Fragmentos de Alverca - História e Património

Page 1

Fragmentos de Alverca

|1|


Fragmentos de Alverca

|2|


Fragmentos de Alverca

Anabela Ferreira

FRAGMENTOS DE ALVERCA Hist贸ria e Patrim贸nio

Junta de Freguesia de Alverca do Ribatejo Fragmentos de Alverca | 1

|3|


Fragmentos de Alverca

|4|


Fragmentos de Alverca

Fragmentos de Alverca: História e Património Edição e Propriedade Junta de Freguesia de Alverca do Ribatejo Autora Anabela Ferreira Capa e Paginação Carla Félix Créditos Fotográficos Anabela Ferreira (AF) Marco Aurélio (MA) Museu Municipal de Vila Franca de Xira Núcleo de Alverca (MMVFX-NA) Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) Impressão Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. Tiragem 1000 exemplares ISBN 978-989-20-1706-8 Depósito legal 299 825/09 Impressão Setembro de 2009

|5|


Fragmentos de Alverca

|6|


Fragmentos de Alverca

ÍNDICE

Afonso Costa Presidente da Junta de Freguesia de Alverca do Ribatejo ................................................................................... 7 Biografia da autora .................................................... 9 Introdução ................................................................ 11 Breve História do Concelho de Alverca ...................... 13 Interpretação da Simbologia Presente no Pelourinho Quinhentista de Alverca ........................................... 19 A Construção da Estrada Real de D. Maria I e Marco de IV Légua em Alverca ............................... 23 Alverca no decorrer das Invasões Francesas ............. 27 Conhecer o Núcleo Histórico de Alverca ................... 31 Misericórdia de Alverca ............................................ 39 Memórias de Alverca na Epigrafia Local ................... 45 Elementos para a História da Morte em Alverca ....... 49 Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira ...................................................................... 53 Oficinas Gerais de Material Aeronáutico ................... 57 O Hangar de Balão das OGMA ................................. 61 Bibliografia .............................................................. 66 Anexos ..................................................................... 75

|7|


Fragmentos de Alverca

|8|


Fragmentos de Alverca

Fragmentos de Alverca: História e Património

Quando em 2005 assumi os destinos da freguesia de Alverca do Ribatejo, uma das tarefas a que me propus, foi a preservação e divulgação do património histórico de Alverca. Uma preservação não só física como do conhecimento.

Ao longo destas páginas vamos encontrar o fruto de um trabalho exaustivo de investigação profunda que vai desde a atribuição (ou não) do foral, ao brasão, a história do concelho de Alverca, o castelo, a casa da câmara, a toponímia, lugares e quintas ou a morte na freguesia, desvendando desta forma, alguns elementos da nossa História, nunca antes estudados a par de uma História recente, como é o caso do estudo sobre as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico.

Neste campo, deparámo-nos de imediato com uma enorme falta de elementos, o que transformou a minha intenção num desafio. Era essencial compilar informações, investigar e apresentar aos alverquenses uma obra rigorosa.

Espero que ler esta obra, vos dê o mesmo prazer que nos deu editá-la e que a mesma sirva de incentivo, a que outros se debrucem sobre o estudo de Alverca, área onde há ainda um longo caminho a percorrer.

Este projecto contou desde o primeiro momento com o apoio da Dra. Anabela Ferreira, actual responsável pelo Núcleo Museológico de Alverca, licenciada em História e cujo Mestrado incidiu em Estudos do Património e Doutoranda em História Moderna. Senhora dum método de investigação rigoroso, dotada dos conhecimentos necessários, deu corpo à obra que agora vos apresento.

O Presidente da Junta de Freguesia

Afonso Costa |9|


Fragmentos de Alverca

| 10 |


Fragmentos de Alverca

Anabela Ferreira Licenciada em História, Mestre em Estudos do Património, Doutoranda em História Moderna. Integra o grupo de investigação Europa e o Mundo, do projecto europeu CLIOHnet 2 – Rede Temática Sócrates-Erasmus. Tutora da Universidade Aberta.Exerce funções no Museu Municipal de Vila Franca de Xira desde 1990, responsável pelo Núcleo de Alverca. Bibliografia Artigos de cariz científico “A Casa da Câmara de Alverca”, Alverca da Terra às Gentes, Catálogo da Exposição, Museu Municipal de Vila Franca de Xira – Núcleo de Alverca, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Novembro 2007, pp. 73-86. “Alverca no decorrer das Invasões Francesas”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 18, Outubro/Novembro 2007, pp. 10-12. “Breve História do Concelho de Alverca – Extinção”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 16, Junho/Julho 2007, pp. 15-17. “Breve História do Concelho de Alverca – Fundação”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 15, Abril/Maio 2007, pp. 10-12. “Conhecer o Núcleo Histórico de Alverca – As Casas Populares e reminiscências de uma Arquitectura Camarária”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 23, Julho/Agosto 2008, pp. 12-14. “Conhecer o Núcleo Histórico de Alverca – As Ruas”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 22, Maio/Junho 2008, pp. 12-14. “Conhecer o Núcleo Histórico de Alverca – Património Edificado”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 21, Março/Abril 2008, pp. 10-12. “Interpretação da simbologia presente no pelourinho quinhentista de Alverca”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 13, Janeiro/Fevereiro 2007, pp. 12-13. “Marco de IV Légua da estrada real e D. Maria I”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 14, Março 2007, pp. 12-13. “Memórias de Alverca na Epigrafia Loca!”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 24, Novembro/Dezembro 2008, pp. 11-12. “Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira”, Xirapress – Revista do Concelho de Vila Franca de Xira, Ano II, n.º 19, Dezembro 2007, pp. 10-12. “Projecto-Piloto em Vialonga: O Museu de Vila Franca de Xira e o trabalho com adultos”, em parceria com Clara Camacho e Inocêncio Casquinha, Boletim Cultural Cira 9, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Maio 2005, pp. 63-71. “Quando o sol dá horas” – Notícias de Alverca [Jornal Regional do Concelho de Vila Franca de Xira - Mensal], Ano IX, nº 62, Setembro 1992, p. 4.

Publicações para a Infância Histórias do Palácio do Sobralinho, ilustrações de Paulo Monteiro, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira – Pelouro da Cultura – Museu Municipal em parceria com a Rede Portuguesa dos Museus, Maio de 2003. Lenda da Senhora do Bom Sucesso, ilustrações de Carla Félix, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca do Ribatejo, Setembro 2009. Lenda da Fonte do Choupal, ilustrações de Carla Félix, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca do Ribatejo, Maio 2008. Lenda do Castelo de Alverca, ilustrações de Carla Félix, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca do Ribatejo, Outubro 2007. Lendas, Mitos e Histórias de Vila Franca de Xira, ilustrações de Paulo Monteiro, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira – Pelouro da Cultura – Museu Municipal Maio de 2000. Mouras Encantadas e Outras Histórias, ilustrações de Paulo Monteiro, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira – Pelouro da Cultura – Museu Municipal Maio de 1999. Ploc e Outros Contos, Lisboa, DIFEL, Março de 1999.

| 11 |


Fragmentos de Alverca

| 12 |


Fragmentos de Alverca

INTRODUÇÃO Fazer História é tarefa árdua. As fontes são elementos indispensáveis. É necessário descobrilas, analisá-las, seleccionar as que são relevantes para o trabalho a realizar, cruzar informações. É só o princípio. Nos estudos de História Local as fontes podem ser um problema. Na maior parte das vezes as fontes documentais são escassas, por vezes encontram-se dispersas. Frequentemente temos indicações da sua existência de forma indirecta, quando referidas noutros documentos, tornandose um risco citá-las, afinal sabemos o quanto as informações indirectas podem ser imprecisas. Apesar de tudo isso a História Local, aos poucos vai-se compondo.

Embora a História de Alverca esteja, de facto, ainda em construção, a investigação, que se tem vindo a realizar, permite dar a conhecer uma série de elementos para a sua compreensão. Muito se avançou relativamente ao estudo do Concelho de Alverca, hoje conhece-se a sua origem e os factores que levaram à sua extinção. O património da cidade tem vindo a ser valorizado como a antiga casa da Câmara, o Pelourinho, o Marco de IV légua da Estrada Real de D. Maria I. As memórias da antiga povoação têm vindo a ser aprofundadas, como aconteceu com a recente investigação relativa ao convento de São Romão. A História recente tem, também, sido alvo de atenção, aspecto exemplificado com o estudo que incidiu sobre as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico.

Com este trabalho pretende-se contribuir não só para o conhecimento dessa História, mas também para o fornecimento de pistas que permitam outras investigações, as quais possam complementar este estudo.

A convite da Junta de Freguesia de Alverca, juntam-se nesta edição, os artigos de investigação que, desde 2007, têm vindo a ser editados pela Xira Press (a revista do Concelho de Vila Franca de Xira), e outros dentro do mesmo âmbito ainda não editados, pois tornava-se pertinente uma edição que desse a conhecer alguns dos estudos recentes, de modo a que, de alguma forma, se pudesse estimular futuras investigações, as quais possam engrandecer, ainda mais, a História de Alverca.

Todos os textos presentes neste livro são fruto de uma profunda investigação, levada a cabo ao longo de vários anos, e todos eles dizem respeito à história e património local. Apesar desses estudos há ainda muito por investigar e por divulgar relativamente à História de Alverca. O fundo do Concelho de Alverca, guardado no Arquivo Histórico de Vila Franca de Xira, e os livros dos Tombos das Capelas de D. Afonso IV, que se podem encontrar na Torre do Tombo, são apenas dois exemplos de conjuntos de documentos, compostos por milhares de páginas, respeitantes a essa História, que precisam de análise mais profunda. | 13 |


Fragmentos de Alverca

| 14 |


Fragmentos de Alverca

BREVE HISTÓRIA DO CONCELHO DE ALVERCA

A história do Concelho de Alverca era, até há bem pouco tempo, quase desconhecida, os dados referenciados na bibliografia disponível, eram escassos e imprecisos. O estudo das fontes levou à conclusão que, muito do que se acreditava ser a história de Alverca, não passava do fruto da imaginação de autores do século XIX. É o caso do foral que, ao contrário daquilo que afirmam muitos autores, não se encontram vestígios de alguma vez ter existido semelhante documento outorgado a esta povoação.

se encontrou qualquer referência a tal doação a Alverca. Um estudo cuidado, permitiu perceber que se algum dia esta povoação teve foral tal documento foi perdido de modo definitivo. Não há como saber quem o doou ou quando o fez, provavelmente nunca existiu. Sem dúvida o foral é uma fonte importante, para o estudo da formação dos concelhos medievais, no entanto não é este documento que faz o concelho. Existem diversos exemplos de concelhos instituídos sem foral que, na maioria dos casos, servia para confirmar o poder estabelecido e, sobretudo, para incutir, na comunidade, a existência de um poder maior que aquele constituído pelos povos: o poder do rei.

O primeiro autor a afirmar a doação de foral a Alverca foi Pinho Leal, em 1873. Na obra Portugal Antigo e Moderno, indica que o foral foi doado por D. Afonso Henriques em 11601. Depois dessa data, esta informação foi repetida vezes sem conta, sem que se procurasse averiguar a sua veracidade. Outros autores indicaram a doação de um foral por D. Afonso IV, ou por D. Manuel, algo que as fontes negam. Nem na chancelaria de D. Afonso IV, nem nos índices de forais da reforma manuelina,

Alexandre Herculano refere que algumas comunidades podiam constituir-se concelho, através de revolução popular2 adquirindo, desse modo, autonomia administrativa. José Mattoso adianta: “[…] a investigação recente tem mostrado

1 Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Volume I, Lisboa, Livraria Editora Mattos Moreira & Companhia, 1873.

2 Cf Alexandre Herculano, História de Portugal – Desde o Começo da Monarquia até ao Fim do Reinado de Afonso III, Tomo VII, 8ª edição, Lisboa, Livraria Bertrand, s/d., pp. 70-71.

| 15 |


Fragmentos de Alverca

cada vez mais a capacidade organizativa de grupos humanos locais independentemente de qualquer autoridade ou sancionamento superior. É indispensável, portanto, conceber a formação dos concelhos como um processo autónomo.”3

Após um período de conflito que terminou com a prisão de moradores, tendo ainda sido ordenado ao meirinho do lugar “[…] que todos os outros que na mãao colhesse que os decepasse […]”, o medo das represálias acabou por travar a revolta, continuando a população a ver-se despojada dos direitos às rendas. Com a morte de João Afonso o senhorio do lugar voltara à posse da coroa, tendo D. Afonso IV continuado a cobrar para si os degredos e rendas, da mesma forma que o havia feito o antigo senhorio. Devido às razões expostas, o Concelho de Alverca, lavrara a petição, procurando provar o direito a esses emolumentos.

Era então necessário procurar descobrir a origem do concelho de Alverca. Até ao presente o documento mais antigo, com referência à povoação, data de 1206. Trata-se de uma carta de doação de uma herdade4. Supõe-se que a povoação se deverá ter desenvolvido no alto da colina do castelo, no espaço correspondente ao Núcleo Histórico. A época é imprecisa, contudo tem-se hoje a certeza que, no mesmo espaço, existiu uma rica povoação romana, conforme atestam os achados arqueológicos exumados das escavações realizadas no local. O mesmo não é possível garantir relativamente à existência de uma povoação árabe, os achados desse período são escassos e inconclusivos. Embora o topónimo derive, de facto de uma palavra árabe - alborca, ou albirca, terra pantanosa e alagadiça – tal devese à situação geografia da povoação. Assim, a única certeza é que, na Idade Média, começou a florescer uma pequena povoação, cuja população se havia de organizar em concelho, de modo a gerir a administração e justiça local.

Demarcação do primitivo Núcleo habitacional de Alverca, CMVFX,demarcação da autora

A primeira referência ao concelho surge na Chancelaria de D. Afonso IV, num documento datado de 13385. Este permite percepcionar a existência de uma sociedade organizada com concelho instituído, pois fazendo-se representar pelo seu procurador, o Concelho de Alverca fez uma petição, informando que as suas rendas e degredos haviam sido usurpados por um tal João Afonso, senhor do povoado. Adianta o procurador que as coimas eram devidas ao Concelho desde tempos imemoriais, até o referido Senhor os haver extorquido pela força.

Este documento sugere, implicitamente, que os acontecimentos relatados teriam tido início no reinado de D. Dinis (1279-1325). Sendo assim confirma-se a existência de um povoado, conhecido com o topónimo de Aluerca, com concelho instituído possivelmente antes do século XIII. Em nenhuma parte do texto é referida a apresentação de um foral, o que faria sentido tratando-se de um documento comprovativo da antiguidade do concelho. Por outro lado, a sua análise parece confirmar a formação autónoma do Concelho de Alverca, tendo em conta a capacidade organizativa

3 José Mattoso, História de Portugal, Segundo Volume, A Monarquia Feudal (10961480), Lisboa, Circulo dos Leitores, 1993, p. 216. 4 Cf. ANTT, Mosteiro de São Vicente de Fora, mç. 1 N.º 29. 5 Chancelarias Portuguesas – D. Afonso IV – Volume II - (1336-1340), Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de Estudos Históricos Universidade de Lisboa, 1992, pp.184-186.

| 16 |


Fragmentos de Alverca

da população, revelada no modo como se uniram contra os poder abusivo do Senhor, em defesa dos seus direitos enquanto comunidade.

Municipal de Vila Franca de Xira, encontrou-se uma pista valiosa. O documento refere a propriedade de umas casas ”[…] citas no largo do Pelourinho desta villa d’Alverca […].”9 Esta referência nada tem a ver com o pelourinho do largo João Mantas, pois as referidas casas, tinham a porta voltada para a antiga rua da Misericórdia, hoje conhecida como rua Miguel Bombarda. De modo a esclarecer qualquer dúvida, procurou-se o processo do Registo Predial n.º 385, do Cartório de Vila Franca de Xira, relativo à mesma propriedade, apresenta a indicação de estar localizada junto ao largo do Pelourinho Velho, actualmente conhecido como largo Gregório Nunes. Sabendo que o pelourinho era colocado em frente aos paços do concelho, defende-se a possibilidade de, nesse largo, se ter localizado, até ao século XVI, a Casa da Câmara de Alverca.

Para além desta petição de 1338 e, possivelmente na sequência desta, conhecem-se, relacionadas com Alverca, três cartas de confirmação do Concelho, emitidas pela coroa. São elas a carta de D. Pedro I confirmando os privilégios do concelho em 24 de Agosto de 13576; a carta datada de 19 de Abril de 1434, de D. Duarte, confirmando “ao concelho d aluerca todos os seus priujllegios foros liberdades e boons costumes de que sempre husarom [...].”7; e uma outra emitida em 23 de Abril de 1439, onde D. Afonso V confirma à Vila de Alverca todos os Privilégios, Graças e Mercês8. Sabendo então, sem sombra de dúvidas, que Alverca era Concelho, pelo menos desde o século XIII, onde se localizava a Casa da Câmara? É comum a localização desse edifício, num largo ou praça, no centro da povoação e na proximidade da Igreja Matriz. De facto os edifícios municipais conhecidos seguem essa localização, justificada, inequivocamente, pelo facto de estes serem o centro da vivência administrativa e judicial de qualquer Concelho. Procurar localizar e/ou caracterizar edifícios, há muito desaparecidos é sempre uma tarefa difícil, mesmo quando se trata de um espaço que em tempos foi fulcral na vivência de uma comunidade. Existia o conhecimento da construção dos paços do concelho, no actual largo João Mantas, no século XVI, tendo em conta a data do pelourinho: 1530. No entanto, até há pouco tempo desconhecia-se onde se localizavam os paços primitivos.

Largo Gregório Nunes, AF

Para além dos dados obtidos no testamento citado, no Tombo das Capelas de D. Afonso IV, em documentos datados da segunda metade do século XVI, encontram-se referências à praça velha10, dado acrescido mais adiante, num documento de medição de uma casa, referindo a localização da praça velha no “outeiro na rua onde está a câmara desta vila”11. Estas referências permitem confirmar

Num testamento, datado de 1867, pertencente ao espólio documental do Núcleo de Alverca do Museu 6 Cf. Chancelarias Portuguesas – D. Pedro I (1357-1367), Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1984. 7 Chancelarias Portuguesas – D. Duarte, Volume I, Tomo 1, (1433-1435), Lisboa, Centro de Estudos Históricos – Universidade Nova de Lisboa, 1998, p. 131. 8 Cf. ANTT, Chancelaria de D. Afonso V – Comuns, Livro 18 fl. 53, Microfilme 155.

9 MMVFX-NA, Testamento de Fortunata Augusta de Sousa, 1867/1868, doc. 2, fl 4v. 10 Cf. ANTT, Núcleo Antigo, Tombo de Alverca, Livro XXIV, Parte I, Cx. 270,fl. 392. 11 Idem, fl. fl. 579.

| 17 |


Fragmentos de Alverca

a localização da antiga Casa da Câmara no actual Largo Gregório Nunes.

pequena porta, cujo vão se localiza ao centro da parede Sul13, actualmente inacessível. Entre os materiais encontrados nesse compartimento – sobretudo cerâmicas e faianças –, destaca-se uma tranca em ferro, bem como duas chaves de dimensões consideráveis. Estes objectos juntamente com o chão calcetado, exumados pela intervenção na sala por cima desse espaço, sugerindo uma utilização menos nobre, permitem considerar que a sala, entulhada possivelmente após Terramoto de 1755, poderia ser uma enxovia, uma espécie de prisão dentro da prisão, um espaço de isolamento. A falta de janelas, ou qualquer outro meio de ventilação, parece apoiar esta hipótese.

Actualmente não restam vestígios nem dessa antiga Casa da Câmara, nem do pelourinho velho, contudo o estudo das fontes permitiram recuperar parte da Memória e da História de Alverca. Assim o largo Gregório Nunes, ganha uma nova dimensão, pois agora há o conhecimento que em tempos, naquele local, o povo se reunia para ouvir o que os juízes e vereadores haviam decidido relativamente, por exemplo, ao preço dos bens de consumo. Ali se assistiam aos julgamentos, ali se centralizavam todos os aspectos das vivências concelhias.

Para além dos testemunhos arqueológicos nos Tombos de Alverca das Capelas de D. Afonso IV, num documento datado de 1575, é feita referência a uma propriedade junto à Câmara Nova 14. Com data de 1580, um outro documento dá conta da medição de casas localizadas entre a praça velha e a praça nova do pelourinho15. O conjunto destes dados permitem, seguramente, afirmar ter existido, no largo João Mantas, uma Casa da Câmara construída na primeira metade do século XVI, com prisão, de chão calcetado e enxovia, de acordo com os modelos dos edifícios camarários, comuns em todo o país e ao longo de vários séculos. Este edifício terá funcionado como centro da administração e justiça local até ao dia 1 de Novembro de 1755, quando o Terramoto abalou o reino de Portugal. Em Alverca, entre outros edifícios civis e religiosos, a casa da Câmara ficou arruinada, tornando-se necessária a sua reconstrução de forma a regularizar a vida administrativa e judicial da povoação. Uma vez que Alverca fazia parte dos bens das Capelas de D. Afonso IV competia, ao provedor dessa instituição, providenciar a reconstrução do edifício.

No século XVI foram construídos os novos paços do Concelho e edificado o novo pelourinho na praça, actualmente, conhecida pelo topónimo João Mantas. Deste edifício restam alguns vestígios, descobertos na sequência das duas intervenções arqueológicas, que antecederam as obras de remodelação da antiga Casa da Câmara de Alverca. Dos vestígios arqueológicos encontrados nas escavações de 2004 destaca-se a “presença de restos de calçada com espinha e delimitada por pedras maiores do lado Oeste.”12. Acredita-se que esta calçada, identificada a Sudeste na antiga casa da Câmara, pode ter constituído o pavimento térreo do edifício quinhentista. Em 2005 a descoberta acidental de uma sala subterrânea, a Sudoeste do edifício, levou a uma nova intervenção arqueológica. A observação do espaço revelou tratar-se de uma construção distinta do edifício setecentista, tanto relativamente às argamassas utilizadas, como ao tipo de pedra da alvenaria, facto que solidifica a hipótese de se tratar de um elemento da construção do século XVI. O único acesso ao compartimento era feito por uma

13 Cf. Sandra Brazuna, Relatório dos Trabalhos Arqueológicos – Escavação Arqueológica Núcleo Museológico de Alverca – Intervenção Arqueológica no Compartimento Subterrâneo, texto policopiado, ERA-Arqueologia, S.A., 2005, embora seja referida que a porta ficava na parede Norte, na realidade está orientada a Sul. 14 Cf. ANTT, Núcleo Antigo, Tombo das Capelas, Livro XXIV, Parte I, Cx. 270,fl. 104. 15 Cf. Idem, fls. 392-393.

12 Nuno Ricardo de Oliveira Gamb�a, Relatório da Intervenção Arqueológica no Núcleo Museológico de Alverca, texto policopiado, 2004, p. 39.

| 18 |


Fragmentos de Alverca

A única fonte encontrada, até ao momento, relativa a este facto encontra-se na fachada Norte da casa da Câmara, na lápide epigráfica embutida na parede, onde se lê que o edifício foi reedificado por ordem de Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão do então conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo. Para além de outros cargos eminentes, Paulo de Carvalho era provedor das capelas instituídas por D. Afonso IV e pela Rainha D. Beatriz em 1354, na Sé de Lisboa, de cujos bens faziam parte os rendimentos de alguns concelhos, entre os quais se encontrava Alverca.

sobre si, sem grandes contactos com as comunidades vizinhas e, em alguns casos, com raros contactos com a administração central. Administrativamente deviam subsistir das rendas geradas pelo próprio Concelho o que, para os pequenos concelhos como Alverca, se tornava, por vezes, muito difícil. No final do século XVIII a estrutura concelhia começou a sofrer alterações. Em 21 de Abril de 1795 foi emitido o Alvará de criação do lugar de Juiz de Fora de Alhandra e Alverca. A partir desse momento o Concelho de Alverca, que havia sido presidido por juízes ordinários, eleitos entre os homens que compunham a elite local, passa a estar sob a alçada de um juiz de fora nomeado pela coroa.

