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A Noiva JULIE GARWOOD
Revisão : Isabela
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PRÓLOGO Escócia, 1100.
A vigília acabara. Por fim, a mulher de Alec Kincaid iria ao seu descanso final. O tempo estava tão sombrio como os semblantes dos escassos membros do clã reunidos ao redor da sepultura no topo do rochedo árido. Helena Louise Kincaid não seria depositada em terra sagrada, pois a jovem esposa do poderoso caudilho havia disposto de sua própria vida e, portanto, estava condenada a descansar fora do cemitério cristão. A Igreja não permitia que o corpo de uma pessoa que cometera um pecado mortal descansasse em solo bendito. Os chefes da Igreja consideravam que uma alma corrupta era como uma maçã podre, e era impossível considerar a possibilidade de que esse espírito manchado contaminasse os puros. Sobre os homens do clã caía uma chuva intensa. O corpo, envolto no manto dos Kincaid, vermelho, negro e da cor das urzes, gotejava água e parecia pesado quando o depositaram dentro do caixão novo de pinheiro. O próprio Alec Kincaid se ocupou de fazê-lo. Não permitiria que ninguém tocasse sua esposa morta. O padre Murdock, o ancião sacerdote, permanecia de pé a respeitável distância dos outros. Não parecia sentir-se muito à vontade por não ter celebrado a cerimônia habitual: não existiam preces destinadas aos suicidas. Por outra lado, que consolo poderia oferecer aos presentes, se todos sabiam que Helena ia para o inferno? Era a própria Igreja quem decretara esse penoso destino. O único castigo
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para o suicídio era o fogo eterno.
Não foi fácil para mim. Estou de pé junto ao sacerdote com expressão tão grave como as de todos os outros membros do clã, e também elevo uma prece, mas não por Helena. Não, dou graças ao Senhor por ter completado enfim minha missão. Helena demorou muito a morrer. Tive que suportar três dias completos de agonia e de suspense, e rogar que não abrisse os olhos nem dissesse a horrível verdade. Ao negar-se a morrer imediatamente, a noiva d’O Kincaid submeteu-me a uma dura prova; claro que o fez para obrigar-me a arder por dentro. A tortura terminou quando por fim tive a possibilidade de asfixiá-la apertando sobre seu rosto o manto dos Kincaid. Não levou muito tempo, e Helena, já muito fraca, quase não opôs resistência. Deus, que instante de satisfação! Embora minhas mãos estivessem suadas, pelo temor de que me descobrissem, ao mesmo tempo a excitação fez correr um estremecimento por minhas costas. Cometi um assassinato sem que me descobrissem! Como me orgulho de minha audácia! Mas sei que não posso dizer uma palavra, e tampouco me atrevo a revelar a alegria no olhar. Agora observo Alec Kincaid. O marido de Helena está de pé junto à cova da sepultura. Tem os punhos apertados de cada lado do corpo e a cabeça inclinada e me pergunto se ele sofre ou se enfurece pela morte pecaminosa de sua esposa. Não é fácil saber o que passa por sua mente, pois ele sempre consegue ocultar suas emoções. Na realidade, não importa o que sinta neste momento. Passado certo tempo, ele superará a morte da esposa. E eu também preciso de tempo, antes de desafiá-lo pelo meu lugar de direito. Subitamente, o sacerdote tosse com um som rouco e doloroso que volta minha
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atenção para ele. Tem a aparência de quem deseja chorar, e o observo até que recupera a compostura. Então começa a menear a cabeça e eu sei o que está pensando: a idéia está impressa em seu rosto e qualquer um pode vê-la. A mulher d’O Kincaid envergonhou a todos. Que Deus me ajude; não devo rir!
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Capítulo um Inglaterra, 1102.
Dizia-se que ele havia assassinado a sua primeira esposa. Papai afirmou que, possivelmente, a mulher merecia a morte. Foi infeliz ao fazer semelhante afirmação diante das filhas, e o barão Jamison compreendeu a estupidez no mesmo instante em que as palavras brotaram de sua boca. Certamente, muito em breve lamentaria esse comentário tão pouco piedoso. Agora, três das filhas do barão tinham levado a sério o espantoso rumor referente a Alec Kincaid e, por outro lado, não lhes importava muito a opinião de seu pai a respeito. Agnes e Alice, as filhas gêmeas do barão, soluçaram com força e em uníssono, segundo um costume irritante que tinham, enquanto que a outra irmã, Mary, de caráter mais doce, rodeou com passo ágil a mesa longa do imenso salão, para onde o pai se retirara, confuso, bebendo uma taça de cerveja e procurando recuperar a calma. No meio do ruidoso coro das gêmeas, Mary intercalou uma série de observações escandalosas sobre o guerreiro das Terras Altas, que chegaria ao lar dos Jamison em apenas uma semana. Querendo ou não, Mary provocou nas gêmeas uma onda de resmungos e bufos. Era suficiente para acabar até com a paciência do próprio demônio. O pai tentou defender o escocês e, como só tinha ouvido comentários funestos e irrepetíveis com respeito ao caráter sombrio daquele homem, viu-se obrigado a inventar as observações favoráveis. Mas tudo foi inútil.
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Simplesmente um esforço vão, pois as filhas não prestavam a menor atenção ao que dizia. ―Nada de novo‖, reconheceu com um grunhido e um sonoro arroto, ―pois meus anjos nunca se interessam por minhas opiniões‖. O barão não tinha a menor habilidade para acalmar suas filhas quando ficavam assim, e até aquele momento essa incapacidade não o preocupara absolutamente. Mas agora parecia fundamental impor-se, já que não queria ficar como um idiota diante dos visitantes, escoceses ou não, e se suas filhas continuassem ignorando suas ordens, era exatamente o que iria parecer. O barão bebeu outro gole de cerveja e se armou de coragem. Deu um murro sobre a mesa de madeira para chamar a atenção e afirmou que todas essas afirmações sobre o escocês eram um monte de bobagens. Ao ver que a afirmação não despertava a menor reação, nem mesmo atenção, deixou-se levar pela cólera. Então pensou que se os rumores fossem verdadeiros, talvez a esposa do escocês realmente merecesse ser vítima do crime. ―Teria começado como uma surra‖, especulou, ―e, como normalmente acontece, ele esqueceu da força do próprio braço‖. Para o barão Jamison a explicação foi coerente. E conquistou a atenção das filhas, mas as expressões atônitas das moças não eram o que esperava obter. Seus preciosos anjos o olhavam, horrorizados como se acabassem de ver uma sanguessuga pendurando do nariz do pai. De repente, compreendeu que elas acreditavam que ele estava louco e então o frágil temperamento do barão explodiu. Bramou que sem dúvida a mulher teria esgotado a paciência de seu amo e senhor. E que seria melhor que moças desrespeitosas aprendessem a lição. A única intenção do barão era inspirar o temor de Deus em suas filhas, mas compreendeu que tinha fracassado quando as gêmeas começaram a gritar outra vez. Cobriu os ouvidos com as mãos para se proteger daquele barulho que destroçava seus nervos, e fechou os olhos para não ver o olhar hostil que Mary lhe dirigia. Afundou-se mais ainda na cadeira, até que quase seus joelhos roçassem o chão. Com a cabeça encurvada, toda coragem já perdida, desesperado, recorreu a
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Herman, seu fiel criado, e o ordenou que procurasse por sua filha caçula. O servo grisalho pareceu aliviado pela ordem, assentiu várias vezes e logo saiu do salão arrastando os pés para cumprir a ordem do amo. O barão juraria pela Santa Cruz que, enquanto o criado saía, tinha murmurado que já era hora daquela ordem ser dada. Menos de dez minutos depois sua filha, que possuía o nome idêntico ao seu, apareceu no meio do caos e imediatamente, o barão se endireitou na cadeira. Dirigiu a Herman um olhar severo, indicando que tinha ouvido a crítica sussurrada e logo abandonou a expressão carrancuda. Ao voltar-se para observar a filha, lançou um prolongado suspiro de alívio. Sua Jamie se encarregaria de tudo. O barão Jamison soube que estava sorrindo e reconheceu que era impossível manter o humor azedo na presença de Jamie. A moça era um espetáculo fascinante. Sua visão era uma benção; apenas vê-la fazia um homem esquecer todas as preocupações. A presença de Jamie era tão imponente como sua beleza, já que tinha herdado a formosura da mãe. Tinha cabelos negros como as asas de um corvo, olhos de cor violeta que faziam seu pai pensar na primavera, e uma pele tão imaculada quanto seu coração. Embora o barão jurasse amar todas suas filhas, Jamie era seu orgulho e sua alegria. Coisa surpreendente, pois, na realidade, ele não era o pai carnal. A mãe de Jamie fora a segunda esposa do barão. Chegou até ele quase a ponto de dar à luz a sua filha. O pai de Jamie morrera no campo de batalha, um mês depois de casar-se com a mãe e de conceber a menina. O barão aceitara a garotinha como sua e proibiu que qualquer um a chamasse de sua enteada. Desde do momento em que a teve nos braços, a considerou sua própria filha. Jamie era a menor e a mais esplendorosa de seus anjos. Tanto as gêmeas como Mary eram dotadas de uma beleza serena, aquele tipo de beleza que os homens
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percebiam com o tempo, mas a pequena e querida Jamie, com um só olhar, roubava o fôlego de um homem. Dizia-se que o sorriso de Jamie era capaz de fazer um cavaleiro desmontar. Ou, ao menos, isso era o que seu pai costumava dizer aos amigos. Mesmo assim, não existiam ciúmes entre as moças. Por instinto, Agnes, Alice e Mary recorriam à irmãzinha caçula a procura de orientação em qualquer assunto de importância. Consultavam-na e ao pai na mesma medida. Atualmente, Jamie era a verdadeira senhora do lar. Desde o dia do enterro de sua mãe, a filha menor se encarregou da direção da casa. Desde muito cedo demonstrou suas qualidades e o barão, grande apreciador da ordem, mas incapaz de estabelecê-la, sentiu-se aliviado de delegar a responsabilidade a Jamie. Ela nunca o decepcionou. Jamie era uma filha sensata e não causava dificuldades. Além disso, depois do dia da morte da mãe, nunca mais chorou. ―Agnes, Alice e Mary fariam bem em aprender com ela‖, pensava o barão. Elas choravam por quase tudo. O pai acreditava que só o fato de que fossem bonitas as salvava de ser insignificantes, e tinha pena dos lordes que algum dia tivessem que suportar essas moças tão sensíveis. A que mais o preocupava era Mary. Embora não o dissesse em voz alta, sabia que a moça era um pouco mais egoísta do que era conveniente. Colocava seus caprichos acima do de suas irmãs. Pior, acima dos do próprio pai! Sim, Mary não só era uma preocupação, mas também uma encrenqueira. Gostava de provocar confusões por puro prazer. O barão suspeitava que era Jamie quem dava a Mary idéias pouco dignas de uma dama, mas nunca se atreveu a expressá-lo, por temor a enganar-se e cair em desgraça com a filha menor. Mas embora Jamie fosse a preferida, o pai reconhecia os defeitos da jovem: tinha um temperamento capaz de incendiar um bosque, embora raras vezes se descontrolasse. No caráter da moça existia um matiz de obstinação. Herdara da mãe a habilidade para curar, mas o pai proibiu essa prática expressamente. Não, essa inclinação não agradava ao barão, pois tanto os servos como os criados da
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casa a distraíam com freqüência da principal obrigação de Jamie: ocupar-se da comodidade do pai. O que menos importava ao barão eram as chamadas noturnas, pois, geralmente, ele dormia bem e profundamente nessas ocasiões e, em conseqüência, não o incomodava. Porém, as interrupções que ocorriam durante o dia o irritavam, quando o faziam esperar o jantar porque a filha estava ocupada atendendo feridos ou doentes. Essa idéia o fez suspirar pesaroso e logo se deu conta de que as gêmeas tinham deixado de gritar. Jamie já havia desfeito a tempestade. O barão Jamison indicou ao mordomo que voltasse a encher sua taça e se reclinou para observar como a filha continuava exercendo sua magia particular. No instante em que entrou no salão, Agnes, Alice e Mary se precipitaram para a irmã menor e cada uma apressou-se em dar sua própria versão da história. Jamie não achava sentido nos relatos que ouvia. —Venham, sentem-se à mesa, junto com papai — sugeriu com sua característica voz rouca—. Assim poderemos resolver o problema como uma família — adicionou com sorriso alentador. —Desta vez, é mais que um problema — gemeu Alice, arregalando os olhos—. Jamie, não acredito que consigamos resolvê-lo. De verdade, não acredito. —Desta vez, a culpa é de papai — murmurou Agnes. A menor das gêmeas arrastou um tamborete para junto da mesa, sentou-se, e dirigiu ao pai um olhar feroz—. Como sempre, é culpa dele. —Não é culpa minha —queixou-se o barão—. Mocinha, pode deixar já de me olhar assim. Não faço outra coisa senão obedecer a uma ordem de meu rei. —Papai, por favor, não se inquiete — advertiu Jamie, dando uma palmadinha na mão do pai, para logo se voltar para Mary—. Você parece a mais controlada. Agnes, por favor, chega de soluçar, assim posso escutar o que aconteceu. Mary, pode explicar, por favor? —Chegou uma carta do rei Henry — respondeu Mary. Deteve-se para afastar
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uma mecha de cabelo castanho claro sobre o ombro e logo apoiou as mãos sobre a mesa—. Ao que parece, nosso rei está outra vez aborrecido com papai. — Mary, o rei está furioso! —interveio Agnes. Mary assentiu e logo prosseguiu: —Papai não lhe enviou o dinheiro dos impostos — explicou, olhando carrancuda para o pai—. O rei quer dar um exemplo através de nosso pai. As gêmeas dirigiram, ao mesmo tempo, olhares hostis ao pai e Jamie deixou escapar um suspiro de fadiga. —Por favor, Mary, continue —pediu —. Quero ouvir toda a estória. —Bem, desde que o rei Henry se casou com essa princesa escocesa... Como se chamava, Alice? —Matilda. —Sim, Matilda. Senhor, como pude esquecer o nome de nossa rainha! —Parece fácil explicar como você esqueceu —disse Agnes—. Papai nunca nos levou à corte e jamais tivemos uma só visita importante. Estamos aqui, isoladas como leprosas, no meio do nada. —Agnes, você está se desviando do assunto —afirmou Jamie, em tom carregado de impaciência—. Mary, continue. —Bem, parece que o rei Henry quer que todas nos casemos com escoceses — afirmou Mary. Alice sacudiu a cabeça. —Não, Mary. Não quer que todas nos casemos com escoceses e sim só uma de nós. E esse bárbaro deve escolher dentre nós. Que Deus me ajude, é tão humilhante! — Qualquer uma de nós que seja escolhida sem dúvida estara à caminho da morte, Alice. Se esse homem matou uma esposa é provável que mate outra. E isso, irmã, é algo mais que humilhante — disse Mary.
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— O quê? —exclamou Jamie, esmagada pelo que sua irmã dizia. Alice, sem prestar atenção à exclamação de Jamie, interveio: — Ouvi dizer que a primeira esposa se matou. — Como pôde? —gritou Mary, com uma expressão que insinuava que queria matar o pai, pois tinha o rosto ruborizado e as mãos apertadas entre si—.
Sabia
que o rei se zangaria se não pagava os impostos! Por acaso não pensou nas conseqüências? — Alice, por favor, baixe a voz. Os gritos não ajudarão em nada — disse Jamie —.Nós já sabemos que papai é muito esquecido. É provável que até tenha esquecido de enviar o dinheiro dos impostos. Não foi assim, papai? — Algo assim, meu anjo — se defendeu o barão. — Oh, meu Deus! Ele gastou as moedas — gemeu Alice. Jamie ergueu a mão, pedindo silêncio. —Mary, termine a explicação antes que eu comece a gritar. —Jamie, tem que entender como é difícil para nós enfrentarmos semelhante atrocidade. Entretanto, proponho-me a ser forte e lhe explicar tudo, pois vejo que está confusa. Mary endireitou os ombros, preparando-se, e Jamie teve ímpetos de sacudi-la, pois sua paciência estava se esgotando. Infelizmente, sabia que seria inútil, pois Mary gostava de alongar suas histórias, quaisquer que fossem as circunstâncias. — Mary! —insistiu. — Conforme entendi, na semana que vem, virá aqui um bárbaro das Terras Altas e escolherá a uma de nós, Agnes, Alice ou eu, como segunda esposa. Você não está incluída nisto, Jamie. Papai nos disse que nós fomos as únicas mencionadas na carta do rei. —Estou certa de que não matou a sua primeira esposa — disse Alice —. A cozinheira foi quem disse que a mulher se suicidou — adicionou, fazendo o sinal da
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cruz. Agnes sacudiu a cabeça. —Não, eu acho que a assassinaram. Não acredito que se suicidasse, por pior que fosse o marido com ela, sabendo que com isso passaria a eternidade no inferno. — Não poderia ter morrido por acidente? — sugeriu Alice. — Dizem que os escoceses são torpes — disse Mary, dando de ombros. — E você dá crédito a qualquer fofoca que escuta — disse Jamie em tom duro— . Mary, me explique o que significa ―escolherá‖ — adicionou, tratando de esconder o horror que sentia. — Escolher a noiva, claro. Por acaso você não escutou, Jamie? Nós não temos voz na questão, e os contratos já estão preparados para quando ele fizer sua escolha. —Teremos que desfilar diante desse monstro como se fôssemos cavalos — gemeu Agnes. — Quase ia me esquecendo! —exclamou Mary—. Edgar, o rei escocês, também apóia este matrimônio, Jamie. Papai já disse isso! —Isso significa que este lorde tem que obedecer ao rei e tampouco deve querer casar-se —disse Alice. — Senhor, não tinha pensado nisso! —resmungou Alice—. Se não quiser casarse, talvez mate a noiva antes até de chegar a seu lar, em qualquer lugar que seja. —Agnes, quer se acalmar? Está gritando outra vez — murmurou Jamie—. Se continuar assim, vai arrancar todo o cabelo. Por outro lado, não se pode saber ao certo as circunstâncias da morte de sua esposa. —É um Kincaid, Jamie, e é um assassino. Papai disse que surrou a primeira esposa até matá-la —advertiu Agnes. — Eu não disse isso! —vociferou o barão—. Só insinuei... —Emmett nos disse que a jogou por um rochedo — interveio Mary, e tamborilou
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com os dedos sobre a mesa enquanto aguardava a reação de Jamie. —Emmett não é mais que um rapaz de cavalariça, e bastante folgado, certamente — replicou Jamie—. Por que dar atenção a suas histórias? Jamie inspirou profundamente, tentando acalmar o estômago revolto. O medo das irmãs era contagioso e tentou lutar contra ele. Sentiu que um estremecimento lhe percorria as costas, mas sabia que não devia expressar seus temores, pois suas irmãs só continuariam calmas se ela estivesse calma. As irmãs, com expressões confiantes, contemplavam-na cheia de expectativa, já que agora o problema e a solução estavam nas mãos de Jamie. Jamie não queria desapontá-las. —Papai, existe algum modo de aplacar o nosso rei? Não poderia lhe enviar o dinheiro dos impostos e adicionar algo mais para acalmar seu aborrecimento? O barão Jamison moveu a cabeça. —Teria que voltar a cobrar os tributos, e sabe tão bem como eu que os servos estão sobrecarregados por seus próprios problemas. De qualquer modo, a colheita de cevada não foi boa. Não, Jamie, não posso cobrá-los outra vez. Jamie fez um gesto de assentimento e tentou ocultar a decepção. Esperava que houvesse sobrado algo, mas a resposta do pai confirmou seu temor de que a renda havia sido toda gasta. —Emmett diz que papai já gastou todas as moedas — murmurou Mary. —Emmett é pior que uma velha fofoqueira — replicou Jamie. —Sim — confirmou o pai —. Sempre costuma distorcer a verdade. Não se pode dar importância a seus delírios. —Papai, por que fui excluida? —perguntou Jamie—. Por acaso o rei esqueceu de que o senhor tem quatro filhas? —Não, não — apressou-se a esclarecer o barão, e voltou o olhar para a taça, com medo de que a filha menor lesse a verdade em seus olhos. O rei Henry não
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havia excluído Jamie, já que na carta dizia ―filhas‖. Foi o barão Jamison quem havia decidido exclui-la, por medo de não poder viver sem os cuidados de sua filha menor. E pensou que o plano era muito ardiloso—. O rei só se referiu às filhas de Maudie. —Bom, para mim, isso não tem sentido — assinalou Agnes, bufando. —Possivelmente seja porque Jamie é a caçula — sugeriu Mary, e adicionou, dando de ombros —: Quem pode saber o que se passa na mente do rei? Jamie, alegre-se de não estar incluída na ordem. Se fosse escolhida, não poderia se casar com seu Andrew! —É por isso — interveio Agnes—. O barão Andrew é muito poderoso e está bem conceituado: ele nos disse isso. Deve ter convencido o rei. Jamie, todos sabemos como ele está apaixonado por você. —Essa poderia ser a razão — murmurou Jamie—. Se Andrew for tão importante como diz... —Eu não acredito que Jamie queira realmente casar-se com Andrew — disse Mary às gêmeas —. Não olhe assim, Jamie; acho que você nem gosta da idéia. — Agrada ao papai — disse Agnes. Olhou carrancuda para o pai e completou —: Como Andrew prometeu vir morar aqui, Jamie poderia seguir escravizando-se na... — Agnes, não comece outra vez com isso! — implorou Jamie. — Não entendo por que parece tão terrível que eu queira manter Jamie aqui depois de casada — murmurou o barão. — Pelo visto, o senhor não entende nada — murmurou Mary. — Cuidado com o que fala, jovem! — replicou o pai —. Não permitirei que fale comigo dessa maneira tão desrespeitosa. —Eu conheço o motivo verdadeiro — disse Alice— e o direi a Jamie: Andrew pagou a papai seu dote, Jamie, e... — E o quê? —exclamou Jamie, a ponto de pular da cadeira—. Alice, você está
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enganada. Cavalheiros não entregam dote. Papai, não aceitou dinheiro de Andrew, verdade? O barão Jamison não respondeu. Parecia muito concentrado em agitar a cerveja na taça. O silêncio o condenava. — Deus! —sussurrou Mary—. Alice, você por acaso entende o que está insinuando? Se o que diz fosse verdade, significaria que nosso pai vendeu Jamie a Andrew! — Mary, não enfureça Jamie! — advertiu o barão. — Eu não disse que papai vendeu Jamie para Andrew — disse Alice. — Disse — retrucou Mary. —Eu disse que Andrew deu a papai um saco cheio de moedas de ouro. Jamie sentiu que a cabeça latejava. Estava decidida a chegar ao fundo dessa questão das moedas, não importava o tempo que levasse e apesar da dor de cabeça. Vendida...! Só pensar nisso seu estômago revolvia. — Papai, não aceitou moedas por mim, verdade? — perguntou, sem poder esconder o medo aparente na voz. —Não, claro que não, meu anjo. —Papai, sabe que o senhor só nos chama de seus anjos cada vez que faz algo vergonhoso? —gemeu Agnes—. Deus é testemunha de que começo a odiar esse nome carinhoso. — Garanto que vi Andrew dando essas moedas ao papai! —insistiu Alice. —Pergunto-me como sabia o que havia dentro do saco — argumentou Mary—. Acaso tem uma visão especial? —Deixou cair o saco e algumas moedas caíram — exclamou Alice. —Foi só um pequeno empréstimo — bramou o pai para chamar a atenção das
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filhas—. Parem agoram mesmo de dizer que vendi minha garotinha. Os ombros de Jamie relaxaram de alívio. — Viu, Alice? Foi só um empréstimo que Andrew fez a papai. Você fez eu me preocupar por nada. E agora, podemos voltar ao problema original? — Papai está de novo com aquela expressão culpada — advertiu Mary. —Claro que ele parece culpado — disse Jamie —. Não é preciso esfregar sal na ferida. Estou certa de que ele já se sente bastante mal sem isso. O barão Jamison lançou um sorriso a sua filha por defendê-lo. —É meu anjinho bom — elogiou—. Bem, Jamie, quero que se esconda quando chegarem os escoceses. Não tem sentido tentá-los com algo que não poderão ter. O barão não percebeu o deslize até que Alice o fez notar — Escoceses, papai? Mais de um? Isso significa que esse demônio chamado Kincaid trará outros com ele? — Possivelmente traga a família para que presencie o matrimônio — sugeriu Agnes a sua gêmea. — Isso é tudo? —perguntou Jamie ao pai. Ela se esforçava para concentrar-se no problema, mas sua mente estava fixa no assunto das moedas de ouro. Por que o pai havia aceitado um empréstimo de Andrew? O barão demorou a responder. — Papai,
tenho a sensação de que há algo que o senhor não quer nos dizer —
insistiu Jamie. — Deus! —exclamou Mary—. Você acha que há mais? — Papai, o que mais o senhor quer esconder? —gritou Alice. — Papai! —exigiu Agnes. Jamie voltou a pedir silêncio. Ansiava por agarrar as lapelas do casaco cinza do pai e sacudi-lo para que falasse. Sentia que seu temperamento começava a
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esquentar. — Você chegou a ler a carta do rei? —perguntou. —Na realidade, teríamos que ter aprendido a ler e a escrever quando mamãe começou a nos ensinar — assinalou Agnes lançando um suspiro pesaroso. — Tolices! — debochou Alice—. Uma dama nobre não necessita de instrução. O devíamos ter aprendido é essa espantosa língua galesa, como Jamie — afirmou—. Sabe que não pretendo ofendê-la, Jamie — apressou-se a esclarecer ao ver o cenho franzido da irmã —. Eu queria mesmo aprender com você. Beak se ofereceu para ensinar-nos. A todas nós. — concluiu. — O chefe de nossos estábulos gostava de me ensinar — disse Jamie—. E mamãe se distraía com isso. Ela esteve muito tempo de cama antes de morrer. — Acha que esse monstro das Terras Altas não sabe nossa língua? —queixou-se Agnes, caindo no choro. Se Agnes não tivesse começado a chorar, Jamie poderia ter-se controlado. — Qual é a diferença, Agnes? —explorou—. Esse sujeito matará a noiva, não falará com ela. —Então, você acha que os falatórios são verdadeiros? —perguntou Mary. —Não — respondeu Jamie, arrependida —. Estava brincando. —Fechou os olhos, elevou uma breve prece pedindo paciência e se dirigiu à Agnes—: foi muito pouco amável de minha parte se inquietar, irmã; peço-lhe desculpas. —Espero que assim seja — soluçou Agnes. —Papai, deixe que Jamie veja a carta — exigiu de repente Mary. —Não — retrucou o barão, mas se apressou a suavizar o tom para que suas filhas não suspeitassem suas verdadeiras intenções —. Não é necessário incomodar Jamie. A questão é simples: na semana que vem chegarão dois escoceses e com eles partirão duas noivas. É inútil dizer que as filhas do barão não se alegraram com as novidades. As
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gêmeas começaram a reclamar como garotinhas às que se belisca para despertar. —Eu fugirei — afirmou Mary. Com voz o bastante alta para que a ouvissem sobre o barulho, Jamie disse: —Acho que temos que formular um plano para dissuadir aos pretendentes. Agnes parou imediatamente de reclamar. —Um plano? No que está pensando? —Pensei em um plano para enganá-los, e até me dá medo falar nisso, mas, como está em jogo seu bem-estar... Se eu tivesse que escolher, descartaria qualquer candidata que sofresse algum tipo de enfermidade. Um lento sorriso se desenhou no semblante de Mary. Era ela quem sempre captava com mais rapidez as idéias de Jamie, em particular em se tratando de travessuras. —Ou se fosse tão feia que custasse esforço olhá-la — completou, com um gesto de concordância. Os olhos castanhos brilhavam de malícia —. Agnes, você e Alice poderiam estar doentes, e eu seria gorda e feia. — Doentes? —perguntou Alice, confusa —, Agnes, do que você está falando? Agnes começou a rir, e embora estivesse com o nariz vermelho de tanto se esfregar e as bochechas irritadas pelas lágrimas, ao sorrir se tornava muito bonita. —Acho que poderia ser uma enfermidade mortal. Teremos que comer amoras, irmã; a coceira só duraria umas horas, de modo que deveríamos calcular bem os tempos. —Agora compreendo — disse Alice—. Faremos esses estúpidos escoceses acreditarem que sempre temos terríveis manchas nos rostos. —Eu babarei —anunciou Agnes com gesto altivo — e me arranharei até ficar infestada de vermes. As quatro irmãs riram diante semelhante quadro, e o pai se reanimou. Sorriu
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para seus anjos: — Viram? Eu disse que o problema tinha solução. —Não havia dito nada disso, mas isso não o preocupou absolutamente—. Irei tirar um cochilo enquanto prosseguem com o plano. —O barão apressou-se a sair do salão. —Pode ser que esses escoceses não se importem com a aparência —advertiu Jamie, preocupada em ter dado falsas esperanças às irmãs. —Tomara que eles sejam superficiais — retrucou Mary. —Será um pecado enganá-los? —perguntou Alice. —É óbvio — respondeu Mary. —Será melhor que não o confessemos ao padre Charles —murmurou Agnes—. Ou ele nos daria outro mês de penitência. Além disso, os enganados são escoceses; sem dúvida Deus entenderá. Jamie deixou as irmãs e foi conversar com o chefe dos estábulos. Beak, como o chamavam carinhosamente os amigos por seu longo nariz curvo, era um ancião que há muito tempo era o confidente de Jamie. A moça confiava nele por completo. O homem jamais contava aos outros o que Jamie lhe dizia. Ensinou-lhe todas as habilidades que acreditou que lhe seriam úteis. Para falar a verdade, para o ancião, ela era mais como um filho que uma patroa. O único ponto de desacordo era o barão Jamison. O chefe das cavalariças manifestava com toda veemência que não estava de acordo com o modo em que o barão tratava a filha caçula. Jamie não entendia por que, pois ela mesma estava contente com o tratamento recebido do pai. Mas como nunca concordavam, evitavam com o maior cuidado referir-se ao caráter do barão. Jamie esperou até que Beak enviasse Emmett para uma tarefa fora do estábulo, e depois lhe contou toda a história. Enquanto escutava, Beak esfregava o queixo, em sinal de que prestava toda a atenção. — De fato, isto é minha culpa — confessou Jamie.
