"Ikonica" por Vasco Inglês

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Ikonika Va s c o I n g l e z



Prefácio Analisar a fotografia de Vasco Inglez (VI) significa ter a capacidade de transcender os referenciais espaço e tempo e entrar num universo mesmerizante em que personagem, cenário e observador se fundem num uno multimensionado. É, desta forma, absolutamente única e irreproduzível a sua capacidade de retirar de cada personagem que fotografa a plenitude da sua essência. Observa-se, neste livro, o seu “olhar” na forma de captar a plenitude da existência do ser humano. Cada fotografia é resultado da sua maneira de estabelecer a relação com o outro, vendo o seu melhor e potenciando-o, o que permite uma panóplia de opções estéticas na forma como o regista naquele momento. Na realidade, é da oscilação entre processos de algoritmos e heurísticas que a sua genialidade surge, tonando o complexo, simples e o simples, complexo, criando com o/a modelo um espaço dialéctico que se torna, com o observador, dialógico. As suas características pessoais estão completamente projectadas na forma como apreende, através da sua lente, a realidade externa, o que o torna criativamente paradoxal: o projectado captado pela lente é projectado por quem está por de trás da mesma. Assim, a sua integridade, o seu perfeccionismo e o seu humor, aliados a um intrincado sentido estético, resultam num conjunto intenso, de extrema densidade, que se encontra espelhado na presente obra. No seu trabalho, em profunda contradição com a conjuntura presente em que o homo sapiens sapiens olha mas não vê, ouve mas não escuta, VI consegue colocar o observador num plano em que consegue ver e escutar o que está a ser comunicado pela sua arte, tornado-o simultaneamente consciente e transcendente. Passado e presente fundem-se numa contemporaneidade intemporal. De salientar é, ainda, a sua extrema “juventude” no mundo da fotografia, o que augura um futuro extremamente auspicioso para a sua progressão, sendo a qualidade superior do seu trabalho, demonstrada até ao momento, já reconhecida e premiada pelo seus pares. Na realidade, já é possível observar a replicação das suas ideias e ideais por outros que, de forma por vezes ufana, procuram atingir a excelência criativa de VI, havendo um legado que se inicia, assim, no mundo diáfano da sua imaginação. VI, na presente obra, assume-se como uma referência completamente implementada neste meio, tornando a mesma obrigatória para qualquer profissional, amador, amante ou meramente apreciador desta forma de saber- saber e de saber-fazer a que se dá o nome de fotografia. José João Moura Vieira



“Nos teus me perco, cabelos universo. E amo segundos de ti em espirais de mim, visões de deuses, memórias que coloram o vento e ecoam nos teus, nos nossos sons, que abanam o tempo…”

Foto 01



“Hoje encontrei-me no vazio. Olhei-te e era eu em ti... E quando me vi eras tu em mim. Hoje encontrei-te no vazio, porque olhei para mim e vi-nos agarrados ao fio… do universo.”

Foto 05




Foto 11

“ Sonhei-te dourada e descoberta no cavalo de alabastro, descias a duna como eu te descia em via aberta, na doce e eterna bruma.�




“Pulsa rebelde liberdade foragida, que não há poema que te tome por vida nem música dos deuses que te segure os cabelos…”

Foto 16



“No vazio contrasto porque sou. Do branco sobressaiu e afirmo o meu ser. Com os meus passos mostro o que serei e da minha vontade faço vida.”

Foto 24


“A minha vida é um caos semântico entre a pena e o crivo de um sobrevoar romântico, além do sempre etéreo firmamento. Sublimo no espaço onde me confirmo e ganho corpo no espaço absorto onde me afirmo… É triste o singelo conforto, mas belo e sentido o gosto. Estou-me a tornar numa besta poética, uma fresta profética.”

Foto 30






Foto 39

“ Morreste-me quase a meu lado, quase de mão dada, quase no meio das nossas brincadeiras de criança... Morreste-me sem dizer nada, sem avisar, sem dizer adeus... Nunca mais te vi e ao teu sorriso e às tuas palavras que esqueci mas não enterrei em emoção….”

Foto 40


Foto 43


Foto 43

“No vazio contrasto porque sou. Do branco sobressaiu e afirmo o meu ser. Com os meus passos mostro o que serei e da minha vontade faço vida.”