O edifício reconstruído incluía uma sala de sessões, uma sala de audiências e tribunal, no piso superior. No rés-do-chão ficava a cadeia de tectos abobadados, de chão lajeado, com quatro salas de janelas gradeadas, uma das quais destinada ao encarceramento de presos masculinos, outra funcionando como prisão feminina. Uma terceira divisão servia de enxovia e a última, possivelmente, como área de recepção dos presos. Na fachada da casa foram colocados os brasões da rainha Mariana Victória e do provedor Paulo de Carvalho e Mendonça, encimando a lápide epigráfica já referenciada. No mesmo período foi embutida, ao nível do rés-do-chão, uma estela funerária romana, por cima de um pequeno oratório, recentemente colocado à vista. Ao longo da segunda metade do século XVIII o concelho de Alverca, gerido por juízes e vereadores, governava administrativa e judicialmente um território que incluía, de acordo com as Memórias Paroquiais, escritas pelo cura Manuel Henriques em 1758, os lugares de Adarce, A-dos-Melros, A-dos-Potes, Arcena Grande e Pequena, Brandoa, Moinho de Vento, Ponte, Proverba, Vale de Ranas, Verdelha16 e Sobral, o actual Sobralinho.

Brasões e lápide na fachada da antiga casa da Câmara, AF

Ao longo do século XIX várias mudanças políticas, sociais e administrativas, ocorridas a nível nacional, vão transformar de forma definitiva e irreversível o poder local. Uma das iniciativas das reformas liberais foi a criação de uma nova

Neste período os concelhos subsistiam fechados 16Cf. ANTT, Memórias Paroquiais, volume 3, memória 43, fls. 329-330.

| 19 |


Fragmentos de Alverca

divisão administrativa do território português, visando um maior controlo da realidade local por parte do Estado. Em 1827 existiam 806 concelhos espalhados pelo território português, a maioria arreigada a velhas tradições, na maior parte dos casos sem condições de subsistência.

Deste modo em vez de cinco pequenos concelhos, cuja subsistência se tornava cada vez mais difícil, formou-se um Concelho maior e, sobretudo, mais capaz de assegurar o desenvolvimento da sua economia e população, o qual havia de contribuir, também, para o crescimento do país.

O processo de modernização levado a cabo pelo Liberalismo foi lento. Ao longo desse século vários decretos visaram a redução dos concelhos, integrando os mais pequenos em outros próximos, com melhor capacidade de gestão. Por volta de 1846 foi composta a Comissão Encarregada de Propor o Plano da Nova Divisão Eclesiástica e Administrativa17. O quadro Organização do Districto Administrativo de Lisboa incluía o concelho de Alverca, composto pelas freguesias Alverca/ Sobral e “S. Iria da Povoa”18, apresentado como integrando os “Concelhos que fica existindo”.

Extinto o Concelho, Alverca tornava-se uma freguesia, a qual ao longo de cerca de cento e cinquenta anos, cresceu em termos de população e economia, chegando à categoria de cidade. Actualmente é das povoações mais bem sucedidas do Concelho de Vila Franca de Xira sem, no entanto, deixar cair no esquecimento a História e o Património que a tornam singular.

Na lista dos trinta e cinco concelhos existentes no distrito de Lisboa, contava-se, entre os quatro mais pequenos, o de Alverca com um total de 803 fogos. Para além do factor populacional, economicamente o concelho encontrava-se em grandes dificuldades para obter receitas suficientes de modo a suportar todas as despesas. Esta realidade deverá ter contribuído para que o Concelho de Alverca fosse suprimido pelo decreto de 24 de Outubro de 185519. Para além de Alverca foram extintos, os Concelhos de Povos (1836), Castanheira (1837) e Alhandra (1855). Todos estes territórios passaram a integrar o Concelho de Vila Franca de Xira. Há que ter em conta o facto de, entre todos os cinco concelhos originais, Vila Franca ser o mais populoso e o que apresentava maior desenvolvimento desde há muitos anos. 17 AHMOP, Comissão Encarregada de Propor o Plano da Nova Divisão Eclesiástica e Administrativa – Quadros da Organização dos Distritos Administrativos do Continente do Reino e Seus Fogos, Ca. 1846, CEPPND 10. 18 Idem, p. 54. 19 Cf. José Máximo de Castro Neto Leite e Vasconcellos, Colecção Official da Legislação Portugueza, Lisboa Imprensa Nacional, 1856, pp. 361 (Art. 2º), 388-389.

| 20 |


Fragmentos de Alverca

INTERPRETAÇÃO DA SIMBOLOGIA PRESENTE NO PELOURINHO QUINHENTISTA DE ALVERCA

Os pelourinhos são símbolos da jurisdição e da autonomia dos Concelhos. Era no pelourinho que se executavam algumas das penas do direito e se fixavam os decretos régios e municipais. Segundo Lino de Macedo: “Não havia a mínima uniformidade na construção dos pelourinhos, cada câmara mandava fazer os seus, como queria, e segundo a habilidade do pedreiro, ou a quantia que para isso era aplicada.”1 A identificação de diversos pelourinhos, datados do mesmo período, muito idênticos ao de Alverca, permite depreender terem sido todos construídos pelo mesmo canteiro, ou na mesma oficina. A reforçar esta hipótese, é de acrescentar localizarem-se todos esses pelourinhos em regiões muito próximas. São exemplo os pelourinhos de Azambuja, Colares, Povos e Vila Franca de Xira.

estrias espiraladas, com dois registos que torcem em sentidos opostos, separados por nó oitavado, saliente, com anel central. O primeiro registo é original e está decorado com rosetas. Quanto ao segundo é desprovido de decoração, tratando-se de uma reconstrução. O capitel prismático octogonal é decorado com quatro cabeças, cada uma agarrando na boca duas alcachofras, intercaladas por quatro escudos: um deles com esfera armilar; do lado oposto o brasão real encimado por coroa, utilizado desde o reinado de D. Manuel I; um outro apresentando um rosto masculino, com cartela saindo-lhe da boca, onde se vê a inscrição da data. O quarto escudo encontra-se oposto à data, tratando-se de um segundo brasão com três torres e muralha durante muito tempo identificado como sendo o brasão de Santarém2, contudo,

O pelourinho de Alverca datado de 1530 ergue-se de uma plataforma de quatro degraus octogonais. De base cilíndrica de forma oitavada c�ncava, de secção estrelar. O fuste é cilíndrico helicoidal, de

2 Cf. Luís Chaves, «Os Pelourinhos no actual concelho de Vila Franca de Xira, na província da Estremadura e Distrito de Lisboa», 25º Aniversário da Biblioteca-Museu Municipal Dr. Vidal Baptista, Boletim Comemorativo, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1972, p. 166.

1 Lino de Macedo, Antiguidades do Moderno Concelho de Vila Franca de Xira, [1893], Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1992, p. 36.

| 21 |


Fragmentos de Alverca

investigações recentes revelam outra realidade. De facto o brasão no pelourinho de Alverca apresenta algumas semelhanças com o brasão de Santarém, todavia a simbologia do castelo com três torres é comum a outros brasões. Para além disso uma observação atenta dos brasões quinhentistas de Santarém permite descartar a hipótese daquele estar representado no pelourinho de Alverca3. Por outro lado, os pelourinhos eram erigidos às custas da Câmara, e até finais da Idade Moderna, os concelhos viviam encerrados em si mesmo. Assim, porque se trata de um símbolo de autonomia, não é possível que os edis alverquenses, no século XVI, tivessem pretendido, no pelourinho do seu Concelho, simbologia que o ligavam a um outro, bem maior e, como se não bastasse, tão distante como seria o de Santarém. Como argumento conclusivo há ainda a referir que em nenhum pelourinho conhecido se apresenta o brasão de outro concelho.

Em vista disto deve ponderar-se a hipótese do brasão presente no pelourinho de Alverca ser o do próprio concelho. Afinal tratava-se de povoação acastelada no século XVI, como indicam as fontes e testemunham as ruínas que restam do castelo medieval. Citando José Mattoso: “[…] o concelho procura e encontra símbolos que exprimem a sua unidade, e os ostenta face ao exterior, nas suas bandeiras, selos e escudos.”4 Mesmo os concelhos mais modestos não dispensavam esta simbologia. Deste modo o brasão do concelho, como “símbolo de poder” local, era representado também na arquitectura municipal. Assim, seria coerente fazê-lo representar num dos símbolos maiores da autonomia concelhia, como é o pelourinho. Entre finais do século XIX, princípios do século XX, grande parte destes elementos patrimoniais foram derrubados, sob diversos pretextos, tendo alguns deles acabado por desaparecer5. No actual concelho de Vila Franca de Xira os pelourinhos não ficaram incólumes ao tempo e ao vandalismo. O pelourinho de Alverca é mencionado, em 1881, no Relatório e mappas acerca dos edifícios que devem ser classificados monumentos nacionaes, apresentados ao governo pela real associação dos architectos civis e archeologos portugueses6, onde se refere tratar-se de um dos exemplares a necessitar de salvaguarda. Este documento revela o facto dos pelourinhos portugueses terem sido caracterizados como monumentos, na legislação de salvaguarda do património desde o século XIX, tendo sido alvo das primeiras campanhas de classificação, como se pode constatar no Relatório mencionado e no “decreto nº 23122 de 11 de Outubro de 1933, logo à partida classificados na categoria de monumento de quinta classe, descritos como “[…] «imóveis de interêsse público» todos aqueles que não estivessem àquela

Remate do pelourinho, pormenor, Carranca com data, AF

Nos pelourinhos são muitas vezes representados brasões, nomeadamente o de Povos que apresenta, no remate, o brasão dos Ataídes, Condes da Castanheira, senhores desse concelho.Outros pelourinhos mostram poder ser comum não só a inclusão do brasão dos senhores da terra, como o do próprio concelho, como é exemplo o de Azambuja,que inclui, na simbologia heráldica do remate, dois brasões de armas reais e dois do município.

4 José Mattoso, Obras Completas – Identificação de um País: Oposição, Volume 2, Rio de Mouro, Círculo de Leitores e Autor, Janeiro de 2001, p. 316. 5 Cf. Mário Guedes Real, “Pelourinhos dos Extintos Concelhos Estremenhos – II Pelourinhos Demolidos”, Estremadura Boletim da Junta de Província, Série II, Números XXIX/ XXX/XXXI, Janeiro/Dezembro 1952, pp. 8-10. 6 Cf. Diário de Governo nº 62, 19 de Março de 1881.

3 Cf. Estrela Branco, A Heráldica do Município de Santarém, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, Novembro 2001.

| 22 |


Fragmentos de Alverca

data já classificados, e tomando providências para a sua conservação e reconstituição.”7

conjunto entre a antiga DGEMN, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e Junta de Freguesia de Alverca – foi reconstruído e reimplantado no local de origem13. A reconstrução foi possível devido ao facto de existirem três elementos originais, para além de uma fotografia, datada do século XIX, indispensável para a reconstrução dos elementos em falta excepto no respeitante ao remate. A pouca nitidez da imagem, relativamente a esse elemento, terá tornado impossível a sua reconstituição14.

Remate do pelourinho, pormenor,Brasão de Alverca, AF

Em finais do século XIX, o pelourinho de Alverca terá sido derrubado8. Desconhecem-se até à data os motivos da sua queda, o Coronel Edgar Cardoso indica ter sido derrubado pelo “tempo e as intempéries”9, embora esta seja uma informação escassa é, até ao momento a única disponível. No inicio do século XX Alberto Pimentel adianta “[…] havia no meio da praça [João Mantas] um pelourinho, symbolo da antiga autonomia municipal; foi apeado e está guardado na cadêa.”10 Cerca de trinta anos depois o Boletim da Junta de Provincia do Ribatejo dá conta de restarem somente a base e o capitel11, informação incompleta, pois existia também uma parte da coluna original.

Antiga Casa da Câmara e pelourinho, finais do séc.XIX, MMVFX-NA

O pelourinho de Alverca é um testemunho do antigo Concelho, constitui memória das acções administrativas e judiciais daquela Câmara até 1855. Actualmente é um dos mais belos elementos patrimoniais da freguesia. Ao passar por ele é difícil deixar de reflectir sobre a importância da História e Patrimónios locais.

Segundo o IGESPAR12, este pelourinho foi classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto n.º 23.122, DG 231, de 11 de Outubro de 1933, encontrando-se à data ainda derrubado. Alguns elementos permaneceram junto ao edifício da antiga Câmara, até 1988, quando – num esforço 7 Garcez Teixeira, “Inquérito Sobre Pelourinhos”, Revista de Arqueologia, Tomo III, 1936, p. 52. 8 Cf. José do Carmo Pacheco, Op. Cit., p. 109. 9 Edgar Pereira da Costa Cardoso, O Jubileu das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, Alverca, Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, 1968, p. 22. 10 Alberto Pimentel, Portugal Pittoresco e Illustrado – A Extremadura Portugueza – Primeira Parte – O Ribatejo, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1908, p. 146. 11 “Freguesias do Concelho de Vila Franca de Xira - Freguesia de Alverca”, Boletim da Junta de Provincia do Ribatejo, n.º 1, anos de 1937-1940, Lisboa, Oficinas Bertrand (Irmãos), L.da, 1940, p. 662. 12 Cf.http://www.monumentos.pt/scripts/zope.pcgi/ipa/frameset?nome=ipa&upframe=u pframe3&downframe=ipa.html

Pelourinho de Alverca, AF 13 Cf. Paula Monteiro, “Os Pelourinhos do Concelho de Vila Franca de Xira”, catálogo da exposição Memórias de Pedra e Cal, Vila Franca de Xira, MMVFX, 2001, p. 87. 14 Sobre o processo de recuperação do pelourinho de Alverca consultar documento on-line da DGEMN: http://www.monumentos.pt/Monumentos/forms/002_B1.aspx.

| 23 |


Fragmentos de Alverca

| 24 |


Fragmentos de Alverca

A CONSTRUÇÃO DA ESTRADA REAL DE D. MARIA I E O MARCO DE IV LÉGUA EM ALVERCA

Modernizar as vias de comunicação do reino foi um dos projectos relevantes no reinado de D. Maria I [1777-1792]. Tratava-se de um importante factor para o desenvolvimento económico de Portugal, na verdade, a melhoria das estradas traduziase num crescimento dos meios de transporte e comunicação, estreitando laços entre os povos e incrementando o comércio. A Estrada Real de Lisboa a Santarém foi uma das obras realizadas nesse âmbito.

calcetada, confirma o plantio de oliveiras com a justificação de “o frvcto das ditas oliveiras servir p.a a Real Casa Pia e illvminaçaõ da cidade de Lisboa.” O texto indica ainda que, aquele troço de obra, com a data de 1782, estava a cargo do Intendente Pina Manique. De acordo com Luís Vasconcelhos “A extensão total das estradas do Intendente mal atingirá os 25 km. Pina Manique deu execução àquilo que estava dentro da sua competência – o termo de Lisboa –, e em proporção com o rendimentos de que dispunha.”2

Numa primeira disposição real, o troço que ia de Sacavém a Alverca foi alargado e em ambos os lados mandaram-se plantar oliveiras1. De modo a assinalar o termo da cidade de Lisboa – localizado no limite do ribeiro da Alfarrobeira, na Verdelha – foram erguidos dois padrões, um em cada lado da estrada, em cuja base está gravado um texto comemorativo. A sua leitura permite saber que, pelo menos até aos padrões, a estrada era Padrões do termo de Lisboa. AF

1 Cf. Luís de Oliveira Ramos, D. Maria I, Lisboa, Círculo dos Leitores e Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, Janeiro/Fevereiro 2007, p. 273.

2 Idem, p. 472.

| 25 |


Fragmentos de Alverca

Posteriormente procedeu-se à construção do troço da Estrada Real de Lisboa a Santarém, correspondente a 14 léguas. A construção daquele troço da estrada, estava a cargo de D. José Luís de Meneses e Abranches Castelo Branco, sexto Conde de Valadares e inspector-geral do Terreiro Público de Lisboa, o qual obedecia a um Aviso, datado de 7 de Maio de 1784, o qual “[…] mandava preparar a estrada entre Alverca (sitio da Verdelha, limite do termo de Lisboa) e Vila Franca de Xira, a fim de por ela transitar a Soberana na sua jornada a Salvaterra.”3 A obra terá sido construída, em parte, com a contribuição monetária das Câmaras4, entre as quais se encontrava a de Alverca. Dos mapas de despesas destaca-se o de 1789/1790, o único encontrado que apresenta referência, não só às colunas dos marcos, como aos relógios de sol que as rematam. A análise desses mapas permite perceber que, para além da construção da estrada, se procedeu ao arranjo de caminhos, de pontes, de fontanários e ao plantio de árvores nas bermas da nova estrada, como se pode verificar pelo extracto em baixo5.

confiança, naturais das zonas próximas das obras de construção. De acordo com palavras suas “Logo que me foi dirigida a ordem de S. Majestade em aviso de 7 de Maio de 1784 para mandar concertar a estrada do fim do Termo de Lisboa até Vila Franca de Xira, me foi necessário nomear um homem capaz de dirigir aquela dita obra, pagar a despesa dela, e receber do Cofre do Terreiro o dinheiro para isso necessário.”6 Em Alverca escolheu para esse papel José da Rocha, Capitão de uma das Companhias de Ordenança7, por considerar tratar-se de uma “[…] pessoa ágil, pratica, e fidedigna […]”8. Devido ao bom desempenho nessas funções, por diversas vezes o Conde de Valadares solicitou à Rainha que recompensasse José da Rocha pois, tal como afirma numa carta datada de 13 de Fevereiro de 1786, “Este homem que até ao presente tem trabalhado de dia e de noite, com incómodo de sua casa e família, e despendendo da sua fazenda, exposto a todo o rigor do tempo, com incansável desvelo no Serviço do Público, e de Sua Majestade […]”9 merecia ser agraciado com um ofício ou uma qualquer indemnização. Em 28 Agosto 1788 reforçava essa intenção indicando que o “[…] Capitão José da Rocha, não só se empregou no Pagamento dos Operários desde Julho de mil setecentos, e oitenta e quatro, principiando no sitio da Verdelha , primeiro Lugar depois do termo desta Cidade, e continuando até Azambuja, Alenquer, Caldas, Nazaré, Alcobaça, Batalha, Engenho dos Vidros e Leiria, não só cumpriu com a sua obrigação de pagador mas dirigiu e assistiu a todas as obras, que nestes Lugares se tem feito, de noite e de dia, com criados e cavalos a sua custa, os quais fazia girar por muitas partes em beneficio das Obras e da Condução dos dinheiros para satisfação delas.”10 Perante estes dados fica-nos a certeza que para o

EXTRACTO DO MAPA DE DESPESAS DAS OBRAS DO RIBATEJO 1789 e 1790 Dispendido na reforma das calçadas de Alverca.. 43$200 Idem de Vila Franca ....................................... 28$880 Idem da Castanheira ....................................... 17$980 Idem de Povos ............................................... 4$240 Idem de Alhandra ........................................ 364$900 Dispendido em pedestais e relógios................ 455$932 Dispendido na reforma dos caminhos .......... 1.863$810 Dispendido na fonte de Vila Franca ................ 374$280 Dispendido em plantações nas estradas ....... 1.113$485 Idem no cais de Povos ............................. 4.618$360

De acordo com a correspondência que deixou, dirigida à rainha e ao governo, o Conde de Valadares contou com a colaboração de alguns homens de

6 AHMOP, Ministério do Reino – Correspondência Recebida do Conde de Valadares como Encarregado das Obras do Ribatejo, Bobine 41, Mr. 43, p. 154. 7 Cf. Anabela Ferreira, CASA DA CÂMARA DE ALVERCA – Conhecer a sua História, Valorizar um Património (1755-1855), Volume de Anexos, Dissertação do Mestrado em Estudos do Património, texto policopiado, Centro de Documentação do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 2007, p.112. 8 AHMOP, Ministério do Reino – Correspondência Recebida do Conde de Valadares como Encarregado das Obras do Ribatejo, Bobine 41, Mr. 43, p. 154. 9 Idem, Ibidem 10 Idem, p. 270.

3 Luís Vasconcelos, “O Fomento de Estradas no reinado de D. Maria I”, Sven Sk�dsgaard; John Kuhlmann Madsen, Hispanismen omkring Sven Skydsgaard: studier i spansk og portugisisk sprog, litteratur og kultur til minde om Sven Skydsgaard, Museum Tusculanum Press, 1981, p. 475. 4 AMOP, Ministério do Reino – Correspondência Recebida do Conde de Valadares como Encarregado das Obras do Ribatejo, Carta de 29 de Maio de 1784, Bobine 41, Mr. 43, p. 91. 5 AHMOP, Ministério do Reino – Correspondência Recebida do Conde de Valadares como Encarregado das Obras do Ribatejo, Bobine 41, Mr. 43, p. 624.

| 26 |


Fragmentos de Alverca

sucesso das obras da Estrada Real muito contribuiu o Capitão José da Rocha, excedendo aquilo que se esperava dele, não se limitando a cuidar do troço que passava por Alverca, mas cuidando de toda a estrada, por certo por perceber que só a obra concluída haveria de trazer benefícios ao, então pequeno Concelho, onde exercia funções de Capitão. Ao longo da Estrada Real foram dispostos marcos com indicação das léguas11. No Concelho de Vila Franca de Xira conhecem-se três desses exemplares: o marco de IV légua localizado em Alverca; o de V em Vila Franca de Xira; o de VI na Castanheira. De acordo com a inscrição da coluna deste último marco – localizado no muro exterior da Quinta do Fidalgo, a Norte da Castanheira – no ano de 1788, D. Maria I ordenou a demarcação da estrada, com padrões indicando as léguas de distância com a capital do reino, correspondendo cada uma a “três mil oitocentos e Quatro passos geométricos”.

Marco de VI Légua, Castanheira. AF

Relativamente ao estudo de impacto que terá tido a obra de construção deste troço da estrada real, ainda há muito por investigar, pois parte da documentação ainda não está disponível ao público, é possível que outros dados venham a ser conhecidos relativamente à história de Alverca. Já no que respeita à valorização do nosso património os Marcos de Légua foram classificados, em 1943, como Imóveis de Interesse Público12, deste modo encontram-se protegidos contra qualquer tipo de acção que vise a sua destruição ou deturpação arquitectónica. Contudo, tal protecção não impediu que os marcos de IV e de V légua fossem derrubados.

Todos estes marcos são muito semelhantes, esculpidos em calcário, compõem-se de: base cúbica; corpo central, talhado num paralelepípedo rectangular; remate constituído por duas peças, sendo a inferior uma estrutura piramidal de base quadrada, encimada por uma esfera, onde se incorpora um relógio de Sol, de tipo vertical-fixo, apresentando algumas diferenças relativas ao traçado do mostrador entre os vários marcos mencionados. As linhas de horas e a numeração romana, que as indica, são gravadas na pedra, possibilitando a leitura das horas e meias horas. O gnómon – geralmente um esquadro ou estilete, cuja sombra é projectada no mostrador, pela luz do sol permitindo a leitura da hora solar, também designada como hora local – era de bronze, de acordo com vestígios ainda persistentes no exemplar de Alverca.

O marco de IV légua encontrava-se, originalmente, na berma norte da Estrada Nacional 10, ao quilómetro 16.810, à saída de Alverca. Após um acidente de viação, ocorrido em 1985, os vários elementos foram desagregados. A coluna foi guardada no armazém da Junta de Freguesia

11 � época a légua correspondia a 6179m Cf. Zeferino, “Estrada de Lisboa a Santarém – Demarcação”, Vida Ribatejana, Número Especial, 1964, p. 142.