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— Por quê? —perguntou Beak. —Deveria ter me encarregado do pagamento dos impostos —explicou Jamie —. Agora, minhas irmãs terão que pagar um preço muito alto pelo meu descuido. — Deus do céu! —murmurou Beak—. Moça, as únicas tarefas que não lhe correspondem são os impostos e a vigilância. Você se mata trabalhando. Que Deus me perdoe por tê-la ensinado a fazer tantas coisas! Se não houvesse ensinado a ser a melhor amazona e a melhor caçadora, você não seria o que é. Jamie, você é uma bela dama, que executa as tarefas de um cavalheiro. E isso é minha culpa. Jamie não se deixou enganar pela expressão aflita de Beak e riu. — Beak, você fala o tempo todo das minhas habilidades. Está orgulhoso de mim e isso é tudo. — É verdade, eu me orgulho mesmo de você —resmungou Beak—. E mesmo assim não quero ouvir você se recriminando pelos enganos de seu pai. — Vamos, Beak...! — E afinal, você não está incluída nesta petição de esposas? —perguntou Beak— . Não parece um tanto estranho? — Sim, mas nosso rei deve ter seus motivos e não sou eu quem vai questionálos. — Jamie, por acaso você viu a carta? Leu-a?
— Não, papai não quis que me incomodasse em fazê-lo — respondeu Jamie—. Beak, o que foi? De repente, seus olhos ficaram com uma expressão estranha. — Acho que seu pai tem algum plano — admitiu Beak —. Algo vergonhoso. Eu o conheço há mais tempo que você, menina. Lembre-se de quem foi que procurou a sua mãe para ela casar com o barão. Eu conhecia a atitude de seu pai antes de você aprender a caminhar. E agora lhe digo que seu pai trama algo. — Papai me aceitou como a sua própria filha — disse Jamie—. Mamãe sempre
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dizia que ele não deu qualquer importância a que eu não fosse de seu próprio sangue. Não esqueça esse gesto bondoso, Beak, por favor. Papai é um bom homem. — Sim, é certo que foi justo ao lhe considerar sua filha, mas isso não muda em nada os fatos. Nesse momento, Emmett, o cavalariço, entrou nos estábulos. Jamie conhecia seu hábito de ouvir as conversas alheias e imediatamente começou a falar em galés para que não os entendesse. — Sua lealdade está sob suspeita — murmurou movendo a cabeça. — Minha lealdade é sua, mocinha. Nenhuma outra pessoa se preocupa com seu futuro. Deixa logo essa zanga e conta para este velho quando chegarão esses compatriotas escoceses. Jamie compreendeu que Beak desviava de propósito a conversa do pai e sentiuse grata por isso. —Dentro de uma semana, Beak. Enquanto permaneçam aqui terei que me esconder como uma prisioneira. Papai acredita que será melhor que não me vejam, mas não entendo o motivo. Além disso, vai ser uma complicação, com todas as tarefas que tenho. Quem irá caçar para o jantar? Beak, quanto tempo acha que ficarão? O mais provável é que permaneçam uma semana, não acha? Terei que salgar mais carne de porco se... —Espero que fiquem um mês — interrompeu Beak—. Assim teria um descanso forçado — predisse—. Jamie, já disse antes e repito: trabalhar de sol a sol adianta sua morte. Preocupo-me com você, garota. Ainda lembro aqueles dias, quando sua mãe — que Deus dê descanso a sua alma — ainda não tinha adoecido. Você não era maior que um mosquito, mas mesmo assim era uma pestinha. Lembrase daquela vez em que tive que subir à torre exterior para buscá-la? Gritava meu nome sem parar! E eu, com medo de altura, vomitei meu jantar logo depois de desce-la! Tinha prendido uma corda fina entre as duas torres, acreditando que podia caminhar por ela com toda agilidade.
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Jamie sorriu ao recordar. — Lembro-me que açoitou meu traseiro e não pude me sentar por dois dias. — Mas você não disse a seu pai que eu a tinha castigado, pensando que eu me veria em problemas, não é, Jamie? — Você estaria em maus lençóis — confirmou Jamie. — Para falar a verdade, já a salvei mais de uma vez. — Isso foi faz muito tempo — lembrou Jamie com um leve sorriso—. Agora cresci. Tenho muitas responsabilidades; até Andrew entende isso, Beak. Por que você não aceita o fato? O ancião não pensava tocar essa brasa ardente. Beak sabia que feriria os sentimentos da moça se dissesse o que realmente pensava de Andrew. Embora só tivesse tido a infelicidade de ver o barão Andrew Arrumadinho uma vez, foi suficiente para julgar que era um homem sem caráter: só pensava em si mesmo. Deus era testemunha de que, cada vez que Beak pensava em sua adorada Jamie unida a semelhante traste, seu estômago se revoltava. — Você precisa de um homem forte, garota. Além de mim mesmo, é obvio, não acredito que até agora tenha conhecido um homem de verdade. Você tem dentro de si algo selvagem. Um desejo de ser livre, mesmo que não o entenda. —Está exagerando, Beak. Já não sou
uma selvagem.
—Jamie, por acaso pensa que não a vejo de pé sobre o lombo de sua égua enquanto galopa através do prado do sul? Lamento ter-lhe ensinado essa proeza. Às vezes você se diverte desafiando o diabo, não? —Beak, você andou me observando? —Alguém tem que vigiá-la. Jamie suspirou baixinho e voltou ao tema dos escoceses. Beak não insistiu. Tinha a esperança de aliviar de alguma forma a carga que pesava sobre os ombros da moça ao escutá-la falar de suas preocupações.
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Quando a jovem voltou às suas tarefas, a cabeça de Beak fervia com novas possibilidades. Sem dúvida, o barão Jamison tramava algo. Beak teria apostado sua vida. ―Bem, não deixarei que meu senhor se safe de novo‖, pensou. Beak estava decidido a transforma-se no salvador de Jamie. Entretanto, primeiro tinha que avaliar
aqueles escoceses. Se um deles fosse um homem
temente a Deus e capaz de cuidar bem de uma mulher, Beak prometeu que encontraria um jeito de falar com ele a sós e contar que barão Jamison tinha quatro filhas, não três. Sim, Beak salvaria Jamie de um destino penoso. Se fosse a vontade de Deus, ele a ajudaria a ser livre.
Murdock, o sacerdote, disse-nos que Alec Kincaid voltará para casa com uma noiva inglesa. Todos franziram o cenho, mas não porque nosso senhor voltaria a se casar. Não, estão zangados porque a noiva é inglesa. Alguns o defendem, dizendo que Alec se limita a obedecer a ordem do rei. Mas outros se perguntam em voz alta se o senhor poderá suportar semelhante carga. Deus, espero que ele se apaixone por ela! Embora seja muito para pedir ao Criador, pois Alec detesta os ingleses tanto como qualquer um de nós. Mas... Assim o assassinato seria muito mais doce.
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Capítulo dois Alec Kincaid tinha pressa para voltar para casa. Cumprindo a solicitação do rei Edgar, permaneceu em Londres durante quase um mês, observando os costumes da corte inglesa e averiguando tudo o que podia sobre o imprevisível rei inglês. Para falar a verdade, Alec não apreciava muito essa tarefa. Os barões ingleses pareciam um grupo de pretensiosos; as damas, tolas e fracas de espírito, e Henry, o monarca, demasiado brando na maioria de suas decisões. Os Kincaids sempre admitia os valores de um indivíduo e reconhecia a contragosto que houve ocasiões em que se sentiu impressionado pelos arranques de brutalidade do rei Henry. Os dois tolos barões que foram julgados culpados de traição foram rapidamente castigados. Embora Alec não se queixasse da sua tarefa, estava contente que estivesse terminada. Como senhor de seu numeroso clã, sentia que as responsabilidades o oprimiam. Era provável que nesses momentos seus grandes domínios nas desoladas Terras Altas estivessem imersos no caos pelos eternos conflitos com os Campbell e os MacDonald, e só Deus sabia que outros problemas acharia quando voltasse. E agora, mais um atraso, visto que tinha que parar no caminho de volta para casar-se. Alec considerava o matrimônio com a mulher inglesa desconhecida como um mal menor e nada mais. Ele se casaria para agradar o rei Edgar. É obvio, a mulher faria o mesmo por ordem do rei Henry, pois esse era o modo em que se faziam as coisas nos tempos modernos, dado que ambos os monarcas tinham estabelecido um vínculo, embora tênue, entre ambos. Henry pediu que fosse precisamente Alec Kincaid, um dos senhores escoceses, que se casasse com uma noiva inglesa. Alec sabia tão bem quanto Edgar o motivo de
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Henry fazia esse pedido especial. Era um fato indiscutível que
aquele Kincaid,
apesar de ser um dos lordes mais jovens de Escócia, ostentava considerável poder. Comandava oitocentos guerreiros ferozes, no ano anterior, mas o número poderia duplicar-se se convocava seus aliados. Na Inglaterra, a destreza dos Kincaid na batalha era fato conhecido, e nas Terras Altas, motivo de orgulho. Henry também sabia que Alec não tinha qualquer razão para gostar dos ingleses e disse a Edgar que esperava que esse matrimônio suavizasse a atitude do poderoso líder. Possivelmente, com o tempo, a harmonia viria, tinha insinuado Henry. De qualquer modo, Edgar era muito mais ardiloso do que Henry supunha. Suspeitava que Henry queria inclinar a lealdade de Alec para a Inglaterra. Tanto Alec quanto seu rei se divertiam com a ingenuidade de Henry. Sim, Edgar era vassalo de Henry desde o dia em que se prostrara ele e lhe prometera sua lealdade, e, além disso, tinha sido criado em uma corte inglesa. Mas mesmo assim era o rei de Escócia, e os membros leais das famílias vinham antes que quaisquer outros... Em especial estrangeiros. Era evidente que Henry não compreendia os laços criados pelo sangue. Tanto Edgar quanto Alec pensavam que o rei inglês só via a possibilidade de ter outro aliado poderoso no bolso. Mas julgava mal
os Kincaids, pois Alec jamais daria as
costas à Escócia nem a seu rei, não importavam quais os incentivos. Daniel, amigo de infância de Alec e senhor do clã vizinho dos Ferguson, também recebeu a ordem de tomar uma noiva inglesa. Daniel também passara um mês fatigante em Londres. O encargo foi tão desagradável quanto para Alec, e estava igualmente impaciente para retornar à pátria. Os dois guerreiros tinham partido a todo galope ao amanhecer, e só se detiveram duas vezes para que os cavalos descansassem. Não esperavam passar mais de uma hora na propriedade dos Jamison. Pensavam que isso lhes daria tempo suficiente para jantar, escolher as noivas, casar-se com elas se houvesse um
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sacerdote presente, e logo, retomar a viagem. Não queriam passar outra noite sobre solo inglês e não se importavam se suas respectivas noivas desejavam outra coisa. Afinal, as mulheres eram só outra propriedade, e nem Alec nem Daniel dariam ouvidos aos desejos de uma noiva. Eles se limitariam a obedecer as ordens, e isso era tudo. Alec ganhou o privilégio de ser o primeiro a escolher, pois jogou um tronco mais longe que seu amigo. Mas para falar a verdade, nenhum dos dois estava interessado o bastante para pôr toda sua força no jogo. Sim, era uma obrigação que tinham que cumprir, e bastante aborrecida.
O demônio e seu discípulo chegaram à propriedade do barão Jamison três dias antes do combinado. Beak foi o primeiro a ver os dois senhores da guerra escoceses, e o primeiro em lhes dar esse nome tão adequado. Estava sentado sobre o último degrau de uma escada que se usava para chegar ao paiol, pensando que já era hora de descanso, pois a tarde estava avançada e ele tinha estado trabalhando o dia todo sob o morno sol da primavera, sem parar sequer para a refeição do meio-dia. Além disso, lady Mary tinha sido arrastada por sua irmã Jamie para a pradaria do sul, e na verdade Beak teria que ir vigiá-las para assegurar-se de que não se metessem em confusões. Quando Jamie se via instigada a deixar de lado as tarefas, era dominada pelo
lado selvagem de sua natureza. Certamente, ficava mais desinibida
do que convinha, segundo Beak. E esse era outro motivo que fazia necessário um homem forte que a vigiasse. Uma vez decidida, a doce Jamie era capaz de convencer um ladrão de deixar de roubar, e só Deus sabia em que travessuras ela e Mary se meteriam! Só de pensar na hipótese, Beak sentia calafrios. Sim, sem dúvida, tinha que vigiar essas duas selvagens. Deixou escapar um bocejo sonoro e começou a descer da escada. Estava no
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segundo degrau quando reparou nos dois gigantes que cavalgavam em sua direção. Beak esteve a ponto de perder o equilíbrio. Abriu a boca como um passarinho esperando que a mãe o alimentasse, e não pôde fechá-la. Conteve-se antes de fazer o sinal da cruz, e agradeceu que os dois guerreiros não pudessem ouvir seus joelhos bambos jocando-se contra o outro, quando finalmente conseguiu chegar ao chão. Sentia o coração batendo forte dentro do peito. Beak se lembrou que por suas veias corria sangue escocês, embora seus ancestrais viessem das Terras Baixas de Escócia, mais civilizadas. Também se lembrou que não estava acostumado a julgar um indivíduo só pela aparência. Mas nada disso diminuiu sua reação ante os dois gigantes que o observavam fixamente. Beak começou a tremer. Desculpou-se pensando que só era um homem comum, e que a visão desses dois guerreiros faria até um apóstolo arrepiar-se. Aquele que, segundo Beak, seria o discípulo, era alto, musculoso, de ombros largos, com cabelos da cor dos pregos enferrujados, e olhos verdes como o mar. Também se viam rugas nas comissuras dos gélidos olhos do indivíduo. E embora este fosse um homem corpulento, parecia pequeno em comparação com o outro. Aquele que Beak chamou demônio tinha o cabelo e a pele de tom bronzeado. Era uma cabeça mais alto que o companheiro, e nesse corpo hercúleo não se via um pingo de gordura que lhe suavizasse as formas. Quando Beak se inclinou para vê-lo melhor, imediatamente desejou não havê-lo feito, já que aqueles olhos castanhos eram frios e sombrios. Com crescente desespero, Beak imaginou que esses olhos eram capazes de congelar uma pradaria no verão. O que fazer com o estúpido plano de salvar Jamie? Beak resolveu que iria direto ao inferno antes de permitir que qualquer desses dois bárbaros sequer se aproximasse da jovem. —Meu nome é Beak, e sou o chefe dos estábulos — disse por fim, esperando
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dar a impressão de que havia mais pessoas trabalhando na casa e os estranhos pensassem estar conversando com alguém importante—.
Chegaram antes
do
combinado — adicionou com um gesto nervoso—. Se não estivessem adiantados, toda a família estaria aqui fora, vestida com suas melhores roupas, para lhes dar uma boas-vindas apropriada. Beak fez uma pausa para tomar ar e esperou uma resposta. A espera foi vã e sua ansiedade se evaporou com rapidez. Logo se sentiu tão importante quanto uma mosca a ponto de ser esmagada. O modo em que esses dois gigantes o observavam era enervante. O chefe dos estábulos decidiu insistir: —Milordes, eu me ocuparei de seus cavalos enquanto vocês se apresentam na casa. —Velho, nos ocupamos dos cavalos — disse o discípulo. Tampouco a voz do sujeito era muito agradável. Beak assentiu e retrocedeu vários passos, saindo do caminho. Observou como os dois senhores tiravam as selas e os escutou pronunciar palavras de elogio em gaélico às montarias. Eram dois belos potros, um castanho e o outro negro, e Beak reparou que nenhum dos dois animais exibia o menor defeito... E tampouco a marca de um chicote nos flancos. Na mente de Beak renasceu uma faísca de esperança: há muito tempo aprendera que o verdadeiro caráter de um homem podia adivinhar-se pelo modo em que tratava a mãe e o cavalo. O cavalo do barão Andrew estava sulcado de profundas marcas, o que para Beak era prova suficiente de sua própria teoria a respeito desse barão. — Deixaram os soldados do lado de fora dos muros? —perguntou Beak em gaélico para que soubessem que era amigo e não inimigo. Ao parecer, o esforço agradou o discípulo, pois ele sorriu para o chefe dos estábulos. — Viemos sozinhos.
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— Londres? — perguntou Beak, incapaz de ocultar a surpresa. — Sim — respondeu o lorde. — Sem ninguém para escoltá-los? — Não necessitamos de alguém que nos proteja — respondeu. Esse, senhor, é um costume inglês, não nosso. Não é verdade, Kincaid? O demônio não se alterou. — Quais são seus nomes, milordes? —perguntou Beak. Embora fosse uma pergunta audaz, como os sujeitos já não o contemplavam carrancudos, isso lhe deu coragem. Em lugar de responder, o discípulo trocou de tema. — Você fala bem nossa língua, Beak. Isso significa que é escocês? Orgulhoso, Beak ergueu os ombros. — Assim é. E também tive os cabelos vermelhos antes ficassem brancos. — Eu sou Daniel, do clã Ferguson. Os que o conhecem o chamam Alec — adicionou indicando com um gesto ao outro guerreiro—. Alec é chefe do clã Kincaid. Beak fez uma reverência formal. —Tenho o humilde prazer de me apresentar aos senhores — saudou —. Fazia tantos anos que não falava com um escocês puro-sangue que tinha esquecido como me comportar — acrescentou com um sorriso—. Também esqueci como são grandes os das Terras Altas. Quando os vi, deram-me um susto terrível. Abriu as portas que davam a duas cavalariças vizinhas, perto da entrada, encheu os manjedouras e os bebedouros e logo tentou retomar a conversa com os dois homens. — Realmente, sua chegada com três dias de antecipação deverá colocar a casa num verdadeiro alvoroço. Nenhum dos senhores fez nenhum comentário, mas pelo modo em que se
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olharam Beak soube que não se preocupavam em causar um alvoroço. —Se não a nós, a quem esperavam? —perguntou lorde Daniel franzindo o sobrecenho. A pergunta deixou Beak intrigado. — Ao menos até dentro de três dias, ninguém. — Homem, a ponte levadiça estava abaixada, e não havia um só guarda à vista. Sem dúvida... — Ah, isso! —disse Beak exalando um prolongado suspiro—. Bem, para falar a verdade, a ponte está quase sempre abaixada e nunca há vigilância. O barão Jamison é um tanto esquecido, sabe? Ao ver as expressões incrédulas dos guerreiros, Beak achou necessário defender seu senhor: —Por estarmos aqui, perdidos no meio do nada, nunca nos preocupamos com a vigilância. O barão diz que não tem nada de valor para que o roubem — disse, dando os ombros—. E nunca ninguém entra sem ser convidado. — Nada de valor? —Por fim, Alec Kincaid falou, com voz suave e ao mesmo tempo enérgica. E quando se voltou e concentrou toda a atenção em Beak, os joelhos do ancião começaram a tremer outra vez. — Tem filhas, não é mesmo? Beak pensou que o cenho do guerreiro era capaz de atear fogo a uma fogueira. Não pôde suportar esse olhar muito tempo e olhou para as pontas das botas para concentrar-se na conversação. — É verdade, ele tem filhas, e mais do que desejaria. — Mesmo assim, não as protege? —perguntou Daniel. Meneou a cabeça, incrédulo, e se voltou para Alec para dizer: — Alguma vez ouviu algo semelhante? — Não, nunca.
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— Que tipo de homem é o barão Jamison? — perguntou Daniel a Beak. Kincaid respondeu a pergunta: — É um inglês, Daniel. — Ah, isso explica, claro! — assinalou Daniel com secamente—. Diga-me uma coisa, Beak, por acaso as filhas do barão são tão feias que não precisam de amparo? Faltam-lhes virtudes? — São todas lindas — respondeu Beak—. E todas elas são puras como no dia em que nasceram, Que eu caia morto se estiver mentindo! O que acontece é que o pai foge de seu dever — acrescentou o ancião com o sobrecenho franzido. — Quantas filhas tem? —perguntou Daniel—. Nunca nos ocorreu perguntar ao rei. — Vocês verão três — murmurou Beak. Estava por esclarecer a questão quando os dois guerreiros se voltaram e se dirigiram à porta. ―É agora ou nunca‖, decidiu Beak. Inspirou profundamente e disse em voz alta: — Os dois são senhores poderosos que dominam seus clãs ou um dos dois é mais poderoso que o outro? Alec percebeu o temor no tom do ancião e se sentiu tão intrigado que se voltou para ele, — Qual é o motivo de uma pergunta tão impertinente? — Não quis ser desrespeitoso — apressou-se a esclarecer Beak — e tenho motivos honestos e sólidos para perguntar. Sei que me atribuo funções que não me correspondem. Estou me intrometendo. Mas alguém tem que cuidar dos interesses das moças, e eu sou o único que se importa o bastante com isso, sabe? A estranha explicação deixou Daniel carrancudo, que não via sentido nas palavras de Beak. — Em um ano ou dois, eu serei o senhor de meu clã pela lei irlandesa de sucessão —respondeu —. Quanto ao Kincaid, ele já é chefe do seu próprio. Isso
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responde a sua pergunta, Beak? — Isso significa que terá o privilégio de escolher a noiva primeiro? —perguntou Beak. — Sim. — Ele é mais poderoso que você? —insistiu o velho. Daniel assentiu. — No momento — afirmou sorridente —, Beak, você já ouviu falar dos guerreiros Kincaid? — Sim. Ouvi todo tipo de histórias. O tom sombrio do Beak fez Daniel sorrir, reparando que era óbvio que Alec inspirava temor no ancião. — Suponho que algumas das histórias que escutou incluem descrições dos métodos de luta de Alec. — Sim, mas eu não acredito nelas — adicionou Beak, lançando um olhar em direção a Alec —, Contam-nas os ingleses, e estou seguro de que exageram na rudeza do senhor, entende? Antes de responder ao comentário, Daniel riu, olhando para Alec. — Oh, Beak não acredito que as histórias exagerem nem um pouco. Por acaso mencionam que ele jamais demonstra piedade nem compaixão? — Sim. — Nesse caso, Beak, será melhor que você acredite, pois é tudo verdade. Certo, Alec? — Absolutamente — admitiu Alec com tom duro. — Beak —prosseguiu Daniel —, suas perguntas me divertem, embora não tenha idéia de qual seja seu objetivo. Há alguma outra pergunta que queria me fazer? Beak assentiu com acanhamento e voltou o olhar para Alec. Guardou silêncio
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durante um prolongado momento enquanto pensava em um modo de referir-se a Jamie sem que isso resultasse francamente desleal. Alec viu o medo refletido nos olhos do ancião. Deu uns passos e se deteve frente ao chefe dos estábulos. — O que é o que quer me dizer? Beak pensou que a intuição do Kincaid era tão inquietante quanto o tamanho e a
voz do guerreiro. Sua própria voz tremeu quando resmungou: — Alec Kincaid, alguma vez em sua vida você maltratou uma mulher? Foi evidente que a pergunta não o agradou, pois num momento sua expressão tornou-se tão feroz como o estalo de um relâmpago. De maneira instintiva, Beak retrocedeu e teve que apoiar a mão sobre a parede para conservar o equilíbrio. — Velho, fui paciente com você porque é escocês, mas se alguma vez volta a me formular uma pergunta tão vil, juro-lhe que será a última. Beak assentiu. — Do fundo de meu coração, preciso sabê-lo, pois lhe farei um grande obséquio e tenho que saber se você reconhecerá o valor desse presente, milorde. — Este homem fala por charadas — afirmou Daniel, aproximando-se de Alec. Beak notou que tinha um sobrecenho quase tão feroz como o de Alec —. Velho, se você faz perguntas tão desprezíveis é porque já está há muito tempo na Inglaterra. —Sei que o que digo não parece ter sentido — admitiu Beak com tom pesaroso— . Mas se o expresso com demasiada clareza parecerei desleal aos olhos de minha senhora. Não posso fazê-lo — adicionou —. Nesse caso, ela me esfolaria. — Tem medo de uma mulher? — perguntou Daniel. Beak não fez caso do semblante atônito do homem nem de seu tom divertido. — Não tenho medo de mulher alguma. O problema é que não quero faltar
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com minha palavra — explicou —. Essa moça significa tudo para mim. Não me envergonha reconhecer que a quero como a uma filha. Com valentia, Beak confrotou o olhar duro de Alec, mas foi um esforço lamentável. Oh, como desejaria que o outro guerreiro fosse o mais poderoso dos dois! Ao menos, o chamado Daniel sorria de vez em quando. — Você é forte o bastante para proteger o que lhe pertence? —perguntou ao Kincaid, ansioso por chegar ao centro da questão o antes possível. — Sim. — O barão Andrew convocará muitos soldados. Irá atrás do presente que estou oferecendo a você. Além disso, considera-se amigo de Henry, o rei da Inglaterra —acrescentou Beak com um gesto enfático das sobrancelhas. Kincaid não se impressionou com a afirmação e deu de ombros em atitude indiferente. — Isso não me importaria. — Quem é esse barão Andrew? —perguntou Daniel. — Um inglês. — Melhor — disse Alec—. Se devo aceitar o presente que você me oferece, ficarei feliz em desafiar um inglês, já que não será uma ameaça para mim. Beak relaxou de maneira evidente. — Não haverá ―se‖ — afirmou. — Por acaso, seu presente consiste em um cavalo? —perguntou Daniel, movendo a cabeça, confuso. Ainda não entendia o que o chefe dos estábulos falava com Alec. Mas Kincaid já tinha compreendido: — Não é um cavalo, Daniel. Beak riu. O homem era ardiloso como o diabo.
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— Lorde Kincaid, quando você puser os olhos sobre o meu presente, sem dúvida desejará tê-lo — alardeou —. Milordegosta de olhos azuis? —Beak, nas Terras Altas muitas pessoas têm olhos azuis — interveio Daniel. —Bem — prosseguiu Beak arrastando as palavras—, há azuis e azuis. —Deixou escapar uma risada sonora, pigarreou e continuou: —Quanto à minha charada, senhor Kincaid, o barão Jamison trata suas filhas como se fossem cavalos, e isso é um fato. Com apenas uma olhada ao redor compreenderá o que digo. Essas preciosidades que estão nestes três estábulos são para a comtempalção de qualquer um. Mas se você seguir por este corredor e virar a esquerda, verá uma cavalariça oculta, no canto mais afastado. Está separada das demais. É aí onde o barão guarda a sua beldade, uma égua branca magnífica que espera um companheiro digno para ser seu par. Dê esse prazer a este velho tolo, lembre-se que sou escocês, e dê uma boa olhada nesse animal — insistiu Beak, indicando o caminho ao guerreiro—. Asseguro-o que valerá a pena, senhor Kincaid. — A curiosidade está me matando — disse Daniel a Alec. Os dois homens seguiram o chefe dos estábulos. Ao entrar no local, a atitude de
Beak
mudou.
