Aves Estepárias
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Pau l a A lç a d a C a s t e l a colecção O Mundo das Aves / série I Volume IX /
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Š Ana Mendes do Carmo
Estepe e pseudo-estepe As verdadeiras estepes ocorrem principalmente nas extensas planícies da Mongólia, Sibéria, Rússia e China, onde o frio, a reduzida precipitação e a pobreza do solo condicionam uma vegetação composta apenas por plantas herbáceas. A estepe asiática é a estepe verdadeira. Em Portugal não existem verdadeiras estepes mas a existência centenária de agricultura extensiva originou um habitat com características semelhantes localizado essencialmente nas planícies alentejanas. Agricultura baseada na rotação entre a produção de cereal de sequeiro (trigo, aveia e ou cevada), intercalada com a existência de pousio, levou à formação de um habitat semelhante ao das estepes ao qual se chama pseudo-estepe ou estepe cerealífera. Paisagem aberta, dominada por plantas herbáceas, onde árvores e arbustos surgem na paisagem como pequenos apontamentos esporádicos. A paisagem semi-natural depende do homem para a sua manutenção. A sua conservação é de extrema importância para muitas espécies de aves estepárias. Em Portugal, a pseudo-estepe concentra-se no Alentejo, mais precisamente Castro Verde, Mértola, Beja, Moura, Évora, Elvas e Cuba. Na região de Castro Verde, também conhecida como Campo Branco ou Campo de Ourique, a vasta planície é uma das paisagens mais impressionantes do nosso País e concentra a maior população de aves estepárias em Portugal. As aves estepárias dependem da manutenção deste tipo de habitat. Neste grupo de aves estão incluídas espécies de diversas famílias tão distintas como limícolas ou os passeriformes que apresentam adaptações específicas a este ambiente tão inóspito e desabrigado. Utilizam a pseudo-estepe para viver, se alimentar, para nidificar. Assim temos: Abetarda, alcaravão, calhandra-real, cortiçol, grou-comum, peneireiro–das-torres, rolieiro e sisão que estão representados neste livro. Todas estas espécies encontram-se ameaçadas por vários motivos que vão desde o desaparecimento das zonas de alimentação, caça durante a migração até ao desaparecimento do habitat de nidificação.
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Abetarda | Otis tarda O seu nome vem do português “ave tarda“ ou “ave lenta“ pelo que tarda em levantar voo. É a mais emblemática das aves estepárias, quer pela sua grande dimensão, maior ave voadora da Europa, quer pela sua raridade. É a “Rainha da Estepe”. Uma das espécies emblemáticas do Alentejo, muito sensível à presença humana pelo que é muito difícil de observar. Estando presente no nosso País o ano inteiro é considerada uma espécie residente, existindo umas centenas de espécimes essencialmente no Alentejo, onde durante a maior parte do ano formam bandos de dimensão variável (machos, fêmeas e juvenis ). Uma das suas características é apresentar dimorfismo sexual acentuado, isto é, macho e fêmea apresentam características físicas diferentes. O macho é maior podendo pesar 16 Kg e o adulto tem a cabeça e pescoço cinzentos. Durante a Primavera apresenta “bigodes“ e uma gola castanho escuro e avermelhada no pescoço que desaparece no Verão; as penas do dorso têm uma cor ocre-alaranjada com barras irregulares negras. A fêmea é bastante mais pequena e tem o pescoço mais fino. A plumagem é semelhante ao macho mas mais pálida.
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Abetarda | Great Bustard | Otis tarda Castro Verde, Portugal, 03/2017
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Abetarda | Great Bustard | Otis tarda Castro Verde, Portugal, 03/2017
Abetarda | Great Bustard | Otis tarda Castro Verde, Portugal, 03/2017
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Abetarda | Great Bustard | Otis tarda Castro Verde, Portugal, 03/2017
Abetarda | Great Bustard | Otis tarda Castro Verde, Portugal, 03/2017
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Alcaravão | Burhinus oedicnemus O seu nome científico refere-se aos joelhos grossos das suas pernas longas amarelas esverdeadas. Única limícola com hábitos terrestres que está presente no nosso País durante todo o ano. Não é raro. Durante a Primavera surge isolado ou aos pares, enquanto que no Inverno reúne-se em bandos. Caracteriza-se por ser uma ave pernalta de tamanho médio com um forte bico amarelo com a ponta preta, grandes olhos amarelos e plumagem castanha clara riscada. Existe dimorfismo sexual visível, isto é, diferença clara no casal. O macho apresenta lista nas coberturas com orlas mais negras que a fêmea. Como a maioria das aves é uma espécie monogâmica, permanecendo com um único parceiro até a morte.
