar nele – no colar, na joia, no objeto de desejo - na cabeça dela - do grande ladrão. O segundo aspecto - e principal deles - é, sem dúvida, a beleza de Grace Kelly. Não era segredo para ninguém que Hitchcock considerava a atriz o mais perfeito rosto feminino de Hollywood e havia encontrado nela a figura ideal para viver as loiras que marcaram quase todos os seus filmes. Em Ladrão de Casaca, tudo é feito sob medida para celebrar a beleza estonteante de Kelly: os diálogos inteligentes, o cenário luxuoso da Riviera Francesa, os enquadramentos que a colocam quase sempre como uma perfeita estátua grega e, mais do que tudo, os figurinos elegantíssimos criados pela imortal estilista Edith Head, fiel colaboradora de Hitchcock em mais de 7 trabalhos. Não há dúvidas de que Ladrão de Casaca é uma ode à figura sublime daquela que viria a ser a futura princesa de Mônaco: coincidentemente, foi durante as filmagens na França que Grace Kelly conheceu Rainier - príncipe da pequena cidade-estado francesa e que, como Hitchcock, também pensava que ela tinha sim, rosto de princesa.
Figura 29: recortes da cena em que Frances e Robie se encontram no quarto do hotel.
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mesa glam
O estilo provençal, cujo nome por si só se explica, tem suas origens na região da Provença, sul da França. Durante os séculos XVI e XVII, os camponeses, sem condições financeiras de manter o luxo da decoração da realeza, encontraram uma maneira criativa de se aproximar dela. Com entalhes mais simples, as peças recebiam uma mistura à base de gesso e cola, chamada gessocré - um artifício criado pelos artesãos para camuflar pequenas falhas da madeira de qualidade Figura 30: detalhe do mobiliário luxuoso de Ladrão de Casaca. inferior, extraída da própria região. A pintura geralmente em cores claras, que tinha como objetivo cobrir essa mistura, com o passar do tempo se desgastava e dava ao móvel uma aparência envelhecida - fator esse que acabou inspirando o efeito pátina - hoje, principal marca do estilo. Reeditado entre os anos 40 e 60 - período em que minha peça foi adquirida - o estilo tornou-se, hoje, novamente popular, compondo ambientes que se propõe à mesclar modernidade e nostalgia. Ladrão de Casaca, rodado no ano de 1955, exibe à exaustão mobiliários de estilo provençal em seus cenários suntuosos. Surtindo em mim como uma mensagem subliminar, essa simples correspondência já foi suficiente para que, sem hesitar, eu o escolhesse como filme-conceito para o redesign da minha mesa e, tivesse nessa 'coincidência estilística', apenas o primeiro dos inúmeros paralelos que a peça me permitiu traçar, tornando-se difícil, até, a discriminação de todos eles aqui.
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O segundo paralelo a ser destacado relaciona-se diretamente com a origem nobre do estilo provençal, inspirado nos mobiliários Luiz XV e XVI sempre luxuosos e sofisticados - adjetivos esses que resumem o filme de forma indiscutível. As outras duas associações fazem referência à aspectos capitais da obra: a figura de Grace Kelly e o clima de sedução entre Frances e Robie. A fim de me expressar com Figura 31: etapa de preparação da madeira. clareza visual, procurando me adequar à linguagem do cinema puro (cinema mudo), compreendi que essas associações estavam todas contidas (e poderiam ser resumidas) à uma única cena: àquela do quarto, onde, juntos, eles assistem ao espetáculo de fogos de artifício explodir no céu. Analisando-a, portanto, pude perceber que duas cores tinham especial destaque: o branco, presente no belíssimo vestido de Frances - e o preto, presente no terno do 'Gato', bem como em todo o clima misterioso e sedutor do quarto, que, com as luzes apagadas, é iluminado apenas pelos fogos lá fora (figura 29). Isso posto, concluí que o jogo com as cores, através da pintura, seria meu melhor recurso para a transmissão do conceito. A clássica combinação entre preto e branco - união atemporal que é sempre sinônimo de elegância quando o assunto é moda e decoração - tem, por si só, toda a carga dramática necessária para a sustentação da ideia. Assim, a disposição das cores na peça se deu da seguinte forma: o branco (Grace Kelly/
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Figura 32: referências para pintura da peça - as cores do figurino e o clima de sedução entre Frances e Robie (acima) e os sapatos de Christian Louboutin (abaixo).
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Frances) seria aplicado em praticamente todo o móvel, pois, tendo a dominância da superfície, a atriz - principal figura do filme - se transforma, ela própria, na mesa (e aqui cabe também mais um paralelo: o torneamento dos pés dá ao móvel um ar romântico e feminino que, visualmente, muito se assemelha às curvas do corpo da mulher - o que reforça ainda mais a associação); já o preto (Cary Grant/Robie) seria aplicado apenas no interior do pés torneados, pelas seguintes razões: 1) a fim de transmitir a ideia da sedução, como quando os gatos enrolam suas caudas pelas pernas do alvo a ser seduzido (uma referência direta ao próprio 'apelido' do personagem, durante seu tempo como ladrão). 2) na intenção de transmitir a ideia de luxo e sofisticação, assemelhando-se aos sapatos do designer Christian Louboutin, famoso por seus saltos de solado vermelho laqueado. Como já explicitado e explicado no projeto anterior (vide pág. 53), aqui também optei por fazer a pintura no Laboratório Didático de Materiais e Protótipos (LDMP) da UNESP, a fim de garantir o resultado desejado. Diferente da banqueta, na mesa as cores desempenham
papel fundamental, de modo que a pintura (feita com duas cores) exigiu precisão e cuidado redobrado, principalmente na criação das máscaras para cada etapa do processo. O acabamento se deu com lixa d'água de gramatura 1200 e cera polidora automotiva. O elemento suspense dessa peça foi baseado na minha decisão de tê-la transformado numa representação direta da própria Grace Kelly. Tal qual na cena do filme que me serviu de Figura 33: pintura (acima) e detalhes das máscaras (abaixo). inspiração - em que a atriz expõe em seu colo nu uma belíssima e ofuscante joia, pude perceber que a mesa deveria também assumir essa tarefa de ser 'porta-joias' ideal de qualquer peça de valor. De modo que a interação com o público se concretizou por meio da criação de um compartimento - uma espécie de baú - que fizesse uma referência clara ao objeto porta-joias. Minha ideia inicial partiu do desejo de que esse compartimento fosse aparentemente invisível e que, como um cofre, somente seu proprietário soubesse de sua existência, bem como de que maneira poderia abri-lo. Para isso me aproveitei do tampo de compensado (substituto do tampo original em uma reforma anterior), soltando-o
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da moldura provençal e transformando em uma moldura móvel, independente um 'tampo-tampa'. O reaproveitamento desse compensado se deu através da utilização da Router - a fresadora de 3 eixos do Centro Avançado de Desenvolvimento de Produtos (CADEP): nela, teoricamente, eu poderia cortar a moldura (a partir de um arquivo digital do desenho) de forma exata, sem perdas na medida do material. No entanto, o compensado - já empenado - comprometeu o resultado preciso do corte, desbastando mais que o necessário um dos lados da moldura, que teve que ser reconstituído com massa e pedaços de madeira. Para a criação do fundo desse compartimento, um pedaço de compensado encontrado em um descarte foi cortado na medida exata da parte interna da mesa e pregado nas laterais. Esse 'tampo-tampa' - ainda dentro das minhas ideias iniciais - sustentaria um espelho 'trincado' (reutilizado de uma
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Figura 34: detalhes - erro no corte do tampo (acima) e teste prévio com o espelho trincado (abaixo), ideia posteriormente abortada.
