Crítica
Quase Irresistível
Um filme não é um livro
A adaptação cinematográfica da obra de E. L. James é uma pura extensão do fenómeno, uma tradução do livro em imagens. Mas isso não faz dele um filme. JORGE MOURINHA
“Não há personagens para lá dos arquétipos” O problema da adaptação cinematográfica do best-seller de E. L. James não reside na qualidade ou ausência da dita do romance que lhe está na origem. O problema de Cinquenta Tons de Cinza é que ninguém na equipe de produção, a começar pela rea lizadora Sam Taylor-Johnson (oriunda das ar tes plásticas e do movimento dos Young British Artists que também revelou, por exemplo, Damien Hirst), soube aproveitar o material que tinha em mãos para fazer um filme isto é, uma obra que existisse isoladamente do livro enquanto objecto cinematográfico. Cinquenta
Tons de Cinza é, antes, aquilo a que se chamaria (e neste caso a conotação negativa está absolutamente correcta) um “produto audiovisual”.
Jamies Dornan, como Christian Grey
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Crítica Simples transposição de imagens Uma simples transposição para imagens da trama central do livro, milimetricamente pensada para agradar aos fãs e jogando pelo seguro, sobre a corte atrevidota do milionário perverso mas de bom coração à universitária ingénua e virginal, com um perfume transgressivo de titilação erótica a mascarar o convencionalismo romântico do conto de fadas. Não há personagens para lá dos arquétipos – Christian Grey é o self-made-man perfeito com um segredo escondido, Anastasia Steele a romântica empedernida que acredita poder furar as suas barreiras – e o filme parece estar mais interessado em fazer os seus actores parecerem bonitos e sedutores numa série de cenários altamente fotogénicos do que propriamente em pedir-lhes que representem. (Pior ainda é que nem Dakota Johnson nem Jamie Dornan se parecem empenhar em nenhum momento para lá do funcionalismo público.Só numa única cena – uma “reunião de negócios” – se sente algum engenho visual, alguma densidade criativa para lá do simples anonimato ilustrativo.
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“Tudo bem.Só não confunda isso com“cinema””
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Crítica
“A linha entre o prazer e a dor, é muito fina.” Trafegar na realidade de um livro tendo a escritora como produtora, sexo como tema central e tantas fãs intensas foi essencialmente difícil. A odisseia começou antes mesmo da diretora subir a bordo. O estúdio Universal comprou os direitos da trilogia de E. L. James -há as continuaçõesCinquenta Tons mais Escuros e Cinquenta Tons de Liberdade – por US$ 5 milhões, após uma disputa intensa com outros interessados. Todos queriam pôr as mãos no fenômeno literário erótico que começou como uma fan-fiction (histórias de personagens famosos escritas por fãs) de Crepúsculo e caminhava para 100 milhões de cópias vendidas em todo o mundo. Na negociação, James exigiu participação nos lucros e a função de produtora. Nomes como o de Gus Van Sant (Gênio Indomável) foram falados, mas a escritora queria uma mulher no comando. Conseguiu Sam Taylor-Johnson, que tinha apenas um
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filme no currículo (O Garoto de Liverpool), porém sua bagagem como fotógrafa incluía exposições na National Portrait Gallery. Com o desejo das leitoras saciado, o desafio foi filmar uma trama que pode chegar a ter até 12 cenas de sexo. Para amaciar as críticas sobre a história incentivar a violência contra mulheres, ela consultou duas praticantes do bondage e sadomasoquismo. Ninguém é forçado a fazer sexo. Tudo neste mundo é consensual e limitado por contratos que listam os desejos de cada um dos envolvidos. O amor que sai disso pode ser muito poderoso.