Foto 44



“Assim me perco na desaceleração do teu calor, mesmo quando o breu te cobre a chama, o meu sentir em teu torpor a minha vida a voz inflama. Por detrás do candelabro exposto em cauda insana, o pêndulo fende o tempo em cor que a noite atende e a paz proclama…”

Foto 59


“ Inquestionável, inimitável, impossível, inatingível, impassível, individualista, impenetrável, intenso, imortal, independente, imoral, indecente, irascível, inimaginável, infatigável, insubordinado, intransigente, invisual ... porém vendo. Já lá vai...por detrás da vida…”

Foto 62



Epitáfio Aqui jaz Vasco Inglez. Pai, psicoterapeuta. Caçador de obscuridade. De obscuridade? Sim, obscuridade. Daquela obscuridade que, mais-coisa-menos-coisa, todos temos em quantidades industriais. Que nos corrói e participa na nossa decomposição interior e nos sussura, em gritos que escolhemos passivamente ignorar, que não somos perfeitos, que somos apenas pessoas ou, em casos extremos, que somos mesmo, mesmo maus. Isto corrói-nos e corrompe-nos, de facto. A menos que acabemos por escolher ouvir o que dizemos de nós para nós mesmos, desapertemos os nossos botões e reconheçamos que somos o que somos, seja isso o que for. Vasco Inglez faleceu de uma forma curiosa. Criava, como já era costume. Criava conceitos, ideias de uma beleza desafiante para quem não está habituado à extravagância ideológica da criação e da recriação do ambiente interior de outros. Criava pequenos sonhos de fim de tarde. Sim, também é verdade que Vasco Inglez vivia mentalmente num loft sem luz natural e nasceu num ano qualquer da Graça de um Senhor que acabou por perdê-la. Esse loft é aquele canto recôndito, aquele sótão trancado a cadeado na mente de toda a gente. Ali, o tempo não se mede em anos. Mede-se em quantos clicks se vive e se morre. Em função disso, Vasco Inglez criava também os pesadelos burlescos e luxuriantes do puritano médio. Era o némesis de quem tem demasiado medo daquilo que a morte não é nem nunca foi para viver a vida sem categorizar, julgar e atribuir culpa. Antagonizou-os, sempre que pôde. Na última vez que morreu aos meus olhos, o Vasco - posso só tratá-lo por Vasco agora, não posso? Ele gostava de epítetos mas detestava formalidades terrenas - estava a recriar uma espécie de panteão. O seu pragmatismo não deixava grandes dúvidas acerca da razão pela qual acabaria a recordá-lo aqui, sem whiskey e sem flores. Método e foco em riste ainda antes de desempacotar a lente. A distância é tudo. Suficientemente longe para ver tudo com clareza e

perspectiva, suficientemente perto para que a sua relação com o modelo alimente a troca estranhamente exotérmica. A ideia de escuridão quente é um pouco exótica, não é? Pareceu-me que sim. Mas é verdade. Recordo-me de um par de ocasiões em que acabei fotografado. “Epá, és sempre tu que ficas com a luz boa”, dizia-me ele. Que massada. Mas recordo-me sobretudo da minha reacção quando vi o resultado. Havia sempre conflito. Havia sempre sofrimento. Havia sempre arestas brutas, formas irregulares. E a escuridão, sempre lá. E era essa a fonte da tal exotermia. O atrito, a fricção, o conflito. Também morreu aí, recordo-me, mas não o via. Entretanto, enquanto escrevo isto, o Vasco recorda-me de que renasceu - “renasceu” porque a ressurreição é um conceito pequeno-burguês pelo qual ele não nutre particular interesse. Até porque, convenhamos, isso se tornou popularucho na Galileia há uns tempos atrás. “Epá, ó Daniel, essa coisa de renascer depois de morrer está gasta. Vi na televisão no outro dia”, já vos estou a ouvir. Se percebessem alguma coisa do que é a arte não gastavam latim com esse grandessíssimo disparate. E se calhar não gastaram. Nunca vou saber. Vida paga-se com vida. A arte é criação e a concepção de algo exige-nos. Exige de nós. Para lá do esforço, das horas sem descanso, do investimento pessoal e monetário. A arte que não é pessoal, costumo dizer, é engenharia. A arte exige o melhor - e muitas mais vezes o pior, o mais obsessivo, o mais desequilibrado e o mais irreconhecível - de nós. Não é possível investir na arte sem se morrer por dentro. Essa vida não se recupera. Agarramo-nos ao lembrete de que essa vida ainda tem uma manifestação física mas ela deixa de ser nossa, por muito que lá deixemos uma marca de água. Foi assim que morreu, vezes sem conta, Vasco Inglez. Foi bom recordar o Vasco convosco. Muito emotivo. Agora, se não se importam, tenho de ir encontrar-me com ele ou fico sem o meu tripé.

inglezvasco@gmail.com


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