antiga peça da minha própria casa que apresentava já alguns sinais do tempo, como bolor), na busca de atingir um efeito que se assemelhasse ao brilho das facetas de um colar de diamantes lapidados (sendo este protegido por um vidro). Sua articulação seria feita por meio de uma dobradiça que permitisse fixar tanto a moldura provençal (fixa) quanto a moldura de compensado (móvel) num mesmo nível, sustentando e viabilizando assim a ideia de um baú secreto. Como meio de abertura 'invisível' escolhi usar um fecho 'clic', que, com pressão, faria subir a parte móvel, permitindo assim abri-la. Grande parte dessas ideias iniciais, no decorrer da execução do projeto, mostraram-se inviáveis. A solução foi buscar adaptações que, dentro das condições oferecidas pela peça, pudessem preservar todo o conceito do redesign por mim proposto. Respectivamente, as ideias abortadas, suas razões e as alternativas propostas, foram: 1) o tampo invisível: a própria construção da mesa e o encaixe original dos pés não permitiu que a abertura do tampo - fixado num mesmo nível que a parte provençal - tivesse a amplitude necessária. Já que interferir nessa construção original poderia comprometer a integridade da mesa, a forma menos agressiva encontrada foi a de criar um chanfro no tampo de compensado, bem como um desgaste apenas num pedaço da estrutura dos pés, garantindo assim a abertura maior que 90 graus desejada. 2) a dobradiça: como não encontrei nenhuma que, proporcional às dimensões da mesa, permitisse deixar o tampo fixo e o móvel nivelados, a solução foi substituí-las por pinos laterais de metal que atravessaram ambas as partes e contribuíram também para o fator estético, pois ficaram invisíveis tanto por fora quanto por dentro da peça. 3) o espelho 'trincado': além de, esteticamente, o resultado desse 'trincado' ter se apresentado um tanto quanto duvidoso (fator que comprometeria a sofisticação da peça), o tampo de compensado - já avariado pelo empenamento e pelo corte impreciso, que o havia deixado ainda mais frágil - não aguentaria
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Figura 35: detalhes da construção do tampo.
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o peso do espelho somado ao do vidro. A alternativa foi, então, descontinuar a ideia do espelho e permanecer com o vidro, que inicialmente tinha apenas a função de proteger. Dessa forma, a ideia de Grace Kelly como 'expositora' perfeita de objetos de valor, ganhou ainda mais força e evidência, pois o vidro carrega consigo o peso estético de ser vitrine - um expositor de desejos. No processo de colagem - com cola de silicone - o canto que havia sido refeito por conta do corte impreciso, ao receber pressão, acabou trincando e deixando a parte superior da mesa com a estética comprometida. Como acabamento para essa parte interna, entre a moldura e o vidro, massa e pintura foram utilizadas. 4) o fecho 'clic': num teste prévio, feito antes da mudança do espelho para o vidro, essa alternativa havia funcionado com êxito. Porém, na reformulação do projeto, o vidro limitou o posicionamento do
fecho no móvel - não podendo ficar aparente - e, após infinitas tentativas (que implicaram em furos na peça já pintada, exigindo assim conserto e nova pintura) a alternativa foi a substituição do fecho pela criação de uma alça que possibilitaria a abertura do tampo. Com uma fita de gorgurão preto - tipo de aviamento muito utilizado em decoração - posicionei e colei a alça na peça (com cola de contato a base d'água) de forma que ela pudesse também encobrir o já mencionado trincado que, mesmo que fosse consertado, certamente trincaria de novo (como já ocorrido diversas vezes anteriormente), principalmente em razão de variações no tempo. O fato de ter elegido a cor preta para a alça também pode ser explicado: além do motivo óbvio - de evitar que ela se sujasse em pouco tempo caso fosse branca - o preto foi escolhido por fazer referência ao momento em que Grace
Figura 36: o ‘fecho clic’ (acima) substituido pela fita de tecido (abaixo).
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Kelly instiga o Gato para que pegue em seu colar - o objeto de desejo - sendo esse, para a peça, o próprio tampo (figura ao lado). A fim de reforçar a ideia de porta-joias e fazer referência também aos pelos do gato, optei por forrar o fundo do baú com um pedaço de veludo preto - colado com cola branca. O acabamento entre o tecido e a madeira foi feito com cordão de São Franscisco, fixado com Figura 37: cena que sustenta a escolha da alça de adesivo epóxi. tecido preto envolvendo o tampo. Um conceito bem construído, responsável por gerar em mim uma total consciência da forma a ser alcançada, foi - dos conselhos do mestre aqui aplicados - fator essencial para que eu tivesse êxito no resultado final da peça, que, sem dúvidas, foi a mais trabalhosa de todas, tanto em termos de construção/ produção - por ter demandado muito tempo na preparação da madeira e na pintura (o que acabou por atrasar o desenvolvimento de outras peças do trabalho) - quanto em termos projetuais - devido às limitações impostas pelo próprio móvel - característica, essa, intrínseca à projetos de redesign.