Colocou
uma
palha
entre
os
dentes,
apoiou-se
com
ar
despreocupado contra a parede com um pé cruzado sobre o outro, e ficou observando como a sensível potranca armava um grande alvoroço quando Alec se aproximou para acariciá-la. A porta lateral estava entreaberta e deixava filtrar o sol, que foramva um halo de luz sobre a pelagem prateada do animal. A orgulhosa beldade não se tranqüilizou por um bom tempo, mas ao fim o guerreiro a seduziu e a obrigou a manifestar uma parte de seu temperamento gentil. Beak desejou que o senhor tivesse a mesma paciência com Jamie. — Sem dúvida é uma beleza — assinalou Daniel. — Mas ainda um tanto selvagem — completou Alec sorrindo, e Beak chegou à conclusão de que não o considerava um defeito. — Ela chama-se Fogo Selvagem, e certamente merece o nome. O barão não
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pode aproximar-se. Deu-a à filha caçula quando ficou evidente que só ela podia montá-la. Alec sorriu outra vez — Um milagre!— quando a égua tentou morder sua mão. — É fogosa. Com um bom garanhão, a cria será robusta... E também vivaz. Beak inspecionou Alec outra vez com toda atenção, e ao topar com o olhar do guerreiro, sorriu: — É o mesmo que acho do presente que lhe darei. Dando-se ares de importância, Beak se separou da parede e disse: — Como dizia, senhor Kincaid, o barão trata suas filhas como trata os cavalos. Há três à vista de todos... — Não diria uma só palavra a mais. O escocês teria que adivinhar o resto do enigma. — Está aí dentro? A voz era a de lady Jamie. Beak se sobressaltou tanto que quase engoliu a palha que estava mordiscando. —Essa é a caçula das filhas do barão — disse aos dois guerreiros—. E aí está a porta lateral —acrescentou em um suave sussurro—. Se querem ir agora mesmo, é o caminho mais rápido até a casa principal. Será melhor que vá ver o que minha Jamie quer. Apesar
de
sua
avançada
idade,
Beak
podia
mover-se
com
assombrosa
velocidade. Dobrou a esquina e se encontrou com e Jamie e sua irmã, Mary, no centro do corredor. — Beak, falava com alguém? — perguntou Mary —. Pensei ter ouvido... — Só visitava Fogo Selvagem — mentiu Beak. — Jamie disse que devia estar tirando um cochilo e que poderíamos entrar aqui sem ser vistas, pegar nossos cavalos e dar outra corrida rápida — confessou Mary. — Mary, não tinha por que contar ...
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— Mas Jamie... — Que vergonha, Jamie! — repreendeu-a Beak—. Eu nunca tiro cochilos, e você não teria que estar se espreitando em nenhum lugar. —Dirigiu-lhe um sorriso absurdo.— Não é próprio de uma dama. — Sim, você cochila após o almoço — disse Jamie; o sorriso do ancião era contagioso —. Hoje está de bom humor, não? — É, sim, estou — admitiu Beak. Tentou dissimular a ansiedade, pois não queria que Jamie suspeitasse que tramava algo. Se perguntou se os senhores escoceses ainda estariam com Fogo Selvagem. E embora o guerreiro Kincaid não pudesse ver Jamie, Beak sabia que a voz da moça, suave e rouca, chamaria a atenção do homem. — Pergunto-me o que estão fazendo as duas em uma tarde tão bonita — quis saber o ancião. — Queríamos cavalgar — disse Mary, olhando confusa para Beak—. Já dissemos. Não se sente bem, Beak? Jamie, parece que está ruborizado. Imediatamente, Jamie tocou a fronte de Beak com o dorso da mão. — Não tem febre — disse à irmã. — Deixem de se preocupar comigo — disse Beak —. Estou tão saudável quanto de costume. — Então, nos deixará cavalgar por uma ou duas horas mais?— perguntou Mary. — Darão esse passeio a pé, e não se discute mais — afirmou Beak, e cruzou as mãos sobre o peito para demonstrar que falava a sério. — Por que não podemos cavalgar? —perguntou Mary. — Porque acabo de preparar essas senhoritas para dormir — disse Beak—. Seus cavalos foram alimentados, mimados e até cantei para elas uma canção de ninar. Beak acabava de pronunciar a mentira quando lembrou dos dois cavalos que estavam comendo nas manjedouras junto às portas da frente. Temeu que Jamie ou
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Mary pudesse vê-los. Contudo, geralmente as duas irmãs entravam correndo nos estábulos e havia uma boa possibilidade de que pudesse fazê-las sair sem que os vissem. — Têm que se preparar para receber as visitas — expulsou Beak. Pegou Mary pelo braço direito, Jamie pelo esquerdo, e começou a arrastá-las para a saída. — Mary me convenceu de que não me preocupasse com essas visitas indesejadas em uma tarde tão bela — explicou Jamie —. Beak, solte meu braço. — Temos três dias inteiros de liberdade — disse Mary—. Jamie ainda tem muito tempo para arrumar a casa. — Poderia dar-lhe uma mão, senhorita — disse Beak—. Não seria ruiml. — Beak, não comece a importuná-la. Mary me ajudará se eu pedir. Beak não pareceu acreditar. — Falando de pedir — interveio Mary—, há algo que queria pedir, Beak. — Mary, agora não incomode Beak. — Sim, vou incomodá-lo — disse Mary a sua irmã—. Aprecio seus conselhos tanto quanto você. Além disso, quero saber se o que me disse é verdade. — Do que está falando? — replicou Jamie, mas o sorriso indicou a Beak que ela não estava ofendida de verdade. — Jamie me contou tudo a respeito desses horríveis escoceses, Beak. Estou pensando em fugir. O que acha desse plano atrevido? Beak dissimulou o sorriso, pois lady Mary parecia muito sincera. — Suponho que depende de para onde pense fugir. — Oh, bom, ainda não pensei nisso... — Mary, pergunto-me por que quer escapar — disse Beak —. Que tipo de histórias espantosas sua irmã andou lhe contando? Acha que são verdadeiras? — Vamos, Beak, por que supõe que eu mentiria para minha irmã? — perguntou
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Jamie, contendo a risada. — Porque eu sei como funciona sua cabecinha, Jamie — respondeu Beak—. Você andou fazendo de novo, não foi? Que historias andou contando para assustar sua irmã agora? Ela está tremendo de medo. E acontece que eu sei que você sabe nada a respeito dos escoceses. — Sei que têm o cérebro de uma ovelha — replicou Jamie, piscando para Beak sem que Mary a visse, e acrescentou: — Claro que só os escoceses nascidos nas Terras Altas. Os nativos das Terras Baixas são muito inteligentes, Beak, como você. — Não trate de me adular com palavras bonitas — replicou Beak —. Agora não vai adiantar. Olhe como Mary está aflita e como se retorce as mãos. O que você contou a ela? — Só disse que ouvi dizer que os escoceses são luxuriosos. — Bom, Mary, isso não é tão mau — admitiu Beak. — De grandes apetites — disse Mary. —E isso é um pecado? — É, sim — respondeu Mary. — Gula — acrescentou Jamie, rindo entre dentes. — Jamie me disse que brigam o tempo todo. — Não, Mary, disse que brigam grande parte do tempo. Se for repetir tudo o que digo, não erre. — É isso mesmo, Beak? — O que, Mary? — Que lutam todo o tempo. — Eu só disse que eles gostam de lançar ataques — disse Jamie encolhendo os ombros.
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Beak viu que as altas maçãs do rosto de Jamie estavam cobertas de rubor. Não havia dúvida de que o que a irmã contava dela a envergonhava. Certamente Jamie tinha cometido uma travessura. Parecia tão culpada como daquela vez em que convenceu a Mary de que o pai tinha assinado a ordem para que ela fosse para o convento. Ela gostava de brincar. Também, era um espetáculo digno de ver, vestida com a cor preferida de Beak, o azul intenso. Tinha o cabelo solto e os espessos cachos caíam em caótico esplendor até abaixo dos ombros esbeltos. Tinha manchas de terra no nariz e o queixo. Beak desejou que o senhor Kincaid pudesse ver Jamie nesse momento, pois os olhos violetas faiscavam de alegria. Mary também tinha uma aparência atraente. Estava com um vestido rosado, salpicado de manchas de barro. Beak se perguntava em que confusão as duas irmãs teriam se metido, mas logo compreendeu que de fato não queria sabê-lo. Recordou o tema dos escoceses quando Mary exclamou: — Jamie me disse que os escoceses tomam o que desejam quando o desejam. Também, que têm certas preferências. — Quais? —perguntou Beak. — Os cavalos fortes, as ovelhas gordas e as mulheres suaves — disse Mary. — Ovelhas e mulheres? — Sim, Beak, e nessa ordem. Jamie diz que preferem dormir junto aos cavalos que ao lado das mulheres. E bem, é verdade? Então as mulheres ficam em último lugar? Beak não respondeu. Observava Jamie com expressão severa, desejando que essa fosse uma resposta para Mary. Percebeu que Jamie tinha o semblante contrito, mas não estava certo se ela pediria desculpas ou desataria a rir. Ganhou a risada:
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— Para falar a verdade, Mary, só estava brincando com você. — Vejam só as duas! — exclamou Beak —. Cobertas de terra como filhas de camponeses. E você, senhorita — completou, dirigindo-se a Jamie —, parece uma estouvada! O que é o que estavam fazendo as duas no prado, pergunto-me eu? — Está mudando de assunto — disse Mary à irmã —. Jamie, não me moverei daqui até que me peça desculpas... E se eu achar que não está sendo sincera, contarei ao padre Charles. Ele vai castigá-la com uma penitência da qual não esquecerá tão cedo. — É sua culpa, não minha — retrucou Jamie—. É tão fácil de convencer como uma marionete. Mary voltou-se para Beak. — Minha irmã poderia entender meu problema. Ela não tem que se apresentar ante os guerreiros escoceses e rogar a Deus não ser a escolhida. Papai vai esconde-la. — Porque não me mencionaram na ordem do rei — lembrou Jamie. — Eu não estou tão certa assim de que você não foi mencionada — replicou Beak. — Papai não mentiria — argumentou Jamie. —Quanto a isso, Jamie, eu não direi se está enganada ou não — disse Beak — Mary, pelo que vejo, Jamie não contou nada terrível a respeito dos escoceses. Você se preocupa em vão, garota. — Contou-me outras histórias, Beak — disse Mary —. Claro que eu suspeitei, pois eram contos muito fantásticos. Não sou tão crédula, Beak, apesar do que minha irmã pensa. Beak olhou outra vez para Jamie com gesto severo. — Bem, milady? Jamie suspirou.
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— Admito que inventei algumas histórias, Beak, mas muitas são verdadeiras. — Como pode saber o que é verdadeiro e o que é falso? De qualquer modo, não teria que dar crédito aos falatórios. Não foi o que eu lhe ensinei. — Que falatórios? —perguntou Mary. — Os escoceses têm um jogo que consiste em arremessar troncos de árvores. — Troncos? — Pinheiros, Mary — respondeu Jamie. Mary bufou sem nenhum refinamento. — Besteira! — Sério — continuou Jamie —. E se isso não for um ritual pagão, não sei o que pode ser. — Acha que eu realmente acredito em tudo o que me diz, verdade? —É verdade, Mary — admitiu Beak —. Eles arremessam troncos, mas não uns contra os outros. Mary moveu a cabeça —Beak, do jeito que sorri, sei que está rindo de mim. Oh, sim, você está rindo de mim! —insistiu, ao ver que ele ia argumentar —. E é verdade que os escoceses usam roupa de mulher? — O que...? — Beak sufocou uma tosse. Esperava que os guerreiros já houvessem deixado o estábulo e não estivessem escutando esse lamentável diálogo. — Acho que devemos ir lá pra fora para continuarmos essa conversa. Esta um dia bonito demais para ficar dentro de casa. — É verdade — Jamie disse à irmã, ignorando a sugestão de Beak—. Usam vestidos de mulher, não é, Beak? — De onde você tirou semelhante blasfêmia? —perguntou Beak. — Cholie me contou.
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— Cholie? — perguntou Mary—. Bom, se houvesse me contado, eu não teria acreditado em nada do que disse. Sabe tão bem quanto eu que a ajudante de cozinha está todo o dia com uma caneca de cerveja. É provável que estivesse bêbada. — Diabos! — Irmã, por favor... Você fala igual a Beak! — É verdade — disse Beak, tentando frear a discussão nascente. — Como é? —perguntou Mary. — Usam uma roupa que chega até os joelhos — esclareceu Beak. — Viu, Mary? Foi o que eu falei. — Essa vestimenta se chama Kilt, Mary. Kilt – repetiu Beak resmungando — É um traje sagrado e acredito que não lhes agradaria ouvir que o chamam de
roupa
de mulher. — Agora não me estranha que tenham que brigar todo o tempo — interveio Jamie. Na realidade, não tinha acreditado na história contada por Cholie, mas Beak parecia tão sincero que começava a convencer-se de que era verdade. —Sim — confirmou Mary—. Têm que defender suas saias. — Saias! — Olhe o que você fez, Beak está gritando conosco. Imediatamente Jamie ficou triste. — Beak, lamento tê-lo zangado. Puxa, como você está nervoso hoje! Fica olhando todo o tempo por cima do ombro. Imagina que alguém vai atacá-lo pelas costas? O que...? —Não descansei — exclamou Beak —. Por isso estou irritado. —Nesse caso, teria que descansar — aconselhou Jamie —. Vamos, Mary. Beak foi muito paciente com nosso atraso, e eu acredito que não se sente muito bem.
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Deu a mão à Mary e se dirigiu à saída. — Deus, Mary, eles usam mesmo roupa de mulher! Não acreditei em Cholie, mas agora estou convencida. — Vou fugir, e não se fala mais disso — disse Mary em voz alta para que Beak a ouvisse. De pronto se deteve e virou — Uma última pergunta, por favor. — O que, Mary? — Beak, sabe se os escoceses detestam as mulheres gordas? O ancião não pôde responder essa pergunta absurda. Deu de ombros, e Mary foi atrás de Jamie. As duas irmãs levantaram a barra dos vestidos e correram para o pátio superior. Enquanto as observava, Beak deixou escapar umas suaves gargalhadas.
— Tem nome de homem. O chefe dos estábulos quase desmaiou de susto. Não tinha escutado Alec Kincaid aproximar-se. Voltou-se, e seu rosto encontrou os ombros do guerreiro gigante. — Foi o jeito que a mãe encontrou de dar-lhe um lugar nesta família. O barão Jamison não é o verdadeiro pai de Jamie, embora a tenha reconhecido como filha. Acho que foi um gesto bondoso de sua parte. Pôde vê-la bem, então? —adicionou precipitadamente. Alec assentiu. —Vai levá-la consigo, milorde? O Kincaid contemplou o ancião por um longo momento antes de responder. —Sim, Beak. Eu a levarei comigo. A escolha fora feita.
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Capítulo três Jamie não soube da chegada antecipada dos escoceses até que Merlin, o pastor, procurou-a para contar que havia uma grande comoção na casa principal, e que o pai queria que ela o ajudasse. Merlin se esqueceu de mencionar os escoceses enquanto gaguejava. Não era culpa sua, pois a bela senhorita o olhava nos olhos enquanto ele falava e seus olhos violáceos o perturbavam. Logo, a jovem sorriu e o coração de Merlin começou a palpitar como o de uma donzela tola. A mente do rapaz, em troca, esvaziou-se de todo pensamento que não fosse este: lady Jamie lhe dedicava sua completa atenção. Claro que a gagueira piorou, mas de todo jeito não importava. Jamie não podia ir imediatamente, já que havia um ferido que precisava ser atendido com urgência. O pobre velho Silas, de vista tão fraca quanto suas mãos, devia ter algo grave, pois urrava de maneira espantosa. Silas tinha-se cortado acidentalmente no antebraço enquanto tentava cortar um couro para transformá-lo em uma cadeira de montar. A ferida não era séria e não foi necessário cauterizá-la com uma faca ao rubro, mas Jamie teve que passar um longo tempo acalmando o velho, depois de ter limpado a ferida e colocado a atadura. O ancião precisava consolo, e isso era tudo! Durante o escândalo, Merlin permaneceu ao lado do cozinheiro. Estava um pouco ciumento da atenção que Silas recebia da senhorita. E também muito ansioso, pois não conseguia lembrar da outra parte da informação que tinha que lhe dar. Por fim, Jamie terminou e deixou Silas nas boas mãos de Cholie. Sabia que os dois criados compartilhariam ao menos uma jarra de cerveja, mas não
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acreditou que isso fosse pecaminoso, pois Silas precisava acalmar-se e Cholie iria dar o único tipo de consolo que conhecia. — Só posso apagar um incêndio de cada vez — disse a Merlin, quando este lembrou da confusão na casa principal. Sorriu para suavizar o comentário, e deixou o pastor com seu ar aflito. Jamie correu colina acima com a saia acima dos joelhos. Três sabujos brincalhões corriam junto a ela. Nem Jamie nem as mascotes diminuíram o passo até entrarem pelas portas abertas até o Grande Salão. Nesse momento, a jovem se deteve bruscamente. Imediatamente, os dois guerreiros apoiados casualmente contra a chaminé atraíram sua atenção. Jamie estava muito atônita para esconder sua reação. Para falar a verdade, eram os maiores homens que havia visto! Não pôde afastar os olhos deles. Por desgraça, as primeiras palavras que escaparam da boca de Jamie não foram próprias de uma dama. — Minha nossa! Foi só uma exclamação abafada, mas a julgar pelo modo em que o maior dos guerreiros ergueu a sobrancelha direita, soube que a tinham ouvido. Não se atreveu a fazer uma reverência por temor a cair de cara ao chão caso tentasse. Pelo jeito, também não podia afastar o olhar do mais alto dos dois homens, que observava seus joelhos. Era o homem de expressão mais malvada que jamais tinha visto. Afirmou para si mesma que não estava assustada; não, estava muito furiosa para assustar-se. Jamie se manteve firme e sustentou o olhar do guerreiro por um longo momento antes de recuperar certa compostura, mas logo concluiu que jamais conseguiria se continuasse olhando para ele. Por fim, Jamie reparou no silêncio que enchia o Grande Salão. Olhou por cima do ombro e viu suas irmãs. Estavam as três alinhadas como se fossem meros delinqüentes, e tinham a aparência de esperar uma execução a
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flechadas. Assim que Agnes captou o olhar compassivo de Jamie, começou a chorar. Alice passou o braço pelos ombros de sua irmã com o evidente objetivo de consolá-la, mas ela também começou a chorar. Em um piscar de olhos, ambas estavam histéricas. Mary estava de pé junto a Agnes e também parecia a ponto de chorar. Tinha as mãos apertadas diante do corpo, e depois de sussurrar para Jamie
―Deus
querido, olhe-as‖, baixou o olhar. Terei que fazer algo. Não podia permitir que as gêmeas envergonhassem toda a família ante os escoceses. —Agnes! Alice! Parem de chorar imediatamente. As duas irmãs secaram os olhos e tentaram controlar-se. Nesse momento, Jamie viu seu pai. Estava sentado à mesa e se servia bebida de uma das duas jarras que estavam à sua frente. Jamie pensou que ela devia oferecer as boas-vindas corretamente, de acordo com a boa tradição inglesa. Sabia qual era seu dever. Mesmo assim, o desejo de gritar
com
os
estrangeiros
que
chegaram
três
dias
adiantados
era
quase
incontrolável. O dever se impôs. Por outra lado, os escoceses deviam ser muito estúpidos para a descortesia de seu próprio comportamento. Jamie caminhou lentamente até os dois homens. Lembrou-se dos cães que ainda estavam ao seu lado, ouvindo seus ganidos para os estranhos e enxotou-os com um rápido gesto. Fez uma reverência para os convidados, estabelecendo assim sua categoria de senhora da casa. Quando inclinou a cabeça, uma mecha de cabelo caiu-lhe sobre o rosto, estragando o efeito solene que tentava obter. Jamie afastou o cabelo por cima do ombro e tratou de compor um sorriso. — Queria dar-lhes as boas-vindas a nosso humilde lar, pois, ao que parece, ninguém é capaz de lhes brindar esse gesto mínimo de cortesia — começou —. E
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espero que desculpem que não estejamos preparados para recebê-los, mas devem recordar que se adiantaram três dias. Isso ajudará a tolerar nossa falta. Enquanto falava, contemplava as botas dos homens, e logo se atreveu a lançar um rápido olhar, ao tempo que acrescentava: —Meu nome é... —Lady Jamie — afirmou o mais baixo dos dois. Jamie tinha o olhar perdido no espaço entre os dois homens, e se voltou imediatamente para o que tinha falado. Não tinha umaaparência tão feroz quanto o outro, concluiu Jamie ao ver que sorria. Ao sorrir, uma atraente covinha se formava na bochecha direita, e os olhos verdes tinham uma expressão vivaz e maliciosa. Imediatamente, Jamie começou a suspeitar. O homem parecia muito contente, dadas as amargas circunstâncias, pois Alice e Agnes continuavam chorando como meninas pequenas. Pensou que possivelmente fosse muito simplório para dar-se conta da comoção que estava causando. Afinal de contas, era escocês. — Qual é seu nome, milorde? —perguntou Jamie com voz fria. —Daniel — respondeu o homem —. Ele se chama Alec — disse, apontando o companheiro. O sorriso do Daniel era contagioso. ―Certamente, este é um sedutor‖, pensou Jamie. Não pôde evitar um sorriso, pois o sujeito falava com um sotaque que era quase impossível compreender. Na verdade não queria falar com o outro, mas sabia que teria que fazê-lo. Jamie manteve o sorriso e voltou-se para o outro guerreiro. O homem estava esperando que o olhasse e Jamie sentiu que seu sorriso se congelava. O olhar do guerreiro, ardente como o sol do meio-dia, intimidou-a imediatamente. O guerreiro não sorria.
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Subitamente Jamie se sentiu incômoda sem saber por que. Em toda sua vida, jamais se havia sentido tão vulnerável. Percebeu o calor nas bochechas e SOUBE que estava ruborizada. No olhar desse homem havia um toque tão possessivo, uma expressão de proprietário, que a jovem não compreendeu. De repente, Jamie reparou que lorde Alec não a olhava como um cavalheiro de verdade devia olhar para uma autêntica dama de berço. Não, a expressão do homem era luxuriosa. Essa atitude era escandalosa e insolente: dedicou-lhe uma inspeção lenta, minuciosa e insultante, começando na cabeça e terminando muito depois da bainha do vestido de Jamie. O olhar se deteve nos lábios, nos seios e nos quadris da jovem. Jamie o odiou. Fê-la sentir-se como se estivesse nua, e Jamie se enfureceu com ele. Ia pagar na mesma moeda. Embora não pudesse reprimir o rubor, rogou parecer tão insolente quanto o homem quando o inspecionou da mesma maneira ofensiva. Por desgraça o guerreiro não se alterou ante a imitação de Jamie, mas pareceu divertir-se. Jamie acreditou ver que os olhos adotavam uma expressão mais cálida, e reparou que outra vez uma sobrancelha se elevava ante a inspeção da moça. Nesse olhar havia algo que lhe apertava o coração. Não pôde defini-lo, mas começava a pensar que se não fosse a expressão tão severa, gostaria dele. Claro que isso era ridículo, uma vez que já tinha decidido odiá-lo. Era um homem muito duro para que a agradasse. Além disso, necessitava urgentimente de um corte de cabelo. As pontas do cabelo castanho avermelhado caíam abaixo do colarinho da camisa negra. Os cachos suaves fizeram Jamie lembrar dos guerreiros gregos que tinha visto em pinturas, mas não chegavam a suavizar o rosto anguloso nem o queixo quadrado. A boca parecia tão dura como o resto de sua pessoa. Oh, tinha uma aparência feroz demais para que gostasse dele! Mesmo assim, não compreendeu por que seu coração pulsava com tanta força. Quanto mais o
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contemplava, mais lhe faltava o fôlego. Um só pensamento evitou que se sentisse como uma tola. Uma de suas pobres irmãs teria que se casar com aquele guerreiro do inferno. Começou a tremer. O homem sorriu. De repente, o barão Jamison convidou os dois guerreiros a unir-se a ele para beber vinho. Imediatamente Daniel se separou da lareira e caminhou até a mesa. Só se deteve um instante para piscar para Mary. Alec não se moveu. Tampouco Jamie. A jovem não pôde deixar de contemplá-lo. — Vocês têm um sacerdote aqui? A voz soou áspera. Alec pensou que não podia evitá-lo, pois ainda tentava reagir diante da esplendorosa beleza da mulher com ar desafiante que tinha em frente. Os olhos da jovem tinham um intenso tom violeta. Era magnífica, mas Alec também estava impressionado com a indicação de rebelião que percebia nela. Esta mulher não seria facilmente intimidada. Pensou que não se dobraria ante ele. E nenhuma outra tinha podido sustentar o olhar de Alec tanto tempo com tanta coragem. O sorriso de Alec se alargou. Era certamente uma adversária digna. Sabia que o temia, pois a viu tremer. Entretanto, num esforço valoroso, tentou ocultar seu temor dele. Com os cuidados apropriados, sobreviveria à dura vida nas Terras Altas, mas Alec teria que tomar todas as precauções. Tinha uma aparência muito delicado. Deveria sufocar aquela rebeldia sem abater o espírito da moça. Na verdade, seria um trabalho e tanto, mas Alec não se importava. Para ser sincero, já estava ansioso por iniciar a domesticação. E ao final, ele a conquistaria e ela se submeteria.
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Jamie não tinha a menor idéia do que o guerreiro estava pensando. Por fim, recuperou a voz e respondeu a pergunta. —Sim, milorde, temos um sacerdote na casa. — Que os Céus a ajudassem, agora sua voz tremia!— Já escolheu, então? —Sim. — Deve ter sido uma decisão difícil. O sorriso também apareceu nos olhos: —Não foi difícil absolutamente. À moça não gostou nem do tom de voz nem do olhar que ele lhe dirigia. — Estou certa de que foi difícil – insistiu. Afinal, minhas irmãs são todas muito bonitas, e ter escolhido tão rapidamente significa que não deu ao assunto a devida consideração. Por esse motivo, sugiro-lhe que espere, que volte ao nosso lar dentro de um mês, depois de ter tido tempo de refletir. O que lhe parece minha idéia, milorde? O homem moveu lentamente a cabeça. — Então o casamento será manhã? — perguntou Jamie. — Amanhã estaremos na metade do caminho para casa. — Sério? — Sim. — Vai casar-se agora? — Jamie parecia horrorizada. — Isso mesmo. — Partiremos assim que terminar a cerimônia — disse Alec em tom duro. De repente lorde Daniel apareceu junto ao amigo, trazendo duas taças de vinho. Deu uma a Alec e logo se voltou para as três irmãs. —Venha, Mary, junte-se a nós — disse, rindo—. Não vamos mordê-la. — Nunca acreditei que o fizessem — Mary endireitou os ombros e se apressou
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a colocar-se ao lado de Jamie. Daniel e Alec beberam de suas respectivas taças. Dirigiram-se discretos gestos de assentimento um ao outro e logo ofereceram as taças à Jamie e à Mary. As irmãs rechaçaram o oferecimento movendo as cabeças. — Tome um gole, Mary — sugeriu Daniel com um sorriso. Alec não foi tão solícito: — Beba, Jamie. Já. Jamie pensou que possivelmente fosse um antigo ritual escocês. Como senhora da casa, sabia que tinha o dever de deixar os convidados à vontade. Por outro lado,
Alec
parecia
decidido.
Encolheu
os
ombros,
apanhou
a
taça,
bebeu
rapidamente e devolveu-a. O homem segurou sua mão e não a soltou. Acariciou a palma com o polegar. Ficou carrancudo e voltou a mão com lentidão para observar os calos e as cicatrizes. Mary largou a taça de Daniel. Quando a devolveu, o homem também tomou a mão e a fez girar. Jamie tentou afastar a mão, mas Alec só a soltou depois que os dois homens compararam a mão suave e imaculada de Mary com a áspera de Jamie. Foi humilhante. A jovem compreendia tudo o que os dois homens falavam em gaélico. Eles não sabiam que entendia sua língua, e isso lhe proporcionou uma perversa satisfação. Jamie ocultou as mãos nas costas e aguardou a próxima ofensa. — Compartilhar a bebida é um tipo de ritual? — perguntou Mary —. Para falar a verdade, não sei nada a respeito dos escoceses. Depois de dizê-lo, Mary baixou o olhar. — Mary, isso significa que você não ouviu falar de nossas preferências? — perguntou Daniel, fazendo ressonar os erres com suavidade.
