+ CULTURA
Edição Nº 1 - Novembro 2015 - R$15,00
4
As adaptações mais esperadas de 2016
A atual UNE
A luta pela recuperação da força do movimento estudantil
CYBERBULLYING Saiba como combater essa perigosa ameça digital
JOGO OU TRABALHO? Conheça o jogo online League of Legends e saiba como ele se tornou uma profissão para muitos jogadores MUROS DA VILA MADALENA Saiba o que o Beco do Batman abriga além dos grafites
A incrível história de Malala Documentário sobre a trajetória da ativista paquistanesa será lançado em novembro
30anos
de Legião Urbana Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá fazem turnê em comemoração ao aniversário da banda
HIPERCONECTIVIDADE Como se dá a busca pelo uso consciente das novas tecnologias
EDITORIAL Devoradores de orelha
S
omos os devoradores de orelha, e viemos livrá-lo do mais avassalador infortúnio do mundo pós-moderno: a falta de tempo. No caso, falta de tempo para ficar up-to-date com o universo literário daqui e d’além mar. Nem que seja aquele leve e basiquinho verniz cultural. Os lançamentos editoriais são tantos que, ainda que fosse feita a leitura só das orelhas, o tempo dispendido seria enorme. Como conhecimento é o ouro do século 21, surgiu dessa necessidade a ideia do nosso negócio. Nossos leitores de orelha, hoje totalizando 314 profissionais intensivamente treinados, alternam-se em turnos estafantes de 12 ou mais horas e têm de recorrer a técnicas de leitura dinâmica para darem conta de suas cotas diárias de resumos. Lidas, cada orelha gera uma mini-sinopse que é enviada ao cliente via eletrônica, com o básico que ele precisa saber para não passar vexame numa conversa. Claro que o assinante do serviço determina as áreas de interesse sobre as quais necessita manter-se atualizado. Suponha uma saia justa
numa festa, onde perguntam a você o que achou de determinado livro. Basta simular que o celular está chamando, você se afasta um pouco, consulta o resumo de orelha correspondente e volta dominando o assunto. Em linhas bem gerais, mas o suficiente para não chutar a bola para fora do estádio. O serviço é eclético nos gêneros e inclui também os resumos de orelha daquelas obras fundamentais, que dão estofo à cultura geral do indivíduo. Grandes clássicos, como “Em busca do tempo perdido”, “A montanha mágica”, “Dom Quixote” e “Crime e Castigo” estão disponíveis para pronta entrega. Não só na forma de e-resumos, mas de falso livro também. Em volumes novíssimos, de capa dura, ou artificialmente manuseados por processo industrial de envelhecimento. O recheio é em isopor, proporcionando leveza e facilidade na remoção quando for a hora de tirar o pó da estante. Oferecemos também uma sensacional novidade, vinda há poucas semanas da Europa: o isopor com capa refil. O cliente adquire a princípio apenas os isopores e vai trocando periodi-
camente as capas com novidades e best-sellers da indústria editorial, simulando uma pretensa atualização com o que de melhor vem chegando às livrarias. É sua decisiva oportunidade de postar no Instagram e em outras redes sociais fotos suas em frente à biblioteca-cenário, legando à sua extensa rede de amigos a imagem de um erudito com sólida formação literária e artística. Como em todo negócio inédito e de sucesso, não demorou muito para que começasse a surgir concorrência desleal. Alertamos a todos que o referido concorrente, o qual por razões éticas não iremos citar o nome, deixou recentemente um ex-Presidente da República em situação diplomática vexatória numa cerimônia de entrega de título de Doutor Honoris Causa. Assinante do serviço, o popular ex-ocupante do Alvorada precisou recorrer à mini-sinopse de uma obra de Santo Agostinho e deparou-se com a orelha de “50 tons de cinza”. Uma falha imperdoável, que atribuímos à incompetência dos leitores de orelha desse relapso colega de mercado. l
Marcelo Sguassabia
SUMÁRIO Edição - Nº 1 - Novembro de 2015 Edição: Marcelo Sguassabia, Aline Tavares, Ana Laura Prado, Ana Paula Ribeiro, Aurélio Silva, Beatriz Santoro Arte: Aline Tavares, Ana Laura Prado, Ana Paula Ribeiro, Aurélio Silva, Beatriz Santoro Repórteres: Adriana Paiva, Aline Tavares, Ana Laura Prado, Ana Paula Ribeiro, Beatriz Ferrete, Beatriz Santoro, Carlos Sartori, Imani Zoghbi, Júlia Favero, Larissa Rosa, Mariane da Silva, Matheus Cabral, Priscila Doneda Faculdade Cásper Líbero Avenida Paulista, 900 São Paulo/SP
A Revista +CULTURA não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios de terceiros.
Elogios, dúvidas ou reclamações? contato@revistamaiscultura.com (11) 3333-3333
Siga a Revista
+CULTURA
facebook.com/RevistaMaisCultura @RevistaMaisCultura
6
CINEMA
10
COMPORTAMENTO
12
MÚSICA
16
LUGARES
20
CAPA
24
TECNOLOGIA
28
HISTÓRIA
32
ENSAIO
38
CRÔNICA
42
EXPOSIÇÕES
44
LITERATURA
FOTO: GETTYIMAGE
6
CINEMA
+CULTURA
+CULTURA
7
Jovem, sobrevivente e inspiradora Documentário ‘Malala’, lançado em novembro, conta a trajetória da ativista paquistanesa que marcou a história Por Priscila Doneda
U
ma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”. Este é o slogan de ‘Malala’ (título original: He Named Me Malala), documentário que chegará aos cinemas brasileiros em 19 de novembro e promete inspirar o público com a trajetória de Malala Yousafzai. Apesar de ser conhecida mundialmente, dessa vez, a história da ativista paquistanesa de apenas 18 anos de idade será ouvida sob uma nova perspectiva: a dela própria. Em 2009, Malala começou a escrever um blog anônimo para a BBC, no qual expressava seus pontos de vista sobre a educação e a vida no Vale de Swat, no Paquistão. Apesar de o projeto ter sido interrompido, a garota continuava falando livremente sobre o assunto e, em 2011, recebeu o primeiro Prêmio Nacional Jovem de Paz daquele país. Chamando a atenção pelo poder de sua voz e por seus apelos a favor da educação para meninas, aos 15 anos, ela teve sua vida completamente transformada. Em 9 de outubro
de 2012, uma brigada armada do Talibã invadiu o ônibus escolar em que Malala estava, a baleou na cabeça e atingiu também duas de suas amigas, Shazia Ramzan e Kainat Riaz. Com as chances de sobrevivência quase nulas, Malala foi levada para a Inglaterra, onde recuperou a saúde - apesar das sequelas -, retomou os estudos e persistiu ainda mais na luta por seus ideais. E a menina mostrou que o ocorrido não só não a calou, mas trouxe a ela ainda mais vontade para ser livre, criticar e debater. “Eles pensaram que a bala nos silenciaria. Mas nada mudou na minha vida, exceto isso: fraqueza, medo e desesperança morreram. Nasceram força, poder e coragem”, relatou. Em 2013, a jovem lançou Eu Sou Malala, uma biografia em formato de livro que conta a história de sua família, exilada pelo terrorismo, além dos obstáculos à valorização da mulher e da luta pelo direito à educação feminina. Em dezembro de 2014, enquanto filmava o documentário em questão, ela se tornou a mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz e teve a chan-
ce de ver o seu nome na lista dos 30 jovens mais influentes do mundo.Com direção de Davis Guggenheim (de Uma Verdade Incoveniente), o longa conta, em 87 minutos, com uma fotografia incrível. A produção mescla cenas atuais, imagens de arquivo e até mesmo animações, que ilustram reconstituições. As cenas de violência são apenas sugeridas, mas as imagens em que Malala aparece no hospital são reais. “Seria muito fácil contar essa história de forma sensacionalista. Mas não é isso o que me inspira. O que me inspira é um pai que viu na filha alguém que poderia fazer tudo e acreditou nela”, revelou o diretor. O filme mostra de perto o crescimento da garota, que, ao mesmo tempo em que está mais focada do que nunca como ativista, é uma adolescente que precisa lidar com lições de casa, irmãos e garotos. Ah, e a relação de Malala com Ziauddin Yousafzai é um presente à parte para o público. O filme mostra o quanto pai e filha são próximos e toda a importância que ele teve ao incentivar o amor da menina pela educação. l
8
+CULTURA
CINEMA
AS
4 ADAPTAÇÕES MAIS
Por Bruna Oliveira
O
FOTO: DIVULGAÇÃO
ano de 2015 foi repleto de grandes sucessos de bilheteria, um arrecadando mais fãs e dólares do que o outro. Mas 2016 não deve ficar para trás, entre os mundos cinematográficos da Marvel e
1º
Esquadrão Suicida
ESPERADAS DE
da DC Comics, com várias adaptações dos quadrinhos, sequências e longas de franquias que já são amadas, vem muita coisa boa por aí. Além de conhecer esses lançamentos com antecedência e conferir suas datas de estreia,
2016
prepare o cofrinho: você vai querer ir ao cinema no ano que vem. Para ter uma ideia do que o espera, separamos um ranking com os filmes mais aguardados pelo público.
Baseado nas histórias em quadrinhos da DC Comics, o Esquadrão Suicida surge quando o governo dos Estados Unidos reúne um grupo de supervilões condenados pela justiça que recebem a tarefa de realizar missões consideradas impossíveis (ou “suicidas”) para o governo em troca da redução de suas sentenças. Arlequina, Pistoleiro, Tubarão-Rei. Derrotados e presos eles estão sendo interrogados sobre sua missão – e sobre quem
está puxando os cordões por trás dessa operação ilegal. Quem será o primeiro o primeiro a quebrar o silêncio e não resistir à pressão? Apesar dos grandes nomes do elenco, uma das principais novidades foi a contração de Jared Leto para viver o icônico vilão Coringa, que já foi interpretado por Heath Ledger e Jack Nicholson nos cinemas. Lançamento: 4 de agosto de 2016
+CULTURA
Capitão América Guerra Civil
9
2º FOTO: DIVULGAÇÃO
Steve Rogers (Chris Evans) é o atual líder dos Vingadores, super-grupo de heróis. O ataque de Ultron fez com que os políticos buscassem algum meio de controlar os super-heróis, já que seus atos afetam toda a humanidade. Tal decisão coloca o Capitão América em rota de colisão com Tony Stark (Robert Downey Jr.), o Homem de Ferro. Lançamento: 28 de abril de 2016
3º
Batman vs Superman A Origem da Justiça
FOTO: DIVULGAÇÃO
Após os eventos de O Homem de Aço, Superman (Henry Cavill) divide a opinião da população mundial. Enquanto muitos contam com ele como herói e principal salvador, vários outros não concordam com sua permanência no planeta. Bruce Wayne (Ben Affleck) está do lado dos inimigos de Clark Kent e decide usar sua força de Batman para enfrentá-lo. Enquanto os dois brigam, porém, uma nova ameaça ganha força. Lançamento: 24 de março de 2016
Deadpool
4º
Lançamento: 11 de fevereiro de 2016
FOTO: DAIVULGAÇÃO
Ex-militar e mercenário, Wade Wilson (Ryan Reynolds) é diagnosticado com câncer em estado terminal, porém encontra uma possibilidade de cura em uma sinistra experiência científica. Recuperado, com poderes e um incomum senso de humor, ele torna-se Deadpool e busca vingança contra o homem que destruiu sua vida. l
10
+CULTURA
COMPORTAMENTO
Desconectados. Com muito prazer Eles ficam tão bem longe de seus telefones celulares e sem internet que é comum serem vistos como excêntricos. Mas, atentos às consequências da hiperconectividade, o que eles buscam é o uso consciente das vantagens do mundo digital.