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Projetos de novos produtos
Ainda hoje, 80% do lixo gerado durante todo o ciclo de vida de um produto é criado efetivamente na fase de projeto. Essa constatação é apenas o reflexo de uma 'nãoconsciência' por parte dos designers e/ou outros profissionais envolvidos no processo de desenvolvimento de produtos de que é muito mais eficaz agir preventivamente, do que buscar soluções - de recuperação ou paliativas - para danos já causados. De acordo com Manzini (2002), o designer que se propõe a projetar novos produtos deve ter em mente uma visão muito mais ampla - a do Life Cycle Design: "uma maneira de conceber o desenvolvimento de novos produtos tendo como objetivo que, durante todas as suas fases de projeto, sejam consideradas as possíveis implicações ambientais ligadas às fases do próprio ciclo de vida do produto (pré-produção, produção, distribuição, uso e descarte) buscando, assim, minimizar todos os efeitos negativos possíveis." (MANZINI, 2002, 23). Nessa perspectiva, as estratégias do Life Cycle Design são: 1) redução e escolha de recursos com baixo impacto ambiental - todas as fases do ciclo de vida dos produtos. 2) otimização da vida dos produtos - fases de distribuição (embalagem), uso e descarte/ eliminação. 3) extensão da vida dos materiais - fase de descarte/eliminação. Os dois projetos de novos produtos por mim propostos aqui são resultado de uma profunda reflexão e construção sob os conceitos apresentados acima por Manzini. A seguir, com o intuito de tornar mais claro e evidente meus esforços nesse sentido, ao passo que exponho - respectivamente na ordem que se deram - minhas escolhas projetuais, explico de que maneira elas atendem às estratégias do Life Cycle Design. 1) escolha do meio de produção: Router, fresadora de 3 eixos do Centro Avançado de Desenvolvimento de Produtos (CADEP), da UNESP. Desde o momento que tomei conhecimento de suas funções - num treinamento oferecido pela empresa fabricante da máquina, em São Paulo, para o CADEP - fiquei
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impressionada com a capacidade da Router em produzir formas complexas - de maneira rápida e precisa - gerando objetos praticamente prontos, com bom acabamento e pouca pós-produção. Já aqui, nessa primeira definição vê-se aspectos de grande importância para o pensamento do ciclo de vida consciente de um produto: a) redução considerável da matéria-prima gasta na produção se comparada com as formas convencionais, que necessitariam (para meus dois trabalhos) de, no mínimo, duas placas de madeira - já que as máquinas convencionais não comportam, em tamanho, um placa interia sendo processada ao mesmo tempo, tendo que passar por um prévio retalhamento (acompanhado de um inevitável desperdício dimensional). Nesse sentido, também, em razão do corte ser preciso e fiel ao arquivo digital, pode-se definir o posicionamento das peças a serem cortadas de maneira que haja um maior aproveitamento possível da matéria-prima utilizada. b) redução no consumo de energia que, aqui, se concentra no funcionamento de apenas um maquinário com alto desempenho em termos de velocidade, eliminando, assim, o liga/desliga constante de múltiplas máquinas numa rotina diária dentro do processo convencional. Outra característica das fresadoras em geral que considerei interessante para a construção do pensamento sustentável nos meu projetos refere-se à natureza do seu corte - em perfis. Esse aspecto contribui não só para a fase de distribuição - facilitando tanto o embalamento quanto o transporte, por ser compacto - mas também para as fases de uso e descarte - sendo completamente montável/desmontável. 2) escolha da matéria-prima: compensado naval multilaminado sem revestimento, de 2,20 x 1,60 m e 18mm de espessura. Com certificado do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC Brasil).
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A diferença principal entre a madeira maciça e o painel industrializado encontrase no aproveitamento da matéria-prima: enquanto parte da peça de madeira maciça acaba desperdiçada, na indústria consegue-se aproveitá-la completamente no processo de construção das chapas, pois utiliza-se o próprio material quebrado em fibras e partículas. Tido como a madeira industrializada mais antiga em uso no Brasil (desde a década de 40), o compensado é formado por lâminas de madeira sobrepostas e cruzadas, unidas por adesivos e resinas, sob calor e pressão. Como o próprio nome evidencia, as lâminas tem por função compensar as tensões no sentido contrário das outras. Assim, ao receber peso, as fibras o distribuem melhor, tornando o conjunto bem estável. Das madeiras industrializadas disponíveis no mercado (sem dúvida, a matériaprima principal, hoje, dentro do setor moveleiro) o compensado é, particularmente, a que mais me agrada. Isso deve-se, não só por sua resistência e durabilidade já evidenciadas, mas também por uma profunda admiração de minha parte pelo design criado pelo casal de americanos Charles (1917-1978) e Ray (1912-1988) Eames: além de apresentarem uma consciência ambiental madura, num tempo em que pouco se falava sobre o assunto, foram eles alguns dos mais importantes responsáveis pela utilização de materiais inovadores no âmbito do design de mobiliário, como a fibra de vidro, o alumínio e a própria madeira compensada - eternizada pelas curvas que assumiram nos desenhos de suas famosas cadeiras. 3) escolha do acabamento: fórmica texturizada, fixada sobre o compensado com cola de contato à base d'água e topo aparente do compensado. Meu desejo, desde o início, era o de utilizar - pensando no acabamento que seria dado às peças - um compensado já revestido. Isso, por duas razões distintas: a) intensificar as qualidades da máquina e do processo de usinagem por mim proposto - de ter, ao final
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do serviço, um produto praticamente pronto, com bom acabamento e pouca pós-produção. b) dar à essas peças um acabamento diferente do que já havia sido aplicado nas peças de redesign (pintura). Em Bauru, infelizmente não há a comercialização de compensados revestidos de fábrica - seja ele com lâmina melamínica ou outra lâmina qualquer. Para que minha preferência pelo Figura 38: o uso do compensado por Charles e Ray Eames - cadeira LCW. compensado pudesse ser mantida, a solução encontrada foi a aplicação de folhas de Fórmica. A fim de não prejudicar os esforços, até então, depreendidos em favor da sustentabilidade, optei pelo uso da cola de contato à base d'água para a fixação da Fórmica no compensado, assumindo os riscos de possíveis falhas - por não conhecer a real qualidade e eficiência do produto, já que esse é um lançamento novo no mercado - e também certo prejuízo financeiro - que, numa comparação com a cola de contato convencional, custa o dobro do preço.
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Além de considerar a textura aparente do multilaminado na espessura do compensado um agradável fator estético, decidi por assim conservá-lo também no intuito de reduzir gastos materiais ao projeto (com fita de borda e mais cola de contato) contribuindo ao ciclo de vida do produto na etapa de pré-produção. A textura da Fórmica foi pensada e escolhida, a priori, a fim de tornar possível o desejo de, com um único padrão, atender à aspectos próprios de cada projeto. Nesse sentido, a melhor opção foi a de uma textura que reproduzisse visualmente a sensação de madeira desgastada e já não tão íntegra - que em Vertigo pode ser observada na antiga escadaria da torre do velho convento espanhol e em Os Pássaros, na casa de madeira destruída pelas aves. A posteriori, a textura escolhida acabou mesclandose também com o (já incluso no conceito) topo aparente do compensado, agregando, assim, à identidade visual da proposta.
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Figura 39: o topo aparente da Table Series, mesa de design minimalista da marca holandesa Fraaiheid (acima) e colagem da Fórmica com cola de contato à base d’água.
