A Lágrima da Espada. Capítulo I
Sendo sugado para o nada, por um fantasma gelado. Lá estava eu, mais uma vez. Ao meu redor, árvores para todos os lados. Poucos eram os fachos de luz que atravessavam a densa folhagem daquela floresta. O vento gélido trazia consigo aquele sussurro “Mestre...” que a cada instante parecia ficar mais e mais alto. “Mestre... Mestre!”. Várias e várias vozes repetiam, desordenadamente. “Mestre! Mestre! Mestre! Acorde!” “Mestre acorde!” “Acorde mestre!”. —MESTRE! – A voz soou sólida. Quando percebi, haviam três pessoas enfileiradas a minha frente. Eram cavaleiros, vestidos com armaduras de cores diferentes. O elmo atrapalhava, mas eu ainda conseguia ver alguns traços familiares em seus rostos. O que estava no meio, com a armadura vermelha se aproximou – Mestre ACORDE!
Abri os olhos, assustado. O suor escorria pelo meu rosto e fazia a camisa que usava grudar em meu corpo. Mais uma vez aquele sonho louco se repetia, era a terceira noite seguida.
Coloquei a mão sob o peito, regularizando a respiração e esperando que o coração se acalmasse. Olhei pela janela, contemplando o pouco sol que fazia e observando a lua negra, que dividia espaço com a estrela. Ao seu redor, a mancha se estendia, tão grande quanto no dia anterior.
Fazia cerca de uma semana que aquela Lua Negra havia surgido no céu e, a cada dia que passava a mancha escura ao seu redor ficava maior. Os cientistas ainda não haviam descoberto o que seria aquilo. Sondas foram enviadas, mas se perderam no meio da escuridão. Religiosos, apoiados nos ensinamentos Bíblicos diziam ser o sinal do Apocalipse, acreditavam que, quando a mancha cobrisse todo o céu, o mundo
entraria em caos e seria destruído. Bom, não era necessário esperar a mancha se estender mais, o mundo já estava um caos. O que eu penso disso? Talvez algum estagiário da NASA tenha feito alguma merda muito grande.
Joguei as cobertas para o lado e me levantei da cama. Com Lua Negra ou não, ainda haveria aula hoje e eu precisava me arrumar.
Saí de casa com um agasalho a mais. Com aquela escuridão toda, os dias começavam a ficar cada vez mais frios. Esfreguei as mãos, buscando esquentá-las, enquanto descia a rua. Ao findar dela, estava Pedro, me esperando enquanto jogava em seu PSP, como sempre. Assim que me viu, guardou o jogo no bolso. —Eai cara. - Cumprimentou-me com um toque de mãos – Nossa, você está um caco. —É, eu não dormi direito. —Aquele sonho de novo? - Indagou e eu acenei positivamente. - Você devia procurar um exorcista, pode ser problema de encosto. —O único encosto que eu tenho, é você. - Falei sério, enfiando as mãos nos bolsos e começando a caminhar. Pedro abriu um sorriso e me agarrou pelo pescoço. —Eu também te amo, cara! - Disse, bagunçando meu cabelo.
