INDÍGENAS


O presente trabalho foi desenvolvido por estudantes do Instituto de Ciências, Tecnologia e Inovação da Universidade Federal da Bahia como parte das exigências do curso Educação em Diretos Humanos, orientado pelo Prof. Dr. Marcos de Souza, e tem como objetivo informar a população acerca dos direitos dos indígenas e das dificuldades enfrentadas por essas comunidades.
“São povos indígenas os vários grupos étnicos que habitam um determinado território desde tempos imemoriais, ali se encontrando milénios antes das invasões e colonizações, e que continuaram a se desenvolver da maneira tradicionalmente por eles conhecida , com suas manifestações culturais e hábitos, mantendo-se distintos dos outros setores da sociedade que atualmente vive em tal território.”
-Curso de Direitos Humanos de Valério de Oliveira Mazzuoli
Indígena Kaxinawá (Fonte: PIXABAY)
“Em essência o índio é um ser humano que teceu e desenvolveu sua cultura diretamente ligado à natureza.”
-A terra dos mil povos, 1998.
Os colonizadores portugueses chegaram ao territorio e encontraram os povos nativos que aqui habitavam- referidos na constituição como povos originários- . Porém a relação não foi harmoniosa, uma prova é a herança do termo generalista "índio" usado nas americas para designar os descendentes dos povos nativos decorrente do engano cometido por Cristóvão Colombo que pensava ter chegado a Índia. As várias etnias nativas no Brasil preferem serem indentificadas sob o termo "indígena".
Os colonizadores começaram a explorar as riquezas ambientais do Brasil e também seus habitantes, um seculo depois de sua chegada os 5 milhoes da população de indigenas foram reduzidos a 90%, por causa das doenças trazidas pelos portugueses, da violência, do trabalho forçado e da invasão as suas terras prejudicando sua sobrevivência.
Em 1757 a coroa portuguesa promulgou a primeira lei proibindo a captura e escravização de indígenas no Brasil. No entanto, a lei não foi o fim dos seus problemas já que essas pessoas não tinham lugar na nova sociedade, sofriam preconceito, tiveram seus territórios tomados e ainda sofriam caça mesmo que ilegal.
Segundo o senso do IBGE de 2020 os indígenas correspondem cerca de 0,83% da população brasileira e ainda enfrentam dificuldades em relação ao preconceito racial, acesso a educação e a saúde, falta de representatividade politica, violência e direito sobre seus territórios.
Existem comunidades isoladas sem relações com a sociedade nacional e as comunidades de contato. Algumas das comunidades mais populosas no Brasil hoje são: Macuxi em Roraima, Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul e Tikuna no Amazonas.
Há uma diversidade de mais de 150 línguas indígenas ainda faladas, divididas em troncos linguísticos como Tupi-Guarani, Macro-Jê, Aruak e Karib. Essas línguas carregam saberes únicos e formas de ver o mundo que não têm tradução direta.
Uma diversidade cultural que contribuiu para formação do Brasil como pode-se observar na influencia sobre o vocabulário como os casos das palavras: “abacaxi”, “socar” e “tocaia” cuja origem etimológica vem do tupinambá. E na culinária com os pratos: tapioca, pamonha e tacacá.
Mesmo após a proibição da escravização indígena, missões jesuítas reuniram-os em campos missionários numa tentativa de “civilizá-los”. Surgindo as primeiras leis indigenistas, criadas para proteger os índios, no entanto forçava a adoção dos costumes do colonizador. A primeira dessas políticas foi o Regimento das Missões decretado 1686 que permitia que os índios capturados fossem reunidos e catequizados nos campos de missões. Eles eram proibidos de falar sua língua, vestir-se do jeito costumeiro, de sua religião, de moradias comunais e tradicionais. Deveriam viver tal qual os colonizadores e trabalhar onde fossem designados, além de pagar o dízimo
Ademais os indígenas são de fundamental importância para a preservação da fauna e da flora Brasileiras, já que possuem conhecimento ancestral sobre a vegetação de cada região do pais. Eles seguem regras culturais e espirituais que regulam a caça e a pesca, evitando a exploração excessiva de espécies, os territórios indígenas muitas vezes funcionam como barreiras contra o desmatamento e a degradação ambiental, preservando grandes áreas de biodiversidade. Um exemplo foi compartilhado pelo portal virtual de noticias MidiaNinja em 26 de Agosto de 2024. O líder da tribo Guarani da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo compartilhava um projeto para restaurar a população de abelhas sem ferrão fundamentais para a polinização da Mata Atlântica, desaparecidas devido a mudanças climáticas.