12 Decreto n.º 32973, 18-8-1943.

| 27 |


Fragmentos de Alverca

de Alverca. O relógio de sol foi colocado numa pequena área ajardinada, em frente ao Mercado Municipal.

Tratando-se de elementos classificados, testemunhos da arquitectura civil do século XVIII, a sua recuperação tornava-se imperativa. Em resultado disso, numa iniciativa da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, com apoio da Junta de Freguesia de Alverca, em Fevereiro de 2007, foi restaurado o marco de IV légua. A sua recuperação incluiu limpeza da pedra, construção de um gnómon, de modo a possibilitar a leitura da hora local, e a implantação a cerca de oitenta metros do local de origem, decisão que se prendeu com a sua valorização, permitindo maior visibilidade e melhor acesso.

Em relação ao marco de V légua, localizava-se originalmente na rua 5 de Outubro, junto da casa do Sr. Dr. Clemente dos Santos. Desconhece-se o motivo do seu derrube, embora se possa equacionar a hipótese de se ter tratado de um acidente de viação, tal como ocorreu com o marco de Alverca. A base e o corpo central encontram-se guardados num depósito da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, o remate com relógio de sol foi colocado no Jardim Municipal. Até há pouco tempo, o único marco intacto e in situ, era o de VI légua, à saída da Castanheira.

De novo erguido em toda a sua imponência, o marco de IV légua recupera a sua dignidade como elemento do património nacional. Para além de recuperar um monumento do património arquitectónico, resgatou-se a memória de um elemento importante da História de Alverca, pois a construção da Estrada Real terá por certo contribuído para a evolução económica, ocorrida a partir século XIX, traduzida num aumento de produção e da população da localidade.

Marco de IV Légua, após a recuperação. AF.

| 28 |


Fragmentos de Alverca

ALVERCA NO DECORRER DAS INVASÕES FRANCESAS

Relativamente às Invasões Francesas, episódio marcante da nossa História, são inúmeros os estudos publicados relativos a este assunto, de facto a bibliografia é extensa, contudo, como acontece em tantos outros casos, ainda há muito por investigar no que concerne à História Local. Por essa razão pretende-se lançar algumas luzes relativas às consequências das Invasões Francesas em Alverca, embora se mencionem os acontecimentos gerais, a investigação centrou-se nesta localidade.

antes. Tomando posse do reino, de imediato Junot começou a expedir ordens. Entre Dezembro de 1807 e Fevereiro de 1808 foram emitidos diversos decretos obrigando a população à entrega de ouro e prata oriundos das Confrarias. Os concelhos de Alhandra, Alverca, Arruda, Castanheira, Povos e Vila Franca de Xira depositaram os seus tesouros na sede da Comarca do Ribatejo – localizada na Castanheira – os quais foram, depois, remetidos para Lisboa. Segundo João Amaral, desta comarca saíram 30 arrobas – o equivalente grosso modo a 459 quilogramas – de prata2.

A primeira invasão, sob o comandado do general Junot, ocorreu em Novembro de 1807. Os relatos conhecidos reflectem casos ocorridos em Vila Franca de Xira1, embora se possam encontrar breves referências a Alverca, uma vez que esta, como as povoações vizinhas, se encontrava no percurso de passagem das tropas invasoras a caminho de Lisboa, de onde a corte havia fugido poucos dias

Para além do referido, uma das primeiras acções de Junot, em Dezembro de 1807, foi a tentativa de, progressivamente, destruir o exército português, começando por ordenar a entrega de armamento das milícias aos capitães-mores que as deviam conduzir ao arsenal de Lisboa, ordem cumprida de forma lenta e inconclusiva3. Em Alverca existiam,

1 Cf. Lino de Macedo, Antiguidades do Moderno Concelho de Vila Franca de Xira, [1893], Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1992, p. 94; e João José Miguel Ferreira da Silva Amaral, Ofertas Históricas Relativas à Povoação de Vila Franca de Xira para Instrução dos Vindouros [1856], I vol., Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1991.

2 Cf. João José Miguel Ferreira da Silva Amaral, Op. Cit., pp. 144-145. 3 Cf. Pires Nunes, “As Milícias e as Ordenanças em Portugal durante a Guerra Peninsular”, Guerra Peninsular – Novas Interpretações – Actas do Congresso Realizado em 28 e 29 de Outubro de 2002, Lisboa, Instituto da Defesa nacional, Tribuna, Setembro 2005, p. 230.

| 29 |


Fragmentos de Alverca

à época três Companhias de Ordenança, sendo a primeira localizada na vila, a segunda no termo e a terceira na aldeia de São Fernando a qual, pelo que foi possível apurar, se tratava de um reguengo sujeito a este antigo concelho4. As Companhias de Ordenança eram responsáveis pelo policiamento da povoação e, sobretudo, pelo recrutamento militar, constituindo uma das esferas de poder do concelho5. Desconhece-se até que ponto as ordens de Junot foram ou não cumpridas, o certo é que no Livro de Registo de Mancebos Capazes de entrarem no Concurso das Sortes6, onde se registavam a acções das companhias, sobretudo no respeitante à recruta, pode observar-se um interregno dos registos entre 1807/1808. De acordo com o tenentecoronel Pires Nunes, as Companhias de Ordenança constituíram a terceira linha defensiva do exército português, tendo tido um papel meramente patriótico e clandestino, numa primeira fase, que posteriormente havia de ocupar uma posição mais relevante, tendo integrado o exército português7.

se na Quintela, na actual freguesia do Forte da Casa. Embora não existam dados concretos, relacionados com Alverca, sabe-se que o esforço de defender o território de uma nova invasão exigiu da população sacrifícios extremos, que se traduziram no envolvimento da construção das fortificações e no abandono de casas e terras, uma vez que parte da estratégia militar consistia na política de terra queimada, com o objectivo de impedir o reabastecimento das forças invasoras8.

Em 30 de Agosto de 1808, após as batalhas da Roliça e do Vimeiro, é assinada a convenção de Sintra obrigando à retirada das tropas invasoras. Em Março de 1809 dava-se a segunda invasão, a qual assombrou o norte do país, apesar do curto período em que o exército francês permaneceu dentro das nossas fronteiras, antes de ser expulso a 17 de Maio. Entretanto, certos que haveria de ocorrer uma terceira invasão francesa, o exército luso-britânico, sob o comando do general Wellington, dava início à construção das três linhas defensivas, que viriam a ser conhecidas como Linhas de Torres Vedras, as quais visavam impedir o acesso do inimigo a Lisboa. A povoação de Alverca ficava localizada entre as duas primeiras linhas defensivas, a primeira tinha início em Alhandra, a segunda, mais a sul, iniciava-

Reduto do Chão da Oliveira AF

No trabalho de construção das fortalezas, redutos e estradas militares estavam envolvidas mulheres, velhos e crianças, sendo que a maior parte dos homens válidos foram alistados nas companhias de ordenança e reencaminhados para os vários regimentos do exército9, embora

4 Cf. Anabela Ferreira, Op. Cit., 2007, p. 147. 5 Cf, Idem, pp. 145-148. 6 AHVFX, Livro de Registo de Mancebos Capazes de entrarem no Concurso das Sortes, de 8 de Dezembro de 1764 a 8 de Fevereiro de 1814, Concelho de Alverca, H/006. 7 Cf. Pires Nunes, Op. Cit., p. 231.

8 A.H. Norris, R.W. Bremner, As Linhas de Torres Vedras – As três primeiras linhas e as fortificações a Sul do Tejo, Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres Vedras/Museu Municipal Leonel Trindade/British Historical Societ� de Portugal, 2001, p. 16 e 39. 9 Cf. A.H. Norris, R.W. Bremner, As Linhas de Torres Vedras – As três primeiras linhas e

| 30 |


Fragmentos de Alverca

o já referido Livro das Sortes, do antigo Concelho de Alverca, revelar que, entre 1809 e 1812, não foram efectuados registos de qualquer actividade por parte das companhias de ordenança. Contudo tal facto pode não significar inactividade mas, pelo contrário, um período de intenso envolvimento não só na construção das fortificações defensivas como também nas campanhas militares de um modo geral. De facto num memorando do general Wellington, datado de 6 Outubro de 1810, este dá conta de que as tropas luso-britânicas, na região, foram reunidas em seis distritos, sendo que o quarto ia “[…] do Tejo, junto a Alverca, pelo caminho de Bucelas inclusive [...]”10 com quartel-general nessa segunda povoação, sendo composto por cinco mil homens, dos quais quinhentos provinham das ordenanças11. Faz todo o sentido que, entre esses

por outro lado há referências que permitem supor a existência de um posto de aquartelamento em Alverca. Um despacho de 11 de Outubro de 1810 refere o envio de duzentos voluntários da artilharia de Bucelas para Alverca14. Também numa obra de memórias da Guerra Peninsular, editada por W. H. Maxwell em 1845, existem indicações que, em 1813, um contingente de tropas aliadas, estava estacionado em Alverca15. Deste modo, embora as informações a esse respeito sejam escassas, e não seja feita referência à casa da Câmara, se de facto as tropas estavam aquarteladas na localidade, aquele edifício podia ter sido utilizado para as albergar. A verdade é que, de acordo com a análise de outras fontes, se sabe que pelo menos desde Janeiro de 1811 a Maio de 1816, devido à ruína do edifício, não foi possível realizarem-se as funções habituais na Casa da Câmara16.

homens, estivessem o sargento-mor e mais oficiais das companhias de ordenança de Alverca, embora até ao momento não tenha sido possível confirmar esse dado. De concreto existe o conhecimento de que a antiga Casa da Câmara terá sido arruinada neste período, pois diversos documentos apontam esse facto. Logo no início das Audiências de Capítulo ocorridas em 1812, o escrivão dava conta que o corregedor, e oficiais da Câmara, se haviam reunido numa casa, onde o primeiro estava hospedado, “[...] por se achar arruinadas as casas da Camera [...].”12 Mais há frente, tendo sido questionados sobre a segurança da cadeia, os oficiais “Responderaõ estar muito a Ruinada [sic] por cauza das Tropas.”13 O texto, parece sugerir a utilização da Casa da Câmara como aquartelamento de tropas aliadas. Por um lado porque, de modo algum é referida a presença do “inimigo”, como geralmente são referenciadas as tropas invasoras francesas nos textos coevos, as fortificações a Sul do Tejo, Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres Vedras/Museu Municipal Leonel Trindade/British Historical Societ� de Portugal, 2001, p. 16 e 39. 10 Lieut Colonel Gurwood, The despatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. – During his various campains in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818, vol. VI, London, John Murra� – Albemarle Street, 1836, p. 462. 11 Cf. Idem, pp. 462-463. 12 AHVFX, Livro de Registo das Audiências de Capítulos que os Corregedores das Comarcas Fizeram na Vila de Alverca, 1810-1832, Concelho de Alverca, J/A 001.1, fl. 4. 13 Idem, fl. 4v.

Forte dos Sinais, AF

14 Lieut Colonel Gurwood, Op. Cit., p. 487. 15 Cf. W. H. Maxwell (ed.), Peninsular Sketches by Actors on the Scene, Volume II, East Sussex, The Naval & Militar� Press, Lda., 2002, p. 369. Esta obra teve a sua primeira edição em 1845. 16 Cf. Anabela Ferreira, Op. Cit, 2007, p. 93.

| 31 |


Fragmentos de Alverca

Deste conturbado período da História nacional e local permaneceram, até aos nossos dias, alguns vestígios das fortificações que constituiriam as linhas defensivas que impediram o general Massena de chegar a Lisboa, no decorrer da terceira invasão francesa, contribuindo para a definitiva derrota das tropas de Napoleão. Estes baluartes militares, constituem elementos do nosso património, embora muitos já tenham sido destruídos pelo tempo e pela incúria do Homem. Dentro dos limites do antigo Concelho de Alverca nos montes a nordeste da Calhandriz e de A-dosMelros, foram construídos: o Reduto Subida da Serra, a Baterias dos Melros, ambos actualmente destruídos, o Reduto do Chão da Oliveira, o Reduto das Sarnadas, o Forte do Moinho Branco (conhecido como “dos Sinais”) e o Reduto do Casal da Entrega dos quais restam ainda vestígios, sendo possível a sua conservação.

terras, dedicando-se à defesa do país. Embora os seus nomes sejam desconhecidos, as suas acções ainda hoje podem ser recordadas quando se avistam, no cume dos montes, o que resta das fortificações que ajudaram a construir.

De modo a prover o inventário e consequente classificação destes elementos patrimoniais foi criada, há alguns anos, uma plataforma intermunicipal, envolvendo os concelhos de Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira. Da acção conjunta destes concelhos, para além do esforço dispendido na sensibilização e divulgação deste património, alguns dos fortes estão em vias de classificação e, no momento, procura promover-se a classificação dos vestígios da linha defensiva como um todo, de modo a garantir uma protecção mais efectiva. Em Alverca continua a promover-se a investigação, de modo a permitir um conhecimento mais amplo da nossa História e do nosso Património. Deste modo foi possível reunir os dados agora expostos, os quais permitem perceber a relação da localidade e das suas gentes durante o período das Invasões Francesas, revelando que a população do antigo Concelho de Alverca fez parte do grupo de heróis anónimos, que sacrificaram as suas casas e as suas | 32 |


Fragmentos de Alverca

CONHECER O NÚCLEO HISTÓRICO DE ALVERCA

A TOPONÍMIA O primitivo núcleo habitacional de Alverca localizase numa das áreas mais elevadas da povoação. O traçado sinuoso das ruas estreitas, calçadas com paralelepípedos de calcário ou basalto1, os topónimos, o tipo de construção, são memórias da antiga vila. Tanto quanto é possível observar no local, o povoado primitivo incluía as actuais Rua do Castelo (Este-Norte), Largo Gregório Nunes (Oeste), Calçada do Terreirinho (Sul), Rua do Açougue Velho, Rua do Outeiro, as Travessas do Traquite e da Cumeira. Fora da muralha ficavam as actuais ruas João Mantas, Dr. Miguel Bombarda e Boca Lara. Esta toponímia está intimamente relacionada com as vivências e com o património do antigo Concelho de Alverca, por essa razão o seu conhecimento contribui para a valorização e preservação do núcleo histórico.

Travessa do Castelo AF

Iniciemos a visita ao Núcleo Histórico subindo a Escadinha do Adro a qual desemboca no adro da Igreja Matriz. No sentido Norte encontra-se a Rua do Castelo. No cimo dessa rua encontra-se a travessa com mesmo nome, ao fundo da qual aparece um portão de ferro, que dá acesso a uma área com pequenas hortas, onde se localizam as ruínas do castelo medieval, origem do topónimo.

1 Provavelmente originários da região. A área localizada a noroeste do concelho é de composição maioritariamente calcária, embora numa área próxima de Alverca – Pedreira da Moita Ladra – o terreno seja constituído por basalto.

| 33 |


Fragmentos de Alverca

Toda a área da colina é conhecida como Colina do Castelo. Da rua do Castelo pode seguir-se pela Ladeira das Pias, que desce no sentido Oeste, cujo nome tem origem nos lavadouros públicos construídos ao fundo da ladeira, nos anos 50 do século XX.

surge referência a esta rua. A análise do documento permite perceber que grande parte dos moradores, ali registados, eram marítimos e pagavam décima pela habitação e pela bateira5.

Em vez da Ladeira das Pias, pode antes optar-se por seguir pela Rua da Cumeira, assim denominada por ser a que se encontra mais acima na antiga povoação. Esta rua é mencionada nos Tombos de Alverca das Capelas de D. Afonso IV, em documentos do último quartel do século XVI2. Nas memórias paroquiais manuscritas em 1758 pelo Padre Manuel Henriques lê-se “Dentro na villa havia huma Irmida de Santo António Portuguez chamado por antornomazia [sic] da Come�ra, por estar no alto da villa com o mesmo nome inter muros da quinta de Donna Josepha Caetana Barbosa de Mello […]”3. Desta ermida só resta a memória, pois foi derrubada pelo terramoto de 1755.

Largo do Outeiro AF

Um pouco mais adiante encontra-se a Travessa do Traquite, da qual até ao momento não foi possível averiguar a origem do topónimo. Já a calçada e o largo do Terreirinho, um pouco mais em baixo, têm o topónimo justificado pelo pequeno terreiro ali localizado.

Um pouco mais abaixo encontramos o largo do Açougue Velho, o qual desemboca na rua com o mesmo topónimo. Os açougues eram estruturas camarárias, controladas pela Câmara, ali se abatia o gado e se comercializava a carne.

No Largo Gregório Nunes encontramos, numa plataforma plana, um antigo fontanário, há muito desactivado. De acordo com o Sr. Arnaldo Barros, foi o primeiro fontanário com água canalizada da povoação6. No século XIX o largo tinha o topónimo de Pelourinho Velho7. Aqui terão estado localizados os primitivos Paço do Concelho de Alverca. Relativamente a Gregório Nunes (1786-1835/40), era natural do Lugar do Moinho de Vento, em Alverca, a tradição local recorda-o como herói da Guerra Peninsular8.

Segue-se, no sentido Sul, a Rua do Outeiro, passando por cima do Largo Gregório Nunes. Nela se destacam alguns edifícios bastante arruinados, a necessitar de intervenção urgente, para além do edifício onde actualmente funciona a sede da União Columbófila de Alverca, fundada em 1947. O largo, com escadaria, surge um pouco mais acima a Sudoeste. Este topónimo era já conhecido no século XVI, sendo diversas vezes referenciado nos, já referidos, Tombos das Capelas4. Também num dos livros de lançamento da décima, datado de 1762

5 Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, V.ª de Alverca Prédios Maneyos, Juros do 4º Qtel de 1762 e anno de 1763, Décima da Estremadura, Mç. 358, n.º 10, fls. 23-26. 6 Em entrevista efectuada em 2005. 7 MMNA, Testamento de Fortunata Augusta de Sousa, 1867/1868, doc. 2, fl 4v. 8 Cf. José do Carmo Pacheco, Monografia de Alverca, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca, 1998, p. 98.

2 Cf. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Núcleo Antigo, Tombo de Alverca, Livro XXIV, Parte I, Cx. 270, fl. 231. 3 ANTT, Memórias Paroquiais, Dicionário Geográfico, volume 3, memoria 43, pp. 329-342. 4 Cf. ANTT, Núcleo Antigo, Tombo de Alverca, Livro XXIV, Parte I, Cx. 270, fls. 40, 47, 88 e 89.

| 34 |


Fragmentos de Alverca

[...]”13. Em 1855, ano da extinção do Concelho de Alverca, o mesmo Manuel Guerreiro detinha o cargo de vereador.A última rua ligada ao núcleo histórico tem, actualmente o topónimo de João Mantas. Na praça, conhecida no século XIX como Praça do Pelourinho14, localiza-se o próprio pelourinho e a antiga Casa da Câmara de Alverca, actualmente dependências do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira. Na rua, podem ver-se a Casa de São Pedro, actualmente um lar de terceira idade, para além de alguns outros edifícios do século XVIII. João Mantas terá sido natural de Alverca, viveu aparentemente no século XIX, seria proprietário da Quinta do Galvão e da Casa de São Pedro15.

Em baixo, no sentido Sul, localiza-se Rua da Boca Lara. A origem do topónimo é, até ao momento, desconhecida. Em tempos formava com a rua Miguel Bombarda uma única artéria. A Oeste surge a Rua do Moinho, numa zona onde o casario antigo começa a desaparecer. A rua íngreme vai dar a um aglomerado habitacional moderno. Do moinho só resta o topónimo. A Rua Miguel Bombarda foi, durante séculos, a principal artéria de Alverca. A Estrada Real de D. Maria I passava por ali. Aí se encontravam as casas nobres, como o actual edifício da Junta de Freguesia, os estabelecimentos comerciais, e a Misericórdia. Nessa rua nos números 39 e 40 funciona a mercearia tradicional do Sr. Luís Cipriano, proprietário desde 19669, a qual mantém os traços característicos das mercearias dos anos 50/60, constituindo um testemunho do comércio tradicional, já a rarear neste país. Miguel Augusto Bombarda (18511910), foi médico, escritor e político. Fundador da Liga Nacional contra a Tuberculose. Republicano empenhado, foi assassinado pouco antes da revolução10.

PATRIMÓNIO EDIFICADO Após se ter caracterizado o Núcleo Histórico de Alverca no que respeita à toponímia do lugar e se haver referido que, parte dessa toponímia, se encontra relacionada com o património existente, vai procurar, agora, caracterizar-se esse mesmo património, começando pelo elemento que se julga ser o mais antigo na povoação:

À direita do edifício da Junta de Freguesia encontrase a Travessa do Guerreiro. É possível que este topónimo esteja ligado a uma antiga família de Alverca cujos membros, provavelmente com residência na travessa, se ocuparam por diversas vezes de importantes cargos da antiga Câmara. Destacam-se Luís Guerreiro, que foi administrador do Concelho de Alverca em 1836 11 e presidente em 185012, e Manuel Guerreiro que, em 1842, D. Maria I nomeava “[...] Attendendo ao que me representou […], e aos serviços que prestara a favor da cauza da Liberdade: Houve por bem fazer-lhe Mercê do Officio d’escrivaõ, e tabelliaõ do Juizo Ordinário

Castelo O castelo de Alverca encontra-se a Noroeste do aglomerado urbano. Dele restam duas paredes e uma lenda, pouco se conhece da sua origem. Há quem afirme poder tratar-se de uma construção ainda do período islâmico, embora só uma intervenção arqueológica o possa confirmar. A referência, mais antiga, encontrada até à data, encontra-se na carta de D. Pedro I de confirmação do Concelho de Alverca, emitida em 24 de Agosto de 1357, onde se lê que “[…] o dito Senhor confirmou e outorgou ao castelo e homens bons de Alverca todos os seus privilégios […]”16. Outra fonte importante, para o conhecimento do

9 Cf. Inocêncio Casquinha; Mariana R. Ortigão, “Lojas Tradicionais”, O Comércio em Vila Franca de Xira, catálogo, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, Junho 1995, p.133 10 Cf. Joel Serrão (Dir.), Dicionário de História de Portugal, Vol. I, Porto, Livraria Figueirinhas, s/d, p. 356. 11 AHVFX, Livro de entráda e Sahida de Dinheiro do Coffre da Recibedoria dos rendimentos pertencentes às Reaes Cappelas do Senhor Rei D. Aff.º 4º, 1839, Concelho de Alverca, E/A.003, fl 1v 12 AHVFX, Correspondência recebida das CM para a Administração do Concelho, 20 Dezembro 1851, Concelho de Alverca, C/A 003.

13 ANTT, Registo Geral de Mercês de D. Maria I, Livro 18, fl. 154. 14 Cf. Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira – 2ª Repartição – Alverca, Descrição Predial n.º 2:175, fl. 59. 15 Cf. José do Carmo Pacheco, Op. Cit., p. 99. 16 Chancelaria de D. Pedro I – Comuns, Livro 1, fl. 11 v.

| 35 |


Fragmentos de Alverca

castelo, encontra-se nos Tombos de Alverca das Capelas de D. Afonso IV, em documento datado de 20 Março 1588, lê-se: “[...] este castelo esta no alto da Vila por sima da igreja [...] tem de comprido pola banda do sul simquoenta e huã varas de canto ha canto da qual banda temos serventias e janelas principaes que caem sobre ho adro [...].”17 Durante o tempo em que se realizou o Tombo das Capelas de D. Afonso IV, serviu de pousada ao Juiz dessa instituição18. O alcaide do castelo de Alverca era o provedor das mesmas Capelas de D. Afonso IV, como guardião do castelo era responsável pela sua segurança e manutenção. José do Carmo Pacheco recorda: “No princípio deste século [na zona envolvente entre o Castelo e a Igreja] ainda eram visíveis ruínas de muros desmoronados, a que os antigos chamavam “Praça de Armas do Castelo”.19 Alguns autores afirmam que a decadência e ruína do castelo se deve em muito à acção do Terramoto de 1755. Contudo as Memórias Paroquiais não lhe fazem referência, o que pode não ser prova de coisa alguma, visto que nesse documento também não refere a ruína da Casa da Câmara, nesse mesmo período. É possível que, à época, o castelo já estivesse em decadência e o terramoto tenha contribuído para a sua derrocada. De qualquer modo num documento com referência às propriedades ainda pertença das Capelas de D. Afonso IV, datado de 1860, faz-se menção ao estado de ruína em que se achava o castelo e à necessidade de se providenciar a reedificação de casas que ali se encontravam20.