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AlcaravĂŁo | Stone-curlew | Burhinus oedicnemus Belchite, Espanha, 08/2017
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AlcaravĂŁo | Stone-curlew | Burhinus oedicnemus Belchite, Espanha, 08/2017
AlcaravĂŁo | Stone-curlew | Burhinus oedicnemus Belchite, Espanha, 08/2017
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Caracteriza-se por apresentar um aspecto críptico e ter hábitos crepusculares, isto é, mais activo desde o anoitecer ao raiar do dia, sendo no entanto normal alguma actividade durante o dia. Anda de maneira furtiva, corre com o corpo na horizontal e em geral com a cabeça enfiada no meio dos ombros. É difícil de ver, estando bem camuflado quando está parado e de vez em quando agacha-se para não ser descoberto. Alimenta-se principalmente de insectos e outros pequenos invertebrados, podendo também comer lagartos e até ratos. O período de reprodução inicia-se em Abril e estende-se até Julho sendo o ninho feito no chão onde a fêmea põe 2 a 3 ovos numa cova não coberta com qualquer tipo de vegetação, sabendo-se que o período de incubação é de 24 a 26 dias. Ambos os progenitores cuidam das crias que são nidífugas, isto é, deixam o ninho logo após o nascimento.
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AlcaravĂŁo | Stone-curlew | Burhinus oedicnemus Belchite, Espanha, 08/2017
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AlcaravĂŁo | Stone-curlew | Burhinus oedicnemus Belchite, Espanha, 08/2017
AlcaravĂŁo | Stone-curlew | Burhinus oedicnemus Belchite, Espanha, 08/2017
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Calhandra-real | Melanocorypha calandra Espécie pouco abundante em Portugal, ocorre principalmente no interior sul do País, sendo a planície alentejana de Castro Verde a zona onde é mais abundante. Grande cotovia, a maior das nossas cotovias, caracteriza-se pela plumagem castanha, com grande mancha preta no peito. Lista supraciliar e contorno dos olhos pálido. Bico moderadamente espesso castanho-alaranjado. As asas compridas e os batimentos relativamente lentos tornam o voo bastante característico. Observada nos seus locais de reprodução durante todo o ano, no Inverno pode formar grandes bandos que podem atingir centenas de indivíduos. Demonstra pouca afinidade pela água, mantendo-se afastada de zonas húmidas e florestas. No Inverno alimenta-se à base de sementes e rebentos, enquanto que no Verão a alimentação é à base de invertebrados ( gafanhotos, escaravelhos...).
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Calhandra-real | Calandra Lark | Melanocorypha calandra Castro Verde, Portugal, 03/2016
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Calhandra-real | Calandra Lark | Melanocorypha calandra Castro Verde, Portugal, 03/2016
Calhandra-real | Calandra Lark | Melanocorypha calandra Castro Verde, Portugal, 03/2016
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Cortiçóis Cortiçol-de-barriga-branca | Ganga | Pterocles alchata Ave muito rara em Portugal, estando à beira da extinção, presente todo o ano no nosso País. Vive em grandes bandos. Um pouco mais pequeno e delgado que o cortiçol-de-barriga-preta, caracteriza-se por ter abdómen e coberturas da face inferior das asas de cor branca contrastando com as rémiges pretas. Ambos os sexos têm mancha do peito delineada a preto e lista loral preta. É uma ave monogâmica, existindo dimorfismo sexual. O macho apresenta cobertura das asas verde-dourada com listas transversais estreitas, pretas; dorso e ombros com pintas redondas amarelas-esverdeadas. Bibe preto e estreito, coroa, nuca e barra do pescoço lisas verde-azeitona. Mancha do peito castanho-avermelhada.
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Cortiรงol-de-barriga-branca | Pin-tailed Sandgrouse | Pterocles alchata Belchite, Espanha, 08/2017
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A fêmea é idêntica ao macho mas tem coberturas menos esverdeadas, com padrão vermiculoso preto que se adensa na coroa e na nuca, mento esbranquiçado, duas barras pretas entre a garganta e o peito (uma no macho) e mancha castanha mais pálida no peito. A fêmea tem duas riscas no pescoço e a garganta branca. Ambos têm asas compridas e voo rápido sendo capazes de percorrer 60 km de manhã e outros 60 km à tarde para encontrar um curso de água. Têm patas curtas e por isso procuram no chão os grãos de que se alimentam.