aparelhos cada vez mais sofisticados. Aqui, como em outros países, o que se observa é que tarefas antes realizadas em computadores pessoais, laptops ou tablets estão migrando, em ritmo acelerado, para os smartphones. E assim, à distância da mão ao bolso e com desempenho cada vez mais turbinado, passamos a ter, além daqueles recursos já banalizados, os serviços financeiros, a “carona remunerada”, nossos programas e séries de TV preferidos e uma lista interminável de distrações e regalias. E por que ainda reservaríamos ao telefone móvel a função para a qual ele foi originalmente concebido, se podemos conversar por um sem-número de aplicativos e redes sociais? O fato é que existe um contingente cada vez mais numeroso de pessoas inclinadas a esquecer um pouco de seus smartphones e a afrouxar as amarras com o mundo digital, trocando parte de suas decantadas maravilhas por prazeres simples como a boa e velha comuni-
cação tête-à-tête e – por que não dizer? – o silêncio. Há quem procure soluções temporárias, como contratar pacotes de “desintoxicação digital” em hotéis e resorts espalhados pelo planeta, locais onde, assim que chegam, os hóspedes são instados a desligar seus gadgets. E ali, além de se dedicarem a atividades como ioga e meditação, revivem práticas que já não eram capazes de ter senão pela mediação de câmeras de celular, como, por exemplo, estar em contato com a natureza. Em Paraty, litoral fluminense, uma pequena vila de pescadores, também conhecida como a “Praia do Detox Digital”, afina-se com essa proposta, recebendo hóspedes por períodos de três a quatro dias. SE REEDUCANDO Há também quem, partindo para soluções duradouras, já tenha conseguido reformular, completamente, sua relação com a internet e outras ferramentas digitais. Este é o caso da artista plástica Renata de Andrade, 55 anos, nascida em Barretos (SP) e radicada em Amsterdã desde 1988. “Fui usuária pesada de todas as redes: Facebook, Twitter, Google+”, conta. E tal era o volume de informações que ela postava em seus perfis que era frequente seus contatos demonstrarem desconforto. Renata, entretanto, não tardou a concluir que também ela não vinha sendo capaz de aproveitar da melhor maneira as informações que por ali circulavam. “Me viciei rapidamente nos sites de notícias”, revela. “E não apenas notícias sobre o que estava acontecendo mundialmente, mas também conteúdos relaciona-
ILUSTRAÇÃO: JOÃO MONTANARO
O
processo é inexorável: estamos imersos em uma era de altíssima conectividade. Cabe-nos aprender a lidar com as implicações de uma realidade que está longe de ser compreendida em sua magnitude. Se nossos smartphones, por exemplo, já nos possibilitam a realização de tarefas inimagináveis até poucos anos atrás, a quantidade de dispositivos aos quais esses aparelhos estão aptos a nos conectar só tende a crescer. No Brasil, segundo levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o número de linhas de telefonia móvel ativas no país, até o fechamento desta edição, era de 281,4 milhões. Já no que diz respeito à comercialização de aparelhos celulares, embora as vendas tenham experimentado uma queda no trimestre junho/agosto, isso se deu apenas em relação aos modelos mais simples e de baixo custo. De acordo com dados de duas das maiores fabricantes do país, os brasileiros estão comprando
Por Adriana Paiva
dos a interesses que eu tenho em áreas como ecologia, arte e literatura. Essas coisas que te ocupam e, quanto mais conhecimento se tem, mais prazer você obtém com elas.” A essa altura, Renata admite, suas principais fontes de leitura estavam na internet. A constatação de que o tempo excessivo passado online já a impedia de dispensar atenção a outras atividades importantes foi o que a levou, no final do ano passado, à medida radical de abandonar a maioria das redes na quais ainda mantinha perfil. Ela lista ganhos advindos da decisão: “Agora, estou lendo cinco livros ao mesmo tempo. Livros impressos”, reforça. “Quanto mais você faz, mais tempo você quer. Então, as prioridades vão se empurrando.” Outro fator que também colaborou para Renata se tornar menos assídua na internet foi a necessidade de dedicar mais tempo e energia a cuidados com a chácara que ela e sua companheira mantêm nos arredores de Amsterdã. “É um terreno com uma casinha e o resto é tudo vegetal – legumes, verduras, flores. A gente está plantando, o que também passa a ser uma rotina. Faz bem ter de ir para esse lugar lindo, tranquilo e fora da cidade”, ressalta, acrescentando que, do loft onde moram, no centro da capital holandesa, até o sítio, elas não pedalam por mais do que 15 minutos. E tão conveniente quanto: lá não tem wi-fi. Em São Paulo para cuidar de detalhes referentes ao lançamento de “Cavalo das almas”, seu segundo livro, a artista também realiza, neste mês, intervenções em grafite pelas ruas da metrópole.
11
GESTÃO DO TEMPO
COMO FICA A NOSSA MEMÓRIA?
O paulistano Alexandre Franzin, 36 anos, terapeuta e coach em desenvolvimento pessoal e de carreiras, relata também já vir, há algum tempo, empreendendo esforços no sentido de estar menos à mercê da internet e de outros aparatos tecnológicos. Ação que se reflete tanto em seu trabalho com grupos e nos atendimentos individuais quanto no seu dia a dia. Entre as medidas que lhe possibilitam se manter em relação saudável com a tecnologia, ele cita a disciplina de desligar o computador muito antes de ir dormir para conectar-se consigo mesmo e meditar. “Tomo nota da minha rotina em um caderno, descrevo como o tempo foi consumido positivamente e onde tive gasto desnecessário de energia. Este exercício me ajuda a ficar atento.” Alexandre conta ainda que, há pouco menos de três meses, trocou um celular de limitados recursos por um iPhone, mas somente porque o ganhou de presente. E que suas tentativas de manter um perfil profissional no Facebook, por exemplo, não foram adiante. Seu telefone, ele diz, continua a cumprir a função básica de fazer e receber chamadas. Função que, por uma questão de economia, hoje também é combinada ao uso do Whats-App, um dos poucos aplicativos instalados no aparelho. Afora por esse conforto, seu aparelho poderia ser confundido com o de um frade franciscano. “Vez ou outra, acesso e-mails. Mas não tiro fotos, não gravo vídeos, não tenho Instagram, nem Waze ou Facebook. E me sinto muito feliz por isso”, assegura. Embora crítico à onipresença dos smartphones, Alexandre diz que tenta não ser incisivo quando percebe, por exemplo, que os jovens com quem trabalha excedem-se no uso dos celulares. “Evito: ‘João, desligue o celular, ou: ‘ Você não sai do celular, né?’ Procuro ir por outro caminho: ‘Galera, vamos rever o que estamos fazendo com o nosso tempo e com a nossa atenção!’” Sem pretender modificar muito o ritmo em que vem se aproximando das vantagens do mundo digital, o terapeuta lança, ainda neste mês, um projeto online de educação e desenvolvimento pessoal intitulado A arte do simples. “Vai ser um desafio pra mim, mas aqui estamos!” l
De que maneira a nossa memória vem sendo afetada pelo avanço exponencial da tecnologia? Essa é uma questão que, volta e meia, ressurge na rotina de atendimentos da psicoterapeuta cognitiva Dora Sampaio Góes, vice-coordenadora do Grupo de Dependências Tecnológicas do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, vinculado ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Pioneiro, no Brasil, em estudo e tratamento de impactos e consequências do uso desordenado de tecnologia, o grupo, que atende pacientes de diversas faixas etárias, tem, segundo Dora, recebido especial procura por jovens adultos e adolescentes levados por seus pais. Um dos motivos da busca são problemas relacionados ao desempenho nos estudos. Não raro, prejudicado pela sobrecarga de informações e por uma ilusão muito comum entre os mais jovens: a de que eles seriam capazes de conciliar várias tarefas simultaneamente. Não são. Pelo menos não se a meta for realizar todas as tarefas com eficiência, costuma advertir a psicoterapeuta. Sobre a maneira como as informações são apreendidas, ela diz: “Enquanto na leitura via internet as áreas cerebrais ativadas relacionam-se à tomada de decisão – abro ou não aquele link? –, ao ler um livro, eu ativo partes do cérebro ligadas à reflexão e à memória de longo prazo”. E finaliza, recorrendo à analogia: “Quando absorvo um monte de informações de uma vez, tudo no meu armário cerebral fica uma bagunça. Assim, na hora em que preciso puxar determinada informação, puxo errado. Ou, na hora em que puxo, não vem”. l
ILUSTRAÇÃO: JOÃO MONTANARO
ILUSTRAÇÃO: JOÃO MONTANARO
+CULTURA
12
+CULTURA
MÚSICA
A FESTA NUNCA TERMINA Por Carlos Sartori
FOTO: CLEBER JUNIOR
C
omo surgiram e de que forma estão se desenrolando a turnê e o disco que marcam os 30 anos do Legião Urbana.