Ruínas do Castelo, AF.

das actividades referidas nas Memórias Paroquiais, juntamente com a produção de sal, de árvores de fruto e cereais. Açougue Velho Em frente ao antigo lagar ergue-se o templo religioso da “Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”. Para possibilitar a construção do templo foi demolido – em 1986 – um conjunto de casas. Tratando-se de um conjunto localizado no centro histórico, foi realizada uma intervenção arqueológica de emergência, sob a responsabilidade do arqueólogo Rui Parreira. Segundo palavras suas, desse conjunto de edifícios “[…] fazia parte precisamente o antigo açougue da vila, onde António Coelho Gasco (v. ed. 1924) localizava um miliário romano, provavelmente da via Scalabis-Olisipo.”21 Embora fisicamente nada reste do açougue velho, este faz parte da história da localidade. Os açougues eram estruturas ligadas à Câmara Municipal e situavam-se na sua proximidade22. À Câmara competia gerir a matança do gado e posterior venda e distribuição de carne. A identificação do açougue velho, mencionado nos Tombos das Capelas de D. Afonso IV23, vem apoiar o facto dos primeiros Paços do Concelho

Encostado às paredes da muralha foi construído um conjunto de edifícios. Entre esses edifícios, voltado para a Rua do Castelo, no nº 3, ficava um dos lagares de azeite de Alverca. O azeite foi uma das produções mais rentáveis da povoação e uma 17 ANTT, Tombo de Alverca, Livro XXIV, Parte I, NA 270, fl. 663v 18 Cf. Idem., fl. 385. 19 José do Carmo Pacheco, Monografia de Alverca, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca, 1998, p. 108. 20 Cf. AHVFX, Auto para avaliaçaõ de varias propriedades pertencentes às Capellas do Senhor Rei D. Affonso 4º …, 1860, Administração do Concelhor de Vila Franca de Xira, D.001.1.

21 Rui Parreira, “Intervenção Arqueológica no Centro Histórico de Alverca do Ribatejo, 1986 – Relatório sucinto dos trabalhos realizados.”, Boletim Cultural 3, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1987/8, p. 91. 22 Cf. Carlos Caetano No rasto de um monumento perdido do património do Faial: a antiga Casa da Câmara da Horta, texto policopiado, 2004, p. 12. 23 Cf. ANTT, Núcleo Antigo, Tombo de Alverca, Livro XXIV, Parte I, Cx. 270, fl. 248v.

| 36 |


Fragmentos de Alverca

se encontrarem nas proximidades, um pouco mais abaixo a Este, no antigo Largo do Pelourinho Velho. A palavra Açougue caiu em desuso na língua Portuguesa – como tantas outras – embora seja utilizada no norte do país, no Brasil e noutros países onde o português é lingua oficial.

Esta é, ao momento, a data mais antiga alusiva à Igreja. Por cima da porta está inscrita a data de 1687, de uma das muitas reconstruções do templo. Segundo as Memórias Paroquiais foi bastante danificada pelo terramoto de 175529. Actualmente, na Igreja, são visíveis elementos arquitectónicos que marcam várias épocas. Do século XVII temos, por exemplo, o portal seiscentista; a pia baptismal; três pias de água benta em mármore rosa; as duas telas, de autor desconhecido, que ladeiam a capela-mor. Do século XVIII, para além de outros elementos, encontramos, os azulejos de albarradas e figurativos – alusivos à vida de São Pedro e, na sacristia, pode ver-se um lavabo em pedra mármore com embutidos30.

Apesar de se ter conhecimento da data de demolição do açougue, pouco se sabe relativamente ao período de actividade, embora seja possível ter funcionado no mesmo local pelo menos desde o século XVI, tendo em conta um documento presente no Tombo de Alverca, datado de 1586, referente à medição de umas casas que “[...] estaõ nazinhagna Q uai da rua Q uem do asougue para o ribeiro a qual azinhagna deçe para a rua direita [...]”24 A rua direita, actual Miguel Bombarda, é paralela à rua do Açougue Velho, pelo que a descrição do Tombo das Capelas, parece localizar o açougue existente no século XVI no local conhecido, ainda hoje como Largo do Açougue Velho. As instalações do novo açougue foram licenciadas em 188025 e construídas na actual Rua Miguel Bombarda, em frente ao edifício onde funciona a Junta de Freguesia. Em 1926 o espaço funcionava como “arrecadação” da Câmara Municipal e foi depois ocupado pela corporação dos Bombeiros Voluntários de Alverca26. Actualmente serve de apoio à Junta de Freguesia. Igreja de São Pedro A Igreja Matriz de Alverca tem como padroeiro o Apóstolo São Pedro. Ignora-se a data da construção primitiva, embora vários factores apontem para a Idade Média27. Seja como for, três dias após a batalha da Alfarrobeira, a 23 de Maio de 1449, o corpo do Infante D. Pedro terá sido sepultado, temporariamente, na Igreja de Alverca28.

Igreja de São Pedro, AF.

No largo da igreja realizam-se todos os anos em Junho as festas de São Pedro. Numa lápide originalmente colocada por baixo de uma janela brasonada, do palácio da quinta do Galvão, hoje desaparecido, a inscrição revela que D. Pedro II e seus filhos estavam em Alverca por ocasião das festas, em Julho de 1699. Na primeira metade

24 ANTT, Núcleo Antigo, Tombos de Alverca, Livro XXIV, Parte I, Cx. 270, fls. 248v. 25 Cf. AHVFX, Instalações da Câmara do Extinto Concelho de Alverca, CMVFX, M/A.001. 26 Cf. José do Carmo Pacheco, Op. Cit. p. 169 27 Cf. Alfredo Marujo, Paróquia de S. Pedro de Alverca – Elementos para a sua História, Alverca, Paróquia de S. Pedro de Alverca, 1999, p. 21. 28 Cf. Alberto Pimentel, Portugal Pittoresco e Illustrado – A Extremadura Portugueza – Primeira Parte – O Ribatejo, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1908, p. 147

29 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], fl. 331. 30 Cf. Alfredo Marujo, Op. Cit., pp. 21-27, para uma descrição em pormenor da Igreja de São Pedro.

| 37 |


Fragmentos de Alverca

do século XIX, entre 23 e 25 de Junho de 184031 e de novo de 23 a 26 de Junho de 184232 D. Maria II e D. Fernando visitaram Alverca, coincidindo estas datas com os festejos dedicados ao santo padroeiro.

o mais antigo aglomerado da povoação de Alverca, razão pela qual a sua abordagem é importante. Por todo o país as casas eram construídas de acordo com o clima, com a rocha e outras matérias-primas próprias da região. O aglomerado populacional era disperso ou denso, condicionado pela história e pela geografia. Rocha Peixoto afirma que “A habitação entre nós é “[…] uma consequência da adaptação às várias circunstâncias naturais e sociais que a condicionam […].”33 Assim se criaram tipologias diferentes, sendo possível identificar padrões de construção que caracterizam determinadas regiões do país. Outras, no entanto, apresentam-se com características indefinidas.

Estas festas marcavam uma data de extrema importância, envolvendo toda a comunidade de Alverca e para a qual contribuíam, os diversos poderes locais. No núcleo de Alverca do Museu Municipal existe uma fotografia destas festas, datada do início do século XX, onde se pode observar a afluência de pessoas no adro da Igreja e o coreto, construído para a ocasião. Actualmente nesse mesmo adro existe um coreto fixo, edificado em 1926 para a banda da Sociedade Filarmónica de Recreio Alverquense, uma das mais antigas do concelho de Vila Franca de Xira.

Na “vasta zona que se estende para o Sul e Norte do Tejo, a casa ora se aproxima da alentejana, ora ganha feição regional mais definida.”34As construções

Misericórdia Embora se vá abordar a história da Misericórdia de Alverca, no próximo capítulo, por se tratar de um elemento patrimonial integrado no Núcleo Histórico, é necessário fazer-se-lhe referência, embora breve. Como se verá em 8 de Setembro de 1583 foi lançada a primeira pedra para a edificação da Misericórdia de Alverca. Na porta da Igreja, encontra-se a data de 1597, pelo que se depreende terem sido necessários mais de dez anos para a construção de todo o complexo que incluía a Igreja, um albergue para receber os peregrinos e hospital.

populares em Alverca, não possuindo uma arquitectura marcante ou inerente a uma tipologia específica, enquadram-se, maioritariamente, no tipo de casas da Estremadura e do Alentejo. Constituindo um testemunho da nossa história e património, torna-se importante caracterizá-las dado o seu valor intrínseco.

AS CASAS POPULARES E REMINISCêNCIAS DE UMA ARQUITECTURA CAMARáRIA Para além do património edificado de cariz religioso ou camarário, é possível verificar-se no Núcleo Histórico, um conjunto de casas populares, construídas em diversas épocas, as quais constituem

Edifício nº 5 do Largo do Terreirinho AF

31 Cf. AHVFX, Livro de Contas do Concelho nos annos de 1839 e 1840, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, Concelho de Alverca, E/A 039.3, fl. 64. 32 Cf. AHVFX, Livro de Contas do Concelho desde 1º de Janeiro de 1841 ate áo ultimo de Junho de 1842, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, Concelho de Alverca, E/A 039.3.

33 Rocha Peixoto, Etnografia Portuguesa, Lisboa, Publicações D. Quixote, Fevereiro 1990, p. 160. 34 Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, Arquitectura Tradicional Portuguesa, Publicações D. Quixote, Fevereiro 2003, p. 177.

| 38 |


Fragmentos de Alverca

Na sua maior parte as casas que se podem encontrar no Núcleo Histórico de Alverca, apresentam planta rectangular simples com piso térreo e eram destinadas exclusivamente para habitação, como são exemplos algumas casas localizadas na Rua da Cumeira e do Outeiro. Existem também casas com dois pisos, em que a habitação se situava no piso superior e o comércio no piso térreo. Outras ainda, possuindo igualmente dois pisos, eram propriedade de famílias mais abastadas. Tanto as casas com funções comerciais como as de habitação burguesa podem ser encontradas na Rua Miguel Bombarda e no Largo Gregório Nunes.

e outros materiais, aproveitados de construções arruinadas. A argamassa, utilizada na junção da pedra e no reboco final, era constituída por partes de areia, cal e água. A cal era também usada para caiar as paredes, o que se fazia com regularidade, não só por motivos estéticos, mas também porque este material protege a casa da luz e do calor35. Os fornos de cal eram abundantes na região36, sendo assim um material bastante acessível. À semelhança das casas alentejanas, em algumas eram pintadas uma barra amarela ou azul no rodapé e nos cunhais.

Alguns registos permitem localizar, temporalmente, a origem destas construções no século XIX, princípios do XX, sendo contudo possível encontrar-se alguns exemplos de construção anteriores. O edifício nº5 da Calçada do Terreirinho apresenta na fachada, ao nível do primeiro andar um painel de azulejos, com a imagem de N. Sr.ª da Conceição, datado do século XVII. Embora tenha sido ampliado em época posterior, parte daquele edifício terá resistido ao Terramoto de 1755. Podem também encontrar-se edifícios datados do século XVIII, como são exemplos o edifício actualmente ocupado pela Junta de Freguesia e o número 35-37 da Rua Miguel Bombarda.

As janelas e portas em madeira têm moldura em cantaria.As varandas, das casas mais nobres, exibem gradeamento de ferro forjado. Os telhados, de duas a quatro águas, eram construídos com aplicação de telha de canudo (também denominada portuguesa ou meia-cana). No Adarce, junto ao moinho de maré, num lugar conhecido por Charneca do Telhal existia “[…] um prédio urbano e rústico composto de um telhal para fabricar telhal […]”37material que, eventualmente se utilizavam na construção das habitações da região. Em alguns dos telhados ainda se podem observar chaminés tradicionais da Estremadura38 de forma rectangular, terminando em três ou quatro triângulos, dispostos verticalmente, umas vezes abertos, outras fechados com argamassa. Curiosamente, algumas casas foram construídas utilizando como base a própria rocha, como se pode encontrar numa das casas da Rua do Outeiro, em que se percebe, ao longo da base da fachada Norte, uma extensa rocha calcária onde, inclusive, são visíveis inúmeros elementos fósseis de espécies bivalves marinhas.

Algumas das casas mais antigas, devido ao estado de degradação em que se encontram, servem de testemunhos relativamente ao tipo de materiais utilizados na construção As paredes exteriores eram construídas em alvenaria, com utilização de rocha calcária, abundante na região. A pedra utilizada não era trabalhada, apresentando tamanhos diversos e disposição irregular. Por vezes misturavam-se fragmentos de cerâmica, sobretudo de telha, embora tenham sido identificados fragmentos de panças e asas de pote, para além de tijolo compacto – vulgarmente conhecido como tijolo de burro – de forma dispersa. Estes vestígios indiciam a reutilização de pedra,

35 Cf. Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, Arquitectura Tradicional Portuguesa, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2003, pp. 151-152. 36 Cf. Alberto Pimentel, Portugal Pittoresco e Illustrado – II – A Extremadura Portugueza – Primeira Parte – O Ribatejo, Lisboa, Sociedade Editora Empreza da Historia de Portugal, 1908, p. 146. 37 Ministério da Marinha, Comissão do Domínio Público Marítimo, Processo nº 3554/77, parecer nº 4435, p. 5 38 Cf. J. Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa – Tentame de sistematização, Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, s/d, p. 231.

| 39 |


Fragmentos de Alverca

recortes pintados a negro, a lembrar casas beirãs. Note-se ainda a existência de trapeira na fachada norte do edifício nº 3 da rua do Açougue Velho. Destaque ainda para a mercearia localizada nos números 39-41, na rua Miguel Bombarda, propriedade de Luís Cipriano Carvalho, um dos últimos testemunhos do comércio tradicional em Alverca, a qual mantém os armários de madeira, pintados de verde, o balcão em pedra e toda a restante estrutura da mercearia construída no século XIX. Este tipo de mercearias está em extinção, sobretudo devido ao facto de dificilmente poderem competir com os grandes hipermercados. Lamentavelmente tendem a desaparecer. Esta é um exemplo de um património sobre o qual há que tomar medidas para a sua preservação.

Chaminé estremenha, Largo do Outeiro, AF

De acordo com Francisco Silva “A arquitectura urbana […] diferencia-se [da construção rural] no tratamento das fachadas, que assumem a função de virar o edifício para o exterior, através de janelas e varandins de ferro debruçados para a rua […]”39 o que pode ser encontrado, sobretudo, nas habitações da Rua Miguel Bombarda, possivelmente devido ao facto daquela ter sido a principal artéria do antigo concelho de Alverca.

Um outro aspecto a salientar no Núcleo Histórico é a presença de vestígios da arquitectura concelhia, reminiscências do concelho extinto em 1855. As ruas calcetadas e as escadarias são testemunhos dessa arquitectura. Nos livros de registos da Câmara de Alverca podem encontrar-se referências ao arranjo das ruas e de outras estruturas do concelho. Assim, em 1829, “Despendeu-se de hum mandado para concerto das Estradas interiores que se achavaõ aruinadas a quantia de dois mil, e quinhentos reis[...]”40 e em 1830 realizou-se “[…] o concerto da Calçada que vai para a Igreja Matris [...].”41

Algumas casas merecem destaque por apresentarem pormenores que as distinguem das restantes. É o caso do n.º 5/5A da rua da Boca Lara, a qual sobressai pela existência de um pórtico, no qual existem duas portas de acesso a um pátio interior e a uma casa modesta. O pórtico é caiado, apresentando uma barra em rodapé, ombreiras das portas e friso pintados de cinzento. No edifício nº 7 do largo Gregório Nunes, pode observar-se que o telhado é rematado em cauda de andorinha, aspecto comum a muitas casas da Estremadura. Na rua Miguel Bombarda podem ver-se em alguns edifícios a nível do piso térreo um revestimento exterior a imitar blocos de pedra, pintados de cinzento com

As ruas estreitas, calcetadas com pedra basáltica e calcária são, então, testemunhos do concelho extinto, algo que deve ser preservado como parte do património alverquense, assim como as casas antigas do Núcleo Histórico, herança do nosso passado que a todos compete defender.

40 AHVFX, Alverca – Receitas e Despesas do Concelho – Livro de Contas N.º 1, Concelho de Alverca, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, E/A 039.3, fl. 36. 41 Idem, fl. 39.

39 Francisco Silva “A Importância da Arquitectura Vernacular na Preservação do Património” Memórias de Pedra e Cal, catálogo da exposição, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Junho 2001, p. 143.

| 40 |


Fragmentos de Alverca

MISERICÓRDIA DE ALVERCA

Nos anos 40 do século XX, Fernando Torres afirmava, sobre as Misericórdias de Portugal, serem poucos os estudos documentados e pormenorizados relativos a esse assunto. “Impõe-se há muito o estudo metódico de t�das elas. Sem isso é impossível valorizá-las devidamente.”1 Ainda hoje, a grande maioria desses estudos, estão por fazer. No actual concelho de Vila Franca de Xira existem três Misericórdias, cujo estudo necessita ser realizado em profundidade: a Misericórdia de Vila Franca de Xira, fundada em 15612; a Misericórdia de Alhandra cuja fundação data de 15773; e a de Alverca, objecto deste trabalho.

quinhentos e oitenta e três e principal-mente do livro com que está encadernado o Compromisso, confirmado pelas suas reformaçõis pelos Re�s, que governaraõ esta Monarchia”4. O Compromisso aqui referido é, sem dúvida, o Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O primeiro data de 1516, rapidamente adoptado com modelo em todas as Misericórdias do país, tendo sido alvo de várias reformas, a primeira datada de 15775. Voltando ao manuscrito das Memórias, e à fundação da Misericórdia de Alverca, o autor transcreveu o texto manuscrito, possivelmente anexo pela irmandade ao volume do Compromisso, o qual referia: “He de saber, que falecendo nestaVilla huma Dona honrráda, que nella vivia natural da ilha da Made�ra, por nome Sollana Te�xeira, cazada com

As Memórias Paroquiais, escritas pelo Padre Manuel Henriques em 1758, é o único documento conhecido onde se dá a saber a origem da Misericórdia de Alverca de acordo com esta fonte “Pelo que se vê dos seos Livros fundouçe esta caza no anno de mil 1 Fernando Correia, Estudos sôbre a História da Assistência – Origens e Formação das Misericórdias Portuguesas, Lisboa, Henriques Torres Editor, 1944 2 Cf. Lino de Macedo, Antiguidades do Moderno Concelho de Vila Franca de Xira [1856], Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1992, p. 43 3 Cf. Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol. I, Lisboa, 1873, p. 131

4 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], p. 333. 5 Cf. André Ferrand de Almeida, «As Misericórdias», História de Portugal, Dir. José Mattoso, 3º Vol., Circulo dos Leitores, Lisboa, Dezembro 1993, p. 189.

| 41 |


Fragmentos de Alverca

Vasco Martins não havia nunca nesta villa memoria de se tratar se fazer caza da Mizericordia nem haver pessoa que tal esperasse nem cuidasse, que tal podia ser; ella fazendo seu tesstamentro [sic] disse nelle por – huma Verba, que ella de�chava as suas casas em que estavão os prezos para Mizericordia, e dezo�to mil reis para huma Bande�ra, fazendosse a obra em – dez annos; o que visto se entendeo por inspiração do Espiritto Santo, e que era sua vontade, que houvesse nesta Villa caza e Irmandade da Santa Mizericordia, tomando os prezentes isto por argumento, com este principio fundarão a Caza da Mizericordia, não nas que a defunta para isso deichou, mas em outras, que lhes déram por ellas, mais acomodádas para additta obra, e se põz a prime�ra pedra dia da Natividade de Nossa Senhora do anno de mil quinhemtos e oitenta e tres, e dal� em diante fo� em-crescimento como Deos quezera que ja cadda vez mais.”6

provedores da Misericórdia, Sebastião Barbosa de Souza Pegado, natural e baptizado em Alverca, filho de Paulo de Sousa Brandão, familiar do Santo Oficio, que na primeira metade do século XVIII exercia o cargo de sargento-mor de uma das Companhias de ordenança de Alverca9. O Santuário descrito pormenorizadamente, seria de estimação da Irmandade, considerado como prodigioso, saía em procissão “[...]em ocaziõis de seccas rigurozas, ou de innundaçõis perjudiçiáis, e sempre que se sahio com o santuario em proçissaõ a de preccar chuva ou postullar serenidade se alcansou do Ceo favoravelmente o que se-lhe pedio, de que há testemunhas de vista dos tempos antigos, como se esprimentou no anno de mil e sette centos e trinta e sette, no qual sahindo a Irmandade da Mizericordia com devotta, e decoroza proçiçaõ de preçes com este Santuário, quando mais se careçia de chuva logo ve�o muitto copioza como com individual clareza […].”10

Aqui termina a transcrição feita pelo Padre Manuel Henriques. Dela salientamos o dia de lançamento da primeira pedra da Misericórdia – 8 de Setembro de 1583. Na porta principal da Igreja encontra-se a data de 1597, tomada por alguns como sendo a de término das obras de edificação da Igreja7. Para além dos aspectos indicados no texto mais nada se sabe sobre Solana Teixeira, ou sobre o seu marido, o qual é possível ter sido natural de Alverca, onde possuía algumas propriedades deixadas à sua viúva e por ela legadas para a fundação da Misericórdia, a qual foi construída voltada para a antiga Estrada Real, actualmente conhecida como Rua Dr. Miguel Bombarda, a mais importante artéria da antiga povoação de Alverca.

A referência às condicionantes ditadas pelo tempo é curiosa, pois de facto Alverca encontrava-se numa região frequentemente assolada por períodos de seca e de enchentes, embora sejam mais frequentes as notícias das cheias, talvez pela dimensão trágica a elas associadas11. Uma carta do Prior Manoel Bento Lopes, da vila de Alhandra, datada de 20 de Abril de 1889, é exemplo das acções religiosas, envolvendo as Misericórdias, ocorridas por estas ocasiões. Nela se pode ler que “As tempestuosas chuvas, que continuam a prejudicar a agricultura a ponto de nos proporcionarem a esterilidade na região, que habitamos, levaram o nosso Em.mo e Ile.mo Prelado a derigir a todos os parochos e fieis d’esta diocese úma carta […] ordenando preces publicas, em todas as egrejas conventuaes e procissoês de penitencia nas terras onde seja possivel fazerem-se […]”12

Ainda com referência à Misericórdia, nas suas Memórias o Padre Manuel Henriques descreve a existência de “hum miracoloso Santuario de sagradas Relíquias”8, o qual terá sido obra de um dos

9 Cf. ANTT, Habilitações da Ordem de Cristo, Letra J, Mç. 30, Doc. 5. 10 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], pp. 334-335. 11 Sobre as cheias no Tejo Cf. José do Carmo Pacheco, Op. Cit., pp. 198-199 12 AHVFX, Oficio do Prior Manoel Bento Lopes ao provedor da Misericórdia de Alhandra, 20 de Abril de 1889, fundo da Santa Casa da Misericórdia de Alhandra, Correspondência Recebida, C/A – 003.