Vigília Indígena no Congresso Nacional para garantir que seus direitos seriam inclusos na constituição (Fonte: Beto Ricardo/ISA 1988)
Embora houvesse trocas de regimes e governos e as leis tenham mudado de nome, a mesma ideia de “civilizar” os índios permaneceu. Um exemplo é o Serviço de Proteção ao Índio criado em 1910 já no Brasil Republica, que não atendia as petições feitas pelos indígenas ao invés, atuava como um facilitador para os grandes donos de terra que tinham interesse em seus territórios. Foi durante o período da ditadura militar, na década de 70 que o ativismo indígena se fortaleceu e pressionou as autoridades para que as decisões e representações políticas acerca dos povos originários, fossem feitas por representantes indígenas. Logo mais, a Constituição de 1988 previa a garantia dos direitos indígenas principalmente nos parágrafos 231 e 232.
A deputada Joenia Wapichana, primeira mulher indígena eleita para um cargo de deputada federal no Brasil, durante sessão de posse dos Deputados Federais para a 56ª Legislatura - ISA 2019
A Constituição assegura a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários e garante o uso exclusivo dos recursos naturais presentes nelas presentes. Assim, continuando a pratica de suas tradições, línguas e costumes em seus territórios ancestrais. Além de garantir sua subsistência, através de atividades como caça, pesca e agricultura. Ademais, as terras indígenas são reconhecidas como áreas de conservação da biodiversidade e de mitigação das mudanças climáticas.
A demarcação de terras indígenas é um processo administrativo essencial para oficializar e delimitar essas áreas, conduzido pela FUNAI, se dá pelas etapas de: identificação e delimitação da área com base em estudos técnicos e antropológicos; emissão de uma portaria declaratória pelo Ministério da Justiça; demarcação física da área; homologação pelo Presidente da República por meio de decreto; e, por fim, o registro da terra no cartório local e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU)
Além disso, o Art. 215 da Constituição afirma que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Esse artigo reforça a obrigação do Estado em promover e proteger as práticas culturais indígenas, incluindo suas tradições, costumes e práticas espirituais. Essas manifestações culturais são intrinsecamente ligadas à relação dos povos indígenas com a natureza e o cosmos, influenciando suas formas de organização social, manejo sustentável dos recursos e modos de vida.
Direito à Autodeterminação
O direito à autodeterminação garante aos povos indígenas a possibilidade de organizarse social, política e economicamente de forma autônoma, respeitando suas tradições, valores e sistemas de governança. Esse direito é amplamente reconhecido no âmbito internacional, como no Artigo 3º da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que afirma: “Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”.
É garantido o acesso a serviços que respeitem suas práticas tradicionais e conhecimentos ancestrais A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), instituída em 2002, estabelece diretrizes que promovem a articulação entre os saberes indígenas e o sistema oficial de saúde Através de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) que consideram aspectos geográficos, culturais e epidemiológicos para oferecer serviços de saúde adequados às especificidades de cada comunidade.
O Direito Processual Indígena no Brasil assegura o acesso à justiça respeitando as especificidades culturais dos povos indígenas, conforme garantido pela Constituição Federal de 1988 nos artigos 231 e 232. A Resolução nº 287/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reforça essas garantias ao estabelecer diretrizes para adaptar os processos judiciais às particularidades culturais e linguísticas dos povos indígenas.