O RETORNO Dado Villa-Lobos em ensaio geral para turnê de comemoração dos 30 anos da banda
“P
+CULTURA
“
13
teatros logo depois Não tem ‘exumação de cadáver’. Tem da peça. O André vibração positiva, estamos celebrando acompanhou essa a memória em um país sem memória excursão toda Dado Villa-Lobos quando ele tinha 11 anos, andava na van, ficava no camarim”, relembra o função dos lugares, das datas. Em guitarrista, emocionado. “O mundo dá Porto Alegre, por exemplo, podemos voltas e ele virou o cara que vai cantar convidar o Humberto Gessinger, do Engenheiros do Hawaii. E uma com a gente. Tudo se encaixa.” Sem falsa modéstia, Villa-Lobos rapaziada nova, o Jonnata Doll, que é destaca a importância do primeiro disco de Fortaleza. Chamar a Karina Buhr, do Legião. “Ele tem lugar reservado no o Catatau, o pessoal da Plebe Rude, universo do rock brasileiro. É inegável. a turma do Paralamas do Sucesso, É o tiro de largada do Legião Urbana, Rogério Flausino [do Jota Quest], é o que era Brasília, está tudo ali Projota, Dinho Ouro Preto, do Capital naquele disco. Tem músicas populares, Inicial, enfim, as pessoas que fazem diferentes, uma série de canções parte dessa história.” O ator Wagner simbólicas e marcantes de uma forma Moura, que virou vocalista na última comemorativa dos que eu nunca vi. Não consigo identificar apresentação integrantes do Legião Urbana, em um rótulo pra isso.” O titã Paulo Miklos, 2012, também está cotado para subir um dos amigos convidados para os shows-tributo, também comenta a ao palco. “Já falei com ele e, quando relevância do debute da banda de estiver liberado da série Narcos, ele Brasília. “Foi de um impacto tremendo estará com a gente, mesmo barrigudo na cena musical no momento do e com bigode [risos].” A motivação ao rever e escutar as lançamento”, vibra. “Foi a partir daí primeiras gravações do Legião foi o que o Brasil conheceu o Legião. Vai grande impulso para comemorar três ser uma grande honra participar desta festa e encontrar e cantar com os fãs décadas de história. “A gravadora teve a ideia. Eu tinha esquecido como do grupo.” O primeiro show anunciado pelos a gente era [naquele tempo], a real é remanescentes da banda será em essa. Vimos todo o processo de como Santos, no dia 23 de outubro. É uma chegamos ali para gravar o primeiro singela homenagem à cidade do disco, com a fita cassete para tocar litoral paulista, palco do último show no programa de rádio do Mauricio do Legião. “A ideia é excursionar de Valladares, fazer show no Circo outubro até dezembro, todos os fins Voador para a gravadora assinar com de semana. E ir a lugares a que nunca a gente”, relembra Villa-Lobos. Ele conseguimos chegar”, projeta Villa- também critica e alfineta um produtor musical que rejeitou o Legião Urbana Lobos. Ele está feliz com os ensaios e no começo da carreira. “Lembrei e antecipa que o projeto vai contar ouvi a fita demo que gravamos com o com a participação de muita gente Marcelo Sussekind [do Herva Doce]. que faz parte do círculo de amizades Ele abandonou a gente, pois achava da banda. “O clima está ótimo, a banda uma merda. Toda essa passamos o primeiro disco na ordem, história com o primeiro disco e mais direto e reto, e ficou incrível. A pegada 19 músicas estarão na edição de 30 da banda está superfiel, pulsando. O anos. Coisas da nossa essência.” O guitarrista ainda manda um André está cantando essa primeira recado para os que acham que parte do disco, eu vou cantar uma, a comemoração é uma decisão o Bonfá outra. Na segunda metade oportunista, para fazer dinheiro com do show vai ter um intervalo com diversos produtos: livros, discos, vídeos, depois entramos com um set DVD. “Eu quero que se fodam! É de 12 grandes sucessos”, ele revela, muito fácil falar, criticar. Eu sou mais animado. O presente para os fãs terá um complemento eu, e nós, e a música, e a festa, e tudo em cada isso. Não tem ‘exumação de cadáver’. Não existe Legião sem Renato. Assim especial cidade visitada. Tem vibração positiva, estamos como não existe sem Dado e Bonfá “Vamos misturar celebrando a memória em um país os convidados em sem memória. Essa banda existiu e a força do repertório continua.” l André Frateschi
rojeto novo no caminho”, “Outubro é logo ali” e “Estamos aprontando”. Esses foram os primeiros sinais dos legionários Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, nas redes sociais, para divulgar uma das notícias mais importantes para o rock nacional nos últimos tempos: o “retorno” da banda Legião Urbana para comemorar 30 anos do primeiro disco. Porém, sem dar tempo para possíveis especulações, o anúncio de turnê e álbum veio acompanhado do aviso de que não existe volta definitiva sem Renato Russo, e que esta é apenas uma celebração. Os dois integrantes originais passaram o mês de setembro a mil por hora, divididos entre garimpagens de material na gravadora e ensaios, no Rio de Janeiro, para a turnê. No estúdio, reuniram cinco artistas “camaradas” e de confiança: o produtor Liminha, diretor do espetáculo, os músicos Lucas Vasconcellos, Mauro Berman e Roberto Pollo, e o cantor e ator André Frateschi, que pega emprestado o microfone que foi de Renato Russo. Frateschi, que ficou mais conhecido com o show que manteve por anos, fazendo cover de David Bowie, deixa clara sua função na empreitada: “Não existe Legião sem Renato. Assim como não existe sem Dado e Bonfá”. O vocalista está afinado com o comunicado oficial dos integrantes remanescentes, que explica o motivo do retorno. “Depois de termos nossos direitos reconhecidos pela Justiça, recebemos da EMI – hoje parte da Universal Music – a proposta de lançar uma edição especial do nosso primeiro disco, também chamado de Legião Urbana, e originalmente lançado em 1985.” Surgia o projeto Legião Urbana – 30 Anos. Dado Villa-Lobos enaltece as qualidades de André Frateschi. O reencontro dos dois ocorreu há dois anos. “Ele chegou e falou: ‘Dado, você não vai se lembrar de mim, eu sou filho da [atriz] Denise Del Vecchio’. Ela fazia a mãe do Marcelo Rubens Paiva na peça Feliz Ano Velho, que ficou em cartaz entre 1984 e 1985. Como éramos muito amigos do Marcelo, em algumas cidades nós nos apresentamos nos
“
”
”
14
+CULTURA
MÚSICA
Música em 15 segundos Por Beatriz Santoro
I
dealizado especialmente para o Instagram, a novidade dessa semana leva o nome de CurtaEscuta. O nome já diz tudo: a ideia é levar aos seus seguidores trechos de músicas de 15 segundos. Toda semana pelo menos três vídeos são postados. O sucesso está vindo rapidamente, já que com menos de quatro meses de existência, a conta possui mais de 4 mil seguidores. Três jovens participam da criação. João Ribeiro, de 23 anos, é o idealizador e “faz tudo”. Com 21 nos, André Garavatti é o músico e na maioria dos vídeos toca violão mas também já apareceu com baixo e ukulelê. Maristella, a única menina do grupo, encanta com a sua voz doce e simpatia. PALCO O cenário é um show à parte. Em 43 postagens, já houve três locações diferentes. A primeira em um aconchegante estúdio com poltronas roxas. Em outro, diversas capas de álbum enchem o fundo do cenário. Uma vibrante cadeira amarela em frente a um papel de paredes com motivos de caixas de som também foi uma das escolhas como palco.
A IDEIA A ideia surgiu após João perceber que no instagram não havia tantos canais musicais como no youtube. Assim, convidou seu amigo, André, para dar continuidade na ideia. São os dois que vão atrás dos cenários, materiais, câmera, luz e locações para dar vida ao projeto. Maristela entrou por indicação da namorada de João, Caroline. Fizeram um ensaio e a sintonia fez com que ela fosse aprovada. Apesar de estarem ainda no começo, planejam chama mais convidados para cantar e tocar junto com os outros
integrantes. Idealizado especialmente para o Instagram, a novidade dessa semana leva o nome de CurtaEscuta. O nome já diz tudo: a ideia é levar aos seus seguidores trechos de músicas de 15 segundos. Toda semana pelo menos três vídeos são postados. O sucesso está vindo rapidamente, já que com menos de quatro meses de existência, a conta possui mais de 4 mil seguidores. Três jovens participam da criação. João Ribeiro, de 23 anos, é o idealizador e “faz tudo”. Com 21 nos, André Garavatti é o músico e na maioria dos vídeos toca violão mas também já apareceu com baixo e ukulelê. Maristella, a única menina do grupo, encanta com a sua voz doce e simpatia. O cenário é um show à parte. Em 43 postagens, já houve três locações diferentes. A primeira em um aconchegante estúdio com poltronas roxas. Em outro, diversas capas de álbum enchem o fundo do cenário. l
PRO
Futuramente, pretende migrar para outra rede
FOTO: DIVULGAÇÃO
PLANOS FUTURO
social, o youtube. Assim, os covers seriam de músicas inteiras, podendo alcançar um público maior. Mas os planos não param por aí, o grupo também tem a ideia de vender produtos com a marca CurtaEscuta. Camisetas, bonés, chaveiros logo estarão na pré-venda.
+CULTURA
15
16
+CULTURA
FOTO: DIEGO TORRES
LUGARES
Ali no
BECO Por Beatriz Santoro e Júlia Favero
L
FOTO: KIM BARCELLOS - BLOG CHECKIM
ocalizado na Rua Gonçalo Afon- disputa muito grande so, no bairro boêmio Vila Mada- pelo espaço.” lena, fica o Beco do Batman, um Entre os grafiteiros dos pontos turísticos mais visita- existem regras para dos de São Paulo. Situada próxima ao poder grafitar. Segunmetrô Sumaré, a estreita viela serve de do a reportagem da atalho para os carros que decidem não Veja São Paulo de ouenfrentar o trânsito da Rua Luís Mu- tubro de 2010, grafitar rat. Assim, os motoristas acabam co- sobre outro desenho, o nhecendo uma galeria a céu aberto.A chamado “atropelar”, é história do local como marco do gra- antiético. Assim, quanfite começou na década de 80, quan- do um grafiteiro deseja do um artista grafitou uma imagem do utilizar uma parede já herói americano Batman em uma das desenhada é necesinúmeras paredes cinzas que constitu- sária a autorização do íam a rua. A partir disso, um grupo de autor da pintura atual. alunos de artes plásticas iniciaram uma “Os muros tem donos. modificação no local, usando a imagi- E não são os proprienação para colorir e criar um ambiente tários das casas, os totalmente novo, com mais vida e cor. donos que eu falo são As paredes então se encheram de gra- os grafiteiros”, comenfites e arte que percorrem não somente ta Pato. a Rua Gonçalo de Afonso mas também seus arredores. Foi assim que a rua se TURISMO LOCAL tornou um ponto turístico da cidade de São Paulo e parada obrigatória para os Por ter se tornaamantes de arte urbana. do uma referência no Um dos pontos interessantes des- bairro boêmio paulistate ponto turístico é que ele é formado no, o Beco do Batman quase que totalmente por casas resi- é visitado por diversas denciais, e são elas o suporte para a pessoas. Turistas, grupos de dança, arte local. fotógrafos, famílias e artistas frequenOs mutam o luOs muros tem donos. E não são os ros e as pagar diariaredes das mente. “É proprietários das casas, os donos casas são um lugar que eu falo são os grafiteiros tomados muito propor desepício porPato, grafiteiro do Beco nhos de dique tem versos estilos, cores e formas. Andan- lugar pra parar, virou um ponto turístido pelas pequenas calçadas pintadas, co e sempre tem gringo que vem ver a a sensação é de fazer parte de uma Vila Madalena”, afirma Speto, grafiteiro nova dimensão. Os grafites são cons- e morador de uma das casas do Beco tantemente refeitos ou renovados pelos em entrevista para o Projeto Boletim artistas que sempre encontram uma #Urbano da Natura. maneira nova de se expressar. NenhuA apropriação se dá de inúmeras ma ida ao beco é igual a outra: sempre maneiras, sendo uma delas o típico haverá se não um novo grafite, novas passeio turístico. Pessoas de todas as pessoas e atrativos. idades e até mesmo de outras nacionalidades admiram os murais. O passeio OS DONOS DOS MUROS é caracterizado por uma caminhada pela viela quase sempre acompanhado Os grafiteiros são o ícone do local, por uma câmera fotográfica. Apesar do sendo que sem eles o beco não seria o percurso ser curto, a visita pode se proque é hoje. São eles que dão a identida- longar para aqueles turistas que decide e a alma ao lugar. É um local de ex- dem observar os detalhes dos grafites. pressão e reconhecimento para aqueEm nossa primeira visita, em pleles que lá grafitam. Em um vídeo para na segunda-feira, vimos mãe e filha o canal do youtube Arte fora do museu, conhecendo o beco, registrando os o grafiteiro Pato relata que o Beco do momentos com fotos pelo celular. Em Batman “é consagrado e ali existe uma outra visita, vimos um grupo de france-
“
”
PASSEIO Casal caminha pela viela
