QUAIS ESPAÇOS SÃO FORMADOS PELOS ACÚMULOS EMOCIONAIS ?
en trecai -xas
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“Enquanto espaço privado, o lar é vivido como prática corporificada que contempla os aspectos físicos, sensório e afetivo. “Estar em casa” refere-se a uma experiência corporal de lugar e espaço em relação aos quais o indivíduo desenvolveu senso de controle e pertencimento, a tal ponto que sujeito e o ambiente vivem em relação mútua e dinâmica – ‘leak into each other’ ” Denise Almeida Silva (2016)
ENTRE preposição 1. a meio de (dois espaços, dois tempos, duas situações etc.). "o livro estava e. a estante e a mesa" 2. intervalo numa série; através de. "a areia escorria e. os seus dedos" CAIXA substantivo feminino 1.qualquer receptáculo, de madeira, papelão, metal etc., destinado a guardar ou transportar objetos. Dicionário Aurélio (1986)
LÁ EM CASA VIVE-SE ENTRE CAIXAS MEMÓRIAS ACUMULADAS ARQUIVOS IMPROVÁVEIS ARMAZENAR PARA TER DO QUE TEM MEDO DE ESQUECER?
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Do desejo de (re)compor, transpor, reconstruir, improvisar e expandir o meu próprio imaginário a partir do acúmulo que me cerca - ou sufoca - enquanto arquivo; que não é meu, mas compõe grande parte da minha história e da experiência do que é habitar. _ Viver entre caixas é habitar o improviso?
“O que é a vida? Não sei. Onde ela habita? Ao inventar o lugar, os vivos respondem a essa pergunta.” Michel Serres (1996) “Todo espaço verdadeiramente habitado carrega a essência da noção de casa” Gaston Bachelard (1957) “Habitar é se situar não no tempo, mas na duração, e exprime não o devir, mas um estado. Habitar equivale a estar localizado. E estar localizado é sustentar uma relação entre um sujeito determinado e um lugar determinado” Georges-Hubert Radkowski (2002)
Seria a documentação poética uma saída para transver¹ o acúmulo e compreender o que resta ao redor das caixas? 25 anos materializados e empilhados constroem espacialidades emocionais.
“a duração é o processo contínuo do passado que rói o porvir e incha à medida que avança. Uma vez que o passado cresce incessantemente, também se conserva indefinidamente.” Henri Bergon (2006)
¹ “A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado. A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro. Arte não tem pensa: O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo.” Manoel de Barros (2008)
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“Espaço que abriga e mantém a lembrança: como a memória não registra a duração, as lembranças são tanto mais sólidas quanto mais bem especializadas.” Gaston Bachelard (1989) Geralmente quando coloca-se coisas em caixas pretende-se mudar de casa, nós nunca mudamos. as caixas permanecem .
“Parece que a mudança reside na passagem de um estado ao estado seguinte: no que se refere a cada estado, tomado em separado, quero crer que continua o mesmo durante todo o tempo em que se produz. Contudo, um leve esforço de atenção revelar-me-ia que não há afeto, não há representação ou volição que não se modifique a todo instante; se um estado de alma cessasse de variar, sua Henri Bergson (2006) mas mudam de lugar, dentro da casa. a mudança, de alguma forma, acontece.
“apenas ficar aqui por força ficar aqui até que a palavra morar faça sentido” Ana Martins Marques (2017)
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O entre é a não-caixa, talvez não seja a formação do espaço entre uma caixa e outra . Qual é o espaço negativo da caixa? É possível desenhar a planta da casa pelo espaço que resta fora o acúmulo? Qual o limite do preenchimento? _ procurar nas ausências dos arquivos os vazios enquanto algo que comunica
“Ensaios de morar onde melhor nos convém experimentos de ajuste do corpo à arquitetura ligeiro desconforto e desamparo infinito” Ana Martins Marques (2017) .
_ percorrer esse espaço, atravessar e desviar. A depender da configuração do momento (que é efêmera), o espaço de passagem é muito estreito, então, é preciso realocar a caixa que está mais desalinhada com as demais da pilha. Desmontar Montar é preciso arrumar.
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A falsa sensação de guardar em caixas e preservar memórias . O que tem em cada caixa? (algumas possuem etiquetas) _ ”não lembro”
“A memória ...não é uma faculdade de classificar recordações numa gaveta ou de inscrevê-las num registro. Não há registros, não há gaveta, não há aqui, propriamente falando, sequer uma faculdade, pois uma faculdade se exerce de forma intermitente, quando quer ou quando pode, ao passo que a acumulação do passado sobre o passado prossegue sem trégua [...] A lembrança de uma sensação é coisa capaz de sugerir essa sensação, ou seja, de fazê-la renascer, fraca primeiro, mais forte em seguida, cada vez mais forte à medida que a atenção se fixa mais nela. [...] Lembranças pessoais, exatamente localizadas e cuja série desenharia o curso de nossa existência passada, constituem, reunidas, o último e mais amplo invólucro de nossa memória. [...] Chega um momento que a lembrança assim reduzida se encaixa tão bem na percepção presente que não se saberia dizer onde termina a percepção e onde começa a lembrança” Henri Bergson (2006)
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“É preciso olhar as coisas mais de perto e entender corretamente que a necessidade da afeição decorre da própria existência da percepção. [...] A percepção, tal como a entendemos, mede nossa ação possível sobre as coisas e, por isso, inversamente, a ação possível das coisas sobre nós.” Henri Bergson (2006) a casa não é só matéria, é também o movimento dos corpos dentro dela
“Com e através da casa os indivíduos constroem representações de si e do mundo, mediante a relação que estabelecem com outros, dentro e fora dela. ” Maria Gabriela Hita (2016)
_ as vezes, em agosto, bate uma luz bonita nas caixas da sala
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“uma casa é aquilo que menos se necessita quanto mais se tem” Ana Martins Marques (2017)
o acúmulo não é só o que não conseguimos esquecer. é o que não conseguimos mais lembrar.
Semestre Letivo Suplementar 1/2020 ARQ B17 MEMÓRIA, NARRAÇÃO, HISTÓRIA [M.N.H.] Professoras Paola Berenstein Jacques [PPG-AU/FAUFBA] e Margareth da Silva Pereira [PPG-AU/FAUFBA, professora visitante] Professor convidado Washington Drummond [História/Pós-crítica UNEB] Estudante Alyssa Volpini [FAU-UFBA, Matrícula 21910002]
Referências: SILVA, Denise Almeida. Casa, Lar in COSER, Stelamaris (org). Viagens, deslocamentos, espaços : conceitos críticos. Vitória : EDUFES, 2016. MARQUES, Ana Martins e JORGE, Eduardo. Como se fosse casa. Relicário Edições, 2017. BERGSON, Henri. Memória e vida. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Anotações da disciplina