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Cortiรงol-de-barriga-branca | Pin-tailed Sandgrouse | Pterocles alchata Belchite, Espanha, 08/2017
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Cortiรงol-de-barriga-branca | Pin-tailed Sandgrouse | Pterocles alchata Belchite, Espanha, 08/2017
Cortiรงol-de-barriga-branca | Pin-tailed Sandgrouse | Pterocles alchata Belchite, Espanha, 08/2017
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Cortiçol-de-barriga-preta | Pterocles orientalis Em Portugal é uma espécie rara e ameaçada que apenas existe em certas regiões do interior alentejano e Beira Baixa. Escassas centenas no Alentejo, mais na região de Castro Verde. Também Mértola, Mourão e Évora. Ligeiramente maior que o cortiçol-de-barriga-branca,está presente no nosso País durante todo o ano. Ave grande e robusta, asas relativamente largas e silhueta esguia. Distingue-se de imediato pela grande mancha preta no abdómem, em ambos os sexos. Caracteriza-se pelo seu corpo rechonchudo e pelas patas curtas. A plumagem é acastanhada e tem barriga preta. O macho apresenta a mancha do peito acinzentada e desprovida de marcas. Garganta amarelo-ferrugínea com centro preto. Partes superiores cobertas de grandes pintas amarelo-ferrugíneas.
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Cortiรงol-de-barriga-preta | Black-bellied Sandgrouse | Pterocles orientalis Belchite, Espanha, 08/2017
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Cortiรงol-de-barriga-preta | Black-bellied Sandgrouse | Pterocles orientalis Belchite, Espanha, 08/2017
Cortiรงol-de-barriga-preta | Black-bellied Sandgrouse | Pterocles orientalis Belchite, Espanha, 08/2017
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Grou-comum | Grus grus Ave migradora voando sempre com o pescoço estendido e quando voa em bando forma frequentemente um V. Inverna em Portugal – chega em Novembro e parte em Fevereiro. Existe uma população oriental e outra ocidental que seguem rotas migratórias distintas. A população ocidental tem como principal área de reprodução o norte da Europa, Escandinávia e Rússia, depois percorre cerca de 3000 Km e a maioria inverna na Península Ibérica. Em Portugal ocorre em algumas zonas do Alentejo - Castro Verde, Campo Maior, Moura, Mourão e Évora. Ave de grande porte, geralmente com plumagem em tons de cinzento, branco e castanho. Destaca-se o enorme tufo de penas sobre a cauda. O padrão da cabeça é preto, branco e com uma pequena mancha vermelha. Tem bico comprido e direito, pescoço longo assim como as patas. Sexos idênticos em relação à plumagem, mas observando-se o casal vê-se que o macho é, em regra, ligeiramente maior. Alimenta-se de rebentos, folhas de cereais e de plantas herbáceas, bolotas de azinheira, mas também de invertebrados e mesmo de alguns vertebrados ( cobras, rãs...). É gregária no Outono e Inverno. Durante a época de reprodução é fortemente territorial. Na Primavera o ninho é feito no chão ou em massas de água pouco profundas, onde deposita 2 ovos. Tem um período de incubação de 30 dias e ambos os progenitores cuidam das crias e do ninho. O casal na Primavera tem uma dança – dança dos grous - de acasalamento (vénias e saltos altos esvoaçantes) e o casal emite sons agudos em dueto.
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Grou-comum | Crane | Grus grus Vilanueva del Fresno, Espanha, 02/2017
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Grou-comum | Crane | Grus grus Vilanueva del Fresno, Espanha, 02/2017
Grou-comum | Crane | Grus grus Vilanueva del Fresno, Espanha, 02/2017
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Uma curiosidade - em algumas regiĂľes ĂŠ um sĂmbolo de longevidade e felicidade.
