9 minute read
EDUARDO LUNARDELLI
Pecuária brasileira de ponta é parte da solução para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa, afirma Lunardelli
O ex-secretário de Clima e Relações Internacionais do Meio Ambiente expôs sua opinião sobre o Brasil ser colocado como um vilão quando o assunto é clima e afirma que investir em uma comunicação competente e eficaz ajudará a combater a desinformação sobre o agronegócio brasileiro
Advertisement
Formado em Administração de Empresas pela FGV, com MBA por INSEAD (França), Eduardo Lunardelli Novaes é consultor, palestrante, empreendedor rural e selecionador de gado com a marca NeloreCEN – que tem 57 anos de mercado. Prestou serviço público no Ministério do Meio Ambiente entre 2019 e 2021, tendo ocupado os cargos de Secretário de Clima e Rela- ções Internacionais e Secretário Executivo-Adjunto. Lunardelli conversou com exclusividade com a equipe do Pecuária em Alta sobre a sustentabilidade na pecuária e a importância do investimento em uma comunicação competente para transformar a imagem do setor.
As mudanças climáticas têm ficado em evidência, sen- do pauta de estudos e muitos debates. A pecuária é apontada por muitos como uma das responsáveis pelo aumento do efeito estufa. Como o senhor, como ex-secretário de Clima e Relações Internacionais do Meio Ambiente, avalia essa classificação? Por que o Brasil é colocado como o papel de ‘vilão’ quando o assunto é clima? Como avalia essa percepção de parte da população e da mídia?
A pecuária brasileira de ponta é parte da solução para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa, seja pelo vigor no sequestro e armazenagem de carbono das pastagens tropicais bem manejadas, seja através da adoção sistemática de genética bovina melhoradora. Adicione a esses elementos a conservação de reservas legais e APPs e ninguém conseguirá competir com a carne e leite brasileiros do ponto de vista de pegada de carbono.
O Brasil é colocado no papel de vilão do clima essencialmen- te por duas razões. A primeira é que, sendo o país mais verde do planeta – em todos os aspectos relacionados ao campo – não interessa a nenhum país rico do mundo ter o Brasil como o modelo, como benchmark. São interesses econômicos e geopolíticos que se manifestam, acima de tudo, através de metodologias de contabilidade climática que pretendem pintar exatamente esse quadro. Um exemplo claro é que o que o IPCC chama de setor “Agricultura”. Como esse sistema contábil não considera ciclos de vida, do campo ao garfo, por exemplo, mas, sim, “setores” em verticais que não existem na natureza, na economia, o que consideram como agropecuária incorpora somente as emissões de gases das atividades. As remoções, a fotossíntese, por exemplo, são contabilizadas em outros setores. Tornar algo já complexo, o clima, em algo ainda mais complicado e inteligível para o cidadão comum é parte do interesse do chamado Regime Climático Global. São muitas reservas de mercado transitando interesses e influência.
O segundo é o desconhecimento e preconceito da opinião pública em relação à atividade agropecuária em geral. O setor passou décadas comprometido exclusivamente com seu negócio da porteira para dentro. De alguns anos para cá, no entanto, tenho a impressão de que se deu conta de que “quem não se comunica, se trumbica”; e, no caso, feio! Está se comunicando melhor e vai evoluir muito. É uma guerra, acima de tudo, cultural. E a pecuária nacional está, do ponto de vista técnico, muito bem-preparada para ela. Basta aproveitar os fatos como são em benefício da construção de sua imagem, de maneira definitiva.
No que diz respeito às relações internacionais do Meio Ambiente, o que o senhor acha que precisa ser feito para melhorar a imagem do Brasil lá fora?
Tivemos a oportunidade de conversar pessoalmente com alguns dos veículos de comunicação mais influentes dos Estados Unidos e da Europa, em 2019. Fizemos a mesma pergunta a todos: “qual a fonte de informações para as matérias que vocês publicam sobre o Brasil?” As respostas eram, invariavelmente, iguais: “como não temos correspondentes no Brasil, nossa fonte de informação é a mídia brasilei- ra.” Isso é muito representativo da origem do problema. É difícil você ver um americano, um japonês, um alemão falando mal de seu país de forma sistemática no exterior. Aqui, não, parece ser a regra.
Então, o que pode ser feito para se mudar isso? Creio que a resposta contemple dois públicos. Primeiro, a turma da pesquisa agropecuária aplicada, que precisa ocupar espaços na produção de ciências climáticas na qual quem domina são aqueles que não conhecem, nem gostam da atividade. O segundo, o próprio produtor, que deve compreender que ocupa hoje um espaço nos mercados globais, que incomoda muita gente. Precisa se comportar à altura da importância que conquistou, articular-se da porteira para fora e aprimorar sua comunicação. Só assim sua imagem será transformada, primeiro aqui, depois lá fora.