O direito à proteção dos povos indígenas no Brasil é garantido pela Constituição Federal de 1988, que assegura suas terras, cultura e organização social, e pela Convenção 169 da OIT, que reforça a obrigação de proteger sua integridade
A educação diferenciada assegura que os indígenas no Brasil recebam um ensino que valorize sua cultura A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9 394/1996 nos artigos 78 e 79, determina que a União deve desenvolver programas integrados de ensino e pesquisa para a oferta de educação bilíngue e intercultural aos povos indígenas. Esses dispositivos legais visam garantir a educação escolar diferenciada, intercultural, multilíngue e comunitária, conforme as particularidades de cada povo Porém há desafios, como a formação de professores indígenas, a produção de materiais didáticos específicos e a adequação curricular que contemple as particularidades culturais e linguísticas de cada etnia
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) promove mutirões para emissão de documentos básicos, como RG e CPF, em consulta com as comunidades, beneficiando milhares de indígenas em diversos territórios. Apesar dos avanços, desafios como barreiras linguísticas e a necessidade de tradutores ainda dificultam o acesso pleno à documentação, ressaltando a importância de ações contínuas para inclusão e igualdade de direitos.
Os povos indígenas no Brasil têm direito à assistência e previdência social promovidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que assegura o acesso diferenciado, respeitando especificidades culturais Indígenas que exercem atividades rurais são considerados segurados especiais, tendo direito a benefícios como aposentadoria por idade, auxíliodoença, salário-maternidade e pensão por morte
• Ministério dos Povos Indígenas (MPI): Criado em 2023, o MPI é responsável por formular e coordenar políticas públicas voltadas aos povos indígenas.
• Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973): Este estatuto estabelece os direitos civis e políticos dos indígenas, além de regulamentar a posse e o uso de suas terras
• Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT): Esta convenção assegura aos povos indígenas o direito de fortalecer suas culturas, formas de vida e instituições, além de participar efetivamente das decisões que os afetam
• Lei nº 11.645/2008: Torna obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos oficiais da rede de ensino, promovendo o reconhecimento e valorização da contribuição desses povos na formação da sociedade brasileira
Pirakumã Yawalapiti sendo barrado pela Polícia Militar do Distrito Federal, na entrada do Congresso Nacional. Mobilização Nacional Indígena, outubro de 2013.
(Fonte: André D’Elia)
Brigadas indígenas do Prevfogo/Ibama combatem incêndio florestal na Terra Indígena Porquinhos, no Maranhão (Fonte: ISA 2018)
Em abril de 2023, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou seis terras indígenas, incluindo a TI Kariri Xocó, em Alagoas, com 4 mil indígenas. Apesar disso, a permanência de invasores no território tem gerado conflitos e ameaças contra os ocupantes tradicionais, situação agravada em 2024 com novos episódios de violência relatados Os Kariri Xocó enfrentam limitações para subsistência devido à presença de aproximadamente 200 invasores, que ocupam terras, liberam gado nas plantações e continuam comercializando áreas irregularmente. A Funai reconheceu a falta de recursos para desintrusão, enquanto ações judiciais e ameaças de posseiros reforçam a insegurança no território
As lideranças indígenas pedem maior atuação do Estado, como a identificação de ocupações irregulares por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e campanhas educativas para evitar novas invasões Além disso, reivindicam a retirada completa dos invasores e a demarcação efetiva para garantir sua autodeterminação Litígios sobre a posse e contestação da demarcação seguem em curso, com denúncias encaminhadas ao Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, enquanto a situação continua prejudicando a integridade e a subsistência do povo Kariri Xocó -Conselho Indigenista Missionário
Antes da Constituição de 1988, a imputabilidade penal dos indígenas era orientada pela menor ou maior integração à cultura dominante Acreditava-se que os índios viviam um estágio transitório e que, mais cedo ou mais tarde, eles deixariam de ser índios A Constituição reconheceu aos índios o direito de manter a sua organização social e o direito de ser diferente, abrindo espaço para outro tratamento a respeito da capacidade civil e da responsabilidade criminal dos índios O novo Código Civil, aprovado em 2002, retirou os indígenas das pessoas consideradas relativamente incapazes e estabeleceu que a capacidade dos índios será regulada em lei específica.