Depois de finalizada a etapa de modelagem das peças no programa CAD SolidWorks - e da posterior conversão dos desenhos técnicos em vetor (formato utilizado pelo programa de configuração de usinagem da fresadora, o Aspire), passei a estudar de que forma se daria a organização dessas peças na placa de compensado. Nesse exato momento, me deparei, então, com uma das etapas mais difíceis de todo o projeto, pelo fato de haverem aqui inúmeras variáveis à serem consideradas. Levando em conta, a priori, o desejo de garantir um melhor aproveitamento da matéria-prima, bem como um menor desgaste da ferramenta utilizada pela máquina, posicionei as peças de forma que a medida deixada entre elas fosse a exata dimensão da fresa escolhida - 6mm. No entanto, quando já havia terminado o posicionamento das peças nesse sentido, (figura 40) descobri que uma importante variável havia sido por mim negligenciada: mesmo não sendo necessária a aplicação de Fórmica em toda a superfície de ambos os lados da placa de compensado (já que para algumas peças a superfície se daria através da aplicação de adesivos vinílicos), as dimensões muito dispares (3,10m x 1,20m) da folha de Fórmica com relação às medidas da madeira (2,20m x 1,60) limitaram o posicionamento das peças, obrigando-me, inevitavelmente após inúmeros estudos de possibilidades Figura 40: primeira tentativa de montagem das peças na placa de compensado.
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- a utilizar duas e não mais uma única folha de Fórmica (como planejado no início), bem como submetê-las à recortes, de forma que me permitissem encaixá-las em posições específicas dentro da placa. Após esse rearranjo, o novo projeto de posicionamento das peças ficou definido como na figura 41. No Aspire - software onde se define as configurações de usinagem ideais à cada projeto - programei para que a ferramenta trabalhasse por fora da linha de corte, com uma fresa de 6mm (respeitando assim as primeiras variáveis que apresentei aqui) e fizesse, além do Figura 41: resultado da montagem final. corte passante das peças em 4 passos, toda a parte de furação onde, posteriormente, viriam os parafusos. Optei também, como medida de segurança, pela criação e posicionamento estratégico de pequenas pontes (pedaço de material que, no último passo, deixa de ser usinados): com elas, o risco de um possível deslocamento das peças quando essas são completamente recortadas (fato que poderia causar danos tanto ao material quanto a ferramenta utilizada) é consideravelmente reduzido. Concluída essa fase, prossegui então com a fixação das peças de Fórmica no compensado, que, após serem cortadas nas medidas necessárias (com estilete) foram
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coladas, uma a uma, com adesivo de contato à base d'água. Em seguida, passei à etapa do corte propriamente dito, que - após a solução de alguns problemas de incompatibilidade entre o Figura 42: configurações do caminho da ferramenta no software Aspire. software de configuração e o processador da máquina - começou a ser realizado normalmente, até o momento em que a fresa se partiu (figura 44). Como não havia no CADEP outra fresa de 6mm que pudesse substituí-la e o tempo para a compra de uma nova era curto, decidi realizar o
Figura : usinagem finalizada.
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serviço com uma fresa de 1/4 (6,25mm), por ser 25 décimos uma diferença praticamente nula. Esse incidente com a fresa acabou implicando numa pequena alteração dimensional nas primeiras peças que já haviam sido cortadas pela fresa de 6mm, já que o zero da máquina teve de ser redefinido manualmente. Ao final do corte, a placa foi retirada da máquina e as pontes cortadas com arco de serra, seguindo para a etapa de acabamento: inicialmente com lixa 80, para quebrar o fio de corte deixado pela Fórmica, depois lixa 100, 220, uma demão de seladora à base d'água, lixa 400, outra demão de seladora, lixa 600 e por fim, cera polidora de carnaúba aplicada com estopa.
Figura 44: detalhes - corte das pontes (à esquerda) e fresa partida (à direita).
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Um Corpo que cai 83
”Na primeira parte, quando James Stewart seguia Madeleine no cemitério, os planos sobre ela a tornavam bastante misteriosa, pois os filmávamos através de filtros de névoa; obtínhamos assim um efeito colorido verde por cima da claridade do sol. Mais tarde, quando Stewart encontra Judy, escolhi fazê-la morar no Empire Hotel Post Street porque há, sobre a fachada desse hotel, uma placa de neon verde que pisca constantemente. Isso me permitiu provocar sem artifício o mesmo efeito de mistério sobre a moça quando sai do banheiro; ela é iluminada pelo neon verde, realmente volta dos mortos”
Alfred Hitchcock, em Hitchcock/Truffaut Entrevistas (1986)
Figurinha carimbada das famosas listas de 'melhores filmes de todos os tempos' e eleito em 2012 como #1 pela respeitada revista inglesa Sight and Sound, não é a toa que Um Corpo que Cai é considerado, pela maioria dos críticos e público, a grande obra-prima - mais madura e complexa - de Alfred Hitchcock. De forma nunca vista anteriormente num filme do mestre, o que realmente importa aqui não é propriamente o suspense, mas sim os personagens e suas densas relações interpessoais, que expõe de maneira aterradora a incoerência do ser humano na busca entre o querer e o ter, construindo assim um melancólico, porém verdadeiro, comentário lírico sobre o amor e a morte. Adaptado do romance francês D'Entre les Morts (Pierre Boileau e Thomas Narcejac), o filme inicia-se revelando-nos a maneira traumática em que, pela primeira vez, Scottie Ferguson (James Stewart) - inspetor de polícia - é confrontado por sua acrofobia: em uma perseguição policial, seu medo de lugares altos acaba por impedi-lo de ajudar
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um colega que morre em ação. Pouco tempo depois, já exonerado do cargo, Scottie é encarregado, por um velho amigo, de vigiar sua esposa, Madeleine (Kim Novak), cujo comportamento estranho e certa instabilidade emocional, fazem temer que se suicide. Ele passa então a acompanhá-la de longe, pelas ruas de São Francisco e, num dado momento, salva-a de um afogamento voluntário. Acaba se apaixonando perdidamente por ela, mas em razão de sua vertigem, não consegue impedi-la de jogar-se do alto da torre de um convento. Com profundo sentimento de culpa, Scottie mergulha em uma grave depressão até que, restabelecido e de volta à vida normal, encontra pela rua uma mulher extremamente parecida com Madeleine, Judy. A partir desse encontro fortuito, a obsessão do detetive ganha forças: na esperança vã de ter Madeleine de volta, ele aproxima-se dela e procura modificar-lhe a fim de reconstruir a amada morta. A verdade, no entanto (e Hitchcock apenas fornece essas informações para o público, deixando Scottie sem saber de nada) é que Madeleine e Judy são a mesma pessoa: uma mulher comum que fora contratada pelo amigo de Scottie para “representar” Madeleine. Quem cai da torre é a mulher legítima do contratante (que a quer ver morta), enquanto Judy apenas desempenha, com maestria, seu papel: o de álibi perfeito. Logo de início - já na cena de abertura, Saul Bass - em mais um brilhante trabalho para o mestre - introduz, de forma tão psicodélica quanto onírica, alguns dos temas que serão tratados no decorrer da trama, como a paixão, a obsessão, o mistério e a loucura. Para isso, contando com a colaboração de John Whitney - um jovem cineasta experimental - utilizou-se da figura da espiral, transformando sua representação - tanto visual quanto metafórica - em uma constante durante todo o filme. Segundo Bass, sua intenção foi recriar a sensação de mal-estar associada à vertigem, justapondo a imagem do olho às elipses: "Eu utilizei as Curvas de Lissajous, concebidas por um matemático
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Figura 45: recortes do crédito de abertura de Um Corpo que Cai, por Saul Bass.