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Mary elevou a cabeça com brutalidade, e mostrou uma expressão atônita. — Preferências, milorde? — Certas peculiaridades — esclareceu Daniel, rindo entredentes. Mary lançou a Jamie um olhar desesperado e logo se voltou outra vez para Daniel.— Não, não ouvi falar dessas preferências. —Ah, nesse caso, devo instruí-la — afirmou. Era evidente que lorde Daniel se divertia. —Eu não quero que me instrua — replicou Mary. Alec observava Jamie. Quando Daniel falou de preferências, os olhos da moça se arregalaram. Era evidente que tinha captado o sentido das palavras de seu amigo. Para Alec, Jamie era incrivelmente atraente. Sentia desejo de tocá-la, de apropriar-se dela, apenas de olhá-la. Seu sorriso se apagou ao compreender o quanto desejava deitar-se com ela. Por estranho que parecesse, não lhe importava que fosse inglesa. Não, não lhe importava absolutamente. — Mary, doçura —começou Daniel, atraindo a atenção de Alec—, sem dúvida terá ouvido falar da ordem de nossas preferências. Todos sabem que os escoceses apreciam os cavalos fortes, as ovelhas gordas e as mulheres suaves e bem dispostas. Fez o comentário como uma velha fofoqueira que se diverte contando algo que acabava de ouvir. Alec adicionou, imitando o tom de seu amigo: —Nessa ordem, é obvio. —É óbvio — confirmou Daniel. Jamie lançou a Alec um olhar hostil. Compreendeu que Beak havia mantido um pequeno bate-papo com os dois gigantes e mencionado os temores de Mary. Prometeu-se fazer arder as orelhas de Beak na próxima vez que o visse. De súbito, Daniel estendeu a mão e acariciou a face de Mary. A moça ficou tão surpresa que não atinou a retroceder. Estava fascinada pela expressão terna dos
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olhos de Daniel. — Já tenho um cavalo forte — afirmou Daniel—. Quanto às ovelhas, Mary, bom, há muitas pastando nas montanhas, lá no meu país. Mas no que se refere a uma mulher suave e bem disposta, lamento dizer que não tenho nenhuma. É importante para mim, embora esteja ao final da lista. — Eu não sou suave — balbuciou Mary. — Sim, é — retrucou Daniel—. E encantadora como uma manhã da primavera. O rosto de Mary se tornou da cor do fogo. —Não sou encantadora nem bem disposta, milorde — afirmou. Cruzou os braços sobre o peito e lhe dirigiu um olhar severo. Queria desalentar a esse demônio galante, mas sua própria reação a ele a confundia. As adulações do homem a aturdiam. Seria verdade que a considerava encantadora? As gêmeas começaram a chorar outra vez. Jamie estava para censurá-las quando de repente lhe ocorreu que uma delas devia ter sido escolhida como noiva. Se era assim — e isso era o que Jamie acreditava — certamente Agnes e Alice tinham o direito de armar um bom alvoroço. Mesmo que elas uivassem como lobos, não se incomodaria. Alec limitou-se a esperar que aceitasse a verdade. Viu que dedicava um olhar compassivo às irmãs e se perguntou quanto tempo ela levaria para se dar conta de que elas a olhavam do mesmo modo. ―Sem dúvida, quando se recompuser, o barão Jamison abrirá os olhos dela‖, pensou Alec. O barão ainda parecia a ponto de chorar. Quando Alec lhe disse que havia escolhido Jamie para esposa, ele protestou com ferocidade. Alec se manteve firme perante o barão. Controlou-se até que o barão deixou de fazer caretas e começou a detalhar todas as razões egoístas que tinha contra essa união. Nenhuma dessas razões tinha nada que ver com o bem-estar de Jamie e então, a atitude de Alec se endureceu. Estava furioso com o inglês. A lista de tarefas explicava o porquê dos calos nas mãos de Jamie. Jamison não queria
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conservar a sua filha junto dele porque a amasse, mas sim porque queria tê-la como escrava. Na opinião de Alec, a filha mais jovem era quase uma prisioneira. Um criado de semblante aflito entrou precipitadamente no salão. Só lançou um breve olhar ao barão Jamison, e logo se dirigiu a Jamie. Depois de uma estranha reverência, o servente murmurou: —Senhora, o sacerdote está a caminho. Está vestido para celebrar bodas. Jamie assentiu. —George, você foi muito amável em deixar suas tarefas para procurar o padre Charles. Quer ficar para as bodas? Os olhos do criado adotaram uma expressão de adoração. —Não estou vestido de maneira apropriada — sussurrou. —Tampouco nós — respondeu Jamie do mesmo modo. —Mary, vá trocar seu vestido — interveio Daniel—. Eu gosto de dourado. Se tiver algum vestido dessa cor, use-o para me agradar. Se não tiver, tanto faz. Lady Mary, você se casará comigo. Lorde Daniel Ferguson segurou lady Mary antes que ela caísse. Não o incomodou absolutamente que a prometida tivesse desmaiado. Em vez disso, soltava sonoras gargalhadas enquanto elevava Mary entre os braços e a estreitava contra o peito. — Alec, a gratidão a transbordou — disse Daniel ao amigo. —Sim, Daniel, estou vendo – respondeu Alec. Jamie já não pôde controlar o aborrecimento um minuto mais. Voltou-se para olhar para Alec. Pôs as mãos nos quadris, numa clara atitude de desafio. —Muito bem. Com qual das gêmeas vai se casar? — Com nenhuma. Ainda não havia compreendido. Alec suspirou. — Jamie, troque de vestido se desejar. Eu gosto do branco. Vá fazer como eu
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digo. Está ficando tarde e devemos partir. Com toda a deliberação, estendeu o discurso para dar-lhe tempo de reagir ao anúncio, pensando que era muito consideração de sua parte. A jovem, em contrapartida, acreditou que delirava. No começo, Jamie estava muito perplexa para fazer outra coisa além de contemplar o guerreiro, horrorizada. Quando enfim recuperou a voz, gritou: — No dia que me casar com você, milorde, o inferno congelará! — Garota, acaba de descrever as Terras Altas no inverno. E se casará comigo. Exatamente uma hora depois, lady Jamison estava casada com Alec Kincaid.
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Capítulo quatro Para as bodas, Jamie se vestiu de negro. A escolha do traje foi um gesto de desafio para enfurecer o escocês. Entretanto, assim que voltou ao grande salão, soube que o plano tinha falhado. Alec lhe dirigiu um único olhar e começou a rir. O retumbar daquela risada quase fez cair as vigas do teto do salão. Alec pensou que Jamie não tinha idéia de como o seu caráter rebelde o agradava, pois do contrário jamais teria feito o que fez para provocá-lo. Se soubesse o quanto odiava as lágrimas, sem dúvida teria chorado. Embora Alec não acreditasse que fosse tão convincente quanto às gêmeas, Jamie se movia como uma rainha. Tinha as costas erguidas e retas como uma lança, não inclinava a cabeça ante nenhum homem e Alec pensou que lhe custaria um terrível esforço adotar qualquer atitude de fraqueza feminina. Embora estivesse vestida como para um duelo, estava magnífica. Os olhos de Jamie seguiam cativando Alec, e se perguntou se algum dia se acostumaria a tanta beleza. ―Espero que sim‖, pensou. ―Não posso permitir que interfira em meus deveres principais‖. Aquela garota era um enigma. Embora Alec soubesse que havia nascido e se criado na Inglaterra, não parecia absolutamente uma covarde. Perguntava-se que milagre teria intervindo, e chegou à conclusão de que a inocência e a falta de medo da garota se deviam ao fato de que Jamie nunca havia sido tentada pela sórdida vida na corte do rei Henry. Pela graça de Deus, lady Jamie nunca esteve exposta à inclinação viril para a libertinagem. Kincaid supôs que deveria agradecer ao barão, pois este tinha descuidado os
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deveres para com suas filhas. Claro que não pensava pronunciar uma só palavra de agradecimento e, de todos os modos, duvidava de que o pai de Jamie o escutasse, já que nesse momento o barão estava chorando. Alec sentiu tal repulsa que não quis nem pensar nisso. Nunca tinha visto um homem humilhar-se desse modo; seu estômago embrulhava. Quando o sacerdote perguntou quem entregaria as noivas e o barão não pôde responder, Jamie murmurou: — Somos todas muito apegadas a nosso pai. — O rosto do barão estava oculto atrás de um lenço de linho encharcado —. Papai sentirá nossa falta, milorde. Isto é muito difícil para ele. Não levantou o olhar para Alec enquanto apresentava desculpas pela vergonhosa conduta do pai, mas a súplica vibrou com claridade na voz um pouco rouca da moça. Alec soube que pedia sua compreensão e a defesa que a filha fazia do pai lhe pareceu suficientemente valiosa para que guardasse sua própria opinião desfavorável sobre o barão. Era outro indício de seu caráter que Jamie oferecia, pois essa súplica significava que era leal a sua própria família. Para Alec, essa era uma qualidade nobre sob qualquer circunstância e, tendo conta os traços do resto da família, tamanha lealdade beirava a santidade. Jamie estava muito apavorada para olhar para o noivo. Ela e Mary estavam uma ao lado da outra, dando-se das mãos em procura de consolo. Daniel estava à direita de Mary e Alec, à esquerda de Jamie. O braço de Alec tocava o ombro da jovem, e sua coxa roçava com o de Jamie, deliberada e insistentemente. Jamie não podia se afastar, porque Mary se apertava contra ela, e o braço de Alec lhe impedia de retroceder. Senhor, como odiava estar assustada! Não estava acostumada. Disse a si mesma que era porque Alec era muito grande: inclinava-se sobre ela como uma imensa nuvem furiosa. Cheirava a urzes e a masculinidade, também um pouco a couro e, em condições mais agradáveis esse aroma teria sido atraente para Jamie. Claro que nesse momento a moça detestava o tamanho do
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homem, o aroma, e a sua presença. O sacerdote concluiu a homilia sobre o sacramento do matrimônio, e se dirigiu para a irmã de Jamie. Mary, honesta em excesso, lançou uma gargalhada olhando para Daniel quando o padre Charles a perguntou se o recebia por marido. A moça se alongou refletindo sobre a pergunta, como se tivesse pedido que explicasse o significado da conquista normanda, e por fim exclamou: — Para falar a verdade, padre, preferiria que não. Jamie estava à beira da histeria. Supunha-se que ela não teria que se casar com este senhor da guerra chamado Alec Kincaid. Ele tampouco facilitava as coisas, pois estava tão perto que Jamie podia sentir o calor que irradiava do corpo do homem. Enquanto o padre Charles rogava a Mary que desse uma resposta correta, Jamie tentava afastar-se de Alec. Em um cantinho da mente da jovem se escondia a idéia covarde de que poderia afastar o braço, dar um passo para trás e depois sair correndo do salão à velocidade de um raio. Alec devia ter adivinhar suas intenções através do braço apoiado sobre os ombros da moça. Antes que Jamie pudesse protestar, elevou-a contra seu flanco. Jamie não pôde soltar-se. Tentou-o repetidas vezes até que por fim lhe murmurou que a soltasse. A resposta do homem foi o silêncio. Frustrada, Jamie se voltou para sua irmã e disse: — Mary, não creio que nossas preferências tenham a menor importância. Se não aceitar se casar com Daniel, estará rebelando-se contra nosso rei. — Mas se disser que aceito este homem por marido, ponho-me contra Deus, não é mesmo? —argüiu Mary —. Estaria mentindo — concluiu com um soluço. — Pelo amor de Deus, Mary, responda ao sacerdote! —ordenou Jamie. Mary se irritou com o tom hostil de Jamie, e olhou colérica para sua irmã para
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depois se dirigir ao padre: — Oh, está bem. Eu o aceito. — Virou-se outra vez para Jamie e murmurou — Agora está contente, irmã? Você me obrigou a mentir para um padre. — Eu a obriguei? O tom ofegante de Jamie não se deveu apenas à escandalosa afirmação de sua irmã: a mão de Alec estava fechada sobre a base do pescoço da jovem. Os dedos do homem acariciavam a pele sensível. O padre Charles fez um gesto de assentimento depois da resposta de Mary. Agora era a vez de Jamie e Alec. —Milorde, qual é seu nome completo? — perguntou o sacerdote. —Alec Kincaid. O paróco assentiu. Tinha pressa em terminar esta cerimônia penosa, pois a expressão nos olhos da doce Jamie era assassina. Na pressa, acrescentou a palavra ―voluntariamente‖ ao perguntar se aceitava Alec por marido. — O que? —perguntou Jamie. Tomou fôlego, preparando-se para devolver ao padre sua autêntica opinião quando sentiu que os dedos de Alec se fechavam ao redor de seu pescoço. O homem tentava intimidá-la. Jamie tratou de puxar a mão de volta, mas Alec não permitiu; limitou-se a segurar seus dedos e continuou fazendo pressão. Não se mostrava muito sutil e Jamie captou de imediato a mensagem sem palavras. Se continuasse provocando-o desse seu jeito arrogante a estrangularia, e sendo escocês, Jamie não duvidava de que cumpriria a ameaça. Seu pescoço começava a doer. —Eu o aceito — balbuciou. O sacerdote exalou um suspiro de alívio e se apressou a continuar com o resto da cerimônia. Assim que deu as benções, Mary tratou de escapar do salão, mas Daniel a alcançou em dois passos. Ergueu-a nos braços e sufocou o grito de Mary
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com um beijo, diante do padre Charles e do resto da família. Quando o amoroso ataque terminou, Mary se apoiou contra ele. Jamie achou que se parecia com uma flor murcha. As gêmeas desataram a chorar outra vez, papai começou a soluçar, e Jamie subitamente desejou morrer. Alec Kincaid não foi tão enérgico na reclamação de um beijo para selar os votos conjugais. Só se deteve diante da noiva com as mãos sobre os quadris, as pernas vigorosas separadas, e o olhar fixo sobre a cabeça encurvada de Jamie. Não disse uma palavra, mas a rígida postura sugeria que, se fosse necessário, ficaria assim a noite toda até que a jovem o olhasse. Jamie se consolou com o fato de que já não tentava estrangulá-la. Jamie sentia que o coração retumbava dentro do peito. Imaginava que Alec Kincaid faria o que lhe desse vontade. Armou-se de coragem e lentamente ergueu o olhar para se encontrar com o de seu marido. Subitamente, Alec a tomou entre os braços. Segurou-lhe o queixo enquanto sua boca descia sobre a de Jamie. O beijo foi duro, inflexível... E incrivelmente quente. Jamie se sentiu como se o sol a tivesse abrasado. O beijo terminou antes que pudesse sequer pensar em debater-se e, por uns instantes, ficou muda. Contemplou o marido por um longo momento e se perguntou se esse beijo o tinha afetado tanto quanto a ela mesma. Alec se divertiu com a confusão que percebeu nos olhos de Jamie. Era evidente que não tinha recebido muitos beijos. Estava ruborizada e apertava as mãos entre si com força mortífera. Sim, Alec estava contente com Jamie, e compreendeu que esse breve beijo não o deixava indiferente. Não podia deixar de desejá-la.
Diabos, queria beijá-la
outra vez! O súbito grito de Mary rompeu o feitiço.
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— Não! —exclamou Mary, como quem pronuncia uma blasfêmia—. Não iremos embora agora, não é? — Sem dúvida, minha irmã entendeu mal — disse Jamie a Alec —. Não irão partir agora, claro... —Sim — respondeu Alec —. Muitas responsabilidades aguardam por Daniel e por mim em nossa pátria. Partiremos dentro de uma hora. As duas garotas não tinham sido incluídas na explicação e, ao compreendê-lo, Jamie ficou alerta. Quase sorriu ante a alegre possibilidade, mas logo decidiu assegurar-se de haver entendido bem antes de abrigar esperanças. —Gostaria de compartilhar nossa humilde ceia antes que você e Daniel partam? —perguntou. Alec soube o que estava pensando: traiu-se ao dizer ―você e Daniel‖. Aquela tola mulher achava mesmo que eles iriam sem ela?. Alec sentiu vontades de rir. Jamie parecia séria e esperançada. Alec moveu a cabeça. Jamie sentiu-se como se a porta da prisão acabasse de se abrir e ela estivesse novamente livre. Fez um desesperado esforço para dissimular a alegria, pois teria sido grosseria manifestar um prazer tão óbvio pela partida de Alec. Os matrimônios seriam apenas no nome. ―Oh, por que não entendi antes?‖, pensou. Com os matrimônios, Alec e Daniel limitavam-se a cumprir ordens do monarca. E agora voltariam a sua pátria e aos seus deveres, quaisquer que fossem, deixando suas agradecidas noivas na Inglaterra, aonde pertenciam. Na realidade não era um acerto muito estranho. Muitos casamentos se realizavam dessa maneira tão satisfatória. Para falar a verdade, Jamie se sentiu como uma idiota por não haver entendido antes. Teria se economizado muita preocupação. O alívio a invadiu com tanta força que os joelhos afrouxaram. Estava acostumada a fazer tratos com o Criador e imediatamente prometeu a Deus uma
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novena de doze dias por trazer-lhe esta maravilhosa trégua. — Voltará à Inglaterra depois para ficar um tempo? —perguntou, tratando de fazer como se essa odiosa idéia tivesse algum mérito. — Seria necessária uma guerra para me fazer retornar. —Não deve se alegrar tanto com essa perspectiva — retrucou Jamie sem pensar. Dirigiu-lhe uma expressão zangada e não se importou se ele se ofendia. Esse sujeito era tão curto de inteligência quanto um pedaço de maneira, e se não era cortês, tampouco Jamie se incomodaria em exibir bons modos. Afastou o cabelo sobre o ombro, deu as costas a Alec e se afastou dele com passos lentos. — Já são as últimas horas da tarde, Alec Kincaid — disse por cima do ombro—. Será melhor que se ponham a caminho, pois estou segura de que têm que cobrir uma boa distância antes que termine o dia. Esteve a ponto de adicionar que havia sido um prazer conhecê-lo, mas essa mentira lhe custaria outra novena, e preferiu guardar silêncio. Jamie acabava de chegar junto à mesa quando a deteve uma áspera ordem de seu marido. — Jamie, reúna suas coisas e despeça-se de sua família enquanto Daniel e eu nos ocupamos dos cavalos. Apresse-se. — Você também, Mary — interveio Daniel com esse tom alegre que começava a irritar Jamie. — Por que devemos nos apressar? —perguntou Mary. — Alec e eu prometemos não voltar a dormir uma noite mais sobre solo inglês. Temos que percorrer uma boa distância antes que escureça. Jamie voltou-se a tempo de ver que os dois escoceses saíam do salão e se apoiou na mesa com as mãos às costas. — Kincaid, supõe-se que me deixará aqui! —gritou—. Este é só um matrimônio de conveniência, não é mesmo?
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Alec se deteve no centro do salão e se voltou para olhá-la. —Sim, esposa, é um matrimônio de conveniência. Minha conveniência, entende? Jamie não fez caso do tom zangado e da expressão dura. —Não, Kincaid, não entendo — disse, tratando de parecer tão arrogante quanto ele, mas soube que era um esforço vão, pois sua voz tremia. O fingido aborrecimento da jovem não enganou Alec. Sabia que estava assustada e o demonstrou com um sorriso. — Pois eu lhe asseguro de que com o tempo o entenderá. Tem minha palavra. Jamie não queria que Alec lhe desse sua palavra, embora soubesse que isso não importaria muito, já que no final das contas era um guereiro. Tampouco queria discutir com ele. Assim que o homem saiu pela porta, os olhos de Jamie se encheram de lágrimas e só quis deixar-se cair na cadeira mais próxima e chorar à vontade. Estava muito inquieta para pensar em juntar suas posses, e as gêmeas se ocuparam disso, deixando que Jamie desfrutasse esses momentos com seu pai. Quando Agnes e Alice retornaram ao salão, Mary estava em completo estado de nervosismo. Logo que pôde gaguejar uma despedida a seu pai, saiu correndo da sala. — Jamie, recolherei o resto de suas coisas com todo cuidado e lhe enviarei em uma semana —prometeu Agnes—. As Terras Altas não devem estar tão longe. — Empacotarei suas belas tapeçarias — interveio Alice —. Prometo que não me esquecerei de nada. Em pouco tempo, vai se sentir como em casa. — Alice, eu já disse à Jamie que me encarregaria disso — murmurou Agnes —. Na verdade, irmã, sempre quer me superar. Ah, Jamie, pus o xale de mamãe em sua bolsa de viagem, junto com seus frascos de remédios. — Obrigado, irmãs — disse Jamie. Abraçou-as precipitadamente—. Oh, sentirei falta de vocês! Eu as amo muito.
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— Jamie, é muito valente — murmurou Agnes —. Parece tão calma, tão serena... Em seu lugar, eu estaria enlouquecida. Acaba de casar-se com um dos... — Não é necessário lembrar — murmurou Alice —. Não deve ter esquecido que assassinou sua esposa. — Não temos certeza — replicou a gêmea. Jamie desejou que as gêmeas não continuassem tentando consolá-la. As coisas que lembravam Alec Kincaid a inquietavam mais ainda. O barão Jamison deu um puxão na saia de Jamie para chamar a atenção. — Morrerei em uma semana. Quem se ocupará de minha comida? Quem escutará o que tenho a dizer? — Ora, papai, Agnes e Alice cuidarão do senhor. Ficará bem — tranqüilizou-o. Inclinou-se para beijar-lhe a testa e continuou: — Por favor, não diga isso. Mary e eu viremos a visitá-lo e... Não pôde concluir a mentira, não pôde dizer a seu pai que ficaria muito bem. O mundo de Jamie tinha terminado, já que tudo o que lhe era familiar e seguro estava sendo tirado dela. Quem enunciou em um murmúrio o maior temor de Jamie foi Agnes: — Nunca mais voltaremos a vê-la, não é, Jamie? Ele não deixará vir ao nosso lar, não é? — Prometo a vocês que acharei um modo de vê-las — assegurou Jamie, com a voz tremendo e os olhos ardendo pelas lágrimas contidas. Deus querido, que dolorosa era esta despedida! O barão Jamison continuou murmurando entre soluços que os escoceses tinham tirado suas preciosas garotinhas e que nem Deus sabia como se arrumaria sem elas. Embora Jamie tenha tentado consolá-lo, foi inútil. Seu pai não queria se acalmar. Quanto mais a moça tentava, mais o pai gemia. Beak veio procurá-la. Quando tentou separar a filha do pai, produziu-se uma
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breve resistência. O barão Jamison não queria soltar a mão de sua filha, mas enfim conseguiram. —Vamos, Jamie. É melhor não deixar seu novo esposo zangado. Ele a aguarda pacientemente no pátio. Lorde Daniel e lady Mary já partiram para a Escócia, garota. Venha comigo agora, uma nova vida a aguarda. A voz suave de Beak ajudou Jamie a se acalmar. Puxou-o pela mão e caminhou com ele até a saída. Quando se deteve para despedir-se por última vez da família, Beak puxou-a. — Não olhe para trás, Jamie. E pare de tremer. Comece a pensar em seu venturoso futuro. — É esse futuro o que me faz tremer — confessou Jamie —. Beak, ignoro tudo a respeito de meu marido e me preocupam os sinistros rumores que ouvi sobre ele. Não quero estar casada com ele. — O que parece, está feito— afirmou Beak —. Há dois modos de vê-lo, moça. Pode entrar neste matrimonio com os olhos fechados, sem ver seu homem, e ser desventurada o resto de sua vida, ou pode abri-los bem, aceitar seu marido e tirar dessa vida o melhor proveito possível. — Não quero odiá-lo. Beak sorriu. Jamie parecia triste. — Não o odeie, então — aconselhou —. De qualquer modo, não sabe odiar, moça. Tem um coração muito terno. Além disso — acrescentou enquanto seguia levando Jamie em frente — não é algo tão fora do comum. — O que não é fora do comum? — A maioria das noivas se casa sem conhecer o marido. — Mas Beak, essas noivas são inglesas e se casam com ingleses. — Acalme-se — ordenou Beak, percebendo o temor na voz da moça—. Este Kincaid é um bom homem. Eu o avaliei, Jamie. E vai tratá-la bem.
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— Como sabe? —perguntou Jamie. Tentou parar e olhá-lo de frente, mas o ancião seguiu puxando-a —. Lembra que existe o rumor de que matou a sua primeira esposa. — Você acredita nisso? Imediatamente, Jamie respondeu: — Não. — Por que não? Jamie deu de ombros. — Não saberia explicar — murmurou —. Simplesmente, acho que não seria capaz de fazê-lo... —Exalou um suspiro e adicionou: — Talvez acredite que estou louca, Beak, mas esses olhos... Bom, não é um homem malvado. — Acontece que eu sei que isso é mentira — afirmou Beak —. Ele não a matou. Eu perguntei diretamente, Jamie. — Não me diga! —Essa afirmação incrível a fez rir—. Beak,
ele deve ter
ficado furioso com você. — Grande coisa! — sussurrou Beak —. O que me preocupava era seu futuro, não o aborrecimento de Alec — gabou-se —. Claro que justamente lhe fiz as perguntas quando soube que havia escolhido você, entende? — Quando teve tempo para isso? — perguntou Jamie, franzindo o sobrolho. — Isso não tem importância — apressou-se a dizer Beak—. Por outra lado, soube que Kincaid era um bom homem quando observei seu cavalo bem de perto. — Deu outro suave empurrão nas costas de Jamie para que ela seguisse caminhando para seu marido—. Esse guerreiro a tratará com o mesmo cuidado. — Oh, pelo amor de Deus! — murmurou Jamie —. Velho amigo, você foi muito tempo chefe dos estábulos. Existem diferenças entre uma esposa e um cavalo. Já vejo que acredita nestas tolices que está dizendo; parece muito feliz consigo
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mesmo. —Estou mesmo — gabou-se Beak —. Fiz você sair daqui sem ter que arrastála, não foi? Os olhos de Jamie se abriram surpreendidos; deteve-se de repente e Beak teve que lhe dar outro empurrão. Alec estava de pé no centro do pátio do castelo, junto ao cavalo. A expressão do homem não revelava o que estava pensando, mas Jamie não acreditou que a tivesse esperado pacientemente como assegurava Beak. Não, Kincaid não parecia absolutamente paciente. Alec estava certo de que a aparição de Jamie nas Terras Altas causaria uma comoção. Sustentou-lhe o olhar um longo momento, perguntando-se quando se acostumaria a ela. Tinha os olhos da cor violeta mais intensa que ele já tinha visto. Alec lembrou do que Beak havia dito: ―Há azuis e azuis‖. Agora compreendia o que o chefe dos estábulos tinha querido dizer. Não podia permitir que o cativasse desse modo. Tinha uma boca muito atraente que ameaçava a paz de consciência de Alec. ―Sim, sem dúvida causará comoção‖, refletiu Alec, ―boa ou não, pois embora esteja seguro de que nenhum dos membros de meu clã se atreverar a tocar no que me pertencia, os pensamentos de meus homens irão nessa direção‖. Aquela mulher era muito atraente para seu próprio bem. Ainda o temia, e Alec pensou que esse era um bom começo, dado que uma esposa sempre tinha que se sentir um tanto insegura diante do marido. Entretanto, esse temor o irritava. Se não tivesse percebido a apreensão no olhar da moça, teria ordenado que se apressasse em montar. Lembrava um cervo que acabara de farejar o perigo. Decidiu que já era hora de tomar o controle da situação. Com um movimento fluido, Alec montou o corcel. O enorme cavalo negro, nervoso, desviou-se para um lado, para o flanco de Fogo Selvagem. A égua de Jamie, ao ver-se obrigada a permanecer junto a um macho cujo aroma lhe era
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desconhecido, já estava nervosa e imediatamente tentou recuar. Alec arrancou as rédeas do cavalariço, que estava desatento, e ordenou ao animal que ficasse quieto. Fogo Selvagem obedeceu imediatamente. Beak ouviu que Jamie continha o fôlego, observou o modo com que olhava para o guerreiro escocês, e acreditou que a jovem estava a ponto de desmaiar. Pôs outra vez a mão sobre o seu ombro. — Recupere os brios, garota. Desmaiar não a beneficiaria, e seria uma vergonha. Eu não a eduquei assim, verdade? Essas palavras, ditas em tom resmungão, chamaram a atenção da jovem. Jamie se ergueu e se separou do chefe de estábulos. —Ninguém desmaiará — murmurou —. Ofende-me ao sugerir que sou tão fraca. Beak dissimulou um sorriso. Já não teria que empurrá-la. Outra vez nos olhos da moça ardia o fogo. Com a graça própria de uma rainha, Jamie levantou o vestido e caminhou até sua montaria. Beak a ajudou a montar sobre o lombo de Fogo Selvagem e depois lhe estendeu a mão. — E agora, prometa a este velho que viverá bem com seu marido — ordenou —. Lembre-se de que é um mandamento sagrado — acrescentou com uma absurda piscada. —Não é um mandamento — afirmou Jamie. —Nas Terras Altas, é. Foi uma afirmação de Alec, que parecia falar a sério. Jamie olhou-o, zangada, e se voltou para Beak. O cavalariço sorria para o marido de Jamie. —Senhor Kincaid, não esquecerá a promessa que me fez? Alec assentiu. Jogou as rédeas de Fogo Selvagem para Jamie, esporeou o seu próprio cavalo e deixou Jamie olhando-o fixamente.