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Era aula de história. Estávamos sentados em duplas, Pedro jogava videogame com o livro em pé, sobre a mesa, para que o professor não percebesse, enquanto eu fazia as anotações do trabalho. Quando disse que Pedro era meu único encosto, poderíamos afirmar que é uma verdade absoluta. Ele não se dava muito bem em nenhuma matéria, que não fosse Educação Física. Nas restantes, eu simplesmente
empurrava-o comigo. Não me lembro mais quantas vezes passei cola para ele em provas, nem quantas vezes fiz trabalhos e coloquei seu nome. Não fazia isso necessariamente por ele. Fazia apenas por que gostava de fazer. Estudar era um prazer para mim e passar cola... Bom, era o único momento em que sentia a adrenalina de estar fazendo algo errado, e isso, com certeza, era algo muito prazeroso também. —É muita cara de pau, Sr. Pedro Antonio! – O professor surgiu ao lado de Pedro, quase como uma assombração, fazendo-o levar um susto tão grande que deixou o livro cair. - Pode me entregar o videogame. – Disse, estendendo a mão. —Que isso professor, pela’mor de Deus, não me chama desse nome horrível não! – Meu amigo respondeu, tentando recuperar, atrapalhadamente, o livro e ignorando o pedido do professor. —Não mude de assunto. Me entregue logo o jogo. Ou prefere ir para a mediação, de novo? —Não não! Eu vou guardar professor, vou guardar, vou mexer mais não. – Pedro disse, pegando o objeto protetoramente e guardando em sua mochila, antes que o professor pudesse protestar. —Se eu pegar você com isso de novo, já sabe, né? —Tá legal, tá guardado já. —Você devia aprender mais com o Gabriel, ao invés de desperdiçar seu tempo com esses joguinhos. – O professor ajeitou os óculos e voltou a fazer sua “Ronda” pela sala. Assim que ele deu as costas, Pedro gesticulou com as mãos, fazendo os nossos colegas mais próximos abafarem o riso.
—“Você devia aprender mais com o Gabriel, blá blá” Caara, isso enche o saco, como é que ‘cê aguenta? —Não sou eu quem esta sendo criticado, Pedro. – Respondi, arrumando o livro entre as duas carteiras, para que meu colega pudesse fingir que estava fazendo a lição, enquanto conversávamos. —Ah! Eu não suporto essas coisas chatas! Queria estar na quadra, jogando. —A gente acabou de voltar de lá. —Eu sei, mas eu queria ter ficado, né. —Certo certo, agora cala a boca e me deixa terminar o trabalho. – Pedro empurrou sua cadeira para trás, debruçando-se sobre a mesa, completamente desinteressado.
Voltei a me concentrar na leitura, quando a luz piscou pela primeira vez. Por mais que tivesse sido rápido, já foi o suficiente para deixar os alunos dispersos. Mal havia passado um minuto quando piscou novamente, e mais duas vezes seguidas. A escola foi tomada pela escuridão, sendo possível enxergar apenas por conta da luz pálida vinda do lado de fora, através das janelas. Então, começou a euforia: todos gritavam, a maioria contente pelo fato de não poder ter aula enquanto a luz não voltasse. —Ei ei ei! Vamo parar com a gritaria! – O professor tentava falar mais alto que os alunos, mas o som de milhares de vozes juntas, o sobrepujava. Rolei os olhos, achando toda aquela situação patética, enquanto Pedro comemorava junto com os outros. —Parece que os Deuses ouviram minhas preces pra me tirar desse tédio! – Disse, sorrindo, caçando seu precioso vídeo-game, em sua bolsa. Aproveitei para pegar meu celular e usar de lanterna. Foi quando a situação mudou: Meu aparelho estava
desligado e não queria funcionar de jeito nenhum. Aparentemente Pedro também não estava tendo sucesso. —Ué, não tá pegando? —Meu celular também não quer ligar. – Falei, percebendo que mais gente havia tido a mesma ideia e, agora, estavam todos apreensivos com seus celulares, smartphones, entre outros, completamente sem uso, em suas mãos. —É agora que os alienígenas aparecem em suas naves espaciais e começam a invasão à terra?! – Indagou Pedro, olhando para a minha cara, rindo. Dei-lhe um pescotapa. —Larga de ser idiota. – Ele alisou o local do tapa, descontraído, e continuou rindo.
Foi então que ele me encarou, com seus olhos arregalados. Eu senti como se todos a minha volta estivessem segurando a respiração. A tensão fez com que eu não conseguisse me mexer, quando aquela presença gélida surgiu do nada. Vi Pedro apontar para além de mim, sua boca se abrir, mas nenhum som sair dela. Quando tentei me virar para enfim encarar o que havia de errado, consegui enxergar apenas um borrão.
Estava sendo sugado para o nada.
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A Lágrima da Espada Conto escrito, editado e revisado por: Alice L. dos Anjos.
Com co-autoria de Davi Aquino e Angelita Valério.
Arte de Capa: Angelita Valério.
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