francês do século 19, para exprimir certas fórmulas pelas quais eu me apaixonei alguns anos antes. Pode-se dizer que elas me obcecavam há muito tempo. [...] Eu queria capturar a aura de amor e obsessão desse filme" (AUILER, 1998, 155). A espiral, numa análise mais geral, representa além da loucura, a perdição dos protagonistas. Isso evidencia-se, em sua forma visual mais poderosa, na cena do campanário, em que, ao subir às escadas, Scottie não só tem um ataque de vertigem, como também perde para sempre sua amada. É também, nessa cena, que nos deparamos com o gênio criativo e inovador do mestre: um travelling pra frente combinado a um zoom para trás e Hitchcock pôde, então, representar, através da sensação de atração e repulsão, o medo provocado pela vertigem. A partir daí, essa técnica passou a fazer parte da linguagem cinematográfica, sendo depois utilizada por diversos outros diretores, como Steven Spielberg em Tubarão (1975). Extremamente expressiva, a fotografia sempre eficiente do parceiro Robert Burks, contribui enormemente e tem, aqui, especial importância, pois é por meio das cores que os grandes simbolismos do filme são construídos. Ao passo que, em grande parte do longa, a cidade de São Francisco é mostrada através de filtros de névoa e cores apagadas
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- na intenção de transformar seus famosos cartões postais em retratos deprimentes - em momentos isolados, de grande carga dramática, a fotografia recebe cores muito vivas. É o caso da primeira aparição de Madeleine, no restaurante (contrastante fundo vermelho sob o vestido verde), a impressionante cena de pesadelo vivido por Scottie (explosão de cores na tela) e a cena sublime - e clímax do filme - em que Judy finalmente materializase em Madeleine: aqui, a fotografia em tom verde esmeralda, revela que a fantasia de Scottie foi finalmente realizada: ele, enfim, havia conseguido ressuscitar sua amada morta (respectivamente na figura 47). Bernard Herrmann, outro colaborador fiel do cineasta, também evidencia o poder do seu trabalho desde os minutos iniciais do filme, apresentandonos um tema sinistro e inquietante para a abertura. As cenas entre Scottie e Madeleine/ Judy - pontuadas sempre por uma beleza cênica extraordinária - são intensificadas (e muito) pela trilha sonora magistral criada por Hermann (que inclui Scene d'Amour - um dos mais Figura 46: peça publicitária para divulgação do filme (1958) e a visão
vertiginosa da escada do campanário.
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clássicos temas da história musical da sétima arte): prova contundente da força da imagem e do som concatenados pelo olhar genial de Alfred Hitchcock. Apresentando-se como uma obra metafórica em diversos aspectos (a vertigem, a queda, o amor, a impotência, a morte, o desejo da morte e o medo dela), Um Corpo que Cai é um filme que fala sobre a criação de uma imagem e a exploração dos limites que evoluem no sentido de apagar a linha de separação entre o real e o imaginário. A inesquecível obra-prima de Hitchcock é uma história de amor com ares de pesadelo. Nela, paixão e morte são duas faces da mesma moeda.
Figura 47: a fotografia expressiva de Burks em Um Corpo que Cai.
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escada vertigo
Enquanto Psicose apresentou-me ao mundo de Hitchcock, Um Corpo que Cai fez de mim fã incondicional. Num primeiro impulso criativo, pus-me a pensar na geração de uma estampa que pudesse ser aplicada, a priori, na banqueta. Para tanto, procurei aprofundar-me num aspecto que se destaca, sem fazer muito esforço, na construção do filme como um todo: as cores e seus respectivos simbolismos. Do ponto de vista da semiótica, é claramente notório que os seres humanos, independente da bagagem cultural e das experiências de vida (que obviamente intensificam esse processo), tendenciosamente reagem de uma mesma maneira à determinadas cores. Partindo desse pensamento, é possível concluir que cores específicas têm o poder de transmitir ideias específicas. Em Um Corpo que Cai, Hitchcock usa dessa propriedade da cor para contar a trajetória emocional e psicológica de seus personagens - evidenciando a evolução e as mudanças sofridas por eles ao longo da trama. Três cores principais são responsáveis por construir esse simbolismo. Na ordem respectiva em que são introduzidas no filme, são elas: 1) a cor azul, representando Scottie, o protagonista da história: tido como um dos personagens mais trágicos da filmografia de Hitchcock o que vemos aqui é um homem solitário e incapaz de lidar com a própria natureza humana em razão de sua vertigem, que o deixa inapto ao mundo físico opressor. Um homem marcado pela culpa e pela perda, consumido por um amor impossível, necrófilo. Nesse contexto, a cor azul é responsável por transmitir sensações depressivas e evidenciar o caráter do personagem: de uma Figura 48: o azul depressivo de Scottie.