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Não a esperaria. Jamie fez que Fogo Selvagem ficasse imóvel, resolvida a ver até onde Alec chegava antes de deter-se para esperá-la. Quando cavalo e cavaleiro cruzaram a ponte levadiça e desapareceram da vista, convenceu-se de que ele não a esperaria em absoluto. Nem se incomodou em olhar para trás por cima do ombro. — O que você quis dizer ao recordar-lhe a promessa que fez? —perguntou Jamie, contemplando distraída a ponte. — Nada que deva preocupá-la — disse rapidamente Beak. Jamie o olhou. — Vamos, Beak, diga o que exigiu dele. — Tive uma pequena conversa com ele, a respeito de sua... Inocência, Jamie. — Não compreendo. — Bom, garota, haverá uma noite de bodas. Como fui eu quem a instruiu a respeito do que ocorre entre um homem e uma mulher, pensei que devia advertir seu marido... — Deus! Falou disso? — Isso mesmo. Prometeu-me ser cuidadoso com você, Jamie. Tentará não machucá-la muito na primeira vez. Jamie sentiu que suas bochechas ardiam de vergonha. — Beak, jamais permitirei que me toque, de modo que foi inútil haver arrancado tal promessa dele. — Vamos, Jamie, não seja teimosa. Tinha medo por você. Para falar a verdade, não contei muita coisa sobre as realidades do acasalamento. Expliquei ao Kincaid que você não sabia muito de... — Não quero ouvir falar mais disto. Nunca me tocará, e isso é tudo. Beak deixou escapar um sonoro suspiro. — Nesse caso, uma surpresa a espera, minha garotinha. Do jeito que ele
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olha para você, acredito que a tomará na primeira oportunidade. Jamie eu tinha que colocar tudo isso na sua cabeça dura. Faça o que ele lhe disser e tudo sairá bem. — O que ele me disser? — Ora, garota, não me levante a voz. Será melhor que você parta de uma vez, Jamie — insistiu. Jamie moveu a cabeça. — Irei num minuto, Beak. Primeiro, quero que me prometa que irá me buscar se surgir algum problema aqui. — Que tipo de problema? Enquanto murmurava uma explicação, Jamie não pôde olhá-lo aos olhos. — Ao que parece, papai recebeu umas moedas de ouro de Andrew. Foi um empréstimo, Beak, não um dote, mas de qualquer maneira estou preocupada. Não sei como papai poderá devolver a ele este dinheiro. Animou-se a lançar um olhar rápido para julgar a reação de Beak, mas não era necessário. O grito de raiva quase a fez cair da sela. — Recebeu ouro por você? Ele a vendeu ao barão Andrew? —Não, você não entendeu
— apressou-se a esclarecer Jamie —. Foi só um
empréstimo, Beak, e agora não temos tempo de discutir. Apenas me dê sua palavra de que irá me procurar-se papai precisar de ajuda. —Sim, moça — disse Beak—. Eu prometo. Há alguma outra preocupação que eu tenha que conhecer? —Espero que não. —Então, vá. Se seu marido... —Outra coisa mais, e depois vou. —Está se demorando de propósito, não é mesmo, moça? Quer irritá-lo. Se for assim, ele saberá como é de verdade — predisse Beak, rindo entre dentes—.
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E depois de todo o trabalho que tive para contar –lhe algumas mentiras...! — Que mentiras? — Disse-lhe que era uma donzela doce e gentil. — Sou uma donzela doce e gentil — retrucou Jamie. Beak bufou. — Quando se zanga, é tão doce como o fel. — Que mais disse a ele? —perguntou Jamie, cheia de suspeitas —. Beak, será melhor que saiba tudo para poder me defender. — Disse-lhe que era tímida. — Oh, não! — Que esteve doente, e que estava acostumada a ser mimada. — Não! — E que você gostava de passar o tempo costurando e indo à igreja. Jamie começou a rir. — Por que inventou semelhantes histórias? —Porque quis lhe dar certas vantagens — explicou Beak, embaralhando-se na pressa por esclarecer as coisas —. Também não contei que fala gaélico. — Eu também não contei. Os dois confidentes trocaram um sorriso, e Jamie perguntou: — Não está arrependido de todas as coisas que me ensinou, não? — Claro que não — respondeu Beak —. Mas se seu marido a considerar fraca, suponho que estará mais alerta para cuidar de sua segurança, garota. A meu ver, será mais paciente com você. — Não me importa o que ele ache de mim — replicou Jamie —. Acredito que incitou meu orgulho porque me fez parecer tão inferior.
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— A maioria das mulheres são inferiores — reforçou Beak. — A maioria das mulheres caça para o jantar da família? Por acaso montam a cavalo melhor que um guerreiro? Por acaso...? —Não se enfureça comigo, agora — implorou Beak —. Mantenha seus talentos ocultos por um tempo, Jamie. E não o provoque por enquanto. Como sempre digo, é melhor não agarrar um cão selvagem pela cauda se não quiser suportar as conseqüências. — Você nunca disse isso. — Mas sempre quis dizer — respondeu o ancião. Olhou aflito para a ponte—. Vá agora, Jamie. — Guardei isto muito tempo, Beak, e não vou me apressar. — O que? —perguntou Beak, quase gritando. — Eu o amo. Nunca havia isso dito a você, mas eu o amo com todo meu coração. Você foi um bom pai para mim, Beak. O ancião deixou de lado toda a bravata. Com os olhos úmidos de lágrimas e a voz estrangulada, murmurou: — E eu a amo, Jamie. Você foi uma filha maravilhosa para mim. Sempre a considerei minha filha. — Prometa que não vai me esquecer — disse a jovem, com um tom desesperado na voz. Beak lhe apertou a mão: — Nunca a esquecerei. Jamie assentiu. As lágrimas escorriam por suas faces. Enxugou-as, endireitou os ombros e esporeou Fogo Selvagem. Beak ficou no centro do pátio, vendo como sua jovem ama partia. Implorou ao Céu para que ela não se virasse. Não queria que o visse em semelhante estado de perturbação.
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Que o Céu o amparasse.
Chorava como um homem que tivesse perdido a sua
única filha! No fundo do coração sabia a verdade: nunca voltaria a ver sua garotinha.
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Capítulo cinco Alec Kincaid estava de bom humor. Manteve o sorriso e o passo lento até que, por fim, sua esposa o alcançou. Teve vontade de rir, pois era evidente que esta noiva ingênua tinha tentado provocá-lo para fazê-lo zangar-se, atrasando-se em segui-lo. Mas Jamie ignorava que ele era um homem paciente, em especial quando se tratava de algo tão insignificante como uma mulher. Era engraçado que uma simples mulher se atrevesse a desafiá-lo. Assim que a ouviu aproximar-se, apertou o passo até que os dois cavalos partiram ao trote. Jamie o seguia, tratando de não dar importância ao pó que voava para seu rosto. Estava decidida a manter esse passo diabólico sem exalar um protesto. Também esperava que o marido olhasse por cima do ombro e visse como ela estava bem. Quando ele a olhasse, ela iria devolver com sua expressão mais serena, embora lhe custasse a vida. Alec Kincaid não se voltou. Apesar de Jamie ser uma destra amazona, não estava habituada aos arreios novos e à sela rígida. Sentia-se mais cômoda montando sem ela. O traseiro e as coxas da moça recebiam constantes sacudidas. A rota para o norte, rochosa e mal cuidada, fazia que as sacudidas fossem mais dolorosas ainda. O caminho estava atravessado por arbustos e havia que afastar os ramos baixos ao mesmo tempo em que controlava a sua cavalgadura. Quando se convenceu de que Alec nem sequer lembrava que ela ia atrás, permitiu-se fazer uma careta, e logo começou a regatear com o Criador, prometendo ordenar vinte missas diárias seguidas e não se perder em fantasias se permitsse que seu
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marido endiabrado
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diminuísse um pouco a marcha. Deus não estava de humor para regateio. Essa foi a conclusão de Jamie ao ver que alcançavam Daniel e Mary. Imediatamente, Alec tomou a dianteira sem cortar o passo nenhuma vez. Jamie se manteve atrás de seu marido. Mary, com aspecto tão fatigado quanto uma bota velha, seguia atrás, e Daniel ia à retaguarda. Jamie sabia que iam a marcha forçada por motivos de segurança. Tinha ouvido histórias sobre bandos de criminosos que atacavam vítimas despreparadas. Supôs que um dos guerreiros protegia as mulheres de um possível ataque frontal, enquanto que o outro cobria a retaguarda pelo mesmo motivo. Se os bandidos tentassem separar os quatro, teriam que passar sobre Alec ou Daniel para apoderar-se das noivas. Oh, sim, compreendia bem as razões, mas estava demasiado preocupada com Mary! Tinham cavalgado quase duas horas até que por fim a irmã não agüentou mais. Jamie estava muito orgulhosa de que Mary tivesse suportado tanto tempo sem queixar-se. Mary não tinha disposição para agüentar desconfortos de nenhuma classe. —Queria parar por uns minutos — disse Mary. — Não, garota — exclamou Daniel. Jamie não podia acreditar que tivesse uma atitude tão dura. Girou e viu que o marido de Mary enfatizava a negativa mo vendo a cabeça. O semblante dolorido de Mary deixou Jamie intranqüila. Estava quase gritando com o marido para que se detivessem para um breve descanso quando ouviu uma exclamação aguda. Quando se voltou outra vez, viu o cavalo de Mary atrás de si, mas ela não estava. Todos se detiveram, até Alec Kincaid. Daniel se aproximou da noiva enquanto Jamie e Alec desmontavam. A pobre
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Mary tinha caído de costas em meio de um arbusto denso. Enquanto Jamie apeava, Daniel fez Mary levantar-se com suavidade. — Está machucada, moça? —perguntou com voz preocupada. Mary afastou o cabelo dos olhos e respondeu: —Só um pouquinho, milorde. Várias folhas estavam grudadas ao cabelo de Mary e Daniel se dedicou a tirálas. Jamie observou o modo terno com que a tratava e pensou que, afinal, ele tinha certas qualidades que o redimiam. — O que aconteceu, afinal? —perguntou Alec, às costas de Jamie. Jamie saltou ao ouvi-lo e logo se voltou e o encarou. — Mary caiu do cavalo. — Caiu do cavalo?— Alec parecia incrédulo. — É inglesa, Alec, lembra? — exclamou Daniel. — E o que isso tem a ver? — perguntou Jamie. Olhou de um a outro guerreiro e viu que eles tentavam esconder os sorrisos. —Poderia ter quebrado o pescoço — murmurou Jamie. —Mas não quebrou — respondeu Alec. —Mas poderia ter quebrado — insistiu Jamie, furiosa pela atitude fria do homem. —Já está tudo bem — afirmou Daniel, atraindo a atenção de Jamie—. Não é, Mary? —Estou bem — disse Mary, ruborizando-se por ser o centro das atenções. — Não está bem — teimou Jamie, voltando-se para Alec. Este se aproximou de uma maneira indecente enquanto a garota não o notava, e Jamie quase se chocou com ele. Recuou um passo e teve que jogar a cabeça para trás para poder olhá-lo nos olhos.
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—Mary está cansada porque... —interrompeu-se ao ver uma faísca dourada nos escuros olhos marrons. Eram subjugantes, assim Jamie baixou o olhar ao peito de Alec para poder dominar seus pensamentos. —Por que...? —insistiu Alec. —Mary está muito exausta para prosseguir, milorde. Precisa descansar. Não está acostumada a cavalgar distâncias tão grandes. — E você, inglesa? Está acostumada? Jamie deu de ombros. — Neste momento não estamos falando de mim. Mary é mais importante. Sem dúvida, pode ver como ela está fatigada. Uns minutos não o prejudicarão. Ergueu o olhar, viu a expressão de Alec e se perguntou o que havia dito para provocar uma expressão tão feroz. — Mary é uma dama delicada — explicou Jamie, dirigindo-se ao peito de Alec. — E você não? — Sim, é obvio que sim —gaguejou Jamie. O homem distorcia suas palavras—. É muito pouco cortês de sua parte sugerir o contrário. Levantou o olhar outra vez e topou com o sorriso de Alec. De repente compreendeu que não tentava ofendê-la. E dirigia a ela um sorriso tão terno e sincero que Jamie sentiu como se tivesse o estômago cheio de borboletas. Transbordou de alegria. Não soube como reagir. — Esposa, sempre é tão séria? A pergunta soou como uma carícia e teve o mesmo efeito de uma carícia em seu coração. Deus era testemunha que Jamie reagia de maneira estranha diante daquele bárbaro. Chegou à conclusão de que estava tão fatigada quanto Mary. Sem dúvida era por isso pelo que Alec Kincaid começava a atraí-la. Uma mecha de cabelo caíra sobre a testa, dando-lhe a aparência de um menino. Isso era lamentável, pois
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Jamie sempre tivera inclinação pelos despreocupados e loquazes. Sem medir as conseqüências, Jamie estendeu a mão e colocou a mecha de volta em seu lugar. Não queria que Alec parecesse um garoto. Queria que continuasse tendo um aspecto aterrador. Assim, seu coração deixaria de palpitar nos ouvidos e poderia recuperar o fôlego. Alec não se moveu quando o tocou, mas gostou da sensação da mão de Jamie sobre a testa. O gesto terno o surpreendeu: queria que o tocasse outra vez. — O que foi? —perguntou com tom suave. — Seu cabelo está muito comprido — respondeu Jamie, sem atrever-se a dizer a verdade. — Não. —Tem que cortálo— Não posso confiar num homem com o cabelo quase tão comprido quanto o meu — murmurou. — O que? — Não posso confiar em um homem que tem o cabelo quase tão comprido quanto o meu — repetiu. Até para ela a explicação pareceu absurda. Ruborizou-se e franziu o cenho para dissimular sua confusão. — Perguntei se é sempre tão séria — lembrou Alec, sorridente. — Perguntou? Que o Céu a amparasse; não podia concentrar-se na conversa! Claro que era culpa de Alec, pois com esse sorriso todo pensamento se apagava. —Sim. Alec dissimulou a diversão que sentia, pois imaginou que a noiva pensaria que estava rindo dela. Por alguma razão que não alcançava a entender, não queria ferir os ternos sentimentos de Jamie. ―É uma reação estranha‖, pensou, ―pois nunca me importaram muito os sentimentos das mulheres‖.
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Certamente que nesse momento lhe importavam, embora se
desculpasse
recordando que, afinal das contas, era inglesa e devia ser mais afetada que uma forte moça das Terras Altas. Jamie retorcia as mãos e Alec pensou que não se dava conta daquele gesto tão significativo. Era um sinal de temor, se bem que Jamie contradizia aquela fraqueza olhando-o com valentia aos olhos. As maçãs altas do rosto estavam vermelhas de rubor. Alec sabia que devia estar tão esgotada como sua irmã. Nenhuma mulher tinha tantas energias. O passo que Alec tinha estabelecido era rigoroso, mas necessário,
pois
enquanto
estivessem
em
território
inglês,
corriam
perigo.
Entretanto, sua flamejante noiva não se queixou nem implorou que parassem, e isso o agradava sobremaneira. Gavin, o segundo comandante de Alec, diria que a moça tinha garra. Vindo de um escocês, era um elogio importante para uma mulher, e Jamie acabava de ganhá-lo pelo mero feito de enfrentar Alec. Este chegou à conclusão de que Gavin riria dele se pudesse vê-lo nesse momento. Ao notar que estava portando-se como um simplório, desfez o sorriso. Até então, nunca tinha passado tanto tempo falando com uma mulher. E agora olhava para sua esposa como se jamais tivesse visto uma bela mulher. Diabos, até reagia fisicamente, podia sentir uma ereção! Era hora de afastá-la de seus pensamentos. — Você está retorcendo as mãos —murmurou, enquanto estendia a mão para detê-la. Nesse momento não sorria, porém Jamie preferiu não chamar sua a atenção. —Pensava que era seu pescoço — disse Jamie, reagindo ante a súbita mudança de expressão do homem —. Sim, milorde, sou séria quase o tempo todo— apressouse a dizer, esperando faze-lo esquecer o insulto—. Quando me afasto da Inglaterra, fico muito séria. Estou abandonando minha terra natal. —Pela mesma razão, eu sorrio — disse Alec. Nesse instante não sorria, mas Jamie preferiu não faze-lo perceber.
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— Está feliz por retornar à pátria? —Porque retornamos à pátria. — Outra vez, a voz ressoava com tons de aço. —A Inglaterra é minha pátria. —Era — corrigiu-a, decidido a tirá-la do engano—. Agora, a Escócia é sua pátria. —Quer que eu dedique minha lealdade a Escócia? —Se eu quero, você pergunta? — disse, rindo—. Eu não quero, esposa. Ordeno. Será leal à Escócia e a mim. Jamie começou a retorcer as mãos outra vez. Além disso, ao fazer a pergunta tinha erguido a voz, mas Alec decidiu não zangar-se por essa atitude. Sabia que precisava de tempo para refletir sobre a questão. Como era um homem paciente, resolveu dar-lhe uma ou duas horas para concordar com ele. Pensou que se mostrava muito considerado, e que não devia permitir que esse comportamento se convertesse em um hábito. — Vejamos se eu entendo — começou Jamie —. Realmente acha que eu...? — É muito simples, esposa. Se for leal a Escócia, é leal a mim. Quando você estiver acostumada, entenderá que é o correto. — Quando eu estiver que? — A voz de Jamie era suspeitamente macia. — Quando você estiver acostumada — repetiu Alec. A garganta de Jamie doía pela ânsia de gritar com este indivíduo arrogante. Então, lembrou-se da sugestão de Beak de não instigar o aborrecimento do senhor até saber que tipo de reação provocaria. ―Melhor, serei cautelosa‖, disse para si mesma. Todos sabiam que os escoceses distribuíam chicotadas antes de pensar no efeito. Todos eles surravam as esposas sempre que queriam. — Kincaid, asovelhas seacostumam.Não é a mesma coisa.
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— É, sim — ele a contradisse com um sorriso preguiçoso. —Não, não é — retorquiu Jamie—. Terá que aceitar minha palavra a respeito. —Inglesa, por acaso está me provocando? O tom era duro o bastante para amedrontá-la, mas Alec estava resolvido a fazê-la entender qual era seu lugar. Esperava que Jamie se encolhesse... e pedisse perdão. —Sim, estou provocando-o — afirmou Jamie com um vigoroso gesto de assentimento, ao ver que Alec adotava uma expressão incrédula. Deus era testemunha de que nesse momento Alec não sabia o que fazer com Jamie! A voz e a postura da jovem exsudavam autoridade e já não retorcia as mãos, mas sim as mantinha dos lados do corpo, com os punhos cerrados. Alec soube que na verdade não poderia permitir semelhante insolência: uma esposa sempre devia concordar com o marido. Era óbvio que Jamie também não tinha ouvido falar deste mandato sagrado. Se até se atrevia a enfrentá-lo como se fossem iguais...! Essa idéia lhe provocou risada; sem dúvida, a mulher era louca, mas tinha garra. —Estive muito tempo na Inglaterra, esposa — afirmou —. Do contrário, não toleraria seus bate-bocas. — Quando vai deixar de me chamar ―esposa‖? Tenho nome. Não pode me chamar de Jamie? — É nome de homem. A jovem sentiu desejos de estrangulá-lo. — É meu nome. — Acharemos outro. — Não. — Atreve-se a discutir comigo outra vez?
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A moça desejou ser tão grande como Alec, pois assim não se atreveria a rir dela. Jamie inspirou profundamente. — Diz que meus argumentos são intoleráveis e, no entanto, uma vez que eu esteja acostumada — como afirmou disse com tanta grosseria — se liberará da confusão e verá que o que afirmo é correto. — Duvido muito, pois não tenho idéia de a que você se refere — retrucou o homem. — Agora me ofende. — Sério? — Sim. Alec deu de ombros. — É meu direito, esposa. Jamie começou a rezar, pedindo paciência. —Entendo — murmurou com voz rouca—. Nesse caso, devo supor que eu também tenho direito a insultá-lo. —Não é assim. Jamie se rendeu. Esse indivíduo era tão teimoso quanto ela mesma. — Já cruzamos a fronteira? Alec negou com a cabeça. — Estamos muito perto. — E por que sorri? — Por antecipação. Alec começou a lhe voltar as costas, mas Jamie o deteve com outra pergunta. — Realmente, odeia a Inglaterra, não? —disse, sem poder ocultar o assombro. A mera idéia de que alguém odiasse sua pátria estava além de sua compreensão. Todos amavam a Inglaterra, até os escoceses que se lançavam
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troncos uns aos outros. A Inglaterra era a Roma dos tempos modernos...! A grande importância de sua pátria era indiscutível. — Odeio a Inglaterra quase sempre, mas há exceções. — Ah, é? Alec fez um lento gesto afirmativo. — Bom, quando não detesta a Inglaterra, pois? — Quando a ataco. — Realmente admite semelhante pecado? —perguntou, atônita. O sorriso de Alec se alargou. O rubor de Jamie fez-se tão intenso que parecia arder: essa sua esposa exibia uma honestidade refrescante em cada uma de suas reações. Num homem, seria um traço fatal, pois daria aviso aos outros do que esse sujeito pensava, mas era encantador em uma mulher. Em especial, em sua mulher. — Então? O homem soltou um prolongado suspiro. Lamentável, pelo visto a esposa de Alec carecia por completo de senso de humor. Não sabia quando estava brincando. — Suba ao cavalo. O sol já está baixando —. Poderá descansar quando estivermos em lugar seguro. — Em lugar seguro? — Na Escócia. Jamie quis lhe perguntar se pensava que a segurança e Escócia eram sinônimos, mas resolveu não fazê-lo. Imaginou que a resposta de Alec a irritaria. Jamie já tinha aprendido duas coisas desagradáveis a respeito do marido. Uma: não gostava que o questionassem nem que o contradissessem. Jamie sabia que isso representaria um problema, pois estava resolvida a questioná-lo e a contradizê-lo sempre que quisesse. Não lhe importava se gostava ou não. Dois: quando a olhava carrancudo, não a agradava absolutamente. Esse segundo defeito era quase tão inquietante como o primeiro. O humor de Alec mudava como o vento. As afirmações
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mais inocentes o faziam ficar carrancudo. — Jamie, não me fará subir outra vez nesse maldito cavalo — disse Mary, puxando o braço de sua irmã para que lhe desse atenção. Alec a ouviu, mas fez de conta que não. Voltou-se e caminhou até seu próprio cavalo. Jamie o observou, pensando que a tinha deixado de lado como se não fosse mais que uma vulgar poeira. — Este homem sim que é grosseiro — murmurou. — Jamie, está me escutando? — disse Mary —. Terá que insistir para que descansemos o resto da noite. Jamie se compadeceu de sua irmã. O rosto de Mary estava sujo de terra: parecia tão esgotada como a própria Jamie se sentia. Esta tinha muito mais energia que sua irmã, mas tinha estado em pé quase toda a noite, assistindo o filho doente de um dos criados. Não se animou a oferecer sua simpatia a Mary, pois sabia que nesse momento necessitava uma mão firme. Se Jamie demonstrava um mínimo de compaixão, Mary começaria a chorar, e essa perspectiva era arrepiante. Quando Mary começava, era pior do que as gêmeas. — O que aconteceu com seu orgulho? —perguntou-lhe Jamie—. Não é próprio de uma dama usar uma palavra como ―maldito‖. Só os servos empregam palavras tão grosseiras, Mary. A bravata desapareceu do semblante de Mary. — Como pode me passar um sermão neste momento, pelo amor de Deus? — gemeu—. Quero voltar para casa. Sinto falta do papai. — Chega! —ordenou Jamie em um tom muito mais áspero. Deu um tapinha no ombro da irmã para suavizar a repreensão e murmurou: —O mal está feito. Estamos casadas com os escoceses e não há nada a fazer. Não se zangue, pois nos envergonharás a ambas. Além disso, falta pouco para chegar às Terras Altas — exagerou —. Alec me prometeu que pararíamos para
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passar a noite assim que cruzássemos a fronteira. Pode agüentar uns minutos mais, irmã, para demonstrar ao seu marido que é uma mulher valente. Mary assentiu. — E se ele for muito lento para reparar nisso? — Nesse caso, terei muito prazer em fazê-lo notar — prometeu Jamie. — Jamie, alguma vez em sua vida imaginou que estaria em semelhante situação? Estamos casadas com escoceses! — Não, Mary, nunca me ocorreu. — Deus deve estar muito zangado conosco. — Deus não — esclareceu Jamie—. Nosso rei. O penoso suspiro de Mary a seguiu enquanto caminhava até seu cavalo. Jamie a observou até que chegou junto a Daniel. O lorde escocês sorria e Jamie supôs que o divertia ver sua esposa caminhando como uma anciã, com os joelhos trêmulos. Jamie sacudiu a cabeça pensando no estado lamentável de sua irmã, até que compreendeu que ela estava igual. As pernas tremiam como folhas secas. Jogou a culpa nessa absurda sela que teve que aceitar para que Alec pensasse que era uma dama. Teve que fazer três tentativas para montar em Fogo Selvagem. Havia deixado a égua nervosa. O animal começou a corcovear e Jamie teve que empregar bastante tempo para acalmá-la. Sem dúvida, Fogo Selvagem gostava tanto da sela quanto Jamie. Daniel tinha ajudado Mary a montar, mas Alec não mostrou o mesmo cavalheirismo e nem sequer a olhou. Perguntou-se o que era que incitava a atenção do marido, pois viu que observava com atenção a área de onde vinham.
Jamie resolveu lhe fazer tão pouco caso como que Alec fazia a ela, e se voltou para brindar uma palavra de ânimo a sua irmã.