6 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], pp. 333-334 7 Cf. José do Carmo Pacheco, Op. Cit. p. 126 8 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], p. 334.

| 42 |


Fragmentos de Alverca

desse modo pedia-se ao provedor da Misericórdia de Alhandra para “[…] dar as providencias, para que a irmandade […] tome logar n’aquella solene procissão, arvorando a cruz com o senhor das Mesericordias, que é a sua principal insígnia […]”. Mesmo tratando-se de um documento dirigido à Misericórdia de Alhandra, acredita-se ser possível algo semelhante ter acontecido em Alverca, mesmo porque o documento faz referência ao facto da carta pastoral ter sido enviada a todos os párocos da diocese.

Em relação à caracterização da Santa Casa da Misericórdia de Alverca o mesmo documento informa-nos que “Tem esta Villa Caza da Mizericordia, com Hospital, que só serve de albergaria aos peregrinos, e suposto que as rendas da Mizericordia já foçem menores, contudo por hora só-mente se favoreçem os viandantes de carta de guia e se acode as indispensaveis despezas de Andante, Cappellaës, e mais obrigaçois.”14 Sobre a existência de um hospital, muito comum associado às Misericórdias, as informações são escassas. É o próprio Padre Manuel Henriques que nos informa que o hospital só servia de albergaria, deixando antever que a Irmandade, já então, sofria de algumas carências económicas, não lhe permitindo manter um hospital no verdadeiro sentido do termo. Da albergaria temos notícias de se localizar no edifício anexo à Igreja, a qual para “[…] além de uma camarata bastante ampla, possuía também quatro quartos bem providos e asseados.”15 Costa Goodolphim numa tabela criada a partir de um documento de 1859, indica não existir hospital na Misericórdia de Alverca16. Testemunhos orais referem a existência de um pequeno posto de médico no primeiro andar do edifício anexo à Igreja em pleno século XX.

Voltando às relíquias do santuário, adianta o Padre Manuel Henriques não se saber ao certo a sua origem, ou data “[...]e só por tradição se cre, que as deu huma virtuosa Dona Missia Pimenta, ou Pimentel, que dizem ser oriunda desta villa de Alverca e que vindo de Roma a H�erúzalem a onde fo� em pirigrinação trouçéra aquellas Reliquias.”13 Do Santuário, e respectivas relíquias, resta a descrição deixada nas Memórias. Até ao momento foi impossível descobrir qualquer outra informação sobre o seu paradeiro.

Há ainda uma última referência à Misericórdia nas Memórias, ao descrever os danos causados pelo Terramoto de 1755 na Igreja de São Pedro, o padre Manuel Henriques informa que “[...]as imagens dos santos, como o santissimo sacramento se transferirão p.a a Igreja da Mizericordioa, que desde o ditto terramoto, ate o prexente serve a freguezia inte�rmente, menos na sepultura dos defuntos porque este settem enterrado nos covais da Igreja Parochial [...]”17 O Terramoto de 1755

terá causado enormes

Fachada Oeste da Igreja da Misericórdia, MMVFX-NA, Sd 14 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], p. 333. 15 José do Carmo Pacheco, Op. Cit., p. 161 16 Costa Goodolphim, As Misericórdias, Lisboa, Livros Horizonte, 1998, p. 229 17 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], pp. 330-331.

13 ANTT, Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca], p. 335.

| 43 |


Fragmentos de Alverca

danos no então Concelho de Alverca. Entre os edifícios danificados encontrava-se a Casa da Câmara situada, na actual Praça João Mantas, a cerca de quinhentos e cinquenta metros a sudoeste da Misericórdia; e a Igreja Matriz a cerca de quatrocentos metros, a oeste. Na Rua João Mantas, à esquerda da fachada tardós da Misericórdia, existe um edifício setecentista provavelmente construído após o Terramoto, tal como a maioria dos edifícios próximos, levando-nos a aventar a hipótese de, a haver algum edifício anterior, também ele ter sido derrubado quando do Terramoto. Curiosamente, entre os escombros de Alverca arruinada, erguia-se a Misericórdia, intacta18. As razões desse fenómeno talvez se possam averiguar através de estudos geomorfológicos, para o que seria necessária uma intervenção arqueológica no local.

de Misericordias das Cidades, e Villas destes Reinos, e seus Dominuis, se regulem pelo Compromisso da Santa Casa da Misericordia de Lisboa. Este Alvará do Príncipe Regente D. João datado de 18 de Outubro de 1806, estipula “Que todas as Casas de Misericordia das Cidades, e Villas destes Reinos, e seus Dominios se regulem pelo compromisso da Santa casa da Misericordia de Lisboa, no que for accommodado ao estado das suas rendas, á natureza da applicação dos seus Bens, e mais circunstancias dignas de attenção [...].”21 Notoriamente, após a leitura do Compromisso, entende-se que muitos dos parágrafos dificilmente poderiam ser aplicados à Misericórdia de Alverca, já para não referir aqueles que só competem mesmo à Misericórdia de Lisboa, como é o caso do Capitulo XL sobre a administração e governo do Hospital de Todos os Santos.

Um dos documentos mais interessantes do Arquivo da Associação de Assistência e Beneficência da Misericórdia de Alverca (AABMA), é o volume composto por uma série de documentos diversos, impressos e manuscritos, colados e encadernados em conjunto, com uma capa de cor azul onde se lê, numa etiqueta manuscrita: Compromisso da Santa Caza.

Ainda no Alvará é feita referência à obrigatoriedade de se realizarem registos: “[...] E em todas [as Casas e Hospitais] haverá hum livro separado, em que estejam descritos todos os Bens móveis, e de raiz, direitos e acções pertencentes à mesma Santa Casa [...].”22 A existir um tal livro na Misericórdia de Alverca este desapareceu, como tantos outros. No entanto é possível conhecer-se alguns dos seus bens a partir do estudo de testamentos e, sobretudo dos Mappas estatísticos dos Juristas Foreiros e rendeiros da Irmandade da Misericórdia de Alverca do Ribatejo. Embora esses dados abarquem uma época muito curta desta instituição – século XVIII a XIX, sensivelmente –, trata-se de um estudo que será importante realizar.

Na folha de rosto, manuscrita, lê-se: “Compromisso pelo qual se regula actualmente a Irmandade da Meziricordia da Villa d’Alverca na que lhe pode ser aplicavel, assim como varias Ordens e Regulamentos do Governo para Orçamentos e prestaçaõ de contas […]”19 Um pouco mais abaixo foi acrescentado, em época posterior, manuscrito a lápis: “Não se tem seguido a doutrina deste compromisso por ser impossivel na actualidade.”20

Logo a seguir ao Alvará surge o Compromisso da Misericordia de Lisboa. Impressa em Lisboa, na Oficina de Joseph da Silva Natividade, em 1745. Como já foi referido anteriormente, o primeiro Compromisso data de 1516. O rápido crescimento das Misericórdias por todo o reino e para além

Segue-se, impresso, o Alvará, por que Vossa Alteza Real Há por bem Determinar que as Casas 18 Cf. Alfredo Marujo, Paróquia de S. Pedro de Alverca – Elementos para a sua História, Alverca, Paróquia de S. Pedro de Alverca, 1999, p. 29 19 AAABMA, Compromisso da Santa Casa, Villa d’Alverca, Irmandade da Misericórdia, compromisso pelo qual se regula actualmente a irmandade da Misericórdia da Villa d’Alverca na que lhe pode ser aplicável, assim como várias ordens e regulamentos do Governo para acentos apresentados de contas, como se regem, 1836, Capa. 20 Idem, Ibidem.

21 AABMA, Compromisso…, Alvará, p. 1 22 AABMA, Compromisso…, Alvará, Cap. VI, p. 3

| 44 |


Fragmentos de Alverca

dele, assim como o aumento das suas acções e responsabilidades levou à necessidade das reformas de 1577 e 161823. A presente edição de 1745 procurava abarcar toda e qualquer acção das Misericórdias, substituindo inteiramente as anteriores. Fala-se nos deveres das Irmandade, do modo como se procedia à escolha dos seus membros, aos cuidados a observar quando em qualquer missão específica. A sua leitura transmite-nos uma imagem muito clara das actividades das Misericórdias no século XVIII.

irmandade, mas também para qualquer outro caso em que a eleição por sufrágio fosse necessária27. No Capitulo II: Das Obrigações dos Irmãos, referese a obrigação dos membros da Irmandade de se dirigirem à Misericórdia sempre que chamados, para além da obrigação de se reunirem cinco vezes em cada ano no “[…] dia da Visitação de nossa Senhora à tarde, para escolherem os eleitores; Dia de S. Lourenço à tarde, para elegerem os Definidores […] dia de todos os Santos à tarde, para acompanharem a Procissão com que se vão buscar as ossadas dos que padecerão por Justiça […], dia de S. Martinho pela manhã ao saimento que se faz por todos os Irmãos defuntos […,] quinta feira de Endoenças à tarde para acompanharem a Procissão dos penitentes [...] e visitarem o Santo Sepiuchro em algumas Igrejas que ficarem em commodidade.”28

No Capitulo I fala-se «Do numero, e qualidades, que hão de ter os Irmãos da Misericordia», refere-se na existência de seiscentos irmãos «trezentos nobres, e trezentos officiaes»24. É duvidoso que fosse esse o número de irmãos na Irmandade de Alverca. Este é um dos exemplos indicativos da necessidade de cada Irmandade adaptar o Compromisso à sua realidade específica.

No Capitulo IV fala-se da eleição dos Oficiais. No parágrafo 2 lê-se. «Para este effeito se porá huma mesa redonda na Igreja na nave do meyo debaixo do Coro, e nella se assentará o Provedor, e mais Irmãos [...].»29 De acordo com testemunhos orais30, em meados do século XX, as reuniões da AABMA, realizavam-se na nave da Igreja da Misericórdia. Os membros da Associação acomodavam-se em redor de uma mesa rectangular comprida, possivelmente uma reminiscência do disposto no Compromisso.

No terceiro parágrafo traça-se o carácter e as condições necessárias para alguém se tornar Irmão da Misericórdia. Deviam ser “[...] homens de boa consciencia, e fama, e tementes a Deos, modestos, caritativos, e humildes [...]25. Para além disso deviam reunir sete condições, bem definidas, como ser limpo de sangue; encontrar-se livre de toda a infâmia de feito, e de Direito; devia ter a idade conveniente, maior de 25 anos; não podia ser assalariado da Misericórdia, no caso de exercer um ofício devia ser proprietário“[…] e izento de trabalhar por suas mãos”; devia ser pessoa sensata e, o mais importante devia ser abastado26. A admissão na Irmandade era realizada sobre rigoroso segredo, ficando os candidatos sujeitos a cuidadas averiguações, no sentido de se apurar serem possuidores de todas as condições exigidas. A votação, realizada em Junta, fazia-se através de um sistema de favas brancas e favas negras, não só para os casos de admissão de novos membros na 23 24 25 26

Fachada Norte da Igreja da Misericórdia, MMVFX-NA, Sd 27 Cf. Idem, Cap. I, § 7, fls. 2 e Cap. III, § 2 fl.5, por exemplo 28 Idem, Cap. II, p. 3 v. 29 AAABMA, Compromisso…, Cap. IV, § 2, fl. 6 30 Entrevista realizada ao Sr. Arnaldo Barros, em 2005, aquando da investigação para este trabalho.

Cf. André Ferrand de Almeida, Op. Cit., p. 189 AABMA, Compromisso…, Cap. I, § 1, fl.1 Idem, Cap. I, § 3, fl. 1 v. Cf. Idem, Cap. I, § 3 fl. 1 v.

| 45 |


Fragmentos de Alverca

Um pouco mais à frente, nesse documento, informa-se ser a Mesa da Irmandade composta por treze cargos eleitos anualmente. Por ordem de importância, eram o Provedor, o Escrivão, o Recebedor de Esmolas, oito Conselheiros (quatro nobres e quatro oficiais), o Mordomo da Bolsa e o Mordomo da Capela31. Todas estas pessoas tinham o compromisso de se reunir aos “Domingo à tarde, para tratarem [...] o que pertence aos prezos, e seus livramentos”, às “quarta feira pela manhã, para darem esmola aos pobres que não forem da visitação ordinaria, e despacharem as petições” e à sexta-feira, de manhã para tratar de assuntos vários32.

para além do papel desempenhado em diversos ofícios camarários, e da ligação, de alguns desses homens, às Companhias de Ordenanças, esta família estendia a sua influência também à Misericórdia. Outro dos cargos referenciados no Compromisso era o de Recebedor de Esmolas, ao qual competia, entre outras funções, receber e fazer registo de qualquer testamento que beneficiasse a Misericórdia. O documento Escritura de Compozição e obrigação do vinculo de huma capela, que fazem Matheus Rodrigues, por poder vocal que tem de sue filho Raimundo Rodrigues Roza, com o Provedor, e mais Irmaons da Meza da Santa Caza da Mizericordia desta vila de Alverca, datado de 14 de Abril de 1789 relata que Jerónimo Correa Florim, morador no Brasil deixou em testamento a quantia de novecentos mil reis para que: “[…] se fizera per Sua alma e de dezer defuntos huma missa cotidiana neste Reino de Portugal, em alguma das cazas da Santa Mizericordia delle que melhor paressesse a seu Testamenteiro[… ]”36 O testamenteiro, também a viver no Brasil, terá incumbido o seu pai para providenciar as disposições do defunto, o qual terá escolhido a Misericórdia de Alverca como beneficiária. Outro testamento, o de Maria da Glória da Silva Monteiro, de 1866, é o exemplo, comum na época, de legado às Misericórdias. Neste caso específico pode ler-se “Deixo à Mesiricórdia da Villa d’Alverca por huma só vez a quantia de doze mil reiz”37, sem qualquer indicação de utilização especifica da verba38.

Sobre as características do Provedor, o cargo maior da Irmandade, é referido que “[…] será sempre hum homem fidalgo, de authoridade, prudencia, virtude, reputação, e idade de maneira, que os outros Irmãos o possão reconhecer por cabeça, e lhe obedeção com mais facilidade [...] naõ poderá ser eleito de menos idade de quarenta annos.”33 Já o escrivão “[…] será huma pessoa nobre; de tal virtude, prudencia, e condição, que possa dar expedição aos negocios com certeza, e facilidade; será de quarenta annos de idade [...].”34 Uma análise dos documentos disponíveis pode indicar-nos o nome dos provedores e escrivães da Misericórdia de Alverca, muitos dos quais é possível associar a ofícios exercidos na Câmara e nas Companhias de Ordenança. De facto os “grandes da terra” dominavam o poder local em mais que uma das suas manifestações. Tome-se como membro Sebastião Barbosa de Sousa Pegado, já mencionado. Para além do seu nome foram encontrados, nos documentos do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa35, documentos com a assinatura de José de Sousa Pegado Serpa (1779), Miguel de Sousa Barbosa Pegado Serpa (1788) e de Álvaro Xavier de Sousa Pegado Serpa (1819), revelando que, 31 32 33 34 35

Relativamente às obrigações do Mordomo dos Presos, cargo de extrema importância visto “[…] que esta fo� a primeira obra, em que se enpregaraõ os primeiros Irmão, que instituirão esta Irmandade”39, é indicado que este devia estabelecer um rol de 36 AAABMA, Escritura de Compozição e obrigação do vinculo de huma capela, que fazem Matheus Rodrigues, por poder vocal que tem de sue filho Raimundo Rodrigues Roza, com o Provedor, e mais Irmaons da Meza da Santa Caza da Mizericordia desta vila de Alverca. 37 MMNA, Testamento de Maria da Glória da Silva Monteiro, falecida a 22 de Novembro de 1864, moradora da Villa d’Alverca, filha legítima de António Francisco Monteiro e dona Luiza Thereza Jose e Silva, Sentença Cível de 25 de Agosto de 1866, p. 6 38 O assunto dos Testamentos é retomado no Capitulo XXVIII, folhas 29 a 30, onde se especificam os modos de aceitação dos mesmos. 39 AAABMA, Compromisso…, Cap. XI, §1, fl. 14.

Idem, Cap. V, § 4, fl. 7 Cf. Idem, Cap. VII, § 7, fl. 9 Idem, Cap. VIII, § 1, fl. 10 Idem, Cap. IX, § 1, fl. 11-12 Cf. ASCML, Maço n.º 21 – Alverca – 1778/1826.

| 46 |


Fragmentos de Alverca

presos necessitados, seguindo alguns preceitos especificados, como seja ter-se em conta a pobreza e desamparo da pessoa, a qualidade da causa devido à qual estavam condenados – excluíam-se os presos por dividas, fianças e os fugidos ao degredo –, e a situação em que se encontram na prisão, não podendo ser admitidos presos com menos de trinta dias. Uma das funções do cargo de mordomo seria a de tratar do “livramento” dos presos, cuidar da sua espiritualidade, providenciando confissões e comunhão em datas certas, cuidar da sua alimentação e saúde, e fazer “[...] por alcançar perdão das partes, que accusão os prezos, se os casos forem de qualidade, que soffrão pedirem-lho sem escandalo; e se for necessario, daráõ aviso à Mesa, para que as mande chamar, na fórma que lhe parecer conveniente.”40

ricórdias está estabelecido o terem hum Campo Santo para Cemiterio: Permitto que em todas ellas o possão estabelecer do mesmo modo, o que farão, sendo possivel, fóra das Povoações, requerendo para esse effeito ás authoridades Ecclesiasticas a que competir; e lhes Hei por facultada a licença para a acquisição do Terreno, que para esse fim for necessario.”44 Apesar desta disposição, o cemitério de Alverca seria construído muito depois, segundo uma ordem do Governador Civil do distrito, datada de 4 de Novembro de 183545. Ainda uma das missões da Misericórdia chama a atenção, trata-se “Do Modo com que se hão de ir buscar as ossadas do que padecerão por justiça”. Sobre este assunto é estipulado o modo e o dia em que se devia executar: “Dia de Todos os Santos, acabada a Missa do dia, mandará o Mordomo da Capella correr as Insignias da Irmandade, para se ajuntarem os Irmãos, conforme a obrigação que tem, para irem buscar à forca de Santa barbara as ossadas dos que padecem por justiça, e com esta demonstração de piedade Chistã obrigar aos mais fieis a lembrarse dos defuntos, ainda que sejão tão desamparados como estes parecem.”46 Descrevese, depois, o modo como os irmãos deviam seguir em procissão e das tarefas de cada um. Esta deveria ter sido uma das missões da Misericórdia de Alverca, embora ainda não tenha sido encontrada documentação que o comprove. O facto é ter Alverca um local, situado à saída da povoação, popularmente conhecido como Lugar da Forca, por ali, de acordo com a tradição, ser construída a forca de execução dos condenados à morte, pela justiça do Concelho.

No Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa existe uma carta da Misericórdia de Alverca, datada de 1778, ilustrativa deste assunto. Nesse documento a Irmandade de Alverca informava ter conseguido que a “[…]Confraria do Gloriozo Mart�r S. Sebastião, cuja Hermida he situada nos confins desta Villa […]”41 concedesse “[...] perdão do roubo que fez Jeronimo Tavares dos adornos da mesma gloriosa Imagem [...]”42, deste modo a Irmandade de Alverca havia dado resposta à solicitação da Misericórdia de Lisboa a qual “[…]caritativamente solicita em beneficio do mizeravel Reo em cujo livramento se interessa […]”43. Para além das disposições relativamente aos presos, também era importante que a Misericórdia tomasse especiais actuações relativamente ao sepultamento das pessoas falecidas na povoação, sobretudo no que concerne àqueles que faziam parte da irmandade. No Compromisso pode ler-se: “[...] E por quanto em muitas das sobreditas Mise-

Muitas outras disposições podem ser encontradas no Compromisso, embora não seja possível, neste momento encontrar dados específicos relativamente à Misericórdia de Alverca.

40 Idem, Cap. XI, §5, fl. 15 41 ASCML, Carta dirigida ao Provedor e Irmão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de perdão do roubo que fez Jerónimo Tavares dos adornos das Hermida de S. Sebastião. Agosto de 1778, Alverca, Maço nº 21. 42 Idem, Ibidem. 43 Idem, Ibidem.

44 AAABMA, Compromisso…, Alvará, p. 6 45 Cf. PACHECO, José do Carmo, Op. Cit., p. 197. Este tema será retomado em capítulo próprio. 46 AAABMA, Compromisso…, Cap. XXVII, § 1, fl. 38

| 47 |


Fragmentos de Alverca

Relativamente às acções desta Irmandade, é possível que futuras investigações revelem novos dados. Quanto à sua história sabe-se que, com o advento da República e a extinção de grande parte destas instituições locais, os bens da Misericórdia deveriam ser entregues ao Hospital de Vila Franca de Xira, ainda a ser construído. De modo a manter esses bens em Alverca, a Irmandade procurou criar uma Associação a qual, em Alvará de 26 de Agosto de 1915, ganhava o nome de Associação de Assistência e Beneficência da Misericórdia de Alverca47.

um grupo coral, sala de reuniões e convívio. No primeiro andar chegou a funcionar um posto de saúde51, depois transformado, em 1980, em Centro de Dia e Apoio à Terceira Idade. Actualmente não tem qualquer função específica, servindo de apoio às actividades da AABMA. O espaço da antiga albergaria, no rés-do-chão, foi transformado numa lavandaria nos anos 80, do século XX. Na Igreja sobressaem os azulejos do século XVII, sujeitos a uma recente intervenção de restauro pelo IGESPAR, com acompanhamento do Gabinete de Conservação e Restauro do Museu Municipal de Vila Franca de Xira. O altar, entaipado por uma estrutura de aparite, é acessível através de uma porta geralmente trancada. O espaço estreito entre a aparite e altar, serve de arrumação. Do altar vê-se a pintura lateral e a moldura de estuque onde, aparentemente, existiria um retábulo. Lateralmente vêem-se espaços para quatro telas mais pequenas.

No arquivo da AABMA encontra-se o livro de actas, com três entradas, datado de 1916/1748. A primeira sessão, de Junho de 1916, refere a “[…] entrega de todos os bens e valores da extinta Irmandade da Misericórdia de Alverca.”49 Nele pode ler-se ter a extinta Irmandade apresentado “[...] o inventario de todos os bens e valores da referida Irmandade, bem como livros de receita e despesa dos ultimos annos; o que estes, se prestaram da melhor vontade [...]”50 Infelizmente não se encontrou qualquer relação do inventário desses bens, impossibilitando conhecer, com exactidão, qual a verdadeira extensão das propriedades e bens da Irmandade da Misericórdia à data da sua extinção.

A igreja necessita de intervenção urgente, nomeadamente no que se refere ao restauro no altar e do tecto, o qual apresenta graves problemas, ameaçando ruir. Uma intervenção profunda – só possível com apoio conjunto entre Câmara, Junta de Freguesia, Associação e IGESPAR – não só resolvia os problemas eminentes, como poderia solucionar alguma das dúvidas em relação à estrutura arquitectónica, para além de poder fornecer novos dados, após uma intervenção arqueológica. Apesar disto aquele espaço emana ainda uma aura de poder. No âmbito dos domínios locais, as irmandades da Misericórdia eram promotoras de acções de assistência social. Em Alverca, como noutros concelhos, a Misericórdia consumava, sobretudo no respeitante às questões de justiça, as funções da própria Câmara. Deste modo tanto histórica como patrimonialmente a Misericórdia é um elemento que valoriza esta cidade, pelo que a sua preservação é indispensável.

Aspecto do interior da Igreja da Misericórdia, AF, 2005.

O espaço da antiga Santa Casa da Misericórdia, pertencente ainda à AABMA, tem servido para vários fins. A Igreja serve de salão de ensaios de 47 48 49 50

Cf. Idem, Ibidem. AAABMA, Livro de actas, 1916/17 Idem. Idem.

51 Cf. José do Carmo Pacheco, Op. Cit. p. 162 e ficha de entrevista nº 3, anexo p. 75

| 48 |


Fragmentos de Alverca

MEMÓRIAS DE ALVERCA NA EPIGRAFIA LOCAL

embarcações romanas, carregadas com produtos que eram comercializados por todo o vasto Império Romano.