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introspecção absoluta. 2) a cor verde, representando Madeleine/Judy: ao mesmo tempo que, para a loira Madeleine - com seu caráter etéreo, vulnerável e de olhar sempre perdido - o verde evoca um sentido de mistério, para a morena Judy - com sua sensualidade e presença marcantes - o verde é responsável por transmitir um caráter fantasmagórico e obsessivo. E nisso consiste a genialidade do simbolismo, que foi capaz de absorver, numa Figura 49: o verde sempre presente - misterioso em mesma cor, a personalidade única e ao mesmo Madeleine (acima) e fantasmagórico em Judy (abaixo). tempo duplicada da personagem. A cor verde está tão arraigada àquela mulher, que, mesmo quando essa tenta se distanciar dela (usando roupas totalmente destoantes, como o roxo e o amarelo), o cenário iluminado se faz verde, envolvendo-a por completo no seu próprio mundo nauseante. 3) a cor vermelha, representando ora o amor, ora o perigo: em determinadas cenas, como a do restaurante - onde Scottie e Madeleine se conhecem - o vermelho vivo inunda a tela para representar o amor. Ao passo que, em outras, como quando eles se encontram na casa de Scottie - logo após ele ter lhe salvado a vida - o vermelho, visto no roupão usado por Madeleine, apresenta-se como perigo iminente à uma situação proibida. Isso posto, passei a pensar, então, na forma que receberia essas cores, de maneira que tudo isso fizesse sentido. Retomando Saul Bass, como fonte de inspiração também aqui, decidi desenhar minha própria espiral - imagem simbólica e determinante
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no filme como representação gráfica da ilusão ótica da vertigem (figura 45). No processo de montagem do rapport, construí duas grades distintas de espirais: uma na cor azul - representando Scottie, outra na cor verde - representando Madeleine/Judy. Justapondo-as, consegui transmitir a ideia da relação inerente dos personagens, ligados por uma dependência ora destrutiva, ora benéfica. No plano de fundo, o vermelho - envolvendo-os tanto no amor quanto ora representando o amor no perigo iminente à esse relacionamento. E, Figura 50: o vermelho,(acima), ora o perigo (abaixo). assim, completou-se o pattern. Estampa pronta, a questão agora era: onde irei aplicá-la? (Já que no entremeio dessa criação, a banqueta - objeto inicial de aplicação - já tinha encontrado-se com Psicose). Como inúmeras vezes procedi nesse trabalho, quando precisava de ideias e/ou soluções, era revendo os próprios filmes que eu as buscava (e normalmente encontrava). Aqui, não foi diferente: na tentativa de encontrar um objeto que pudesse receber a estampa, deparei-me com a cena em que Scottie, no início do filme, logo após ter descoberto sua acrofobia (medo de altura), desabafa com sua amiga e tenta, com a ajuda dela, encontrar um meio de vencer seu medo. Figura 51: processo de construção do pattern.
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Como? Subindo, degrau a degrau, uma espécie de banquinho/escada, presente no apartamento dela (figura ao lado). Isso me bastou para enxergar no objeto escada a representação perfeita de toda carga simbólica existente no filme, sendo a escada o próprio meio condutor Figura 52: o banquinho/escada, inspiração para a estrutura da peça. que leva Madeleine ao suicídio. Na cena em questão, Scottie não encontra problemas ao tentar subir os dois primeiros degraus, ao passo que, quando chega ao terceiro, é impedido de continuar em razão de sua vertigem. Em cima disso, apresento o paralelo que construí: o primeiro degrau seria marcado pelo início do domínio de Madeleine sobre Scottie - claramente representado pela cena em que ele pula na Baia de São Francisco a fim de salva-lhe de um afogamento voluntário (figura ao lado). Metaforicamente, Scottie mergulha no mundo de Madeleine. Já o segundo degrau seria marcado pela concretização desse domínio - explicitamente visto na cena, em que, logo após o afogamento, os dois encontram-se na casa de Scottie que diferente do restante do filme todo - veste uma cor que não o azul (ou o marrom): o verde (figura 50). Ao terceiro e último degrau - àquele que Scottie é impedido de subir por sua doença - coube a tarefa 53: o afogamento voluntário de Madeleine de representar o caos consequentemente marcado Figura e seu posterior suicídio - cenas que marcam a
evolução dramática do filme.
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pela consumação trágica desse relacionamento. Isso é plasticamente evidenciado na cena em que Scottie, numa súbita crise de vertigem, não consegue impedir que Madeleine se jogue da torre do convento, levando-a ao suicídio (figura 53). Toda essa construção visual se apresentaria conforme a figura ao lado. Como essas representações gráficas seriam aplicadas nos próprios degraus da peça e, portanto, pisadas, Figura 54 (em sentido horário): primeiro, segundo e terceiro degraus. elas precisariam ser feitas de um material que oferecesse, além de maleabilidade, boa resistência. Dessa forma, atendendo não só aos aspecto citados acima, como também no que diz respeito à reprodução fiel do desenho da estampa, a melhor opção encontrada foi o adesivo vinílico. Dentro da visão do ciclo de vida do produto, o adesivo contribui agregando, à etapa de uso, o fator customização: com o passar do tempo, a deteriorização dos degraus de uma escada é inevitável e como a facilidade de renovação da superfície, através da aplicação de um novo adesivo, é potencialmente maior (se comparado à outros tipos de acabamento), a vida útil do objeto é, assim, prolongada. Após uma prévia preparação da madeira com massa e lixa, os adesivos foram colados e posteriormente aparados (com estilete). A estrutura da escada foi pensada dentro da construção de perfis que pudessem ser recortados pela Router - fresadora de 3 eixos do CADEP, atendendo aos aspetos
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já explicitados no capítulo Projetos de Produtos Novos (pág. 73). Os dois primeiros degraus seriam compostos de formas mais firmes, o terceiro, de formas mais sinuosas, representando a evolução dramática do enredo do filme. A montagem seria feita por meio de parafusos e encaixe, dividindo o móvel em dois módulos distintos: no primeiro deles, formado pelos dois primeiros degraus, os parafusos seriam aparentes apenas na junção lateral dos degraus (com porca e arruela), sendo que nos tampos eles seriam escareados. No segundo módulo, formado pelo degrau mais alto, as laterais seriam encaixadas no tampo que receberia parafusos aparentes, presentes também nas travas frontal e traseira. Nessa primeira modelagem da escada - realizada no SolidWorks - constatou-se , após conversa com o orientador, uma robustez e segurança da qual o objeto não poderia munir- Figura 55: evolução do projeto na etapa de modelagem virtual. se. Em nome da clara representação visual (e novamente, aqui, a aplicação do conceito do cinema puro), era preciso que, ao olhá-lo, a sensação causada fosse de certa insegurança e subsequente medo e perigo. Como forma de resolver tal impasse, além de deixar as laterais mais pontiagudas e sinuosas e aplicar nelas adesivos vinílicos na cor vermelha, evidenciando assim seu perigo, optou-
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se também por aumentar sua altura. Dessa maneira, outro aspecto foi intensificado: o usuário que, anteriormente, subiria tranquilamente os três degraus, agora, com o aumento da altura, é impedido pelo medo de uma possível queda (e, aqui, uma referência direta ao título dado ao filme na tradução para o português), criando 'virtualmente' a sensação de vertigem (impressa na estampa) que o próprio personagem sentiu, quando tentou fazê-lo - na cena-inspiração - ao olhar para baixo. Como acabamento, a peça recebeu, nos parafusos aparentes pintura preta e no topo do compensado seladora à base d'água e cera de carnaúba. O elemento suspense apresenta-se aqui, na própria possibilidade de interação do usuário com os degraus da escada, bem como com as aplicações gráficas em sua superfície. Na intenção de intensificar essas possibilidades, deixar os módulos soltos (desvinculados) foi a escolha mais acertada, pois dessa maneira as formas de uso multiplicam-se, cabendo ao usuário utilizá-las conforme couber à sua imaginação - de banquinho à apoio/mesa Figura 56 (de cima para baixo): colagem do adesivo lateral. vinílico, pintura dos parafusos e montagem dos módulos.