ses conhecendo o local. Aos finais de semana, o local fica mais agitado, com carros estacionados e tocando músicas enquanto as pessoas conversam, bebem e apreciam o beco. ALÉM DOS GRAFITES Além disso, muitos vão ao beco para realizar trabalhos, como editoriais de moda, propagandas, gravações de cenas, clipes e documentários. Um dos trabalhos que pudemos acompanhar foi a realização de um book fotográfico para um vlog ainda em construção chamado Scrap de Rua. Caillou Wilson e Bia Chagas, dois adolescentes, procuram transmitir o recado das ruas em seus vídeos e pensaram no Beco do Batman como um bom cenário. No mesmo dia, um casal estava tirando fotos para seu casamento. Nathalia Corte Real e Raphael Pitorri escolheram o lugar por gostarem de São Paulo e acreditam que um espaço urbano como o Beco representa bem a capital paulista. Grupos de dança também se apropriam do lugar para ensaiar e gravar coreografias. Adolescentes, trajando roupas coloridas, dançavam uma música do estilo pop. l
18
+CULTURA
LUGARES
De volta para o Por Imani Zoghbi
H
á alguns anos a experiência do cinema se restringia a ficar em uma sala escura e fechada por duas horas. Hoje, esse universo nos permite ter experiências tão diferentes que jamais imaginaríamos possíveis. Mesmo com a popularização de serviços de streaming como o Netflix, ou a facilidade no acesso a filmes online, o espectador ainda tem bons motivos para sair de casa e ir ao cinema. LUXO O Cinépolis do shopping JK Iguatemi, por exemplo, conta com uma das estruturas e serviços mais luxuosos dos cinemas paulistas. As poltronas de couro das salas VIP, agrupadas em duplas, têm regulagem para deitar como se fossem camas – é quase como ver um filme em casa, opção favorita de quem busca mais conforto durante a sessão. “A Cinépolis trouxe para o país o conceito de salas VIP, fazendo com que elas se tornassem parte da cultura atual. Já atingíamos um nicho diferenciado em nosso país de origem, o México, e quisemos em atingir o mesmo nicho no Brasil”, explica Henrique de Castro, coordenador de eventos da empresa. João Mac Dowell, frequentador, conta porque prefere este a outros cinemas: “É gostoso quando vou ao cinema com a minha namorada, porque as poltronas são espaçosas e muito confortáveis. É bom também para assistir aquele filme especial que você está esperando lançar. Só não dá para ir sempre porque os preços são salgados”. A rede Cinemark fez algo similar em algumas salas dos shoppings Cidade Jardim e Iguatemi. O grande diferencial das salas do Cinépolis, entretanto, são o cardápio e a maneira de comprar os comes e bebes. Após a entrada na
sala, os espectadores ligam um pequeno abajur situado ao lado da poltrona quando querem fazer os pedidos. Instantes depois, um atendente vai até a poltrona para retirar os pedidos, que também podem ser pagos com cartão de crédito. “Você pode sair do padrão de pipoca e refrigerante, e pedir algo muito mais variado e seleto dentro da sala VIP, como vinhos, cervejas, crepes, canapés, petit gateau, entre outros”, diz Castro. Os preços das sessões ficam entre R$ 27,24 e R$ 61,24 (valores verificados em junho de 2015). ALTERNATIVAS No quesito cinema de rua, o CineSesc é referência por uma característica bem peculiar: um bar dentro da sala, envidraçado, localizado atrás das cadeiras. É possível ver o filme desta área enquanto aprecia uma bebida ou um quitute. “Eu venho muito para cá para relaxar, e também porque o ‘ir ao cinema’ se torna diferente do convencional. É bom sentar no bar e sair dos moldes tradicionais do que a gente conhece como cinema. Todos os amigos que trouxe aqui adoraram”, conta Carolina Zanola, frequentadora assídua. Recentemente a sala ficou fechada, durante três meses, por conta de uma reforma, e voltou a abrir suas portas em abril deste ano. Tudo foi trocado, do teto ao chão, para oferecer mais conforto a seu público. As novas poltronas, agora reclináveis, foram dispostas de maneira mais espaçada. Na programação, filmes que fogem do circuito hollywoodiano como o argentino Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto e o francês Aliyah. Os preços são módicos, variando entre R$ 3,50 e R$ 20,00. No cardápio, os valores seguem a mesma linha: um café de shopping custa, em média, R$ 5,50. No CineSesc um expresso sai por R$ 2,00.
A Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela preservação da produção audiovisual brasileira, também figura no rol de experiências bem diferentes em cinema. Em algumas ocasiões são incluídas projeções em sua área externa. “A Cinemateca tem realizado sessões ao ar livre ocasionalmente – este ano, dentro de uma mostra dos filmes de Andrea Tonacci, exibimos Serras da Desordem, no projeto Cineparque a animação Mônica e a Sereia do Rio, e na Retrospectiva Cinema Novo, Deus e o Diabo na Terra do Sole A Idade da Terra. Pretendemos dar continuidade a estas sessões ao longo do ano”, conta Natália Estavarenco Mira, responsável pela difusão de filmes da instituição. Toda a programação tem entrada franca. PELO BRASIL Quando o assunto são projetos menores, o Cinema na Kombi chama a atenção. Seu lema, “Levando o cinema para o Brasil profundo” diz muito sobre o que é feito. Em parceria com prefeituras, Luis Paiva viaja com seu veículo, equipado com projetor, tela de exibição, equipamento de som e DVDs – apenas de filmes brasileiros, ele ressalta: “O projeto visa democratizar a exibição cinematográfica, divulgar a produção nacional e formar público para o audiovisual”. Paiva percorre a periferia das grandes cidades e os municípios mais distantes dos grandes centros culturais brasileiros. Já passou por comunidades indígenas e quilombolas. Seu foco, entretanto, são as crianças e adolescentes das escolas públicas do país, pois com o auxílio do cinema podem desenvolver melhor seu senso crítico, estético e cultural. Por isso, o trabalho não acaba aí. O projeto oferece aos professores dessas escolas a oficina “Como Utilizar o
+CULTURA
19
FOTO: LAURA BOEACHAT
CINEMA AR LIVRE Cinemateca exibe filmes fora da sala de cinema Cinema na Sala de Aula”, para que se beneficiem de mais uma ferramenta de uso pedagógico em diversas áreas do conhecimento. A maior preocupação de Luis é o cinema ser também um fator de exclusão no Brasil. “Há uma geração que nunca assistiu a uma exibição, a não ser pela televisão. E outros milhares não veem filme em tela grande há décadas”, ele relata. Isso pode ser explicado pelo fato de que o país tem 5.175 municípios, mas somente 388 cidades contam com salas de cinema, possibilitando o acesso a cerca de 6% da população total. Fátima El Kak, que mora em Juquehy, litoral norte de São Paulo, conheceu o projeto em uma das viagens de Paiva. “Aqui na praia não tem cinema, e para quem gosta de filmes, faz falta.
Adorei da ideia de poder reunir meus vizinhos e amigos, e ver um bom filme em qualquer espaço público”, ela diz. É possível acompanhar os rumos da Kombi na página do projeto no Facebook. EM DISCUSSÃO Mas nem só de novidades é composto o burburinho cinematográfico. Os cineclubes, que há muito tempo andavam sumidos, estão passando por um processo de reestruturação. É o caso do CineDebate, organizado por professores e alunos do Centro Universitário Senac. Começou de forma independente, foi levado a ONGs, virou projeto de extensão da universidade e foi descontinuado em 2015, voltando a se tornar independente, mantido pelo
amor ao cinema e a qualidade dos debates entre os participantes. É o que conta Gislene de Oliveira: “Sou uma das organizadoras e atualmente ex-aluna, gosto muito do projeto, então continuo ajudando”. Hoje o projeto acontece com menos frequência – geralmente uma vez por mês e aos sábados. Aberto ao público, o CineDebate ainda acontece nas dependências da instituição, e tem expectativas de crescimento. “Queremos fazer visitas a ONGs no próximo semestre, conhecemos muitas”, aponta Gislene. Dentre os filmes já exibidos pelo cineclube, estão os aclamados Clube da Luta, Taxi Driver, O Segredo dos Seus Olhos e O Abutre. Opções não faltam para os próximos filmes serem assistidos de bem longe do sofá. l
SERVIÇO: Shopping JK Iguatemi – Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 2041 – Itaim Bibi CineSesc – Rua Augusta 2075 – Jardim Paulista Cinemateca Brasileira – Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Clementino Cinema na Kombi – facebook.com/ cinenakombi CineDebate – Centro Universitário Senac – Avenida Engenheiro Eusébio Stevaux, 823, Santo Amaro
20
+CULTURA
CAPA
CYBERBU
FOTO: GETTYIMAGE
Violência
+CULTURA
LLYING (in)visível Por Aline Tavares e Ana Prado
N
os últimos anos a conscientização sobre a existência e gravidade do bullying parece ter se difundido em maior escala. No entanto, com o passar do tempo, essa violência também encontrou uma outra forma de se espalhar. Ofensas e perseguições realizadas através de meios digitais podem parecer menos graves, mas podem causar transtornos graves na vida das vítimas. Saiba mais sobre esse problema que atinge inúmeros jovens todos os dias.
21
22
+CULTURA
FOTO: GETTYIMAGE
ISOLAMENTO Um dos sinais dados pelos jovens é o afastamento de familiares e colegas
A
s inovações tecnológicas recentes trouxeram muitos benefícios à sociedade: melhoraram a divulgação de informações, aumentando a sua acessibilidade; facilitaram a comunicação entre as pessoas e fizeram o mundo parecer um lugar menor. As vantagens, no entanto, não viriam desacompanhadas de malefícios. A Internet é um espaço vasto, no qual pessoas ao redor do mundo podem tornar os seus pensamentos públicos com apenas um clique. Os problemas acontecem quando indivíduos usufruem dessa ferramenta para se esconderem por trás de um anonimato e praticarem agressões. Uma questão muito séria gerada por esse tipo de comportamento é o chamado cyberbullying. PROBLEMA REAL O cyberbullying, como o próprio nome já diz, é o bullying praticado por meio do uso da Internet. Mensagens agressivas ou difamatórias, em formato de texto, imagens ou vídeos, enviadas para a vítima ou postadas publicamente, são exemplos característicos dessa prática. Uma pesquisa realizada em 2010, pela ONG Plan Brasil, revelou
que o cyberbullying já era, na época, res, mas muitos tinham caráter vexatório. mais frequente do que o bullying. Dos Após descobertas pela mãe da vítima, 5.168 estudantes que responderam à as postagens ofensivas tornaram-se propesquisa, 10% afirmaram já terem so- vas em um processo contra quem havia frido ou praticado bullying, enquanto diferido ofensas ao garoto. Bruno*, um 16,8% foram vítimas e 17,7% pratica- dos autores dos comentários, foi julgado ram o cyberbullying. Apesar de ser um e condenado a uma semana de serviços problema conhecido, a identificação comunitários. Hoje, aos 25 anos de idade, dos casos muitas vezes é falha. possui uma visão diferente sobre o ocorriA psicóloga Marisa Stefanelli expli- do. “Na verdade a gente faz e sabe muito ca que “falar mal” de alguém - prática bem o que está fazendo, mas é um pouco comum entre adolescentes - pode ser aquela onda de ser mais engraçado do uma tentativa de o jovem se conhecer. que maldoso. Mas só é engraçado para “A adolescência é um momento de mui- quem faz, nunca para quem recebe”. ta insegurança. [...] O jovem precisa Ainda segundo ele, o cyberbullying é mais experimentar as coisas para descobrir facilmente praticado por conta da sense aquilo é bom ou ruim. Falar mal do sação de impunidade e anonimato, e só outro ou apontar o defeito do outro, na pode ser evitado a partir do diálogo e da verdade, pode ser um defeito que nós problematização. “O bullying é um problemesmos temos”, conta. ma cultural. Porque enquanto for divertido, No caso de Bruno Almeida*, a per- te der status e isso for uma coisa legal, as cepção sobre os males que brincadeiras pessoas vão continuar fazendo porque de mal gosto podem trazer veio tardia- elas querem ser aceitas”. mente. Quando tinha por volta de 12 anos, ele parO bullying é um problema cultural. ticipava de uma comunidade no Orkut criada Enquanto for divertido, te der status para reunir pessoas que e for uma coisa legal, as pessoas vão não gostavam de um continuar fazendo dos colegas de classe. Os comentários feitos Bruno Almeida* possuíam diferentes teo-
“
”
+CULTURA ANONIMATO
FOTO: GETTYIMAGE
O envolvimento com o cyberbullying nem sempre é direto. Quando um indivíduo assiste a outro praticando e decide não fazer nada a respeito, ele também está participando, porém indiretamente. Foi o que ocorreu com Juliana Pinho, que aos 13 anos viu a sua amiga do colégio criar um blog sobre uma menina da mesma sala, denegrindo a sua imagem. “Embora eu não tenha criado o blog nem escrito nele, eu simplesmente fui conivente com aquilo, então eu sinto que ajudei em parte. Mas depois de dois dias ele foi deletado. Eu fiz questão de deletar porque percebi que não era certo aquilo”, relata Juliana. Após cerca de um ano, sua amiga - a mesma que criou o blog sobre a outra garota - criou um Fotolog, desta vez sobre Juliana, com montagens de suas fotos. Ela explica que, na época, essa conduta ainda não era vista como um crime. “Era tudo considerado brincadeira, não levavam a sério. Não existia uma conscientização”. Juliana conta que, na época, teve a autoestima afetada pelo acontecimento mas hoje não carrega traumas. Por outro lado, afirma que passou a ser mais cautelosa com o que publica desde então, e acredita que todos deveriam tomar esse cuidado.