Ao longo da história da humanidade o Homem procurou sempre eternizar os seus feitos, utilizando a pedra como meio privilegiado de transmissão de memórias. Desde o tempo em que se gravava na rocha símbolos e desenhos, cuja mensagem mal se consegue interpretar e que hoje são testemunhos do Homem do Paleolítico, passando – já com a invenção da escrita – pelas primeiras civilizações, verifica-se que todos os povos deixaram, inscritas na pedra, memórias da sua passagem pela História.

Testemunho da ocupação romana do território que é hoje Alverca – para além de uma diversidade de vestígios encontrados, nas escavações arqueológicas realizadas na povoação – é a cupa funerária romana, encontrada fora do seu contexto original, no lugar de São Romão, datável entre o século I e II, esculpida em calcário. De acordo com os arqueólogos1, este tipo de cupas está, na maioria dos casos estudados, associada a indivíduos que ascenderam socialmente, tornando-se cidadãos romanos. Este achado cimenta a hipótese de ter existido, no local, uma povoação com alguma importância.

Em Alverca, como em todo o lado, a História inscreve-se também na pedra. Os vestígios mais antigos de Alverca datam do período de ocupação romana. Tudo indica ter existido nesse local uma povoação com alguma importância, situada no cruzamento de três vias de comunicação: uma via terrestre que ligava Sacllabis (a actual Santarém) a Olissipo (que hoje conhecemos como Lisboa); uma outra via terrestre que seguia o percurso da várzea saloia, que corresponde hoje às povoações entre Vialonga e Lumiar; e a mais importante de todas as vias o Tagus (Tejo), por onde transitavam as

Marcando uma época muito posterior conhece-se a lápide que se encontrava, originalmente, por baixo de uma janela brasonada, do palácio da quinta do 1 Informação gentilmente fornecida pelos arqueólogos João Pimenta e Henrique Mendes.

| 49 |


Fragmentos de Alverca

Galvão hoje desaparecido. O palácio datava do século XI, bastante arruinado no século XX, terá sido destruído na década de setenta. A lápide partida foi guardada, durante anos, numa garagem. Em 1990 foi doada ao Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, tornando-se um dos objectos patentes na primeira exposição permanente desse núcleo museológico. A sua leitura revela a passagem por Alverca, em 1699, de D. Pedro II, acompanhado por dois dos seus filhos. Teriam vindo assistir às festas em honra do São Pedro, padroeiro da vila – que ainda se realizam actualmente. Outro dado revelado pela epígrafe é o facto dos membros da realeza terem sido acomodados no palácio do Galvão, possivelmente o único na vila com condições dignas para receber o rei. Não foi encontrado qualquer outro documento que refira a presença de D. Pedro II em Alverca, a lápide epigráfica é, até ao momento, a única fonte disponível para o conhecimento desse facto.

Quando a 1 de Novembro de 1755 o grande Terramoto atingiu Alverca, os Paços do Concelho caíram por terra, assim como tantos outros edifícios religiosos e civis. Alverca estava vinculada às Capelas de D. Afonso IV, pelo que coube ao provedor daquela instituição a edificação da nova Casa da Câmara. Único testemunho do processo é a lápide epigráfica da fachada do edifício. Encimada por dois brasões – o da rainha Mariana Vitória, esposa de D. José I e o do bispo Paulo Carvalho de Mendonça – a lápide revela que o edifício terá sido construído em 1764, à custa do fundo das Capelas de D. Afonso IV e por indicação de Paulo de Carvalho e Mendonça: Conselheiro dos reis D. João V e D. José I, Conselheiro Geral do Santo Ofício, Presidente e Vedor das Reais Fazendas e da Casa da Rainha Mariana Vitória, Comissário Geral Apostólico da Bula da Santa Cruzada, Prior da Real Colegiada de Guimarães, Provedor e Administrador das Capelas de D. Afonso IV e, algo que a lápide não refere, irmão do ministro do reino Sebastião José de Carvalho e Melo que, a partir de 1769, seria Marquês de Pombal. Na fachada do edifício pode ver-se, mais em baixo, uma outra lápide epigráfica. Trata-se de uma estela funerária romana, em mármore branco com nódulos rosados. Actualmente fora do seu contexto original, alguns autores defendem que terá sido encontrada aquando da demolição da porta de ferro da Cerca Moura do Castelo de São Jorge em Lisboa, embora a análise das fontes permitam considerar a hipótese de ser original de Alverca2. Embutida no edifício da Câmara, como elemento decorativo, parece enquadrar-se no espírito da época, pois era costume evidenciar-se a epigrafia quando esta servia de testemunho da antiguidade da povoação. A lápide constitui a memória de Marco Lícinio Quadrato, cidadão romano da tribo Galéria3. 2 Cf. Anabela Ferreira, CASA DA CÂMARA DE ALVERCA – Conhecer a sua História, Valorizar um Património (1755-1855), Dissertação do Mestrado em Estudos do Património, texto policopiado, Centro de Documentação do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 2007, pp. 77-78. 3 Cf. A. M. Dias Diogo, “Notícias de Dois Vestígios Romanos no Concelho de Vila Franca de Xira”, Boletim Cultural 1, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1986, p. 110.

Janela do Palácio do Galvão. MMVFX-NA | 50 |


Fragmentos de Alverca

Estela Funerária Romana AF

Ainda uma outra epígrafe, esta no velho cemitério de São Sebastião em Alverca, é a lápide funerária mais antiga actualmente existente no local. Recorda a memória de José Evaristo da Silva. Nascido em Alverca em 1784, aí terá aprendido o ofício de barbeiro. Posteriormente ingressou os quadros do Hospital Real de S. José, em Lisboa, como barbeiro e praticante sangrador. Mais tarde havia de se formar cirurgião. Foi cirurgião do exército durante a Guerra Peninsular. É um dos nomes citados como sendo um alverquense ilustre na Monografia de Alverca de José do Carmo Pacheco. Faleceu em 17 de Dezembro de 1837, a família mandou gravar a memória em pedra4.

Lápide de José Evaristo da Silva AF

Actualmente a informação corre célere. Tantos meios escritos, falados, visionados. Multiplicam-se arquivos. A informação é entendida como algo a preservar. No entanto, é na pedra que se continua a gravar a memória daqueles que morrem. Na pedra se regista a inauguração de edifícios sociais ou culturais. Também na pedra são ainda inscritos os topónimos das ruas. Existem meios técnicos, como jamais os antigos poderiam imaginar existir. Actualmente os registos são realizados não só em papel mas também em suportes digitais, no entanto estes veículos de informação são falíveis e possuem um curto período de vida. Por esse motivo a pedra continua a servir de instrumento de escrita onde se imprimirem as mensagens que queremos deixar às gerações futuras.

Qual é, afinal, a importância destas memórias em pedra? A História de Alverca agita-se, faz-se presente no Núcleo do Museu Municipal, nas ruas do Núcleo Histórico e, também, nessas lápides, algumas das quais ainda no seu local original, com séculos de existência, guardiãs das palavras gravadas, fontes históricas com anseios de eternidade. 4 Cf. José do Carmo Pacheco, Monografia de Alverca, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca, 1998, p. 96.

| 51 |


Fragmentos de Alverca

| 52 |


Fragmentos de Alverca

ELEMENTOS PARA A HISTÓRIA DA MORTE EM ALVERCA

Numa altura em que se processa a primeira fase da desactivação do velho cemitério de São Sebastião, considera-se importante dar a conhecer algumas pistas que possibilitam a percepção do culto da morte em Alverca, ao longo da História. Os vestígios mais antigos de um culto aos mortos neste território, datam do Campaniforme, um dos períodos da Pré-história, como testemunha o vaso, datado dessa época, encontrado no Alto do Pinheiro e, actualmente, parte do espólio arqueológico do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira. Desse espólio faz parte, também, a cupa funerária romana, encontrada no Bom-Sucesso, a qual, juntamente com a estela funerária embutida na fachada principal da antiga Casa da Câmara, testemunham o culto aos mortos no período de ocupação romana.

terreiros próximos, por vezes designados por cováis conforme se pode ver nas Memórias Paroquiais, datadas de 1758. Neste documento pode ler-se que todos os rituais religiosos se realizavam na Igreja da Misericórdia excepto o que dizia respeito às “[…] sepulturas dos defuntos porque estes se têm enterrado nos cováis da Igreja Parochial […]”1 a qual havia sido derrubada pelo terramoto de 1755. Na Igreja Matriz de São Pedro podem ainda observar-se algumas pedras tumulares, junto ao altar, cujas inscrições, quase sumidas, estão ainda por investigar. Também por investigar estão os registos paroquiais de Alverca, os quais constituem um dos fundos depositados na Torre do Tombo. Este fundo é composto por 139 livros, datados de 1591 a 1897, incluem os registos de baptismo, casamento e óbitos. Embora constituam uma fonte privilegiada para o conhecimento da população de Alverca ainda não foram completamente estudados. A

Na era cristã, desde a Idade Média o enterramento no interior das igrejas estava reservado à nobreza, que pagava somas avultadas por tal honra. A restante população era sepultada nos adros ou

1 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43, [Alverca], fl. 331.

| 53 |


Fragmentos de Alverca

análise dos registos de óbitos deverá lançar novos dados sobre o tema agora abordado.

arrematação publica e compra directa a particulares, uma grande quantidade de terras em Alverca3.

Em finais do século XVIII o célebre intendente José Inácio de Pina Manique seria dos primeiros a lançar o alerta para os perigos de insalubridade pública provocado pelos enterramentos nas igrejas e a ordenar, num decreto datado de 5 de Abril de 1796, a procura de terrenos, fora da povoação para a construção de cemitérios. Contudo, só anos mais tarde se criaram medidas para a efectivação dessa realidade. Em 10 de Fevereiro de 1844, o governo emitia a carta de lei proibindo o enterramento dentro das igrejas, a qual provocou diversas contestações populares, como a ocorrida no Minho, originando o célebre levantamento popular conhecido como Maria da Fonte, motivado pela resistência da população em alterar os usos e costumes, que vinha perpetuando ao longo de largos séculos. Há que recordar que a população, maioritariamente analfabeta, não entendia a questão de saúde pública, por outro lado a própria Igreja resistia à mudança, pois uma parte das rendas vinha não só das cerimónias fúnebres, que se haviam de manter, mas também dos próprios sepultamentos. Apesar da resistência, aos poucos começavam a aparecer, por todo o reino, os primeiros cemitérios.

Na posse do terreno, de imediato se iniciaram as obras, conforme se pode observar pelo pagamento de diversas despesas relacionadas, como aquela registada em 31 de Outubro de 1837, referindo que o Concelho entregou “[...] a João Paulo Delgado de Mattos a quantia de mil e duzentos para pagamento da pedraria do Pórtico do Cemitério de S. Sebastião[...].”4 Depois da obra concluída, os livros de receitas e despesas da Câmara de Alverca mostram que de 1838 até 1844, se pagava, anualmente, ao Conde de Farrobo a quantia de dois mil reis do foro do Cemitério, o qual vencia a 15 de Agosto5. Esta quantia era o equivalente, na altura, ao vencimento mensal do contínuo da Câmara6.

Uma ordem, datada de 4 de Novembro de 1835, emanada pelo Governador Civil do distrito, dava início ao processo de construção do cemitério do então concelho de Alverca, obra que ficava a cargo da Câmara Municipal. A 30 de Agosto de 1837, fazia-se o pagamento de dois mil e quinhentos réis da escritura de aforamento do “[...] chão para o Cemitério da Freguesia de S. Pedro em virtude da deliberação da Câmara [...]”2, a propriedade pertencia ao Conde de Farrobo o qual, em finais do século anterior, havia adquirido, por

Carreta Funerária AF

3 Cf. ANTT, Fundo do Morgado do Farrobo, Livros 7 e 8. 4 AHVFX, Livro d’ Receitas, e Despeza do Concelho d’ Alverca nos annos de 1837 e 1836, Concelho de Alverca, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, E/A 039.3, fl. 37. 5 AHVFX, Livro de Contas do Concelho (1842-1845), Concelho de Alverca, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, E/A 039.3, fl. 16 e 90. 6 Idem, fl. 35.

2 Arquivo Histórico de Vila Franca de Xira (AHVFX), Livro d’ Receitas, e Despeza do Concelho d’ Alverca nos annos de 1837 e 1836, Concelho de Alverca, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, E/A 039.3, fl. 20

| 54 |


Fragmentos de Alverca

por iniciativa conjunta da Junta de Freguesia de Alverca e da Divisão de Património e Museus da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, estando agora visitável no cemitério novo.

A Misericórdia de Alverca detinha também um importante papel na sepultura dos mortos. Esta instituição, criada em Alverca no ano de 1583, tinha como uma das suas missões primordiais o acompanhamento dos enterros dos pobres, dos membros dessa instituição e seus familiares, tal como vem inscrito no Compromisso. Nesse documento o capítulo XXXV tem como título esclarecedor Do modo, com que se hão de fazer os enterramentos. Entre outras medidas, nele se estipulava que existissem na Misericórdia três tumbas “Huma servirá para enterrar os pobres, e pessoas ordinárias; a segunda servirá para enterrar as pessoas de ma�or qualidade; a terceira de enterrar os Irmãos, e mais pessoas, que houverem de ser acompanhadas pela Irmandade […] e todas estas tumbas teraõ sua cuberta de veludo com huma Cruz no me�o e borcado, e hum pano de veludo com o mesmo feitio”7, algumas pessoas recordam-se de existir em Alverca este pano de veludo a cobrir os esquifes.

Ainda relacionados com a Misericórdia, no cemitério de São Sebastião podem ver-se dois jazigos a cargo dessa instituição: o de Henrique Ferreira Ruivo e esposa e o de António Guerreiro e sua mulher Maria da Ressurreição, servindo de testemunho ao facto que, por vezes, as pessoas deixavam em testamento disposições para que fosse aquela instituição a cuidar dos seus restos mortais, deixando generosas quantias para esse efeito. A sepultura, com a sua inscrição rodeada de elementos iconográficos, terá como objectivo primeiro a sacralização do ente querido, individualizando o túmulo inserindo elementos que o distinguem. O estudo dessa iconografia possibilita o conhecimento de dados etnográficos, nomeadamente relacionados com as profissões, constituindo um importante elemento para o estudo da população. Sobre este aspecto no cemitério velho de Alverca pode ser encontrada iconografia relacionada com a aviação, com a música, com a agricultura e com a vinicultura. Para além de elementos relacionados com as actividades profissionais, podem ser observadas, em algumas sepulturas, iconografia, relacionada com a religião, com a política e com a imagética simbólica. Da iconografia religiosa podem ver-se diversas imagens de Nossa Senhora, Jesus Cristo, anjos e crucifixos símbolos de pureza, redenção e esperança.

Evocação à agricultura, AF

Para além dos esquifes a Misericórdia de Alverca possuía uma carreta funerária, destinada, em tempos a transportar os defuntos, algo que aconteceu pelo menos até aos anos 60 do século XX. Com o advento do carro funerário automóvel deixou de se utilizar a carreta. Esta foi sendo deixada em vários lugares, até ser guardada no depósito da Junta de Freguesia de Alverca. Em 2008, este importante elemento do nosso património móvel, foi finalmente recuperado,

A iconografia simbólica é vasta, pelo que se seleccionaram os elementos mais significativos, como as rosas, por vezes associadas à imagem da Virgem, ambas as representações simbolizando a pureza; as alcachofras símbolo da ressurreição, num caso particular rodeada por uma serpente, mordendo a própria cauda, símbolo de eternidade;

7 Compromisso da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, Offic. de Joseph da Silva da Natividade, 1745,fl. 36.

| 55 |


Fragmentos de Alverca

o ramo de oliveira símbolo de paz, também associado à árvore da vida que é a oliveira e o livro ou carta abertos, simbolizando uma vida sem segredos e sem culpas. Estas manifestações simbólicas estão a desaparecer um pouco por todo o mundo. Os túmulos mais antigos constituem não só memória daquele que partiu, mas também de uma época específica. Lugar sagrado, espaço de ultimo repouso, elo entre a vida e a morte, seja como for que se veja o cemitério, ele é também a ligação com o passado, logo um importante veículo para o conhecimento da nossa História.

Evocação à vinicultura, AF

| 56 |


Fragmentos de Alverca

NÚCLEO DE ALVERCA DO MUSEU MUNICIPAL DE VILA FRANCA DE XIRA

Quando da extinção do concelho de Alverca, em 1855, a Casa da Câmara, perdeu a dignidade de sede do município, deixando de poder exercer as funções para a qual havia sido construída. Em pouco tempo servia outras utilidades, mantendo um papel central no seio da comunidade alverquense, continuando a constituir um importante elemento do património da freguesia1. Ali foi instalado o posto do telégrafopostal e correio, que funcionou entre 1901 e 19582. Em salas anexas funcionava uma escola mista entre 1856 e 1900, depois unicamente feminina até 19053. No dia 16 de Junho de 1963 foi inaugurado o novo quartel da Guarda Nacional Republicana, ocupando toda a antiga Casa da Câmara de Alverca4. Em 1976, no primeiro andar, instala-se a Junta de Freguesia, que ocupou o espaço até 19885. No piso térreo, de

Antiga casa da Câmara, AF

Maio de 1978 até 1992, foi instalada a Biblioteca Bento Jesus Caraça6. Finalmente, em 1989, iniciaram-se as obras de adaptação do primeiro andar para o Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira7.

1 Cf. Anabela Ferreira, CASA DA CÂMARA DE ALVERCA – Conhecer a sua História, Valorizar um Património (1755-1855), Dissertação do Mestrado em Estudos do Património, texto policopiado, Centro de Documentação do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 2007, pp. 207-208. 2 Cf. Idem, pp. 209-211. 3 Cf. José do Carmo Pacheco, Monografia de Alverca, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca, 1998, p. 179. 4 Cf. Vida Ribatejana, [Jornal Regional], Número Especial, Ano de 1964, p. 8. 5 José do Carmo Pacheco, Op. Cit., p. 114.

6 Cf. AHVFX, Divulgação do património Artístico e Cultural do Município, 4 de Junho de 1979, Biblioteca de Alverca, CAS-C/79-001 e José do Carmo Pacheco, Op. Cit., p. 183. 7 Cf. AHVFX, Orçamento – Obra de Instalações do Núcleo Museológico de Alverca, 8 de Maio de 1990, Instalações da Câmara do Extinto Concelho de Alverca, CMVFX, M/A.001.

| 57 |


Fragmentos de Alverca

Produto da politica de polio-nuclearização do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, o projecto do Núcleo de Alverca, veio ao encontro do interesse da comunidade e da autarquia local, como um meio de preservar a memória da localidade8, embora integrado no Concelho, valorizava a história e o património de Alverca. Fruto da investigação da equipa do Museu Municipal, a sua organização teve a colaboração da população alverquense, que se traduziu na recolha e doação de grande parte do espólio etnográfico e fotográfico. O projecto de adaptação do primeiro andar do edifício para o Núcleo de Alverca do Museu Municipal teve a autoria do designer Américo Ferreira da Silva, com poucas alterações relativamente à estrutura do edifício.

o segundo com outra sala de exposições de longa duração e o terceiro funcionando como sala polivalente. No edifício da antiga Casa da Câmara ficaram instaladas no rés-do-chão uma sala de Serviço Educativo e o Centro de Documentação; no primeiro andar, para além dos gabinetes técnicos, existe uma outra sala para exposições de curta duração, no sótão mantêm-se a reserva e uma sala de conservação preventiva. Actualmente o espólio do Núcleo de Alverca do Museu Municipal é, em parte, constituído por objectos etnográficos e industriais, fotografia e documentação, doados por instituições e pela população alverquense, sendo a outra parte do espólio constituído por materiais exumados nas diversas intervenções arqueológicas realizadas em Alverca. Todo o espólio tem vindo ao longo dos anos a ser alvo de tratamento de conservação preventiva e curativa (sempre que tal se justifique), estando devidamente acondicionado em reserva. Contudo, embora a colecção seja significativa, ainda faltam muitos elementos que caracterizam a vida e a história da povoação.

Em 17 de Maio de 1990 inaugurava a exposição de longa duração “Do Quotidiano ao Museu – Alverca – Séculos XVII a XX”9, ocupando grande parte do primeiro andar. No sótão foi instalada a reserva, onde se mantiveram conversados todos os objectos do espólio. Ao longo de aproximadamente doze anos, embora tenha mantido a mesma exposição, o Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira foi sendo inovado com projectos de acção educativa, tornando-se uma referência, sobretudo entre o público sénior e escolar, com primazia do primeiro ciclo do ensino básico.

Deste modo, o Núcleo de Alverca continua a necessitar do apoio da população. Os objectos etnográficos podem ser doados em definitivo, ou simplesmente depositados. Quando o objecto é doado passa a fazer parte do espólio do Museu de forma definitivo, onde será devidamente conservado podendo figurar em exposições. O depósito permite que o objecto seja conservado devidamente, podendo ser exposto, continuando contudo a pertencer ao proprietário. Já no caso de documentos e fotografias, actualmente, com a utilização de novas tecnologia já não se apela à doação, uma vez que podem ser digitalizados com qualidade. Este método permite um substancial crescimento da colecção, possibilitando a investigação, a qual constitui um dos objectivos mais importantes do museu. Ao colaborar com o Núcleo de Alverca a pessoa que doou, deixou em

Em 2002 o espaço foi provisoriamente encerrado de modo a dar início ao novo projecto da remodelação e ampliação do museu, da autoria do arquitecto José Cid, ficando a obra a cargo da empresa LNRibeiro. Este projecto abrangia a área de um antigo edifício entretanto adquirido pela Câmara Municipal, onde, em tempos, funcionou uma oficina de ferrador, tendo sido construído um novo edifício, com três pisos, primeiro para recepção e sala de exposições, 8 Cf. Maria Clara de Fraião Camacho, A propósito do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira: reflexões sobre uma experiência de Musealização e Intervenção na Comunidade, dissertação para o Curso de Pós-graduação em Museologia Social, texto policopiado, Centro de Documentação do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1991, p. 7. 9 Cf. Maria Clara de Fra�ão Camacho, Op. Cit., p. 24.

| 58 |


Fragmentos de Alverca

depósito, ou simplesmente emprestou um objecto estará a ligar, permanentemente, o seu nome àquele espaço.

pelos técnicos do Museu Municipal de Vila Franca de Xira. Deste modo a população de Alverca tem, à sua disposição, um espaço cultural que no fundo lhe pertence, pois ali se reúne a História e a Memória de Alverca, não só no que respeita à localidade, mas também às suas gentes. Está nas mãos de todos os alverquenses fazer deste Núcleo, do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, um espaço privilegiado de cultura.

O Núcleo de Alverca reabriu ao público no dia 24 de Novembro de 2007, com uma exposição de longa duração intitulada “ Alverca da Terra às Gentes”, a qual se divide em dois momentos chave. O primeiro momento, desenvolvido no piso térreo da antiga Casa do Ferrador, apresenta a história do edifício, que inclui a presença de um agulheiro, parte da memória do espaço que, no século XVIII, foi registado como sendo um prédio rústico com lagar e adega. Faz também parte deste piso a exibição do espólio exumado nas intervenções arqueológicas, que precederam as obras. Num segundo momento, no primeiro andar do mesmo edifício, desenvolvese o tema das actividades tradicionais, destacandose a produção do queijo de Alverca, a extracção de sal, a produção de azeite e de vinho.