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”[...] quando a moça espera do lado de fora da escola, fumando um cigarro, a câmera fica sobre ela durante quarenta segundos; ela olha e vê um corvo, continua a fumar e, quando olha de novo, vê todos os corvos reunidos.” Alfred Hitchcock, em Hitchcock/Truffaut Entrevistas (1986)
Com a pesada responsabilidade de suceder Psicose dentro da filmografia de Hitchcock, Os Pássaros - não satisfeito em apenas cumprir seu papel - acabou tornandose o mais aterrorizante thriller da carreira do diretor. O motivo é um só: após uma vida dedicando-se a construir o suspense nas telas, Hitchcock encontrou e aplicou, aqui, a fórmula suprema e mais horripilante desse seu ingrediente maior: o medo do desconhecido. Os Pássaros é uma história apocalíptica, adaptada da novela de Daphné du Maurier, em que Melanie Daniels (Tippi Hedren) - uma jovem mulher um tanto quanto esnobe da alta sociedade de São Francisco -, numa loja de animais, conhece Mitch Brenner (Rod Taylor) - um advogado sarcástico aficionado por pássaros, que está à procura de um casal de love birds para presentear sua irmãzinha. Atraída pelo charme de Brenner, Melanie segue-o até a pequena cidade de Bodega Bay, onde ele passará o fim de semana, a fim de entregar-lhe o desejado casal de pássaros. E é justamente após sua chegada à cidade - aparentemente pacata e tranquila - que o primeiro ataque acontece, ainda tímido: Melanie é ferida na testa, por uma gaivota, enquanto voltava de barco da casa de Mitch. Progressivamente, os ataques vão piorando - de pardais que invadem casas pela chaminé à corvos que atacam as crianças na saída da escola, a cidade atinge um cenário apocalíptico, onde as aves tomam conta de Bodega Bay, instaurando o caos. Desde 1945, quando se falava sobre fim do mundo, nada vinha à mente das pessoas a não ser a bomba atômica. Quando Alfred Hitchcock, em Os Pássaros, toma
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o ato inesperado de substituir a ameaça revelada da bomba pelo, nunca imaginado, ataque enfurecido de milhares de pássaros - não abutres ou aves de rapina, mas pássaros comuns, do dia-a-dia, dos quais o ser humano nunca esperaria tamanha agressividade ele atinge o objetivo máximo de seu cinema: através de um espetáculo de identificação, fazer como que o público se sinta na pele de seus personagens e, apesar da falta de um motivo racional para as investidas dos pássaros, os ataques são tão realistas e violentos que fazem com que o espectador reflita sobre a real possibilidade deles acontecerem. Como de costume, também em Os Pássaros, Hitchcock constrói metáforas poderosas. A mais visível delas tem por fim evidenciar o velho conflito entre seres humanos e pássaros: ao inverter os papéis - tirando os pássaros da gaiola e colocando o homem em seu lugar - o mestre mostra que a humanidade (do alto de sua segurança e racional superioridade) não possui nada, além de sua brutal e imutável fragilidade, frente a imensidão e as incertezas do universo. Outra metáfora carregada de ironia é à construída em torno dos pássaros do amor - os love birds. No decorrer do filme, quando esses pássaros do amor dão lugar à pássaros de ódio, Hitchcock faz questão de inseri-los em momentos estratégicos, reforçando toda sua carga dramática, a fim de mostrar que o amor é o único sentimento capaz de sobreviver à toda aquela provação da qual seus personagens estavam passando. Considerada como uma das mais emblemáticas e clássicas imagens do cinema, a cena em que os corvos se agrupam, sem que Melanie perceba, sobre o brinquedo do parque da escola - silenciosos, como se estivessem à espreita, esperando pelo momento certo do ataque - cria no espectador um clima de pavor sobrenatural, tamanho seu impacto visual. Isso deve-se - tanto nessa cena quanto na sequência em que os corvos enfim consumam seu plano de ataque às crianças, bem como durante toda a evolução da atmosfera atordoante do longa - ao primoroso e inovador trabalho sonoro experimentado
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pelo diretor: durante o filme não há música, apenas sons reais de grasnados e bater de asas, editados de forma a extrair deles mais drama, transformando, assim, simples barulhos em perfeitas partituras, a fim de proporcionar ao público uma experiência sensorial única. Procurar por explicações lógicas em Os Pássaros é tarefa ingrata e, definitivamente, nula. Não há explicações lógicas. Hitchcock não pretendia que houvesse. Seu único desejo, aqui, era causar em seu espectador perturbação e angústia sem precedentes sentimentos esses sustentados até o desfecho incomum à seus trabalhos, concluído sem o tradicional The End. O motivo é um, claro e objetivo: o filme certamente acaba, mas não seu horror psicológico. Apesar de minimizada a tensão, ele ainda permanece por um bom tempo na mente de quem o assiste, trazendo inquietação e desconfiança até mesmo diante de um cantarolante e inofensivo pássaro que cruze seu caminho.
Figura 57: recortes da cena em que os corvos se no brinquedo do parque.
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cabideiro gull and crow 101
Dentre as milhares de ideias que tive para esse projeto, essa - que me veio através de um sonho - foi a primeira delas. Essencialmente inspirados no aspecto plasticamente impactante da cena em que os corvos se agrupam no brinquedo do parque da escola, nasceram os primeiros sketches do cabideiro que, durante a evolução de sua forma, teve como objetivo principal encontrar aquela que melhor conseguisse trasmitir o equilíbrio - tanto visual quanto estrutural - necessários à peça. Após inúmeras tentativas e experimentações, o resultado final deu-se numa composição de 3 blocos, marcados por alturas distintas, porém - como no brinquedo em questão - completamente interligados, formando uma estrutura única: o bloco central (mais alto deles), com 1,70m; o bloco médio (conectando-se ao lado direito do central), com 1,15m e o bloco pequeno (conectando-se à frente), com 55cm, garantindo, assim, que a peça assumisse o caráter de cantoneira. Na figura dramática dos corvos - que um a um reúnem-se sobre o brinquedo - construí a ideia do elementosuspense dessa peça. Desenhados vetorialmente, para posterior corte em alguma tecnologia de Prototipagem Rápida (pensados, inicialmente, para uma máquina de corte à laser - em acrílico reciclado - pela garantia de maior exatidão dimensional e melhor acabamento final; e, posteriormente - como alternativa ao alto Figura 58: detalhe que serviu de inspiração para a estrutura do preço da opção primeira - pela própria cabideiro.