MEDO Enquanto muitos agressores se escondem no anonimato, o medo da vítima é constante
23
Além de casos pontuais, o cyberbullying atinge o seu Você vê que a pessoa quer ser nível mais nocivo maldosa, mexer com o que te tira do quando a agressão eixo. Todo mundo tem medos, alguma ocorre frequentemenaflição na vida, e ela quer achar isso te e o praticante se torna um perseguidor Marina Maschi da vítima. Segundo Stefanelli, são propensos a esse comportamento desde com o que te tira do eixo. Porque todo indivíduos que não possuem uma boa mundo tem medos, tem alguma aflição rede - valores adquiridos pela família, na vida, e ela quer achar isso. Isso que amigos e escola - até pessoas com do- é preocupante, na verdade”, revela Maenças mentais. Marina Maschi, de 22 rina. As meninas contam que, a partir anos, e Natalia Peres, 21, são vítimas do momento que passaram a enxergar de agressão digital há quatro anos. o agressor como alguém com proble“Tudo começou quando a gente en- mas patológicos, deixaram de se sentir trou na faculdade e a Marina tinha um abaladas. “Ela é doente, é obsessiva, Formspring [rede social de perguntas não tem explicação para isso. [...] Hoje e respostas]. Uma pessoa começou em dia a gente olha como se fosse uma a mandar frases anonimamente [...] mensagem qualquer. O sentimento é Depois disso não parou mais.”, relata de dó”, completa Marina. Natália. Ainda segundo ela, as mensagens são enviadas somente para a sua CONSCIENTIZAÇÃO amiga. “Só fala besteira. ‘Seu cabelo é feio’, ‘Você é gorda’, ‘Vocês não têm Casos como o de Natália e Marina noção do ridículo’, essas coisas.” demonstram que o cyberbullying nem Marina explica que o anônimo mis- sempre é baseado na exposição pública tura fatos de sua vida, tanto do colégio da vítima. De acordo com a psicóloga, o quanto da faculdade, como se estives- fato de as agressões serem uma “via de se sempre as observando. “Ela tenta mão única” muitas vezes impossibilita um atingir com o psicológico. Você vê que diálogo, tornando-se mais difícil contora pessoa quer ser maldosa, quer mexer nar o problema. “O agravante do cyberbullying é que você não olha no olho da pessoa, então fica muito mais fácil você agredir”. Apesar de serem menos expositivas, perseguições como essa não tornam as consequências menos graves. Muitas vítimas têm a vida afetada por conta do bullying virtual, podendo desenvolver quadros de depressão e, em casos mais extremos, suicídio. Segundo Stefanelli, o tratamento para as vítimas consiste no auxílio à percepção e aceitação de si mesmo. “A pessoa tem que ter confiança naquilo que ela é, ter segurança do que ela é e se ela gosta dela mesma. Então trabalhamos a autoestima, a defesa”. A psicóloga afirma, ainda, que o combate ao cyberbullying se baseia, principalmente, na conscientização. “É necessário trabalhar o respeito, os valores e a educação com todas as crianças, desde pequenas“. l
“
”
24
+CULTURA
TECNOLOGIA
Quando a DIVERSテグ se torna PROFISSテグ Por Aline Tavares, Ana Prado e Matheus Cabral
O
s esportes eletrônicos têm ganhado cada vez mais reconhecimento. Com campeonatos mundiais que premiam os vencedores com um milhão de dólares, o League of Legends é um dos jogos que mais se destacam na área. Jogadores profissionais no mundo inteiro treinam diariamente para alcançar o resultado desejado.
25
FOTO: DIVULGAÇÃO
+CULTURA
+CULTURA
FOTO: ALINE TAVARES
26
KEYD STARS Da esquerda para a direita: André Pavezi, Murilo Alves e Lucas Zanqueta.
O
treino é intenso e os jogadores estão cansados. Há tempos se preparam para as grandes competições. Sabem que dependem de vitórias para manter os patrocinadores e entreter seus fãs. Afinal, com três anos de existência, o time já alcançou renome entre os torcedores. O coach (treinador, em inglês) revisa as estratégias e os erros. Puxa a orelha de quem precisa e, sob seu comando, o treino começa outra vez. Não são muitas as pessoas que associariam a descrição acima aos esportes eletrônicos (popularmente chamados de e-sports). Entretanto, esta modalidade esportiva – que não é tão recente – cresce cada vez mais. Um dos mais bem estruturados entre eles é o League of Legends (LoL), um jogo do estilo MOBA, isto é, online com batalhas entre vários jogadores. A final do último campeonato brasileiro de LoL, realizada no Allianz Parque no dia 1º de agosto, atraiu mais pessoas do que muitos dos jogos da Série A do Campeonato Brasileiro, segundo a ESPN. Cerca de doze mil pessoas estiveram presentes no estádio acompanhando o evento, que foi transmitido via streaming para mais de 116 mil torcedores e também foi exibida em 44 salas de cinema no Brasil todo. Nessas competições, jogadores experientes disputam fama e somas consideráveis de dinheiro. As partidas, que duram em média 30 minutos, exigem muito esforço físico e mental de cada participante. Cada momento da partida é acompanhado por comentaristas, que
mantém os espectadores entretidos e tadores. Num cômodo adjunto, numa cientes de tudo que se desenrola no mesa de oito lugares ficam os compucampo de batalha. A possibilidade de tadores em que treinam os membros ganhos financeiros leva muitos joga- da equipe. São máquinas de primeira dores a tentar a carreira profissional. categoria e até mesmo as cadeiras Somados os patrocínios e os ganhos utilizadas pelos jogadores são únicas, com publicidade, os jogadores podem ergonômicas, com os logos da equipe. receber até pagamentos de três dígiSentados em um dos sofás da sala, tos. Além disso, o campeonato mun- aguardamos a chegada das estrelas do dial, que acontece anualmente, premia time para iniciar a entrevista. Atrás de o vencedor com a quantia de US$ 1 mi- nós, um homem joga em um dos comlhão. Nos dois últimos anos, dois times putadores, totalmente concentrado no coreanos foram vitoriosos – a SK Tele- jogo. A única coisa que nos mantém com T1 em 2013 e a Samsung Galaxy cientes de sua presença são os toques White em 2014. no teclado e os sons dos cliques, consNo Brasil, algumas das equipes tantes e quase compassados. “Vocês já que mais se destacam são paiN Ga- querem começar?”, pergunta Murilo, ao ming, INTZ e Keyd Stars. Esta última, se sentar no sofá mais próximo, acomformada atualmente por Murilo Alves panhado de André e Luccas. Informa(“Takeshi”), André Pavezi (“Esa”) e Luc- mos que preferimos aguardar o resto cas Zanqueta (“Zanquins”), ficou em da equipe, referindo-nos ao indivíduo terceiro lugar na classificação do “Bra- no outro cômodo, que continua compesileirão”, como chamam o campeonato netrado. “Se forem esperar por ele, vão brasileiro. Eles nos recebem em sua ficar aqui até amanhã” informa sorringaming house, moradia financiada por do. A entrevista começa. seus patrocinadores e local de imersão Com desenvoltura e naturalidade de nos treinamentos. Trata-se de um apar- quem já está habituado a dar entrevistas, tamento de alto padrão no Tatuapé, em Murilo conta sobre sua inserção nesse São Paulo. Um apartamento por andar, universo dos e-sports. Hoje com 22 anos, duas varandas e cômodos espaçosos. ele conta que começou a jogar em 2011 A ampla sala é ocupada por dois gran- e a competir no ano seguinte. “Comecei des sofás, uma televisão de grande porte e estantes repletas de DVDs. Dois pequenos cômodos também O LoL se estruturou como se fazem presentes neste um esporte em si, conseguiu mesmo ambiente. Trata-se de um bar e de uma antesrevolucionar o mercado inteiro sala criada por duas colunas ornamentadas, onde Murilo Alves, “Takeshi” ficam alguns dos compu-
“
”
TREINAMENTO Com cadeiras ergométricas especiais, os jogadores passam cerca de 12 horas por dia treinando.