Um dos apontamentos para atribuir a responsabilidade dos problemas climáticos à pecuária é devido à produção de metano pelos ruminantes. Essa produção de gás metano entérico é realmente impactante para o Meio Ambiente?
O que dizem os mais recentes estudos a esse respeito?
Os estudos que têm repercutido na mídia não servem para responder à pergunta, por que não tratam a emissão de metano oriunda da fermentação entérica como parte de um sistema, como de fato é, mas como um elemento isolado na natureza?
Em primeiro lugar, há de se fazer a distinção entre metano biogênico, aquele que faz parte de ciclos naturais - como o oriundo de atividades pastoris - e o metano abiogênico, de atividades não naturais como a exploração de petróleo e gás. Enquanto as atividades relacionadas ao primeiro emitem gases, mas também os removem, nas do segundo, não, só emitem.
O metano emitido pelos ruminantes se transforma em carbono na atmosfera e, em seguida, é removido através da fotossíntese das pastagens, que, por sua vez, são consumidas pelo animal. Esse é o ciclo, e o ciclo é fechado. Em segundo lugar, novamente, há grandes desafios devido à falta da confiabilidade das metodologias de cálculo de poder de efeito estufa do metano e de seus fatores de conversão (volume de emissão/remoção por unidade).
É primordial que o Brasil produza suas próprias metodologias, adaptadas à realidade de seus ambientes de produção. Por fim, existem lobbies poderosos a quem interessa que o metano surja como um novo vilão climático por intermédio, por exemplo, do Manifesto Global do Metano, articulado no âmbito das Nações Unidas em 2021. É nesse contexto, também, que se demonstra a importância de maior concertação do setor rural perante a sociedade brasileira.
O Programa Metano Zero, do Governo Federal, é uma oportunidade para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, custos de combustível e energia? Qual deve ser o foco do programa e de que forma impactará a vida dos produtores rurais?
Ciente de todos os elementos que mencionei acima, o Governo Federal lançou o Programa Metano Zero, que se baseia na diminuição da emissão de metano oriundo da decomposição orgânica. O programa, portanto, em respeito às características naturais das atividades relacionadas à fermentação entérica, não impõe nenhuma restrição à atividade, o que seria desastroso, inclusive do ponto de vista ambiental. Cria, aí sim, mecanismos de incentivo para o aproveitamento energético de processos de tratamento de resíduos orgânicos de origem urbana – o lixo – ou rural. Pode ser potencialmente atraente para produtores em sistemas intensivos de produção, a depender de como o mercado vier a se organizar. Como esse programa, se mantido, será capaz de entregar metas nacionais de redução de metano que porventura vierem a ser negociadas pelo Brasil, a pecuária nacional está preservada como atividade econômica.
A menos, claro, que mudanças radicais de posicionamento por parte do Governo venham a ocorrer, o que não é impossível. Como, por exemplo, taxar a atividade. Isso pode se dar diretamente, ou de forma disfarçada, através de quotas, o que eles chamam de “mercado” cap and trade. O Acordo de Paris, por exemplo, é estruturado dessa forma. Você coloca metas e, quem não atingir, pode comprar títulos de quem houver superado a meta. Isso é imposto indireto a ser arcado pelo agente econômico, pela cadeia, pelo consumidor e, por fim, pela sociedade. O setor precisa ficar atento à regulação do “mercado” de carbono que tramita hoje no Congresso Nacional. Há um poderoso lobby que defende, no limite, a imposição de redução do rebanho nacional.
O que você achou do aumento da visibilidade da Campanha “Segunda sem carne”, apontada como o ‘início’ de uma ‘solução’ para os problemas climáticos, com a redução das emissões de carbono e até relacionando ao desmatamento?
Toda iniciativa que vise a acabar com o consumo de carne, seja por intermédio cultural (segunda sem carne, veganismo, o “pum” da vaca), seja regulatório (decorrentes, por exemplo, de legislações “climáticas”), se implementada, trará consequências desastrosas. O comprometimento à segurança alimentar e à geração de emprego e renda é óbvio. Menos evidente, mas tão importante, são as consequências ao meio ambiente, que seriam igualmente devastadoras, especialmente no Brasil. Imagine, por exemplo, que houvesse a imposição de diminuição do volume de emissão de metano originado através da fermentação entérica! A única forma de se conseguir isso, no agregado nacional, em um horizonte de oito anos, é reduzindo-se o rebanho nacional. Não há outra forma.