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fresadora do CADEP, em MDF), elegi três formatos de pássaro para somarem à composição da estrutura: 1) corvos - sentados. 2) gaivotas, levantando vôo. 3) casal de love-birds, responsáveis por aplicar, visualmente, a metáfora do amor que eles mesmos carregam no filme. No total, 9 elementos (4 corvos, 4 gaivotas e 1 casal de love-birds), que poderiam ser adicionados ou retirados conforme a necessidade/ vontade do próprio usuário, graças ao corte - em sua base no tamanho exato da espessura do compensado, possibilitando, assim, o encaixe justo e perfeito entre pássaro e 'brinquedo'. Com Figura 59: a evolução do projeto na etapa de modelagem virtual. a responsabilidade, também, de trazerem as cores ao móvel, os corvos em preto e as gaivotas em roxo aplicariam na peça as sensações de terror e medo presentes no filme, já os love-birds em verde - além de transmitirem a própria cor das aves em questão - trasmitiriam o sentimento de esperança, que nos terríveis momentos de provação é proporcionado apenas pelo amor. Infelizmente - por falta de tempo hábil - a construção física dessa peça não
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foi concluída. Após o corte dos perfis da estrutura e toda a parte de furação realizados pela fresadora CNC - etapa do processo onde o serviço foi interrompido - os próximos passos a serem tomados para sua conclusão seriam: a montagem da estrutura (parafusos + porca e arruela) e acabamento da mesma (lixa, seladora à base d'água e pintura dos parafusos em preto), Figura 60: desenho vetorial do corvo. bem como o desenho vetorial dos 3 formatos de pássaros, baseados nos próprios storyboards feitos por Hitchcock para as cenas do filme (tendo, até então, concluído apenas o desenho do corvo - figura x), corte dos mesmos na tecnologia escolhida (máquina de corte à laser ou fresadora CNC) e acabamento (necessário apenas se realizados pela fresadora: lixa e pintura nas respectivas cores já especificadas acima).
Figura 61: parte da estrutura , após usinagem na Router, etapa onde o trabalho foi interrompido.
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Fotos
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Banqueta Bates 107
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mesa glam 109
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escada vertigo 111
Posludio Depois de meses intensos de trabalho e dedicação - vividos de maneira ora prazerosa, ora sacrificante - chegar até aqui, no momento exato de (respirar fundo e) digitar as derradeiras palavras, é motivo de extrema alegria e satisfação. É momento também de ponderar a respeito de tudo que foi pensado, realizado e aprendido aqui. Quantos foram os desafios(!): infinitas ideias, inúmeras tarefas, incontáveis responsabilidades, desesperadores imprevistos. Se os desafios não foram poucos, muito menos os aprendizados. No âmbito do Design, pude aprimorar - de forma viva e prática - os ensinamentos já assimilados, até então, durante os anos da graduação. Da importância de conceitos bem construídos - que garantam ao projeto subsídios para o alcance dos objetivos traçados - à relevância da construção de protótipos (físicos e/ou virtuais) - como recurso imprescindível na prévia detecção de problemas e busca de possíveis soluções -, pude, sobretudo, refletir profundamente a respeito do Design que pretendo seguir adiante, na minha carreira profissional: um Design ético e responsável, que envolva minhas paixões e, dessa forma, me impulsione e me motive no cumprimento do meu dever profissional de zelar pela melhoria da qualidade do mundo em que vivemos. No âmbito pessoal, (re)aprendi que meu ser é limitado e que o perfeccionismo, muitas vezes, não é uma virtude - principalmente quando incluso num contexto em que ‘muitas tarefas’ e ‘pouco tempo’ estão inseridos. Nesse sentido, (re)aprendi também que poder contar com a ajuda de pessoas especiais (familiares, amigos, profissionais) - desde às mais simples palavras de incentivo ao carregar de pedras - é algo fundamental à condição humana. Ninguém faz nada sozinho. Mais do que qualquer pessoa, sei que muito me faltou para atingir a perfeição em
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cada uma das peças desenvolvidas. No entando, a cada página lida, a cada modelagem finalizada, a cada machucado dolorido, a cada noite mal dormida (ou não dormida), a cada imprevisto contornado, a cada etapa concluida, a cada problema solucionado, superei meu próprios limites, indo muito além do que até eu mesma poderia imaginar. E é por isso que, posso afimar, com certeza, que me dou por satisfeita com o resultado final apresentado por esse projeto - que gerei como um filho, emocionando-me ao vê-lo desenvolver-se e ganhar forma. Assim, fazendo uma última reflexão a respeito das palavras de Hitchcock - ao relatar à Truffaut os difíceis momentos que viveu, na década de 30, diante de um forte declínio de sua carreira - concluo destacando o conselho dado pelo veterano ao jovem iniciante: “Aconteça que acontecer durante sua jornada profissional, nunca se esqueça, seu talento sempre estará lá!".
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gratidao Aos meus pais, por serem meu exemplo maior. Pela cumplicidade, dedicação, apoio, amor e sustento constantes. Ao meu irmão, de sangue e de alma, por compartilhar comigo do amor ao cinema às lutas da vida. À vó Alice, pela costura, pelo carinho e pelos sábios conselhos. Por permitir que, através dos seus móveis, eu exercesse minha paixão. Ao Isaac, parceiro fiel de momentos incontáveis, pela ajuda essencial na concretização de cada etapa desse projeto. Ao Paulo, pelas mãos habilidosas que tanto contribuíram no decorrer desse trabalho e de toda a graduação. Ao Anderson, pela lealdade e amizade de todas as horas. Por, à meu favor, colocar em prática suas mil e uma habilidades - de estofador à pintor. À Sabrina e a Tati, amigas talentosas, pelos lindos sketches, pelas aulas de InDesign e pelos momentos de descontração em tempos difíceis. Ao Goya, pelas boas idéias e soluções sempre tão bem-vindas nos momentos de bloqueio criativo. Aos professores Chico e Osmar, por me apresentarem ao mundo da modelagem e concederem-me o privilégio de participar do nascimento do CADEP. À cada uma das pessoas com quem dividi - parte ou todo - dos quatro anos e meio aqui vividos. Aos de ontem e hoje, de perto e de longe, do dia-a-dia e das lembranças. À Deus, criador dos mais grandiosos projetos, o maior de todos os designers, por presentear-me com a graça da vida, dotando-me de inteligência e criatividade. Pela Sua perfeição e humildade, suficiente para compartilhar comigo e com os seus centelhas de sua arte. “Happiness only real when shared.”
Christopher McCandless
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Hitch
MOB Hitchcock - 23 pt Cedarville Pnkfun1 Cursive - 12 pt
DilleniaUCP - 14 pt MoolBoran - 10 pt