FOTO: ALINE TAVARES
não tive muito problema com isso. Eu comecei cedo nesse ramo de jogos, então acho que minha familia sempre me apoiou e soube que eu sempre gostei de jogar. Até hoje eles me apoiam, fazem até uns cartazes, é engraçado.” Assim como qualquer esporte exige dedicação, com um jogador profissional de jogos online não seria diferente. Murilo explica que, apesar de acordarem tarde, cerca de 11 horas da manhã, permanecem ativos até as duas ou três da madrugada. Entre esse período, cada um deles tem um tempo para jogar sozinho e um para os treinos coletivos, com algumas pausas entre os períodos. Contudo, mesmo com o término do treino oficial, segundo ele, muitas vezes cobram a si mesmos para treinarem as mecânicas individuais por mais tempo. “Você também pode fazer a transmissão do seu jogo via stream, o que gera uma boa remuneração”, conta. Com todo esse envolvimento, mesmo durante o tempo livre, o jogo deixa de ser um hobby, tornando-se preciso separar o trabalho da diversão. “Eu acredito que nenhum pro-player [jogador profissional] se diverte jogando e treinando. Ele tem aquilo como profissão, está trabalhando. Acho que a diversão dele são as vitórias”, afirma Luccas. Já para André, a diversão ainda é uma possibilidade. “Eu me estresso,
FOTO: ALINE TAVARES
jogando Ragnarok [um jogo também online, mas com estrutura diferente] com os amigos e então conhecemos o LoL. Começamos a jogar campeonatos menores, com prêmios de 100, 500 reais.” Foi a partir disso que eles viram a possibilidade de imergir ainda mais nesse meio. “Quando chegou o CBLoL 2012 e vimos que a premiação estava em 60 mil reais, pensamos: ‘Dá para jogar um pouco mais a sério e tirar uma graninha.’” Com a decisão, não só ele, mas também os outros membros do time, viram a necessidade de se dedicar integralmente, chegando a trancar a faculdade que cursavam. Foi quando ele deixou Brasília e se mudou para São Paulo. André (21) e Luccas (22) possuem histórias semelhantes, apenas com um jogo diferente: ambos se iniciaram no cenário competitivo a partir do DOTA, um jogo de estrutura mais semelhante ao LoL e também classificado como MOBA. “Como o DOTA caiu muito e o LoL começou a crescer, eu vi nele uma oportunidade. Então parei com o trabalho que eu tinha e resolvi me dedicar 100% ao jogo para ver o que acontecia”, relembra Luccas, o “top lane” do time. Não é difícil imaginar a visão que os pais dos jovens possuíam sobre o direcionamento que os filhos estavam tomando. “No começo minha mãe era bem contra e teve bastante receio, até porque o cenário não era nem um décimo do que é hoje. Hoje em dia tem patrocinador, tem times, teve a final na Allianz Arena. Hoje em dia ela me apoia 100%.”, conta Murilo. André mostra-se como uma exceção quanto a isso. “Eu
DECORAÇÃO Um curioso grafite se destaca na sala de estar dos jogadores. mas não paro de jogar porque é o que eu gosto. Coloco o trabalho na frente, mas mesmo assim, eu acabo me divertindo.”, conta. O ambiente altamente competitivo dos torneios é solo fértil para rivalidades. Desde 2012, a Keyd nutre uma rixa com a equipe paiN – considerado o maior clássico de League of Legends no Brasil. Existe, até mesmo, rivalidade com os ex-membros de equipe. Murilo explica: “Muitas vezes, você joga contra pessoas que já jogaram no seu time e você quer ganhar para provar para eles que você está numa situação melhor”. Ele conta que o cenário é muito dinâmico e que em questão de meses as equipes sofrem alterações na sua formação. Ou seja, é possível imaginar como essas rivalidades são frequentes. Mas eles garantem que isso se limita ao jogo, não havendo problema em manterem amizades com os membros de outros times. Com o sucesso em nível mundial de League of Legends e com o cenário veloz de nossa tecnologia, é natural que apareçam novos jogos inspirados nele, com mecânicas semelhantes. Quando questionado sobre o futuro do jogo nesse quadro, Murilo acredita que novos jogos surgirão e que naturalmente as pessoas irão deixando o LoL de lado. No entanto, afirma que o LoL como profissão durará mais três, quatro anos. “O LoL se estruturou como um esporte em si, conseguiu revolucionar o mercado inteiro”, conclui. Apesar de alguns anos terem se passado desde o surgimento desse tipo de carreira, os profissionais dessa área ainda estão sujeitos a julgamentos. “Acho que todo jogador já passou por isso, de tentar explicar para a pessoa, falar o que faz, e ela falar ‘Ah, mas você só joga, não trabalha?’”, diz Luccas. Ele acredita que, com o tempo, além de maior divulgação, as pessoas passarão a compreender melhor e considerar essa atuação como a profissão que é. l
28
+CULTURA
HISTÓRIA
Se o gigante teima em há quem insista em
DORMIR, DESPERTÁ-LO
As tentativas da União Nacional dos Estudantes de se opor a ações governamentais e combater a própria decadência
FOTO ACERVO UNE
Por Paula Ribeiro e Mariane da Silva
“A
+CULTURA
29
UNE já foi uma das maio- junho, aconteceu o 54º Congresso da FRENTES DE OPOSIÇÃO res pedras no sapato do UNE, no qual uma estudante de ecogoverno brasileiro. Hoje nomia da PUC-SP e representante da Porém, com o passar do tempo, a não representa mais os luta pelo passe livre para os estudan- queda de efetividade da UNE em lutas estudantes, não luta por nossos direi- tes, Carina Vitral, foi eleita presiden- importantes para os estudantes e atitutos que, a cada dia, estão sendo mas- te. Toda essa lista explicita a geração des que jamais seriam aceitas em toda sacrados por medidas tomadas pela mais recente de um agrupamento que a história da entidade, como incentivar presidente e sobre as quais a entidade está no comando da UNE há anos. os estudantes a se inscreverem ao não se manifesta”. O relato da atual As bandeiras defendidas pelo ór- voluntariado da FIFA para a Copa do diretora executiva de direitos humanos gão, desde sua origem, são, de ma- Mundo no Brasil, despertaram, em parda União Nacional dos Estudantes, neira geral, mais à esquerda. Com as te dos membros, uma necessidade de Camila Souza, exprime as mudanças vitórias de Luís Inácio Lula da Silva e, reagir. Esse ímpeto é o que sustenta a comportamentais pela qual o órgão consecutivamente, de Dilma Rousseff, ala de oposição à atual administração passa há alguns anos. a tendência era que algumas das rei- da UNE. Membro da Oposição de EsComo membro chave do movimento vindicações estudantis fossem aten- querda, uma das frentes de luta, Camiestudantil nacional, a UNE teve, desde didas por ações governamentais. A la é uma das defensoras da mudança sua formação, papel fundamende diretrizes. tal em momentos de lutas por “O Brasil sempre precisou todo o país – como a defesa da de uma reforma universitária e A entidade passou a defender mais o governo Lula apresentou um economia nacional na Era Vargas, a resistência à ditadura mi- o governo e, por consequência, se opor projeto de reforma universitária litar, a reivindicação de eleições para o país. Naquele momento cada vez menos às suas decisões diretas e o movimento dos caa UNE defendeu a ferro e fogo ras pintadas. Apesar de demoo projeto apresentado pelo goLucas Israel Rocha crática, a entidade possui, como verno, só que as universidades qualquer outra instituição, uma federais, como, por exemplo, a hierarquia que limita a ação estudantil. expectativa foi frustrada, mas, na con- e que eu estudava, começaram a se Os estudantes filiados compartilham tramão de seu histórico, a UNE abdi- manifestar contra a reforma. Em esde opiniões diversas, mas as campa- cou do tradicional caráter de oposição pecial porque representava não apenhas lançadas são determinadas por que possuía. nas aspectos positivos, mas porque um grupo restrito, o grupo executivo da existiam aspectos muitos negativos, entidade que é eleito pelo CONUNE – APATIA E CONIVÊNCIA como acelerar a parceria com a iniciae é daí que se origina a fraca atuação tiva privada dentro das universidades da UNE na última década. “Esse agrupamento que hoje co- federais. Nós achávamos que a Lei manda a UNE começou a ganhar muita de Inovação Tecnológica que vinha ELEIÇÕES força nacionalmente a partir dos anos dentro do programa era muito proble90. É um agrupamento que já tem mais mática. Primeiro porque você acelera O CONUNE – Congresso da UNE de 30 anos de história, eles cresceram e aumenta possibilidade de a iniciativa – acontece a cada dois anos e abriga acompanhando a luta da juventude. privada mandar nas pesquisas realizaas eleições à presidência da União. Seus principais membros assumiram das dentro das universidades, ou seja, Em 1999, o vencedor do pleito foi o a presidência da entidade em 1999 e, em vez de ter o investimento público, presidente do PCdoB-MG, Wadson coincidentemente, em 2002 o Partido terá o investimento de uma empresa Ribeiro. Em 2003, venceu Gustavo dos Trabalhadores, através da figura de que desejará que as pesquisas fossem Lemos Petta, deputado pelo mesmo Lula, sobe à presidência do país. Como direcionadas a áreas de seu interesse. partido. Lúcia Stumpf, também filiada os integrantes que ocupavam os cargos Segundo, porque a expansão não era ao partido da base aliada do governo, mais importantes da UNE, naquele mo- acompanhada de investimento adefoi eleita em 2007. O presidente entre mento, haviam militado a favor do proje- quado. Então isso tudo nos incomodou 2009 e 2011, Augusto Chagas, apoiou to que ganhou a eleição, a entidade pas- muito, uma boa parte dos membros abertamente a candidatura de Dilma sou automaticamente a ter uma relação não concordava com esse tipo de atiRousseff à chefe do poder executivo. mais próxima ao governo federal. Daí tude. Então resolvemos tentar agir por Depois dele, quem presidiu a UNE foi em diante, a entidade passou a defen- conta própria para mudar as diretrizes mais um deputado pelo PCdoB, Daniel der mais o governo e, por consequência, da UNE” afirmou Camila. Iliescu. De 2013 a 2015, Virgínia Bar- se opor cada vez menos às suas deciros, apesar de ter promovido diversas sões” explicou o historiador Lucas Israel JORNADAS DE JUNHO campanhas, como a de combate à Rocha, formado pela UNG. privatização do ensino superior, a deO governo Lula não só foi imune a Essa ala de oposição ao atual cofesa da aprovação do Plano Nacional críticas, como compôs alguns dos ór- mando da UNE tem tentado se aproxide Educação e a participação da UNE gãos federais com membros da orga- mar dos estudantes e dos jovens que nas Jornadas de Junho; teve participa- nização – por exemplo, a indicação do foram às ruas nas Jornadas de Junhos ção ativa na campanha da reeleição de presidente da UNE ao Conselho de De- de 2013 para manter o espírito da luta Dilma. Este ano, entre os dias 3 e 7 de senvolvimento Econômico e Social. por mudanças que aquelas gigantes
“
”
30 cas manifestações na Avenida Paulista despertaram. É assim que, segundo Felipe Rodrigues Machado, membro ativo da ala Oposição de Esquerda e cooperador da tese Convoque sua Luta, essa nova geração pretende mudar os caminhos de atuação da entidade. FORÇA ESTUDANTIL
WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL
“No Congresso da UNE seguimos estendendo o nosso campo que cada vez cresce mais, porém o que acreditamos mesmo é que a melhor forma de fazer a UNE voltar a ser ativa como era antes é trazer os estudantes de volta à entidade, de volta à luta por seus direitos. Porque se a UNE não faz, nós acreditamos que os estudantes têm que fazer; se a UNE não convoca, então os estudantes têm que convocar. É por isso que temos lutado para fortalecer os Centros Acadêmicos de cada universidade, os Diretórios Centrais dos estudantes, entre outros órgãos menores; porque assim mostraremos para o atual comando da UNE que ele já não representa a necessidade dos estudantes e que então as coisas precisam ser alteradas” revelou o estudante do curso de Geografia da USP.