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Não ouviu quando Alec se aproximava. De repente, estava junto dela. Antes que Jamie pudesse reagir, havia descido do cavalo. Depois, arrastou-a até um penhasco irregular próximo ao arbusto sobre o que tinha caído Mary. Alec empurrou Jamie contra a rocha com uma mão, bateu no flanco de Fogo Selvagem com a outra e deu as costas à mulher para logo se aproximar de Daniel. O resto da pergunta de Jamie ficou esquecido quando Mary foi empurrada para junto dela. Daniel se situou em frente a elas. Suas costas largas mantinham as duas moças apertadas contra a rocha detrás dele. Quando Jamie viu que Daniel tirava a espada, compreendeu o que acontecia. Aspirou profundamente observando que Daniel olhava Alec e erguia três dedos. Alec moveu a cabeça e ergueu quatro dedos. Mary ainda não compreendia o perigo. Ao ver que ia protestar, Jamie cobriu sua boca com a mão. Alec voltou para centro da pequena clareira. Jamie afastou o cabelo do rosto de Mary para que pudesse vê-la bem. Ainda não tinha sacado uma arma, e logo Jamie reparou que não a tinha. Bom Deus! Estava quase indefeso! Jamie se sentiu desesperada por temor à segurança de Alec. E do temor chegou a fúria. Que tipo de guerreiro viajava através de um território selvagem sem uma arma? ―Um muito distraído‖, concluiu Jamie franzindo a testa. Talvez tivesse perdido a espada em algum ponto do trajeto para Londres e não se incomodou em substituila. É obvio, teria que intervir. Alec Kincaid era seu marido, e ninguém o machucaria enquanto Jamie tivesse fôlego. Negou-se a reconhecer que não queria vê-lo ferido e disse a si mesma que não queria ficar viúva no dia do casamento... e isso era tudo. Jamie tirou uma pequena adaga que levava na cintura com a esperança de ter
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tempo de alcançar Alec. Se empregada com habilidade, a adaga podia provocar feridas graves. Recordou que também contavam com a espada de Daniel. Rogou que o amigo de Alec soubesse como brandir a espada, e estava a ponto de lhe pedir que ajudasse seu marido quando de repente Alec se voltou. Aproximava-se de Daniel. Ao lhe ver o semblante, Jamie começou a tremer. A expressão furiosa desses gélidos olhos escuros a aterrou. Percebia a força brutal dos braços e as coxas fortes do marido. Também percebeu a cólera, que a inundou como uma onda quente. De Alec irradiava um poder que parecia formar uma espessa névoa em torno dele. Embora Jamie nunca tinha visto uma aparência semelhante, reconheceu-a. Estava disposto a matar. Mary começou a chorar. —É um javali selvagem, não é, Jamie? —Não, Mary —murmurou Jamie. Sem afastar a vista de seu marido, apertou o braço da irmã—. Tudo ficará bem. Nossos maridos nos manterão a salvo, você vai ver. Jamie quase acreditou em sua própria afirmação, até que viu os bandidos que se aproximavam lentamente de Alec. Então pensou que nem tudo poderia sair bem. Alec se havia afastado bastante deles e Jamie pensou que tratava de atrair aos bandidos para o mais longe possível das mulheres. Os assaltantes o seguiram com lentidão. Iam como se não tivessem pressa em matar. Alec era muito mais corpulento que os inimigos, mas estava desarmado. As circunstâncias não o favoreciam. Dois dos quatro bandidos levavam paus escuros. Os outros dois, brandiam alfanjes curvos no ar provocando sons sibilantes. Nas lâminas se via manchas de sangue seco, sinal de que os anteriores ataques tinham tido êxito. Jamie acreditou que ia desmaiar. Esses sujeitos possuiam aparências terríveis. Ao parecer, desfrutavam dessa espécie de jogo; de fato, dois deles sorriam. Os
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poucos dentes que restavam eram tão negros quanto os garrotes. —Daniel, por favor, vá ajudar Alec —ordenou Jamie com voz debilitada pelo temor. —São só quatro, moça. Tudo terminará em um minuto. Essa resposta a enfureceu. Sabia que Daniel estava com elas para protege-las, mas mesmo assim não lhe parecia uma atitude nobre, pois quem estava a ponto de ser massacrado era seu amigo. Jamie passou a mão sobre o ombro de Mary e empurrou as costas de Daniel. —Alec não tem uma arma para defender-se. Dê-lhe minha adaga ou sua espada, Daniel. —Alec não precisa de uma arma —disse, em um tom tão alegre que Jamie acreditou que havia enlouquecido. Desistiu de continuar discutindo com ele. —Ou você vai ajuda-lo, ou vou eu. —De acordo, garota, se insistir... — Daniel afastou as mãos de Mary de sua própria vestimenta e se encaminhou para os homens que rodeavam Alec. Mas ao chegar ao extremo da clareira, deteve-se. Jamie não pôde acreditar o que viu. Com toda calma, Daniel voltou a guardar a espada na bainha, cruzou os braços sobre o peito... e sorriu para Alec! Alec lhe devolveu o sorriso. —Casadas com atrasados mentais! —disse Jamie a Mary. Compreendeu que estava mais assustada que aborrecida, pois sua voz tremeu em meio à quietude. De súbito, um profundo bramido atraiu a atenção da jovem: era Alec o que lançava seu grito de guerra. Esse som arrepiante fez Mary gritar, apavorada. O círculo se fechou em torno de Alec. O guerreiro esperou que o primeiro dos atacantes estivesse à distância justa, e se moveu com tal velocidade que, aos olhos de Jamie, ele se converteu num borrão. Viu-o agarrar o sujeito pelo pescoço e pela
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mandíbula, e ouviu o horrendo som de ossos que se quebravam quando Alec torceu o pescoço do inimigo até deixá-lo numa posição antinatural. No preciso momento em que outros dois bandidos o atacavam gritando da esquerda, Alec jogou no primeiro para o chão. Fez chocar as cabeças dos dois atacantes, e os jogou onde o outro homem jazia imóvel. O último dos quatro inimigos tratou de tomar vantagem, atacando por trás. Alec deu uma volta, grudou a bota na virilha do sujeito em um movimento que pareceu não lhe custar o menor esforço, e por fim o ergueu do chão com um poderoso golpe de punho sob a mandíbula. O montão sobre o solo adquiriu as proporções de uma pirâmide. A jactância de Daniel ao dizer que logo tudo terminaria demonstrou ser correta, pois tudo havia acontecido em menos de um minuto. Alec não parecia estar sequer sem fôlego. Jamie acabava de digerir essa idéia assombrosa quando outro ruído captou sua atenção. Girou no mesmo momento em que três homens corpulentos chegavam correndo em sua direção, saindo de entre os arbustos do lado oposto do penhasco. Deslizaram-se como serpentes através da vegetação para alcançar à presa. — Mary! —gritou Jamie. — Você tem que me proteger! —gritou Mary. Antes que Jamie pudesse responder, a irmã a afastou da rocha, apertou-se contra o penhasco e logo se colocou atrás de Jamie. Embora Mary fosse quase uma cabeça mais alta que a irmã caçula, encurvou os ombros em um oco do penhasco, esmagou o rosto entre as omoplatas de Jamie e ficou a salvo do ataque. O penhasco protegia suas costas, e a irmã, a frente. Jamie não tentou cobrir-se a si mesma. Sabia qual era seu dever. Mary era prioridade e, se necessário, daria a vida para salvá-la. Quando os três homens já estavam quase sobre elas, Jamie lembrou da pequena adaga que tinha na mão. Apontou e lançou a arma sobre o maior dos três sujeitos.
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Acertou; o bandido guinchou e caiu. Daniel se ocupou do segundo dos três homens, e jogou o vilão ao chão com um forte golpe na cintura. Alec tinha que cobrir uma distância maior. Quando alcançou a presa, já era muito tarde. Apesar de Jamie lutar como uma gata selvagem, o canalha a apanhou em um abraço fatal e apoiou a faca sobre seu coração. —Fique onde está! —gritou o bandido a Alec em um tom muito agudo—. Agora não tenho nada a perder. Se você se aproximar, eu a mato. Posso quebrar o lindo pescoço da garota com toda facilidade. Daniel tinha concluído a briga e se aproximava lentamente por trás, mas Alec lhe indicou que se detivesse quando o vilão olhou assustado por cima do ombro. Ante a nova ameaça, agarrou com mais força os cabelos de Jamie, enroscou-os ao redor da mão e jogou a cabeça dela para trás. Alec viu a expressão selvagem e encurralada nos olhos turvos do sujeito. Era evidente que o canalha estava apavorado, pois viu que suas mãos tremiam. Era de estatura média, de face marcada e ventre volumoso. Alec soube que o mataria com rapidez quando soltasse Jamie e esta já não corresse mais perigo. Mas nesse momento o homem era presa do pânico e isso o fazia tão imprevisível como um rato encurralado. Se o provocava... ou se acreditasse não ter esperanças, o inimigo poderia matar Jamie. É obvio que não tinha esperanças! Ia morrer. No momento em que tocou Jamie, o destino do bandido havia sido selado. Alec conteve a fúria aguardando uma oportunidade. Compôs uma atitude despreocupada, cruzou os braços sobre o peito e se fingiu aborrecido. —Estou avisando —gritou o sujeito—. E faça a outra mulher se calar! Com esses gritos, não posso pensar. Imediatamente, Daniel se aproximou de Mary. Tampou-lhe a boca com a mão para obrigá-la a ficar em silêncio, sem lhe dirigir nenhum olhar de simpatia. Concentrou-se por inteiro no homem que segurava Jamie, esperando também uma
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ocasião para atacar. Pouco a pouco, o medo se dissipou do olhar do inimigo, que lançou um risinho torto, imaginando que a vitória estava de seu lado. Então, Alec soube que o tinha apanhado. O rato se preparava para escapulir da ratoeira. Estava contente, e essa falsa confiança seria sua perdição. — Ela é sua mulher? —vociferou para Alec. — Sim. — Você a ama? Alec encolheu os ombros. — Sim, a ama! —exclamou o inimigo, rindo alegremente, com um retinindo que arrepiava os nervos—. Não quer que mate seu tesouro, quer? — Puxou o cabelo de Jamie para obrigá-la a fazer uma careta e demonstrar assim seu próprio poder e como a moça estava indefesa, mas ao observar a megera que tinha capturado, compreendeu que tinha fracassado. A cativa o olhava com expressão hostil. O bandido sabia que estava dolorida, mas se negava a gritar. Alec evitou olhar sua esposa, pois compreendeu que se percebesse o temor nos olhos de Jamie, perderia a concentração. Se o fazia, não poderia controlar a ira. Mas quando o delinqüente retorceu com tanta força o cabelo de Jamie, Alec a olhou de maneira instintiva. Não parecia assustada, mas sim furiosa. Alec ficou tão surpreso pela coragem da esposa que esteve a ponto de sorrir. — Traga-me um desses magníficos cavalos — ordenou o vilão —. Quando me sentir a salvo e estiver certo de que não irá atrás de mim, soltarei sua dama. Alec moveu a cabeça. — Não. — O que disse?
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— Disse que não —respondeu Alec, com voz tão serena como uma brisa suave—. Pode ficar com a garota, mas não com o cavalo. Jamie lançou uma exclamação abafada. — Cale a boca, cadela! —murmurou o inimigo. Apertou a lâmina da faca sobre a garganta sem deixar de olhar para Alec—. Quero as duas coisas, maldito seja sua pele! Alec voltou a negar com a cabeça. —Se quiser, leve a mulher, mas o cavalo não. — Já disse que quero os dois! —A voz do sujeito soava como o piar de um pássaro apanhado. —Não. —Dê-lhe as duas coisas, Alec —interveio Daniel—. Pode substituir os dois com toda facilidade. Jamie não pôde acreditar no que ouvia e sentiu ânsias de chorar. — Alec? —murmurou em tom angustiado—. Não pode estar falando sério! — Já disse que feche a boca! —repetiu o vilão, dando outro puxão cruel para enfatizar a ordem. Em vingança, Jamie pisou o pé do homem com toda força. —Daniel, traga o cavalo de Jamie —ordenou Alec —. Já. —Que a outra mulher vá buscá-lo —gritou o bandido. Daniel não lhe deu atenção e se aproximou de Fogo Selvagem. Jamie não podia acreditar no que estava acontecendo. Podia jurar que ouvia Daniel assobiando. Sabia que os escoceses detestavam os ingleses, mas este comportamento espantoso era simplesmente inconcebível. Desesperada-se, tratou de fazer com que o medo não a dominasse, mas Alec não facilitava. Lançou-lhe um breve olhar e logo a ignorou. ―Que Deus me ajude‖, pensou, ―até pareceu aborrecido... até que o atacante o pediu o cavalo!‖ Nesse momento, Alec já não parecia aborrecido... mas furioso!
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Afinal de contas, Cholie tinha razão. Os escoceses apreciavam mais os cavalos que as mulheres. Se tivesse algo no estômago, sem dúvida a essas alturas teria vomitado. O miserável que a apertava de um modo tão indecente cheirava como um urinol esquecido. Cada vez que Jamie tomava fôlego, sentia náuseas. —Ponha ao cavalo entre o homem e eu —ordenou o bandido. Alec aguardava uma oportunidade. Quando Daniel se aproximou, arrebatou-lhe a rédea e empurrou Fogo Selvagem para tão perto do inimigo quanto pôde. O que aconteceu a seguir sobressaltou Jamie de tal modo que não teve tempo de reagir. De repente, sentiu que voava pelo ar como um disco. Ouviu que o vilão lançava um grito de agonia e, ao mesmo tempo, Daniel a tomava entre os braços. Jamie girou e, nesse mesmo instante, viu que Alec cravava sua própria adaga no pescoço do inimigo. Então, a jovem vomitou duas vezes e Daniel se apressou a deixá-la sobre o chão. Mary atravessou correndo a clareira e se jogou sobre sua irmã. O perigo tinha terminado, mas Mary continua gritando até ficar sem fôlego. Jamie fechou os olhos e se concentrou em tentar aquietar o tumulto de seu coração. Mary a apertava com tanta força que não a deixava respirar. De súbito, Jamie começou a tremer como uma folha na tormenta e sentiu as pernas frágeis como gravetos. —Já pode abrir os olhos — ordenou Alec. Ao fazê-lo, Jamie viu seu marido quase grudado a si. Os olhos de Alec já não pareciam tão gelados. Para dizer a verdade, Jamie pensou que estava a ponto de sorrir e isso a deixou perplexa. Acabava de vê-lo matar com facilidade, de uma maneira brutal, quase negligente... e agora parecia a ponto de sorrir! Jamie não soube se queria fugir de Alec ou ficar e estrangula-lo.
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Enquanto observava o marido, ouviu que Daniel ordenava a Mary que se aproximasse dele e sentiu que as mãos da irmã a soltavam. Jamie não tinha forças para ajudar a irmã nesse momento, mas se perguntou por que Daniel parecia tão furioso com Mary, e Alec tão alegre. Jamie não reparou que tinha as mãos apertadas, mas Alec sim. —Tudo terminou —disse em tom suave. Jamie olhou ao homem que Alec acabava de matar, e imediatamente começou a tremer. Alec se interpôs para bloquear a visão. Ergueu a adaga de Jamie com intenção de devolve-la, mas interrompeu o movimento ao ver como ela estava agitada. Reagia como se a adaga estivesse possuída por demônios. —Isto é seu, não? —perguntou Alec, perplexo pela expressão aterrada de Jamie. A jovem deu um passo a um lado e contemplou outra vez ao homem morto, olhando o buraco por onde tinha penetrado a adaga. Alec se interpôs outra vez. — Jamie, Jamie começou a recuar, afastando-se dele. —Não quero mais essa adaga. Jogue-a fora. Tenho outra em minha bolsa de viagem. —Está morto, esposa —afirmou Alec, tratando de faze-la raciocinar —. Não é necessário que continue olhando. Já não pode fazer-lhe mal. —Sim, está morto —exclamou Jamie com gesto veemente—. Alec, lançou-me pelo ar, como um... — Sim. Jamie assentiu outra vez.
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— Você o matou com tanta facilidade... eu nunca vi...! Ao ver que não terminava a frase, Alec suspirou. —Me alegro que tenha notado —disse. A moça lhe dirigiu um olhar incrédulo e continuou recuando, afastando-se de Alec. — Você se alegra...? Marido, pensa que isso é um elogio? —interrompeu-se, inspirou fundo para aliviar a dor na garganta, e olhou a arma que Alec tinha na mão—. Jogue-a fora, por favor. Não quero vê-la. — É a vista do sangue que a perturba? —perguntou Alec. A conduta da mulher o confundia. Uns momentos antes, lutando com o homem que a apanhou, havia-se portado como uma tigresa, e agora parecia uma menina assustada. Alec fez nova tentativa de tranqüilizá-la e jogou a adaga sobre o ombro. Se Jamie não tivesse estado tão angustiada, Alec haveria rido. —Sim... quero dizer, não —resmungou de repente Jamie. — Não o quê? —perguntou Alec. —
Você
perguntou
se
me
perturba
ver
sangue
—
explicou
Jamie
precipitadamente—. E eu respondi. — Respondeu? De modo automático, Jamie passou os dedos pelo cabelo, desordenando-o mais ainda, e murmurou: —Este sangue me adoece. Depois, lançou um suspiro forçado. Pensou em dizer que estava acostumada a ver sangue, que era curandeira e que possivelmente tivesse visto sangue bastante para tingir de vermelho um rio, mas a explicação lhe custava um esforço terrível. ―Ainda estou reagindo ante a terrível prova que acabo de sofrer‖, pensou, ―e à força incrível de meu marido‖. Além disso, tentava aceitar a dolorosa verdade de que Alec tinha estado
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muito disposto a entregá-la. Na realidade, o cavalo era mais importante para ele que a própria Jamie. Pensou que teria pesadelos durante um mês. Subitamente, Alec se aproximou e a abraçou. —Se retroceder um passo mais, cairá sobre a pilha. Jamie lançou um olhar por cima do ombro, viu os cadáveres e sentiu que os joelhos afrouxavam. Se Alec não a houvesse sustentado, teria caído. Mas até nesse estado de comoção, não deixou de perceber a suavidade com que Alec a tratava. Era uma contradição, levando em conta que era um homem tão corpulento. Parecia impossível que uma pessoa desse tamanho fosse tão gentil. E também, que tivesse liquidado quatro homens armados sem mostrar o menor sinal de fadiga. Se nem sequer tinha suado! — Você falou sério, Alec? — sussurrou Jamie. — O que? Como não respondeu rápido o bastante para o gosto de Alec, ergueu o queixo para ver sua expressão. — Falei a sério o que, esposa? — Quando disse a esse indivíduo horrível que podia ficar comigo, mas não com o cavalo — ela esclareceu—. Acaso era isso o que queria dizer? — Não. Imediatamente, Jamie relaxou sobre ele. — Então por que deu a impressão de que falava sério? Alec a escutou, embora o sussurro de Jamie fosse quase inaudível. Custou-lhe acreditar que semelhante coisa a afligisse. Entrega-la? Jamais! — Queria faze-lo acreditar que controlava a situação, garota. — Ele a controlava, Alec —repôs Jamie—. Era quem tinha a faca.
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— Ah, entendo —disse Alec em tom mais alegre—. Nesse caso, também os homens que me rodeavam controlavam a situação. — Bom, não —murmurou Jamie—. O que quis dizer é que eles tinham armas, mas você foi... quem se encarregou. Antes que Alec pudesse responder ao comentário, Jamie adicionou: —Foi um truque, verdade? Mentiu. —Exatamente. Jamie exalou outro suspiro, e os estremecimentos trouxeram a lembrança de como havia se assustado. Imediatamente se separou de Alec. Jamie estava furiosa outra vez. Soltava fogo pelos olhos. Alec não entendeu por que estava zangada naquele momento. Aquela mulher era um verdadeiro enigma para ele. Sem atender a ordem de Jamie de soltá-la, Alec rodeou os ombros com o braço, ergueu-a contra seu quadril e a levou onde estava Daniel com os cavalos já reunidos. Quando a depositou sobre o lombo de Fogo Selvagem, Jamie não pronunciou uma palavra de agradecimento. Manteve os olhos baixos até que Alec lhe entregou as rédeas. As mãos de Alec a roçaram, sobressaltando-a, e afastou as próprias bruscamente. — Olhe para mim. Esperou até que ela obedecesse antes de voltar a falar. —Esposa, você demonstrou sua valentia. Estou muito satisfeito. Surpresa, Jamie abriu os olhos. Alec sorriu. Acabava de descobrir o modo mais singelo de apaziguá-la: elogios. Por acaso não era verdade que todas as mulheres ficavam contentes se seus maridos as elogiavam de vez em quando? Alec prometeu a si mesmo lembrar desse segredo e empregá-lo no futuro. —Talvez você esteja feliz comigo, marido, mas certamente que eu não estou
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satisfeita contigo... escocês arrogante! Alec ficou tão assombrado pelo tom irado de Jamie como pela resposta. — Não se interessa por minha aprovação? Jamie não respondeu, mas seu semblante colérico mostrou a Alec que a tinha julgado mal: não era uma mulher para deixar-se adular. Alec assentiu satisfeito. —Diga por que estava tão assustada. Jamie moveu a cabeça e olhou as mãos enquanto Alec observava o semblante carrancudo de sua esposa. —Fiz uma pergunta —insistiu o homem. — É outro mandamento que rege nas Terras Altas? —Sim, é —respondeu Alec, sorridente. — Por que será que no resto do mundo só é necessário obedecer dez mandamentos para ir ao Céu, enquanto que vocês, os escoceses, têm tantos? Será por que são grandes pecadores? —Quando recupera a valentia, as coisas mudam, não? —disse Alec. — Valentia? — Não importa. Alec sorriu para demonstrar como estava satisfeito, mas Jamie pensou que estava louco. —Alec, agora quero partir. —Não partiremos até que me diga por que estava tão assustada. —Preocupada, Alec. Estava preocupada. —Está bem, estava preocupada —acessou Alec. — Quer saber a verdade? —perguntou a jovem. —A verdade.
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—Quando estava lutando... bom, houve um momento em que me olhava e eu pensei que nunca poderia deixa-lo zangado, porque não poderia me defender frente a sua força superior. Alec teve que se inclinar para poder escutar a explicação. Jamie parecia muito abatida, e o marido conteve a risada. —Será difícil para mim, Alec —prosseguiu Jamie—. Sei que isto talvez o surpreenda, mas penso que haverá ocasiões em que vou irritá-lo. —Isso não me surpreende absolutamente. — Por que não? —perguntou Jamie com ar carrancudo. —Neste momento está me irritando. Jamie, jamais irei machucá-la. A moça o olhou por um longo tempo. — E se a fúria o dominar? Alec, os escoceses têm um caráter feroz: sem dúvida terá que admiti-lo. — Nunca perderei o controle com você, dou minha palavra. — E se perder? — insistiu. — Mesmo assim, não a machucarei. Por fim, Jamie acreditou e deixou de afastar-lhe as mãos. —Ouvi dizer que todos os escoceses batem em suas esposas. —Eu ouvi o mesmo em relação aos ingleses. —Alguns o fazem, outros não. —Eu não. Jamie fez um gesto afirmativo. — Não? Alec negou com a cabeça. Estava convencido de que Jamie se sentia segura com ele. —Quando nos conhecemos, vi o temor em sua expressão. Embora
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acredite que é bom que uma esposa tenha um pouco de medo do seu marido, esse medo irracional que vi... —Perdoe a grosseria de interrompê-lo, mas não posso deixar de dizer que não é bom que uma esposa tenha medo do marido. Claro que eu estava preocupada, não aflita, mas muitas mulheres teriam medo de você. Mas eu sou feita de uma fibra mais forte. — Por que? — Por que, o que? —perguntou Jamie, perplexa pelo modo em que Alec sorria e pela maneira em que seu próprio coração reagia ante aquele sorriso endemoninhado. — Por que muitas mulheres me temeriam? Jamie teve que afastar o olhar desses olhos formosos para poder responder com coerência. —Porque é um homem... muito grande. Para falar a verdade, é o guerreiro mais imenso que vi. — Por acaso viu outros? —perguntou-lhe Alec, dissimulando a exasperação. Jamie ficou carrancuda e depois sacudiu a cabeça. —Na verdade, não. —De modo que é meu tamanho o que a... preocupa. —Além disso, é tão forte quanto toda uma legião de soldados, Alec, e acaba de matar quatro homens — adicionou —. Não acredito que já tenha esquecido. —Só um. — Um o que? —perguntou Jamie, distraída pelas faíscas que brilhavam nos olhos do homem. Tinha a suspeita de que Alec queria rir-se dela. —Só matei um homem — esclareceu —. O que se atreveu a tocá-la. Os outros não estão mortos, só muito feridos. Quer que os mate? —perguntou, com ar complacente. —Não, por Deus! —assegurou Jamie — E o que me diz do homem que
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Daniel golpeou quando tentou machucar Mary? —Terá que perguntar a ele. —Não quero perguntar nada. —Esses canalhas também quiseram machucá-la, Jamie. —Mary é mais importante. —Acredita mesmo em semelhante absurdo? —Alec, sempre foi meu dever proteger minhas irmãs. —Por que não me pergunta pelo homem que feriu com a adaga? —perguntou Alec—. Teve boa pontaria, esposa — completou, com a intenção de elogiá-la outra vez —. Matou-o... —Não quero falar disso —exclamou a jovem, deixando cair as rédeas de Fogo Selvagem. ―Agora, o que eu disse?‖, perguntou-se Alec. A pequena e doce esposa parecia a ponto de desmaiar. Aquela mulher era um mistério para ele. Alec sacudiu a cabeça. Pelo visto, Jamie tinha aversão ao crime. Por certo, era outro defeito do caráter da moça que, ao mesmo tempo, Alec admitia, o agradava. Se permitisse, esta mulher abrandaria todas suas atitudes. Teria que se acostumar à morte, pois esse era o modo de vida nas desoladas Terras Altas. Só sobreviviam os mais fortes. ―Terei que endurecê-la‖, pensou Alec, ―pois do contrário não poderá suportar o primeiro inverno duro‖. —De acordo, esposa —afirmou Alec—. Não falaremos disso. Os ombros de Jamie se afrouxaram. Alec advertiu que não estava muito firme sobre a sela e passou um braço pela cintura. —O que fiz, foi em defesa própria — disse Jamie—. Sem dúvida, Deus entenderá por que feri esse sujeito repugnante. Estava em jogo a vida de Mary. —Sim —concedeu Alec—. Feriu-o. —Por outro lado, o padre Charles jamais entenderia. Alec, se
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chegasse a saber, me obrigaria a vestir negro pelo resto de minha vida. — Você se refere ao sacerdote que nos casou? —perguntou Alec, outra vez perplexo. Jamie assentiu. — Vocês se preocupam com as coisas mais estranhas —assinalou Alec—. A meu modo de ver, é um defeito de seu caráter. — Você acha? Então, se confesse com o padre Charles e depois me repita que me preocupo com nada. Esse homem tem muita imaginação para as penitências. Alec começou a rir. Ergueu Jamie nos braços e se dirigiu à sua própria montaria. Jamie lhe rodeou o pescoço com os braços. — O que está fazendo? —Cavalgará comigo. — Por que? O suspiro de Alec foi tão forte que quase agitou o cabelo de Jamie. — Vai questionar cada coisa que eu faça ou diga? Jamie jogou a cabeça atrás para poder olhar seu rosto e Alec se deteve imediatamente. O brilho dos olhos da garota e o sorriso doce e lento inquietaram o homem. —Ficará zangado com isso? —Com o que? —Eu questionando-o. —Não, nunca me zangarei com você. O sorriso de Jamie deixou Alec encantado. —Estou casada com um homem surpreendente —disse—. Nunca se zanga nem perde a calma.
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—Inglesa, tem a audácia de me provocar? A atenção de Alec estava concentrada na boca da moça. Desejou apanhar o lábio inferior de Jamie entre os dentes, afundar a língua dentro dessa boca, saborear essa doçura de mel que agora lhe pertencia. Os dedos de Jamie lhe acariciavam a nuca, não sabia se de maneira intencional ou não, e os seios suaves e cheios se apertavam contra o peito de Alec. ―Um homem não pode suportar tanta provocação‖, pensou. Inclinou lentamente a cabeça para ela e Jamie foi a seu encontro. A boca de Jamie era tão suave quanto se lembrava, igualmente provocadora. Foi um beijo suave, despojado de exigências, muito breve e frustrante... na opinião de Alec. Jamie não abriu a boca, e se afastou no instante em que Alec ia invadi-la. Pareceu extremamente satisfeita consigo mesma e Alec não deixou transparecer sua frustração. Embora fosse valente e bela, não sabia beijar. Claro que, no seu devido tempo, Alec teria o dever de faze-la acostumar-se e sorriu com antecipação. —Obrigada, Alec. — Obrigado por que? —perguntou. Deixou-a sobre a sela e logo montou atrás dela com um movimento rápido. O traseiro de Jamie se situou na união das coxas de Alec e se moveu para acomodar-se. Alec reagiu com uma careta. Rodeou sua cintura com o braço, elevou-a sobre seu próprio colo e a apertou contra si. — Jamie? —perguntou Alec, ao ver que Jamie demorava a responder. —Agradeço sua consideração. O homem interpretou mal a resposta. —É
evidente
que
não
cavalgou
muito
—disse—.
Quando
estivermos
estabelecidos, vou ensina-la corretamente. Jamie não se incomodou em corrigi-lo. Se queria acreditar que não tinha sido educada, deixaria que acreditasse. De qualquer modo, não acreditaria que era
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hábil, nem tampouco que o que a incomodava era a sela nova. Se admitia que gostava de cavalgar em pelo, como faziam alguns guerreiros, Alec chegaria a conclusão de que não era de verdade uma dama. Deixaria que pensasse o que quisesse. ―Beak tinha razão‖, pensou Jamie. Alec era muito paciente com ela. Se não pensasse que necessitava ajuda, não a teria sobre o colo como agora. Jamie sorriu para si e se apoiou em seu marido. Era agradável ser mimada. Prometeu-se que, chegado o momento, esclareceria tudo. Mas por enquanto deixaria que ele tomasse conta de tudo. ―As esposas são um aborrecimento‖, disse-se Alec, ―mas esta... tem um aroma tão feminino, sinto-a tão suave, tão à vontade entre meus braços‖. Continuava tentando afastar as mãos dos lados de seus seios. O acanhamento de Jamie fez Alec sorrir, seguro de que quando se deitasse com ela esse apuro acabaria. Naquela noite ele a tomaria e a tornaria sua; essa noite, Jamie se entregaria a ele. ―Para um escocês, sem dúvida tem um aroma muito atraente‖, pensou Jamie, sorrindo por essa tola confissão íntima. No transcurso de um breve dia tinha passado de odiá-lo a quase gostar dele. Deus era testemunha de que com ele se sentia segura! Se os sentimentos de Jamie seguiam esse curso tão irracional, deixaria que voltasse a beijá-la... em um ou dois dias. E se demonstrasse ser tudo o que ela desejava de um marido... bom, talvez depois de um cortejo prolongado e satisfatório poderia deitar-se com ele. Era uma bênção que Alec fosse tão paciente. Jamie explicaria os motivos de sua reticência, e Alec estaria de acordo com seus termos. E isso era tudo.
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Capítulo seis Acamparam uma hora mais tarde, perto de um lago de águas límpidas que desciam da montanha. Enquanto Daniel e Alec se ocupavam dos cavalos, Jamie desempacotava o cesto com comida que Agnes, muito acertadamente, tinha preparado para que jantassem. Mary se recostou contra o tronco de uma árvore e observou como sua irmã se atarefava. Jamie pensou que ela parecia miserável. Jamie estendeu uma manta pequena sobre o chão. Sentou-se sobre uma das beiradas, acomodou as saias para que não lhe visse nem um centímetro do tornozelo, e indicou a Mary que se sentasse junto dela. As duas irmãs trataram de ignorar os maridos. Alec e Daniel se banharam no lago, um de cada vez. Jamie não se inquietou ao ver Daniel retornando ao acampamento sem a jaqueta, mas quando Alec apareceu com o peito nu, foi outra questão. Ao erguer o olhar e vê-lo, ficou sem fôlego. Tinha o corpo bronzeado pelo sol. O desdobramento de músculos nos ombros lembrou-a da força que tinha, e o pêlo loiro escuro que lhe cobria o peito sólido enfatizava a flagrante masculinidade. Os pêlos formavam um V cruzando o ventre plano e desaparecia sob a cintura das calças negras. —Não quero que Daniel me toque. O sussurro atemorizado com a Mary captou a atenção de Jamie. —É natural que esteja um pouco assustada —sussurrou, desejando parecer uma moça que sabia do que falava. —Ele me beijou.