Aspecto da Exposição Alverca da Terra às Gentes

Para além dos espaços expositivos e de reserva o público terá acesso ao Centro de Documentação, o qual reúne uma série de obras bibliográficas centradas em temática específicas como: museografia, património e história local, para além de obras de referência que permitirão aprofundar as temáticas exploradas nas exposições. Neste espaço poderá ainda encontrar-se um conjunto de pastas de arquivo contendo o resultado de diversas pesquisas, realizadas ao longo dos anos, | 59 |


Fragmentos de Alverca

| 60 |


Fragmentos de Alverca

OFICINAS GERAIS DE MATERIAL AERONáUTICO

A partir de quando se pode falar da história das OGMA? Sabemos as datas precisas da sua instalação em Alverca, no entanto, como em toda a História, há sempre uma causa, um efeito, uma razão para ter sucedido dessa forma e não de outra. Poderá considerar-se o ano de 1915, como início da história das OGMA. Nessa data foi aberto concurso “para seis oficiais do Exército ou da Armada, serem enviados ao estrangeiro, a fim de praticarem em escolas de aviação.”1 Entretanto iniciavam-se, nesse mesmo ano, os trabalhos de instalação na Quinta do Queimado, em Vila Nova da Rainha, da Escola Aeronáutica Militar. Aquele local havia sido escolhido em detrimento de Alverca. Julgou-se então ser o lugar ideal para fundar a escola “Pela sua situação permitia, como se pretendia, dar instrução de hidroavião [...].”2

os então Primeiro-Tenente da Marinha Sacadura Cabral (1881-1924), o Tenente de Infantaria José Barbosa dos Santos (1884 – 1928) e o Alferes de Cavalaria Leite João Barata Salgueiro Valente (1888 – 1928)3. Quatro oficiais seguiram para os Estados Unidos onde frequentaram a Signal Corps Aviation Scool, terminando a formação em França no Centre d’Aviation Militaire de Chartres onde já estavam dois dos oficiais admitidos no concurso. Os diplomas de voo foram obtidos em Fevereiro de 1917. Após a formação a maior parte daqueles homens exerceram funções de instrutores em Vila Nova da Rainha, actividade iniciada em 2 de Novembro de 1917. Pouco tempo passado a situação em Vila Nova da Rainha tornava-se insustentável. “A insalubridade na região, flagelada pelo anofeles e o paludismo incubados nos sapais e nos terrenos pantanosos dos arrozais das duas margens do Tejo, tornou im-

Entretanto eram escolhidos os homens para formação no estrangeiro. Entre esses oficiais destacam-se, pela sua ligação posterior às OGMA,

3 Sacadura Cabral visitava com alguma regularidade as OGMA, o seu avião foi ali reparado pelo menos uma vez. Salgueiro Valente e Barbosa dos Santos exerciam o cargo de experimentadores de aviões das OGMA. Faleceram ambos em 30 de Novembro de 1928, quando o avião embateu no cabo metálico do balão da Companhia de Aerosteiros.

1 Coronel Edgar Cardoso, Escola de Aeronáutica Militar em Vila Nova da Rainha (19161920), Alverca, OGMA, 8 de Novembro de 1967, p. 5 2 Idem, p 11

| 61 |


Fragmentos de Alverca

periosa a mudança das instalações para paragens mais salubres.”4 Em 1918 as oficinas começaram a ser transferidas para Alverca. Em 1920 a Escola de Aeronáutica Militar mudava-se para Sintra. “Ao mudar-se para Sintra, a Escola, trouxe consigo os hangares e Vila Nova da Rainha, deixou de ser um aeródromo e foi esquecida quase completamente.”5

Acompanhavam-no como adjuntos o tenente de engenharia João de Almeida Meleças – natural de Alverca – e o tenente Ernesto Videira. Estes eram alguns dos oficiais designados para proceder à instalação do Parque de Materiais Aeronáuticos, inaugurado em Outubro de 1919. A parte fabril seria dividida, neste primeiro ano, em quatro secções, sendo a primeira composta por oficina de carpintaria civil; de electricidade, de pintura; de correeiro e depósito de madeiras; a segunda por oficina de motores; de serralharia mecânica; de forjas e de caldeireiros. A terceira secção incluía o armazém de material de aviação, tendo adstrito o depósito de ferramenta e material de consumo. A quarta secção era composta pela coluna automóvel e oficina de reparação auto.7

Para instalação das oficinas foi escolhido o terreno na propriedade do conde de Ribeira Nova, à época arrendados a Augusto Câncio6. Eram terras de cultivo sem qualquer habitação. A instalação, nesse espaço, obedecia a vários factores: a proximidade do rio Tejo e dos caminhos-de-ferro, com a estação muito perto e, sobretudo a proximidade com Lisboa.

Em Setembro de 1918 era criado o Parque de Material Aeronáutico. Na construção dos primeiros edifícios provisórios, para alojamento de pessoal, foram utilizados caixotes de madeira, vindos de Vila Nova da Rainha. O aspecto abarracado das instalações terá sido responsável por, popularmente, se começar a designar aquele espaço por Feira do Major. O Major era Pedro Fava Ribeiro de Almeida, director do Parque.

Para além da fábrica, foi instalada no Parque a Companhia de Aerosteiros, responsável pela aquisição e posterior manobra de balões suspensos, como mais adiante se verá. Entretanto os trabalhos no Parque de Material Aeronáutico progrediam. Os primeiros aviões, modelo Caudron, começaram a ser construídos em 1922. Nesse mesmo ano começam a construir-se bombas “para exercícios e de indutos”8. Por esta altura o Parque procurava torna-se, tanto quanto possível, auto-suficiente. As salinas foram mantidas em actividade. A produção chegou a atingir os 700 moios de sal, com lucro de 18 mil escudos9. Era permitido o acesso a rebanhos de ovelhas para limpeza de pistas, ajudando desse modo a produção do Queijo de Alverca10. Foi criado um forno de tijolo. Os campos de terra fértil eram cultivados, “ [...] o Parque passou a organizar a sua exploração agrícola, criando para o efeito um edifício que comportava uma abegoaria, um aviário e um pombal, o que numericamente significava um benefício de cerca de 30 mil escudos

4 António Dias Lourenço, Vila Franca de Xira – Um Concelho no País, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Abril de 1995, p. 90 5 Coronel Edgar Cardoso, Op. Cit., 8 de Novembro de 1967, p. 20. 6 Cf. Coronel Edgar Pereira da Costa Cardoso, O Jubileu das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, Alverca, OGMA, 1968, p. 30.

7 Coronel Edgar Cardoso, Op. Cit., 1968, p. 98 8 Coronel Edgar Cardoso, Op. Cit., 1968, p. 104 9 Cf. Idem, p. 105 10 Devido à proximidade do estuário do Tejo, as ervas eram salgadas, daí que na produção do queijo não era necessária a adição de sal. Dizem os mais antigos dever-se a esse factor o sabor particular do Queijo de Alverca. Embora continue a ser produzido sobretudo nas terras altas de Arcena, em pequenas quantidades e para consumo dos próprios produtores - seguindo a forma tradicional, terá perdido sabor e fama.

Entrada das OGMA, AF

| 62 |


Fragmentos de Alverca

anuais.”11 Foi, ainsa, construída “uma fábrica de hidrogénio obtido por processos electrolíticos e consequentemente quase puro, destinado aos Serviços de Aerostação e Meteorologia.”12

segunda fase a influência britânica tornou-se notória: “[...] com adaptação aos seus standards, medidas e aproveitamento das suas publicações técnicas.”14 Este contacto com os ingleses assim como posteriormente com os americanos terá levado à necessidade de formação de técnicos na língua inglesa de modo a facilitar o acesso a bibliografia especializada. De facto, a instrução e formação é, até aos nossos dias, umas das missões das OGMA.

Em 1928 o Parque passou a designar-se como Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, com autonomia em relação ao Estado. O fabrico de aviões requeria um significativo número de operários, os quais foram chegando oriundos de todo o país. Neste período as OGMA foram responsáveis pela chegada de famílias, vindas de todas as regiões do território nacional. Começava a assistir-se ao rápido crescimento de Alverca.

Nas décadas seguintes o progresso das OGMA seria notório. Nos anos 70 do século XX, assistese a uma viragem. A conquista da liberdade leva a alguns anos de menor desenvolvimento económico, reveladores da conjuntura nacional. Ao mesmo tempo assinala-se a participação da empresa em exposições internacionais, aspecto que contribuiria para uma gradual recuperação económica. Em 1994 as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico torna-se sociedade anónima. Actualmente as actividades principais da empresa traduzem-se na manutenção, reparação e revisão geral de aeronaves, motores, aviónicos, acessórios e equipamento de terra; na modernização, modificação e integração de aeronaves, e na fabricação e montagem de componentes e estruturas de aeronaves15

Edificio do Esquadrão de Aeroesteiros, AF.

Com o desenvolvimento da aviação durante a segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de readaptar as OGMA, estabelecendo-se contactos com o estrangeiro, nomeadamente com Inglaterra, Estados Unidos e França de modo a adaptar a indústria a novas tecnologia. Os contactos com França terão sido privilegiados, numa primeira fase de adaptação: “[...] a nossa indústria aeronáutica foi influenciada pelas facilidades de colaboração com a indústria francesa, devido aos contactos na primeira guerra mundial, à facilidade de língua, metrologia e outras.”13 Recorde-se que a formação dos engenheiros e pilotos portugueses foi realizada em França. Posteriormente, numa

A privatização da OGMA em 2005, resultou na aquisição de 65% das acções pela Airholding SGPS, consórcio composto pela EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. – fundada em 1969 é actualmente uma das maiores empresas aeroespaciais16 – e EADS – European Aeronaitic Defense and Space Compan�.

11 Coronel Edgar Cardoso, Op. Cit., 1968, p. 105. 12 Idem, ibidem. 13 OGMA, Oficinas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico – Alverca do Ribatejo – Portugal, Alverca, OGMA, Dezembro 1958. pp. 1-2.

14 OGMA, Op. Cit., Dezembro 1958. p. 2 15 Cf. OGMA, OGMA, Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A.- Apresentação Institucional, Alverca, OGMA, mod. 0808 2/05, 2005. 16 Cf. www.embraer.com.br

De povoação economicamente voltada para o sector primário, Alverca tornou-se no século XX

| 63 |


Fragmentos de Alverca

numa localidade industrial. Actualmente assiste-se a uma viragem para o sector terciário. O comércio e os serviços são dominantes. Desde a década de 90 do século XX têm-se assistido, em Alverca e por todo o Concelho, ao encerramento de indústrias de grande porte como a MAGUE – metalomecânica – a Fábrica de Descasque de Arroz, em Vila Franca de Xira e tantas outras. As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico têm vindo a contrariar essa tendência, conseguindo encontrar modos de sobreviver e de se expandir.

do associativismo e da política local17. A Rua Brigadeiro Fernando Alberto de Oliveira evoca o director das Oficinas entre 1957 e 1967. Deste modo, é notório que a história das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico é indissociável da história de Alverca.

Hangar de aviões, AF

Sobre a história fica muito para relatar. Não cabia neste trabalho uma abordagem mais exaustiva. Contudo é importante sublinhar o facto da grande maioria dos trabalhadores das OGMA serem, naturais e/ou moradores de Alverca. A marca da indústria sai do complexo dos edifícios para o coração da cidade, de onde sobressai o bairro operário construído nos anos 60, na Avenida Infante Dom Pedro, e que subsiste apesar de algumas tentativas para o demolir. A memória das OGMA está também presente na toponímia. O capitão João de Almeida Meleças (1890-1921), já mencionado, dá o seu nome a uma das principais avenidas da cidade. José Antunes (1912-1966), foi chefe de secção das OGMA, onde começou a trabalhar com onze anos. Tem o seu nome numa das ruas de Alverca, embora isso se deva mais ao seu desempenho como membro

17 Cf. José do Carmo, Op. Cit., Alverca, Junta de Freguesia de Alverca, Julho de 1998, p. 100

| 64 |


Fragmentos de Alverca

O HANGAR DO BALÃO DAS OGMA

O Hangar de Balão das OGMA é o único exemplar a existir, actualmente, no mundo tendo sido o único construído em Portugal. A sua forma arquitectural de construção geodésica é singular. Existe um hangar com algumas semelhanças em Santa Cruz, no Brasil, construído em 1935 – por iniciativa alemã – de dimensões maiores, em relação ao das OGMA, porque se destinava à manutenção de dirigíveis1. O Hangar, construído nas OGMA em 1925, possui uma altura máxima de 13,10 metros. Têm de largura 14,65 metros e de comprimento 40 metros. É revestido por 22.800 telhas de fibro-cimento. No interior existem dois pisos superiores de onde se acedia à tela dos balões.Toda a estrutura interna é composta por traves de madeira dispostas diagonalmente, lembrando o casco de um navio invertido, “ [...] era considerada modelar na época. A disposição de elementos diagonais evita o contravento, permitindo uma grande economia de espaço, tal como era necessário para o alojamento de balões.”2.

Operações junto ao Hangar com balão cativo. S. d. OGMA

1 Cf. www.aerofans.com.br 2 OGMA, Hangar de Balão, [programa do 80º aniversário], Alverca, OGMA, s/ data [1998].

| 65 |


Fragmentos de Alverca

Este Hangar servia à manutenção de balões de hidrogénio, suspensos. A sua construção naquele espaço deve-se ao facto do primeiro batalhão de aerosteiros estar estacionado no Parque. Para além das leituras meteorológicas, os aerosteiros usavam os balões para outros fins. Em 1922 os comandantes da Companhia, capitão Costa França e o tenente José Machado de Barros, lançaram-se, com pára-quedas, de um balão cativo em ascensão, de uma altura de 500 metros. Seria os primeiros salto de pára-quedas realizado em solo nacional, por portugueses3.

tendo-se cimentado o pavimento. Repararam algumas telhas partidas e partes da estrutura de madeira que se encontrava danificada. Apesar das recuperações efectuadas mais de noventa por cento da estrutura é de origem, não apresentando até à data, qualquer problema de conservação. A madeira da estrutura é resistente e de grande qualidade, tendo sido alvo de um tratamento anti-caruncho, pois na base de uma coluna, junto à escada de acesso aos pisos superiores, foi detectado indícios de ataque de xilófagos. Após o tratamento nunca mais se detectou qualquer tipo de ataque às madeiras. Foi aplicada uma camada de tinta protectora, não havendo qualquer outra intervenção.

Em 1924 passaria a denominar-se Companhia de Aerostação e Observação. De acordo com António Dias Lourenço “A aerostação entre nós, apenas ao nível dos balões cativos, destinava-se unicamente a missões de observação e meteorologia.”4 Em 1926 a Companhia possuía “ [...] vários balões cativos zodiac e um esférico para voos livres.”5 Até à data não foi possível determinar quando terão cessado os trabalhos de recuperação de balões no Hangar, ou quando terminaram as actividades da Aerostação nas OGMA. O certo é que, de acordo com a memória dos funcionários da empresa, durante várias décadas o Hangar serviu como arrecadação de “coisas velhas”. No andar superior guardavamse arquivos, em baixo acumulava-se lixo, os portões deixaram de fechar em condições. Em 1993, no âmbito das comemorações dos 75 anos das OGMA, providenciou-se a sua recuperação, começando pela limpeza do espaço. Alguma documentação terá sido perdida nesta altura, confundida com lixo.

Estruturas de travamento laterais. AF

Este hangar de balão testemunho único do Património Industrial do país, e de Alverca em particular, é utilizado pela empresa como espaço de memórias, onde se encontram expostas fotografias e objectos intimamente relacionados com a história das OGMA. Pelo que foi possível apurar a necessidade de expor a sua história e o seu trabalho, parece ser uma constante nas OGMA. Em diversas ocasiões, sobretudo por altura dos aniversários, foram realizadas exposições comemorativas. Num artigo publicado pela Revista do Ar, quando das comemorações do 40º aniversário das OGMA em 1958, lê-se: “Um dos números das comemorações tinha sido uma Exposição documental das actividades levadas a cabo pelas O.G.M.A. durante 40 anos da sua laboração.”6. Em 1963 criava-se

Neste período recuperou-se o chão. Antes era de madeira, para absorver qualquer tipo de líquidos, sobretudo óleos. Por altura da recuperação do espaço a madeira estava podre, razão porque foi retirada 3 Cf. Coronel Edgar Pereira da Costa Cardoso, O Jubileu das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, Alverca, OGMA, 1968., , pp. 33-34. 4 António Dias Lourenço, Vila Franca de Xira – Um Concelho no País, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Abril de 1995, p. 94. 5 Coronel Edgar Pereira da Costa Cardoso, Op. Cit, 1968, p. 33.

6 “Oficinas Gerais de Material Aeronáutico”, Revista do Ar, n.º 242, Ano XXI, Dezembro de 1958, p. 93.

| 66 |


Fragmentos de Alverca

uma exposição permanente com maquetas de instalações, motores, modelos de aviões, entre outros. Sobre esta exposição diz o Coronel Fernando Alberto Oliveira: “Para preservar o que ainda resta, para mostrar aos jovens de hoje que, antes deles, outros labutaram e concretizaram ideias e sonhos [...], se iniciou a colecção das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico onde cada peça exposta recorda um facto da sua vida fabril.”7

e sensibilizados para a necessidade de recolha de material. Em todas as secções estavam armazenados materiais, que foram sendo entregues à Comissão, tendo a maioria desses materiais sido identificada pelos próprios trabalhadores. Para além dos trabalhadores no activo, contaram com o “ [...] valoroso apoio de pessoal […] na situação de reforma, assim como da APOGMA - Associação de Pessoal da OGMA.”10 O espólio é então composto por documentação, fotografias e objectos relacionados sobretudo com o fabrico de aviões, mas também oriundos de outros sectores da empresa.

Em 1969 era criado o Museu do Ar, em instalações cedidas pelas OGMA. Muito do seu acervo foi cedido por esta empresa: materiais (aviões e réplicas construídos, uns e outros, na empresa) e documentação (manuais de aeronaves, publicações técnicas, documentação interna, revistas, fotografias, entre outros)8. Apesar desse

Para além das acções de recolha, alguns materiais foram doados, como foi o caso do espólio de Augusto Antunes Simões, antigo trabalhador da empresa, inventor de alguns instrumentos patenteados e galardoados com vários prémios internacionais. Entre os inventos encontram-se uma Descravadora e dois modelos de Descravadora-Chanfradora, os quais serviam para retirar os rebites de ligação de várias componentes dos aviões.

facto, o Museu do Ar está desvinculado das OGMA. É o Museu da Força Aérea Portuguesa e da História da Aeronáutica em Portugal. Como organismo da Força Aérea é um museu de Estado. Embora o Museu do Ar, cumpra o seu papel como espaço de memória da aviação portuguesa, sentiase a necessidade, por parte dos funcionários e administradores das OGMA, da existência de um espaço onde a história da empresa e dos seus trabalhadores pudesse ser revelada. Deste modo, em 1993, nascia a Comissão de Conservação do Património Histórico-cultural das OGMA, composta por cinco elementos: Brigadeiro Alberto Fernandes, Engenheiro Lima Bastos, Couto dos Santos, João Carvalho e Mário Ascensão9. Esta Comissão tinha como objectivo principal recolher materiais, dispersos pela empresa, para a instalação de um Museu Industrial OGMA.

O local escolhido para a instalação do museu foi o Hangar do Balão e, após a sua recuperação, começou a preparar-se uma exposição, inaugurada em 1993, no âmbito das comemorações do 75º aniversário das OGMA. A exposição estava direccionada tanto para o interior, como para o exterior, com mostra de projectos desenvolvidos pela empresa. Tratando-se de uma grande campanha de marketing, com vista a dar a conhecer o funcionamento das OGMA também ao público exterior. Depois de inauguração do espaço, o Hangar passou a ser utilizado periodicamente, no decurso das festas da empresa. Mais tarde, nas comemorações dos 80 anos de actividade, em 1998, o Hangar voltou a abrir com uma exposição diferente, ainda sem os aviões que hoje se vêem, mas com alguns simuladores de voo. Nesta nova exposição abordavam-se as origens,

Uma das primeiras acções da Comissão prendeu-se com a recolha e selecção do espólio. Os trabalhadores foram informados da iniciativa 7 Coronel Fernando Alberto Oliveira, Como Nasce um Avião, Alverca, OGMA, 1963, p. 19. 8 Cf. OGMA, Museu Industrial da OGMA, folheto, Alverca, OGMA, s/ data. 9 Destas cinco pessoas restam actualmente os dois últimos nomes citados, os outros foram sendo reformados, não fazendo actualmente parte dos efectivos da empresa.

10 Cf. OGMA, Museu Industrial da OGMA, folheto, Alverca, OGMA, s/ data.

| 67 |


Fragmentos de Alverca

Embora seja um espaço importante para o conhecimento da História de Alverca e do seu Património Industrial, o facto é que o acesso ao museu não é fácil, pois o Hangar do Balão encontrase dentro da área militar. Seja como for tem sido aberto ao público em vários momentos, para além das comemorações dos aniversários. De um modo geral o Hangar é aberto a visitas institucionais de órgãos ligados ao governo e escolas, sobretudo, secundárias e universitárias, tendo despertado o interesse junto de pessoas da especialidade na área de fabrico e manutenção de aviação e da aeronáutica em geral. Em relação ao público geral, para além das dificuldades referidas, acresce o facto deste projecto ser, em grande parte, desconhecido.

Aspectos da exposição, AF

contava-se a História. Nesse ano foi estabelecido um protocolo entre o Museu do Ar e as OGMA, para a cedência temporária de materiais destinados à exposição11. Desde essa altura, à medida que as administrações se vão sucedendo, assim é maior ou menor o interesse pelo projecto. De qualquer forma, sempre que se comemora o aniversário, ou há um evento especial, uma visita de importância, é realizada uma revisão da exposição, de modo a permitir a reabertura do Hangar. A exposição actual foi realizada para as comemorações do 86º aniversário, em 2004.

A possibilidade de se abrir as portas do Hangar para um público mais vasto, haveria de despertar o interesse das pessoas, não só pela história que encerra como pela própria estrutura do espaço, cuja arquitectura impressionante é única. Mesmo faltando uma série de requisitos para fazer do Hangar do Balão um verdadeiro museu ele já possui algo de essencial: pessoas interessadas e empenhadas em fazê-lo progredir.