+CULTURA É com objetivos como os de Camila e Felipe que a UNE volta lentamente aos trilhos da oposição a qualquer medida que possa prejudicar não só a classe estudantil, como os trabalhadores e outras minorias. Desde o início de 2015 e, principalmente, após as eleições da Câmara dos Deputados, entraram em pauta assuntos de im-
nacional, conciliar o programa de governo com os interesses dos empresários e de expoentes do capital. Por outro lado, membros do próprio PT e representantes da esquerda acusam, veementemente, a presidente de praticar o neoliberalismo que tanto criticou. A UNE está nessa luta, através de cartazes – conhecidos como LAMBE LAMBES -, de publicações oficiais nas Se a UNE não faz, nós acreditamos redes sociais e convoque os estudantes têm que fazer; se cações nas universidades, numa tentativa de a UNE não convoca, os estudantes agregar mais estudantêm que convocar tes à luta pelos direitos básicos e contra os Felipe Rodrigues Machado cortes orçamentários portância indescritível ao debate polí- na educação pública. tico brasileiro: a reforma política e o ajuste fiscal. A primeira é uma neces- FIM À VISTA GROSSA sidade relegada há anos, pelos diversos partidos que estiveram nos órgãos Fica ao futuro dizer se os novos do poder, seja em esfera executiva ou grupos inseridos na União Nacional legislativa. Já o ajuste fiscal consiste dos Estudantes sucederam em suas em um grupo de medidas que tentam intenções. Mas, por agora, é no míni– e prometem – estancar a sangria mo animador perceber que ainda há causada pela crise econômica e, so- quem se disponha a evitar manchas bretudo, política. no legado de um órgão histórico, liberAo promover a nomeação de Joa- tando-o de relações partidárias às cequim Levy ao Ministério da Fazenda, gas e de administrações que insistem Dilma Rousseff buscava, além da so- em fazer vista grossa aos desmandes lução do caótico estado da economia de políticos. l
“
”
MOVIMENTOS RECENTES Marcha da UNE em Brasília reuniu 2,5 mil estudantes de todo o país
+CULTURA
31
32
+CULTURA
ENSAIO
INFÂNCIA JARAGUÁ Por Larissa Rosa
+CULTURA
33
34
E
ntre a Rodovia dos Bandeirantes e a Anhanguera, em São Paulo, está a reserva indígena do Jaraguá, que abriga cerca de 900 índios guaranis. Em uma luta constante por melhores condições de vida, o povo do Jaraguá visa a demarcação de suas terras para possibilitar a sobrevivência e, assim, a permanência de sua cultura.
+CULTURA
+CULTURA
35
A
s crianças, espalhadas pela aldeia tanto quanto estão os cachorros que são ali abandonados, são vistas pelos adultos como uma possibilidade de resistência histórica: são elas as responsáveis por manter, no futuro, a cultura guarani nas terras do Jaraguá.
36
+CULTURA
+CULTURA
37
l
38
+CULTURA
CRテ年ICA
CONSTANTE
(DES)ENCONTRO FOTO: NATALIA TEJERA
Por Paula Ribeiro
S
+CULTURA
eria justo atribuir nossa atual localização – mentalmente dizendo – à existência de uma natureza humana? Existem condições que moldam nosso olhar? Situações fora de nosso alcance que determinam como captamos informações e pessoas? Não seria honesto se eu assumisse alguma dessas hipóteses, já que não tenho carga intelectual párea para lidar com questões de nível existencial. Mas eu prefiro acreditar que há como atuar sobre construções de caráter e opinião – seria um tanto desesperador pensar que a humanidade, individualmente, não tem poder sobre suas próprias ideias e, consequentemente, seus próprios atos. Esse interesse por ideologias e suas origens vem, talvez, da minha relação de mais longa data: a que existe entre mim e meus pais. Tanto quanto posso me lembrar, essa relação – que nunca chegou perto de ser conturbada ou problemática – é, há muito, marcada por pequenas discussões. Não sei ao certo se posso caracterizar de instinto, mas minha necessidade de defender, da maldade ou ignorância do julgamento alheio, aqueles que não se encaixam em uma suposta normalidade é como um traço embutido em minha personalidade. Se é um traço nato ou construído eu não sei dizer, mas é o ponto central das divergências na minha família, classicamente conservadora. Não me entenda mal – essa não é uma discussão de preferências políticas, tampouco uma crítica insensível às pessoas que me criaram. Anos de convivência com a família do meu pai, descendente de italiano e nascido em berço de ouro, e com a da minha mãe, cujos pais são de uma Paraíba desfavorecida, desenvolveu em mim um olhar empático e aberto a diferentes ambientes. Mas, mesmo sa-
39
bendo que em meus pais está meu lar, um sentimento de não identificação me acompanha. Para tornar mais forte essa antiga sensação, antes não tão clara, eu vi um novo rumo se concretizar em frente aos meus olhos. Mudanças são lentas e graduais, sim, mas há uma linha bem definida que marca a primeira revolução pessoal no meu tempo-espaço: São Paulo, 2014. Saí de uma cidadezinha interiorana para chegar a uma onde a variedade é tanta que ser original se torna um esforço árduo. Aqui, as paredes não se limitam a ouvir – acima de tudo, elas falam: através de pôsteres, grafites, rabiscos. História também é geografia. Talvez eu seja um pouco do que São Paulo é, ao estar, como a capital, disposta a receber as diferentes faces da pluralidade (claro que em menor escala, dentro dos limites do pré-conceito e julgamento humanos). Em um ano, a metrópole me ensinou a ser uma pessoa política. Não segundo a noção de Estado, eleições e reivindicações civis, mas sim ao bater de frente com o que não me é natural. Deparei-me com t a m a n h o universo de ideias, prioridades e interesses que não pude sair ilesa. Chamam isso de alteridade, acredito. E o que é a alteridade se não um exercício político? Colocar-se de lado para sentir o outro não é tarefa das mais simples, mas carrega a vantagem de gerar uma rotina agradável àqueles que arriscam. Eu
me construo no debate, na rua, na procura por compreensão, na fusão e na divergência de ideologias – e não conheço situações mais propícias para sentir-me do que estas, ao sentir o que outrora me fora alheio. Ao lembrar todos esses anos vivendo junto a alguns pensamentos ceifadores – por optarem ignorar outras realidades –, fica escancarada a relação de não identificação que eu compartilho com meus pais. Não é pouco amor, não diz respeito à falta de companheirismo e nem há aqui uma intenção de distanciamento. Se escrevo sobre, é porque me perturba de quando em quando. De mim já partiram incontáveis tentativas de transformar minha própria mãe no que eu julgava ser uma versão melhor dela mesma – uma versão que não propague “não tenho nada contra, mas...”. Recentemente, depois de muito esforço interno, passei a entender melhor os fatores que a levaram a sê-la. Isso envolve uma busca constante por compreensão, sem esperar que ela ou meu pai abracem meus ideais; envolve enxergar a alteridade como um ato de aceitar inclusive o que não me parece correto; envolve tolerância. Hoje eu vejo essas discordâncias não intencionais como parte fundamental da minha formação como ser humano. Se eu não tivesse nunca tentado entender meus pais, não teria construído em mim diversos pensamentos que agora carrego com certo orgulho. Hoje eu sei diferenciar respeito de apoio. Continuo entrando em conversas nebulosas com minha mãe. Não para torná-la alguém que ela não pode ser, mas sim para tentar dividir alguns dos meus aprendizados sobre construções. Porque é isso que eu sou: uma pessoa em construção – e espero que essa obra nunca acabe. l
“Ao bater de frente
com o que não me é natural, depareime com tamanho universo de ideias, prioridades e interesses que não pude sair ilesa
“Seria um tanto
desesperador pensar que a humanidade não tem poder sobre suas próprias ideias e, consequentemente, seus próprios atos
”
”
42
+CULTURA
EXPOSIÇÕES
Por dentro do museu U
FERNANDA MONTEIRO
ma cena inusitada e curiosa para quem diariamente transitava pelo Jardim Europa, bairro nobre da zona oeste da capital paulista. Pessoas, de diferentes idades, lugares e classes sociais, de pé ou sentadas, enfileiradas sobre a calçada. Centenas delas. E durante o dia todo. Na primeira vez, não faltaram perguntas. O que todos esperavam? Quem? Onde? Como? Por quê? Mas o episódio se repetiu quase todos os dias por mais sete meses. E para entender, bastava acompanhar a fila com os olhos – e com uma boa caminhada de dois quarteirões. Saindo da rua Alemanha e chegando à avenida Europa, aquelas pessoas caminhavam, a passos lentos, em direção à entrada do MIS, Museu da Imagem e do Som. Em 16 de julho de 2014, o museu lançou a exposição “Castelo Rá-Tim-Bum”, em homenagem ao aniversário de 20 anos do programa infantil, veiculado na TV Cultura nos anos 1990. A mostra recriou cenários e apresentou objetos e figurinos originais dos personagens. O sucesso foi imediato. Além das filas, o interesse pelo evento provocou sobrecarga e pane no site de
Por Beatriz Ferrete
venda de ingressos e no sistema telefônico. Por isso, o MIS teve de fazer algumas manobras: estendeu o horário de funcionamento, aumentou o número de ingressos e prorrogou por duas vezes o período da exposição. Assim, “Castelo Rá-Tim-Bum” conquistou recorde de público entre todas as outras mostras já realizadas no museu, com mais de 410 mil visitantes. O resultado pode ter surpreendido, mas não foi um evento isolado. Há tempos que o MIS vinha trabalhando para mudar o cenário cultural, mostrando ao público que aquele espaço também poderia ser uma opção de lazer. Outro exemplo foi a exposição do astro inglês David Bowie, que reuniu materiais de trabalho do roqueiro, e recebeu 80 mil visitantes de janeiro a abril de 2014. Entre essas e outras, o museu colheu o que plantou e fechou o ano com um recorde histórico, ao somar 603.197 visitantes durante o ano todo. E não à toa, apareceu no topo da lista dos dez museus mais visitados da cidade em 2014. O diretor executivo do MIS, André Sturm, diz que recebeu a notícia com “saltos” e muita alegria. “Eu acho que o
SALÃO Espaço principal da exposição do castelo
sucesso se deu pela nossa programação e pelo trabalho da minha equipe, que fez de tudo para que as pessoas tivessem uma experiência única”, afirma. A lista dos “dez mais” foi elaborada pela empresa de turismo e eventos SPTuris, que desenvolveu uma pesquisa com todas as instituições vinculadas à Secretaria da Cultura do Estado, a fim de analisar o cenário atual. O estudo mostra que houve aumento na visitação, não só no MIS, mas em todos os museus que aparecem no ranking. A grande movimentação de turistas que vieram a São Paulo durante a Copa do Mundo e um orçamento gordo investido pelas instituições são algumas possíveis explicações para um público além da expectativa, como explica o coordenador da pesquisa, Fabio Montanheiro. “O Museu do Futebol já costuma receber muitos visitantes, pois o tema atrai pessoas do Brasil todo e do mundo, e recebeu ainda mais na Copa. Mas é claro que as megaexposições também acabam atraindo bastante gente, sim, porque são exposições temporárias, inéditas e com temas minuciosamente escolhidos para despertar o interesse nas pessoas.” Montanheiro também destaca que a divulgação dos museus foi peça-chave para atrair interessados. “Além de uma curadoria antenada em acompanhar as tendências atuais do público, é necessário que haja um bom trabalho de divulgação, ações com os visitantes, e um bom relacionamento com a imprensa. Hoje em dia isso é uma forma de disseminar a cultura”, afirma. Pode-se dizer que a divulgação ocorreu também de forma natural, pelos próprios visitantes, que publicavam o passeio nas redes sociais da internet. Um exemplo: a Pinacoteca do Estado de São Paulo exibiu, entre 20 de novembro de 2014 e 22 de fevereiro de 2015, uma mostra com esculturas hiperrealistas do artista australiano Ron Mueck. As obras, que reproduziam figuras de seres humanos em