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Jamie sorriu. Nesse momento sentiu que pisava em terreno seguro. Sabia tudo a respeito de beijos. —Tem direito de beijá-la, Mary. Alec também me beijou —adicionou—. Se contar o que me deu depois do casamento, já me deu dois beijos. Pareceu muito agradável. — Beijou-a do jeito que um homem beija a mulher com a que quer deitar-se? — perguntou Mary—. Você entende, a língua dele tocou a sua? Jamie não soube a que Mary se referia, mas não quis demonstrar ignorância. — Você gostou, Mary? —perguntou, evitando uma resposta direta. —Foi nojento. — Mary! —suspirou Jamie—. Possivelmente, com o tempo, você chegará a gostar do modo como Daniel a beija. —Talvez eu tivesse gostado se ele não estivesse tão furioso comigo —murmurou Mary—. Agarrou-me e me beijou. Ainda não sei por que está zangado. Continua carrancudo. — Não será sua imaginação? —Não. Falará com ele, Jamie? Descubra por que está tão irritado. Daniel se aproximou e se sentou junto à Mary antes que Jamie pudesse responder o pedido de sua irmã. Deu uma cotovelada em Mary e logo indicou a comida. Mary captou a mensagem silenciosa e lhe ofereceu uma porção. Alec se separou dos outros três. Sentou-se sobre o chão, com as costas apoiadas contra o tronco grosso de uma árvore. Parecia muito bonito. Tinha uma perna flexionada e isso fazia ressaltar os músculos da coxa, fazendo-os até mais proeminentes. Jamie tentou não demonstrar como estava nervosa. Alec a olhava fixamente. ―Não estou acostumada a ser o centro das atenções‖, pensou Jamie, ―e sem dúvida por isso me sinto tão inquieta‖.
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Fez gestos a Alec para que se sentasse junto dela, mas este abanou a cabeça e ordenou que se aproximasse dele. Jamie decidiu concordar. Era o marido, e se supunha que tinha a obrigação de dar-se bem com ele. A moça pegou uma generosa fatia de queijo, um pouco de pão crocante, um dos três odres de couro carregado de cerveja e por fim se aproximou de Alec. O homem aceitou o que a esposa oferecia sem fazer comentários. Jamie começou a caminhar de volta para onde estava Mary, mas Alec não deixou. Puxou-a para si, e suavizou sua queda rodeando-lhe a cintura com um braço. Jamie não pôde ignorar como o toque era possessivo. Manteve as costas erguidas como uma ripa e uniu as mãos sobre o colo. —Inglesa, outra vez me teme? —Nunca o temi, escocês —replicou—. Só estou preocupada. — Não está temerosa? —Não. — Por que tenta afastar-se de mim, então? —Não é decente que me toque desse modo diante dos outros, Alec. — Não? A moça não fez caso do tom zombador do marido. —Sim—insistiu—. E meu nome é Jamie, tem que dizê-lo, Alec. —É nome de homem. — Outra vez com isso? —Sim. Jamie se negou a olhar para Alec até que deixou de rir, e então disse: —Ao
que parece, meu nome o diverte muito. Talvez isso seja conveniente,
Alec, porque está de bom humor e eu queria dizer algo que possivelmente não o
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agrade, mas, quando tiver me escutado, estou certa de que estará de acordo com minha decisão. O tom sério de Jamie intrigou a Alec. — O que quer me pedir? —Queria pedir que não me... toque. Não o conheço o bastante para permitir certas liberdades. — Como? Um estremecimento de temor percorreu as costas de Jamie. Pelo tom de sua voz, era evidente que a Alec não gostou do modo come Jamie expressou seu desejo. —Alec, quer uma esposa relutante? — Está perguntando para mim ou para suas mãos? —Para você. —Então, olhe para mim — ordenou em tom áspero. Jamie precisou de toda sua vontade para obedecer. Se Alec não estivesse tão perto, seria mais fácil. De todos os modos, o marido não a deixaria afastar-se, por mais que tentasse. Por fim, Jamie atreveu-se a olhá-lo aos olhos durante um minuto, e depois baixou o olhar e fixou-o na boca de Alec: essa imprudência a fez suspirar. Não importava onde olhasse. Esse sujeito era todo dureza, e as costeletas, depois de dias sem afeitar, lhe davam uma aparência até mais feroz. Quando o olhou outra vez nos olhos, Jamie teve a impressão do que Alec tentava ler seus pensamentos, embora compreendesse que era uma impressão absurda. De súbito se sentiu quente, ao mesmo tempo fria, e completamente confusa. —Agora, pergunte outra vez —disse Alec. —Quer uma esposa relutante? —repetiu, em um sussurro.
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—Não quero nenhum tipo de esposa. Imediatamente, semelhante honestidade irritou Jamie. —Bom, pois tem uma. —Sim, e inglesa. Alec pensou que se Jamie erguesse mais as costas, se quebraria. Sua flamejante esposa parecia ter um caráter formidável e dava a impressão de estar a ponto de perder o controle. Apertava as mãos entre si com tanta força que deviam doer. — Por que pronuncia a palavra ―inglesa‖ como se fosse um insulto? —Porque é. Ao notar que tinha gritado com ele, o rubor de Jamie se intensificou e ela ergueu os olhos para ver a reação de Alec. Estava carrancudo, mas a moça pensou que não compreendia o quanto a exasperava. Jamie sabia dissimular muito bem suas emoções. —Alguma vez se afeiçoaria a uma esposa inglesa? —Gostar dela? —Sabe o que quero dizer. —Acha? Explique-me. Esse homem era denso como a névoa. —Ora! —explodiu Jamie. Viu que Mary e Daniel a olhavam; dirigiu-lhes um sorriso e logo se voltou para olhar Alec com expressão colérica—. Poderia amar uma esposa inglesa? —murmurou. —Acho que não. — Não? —Não tem por que gritar —assinalou Alec. Parecia sentir certo prazer com aborrecimento da moça—. Por acaso, minha sinceridade a incomoda?
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Jamie inspirou fundo antes de responder. —Não, sua sinceridade não me incomoda, mas o fato de que se divirta me parece ofensivo, milorde. Estamos falando de um assunto sério. —Para você é sério, não para mim. — Não acha que o matrimônio seja uma questão importante? —Não. Jamie adotou um ar abatido e furioso ao mesmo tempo, no que para Alec pareceu uma combinação encantadora. —Esposa, só é uma parte insignificante de minha vida. Quando conhecer o modo de vida nas Terras Altas, compreenderá como seus temores são tolos. — Eu sou insignificante e tola? Alec, deve considerar-me muito inferior — replicou. Contudo, acha que é um santo. Até garante que nunca se descontrola nem se zanga! Não é isso o que me disse? —É verdade — admitiu Alec, rindo —. Isso foi o que disse. —Tampouco eu morria de amores por casar com você, Kincaid. —Já notei. Jamie estava realmente surpresa e Alec deixou de esconder sua exasperação. —Você usou vestido negro nas bodas — a lembrou. —Acontece que eu gosto deste vestido — argumentou Jamie, tirando uma bolinha de pó da bainha —. Eu o usaria todos os dias. —Ah, isso significa que talvez no futuro sentirá carinho por mim? —Receio que não. Alec soltou uma gargalhada tão profunda e ressonante que Jamie acreditou que a terra tremia. — Minha sinceridade o faz rir? —É o modo como falou.
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—Alec, não quero continuar com esta discussão. Se houver terminado de comer, guardarei a comida. —Deixa que sua irmã faça isso. —É minha responsabilidade —replicou Jamie. — Também era sua responsabilidade protegê-la? —Sim. —Mary também está convencida desta tolice, não? — Desde quando é uma tolice cumprir seu dever? —Daniel e eu escutamos quando sua irmã a ordenou que a protegesse do ataque desses vilões ingleses. Vimos que a usou de escudo. —Não eram vilãos ingleses — corrigiu Jamie, tratando de desviar a atenção para esse ponto. Alec estava resolvido a não entender o que se referia a Mary, e Jamie tinha vontade de discutir—. Estou certa de que esses miseráveis vieram de... —Estava por dizer que os assaltantes tinham cruzado a fronteira, vindos da Escócia, mas pensou melhor—. Não têm pátria. Por isso se chamam ―ingratos‖, não acha? —Possivelmente —admitiu Alec. O semblante carrancudo de Jamie o fez pensar que esse tema era de vital importância para ela—. Eu acreditava que você fosse irmã mais nova. Ouvi que seu pai a chamava ―filhinha‖. —Sorriu, e adicionou—: Estava errado? —Não, não esta errado —respondeu Jamie—. Sou a caçula. E a papai gosta de me chamar ―filhinha‖. — Com semelhante confissão, a moça se ruborizou. —Mesmo assim, Mary a obrigou a ser seu escudo. — Não, ela não me obrigou! —replicou Jamie. —Sim, ela o fez.
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A voz de Jamie adquiriu um tom suspeitamente suave, e esta vez o cenho franzido de Alec não a fez recuar. —É impossível faze-lo compreender, Alec. Não esqueça que é escocês, e não pode entender o modo de vida dos ingleses. Neste sentido, terá que aceitar minha palavra. Sempre tive o dever de proteger a minhas irmãs mais velhas e possivelmente aconteça o mesmo em todos os lares ingleses. —Essa idéia me desagrada. Jamie não se importava se suas idéias o agradavam ou não e deu de ombros para demonstrar indiferença. —É a mais jovem —insistiu Alec—. Por isso, suas irmãs maiores teriam que cuidar de você. Jamie moveu a cabeça, pois seu marido parecia decidido a fazê-la mudar de opinião. —Não, milorde, não é assim. Foi a vez de Alec abanar a cabeça. —Esposa, os mais fortes têm que proteger aos mais fracos. E assim é em todos lados, até na Santa Inglaterra. Alec observou fascinado como os olhos de Jamie adquiriam um intenso tom violeta. As opiniões de Alec não a agradavam absolutamente e o enfatizou golpeando seu ombro. —Não sou fraca. Alec conteve o desejo de tomá-la entre os braços e beijá-la até se aborrecer. Senhor, esta mulher era tão bela que o perturbava! —Não, não é fraca —concedeu. A bravata de Jamie se desinflou. —Fico feliz que tenha notado —disse.
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—Mesmo assim, tem medo de mim. — Por que insisti com isso? Alec, não é amável de sua parte recordar esse incidente. —Talvez eu tenha uma natureza pouco amável. —Não. A negativa imediata e veemente surpreendeu a Alec. —Parece muito segura do que diz. —Estou —admitiu Jamie—. Foi amável com meu pai quando ficou choramingando —lembrou —. Foi paciente e atencioso. Poucos homens teriam sido tão compassivos. Jamie acreditou havê-lo elogiado, mas as gargalhadas de Alec demonstraram que ele se divertia. —Alec, é grosseiro rir quando o elogiam. Muito grosseiro. — Esposa minha, ao me qualificar de compassivo você me insultou. Jamais me disseram algo semelhante. —Eu não estou de acordo —replicou—. Que não tenham lhe dito antes não significa que... —Uma esposa sempre deve estar de acordo com o marido. Parecia sincero e Jamie acreditou que era hora de desfazer o engano. —Uma esposa deve dar sua opinião ao marido —afirmou— cada vez que considere necessário. Alec, é o único modo de fazer que este se torne um bom casamento. Neste sentido, terá que aceitar minha palavra —adicionou, desviando o rosto para não ver a expressão atônita de seu marido. —Pare de afastar minhas mãos. Agora me pertence, e não permitirei que me impeça de tocá-la. —Já expliquei que ainda não estou disposta a lhe pertencer. —Não tem importância se estiver disposta ou não -disse Alec, divertido.
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—Alec, não dormirei com você como esposa até conhece-lo melhor. Sem dúvida, é capaz de entender minha reticência. — Sim, entendo! Jamie se animou a lhe lançar um olhar rápido, viu o humor que dançava em seus olhos e de repente compreendeu que Alec se divertia com o pudor da esposa. Sabia que estava comportando-se como uma idiota. Tinha as mãos apertadas e tremia outra vez. —Está assustada. Beak me explicou que você... —Não estou assustada. Estou... preocupada. Alec afirmou um fato evidente. —Está ruborizada como uma virgem. Jamie olhou-o, irada, e respondeu: —Não posso evitar: sou virgem. Apesar de si mesmo, Alec riu. Jamie parecia envergonhada, como se estivesse confessando um pecado terrível. — Não vai parar de rir de mim? Você me ofende. —Jamie, sua virgindade me pertence. Uma noiva não deve envergonhar-se de sua pureza. Enfim tinha usado seu nome! Jamie se sentiu tão feliz que sorriu. — Teria me escolhido se eu não fosse... pura? —Sim —respondeu o homem imediatamente. —Sério? —Sim, e não me faça repeti-lo, Jamie —disse irritado. —Alec, é um homem pouco comum. Poucos cavalheiros aceirariam uma mulher que se entregou a outro homem. — Eu a aceitaria de qualquer maneira! —replicou Alec—. Mas descobriria o nome
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do homem que a tivesse desonrado antes do casamento. —E então? —Iria matá-lo. Jamie soube que falava sério e estremeceu. Não havia dúvida de que matar não significava grande coisa para este homem. —Mas não tem importância, pois é virgem, certo? —Não, acredito que não tem importância —admitiu a jovem—. E então, Alec? Aceita esperar até que o conheça melhor? antes que você... ou seja... antes que nós... A pobre moça não achava as palavras. De repente, Alec sentiu a necessidade de aliviar os temores de Jamie, sem saber ao certo a razão. É obvio que a tomaria, mas não queria que se crispasse nem que sofresse uma angustiosa espera. Resolveu usar um pouco de diplomacia. —Até que use meu manto, Jamie. Esperaremos até esse momento. A expressão de Jamie indicou que se sentia como se a tivessem salvado do purgatório, e essa reação azedou o bom humor de Alec. — Você dá sua palavra, Alec? —Acabo de fazê-lo —afirmou. De repente, elevou-a contra seu quadril, levantou-lhe o queixo e a obrigou a olhá-lo aos olhos—. Esposa, daqui por diante nunca me peça para repetir uma promessa. Se o homem tivesse soltado seu queixo, Jamie teria assentido. Alec se inclinou lentamente e a beijou, e a moça ficou muito atônita para resistir. A boca de Alec era dura, mas ao mesmo tempo, cálida e maravilhosa. Outra vez, quando Jamie ia responder, Alec se afastou. —Agradeço sua compreensão —murmurou a jovem. —Seus sentimentos não são muito importantes para mim. É apenas minha esposa, minha escrava. Se não esquecer disso, nos daremos bem.
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— Escrava? —exclamou a jovem, quase se afogando. Deus era testemunha de que nunca se havia sentido tão humilhada, tão desprezada em toda sua vida! Alec deu uma batidinha suave nas suas costas. —Moça, mastigue bem a comida antes de engoli-la. Alec sabia bem que não tinha comido nada! —Você faz isso de propósito, não é, Alec? —O que? —É inútil que finja inocência, marido. Está tentando me deixar zangada. Alec assentiu, demonstrando que era certo com um sorriso que ia alargando-se. — Por que? —Para demonstrar que pode ficar tranquila. —Não entendo. —Faça o que fizer ou diga o que disser, nunca perderei a paciência com você. Jamie, tenho o dever de cuidar de sua segurança. Na realidade, a lição que acabo de lhe dar é muito simples, e quando o pensar verá que permiti que expressasse suas idéias sem reagir de maneira violenta. — Está me dizendo que toda esta conversa era só uma lição para sua ignorante noiva inglesa? Alec assentiu, e Jamie começou a rir. —Então, Alec, se eu disser que é o guerreiro mais insultante que tive a infelicidade de conhecer, não o afetará absolutamente? —Não. —Milorde, acaba de me prometer que não me tocará até que tenha posto seu manto, e agora eu prometo outra coisa: lamentará ter-se gabado de não perder nunca a paciência comigo, marido. Dou-lhe minha palavra.
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Antes que Alec pudesse responder, Jamie deu-lhe uma palmada para afastar sua mão e se separou dele. —Irei
tomar
um
banho.
Aquele
homem
asqueroso
me
tocou
—disse—.
Esfregarei-me até que me sinta limpa outra vez. Tem outros insultos para me jogar antes que eu parta? Alec moveu a cabeça fazendo sacudir os ramos da árvore contra a qual estava apoiado. Jamie compreendeu que o tamanho do marido já não a intimidava. Não soube por que havia mudado sua reação ante ele, mas já não o temia. Não tinha assassinado a primeira esposa. Essa súbita idéia apareceu na mente de Jamie, e atrás dessa, outra também sucedeu: Confiava por inteiro nele. —Neste momento, nenhum. — O que? Alec pensou que sua esposa tinha dificuldade em reter as idéias. —Não tenho mais insultos a lhe fazer —disse em tom seco. Jamie assentiu e se afastou. —Jamie, quero avisar uma coisa —gritou Alec—. A água está fria. —Não preciso de nenhuma advertência —respondeu a garota por cima do ombro num tom tão audaz como sua maneira de caminhar—. Nós, os ingleses, somos feitos de uma fibra mais resistente do que os escoceses acreditam. Só quando Jamie juntou sua roupa limpa, o sabão e a escova e esteve de pé sobre a borda do lago, permitiu-se baixar a guarda por completo. — Apenas uma escrava? —murmurou para si enquanto tirava a camisa negra e a anágua—. Quer que me sinta tão insignificante como um cão. Continou murmurando para si, contente de estar sozinha. Daniel tinha levado Mary ao outro extremo do acampamento. Jamie esperava que sua irmã se comportasse bem. Não acreditou que tivesse paciência para intervir se Daniel
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esmagasse os ternos sentimentos de Mary. —É uma sorte que meus sentimentos não sejam tão ternos —disse para si mesma—. O sol cairá antes que eu use as cores de Alec. Antes de me tocar, terá que me cortejar como qualquer homem decente faria. De súbito, no semblante de Jamie apareceu uma expressão carrancuda: demônios, nem sequer gostava daquele homem! ―O que há comigo?‖, pensou. Os olhos se encheram de lágrimas. ―Isto não tem sentido, não quero que Alec me toque, ainda, mas também quero que o faça‖. Era muito confuso para entender. Jamie estava tão concentrada em esquecer as coisas dolorosas que Alec havia dito, que se esqueceu de provar a temperatura da água. Pegou o sabão e saltou no centro do lago, calculando que lhe chegaria mais ou menos aos ombros. Alec ouviu o mergulho e, um segundo depois, o grito desaforado de sua doce esposa. Soltou um suspiro e se levantou. Suspeitou que necessitaria sua ajuda em poucos minutos. A água estava tão gelada que Jamie ficou sem fôlego. Sentiu-se como se mergulhasse em um tanque cheio de neve úmida. Soube que tinha pronunciado um termo muito pouco feminino e a afligiu que Alec a tivesse ouvido, mas compreendeu que já era tarde, e se seu marido queria acrescentar ―obscena‖ ao termo ―insignificante‖, realmente Jamie não se importaria. Quando terminou de lavar o cabelo com o sabão de aroma de rosas, tremia de maneira incontrolável. Apressou-se a terminar o banho, jogou a barra de sabão à margem coberta de grama e tentou sair. A câimbra chegou de surpresa. Quase tinha chegado à borda quando o arco do pé direito se retorceu em um doloroso nó. A dor a fez dobrar-se, agarrar o pé debaixo da água e saltar para tomar ar. — Alec! Alec estava ali antes que tivesse que chamá-lo pela segunda vez. Jamie
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acabava de afundar novamente na água quando sentiu os braços fortes dele na cintura. Não pôde soltar o pé por tempo suficiente para ajudar. Mas Alec
não
precisava ajuda, algo que Jamie não se deu conta até que esteve fora da água, sobre o colo de seu marido. Ainda estava dobrada sobre si e tremia como um cachorrinho molhado enquanto tentava afrouxar o nó do pé. Jamie não soube que estava soluçando. Alec afastou suas mãos do pé e o massageou lentamente com a palma da mão até que a cãibra diminuiu. Tratou-a com incrível doçura. Jamie enterrou a cabeça no oco do pescoço de Alec para que não visse que estava a ponto de chorar. Não poderia suportar que notasse sua fraqueza. Nem queria que deixasse de sustentá-la: despedia um aroma tão bom, tão masculino... E a pele cálida aliviava os estremecimentos de Jamie. — Melhor, agora? —disse em um suave sussurro, junto ao ouvido de Jamie. A moça assentiu, mas não se separou dele. A outra mão de Alec estava apoiada sobre a coxa sedosa de Jamie; a moça tinha umas pernas longas, magníficas. Alec viu que a pele da mulher era imaculada, sentiu os seios suaves através do tecido fino da camisa. Tinha os mamilos eretos. E assim ele também estava, entre as pernas. Disse a si mesmo que não devia pensar nisso, mas o corpo se negou a obedecer à ordem da mente. Deus, Jamie era toda macia! Alec já tinha uma ereção completa. A reação física foi tão fulminante que toda disciplina o abandonou. —Agora
estou
melhor
—murmurou
Jamie,
em
um
tom
que
traía
seu
acanhamento—. Devo agradecer outra vez. Se não me tivesse salvado, teria me afogado. —Tenho a sensação de que isto se repetirá. O tom zombador e o pronunciado sotaque escocês fizeram a jovem sorrir. — Afogar-me? —perguntou, sabendo que Alec não se referia a isso.
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—Não —replicou Alec—. Que eu a salve. Jamie se afastou um pouco para poder ver sua expressão, e teve que tirar uma mecha de cabelo úmido dos olhos. —Possivelmente eu também o salve algumas vezes —disse, imitando o sotaque do homem. Percebeu que Alec se mostrava contente pelo esforço e se aconchegou outra vez contra o peito morno dele. —Alec, preciso um pouco de seu calor. Faz muito frio esta noite, não é? —Para mim está bastante agradável —replicou. Sorriu para ouvir o suave suspiro de Jamie, e adicionou—: Sempre se banha vestida? Jamie sentiu a voz de Alec como uma carícia sobre a cabeça. —Não, mas poderia vir alguém —esclareceu—. Tentava manter o recato. Alec pensou que o tecido molhado era tão provocador quanto a pele nua de Jamie, e apertou os dentes para conter o anseio de demonstrar como o resultado era provocador. —Está ficando roxa. Será melhor que tire essa roupa molhada. Depois dessa sugestão, foi necessário que a separasse dos braços. Jamie parecia não querer desprender-se até que Alec se ofereceu
para ajudá-la a
despir-se. Então, Jamie se moveu com a velocidade de um raio. Deu as costas a Alec, correu até onde tinha deixado a roupa seca e se envolveu rapidamente em uma manta magra. —Se não se incomodar, queria que me desse uns minutos de intimidade. Alec devia ter adivinhado, pois, quando Jamie se voltou, já não estava e as folhas de uns ramos ainda balançavam depois de haver cedido passagem para o acampamento. A moça tirou a roupa molhada, secou-se o melhor que pôde e ficou uma camisa
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limpa, mas não pôde atar os laços. Tinha os dedos inchados e não podia segurar as resvaladiças tiras de seda rosada. A camisa se entreabriu, expondo grande parte de seus seios generosos. Não se importava de parecer audaz. Estava toda arrepiada. Cada vez que se movia, as mechas empapadas deixavam cair uma chuva sobre as costas, como adagas de gelo sobre a pele. Quando terminou de escovar o cabelo, os dentes tiritavam. Deixou a escova, e se envolveu outra vez na manta úmida. Colocou o tecido sob os braços, sujeitou os borde sobre o peito e correu de retorno ao acampamento. Estava muito trêmula para procurar os sapatos. Só podia pensar no fogo que sem dúvida Alec teria acendido, e disse a si mesma que em poucos minutos estaria quentinha como uma bolacha recém assada. Os últimos raios do sol se filtravam entre os ramos. Ao chegar à clareira, Jamie se deteve bruscamente. Não havia nenhum fogo para esquentar-se. Alec tampouco a esperava. Estava profundamente adormecido. Se tivesse forças, Jamie teria gritado, mas temeu que só lhe saísse um gemido lamentável, e guardou silêncio. O homem parecia muito cômodo. E morno. Estava envolto no manto e tinha as costas apoiadas contra o tronco da mesma árvore que usou durante o jantar. Tinha os olhos fechados e sua respiração era profunda e regular. Jamie não soube o que fazer e correram lágrimas de frustração pela face. Olhou ao redor, procurando um local onde proteger do vento que começava a aumentar, e logo resolveu que não tinha importância onde dormisse. A manta de linho em que se enrolava já estava empapada e não a protegia. O que importava onde dormisse? Antes do amanhecer, estaria congelada. Caminhou devagar até onde estava Alec, e lhe deu uns empurrões tímidos com os dedos dos pés na perna. —Alec.
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Tinha estado esperando-a pacientemente. Abriu os olhos e a olhou. Resolveu que não a obrigaria a pedir, já que tremia com excessiva violência. Tinha lágrimas nos olhos, e Alec compreendeu que Jamie estava a ponto de perder o controle. Com expressão impávida, Alec se separou do manto e abriu os braços. Jamie não hesitou. Deixou cair a manta e se jogou nos braços de Alec. Aterrissou com um golpe muito pouco feminino sobre o peito do homem, ouviu o grunhido desse e se desculpou com voz trêmula, aconchegando-se contra o pescoço dele. Alec a rodeou com o manto. Jamie tinha os joelhos encaixados entre as coxas do homem. Com uma mão, Alec a manteve apertada contra si, e com a outra a obrigou a estender as pernas até que Jamie ficou deitada em cima dele. A pélvis dela estava apoiada sobre a de Alec, e o homem cruzou uma perna em cima das dela, tentando absorver o frio de Jamie com seu próprio calor. A moça cheirava como se acabasse de banhar-se em flores silvestres, e a pele era tão suave quanto a pétala de uma rosa. Em poucos minutos, Jamie recuperou o calor e exalou um suspiro de satisfação. A maravilhosa calidez de Alec provocava enjôos. Afinal de contas, não era uma pessoa tão má. Sim, era escocês, e também um gigante, e Jamie sabia que não permitiria que nada acontecesse com ela. Sempre estaria segura junto dele. Sorriu, com a boca sobre o peito de Alec. Amanhã o permitiria
beijá-la.
Suspirou, ao compreender que esse pensamento não era digno de uma dama, e que fazia só um dia que o conhecia. Sim, era uma vergonha que pensasse assim. Jamie decidiu reconsiderar sua opinião a respeito de Alec Kincaid. Se tentasse de verdade, estava segura de que encontraria nele qualidades redentoras. Estava a ponto de dormir quando Alec lhe disse:
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—Jamie. —Sim, Alec? —murmurou junto ao ouvido do homem. —Está usando meu manto.
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Capítulo sete O homem era um porco. Alec Kincaid não possuía qualidades redentoras. Tinha um senso de humor que escapava à compreensão de Jamie. Não só fez esse absurdo comentário a respeito de Jamie estar usando seu feio manto, como também teve a audácia de rir. O peito de Alec retumbou de tal maneira com a risada que Jamie acreditou estar no centro de um terremoto. Alec soube que Jamie acreditava que estava rindo dela. Se adivinhasse o que pensava fazer de verdade, não o olharia com expressão tão severa. A inocência de Jamie e a promessa de Alec liberaram a mente da jovem de seus temores. Claro que Alec a desejava, mas não queria assustá-la. Queria-a disposta. E quente. Jamie apoiou as mãos sobre o peito de Alec, apoiou o queixo sobre as mãos e o olhou aos olhos. —Seu senso de humor é tão retorcido quanto uma sela que ficou muito tempo sob a chuva. Esperou
uma
resposta,
mas
Alec
não
respondeu
a
brincadeira.
Seguiu
contemplando a boca de Jamie e, de repente, fê-la sentir-se muito consciente de si mesma. Sem se dar conta, humedeceu os lábios. A expressão de Alec se endureceu, e Jamie se sentiu desconcertada. —Agora que sei como funciona sua mente, não me deixarei provocar com tanta facilidade —disse Jamie. —Esse dia nunca chegará —predisse Alec. — Por que me olha assim?