-Ana Paula Caldeira Souto Maior, advogada do Programa de Política e Direito Socioambiental, do Instituto Socioambiental (ISA) Junho de 2011
A comunidade Kariri-Xocó pertence ao grupo dialetal Dzubukuá e representa a fusão de uma variedade de agrupamentos tribais segregados pela colonização e catequese jesuíta - Foto: Divulgação / Gov de Alagoas
A obra A Terra dos Mil Povos, de Kaká Werá, promove a percepção de como as tradições indígenas das Américas contribuem para a diversidade de conhecimentos, perspectivas e a construção de novas visões de mundo para índios e não índios.
O Instituto Socioambiental (ISA) é uma organização não governamental brasileira fundada em 22 de abril de 1994 com o objetivo de defender os direitos dos povos indígenas do Brasil.
Conheça abaixo exemplos de soluções desenvolvidas pelo ISA e seus parceiros locais e nacionais:
Copiô, Parente, o primeiro podcast feito no Brasil para os povos da floresta Monitoramento do SIRAD - Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento Xingu Solar, projeto de promoção de energia fotovoltaica no Xingu
Como acontece a demarcação?
O ISA acompanha de perto as propostas de políticas públicas e tomadas de decisão, seja do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário, que possam impactar diretamente povos indígenas, populações tradicionais, seus territórios e direitos coletivos. Além disso, a organização busca formular e apresentar alternativas às políticas públicas que resultem no aumento da proteção do meio ambiente e na garantia dos direitos das populações que vivem e preservam seus territórios
Por que demarcar terras indígenas pode diminuir o aquecimento global?
Porque as terras Indígenas são as mais eficazes para manutenção dos estoques de carbono?
A proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas no Brasil são temas fundamentais que envolvem uma série de aspectos legais, culturais e sociais Apesar dos avanços institucionais e legislativos, ainda há desafios significativos, como a demora no processo de demarcação de terras, o preconceito histórico e as barreiras de acesso à justiça, saúde e educação, entre outros
A conscientização e a reflexão sobre o papel dos povos indígenas na formação do Brasil são essenciais para combater preconceitos e valorizar a diversidade cultural É por meio do conhecimento e do reconhecimento de suas tradições, línguas, saberes e contribuições para a sustentabilidade e a preservação ambiental que a sociedade pode promover uma convivência mais respeitosa e harmônica
Ao garantir o respeito e a inclusão dos povos originários, o Brasil fortalece não apenas sua democracia, mas também a riqueza cultural que define sua identidade É imprescindível que todos, sejam cidadãos, acadêmicos ou instituições, se engajem ativamente nessa causa, apoiando iniciativas, pressionando por políticas públicas mais eficazes e promovendo a conscientização sobre a importância dos povos indígenas
Cassia Anjos
Fernando Loureiro
Gabriela Nascimento
[1] "BRASIL. [Constituição (1988)]"
[2] INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Página oficial do Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em: https://www.socioambiental.org/. Acesso em: 11 jan. 2025.
[3] DANTAS, F. A. de C. Descolonialidade e direitos humanos dos povos indígenas. Revista de Educação Pública, [S. l.], v. 23, n. 53/1, p. 343–367, 2014.
[4] FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS (FUNAI). Abril indígena: entenda as etapas de demarcação de terras indígenas. Disponível em: https://www.gov.br/funai/ptbr/assuntos/noticias/2024/abril-indigena-entenda-as-etapas-de-demarcacao-de-terrasindigenas. Acesso em: 11 jan. 2025.
[5] JUSBRASIL. Os direitos dos povos indígenas na Constituição de 1988. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-direitos-dos-povos-indigenas-naconstituicao-de-1988/494664675. Acesso em: 11 jan. 2025.
[6] MÍDIANINJA. Reentrodução de abelhas. Disnponível em: https://midianinja.org/reintroducao-de-abelhas-iniciativa-guarani-para-preservar-amata-atlantica/