43
+CULTURA cenas cotidianas com fidelidade máxima, público. “É um índice além de qualquer cativaram pela mudança nas dimensões expectativa, porque não somos um mude escala e realismo dos personagens. seu com muita presença na mídia, nem Essa excentricidade atraiu um público fazemos propaganda. Acredito que nem enorme, que mais uma vez formou filas todo museu precisa ter como fim último gigantescas para ver a exposição. E não a megaexposição. Um cinéfilo se sentibastava apenas visitar o acervo. Muitos rá muito melhor numa sala de cineclube queriam também tirar fotos das obras e, que num complexo de cinemas dentro de por que não, fazer um “selfie” para postar um shopping center, por exemplo. Então, no Facebook ou no Instagram. Assim, de numa cidade de tanta diversidade como boca em boca, a galinha encheu o papo. São Paulo, é bom que tenhamos museus Mais de 400 mil pessoas estiveram na de muitos perfis e poderíamos ter muito exposição de Ron Mueck. E o curioso: mais”, explica. 80% delas nunca tinham visitado um muSegundo o secretário da cultura do seu antes, de acordo com a Pinacoteca. Estado, e também especialista em MuFilas, ingressos esgotados e “selfies”. seologia, Marcelo Mattos Araujo, existe Demonshoje um Insisto na questão de que os mutrações, fortalecique até seus têm investido cada vez mais, mento do um temm u s e u não só no Brasil, mas no mundo po atrás como inseram mais tituição do André Cazaretto, professor de história comuns ponto de em shows de boy bands, agora ganha- vista da capacidade técnica, além do ram um novo espaço. O professor de desenvolvimento de programações, que História, Sociedade e Cultura da Esco- buscam principalmente a diversificação la Panamericana de Arte de São Paulo do público. “O que era um perfil tradicioAndré Cezaretto explica que o aumento nal de público de museu aqui no Brasil na visitação dos museus é uma tendên- há 20 anos, mulheres entre 30 e 50 anos cia mundial, e não acontece apenas por com formação superior, hoje em dia está causa de megaexposições. “Sem dúvida totalmente alterado. Qualquer pessoa alguma, exposições grandes como a do pode visitar um museu, o que eu acho Castelo Rá-Tim-Bum atraem o público, extremamente positivo”, diz. pois são interativas e podem divertir. Po2015 rém, os museus de acervo também recebem cada vez mais público. O sucesso EM MEIO À CRISE ocorrido no ano de 2014 faz parte de um processo que vem ocorrendo há mais de Em meio à crise econômica no Brauma década. Insisto na questão de que sil e ao ajuste fiscal, conjunto de políos museus – não só no Brasil, é uma ten- ticas que busca equilibrar os gastos do dência mundial – têm investido cada vez governo federal, a Secretaria da Cultura mais em setores de comunicação e edu- do Estado de São Paulo sofreu um corte cação. Esses espaços se tornaram mais de 14% no orçamento para 2015. Com atraentes”, declara. Entretanto, o professor ainda lembra que, apesar das mudanças, ainda há muito para se trabalhar. “Os dados de 2014 também revelam que há uma desigualdade na frequência de museus. Isso implica pensar que os museus menores têm menos recursos e necessitam batalhar muito mais pela sua sobrevivência.” O MAC, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, não entrou no ranking dos “dez mais” da SPTuris porque não está ligado à Secretaria da Cultura. No entanto, recebeu 284.312 visitantes em 2014, o dobro em relação ao ano anterior. Para o diretor da instituição, Hugo Segawa, o dado mostra que não só as grandes exposições atraem o REALISMO Exposição de Ron Mueck na PInacoteca
“
FERNANDA MONTEIRO
”
isso, a Pinacoteca precisou cortar 15% do orçamento e demitiu 29 funcionários. O Museu Afro Brasil, o MIS e o Paço das Artes também demitiram, juntos, mais 43 funcionários. De acordo com a Secretaria, mais cortes ainda podem ocorrer. Por isso, existe o receio de que haja uma diminuição de práticas culturais neste ano. O secretário afirma que a crise também acaba afetando, principalmente, o bolso da população, que poderá deixar de frequentar os museus da cidade justamente por falta de recursos. “É claro que a nossa grande expectativa é que a gente possa ter um aumento ano a ano, de maneira que esse processo se consolide cada vez mais. Mas, por outro lado, esse cenário de crise econômica afeta todos. Não só os governos, mas também cada um de nós, todos os cidadãos, inclusive na capacidade aquisitiva”, acrescenta. Dessa forma, o diretor executivo do MIS adianta que não há megaexposições programadas para o museu em 2015. “Não dá para fazer sempre eventos tão grandiosos. Eles demandam recursos financeiros, investimento de criatividade, de energia.” No entanto, Sturm revela que em 2016 a situação já deverá ser diferente. “Nós estamos muito ansiosos, trabalhando no projeto que vai trazer uma exposição bem legal, completa, do Tim Burton. Ela vem, já é certeza. E ao certo vai atrair um público tão grande quanto o da exposição do Castelo Rá-Tim-Bum”, afirma. A mostra deverá expor materiais de grandes sucessos do cineasta norte-americano, como Edward Mãos-de-Tesoura, Beetlejuice, A Fantástica Fábrica de Chocolate, Batman, entre outros. E se assim for, quem passar pelo Jardim Europa em 2016 que aguarde, pois vem mais fila por aí.
44
+CULTURA
LITERATURA
o literário no jornalismo IRVING PENN, 1965
TRUMAN CAPOTE Por Paula Ribeiro
O
Jornalismo Literário é um setor espaçoso para o surgimento de obras excepcionais, mas envolve um risco ainda maior que os tradicionais romances de ficção e textos jornalísticos. A excepcionalidade supracitada pode se originar da fusão entre o relato imparcial e o sentimentalismo inerente à literatura, enquanto o risco é o comprometimento do caráter objetivo da obra pelo emotivo. A Sangue Frio, de Truman Capote (1924 - 1984), é exemplo clássico de um texto literário construído a partir de apurações. Publicada pela revista The New Yorker, em 1965, e em formato de livro, no ano seguinte, a obra deu a Capote seis anos de trabalho exaustivo e minucioso. O autor foi até a cidade de Holcomb, no estado do Kansas, para levantar informações sobre a morte de quatro membros da família Clutter, assassinados em novembro de 1959. O crime, que mudou a vida dos mo-
radores da região, foi de autoria de dois amigos e antigos companheiros de cela, Perry Smith e Dick Hickcock. Sem dúvidas, os noticiários da época cobriram massivamente o ocorrido, portanto é provável que cada cidadão norte-americano soubesse de todas as informações da tragédia. Ainda assim, o livro de Capote conquistou um espaço indiscutível, por motivos bem compreensíveis. A apuração do autor não ficou limitada ao crime, mas se expandiu até o impacto que os cidadãos da minúscula cidade de Holcomb sofreram e como as relações pessoais se transformaram. A Sangue Frio demonstra o medo e a desconfiança que se instalaram em uma sociedade que costumava não ver perigo em sua rotina. Capote, contudo, não se contenta com isso e é ainda mais meticuloso: o escritor ganha a confiança e até a amizade dos dois assassinos, ganhando, consequen-
temente, o poder de escrever sobre o que ambos sentiram, pensaram e falaram não só nos dias anteriores aos assassinatos, como durante e após o crime. E, é preciso reconhecer, essa característica é exclusiva da obra do escritor-repórter. Os anos de dedicação merecem, definitivamente, o reconhecimento que obtiveram. Contudo, é preciso lembrar que toda notícia e depoimento são, na verdade, versões do que aconteceu.Essa é uma característica universal na memória humana – e mesmo o brilhante Capote está sujeita a ela, principalmente se for levado em conta o fato de que ele não usou gravadores ou blocos de notas durante as entrevistas. À parte a desconfiança necessária em relação à precisão dos fatos e falas dos personagens, o livro é excepcional. Todas as características fundamentais a um romance-reportagem estão ali, somadas à dramaticidade e às descrições impecáveis feitas por Capote. l
+CULTURA
45
46
+CULTURA
LITERATURA
HATOUM NA PERIFERIA Por Beatriz Santoro
FERNANDA MONTEIRO
MILTON HATOUM O autor acredita no potencial transformador da literatura
N
o dia 9 de abril, o escritor amazonense, Milton Hatoum, realizou uma palestra pertencente ao Circuito São Paulo de Cultura. Essa iniciativa da Secretaria de Cultura de São Paulo tem como objetivo levar variados movimentos culturais as periferias da cidade. O evento deu início ao ciclo literário desse projeto e ocorreu no Centro de Formação Cultural da Cidade Tiradentes, zona leste paulista. O escritor de romances como “Dois Irmãos”, “Relato de um Certo Oriente” e “Cinzas do Norte” comandou uma roda de conversa com a plateia formada por mais de 200 estudantes e professores de escolas públicas, bem como equipamentos culturais locais. RODA DE CONVERSA Além de contar sobre sua trajetória profissional e ofício como escritor, Hatoum Durante sua fala, o escritor frisou a importância da leitura. Segundo ele, é fundamental que os
estudantes se debrucem sobre livros de qualidade, pois acredita que a literatura é capaz de promover transformações na vida das pessoas, além de transmitir um vasto conhecimento e expandir horizontes. Suas sugestões de leitura foram obras clássicas da literatura brasileira, como por exemplo, “Os Sertões” de Euclides da Cunha, “Capitães da Areia” de Jorge Amado e o quarto romance de Graciliano Ramos, “Vidas Secas”. Esses livros foram importantes na juventude do amazonense. Ele que conta foi por intermédio deles que descobriu outras realidades do país, diferente daquela com a qual estava acostumado: “eu não sabia que existia um Brasil muito pobre e miserável, de brasileiros que não tinham água”, lembra o vencedor do prêmio Jabuti de 2006. LEITURA EM VOZ ALTA Hatoum também realizou a leitura de um dos textos do livreto composto por crônicas de sua autoria. A publi-
cação - intitulada “Sete Crônicas” aborda observações e fragmentos de memória do cronista e foi distribuída aos alunos presentes semanas antes para que pudessem ler e, assim, dialogar com o escritor. Como não podia ser diferente, os estudantes participaram massivamente, realizando diversas perguntas para Hatoum. Uma das questões feitas foi referente a crônica “História de Dois Encontros”, uma estudante quis saber do cronista se o encontro entre as personagens realmente havia acontecido. “Se eu disser vai quebrar a magia, o encanto do leitor”, respondeu. E ainda concluiu: “a literatura não explica, ela coloca dúvidas.” Ao final, após distribuir autógrafos e posar para fotos, o escritor concedeu uma entrevista exclusiva, abordando o tema da alteridade presente em sua obra. Para ele, essa relação com o outro percorre toda a literatura, muitas vezes de forma conflituosa, como acontece em seu livro “Dois irmãos”, cujo enredo é centrado na difícil relação entre dois irmãos gêmeos, idênticos fisicamente mas com personalidades muito distintas. QUESTÕES LITERÁRIAS Também elogiou as questões feitas pelo público e afirmou que eventos como esse são provas de que os jovens brasileiros sentem interesse pela leitura mas precisam, apenas, de estímulo e condições para que adquiram esse hábito. Ao final, após distribuir autógrafos Para ele, essa relação com o outro percorre toda a literatura, muitas vezes de forma conflituosa, como acontece em seu livro “Dois irmãos”, cujo enredo é centrado na difícil relação entre dois irmãos gêmeos, idênticos fisicamente mas com personalidades muito distintas. O encontro foi elogiado pela mídia.
+CULTURA
47
48
+CULTURA