Nesta exposição podem ver-se alguns aviões, como o Chipmunk, avião de treino básico, fabricado nas OGMA, sob licença britânica, na década de 50 do século XX, período em que foram fabricados cinquenta e seis desses aviões12, o exemplar exposto foi o último a ser fabricado a nível mundial. Ao longo das paredes vêem-se os expositores, encimados por uma grande ampliação fotográfica – quase todas datadas dos anos iniciais da empresa – ladeadas por retratos de todos os directores e administradores, até à privatização em Março de 2005. Nos expositores são visíveis diversos elementos relacionados com o trabalho da empresa. 11 Cf. Idem 12 Aero Club de Portugal, Lisboa e o Tejo na Aeronáutica Nacional – Exposição BiblioIconográfica e de Propaganda da Aeronáutica Portuguesa, catálogo, Lisboa, Aero Club de Portugal, Dezembro de 1959, p. 84

| 68 |


Fragmentos de Alverca

BIBLIOGRAFIA

| 69 |


Fragmentos de Alverca

FONTES MANUSCRITAS

Arquivo da Associação de Assistência e Beneficência Misericórdia de Alverca (AAABMA) Compromisso da Santa Casa, Villa d’Alverca, Irmandade da Misericórdia, compromisso pelo qual se regula actualmente a irmandade da Misericórdia da Villa d’Alverca na que lhe pode ser aplicável, assim como várias ordens e regulamentos do Governo para acentos apresentados de contas, como se regem, 1836. Declaração de todos os livros e mais papeis pertencentes a esta irmandade feita no anno de 1817 pelo escrivão da Meza. Escritura de Compozição e obrigação do vinculo de huma capela, que fazem Matheus Rodrigues, por poder vocal que tem de sue filho Raimundo Rodrigues Roza, com o Provedor, e mais Irmaons da Meza da Santa Caza da Mizericordia desta vila de Alverca, 14 de Abril de 1789. Escritura de reconhecimento que fez João Rodrigues Caldas da cidade de Lisboa à Santa Casa da Misericórdia desta villa de Alverca de huma vinha chamada o Cochão, 1795. Livro de actas, 1916/17

Arquivo Histórico do Tribunal de Contas (AHTC) V.ª de Alverca Prédios Maneyos, Juros do 4º Qtel de 1762 e anno de 1763, Décima da Estremadura, Mç. 358, n.º 10 Arquivo Histórico de Vila Franca de Xira (AHVFX) Alverca – Receitas e Despesas do Concelho – Livro de Contas N.º 1, Concelho de Alverca, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, E/A 039.3. Auto para avaliaçaõ de varias propriedades pertencentes às Capellas do Senhor Rei D. Affonso 4º …, 1860, Administração do Concelhor de Vila Franca de Xira, D.001.1 Correspondência recebida das CM para a Administração do Concelho, 20 Dezembro 1851, Concelho de Alverca, C/A 003. Divulgação do património Artístico e Cultural do Município, 4 de Junho de 1979, Biblioteca de Alverca, CAS-C/79-001. Instalações da Câmara do Extinto Concelho de Alverca, CMVFX, M/A.001. Livro de Contas do Concelho nos annos de 1839 e 1840, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, Concelho de Alverca, E/A 039.3, fl. 64. Livro de Contas do Concelho (1842-1845), Concelho de Alverca, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, E/A 039.3. Livro de entráda e Sahida de Dinheiro do Coffre da Recibedoria dos rendimentos pertencentes às Reaes Cappelas do Senhor Rei D. Aff.º 4º, 1839, Concelho de Alverca, E/A.003. Livro d’ Receitas, e Despeza do Concelho d’ Alverca nos annos de 1837 e 1836, Concelho de Alverca, Livros de Registo Diários de Receitas e Despesas, 1811/1849, E/A 039.3. Livro de Registos de Actas das Sessões – Acórdãos, Concelho de Alverca, B/A.002.

Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (AHMOP) Comissão Encarregada de Propor o Plano da Nova Divisão Eclesiástica e Administrativa – Quadros da Organização dos Distritos Administrativos do Continente do Reino e Seus Fogos, Ca. 1846? CEPPND 10. Ministério do Reino – Correspondência Recebida do Conde de Valadares como Encarregado das Obras do Ribatejo, Bobine 41, Mr. 43

| 70 |


Fragmentos de Alverca

Livro de Registo das Audiências de Capítulos que os Corregedores das Comarcas Fizeram na Vila de Alverca, 1810-1832, Concelho de Alverca, J/A 001.1. Livro de Registo de Mancebos Capazes de entrarem no Concurso das Sortes, de 8 de Dezembro de 1764 a 8 de Fevereiro de 1814, Concelho de Alverca, H/006. Ofício da Santa Casa da Misericórdia de Alverca ao provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alhandra, 26 de Agosto de 1852, fundo da Santa Casa da Misericórdia de Alhandra, Correspondência Recebida, C/A – 003 Oficio do Prior Manoel Bento Lopes ao provedor da Misericórdia de Alhandra, 20 de Abril de 1889, fundo da Santa Casa da Misericórdia de Alhandra, Correspondência Recebida, C/A – 003 Orçamento – Obra de Instalações do Núcleo Museológico de Alverca, 8 de Maio de 1990, Instalações da Câmara do Extinto Concelho de Alverca, CMVFX, M/A.001.

Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (ASCML) Carta dirigida ao Provedor e Irmão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de perdão do roubo que fez Jerónimo Tavares dos adornos das Hermida de S. Sebastião. Agosto de 1778, Alverca, Maço nº 21. Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira – 2ª Repartição – Alverca Descrição Predial n.º 2:175. Ministério da Marinha Comissão do Domínio Público Marítimo, Processo nº 3554/77, parecer nº 4435. Museu Municipal de Vila Franca de Xira – Núcleo de Alverca (MMNA) Testamento de Maria da Glória da Silva Monteiro, falecida a 22 de Novembro de 1864, moradora da Villa d’Alverca, filha legítima de António Francisco Monteiro e dona Luiza Thereza Jose e Silva, Sentença Cível de 25 de Agosto de 1866. Diz Fortunata Augusta herdeira habilitada por este juizo, escrivão Roque, em os autos de inventario dos bens da fallecida D. Maria da Gloria Silva Monteiro, que para poder discrever no registro, os dominios directos, e mais propriedades, que da dita herança pertencem a suppta, precisa que se lhe passe por certidão, as verbas da descripção de todas as propriedades, e dominios que herdou da dita fallecida, e como para de lhe passar careça de despacho [...],5 de Abril de 1867.

Arquivo Nacional – Torre do Tombo Chancelaria de D. Afonso V – Comuns, Livro 18, fl. 53. Chancelaria de D. Pedro I – Comuns, Livro 1, fl. 11 v. Fundo do Morgado do Farrobo, Livros 7 e 8. Habilitações da Ordem de Cristo, Letra J, Mç. 30, Doc. 5 Mosteiro de São Vicente de Fora, mç. 1, n.º 29. Memórias Paroquiais – Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 [Alverca]. Registo Geral de Mercês de D. Maria I, Livro 18. Tombo de Alverca, Lista das Comarcas do Reino, 1640, Manuscrito 1194, Livraria Tombo de Alverca, Livro XXIV, Parte I, NA 270. Tombo de Alverca, Livro XXV, Parte II, NA 271

| 71 |


Fragmentos de Alverca

FONTES IMPRESSAS

VASCONCELLOS, José Máximo de Castro Neto Leite e, Colecção Official da Legislação Portugueza, Lisboa Imprensa Nacional, 1856.

Chancelarias Portuguesas – D. Afonso IV – Volume II – (1336-1340), Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de Estudos Históricos Universidade de Lisboa, 1992. Chancelarias Portuguesas – D. Duarte, Volume I, Tomo 1, (1433-1435), Lisboa, Centro de Estudos Históricos – Universidade Nova de Lisboa, 1998. Chancelarias Portuguesas – D. Pedro I (1357-1367), Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1984. Compromisso da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, Offic. de Joseph da Silva da Natividade, 1745. AMARAL, João José Miguel Ferreira da Silva, Ofertas Históricas Relativas à Povoação de Vila Franca de Xira para Instrução dos Vindouros [1856], Vol. I, Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1991. CARDOSO, Padre Luís, Dicionario geografico, ou noticia historica de todas as cidades, villas, lugares,, e aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dos Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontrão, assim antigas, como modernas, Vol. I, Lisboa, Regia Offic. Silviana, 1747. GURWOOD, Lieut Colonel, The despatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. – During his various campains in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818, vol. VI, London, John Murra� – Albemarle Street, 1836. LEAL, Pinho, Portugal Antigo e Moderno, Volume I, Lisboa, Livraria Editora Mattos Moreira & Companhia, 1873. MACEDO, Lino de, Antiguidades do Moderno Concelho de Vila Franca de Xira [1856], Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1992. MAXWELL, W. H. (ed.), Peninsular Sketches by Actors on the Scene, [1845],Vol. II, East Sussex, The Naval & Militar� Press, Lda., 2002.

BIBLIOGRAFIA

Aero Club de Portugal, Lisboa e oTejo na Aeronáutica Nacional – Exposição Biblio-Iconográfica e de Propaganda da Aeronáutica Portuguesa, catálogo, Lisboa, Aero Club de Portugal, Dezembro de 1959 ALMEIDA, André Ferrand de, «As Misericórdias», História de Portugal, Dir. José Mattoso, 3º Vol., Circulo dos Leitores, Lisboa, Dezembro 1993, pp. 185-193. BRANCO, Estrela, A Heráldica do Município de Santarém, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, Novembro 2001. BRAZUNA, Sandra, Relatório dos Trabalhos Arqueológicos – Escavação Arqueológica Núcleo Museológico de Alverca – Intervenção Arqueológica no Compartimento Subterrâneo, texto policopiado, ERA-Arqueologia, S.A., 2005. BREMNER, A.H. Norris, R.W, As Linhas de Torres Vedras – As três primeiras linhas e as fortificações a Sul do Tejo, Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres Vedras/Museu Municipal Leonel Trindade/British Historical Societ� de Portugal, 2001. CARQUINHA, Inocêncio; ORTIGÃO, Mariana R., “Lojas Tradicionais”, O Comércio em Vila Franca de Xira, catálogo, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, Junho 1995, pp. 111141. CAETANO, Carlos, No rasto de um monumento perdido do património do Faial: a antiga Casa da Câmara da Horta, texto policopiado, [2004]. | 72 |


Fragmentos de Alverca

CAMACHO, Maria Clara de Fraião, A propósito do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira: reflexões sobre uma experiência de Musealização e Intervenção na Comunidade, dissertação para o Curso de Pós-graduação em Museologia Social, texto policopiado, Centro de Documentação do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1991.

Xira – Através da Imprensa Local. Dos fins do século XIX à actualidade”, O Homem, o Trabalho e a Fábrica – Indústria no Concelho de Vila Franca de Xira, catálogo da exposição, Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, Junho de 1996, pp. 69-112. FERREIRA, Anabela, CASA DA CÂMARA DE ALVERCA – Conhecer a sua História, Valorizar um Património (1755-1855),DissertaçãodoMestradoemEstudos do Património, texto policopiado, Centro de Documentação do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 2007. FERREIRA, Anabela, Contribuições para o Estudo do Quadrante Solar no Concelho de Vila Franca de Xira, policopiado, Centro de Documentação do Núcleo de Alverca do Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1992. FREIRE, Bramcamp, Archivo Histórico Portuguez, Vol. VI, Anno de 1908. GAMBOA, Nuno Ricardo de Oliveira, Relatório da Intervenção Arqueológica no Núcleo Museológico de Alverca, texto policopiado, 2004. GOODOLPHIM, Costa, As Misericórdias, Lisboa, Livros Horizonte, 1998. GUEDES, Maria Natália Correia [coord.], 500 anos das Misericórdias Portuguesas: Solidariedade de Geração em Geração, Lisboa, Comissão para as Comemorações dos 500 Anos das Misericórdias [org.], 2000 HENRIQUES, Guilherme J. C., Subsídios para a História do Concelho de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila Franca de Xira, 1997. HERCULANO, Alexandre, História de Portugal – Desde o Começo da Monarquia até ao Fim do Reinado de Afonso III, Tomo VII, 8ª edição, Lisboa, Livraria Bertrand, s/d. LOURENÇO, António Dias, Vila Franca de Xira – Um Concelho no País, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Abril de 1995.

CARDOSO, Coronel Edgar, Escola de Aeronáutica Militar em Vila Nova da Rainha (1916-1920), Alverca, OGMA, 8 de Novembro de 1967. CARDOSO, Coronel Edgar Pereira da Costa, O Jubileu das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, Alverca, OGMA, 1968. CHAVES, Luís, «Os Pelourinhos no actual concelho de Vila Franca de Xira, na província da Estremadura e Distrito de Lisboa», 25º Aniversário da Biblioteca-Museu Municipal Dr. Vidal Baptista, Boletim Comemorativo, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1972. CORRÊA, Pinheiro, “6 anos de actividade das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, Revista do Ar, n.º 100, Ano X, Janeiro de 1947, pp. 51-46 (paginação invertida). CORREIA, Fernando, Estudos sôbre a História da Assistência – Origens e Formação das Misericórdias Portuguesas, Lisboa, Henriques Torres Editor, 1944. CRATO, Nuno; NÁPOLES, Suzana Metello de; OLIVEIRA, Fernando Correia de, Relógios de Sol, Lisboa, CTT – Correios de Portugal, 3 Outubro 2005 DIOGO, A. M. Dias, “Notícias de Dois Vestígios Romanos no Concelho de Vila Franca de Xira”, Boletim Cultural 1, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1986, pp. 107-112 FERNANDES, Manuel Jacinto, CARMO, Maria de Aires, VAZ, Pedro, TEMPERO, Sofia Santos, “A Indústria no Concelho de Vila Franca de | 73 |


Fragmentos de Alverca

MARIZ, José (coord.), Recenseamento dos Arquivos Locais – Câmaras Municipais e Misericórdias – Vol. 1 – Distrito de Lisboa, Lisboa, Ministério da Cultura, Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Dezembro de 1995. MARQUES, A. H. De Oliveira, «Assistência», História de Portugal – Volume I – das Origens ao Renascimento, 13ª ed. Revista, Lisboa, Editorial Presença, Julho 1997, pp. 312-314. MARUJO, Alfredo, Paróquia de S. Pedro de Alverca – Elementos para a sua História, Alverca, Paróquia de S. Pedro de Alverca, 1999. MATTOSO, José, Obras Completas – Identificação de um País: Oposição, Volume 2, Rio de Mouro, Círculo de Leitores e Autor, Janeiro de 2001. MATTOSO, José, História de Portugal, Segundo Volume, A Monarquia Feudal (1096-1480), Lisboa, Circulo dos Leitores, 1993. MONTEIRO, Paula Monteiro, “Os Pelourinhos do Concelho de Vila Franca de Xira”, catálogo da exposição Memórias de Pedra e Cal, Vila Franca de Xira, MMVFX, 2001. NORRIS, A.H.; BREMNER, R.W., As Linhas de Torres Vedras – As três primeiras linhas e as fortificações a Sul do Tejo, Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres Vedras/Museu Municipal Leonel Trindade/British Historical Societ� de Portugal, 2001, p. 16 e 39. NUNES, Pires, “As Milícias e as Ordenanças em Portugal durante a Guerra Peninsular”, Guerra Peninsular – Novas Interpretações – Actas do Congresso Realizado em 28 e 29 de Outubro de 2002, Lisboa, Instituto da Defesa nacional, Tribuna, Setembro 2005. OLIVEIRA, ErnestoVeiga de; GALHANO, Fernando, Arquitectura Tradicional Portuguesa, Publicações D. Quixote, Fevereiro 2003. OGMA, Oficinas Gerais de Material Aeronáutico – Alverca do Ribatejo – Portugal, Alverca, OGMA, Dezembro 1958.

OGMA, Oficinas Gerais de Material Aeronáutico – Alverca do Ribatejo, Alverca, OGMA, 1960. OGMA, Oficinas Gerais de Material Aeronáutico – Alverca do Ribatejo, Alverca, OGMA, Setembro 1961. OGMA, 75º Aniversário. 1918-1993, Alverca, OGMA, 1993. OGMA, Hangar de Balão, [programa do 80º aniversário], Alverca, OGMA, s/ data [1998]. OGMA, Museu Industrial da OGMA, folheto, Alverca, OGMA, s/ data. OGMA, OGMA, Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A.- Apresentação Institucional, Alverca, OGMA, mod. 0808 2/05, 2005. OGMA, Museu Industrial da OGMA, folheto Alverca, OGMA, s/ data. OLIVEIRA, Capitão Engenheiro Fernando de, “Fabricação de aviões D. H. «Chipmunk»”, Revista do Ar, n.º 147, Ano XV, Janeiro de 1951, pp. 16-20. OLIVEIRA, Coronel Fernando Alberto, Como Nasce um Avião, Alverca, OGMA, 1963. PACHECO, José do Carmo, Monografia de Alverca, Alverca, Junta de Freguesia de Alverca, 1998. PARREIRA, Rui, “Intervenção arqueológica no centro histórico de Alverca do Ribatejo, 1986 – Relatório sucinto dos trabalhos realizados”, Boletim Cultural 3, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1987/88, pp. 89-94. PEIXOTO, Rocha, Etnografia Portuguesa, Lisboa, Publicações D. Quixote, Fevereiro 1990. PIMENTEL, Alberto, Portugal Pittoresco e Illustrado – A Extremadura Portugueza – Primeira Parte – O Ribatejo, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1908. RAMOS, Luís de Oliveira, D. Maria I, Lisboa, Círculo dos Leitores e Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, Janeiro/ Fevereiro 2007.

| 74 |


Fragmentos de Alverca

REAL, Mário Guedes, “Pelourinhos dos Extintos Concelhos Estremenhos – II Pelourinhos Demolidos”, Estremadura Boletim da Junta de Província, Série II, Números XXIX/XXX/ XXXI, Janeiro/Dezembro 1952, pp. 1-20. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, «A Fundação de Misericórdias», História de Portugal – Volume III – o Século de Ouro – (1495-1580), 2ª ed. Revista, Editorial Verbo, 1980, pp. 348-352 SERRÃO, Joel (Dir.), Dicionário de História de Portugal, Vol. I, Porto, Livraria Figueirinhas, s/d. SILVA, Ana Paula; OLIVEIRA, Pedro Miguel de, As Sombras do Tempo – Catálogo da Exposição Itinerante de Relógios de Sol, Junho 2002. SILVA, Francisco, “A Importância da Arquitectura Vernacular na Preservação do Património” Memórias de Pedra e Cal, catálogo da exposição, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Junho 2001, pp. 141-146. VASCONCELOS, J. Leite de, Etnografia Portuguesa – Tentame de sistematização, Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, s/d. VASCONCELOS, Luís, “O Fomento de Estradas no reinado de D. Maria I”, Sven Sk�dsgaard; John Kuhlmann Madsen, Hispanismen omkring Sven Skydsgaard: studier i spansk og portugisisk sprog, litteratur og kultur til minde om Sven Skydsgaard, Museum Tusculanum Press, 1981.

PERIÓDICOS

Diário de Governo nº 62, 19 de Março de 1881. “Freguesias do Concelho de Vila Franca de Xira Freguesia de Alverca”, Boletim da Junta de Provincia do Ribatejo, n.º 1, anos de 19371940, Lisboa, Oficinas Bertrand (Irmãos), L.da, 1940 “Oficinas Gerais de Material Aeronáutico”, Revista do Ar, n.º 242, Ano XXI, Dezembro de 1958, pp. 93-97. Vida Ribatejana, [Jornal Regional], Número Especial, Ano de 1964. SARMENTO, Zeferino, “Estrada de Lisboa a Santarém – Demarcação”, Vida Ribatejana, Número Especial, 1964, pp. 142-144. TEIXEIRA, Garcez, “Inquérito Sobre Pelourinhos”, Revista de Arqueologia, Tomo III, 1936.

DOCUMENTOS ON-LINE

Aero Fans (www.siteaerofans.hpg.com.br) Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (www.monumentos.pt) Embrarer – Brasil (www.embraer.com.br) Instituto Português do Património Arquitectónico (www.ippar.pt) Observatório Astronómico de Lisboa (www.oal.ul.pt) Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (www.ogma.pt)

| 75 |


Fragmentos de Alverca

| 76 |


Fragmentos de Alverca

Anexos

| 77 |


Fragmentos de Alverca

| 78 |


Fragmentos de Alverca

POPULAÇÃO DA VILA E LUGARES DE ALVERCA EM 15271 Topónimo Vila dAlverqa

POPULAÇÃO DA VILA E LUGARES DE ALVERCA EM 16403 Vizinhos

Topónimo

108

Designação Fogos

Adarçe

Aldeia

24

Aldea da Panasqueira

6

Allverqua

Vila

150

Aldea da Pêro Berba

6

26

5

Arecenas (Grande e Piquena)

Aldeias

Aldea de Ramas Aldea das Arecenas

18

Dos Mellros

Aldeia

16

Aldea das Verdelhas grãde e pequena

13

Dos Potes

Aldeia

23

Aldea do Adarço

19

Moinho de Vento

Aldeia

10

Aldea do Moinho de Veto

3

Panasqueira

Aldeia

5

Aldea do Soveral Grâde

43

Peroverba

Aldeia

17

Aldea do Soveral Pequeno

18

Ponte da Azanha

Aldeia

9

Aldea dos Potes

14

Soltas Cazais quintas e moinhos

Casaes do Valle

5

Aldeia

80

Estalage da ponte dAlhãdra

1

Soverais (Grande e Piqueno) Vall de Rana

Aldeia

10

Verdelha

Aldeia

14

TOTAL

259

22

Total

POPULAÇÃO DA VILA E LUGARES DE ALVERCA EM 15882 Topónimo

406

POPULAÇÃO DA VILA E LUGARES DE ALVERCA EM 17584 Fogos

Topónimo

Designação

Vizinhos

Pessoas

Adarse

Lugar

8

35

Adarço

6

Alverca

167

A-dos-Melros

Lugar

28

108

Ponte d’Alhandra

12

A-dos-Potes

Lugar

25

98

Soboral

45

Alverca

Freguesia

180

727

8

Arcena Grande

Lugar

37

121

Aresena

20

Arcena Pequena

Lugar

9

35

A dos Potes

16

Brandoa

Lugar

11

29

Verdelha

8

Moinho de Vento

Lugar

13

62

Pêro Berba

10

Ponte

Lugar

31

127

Val de Vasias

10

Proverba

Lugar

7

27

TOTAL

302

Vale de Ranas

Lugar

6

25

Verdelha

Lugar

6

15

361

1409

A dos Melros

TOTAIS ___________ ___________

3 Cf. ANTT, Tombo de Alverca, Lista das Comarcas do Reino, 1640, Manuscrito 1194, Livraria 4 Cf. ANTT, Memórias Paroquiais - Dicionário Geográfico de Portugal, volume 3, memória 43 (Alverca), fls. 329-330.

1 Cf. Bramcamp Freire, Archivo Histórico Portuguez, Vol. VI, Anno de 1908, p. 258. 2 Cf. ANTT, Núcleo Antigo, Tombo de Alverca, Livro XXV, Parte II, Cx. 271, fls. 1139-1140

| 79 |


Fragmentos de Alverca

ÚLTIMA ACTA DE SESSÃO DA CÂMARA DE ALVERCA 1 “Aos quinze dias do mez de Novembro do anno de mil oito centos cincoenta e cinco nesta Villa d’Alverca e Paços do Concelho aonde se achava reunida a Camara Municipal composta do seu Prezidente e mais vereadores abaixo assignados, ahi tratou de calcular o preço medio dos seguintes generos relativo áo corrente anno a saber – Alhos a restia cincoenta reis – Azeite o almude tres mil e quatro centos reis – Azeitona o alqueire duzentos e quarenta reis – Cabritos cada um cento e secenta reis – Carneiro siscentos reis – Cordeiros duzentos reis – Ceb�llos o cento cem reis – Centeio o alqueire trezentos e vinte reis – Cevada o alqueire trezentos reis – Chixaros duzentos reis – Damascos o cento cento e quarenta reis – Fava o alqueire trezentos e quarenta reis – Feijaõ seiscentos reis – Frangaõs cada um oitenta reis – Galinhas duzentos e quarenta reis – Graõ de bico o alqueire sete centos reis – Laã a arrouba dois mil e cem reis – Laranja o cento duzentos reis – Linha a carrada mil e duzentos reis – Limaõ o cento oito centos reis – Macçaas [sic] o cento cento e vinte reis – Ovos a duzia oitenta reis – Palha pam de quatro arroubas duzentos e secenta reis – palha de centeio o feixe quarenta reis – Patos cada um duzentos reis – Pecêgos o cento quinhentos e cincoenta reis – Pêras o cento cento e cincoenta reis – Perus cada um sete centos reis – Porcos a arrouba dois mil e quatrocentos reis – Sal o moio dois mil reis – Tremocos o alqueire cento e

vinte reis – trigo seiscentos reis – Vinagre o alqueire mil e duzentos reis – Vinho cozido o almude mil e oitocentos reis – Vinho mosto naõ o houve por isso se naõ calcula preço medio. E para cosntar se lavrou a prezente acta que depois de lida todos a assignaraõ eu Joze Peres Chaves Escrivaõ da camara que escrevi.” [assinatura]

1 AHVFX, Livro de Registos de Actas das Sessões – Acórdãos, Concelho de Alverca, B/A.002.

| 80 |


Fragmentos de Alverca

| 81 |


Fragmentos de Alverca

| 82 |


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.