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Grou-comum | Crane | Grus grus Vilanueva del Fresno, Espanha, 02/2017
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Peneireiro-das-torres | Falco naumanni Pequeno falcão migratório, ícone das planícies do Baixo Alentejo. A sua área de distribuição estival estende-se desde a Península Ibérica até à Mongólia e ao nordeste da China, estando limitada a sul pelo norte de África. A maior parte da população inverna a sul do Sahara e na África do Sul. Alguns adultos passam o Inverno no norte de África, Espanha e Turquia. É nos últimos dias do mês mais frio do ano - Janeiro - que chegam à planície alentejana os primeiros peneireiros-das-torres, após uma viagem de cerca de dois mil e quinhentos kms que começou nas áreas de invernada do Senegal e da Mauritânia. O percurso é feito sem paragens atravessando o deserto do Sahara e o Oceano Atlântico e a viagem pode ser feita em 4 ou 5 dias. Depois de deixar a planície alentejana (Julho / Agosto), alguns peneireiros voam até ao norte de Espanha ou sul de França antes de iniciar a migração pós-nupcial para o continente africano. Neste local podem juntar-se milhares de indivíduos antes da migração outonal que tem início em meados de Setembro. Apresenta dimorfismo sexual característico de várias espécies. O macho apresenta tom azulado na cabeça, cauda e asa, dorso de cor castanho intenso e peito bege com pintas negras; a fêmea e os juvenis têm dorso castanho- avermelhado, salpicado de preto, cauda com faixas preto- acastanhadas bem demarcadas. Têm garras brancas. No fim do 1º ano de vida já se diferenciam fêmeas e machos.
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Peneireiro-das-torres | Lesser Kestrel | Falco naumanni Castro Verde, Portugal, 06/2016
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Peneireiro-das-torres | Lesser Kestrel | Falco naumanni Castro Verde, Portugal, 06/2016
Peneireiro-das-torres | Lesser Kestrel | Falco naumanni Castro Verde, Portugal, 06/2016
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Rolieiro | Coracias garrulus A distribuição do rolieiro compreende as áreas de reprodução localizadas desde o noroeste africano e da Península Ibérica, através do Mediterrâneo, até aos Himalaias ocidentais. Grande parte da distribuição mundial está localizada na Europa, onde Espanha, Rússia, Ucrânia, Roménia, Bulgária e Turquia representam 90% do total da população reprodutora europeia. As aves nidificantes na Europa invernam na África tropical, leste e sudeste africanos. Em Portugal é um migrador estival, nidificando principalmente no Alentejo, na região de Castro Verde de Abril a Agosto, regiões quentes e ensolaradas.
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Rolieiro | Roller | Coracias garrulus Castro Verde, Portugal, 05/2017
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Rolieiro | Roller | Coracias garrulus Castro Verde, Portugal, 05/2017
Rolieiro | Roller | Coracias garrulus Castro Verde, Portugal, 05/2017
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Sisão | Tetrax tetrax Presente todo o ano no nosso País, é uma ave pouco comum, distribuindo-se sobretudo no Alentejo na região de Castro Verde, Moura, Mourão. Ave de médio porte, sendo a fêmea ligeiramente mais pequena que o macho. Apresenta dimorfismo sexual. O macho tem a cabeça acinzentada, um colar preto e branco no pescoço e a parte ventral muito branca (pescoço preto com dois colares brancos na primavera). A fêmea é mais pardacenta em toda a parte dorsal, tem o pescoço fino e a parte ventral num branco pintalgado. Na época da reprodução o macho possui penas cinzentas na cabeça e pescoço com uma “gravata“ branca. No Inverno apresenta a mesma plumagem pardacenta da fêmea. Alimenta-se essencialmente de folhas, flores, sementes e invertebrados. Ave gregária que ocorre em bandos durante o ano. No final do mês de Março o macho abandona os bandos e estabelece um território – área de Lek. No início de Abril a fêmea escolhe o macho para acasalar e este faz uma espectacular exibição nupcial de sons e movimentos, para atrair a fêmea. Após o acasalamento a fêmea procura um sítio para o ninho onde deposita os ovos, 3 a 4, directamente no chão. Os ovos são tapados com vegetação e são incubados apenas pela fêmea durante um período de 22 dias. As crias nascem, abandonam o ninho de imediato e durante as primeiras semanas de vida alimentam-se unicamente de insectos. Com a chegada do Verão o sisão junta-se novamente em bandos e vai para zonas com abundância de alimento. O rigor do Inverno traz o sisão de novo às zonas de reprodução.
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SisĂŁo | Little Bustard | Tetrax tetrax Castro Verde, Portugal, 06/2016
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SisĂŁo | Little Bustard | Tetrax tetrax Castro Verde, Portugal, 06/2016
SisĂŁo | Little Bustard | Tetrax tetrax Castro Verde, Portugal, 06/2016
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Paula Alçada Castela natural de Coimbra onde sempre viveu e onde exerce a sua profissão, médica oftalmologista. Tem como hobby a fotografia e como tema de eleição a natureza. Dedica-se especialmente à fotografia de aves. Para este livro escolheu as aves estepárias por serem uma das suas espécies preferidas. Participou em várias exposições coletivas. É co-autora do livro “aSpectusdeLuZ“ editado pela editora Almalusa em Maio de 2016.