Façamos uma comparação com o que ocorre hoje na Holanda, onde se decidiu que, para se reduzir a emissão de óxido nitroso – outro gás de efeito estufa, o país terá que diminuir seu rebanho bovino. Imaginemos algo assim aqui. As pastagens brasileiras ocupam solos pobres, que não têm viabilidade para a agricultura. Se você impõe diminuição de rebanho, despenca a rentabilidade e capitalização do pecuarista, e, portanto, a qualidade do manejo de pastagens. O processo, como sabemos, é vicioso. Em vez de continuarmos a recuperar dezenas de milhões de hectares de pastagens degradadas, o oposto ocorrerá. Essas pastagens entrarão, então, em processo de desertificação que, além de significar a perda de terras cultiváveis, é grande emissor de metano por conta da degradação de tudo o que é matéria orgânica. Ao final, sobra areia. Em suma, se “segunda sem carne” pretende destruir a demanda, as regulações ambientais radicais pretendem destruir a oferta. Mas o objetivo é o mesmo: acabar com o consumo de carne bovina.
Até 2030, o Brasil deve reduzir 30% das emissões de metano, conforme compromisso firmado durante a COP26. Como o senhor acha que o país cumprirá esse acordo?
O Brasil não assumiu compromisso de redução de metano na COP26. Ao assinar o Manifesto Global de Metano – construído pelos EUA e Europa, paralelamente, ao Acordo de Paris – simplesmente manifestou seu interesse em colaborar com os demais signatários para que o mundo reduza em 30% suas emissões de metano em 2030 em relação a 2020. Trata-se de um manifesto, não de um acordo. De qualquer maneira, demonstrando competência, agilidade e visão virtuosa do potencial verde do Brasil, o governo anterior foi pioneiro na formulação de política pública para a redução desse gás, através do Programa Metano Zero. O programa se baseia em três oportunidades. Tratamento de resíduos orgânicos urbanos, contribuindo com o Marco Legal do Saneamento e sua meta de universalização do tratamento de lixo no Brasil em dez anos. O segundo, aproveitar a capacidade brasileira de geração e adoção de energias renováveis, no caso, biometano. E o terceiro, a competência do produtor rural brasileiro no aproveitamento de resíduos agrícolas, já que seus sistemas de produção correspondem, precisamente, ao que se chama de economia circular. Em suma, mais uma vez o Brasil tem o potencial de ser exemplo para o mundo.
Apesar de pouco falado na mídia geral, os pecuaristas e produtores têm se preocupado com os impactos ambientais e investido em técnicas e ferramentas para diminuir o impacto ao Meio Ambiente. Como o senhor, como produtor rural, avalia essa mudança comportamental? E quais são as novas tecnologias investidas para que essas mudanças impactem, positivamente, o Meio Ambiente?
Honestamente, na minha opinião, salvo aqueles que atuam em determinados nichos, o pecuarista, em geral, tem é que focar em aumento de lucratividade e eficiência de sua atividade, sempre em respeito ao Código Florestal. É exatamente dessa forma que os indicadores ambientais de sua propriedade, inclusive climáticos, sobem. Como a pecuária brasileira opera, majoritariamente, em solos pobres, quando o produtor aumenta a capacidade de sua propriedade, através de investimento em pastagem, ele aumenta a fotossíntese e remoção de carbono da atmosfera, aprimora a cobertura de solo com respectivo aumento de carbono armazenado, e assim por diante. Quando investe em genética melhoradora, aumenta o giro, o desfrute, enfim, a eficiência no uso do escasso recurso chamado terra. Boas APPs também deverão ajudá-lo na conservação e disponibiliza - ção de água. Do ponto de vista ambiental, é crucial que o pecuarista cuide da saúde financeira de sua atividade, porque o que observamos é que o meio ambiente sofre justamente quando o pecuarista se descapitaliza.
Na sua opinião, como o Brasil (e a pecuária) pode e deve avançar para reduzir os impactos ambientais e continuar alimentando o mundo?
Propriedades de baixa eficiência, com pastagens degradas, são indesejáveis, tanto do ponto de vista de produção de alimentos, de sustentabilidade, como também da ótica do bolso do pecuarista. As três coisas caminham juntas. Portanto, o Brasil deve seguir buscando aumento de eficiência e produtividade na produção pecuária. Por outro lado, a exemplo do que vimos no passado, quando lobbies conseguiram convencer o mundo de que consumo de carnes era prejudicial à saúde - quando na realidade a ciência honesta comprovou o oposto, o combate ao consumo de carne, seja por motivos culturais ou supostamente ambientais, tem que ser, profissionalmente, enfrentado. No médio prazo, não tenho dúvida de que os fatos – facilmente demonstráveis na natureza –prevalecerão. Mas, para isso, o setor precisa se mobilizar, se articular, comunicar com competência, enfim, transformar sua imagem.