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—Assim como? —Como se fosse me beijar outra vez —disse Jamie.— Isso significa que beijo bem? —Não —respondeu o homem em tom terno, que suavizou o insulto. — Por que acha que não? Um sorriso lento e sensual transformou o semblante de Alec e enfraqueceu Jamie. ―Este indivíduo poderia ser encantador, se quisesse‖, pensou a moça ―Mas por sorte, é muito tolo para saber que tem uma magia tão especial‖. Jamie tamborilou com os dedos sobre o peito de seu marido enquanto aguardava uma resposta. Come Alec guardou silêncio, Jamie chegou à conclusão de que não gostava de beijá-la. —Não sou hábil, verdade? — Para que? —perguntou com tom enganosamente sereno. —Para beijar —exclamou Jamie—. Por favor, pode prestar atenção ao que digo? —Não, pequena, não é nada hábil —respondeu—. Entretanto... —Não me chame de pequena —sussurrou Jamie—. Não é apropriado — adicionou—. Além disso, não o diz do mesmo jeito que papai. Alec riu: — Que bom! Jamie sorriu apesar da irritação, pois a voz de Alec era muito atraente. Esse sotaque era capaz de lhe tirar a respiração. —Não respondeu minha pergunta —resmungou Jamie, enquanto Alec começava a lhe massagear a parte traseira das coxas, deslizando os polegares sob a camisa. Jamie fingiu não notar, pois era uma sensação magnífica. —Respondi, sim. —Não lembro.
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—Disse que não. — Não estava brincando? —Não. —Alec, se não sei beijar bem é sua culpa, não minha. Possivelmente você tampouco saiba fazê-lo. O que acha dessa possibilidade? —Penso que está louca. —Alec sorriu ao ver o horror que provocava sua afirmação. —Nego-me a me sentir inferior nesta questão —disse Jamie—. Como você é o único homem que beijei, a responsabilidade é sua. — O homem a quem estava prometida nunca a beijou? Sei que a visitava com freqüência. — Sabe algo a respeito de Andrew? Alec encolheu os ombros e começou a acariciar suas nádegas macias. Fazia desesperados esforços para não pensar em como seria prazeroso. Teria que ir devagar. Compreendeu que seria mais decente esperar que chegassem às Terras Altas para deitar-se com sua esposa. Nas melhores circunstancias, a viagem seria dura para ela e, se fizessem amor nesse momento, estaria muito fraca para manter uma marcha intensa. Sim, seria mais decente aguardar, mas Alec não o faria. Como concessão, no dia seguinte diminuiria o ritmo da marcha, e isso seria tudo. Sentia um desejo feroz. E se Jamie meneasse outra vez o traseiro, nem sequer diminuiria o ritmo. —Alec, o que é o que sabe a respeito de Andrew? —perguntou Jamie outra vez. —O que há para saber? —Nada. —Responda. A voz de Alec se tomou tão dura como a expressão de seus olhos.
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—Andrew nunca me beijou —disse Jamie—. Estivemos comprometidos desde muito pequenos. Conhecia-o há muito tempo. É óbvio, sinto afeto por ele, é meu dever. —Sentia —corrigiu Alec—. Sentia afeto por esse homem. —Bom, sim ——concedeu Jamie, esperando que o cenho de Alec se alisasse—. É um bom amigo da família e, como estávamos prometidos, era de supor que eu tivesse certo carinho para ele, não acha, Alec? O homem não respondeu, embora a expressão se suavizasse e o abraço com que agarrava Jamie afrouxasse. Estava extremamente satisfeito com a mulher: não tinha entregado o coração a esse inglês, não o amava. Alec sorriu. Não compreendeu por que importava tanto... Mas assim era. —Andrew sempre foi muito correto —continuou Jamie—. Quando me visitava, nunca ficávamos sozinhos. Acredito que por esse motivo nunca me beijou. Jamie foi sincera, e esperava uma resposta sincera. Alec riu. — O que o diverte tanto? Que Andrew nunca me tenha beijado ou que nunca nos deixassem sozinhos? —Se fosse escocês, pode ter certeza que haveria encontrado um modo — respondeu Alec—. Possivelmente agora você já teria um ou dois herdeiros dele. —Andrew é respeitador. —Respeitador não —retrucou Alec—. Estúpido. —É um nobre inglês —disse Jamie—. Compreende os doces sentimentos de uma mulher, Alec. Sempre queria me agradar...! É... —Era. — Por que insiste em referir-se a ele como se estivesse morto? —perguntou. —Porque já não faz parte de sua vida. Não pronuncie mais seu nome diante de mim, esposa.
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Não devia ser mostrar tão irritado com ela. Alec se separou da árvore e se estendeu sobre o chão. Jamie começou a rolar para o lado, mas Alec a segurou, firmando suas nádegas. O modo em que a segurava era indecente, mas a sensação era muito agradável para lhe pedir que a soltasse. O sol já tinha desaparecido, mas a luz da lua era brilhante e lhe permitia ver o rosto de seu marido. Parecia relaxado, em paz, quase adormecido. Por isso, Jamie não se incomodou quando as mãos de Alec voltaram a deslizar-se sob sua camisa. Pensou que talvez não se desse conta do que fazia. Deus, que sensação pecaminosa! Jamie apoiou as mãos sobre os ombros de Alec e a face contra o peito morno do homem. O pêlo loiro fazia cócegas no nariz. — Alec —murmurou—. Na verdade, eu gostaria de saber o que se sente. As mãos de Alec interromperam a suave massagem e Jamie sentiu que ficava tenso. —Jamie, o que é o que quer sentir? —Quando um homem beija uma mulher com a intenção de deitar-se com ela. É um beijo diferente do que você me deu. Parecia estar instruindo-o, e Alec sacudiu a cabeça. Esta conversa era absurda. E muito excitante. —Sim, é —admitiu por fim. —Daniel usa a língua quando beija. —O que? —Não levante a voz para mim, Alec. — Como sabe que Daniel...? — Mary me disse. Disse que era nojento. —Não vai achar tão ruim —predisse Alec em tom resmungão.
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— Alec —Outra vez estava sem fôlego—. Como sabe? —Porque teve vontade de me tocar desde do momento em que nos conhecemos. —Não é assim. —Porque eu percebi a paixão em você
Porque seu corpo reage cada vez que
olho para você. Porque... —Você me faz sentir incômoda. —Não, estou esquentando você. —Não. —Sim. —Não deve me falar assim —ordenou. —Falo com você do jeito como você deseja que eu fale — respondeu Alec —. Desejo você, Jamie. O tom de Alec não deu lugar a discussões. Antes que Jamie pudesse recuperar o fôlego, rodeou-lhe o rosto com as mãos e procurou sua boca. Por própria vontade, Jamie manteve a boca apertada como uma porta fechada. A mão de Alec segurou o queixo da moça e esta sentiu que a obrigava a abrir os lábios para ele. Assim que cedeu à silenciosa exigência, a língua de Alec penetrou em sua boca num arremesso profundo, veloz, total. Jamie se sobressaltou e tentou retroceder, mas Alec não a deixou. Sua boca deslizou sobre a dela, abafando o gemido de protesto. Já não era gentil. A boca de Alec era agora quente, faminta, a língua, direta e selvagem, enquanto provava o sabor de Jamie e a obrigava a provar o próprio. O último pensamento coerente de Jamie foi que Alec Kincaid, em efeito, sabia beijar. Jamie aprendia com rapidez. Sua língua se tornou tão selvagem quanto a do homem, e igualmente indisciplinada. Tentou lutar quando Alec segurou-lhe as coxas. Alec estendeu-se e apertou Jamie entre suas pernas robustas. Jamie sentiu a dura
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ereção e quis afastar-se, mas Alec a submeteu, acendendo nela o fogo da paixão. A língua do homem entrava e saía uma e outra vez, até que todo o corpo feminino sentiu ânsias de mais. Deus, que doce era a moça! Ao tê-la assim, abraçada, tremeu de desejo. Os sensuais gemidos que ressonavam no fundo da garganta de Jamie o enlouqueceram. Jamie não opôs resistência até que Alec separou suas mãos dos próprios ombros e baixou com lentidão as alças da camisa, até os braços da esposa. Então, Jamie afastou a boca pensando em afastar-se dele, mas até que seu corpo respondeu à ordem da mente, a camisa já estava pela cintura. Tinha os seios esmagados sob o tórax de Alec, e os mamilos se endureceram ao erótico contato com os pêlos e a pele cálida e sensível contra a sua. —Quero que pare agora mesmo —gemeu. Alec ignorou o fraco protesto. Deslizou a boca pelo pescoço de Jamie e acariciou sua orelha com a língua. Jamie inclinou a cabeça para oferecer-se melhor e ofegou quando Alec prendeu o lóbulo entre os dentes. O fôlego entrecortado do homem era quente, doce e muito excitante. Murmurou promessas sedutoras que a fizeram tremer com um desejo desconhecido até o momento. — Alec —disse, com um gemido entrecortado quando o marido baixou a camisa até os quadris—. Debaixo disso não tenho nada. —Eu sei, moça. — Não teria que parar agora? —Ainda não, Jamie —murmurou, com uma voz tão suave quanto veludo. Girou-a até que ficou de costas. Beijou-lhe o pescoço, os ombros, outra vez a boca. Só se afastou quando viu que tremia de desejo. Jamie viu que já estava totalmente nua e voltou-se para contemplá-lo. As sombras escureciam a silhueta poderosa. Ouviu o sussurro das roupas e soube que estava despindo-se. Nesse instante de separação, sentiu um medo desesperado. ―Que Deus me ajude!‖, pensou. ―Queria poder fugir!‖ Mas Alec a apanhou antes
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que tivesse sequer se virado. Agarrou-lhe os pulsos e levantou os braços de Jamie por cima da cabeça num só movimento, para logo cobri-la por completo com seu próprio corpo. O contato com a pele cálida de Alec contra a própria a fez ofegar. Alec soltou um gemido surdo e apanhou outra vez a boca de Jamie. Esse beijo foi decididamente carnal: queria sufocá-la. Ao perceber que ela se arqueava para ele, soube que a natureza apaixonada de Jamie tinha superado o pudor. Soltou-lhe as mãos e, ao mesmo tempo, colocou a língua na boca da mulher, soltando um gemido de satisfação quando os dedos de Jamie se cravaram nas suas costas. Enquanto a acariciava, o peito de Alec se esfregava contra os seios suaves de Jamie. Jamie seguiu tentado escapar do vértice das coxas de Alec, mas quando sentiu a dureza de sua virilidade contra o ventre, deixou de debater-se. Uma dor súbita e quente concentrou sua atenção. Alec lhe acariciou os seios e os rodeou com amoroso cuidado. Roçou com os dedos os mamilos erguidos, e o suspiro entrecortado indicou a Jamie o quanto gostava de brindá-la com aquelas íntimas carícias. Jamie foi sincera o bastante para admitir que gostava do caos que essas carícias despertavam nela. Quando a boca substituiu a mão sobre o seio de Jamie, quando tomou o mamilo na boca e começou a sugar, Jamie acreditou que enlouqueceria. A sensação era tão intensa que fechou os olhos e deixou que essa impressão maravilhosa a inundasse. Ofegante, arqueou-se contra ele e moveu com impaciência as pernas contra as de Alec. Alec inspirou profundamente para acalmar sua própria ansiedade e se apoiou sobre os cotovelos para poder contemplar o rosto de Jamie. Jamie percebeu a mudança imediatamente. Abriu os olhos e o olhou. Estendeu uma mão e lhe acariciou o queixo. As costeletas fizeram cócegas em seus dedos, mas não sorriu. Alec era o homem mais diabolicamente atraente que conhecera. A luz da lua suavizava os traços: parecia duro... E decidido.
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—Então, vai parar? —murmurou. —Quer que eu pare? —perguntou Alec. Não soube como lhe responder. ―Sim‖, pensou, ―claro que quero que pare. Uma noiva deveria ter uma noite de nupcias apropriada, não?‖ —Ainda não. Jamie não tinha compreendido o que dizia até que o viu sorrir. —Você me confunde, Alec. Quando me acaricia assim, não sei o que estou pensando. Possivelmente deveríamos parar... —Ainda não. —Tinha a fronte perolada de suor, os dentes apertados, o fôlego agitado. Não tinha intenções de parar. Ao compreendê-lo, Jamie abriu os olhos, surpresa. Alec devia ter lido seu pensamento... e percebido o medo, pois de repente lhe abriu as pernas com a coxa num movimento rude, exigente. Sem deixar de contemplá-la, a mão direita de Alec deslizou entre os corpos dos dois, para baixo. Os dedos chegaram ao vértice das coxas e Jamie tratou de afastar aquela mão. —Não, Alec, não deve fazer isso. Alec não se alterou. Seus dedos acariciaram as suaves dobras e, ao sentir a umidade, quase perdeu o controle. —Jamie, está quente para mim —murmurou—. Deus, é tão doce, tão suave...! Penetrou-a lentamente com o dedo e se moveu no interior. —Está muito apertada. A mente de Jamie queria pará-lo, mas o corpo não teve o menor escrúpulo. Ergueu os quadris para ir a seu encontro quando Alec começou a retirar os dedos. — Agora vai parar? —perguntou, num tom que traía seus sentimentos. —Ainda não —repetiu Alec, sorrindo ao perceber a confusão que se revelava na
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voz de Jamie. Tomou-lhe a mão e a apertou contra sua própria rigidez; a reação de Jamie foi instantânea. Todo o corpo da moça estremeceu e se apertou contra ele. —Aperte-me —ordenou Alec—. Assim —indicou, segurando os dedos da mulher ao redor de seu pênis ereto, e logo voltou a penetrá-la com os dedos para liberá-la dos temores. Afastou a mão quando já não pôde suportar a doce tortura. Sua boca arrasou a de Jamie e afundou a língua até a garganta da mulher. De repente, Jamie se tomou tão selvagem e descontrolada quanto Alec estava. O homem sabia onde tocar, quanta pressão exercer, como fazê-la derreter entre seus braços. Ela tornou-se mais exigente em suas demandas. —Não nos deteremos agora, não é, Alec? —Não, meu amor. Tirou os dedos e logo voltou a colocá-los com força na apertada passagem outra vez. Jamie gritou de dor. — Não faça isso, Alec! Dói. —Fique calma, meu amor —murmurou—. Eu vou fazer isso ficar mais fácil. Jamie não entendeu o que ele dizia. A boca de Alec outra vez se abateu sobre a de Jamie num beijo longo, quente, e Jamie pensou que ele iria parar de verdade, ao sentir que tirava a mão de seu lugar mais íntimo. Alec foi depositando uma esteira de beijos no pescoço, o peito, o estômago da mulher. Quando chegou mais abaixo, ao suave triângulo de cachos negros que defendia a virgindade da moça, Jamie gritou outra vez e tentou afastá-lo. Mas Alec não recuou. O sabor de Jamie o embriagava. Excitou com a língua o sensível casulo de carne e pressionou com mais força, penetrando na sedosa abertura.
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A explosão esplendorosa de sensações foi a perdição de Jamie, que se agarrou em Alec exigindo mais. Os músculos das coxas ficaram tensos por antecipação e recebeu o ardente êxtase que a consumia. Assim que sentiu os primeiros estremecimentos de alívio, Alec se moveu. Separou-lhe bem as coxas e começou a penetrá-la. Deteve-se ao chegar à virgindade e logo investiu num enérgico ataque. Jamie gritou de dor. Imediatamente, Alec interrompeu seus movimentos. Nesse instante, estava por completo dentro dela, numa posse total. Tentou se conter para lhe dar tempo de habituar-se à invasão. —Agora não se mova —ordenou, numa voz que soou áspera no ouvido de Jamie— . Por Deus, Jamie, é tão estreita! A mulher não teria podido mover-se mesmo que quisesse, pois o peso de Alec a esmagava. Alec lhe rodeou o rosto e lambeu lentamente as lágrimas das faces ruborizadas da mulher. A paixão conferiu aos olhos de Jamie um profundo azul, ao mesmo tempo em que tinha os lábios rosados pelos famintos beijos de Alec. —Jamie, ainda dói? —disse com voz entrecortada, como se tivesse corrido uma longa distância. Mas também na voz e na expressão intensa se refletia a preocupação. Jamie assentiu e murmurou: —A dor passará, não é, Alec? Está certo que seja tão estreita? — Sim! —gemeu Alec. Quando começou a mover-se, iniciando um rito antigo como o tempo, Jamie pensou que estava acabada. Rodeou suas coxas com as próprias pernas para senti-lo mais dentro de si. —Não pare, Alec. Agora não. —Ainda não —prometeu. Nenhum dos dois pôde voltar a falar. Alec recuou e logo a penetrou novamente. Jamie ergueu os quadris para ir ao seu encontro: queria tê-lo todo dentro de si e apertá-lo com força. Como um fogo descontrolado, a paixão se abateu sobre os
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dois. Alec afundou o rosto no pescoço de Jamie e investiu uma e outra vez. Quis ser suave. Jamie não permitiu. Não soube que cravava suas unhas nas costas dele e Alec não se importou. Quando estava à beira do orgasmo, quando acreditou que sem dúvida morreria pela inenarrável pressão que crescia dentro dela, agarrou-se ao marido e gritou seu nome. —Venha comigo, meu amor —murmurou Alec—. Venha comigo, agora. Jamie não sabia aonde Alec a levava, mas sim que estava segura entre seus braços. Entregou-se à bendita rendição e descobriu que era, ao mesmo tempo, a plenitude. Alec saiba desde o começo aonde iam, mas nunca antes se sentira tão fora de controle, nem experimentara uma paixão tão avassaladora. Queria mostrar-lhe as estrelas. Ele era o experiente; ela, a inocente. Alec sabia onde tocar, onde acariciar, quando pressionar, quando recuar. E, entretanto, quando por fim alcançou seu próprio orgasmo, soube que sua doce mulherzinha o tinha levado além das estrelas. Tinha-o levado até o Céu.
Dormiu como se tivesse morrido. Quando despertou e se espreguiçou, o sol da manhã já estava alto sobre o campo. Assim que se moveu, Jamie soltou um gemido alto. Sentia-se muito vulnerável. Abriu os olhos. A lembrança da noite passada fez suas faces arderem. Que Deus a ajudasse; nunca poderia voltar a olhá-lo nos olhos! Comportou-se como uma desavergonhada. Recordou que lhe tinha pedido que se detivesse, mas o homem estava decidido a prosseguir. Mas ao admitir que ela também havia insistido, quase com veemência, em que não parasse, resolveu que ficaria o resto do dia debaixo do manto.
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Mas parecia que Alec também havia desfrutado do que fizeram. Jamie afastou a manta do rosto e imediatamente viu Alec. Estava de pé ao outro lado da clareira, entre os cavalos. Jamie notou que os animais já estavam selados; preparados para começar o dia de marcha. Fogo Selvagem se comportava como uma fêmea apaixonada. Insistia em cutucar a mão de Alec em busca de carícias. De repente, Jamie também desejou um tapinha carinhoso. Pensou que a noite anterior o agradara, mas, por desgraça, adormeceu antes que seu marido tivesse chance de dizer-lhe. Precisaria fingir um aborrecimento para dissimular a vergonha. Como Alec não lhe dava a menor atenção, levantou-se, despiu o manto e ficou rapidamente de camisa. Sabia que seu traje não era nada recatado, mas resolveu não demonstrar timidez alguma, pois imaginou que o consideraria uma fraqueza. Alec nem olhava em direção a Jamie. A moça juntou sua roupa e se dirigiu ao lago com toda a dignidade que lhe permitiram as coxas intumescidas. Lavou-se, vestiu um vestido azul claro e se trançou o cabelo. Quando retornou ao acampamento, o ânimo de Jamie tinha melhorado consideravelmente. Afinal, era um novo dia, e por certo, um começo. Por outra parte, tinha completado o dever de esposa, já que permitiu que Alec se deitasse com ela. ―Pensa que sou de ferro?‖, perguntou-se Alec assim que viu a esposa que caminhava para ele. Nenhuma mulher o tentava dessa forma. Antes jamais tinha conhecido um desejo tão intenso. ―Possuí-las e esquecê-las‖, tinha sido seu lema até o momento. Mas Jamie era diferente. ―Deus me ajude!‖, pensou. ―Estou começando a me importar‖.Não era do tipo de mulheres que se esquece. No mesmo instante em que se levantou e o olhou, um desejo brutal o assolou. Tinha os cachos revoltos. Lembrou de como eram sedosos em seus dedos quando os levantou para que secassem ao vento enquanto Jamie dormia. Não pôde deixar de lhe acariciar a pele
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depois de fazer amor. E também a acariciara enquanto dormia. Alec, por sua vez, não dormiu nada. Os quadris de Jamie estavam encaixados contra sua dura virilidade. Cada vez que se movia, desejava possuí-la novamente. O único motivo pelo qual se conteve era porque Jamie não poderia caminhar durante uma semana se fizesse com ela tudo o que queria fazer. Para ela era muito cedo. Precisava de tempo para que a inflamação se aliviasse. Decidiu não voltar a tocá-la até que chegassem em casa. E já estava lamentando a decisão. Não era feito de ferro, mas sua inocente mulherzinha ainda não sabia. Do contrário, não estaria ali, com um traje tão escasso, se tivesse uma idéia do que rondava pela mente de seu marido. ―Possivelmente saiba‖, pensou Alec. ―Talvez esteja me tentando para que voltemos a fazer amor sem falar diretamente?‖ Alec refletiu sobre essa possibilidade um longo minuto e chegou à conclusão de que Jamie era muito ingênua para compreender o quanto o excitava. É obvio, Alec a esclareceria disso assim que chegassem ao lar. — Obrigado por me emprestar o manto. O homem se voltou ao ouvir a voz de Jamie, e a viu com o olhar fixo em suas próprias botas. —É seu, Jamie. —Seu presente de cassamento? Não o olhava. E apesar de manter a cabeça encurvada, Alec pôde ver que estava ruborizada. E isso o divertiu. Diabos, comportou-se como uma gata selvagem entre seus braços! Alec tinha marcas que o demonstravam. E agora agia como se fosse desmaiar ante a primeira palavra incorreta. —Pode considerá-lo assim —admitiu, dando de ombros. Tomou a bolsa de viagem de Jamie e o amarrou no arnês da sela de Fogo Selvagem. —Alec, tenho onze xelins. Esperava que se voltasse, mas Alec não respondeu. Jamie não se intimidou por
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isso. —Há um sacerdote nas Terras Altas? Essa pergunta atraiu a atenção de Alec e se voltou de perfil para ela. Imediatamente, Jamie baixou a vista. Parecia estar recuperando pouco a pouco a coragem, pois nesse momento olhava para seu peito em lugar das botas. —Sim, temos um sacerdote. Por que pergunta? —Quero empregar um de meus xelins para comprar uma indulgência—afirmou Jamie. Meteu o manto sob o braço e uniu as mãos. —O que? —Uma indulgência —explicou Jamie—. Será meu presente de bodas para você. —Entendo —respondeu o homem, tentando não rir. Quis lhe perguntar se acreditava que sua alma necessitava de ajuda, mas a julgar pelo tom de Jamie, era melhor ter consideração pelos sentimentos da jovem. ―Terei que superar este ridículo pesar‖, pensou Alec. ―Os sentimentos de minha mulher não deveriam ter a mínima importância para mim‖. — Gostou? —perguntou, esperando uma resposta amável. A resposta de Alec consistiu em dar de ombros. —Pensei que seria um presente apropriado, pois ontem você matou um homem por acidente. A indulgência diminuirá seu tempo no Purgatório. Isso é o que diz o padre Charles. —Não foi acidental, Jamie, e você mesma matou um homem. —Não matei. —Sim, matou. —Não se alegre tanto com isso —murmurou Jamie—. E eu o matei por necessidade, de modo que não necessito uma indulgência para mim mesma. —Então só se preocupa com a minha alma?
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Jamie assentiu e Alec não soube se ele se sentia insultado ou divertido. Sacudiu a cabeça ao pensar em todas as moedas que o padre Murdock conseguiria no futuro se sua esposa continuasse comprando indulgências cada vez que matava alguém. Ao término de um ano, o sacerdote terminaria sendo mais rico que o rei da Inglaterra. Jamie pensou que sem dúvida Alec não era uma tipo de pessoa agradecida. Não disse uma palavra de gratidão. — Um ferreiro, também? Alec assentiu e esperou a que Jamie seguisse falando. Só Deus saberia o que tinha em mente nesse momento. Por estranho que fosse, estava ansioso de saber o que pensava. ―Outra falha‖, disse-se. ―Também terei que corrigir este problema‖. —Então, empregarei outros xelins em comprar outro presente de bodas. — Levantou a vista e soube que havia conquistado a atenção de Alec. —Pensei no presente adequado para você e sei que gostará. —E o que será? —perguntou, e o entusiasmo de Jamie era tão cativante quanto seu sorriso. Não teve ânimo para dizer que não usasse as moedas para pagar nada nas Terras Altas. Logo o descobriria por si mesmo. —Uma espada. Pareceu que Alec ficava atônito ante o anúncio e fez um gesto enfático demonstrando que falava sério. Depois abaixou o olhar novamente. Alec acreditou que não tinha ouvido bem. — O que? —Uma espada, Alec. É um bom presente, não acha? Todo guerreiro deveria levar uma na cintura. Notei que você não tinha uma quando fomos atacados pelos salteadores. Pareceu muito estranho, pois acreditava que todos os guerreiros precisam ter uma arma disponível. Logo considerei o fato de que é escocês, e possivelmente seu treinamento não incluiu... Alec, por que me olha assim? Alec não conseguiu responder.
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— Meu presente não o agrada? —perguntou com um tom preocupado. Alec forçou um breve gesto de concordância. Era a única coisa que podia fazer. Jamie sorriu, aliviada. —Sabia que você gostaria. Alec voltou a assentir e se afastou. Pela primeira vez em sua vida Alec Kincaid estava mudo. Ao que parecia, Jamie não notara. —Daniel tem uma espada, eu vi. Como os dois são bons amigos, possivelmente ele tenha tempo de ensiná-lo o uso apropriado da espada. Ouvi dizer que é muito efetiva em batalha. Alec inclinou-se até tocar a sela com a testa. Jamie não podia ver o rosto porque estava voltado para o outro lado, mas viu que os ombros tremiam. Sem dúvida, estava encantado pela gratidão. Jamie se sentiu orgulhosa de si mesmo. Tinha-lhe devotado um gesto de amizade, e Alec o tinha aceitado. Por certo, daí em adiante a situação de ambos melhoraria. Com o tempo, possivelmente esqueceria que era inglesa e começaria a gostar dela. Afastou-se de seu marido, pois queria passar uns minutos com a Mary antes que começassem outra vez a viagem. Já sabia como se relacionar bem com ele, e queria compartilhar a experiência com sua irmã, mas não falaria da noite passada. Não, essa parte Mary teria que descobrir por si mesma. ―Talvez‖, pensou Jamie, ―Mary já saiba‖. Jamie se sentiu como se acabasse de descobrir os segredos da vida. A bondade atraía mais bondade. Ninguém morde a mão que o acaricia, certo? —Jamie, venha aqui.
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A ordem foi muito vivaz para o gosto de Jamie, mas manteve o sorriso e voltou para junto de Alec. Fixou o olhar no peito do marido e esperou a que falasse. Alec levantou seu queixo. —Você está bem, esposa? Poderá cavalgar hoje? Não entendeu o que a perguntava. —Estou bem, Alec, sério. — Não está muito fraca? —insistiu Alec. O imediato rubor que surgiu nas bochechas de Jamie denunciou-a. —Supõe-se que não deve mencionar—murmurou. Alec não pôde resistir a tentação: — O que? Embora a Alec parecesse impossível, o rubor de Jamie se intensificou. —Que... que esteja fraca —gaguejou. —Jamie, sei que eu a machuquei ontem à noite. Jamie não achava que ele estivesse muito arrependido. Para falar a verdade, parecia arrogantemente orgulhoso disso. —Sim, machucou-me —murmurou—. E estou ardida. Por acaso há mais alguma questão íntima que deseje me perguntar? Alec apertou seu queixo, obrigando-a a olhá-lo outra vez, inclinou a cabeça roçou seus lábios com a boca. Foi um beijo tão terno que Jamie relaxou e seus olhos se encheram de lágrimas. Talvez agora ele dissesse a palavra carinhosa que Jamie esperava com tanto desespero. —Se me ocorrer alguma, direi —afirmou isso, para logo soltá-la. — Se lhe ocorre o que? Uma pedra podia deter uma mosca por mais tempo que Jamie podia reter um pensamento.
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—Qualquer outra pergunta íntima —esclareceu Alec. Jamie ficou imóvel enquanto Alec saltava sobre a sela. —Vamos, Jamie. É hora de cavalgar. — E Daniel e Mary? Não teríamos que esperá-los? — Eles partiram há duas horas —respondeu Alec. — Eles foram sem nós? —perguntou Jamie com tom incrédulo. —Sim. —Por que você não me acordou? Alec não deixou de sorrir, pois a esposa estava zangada. Alguns cachos da trança já tinham se soltado e os fios flutuavam em volto de seu rosto e sobre a nuca esbelta. Estava adorável. —Precisava dormir —disse Alec, com tom subitamente resmungão. —Nem sequer disseram adeus — ela reclamou —. Que grosseria, não acha, Alec? —aproximou-se de Fogo Selvagem, disse-lhe umas palavras carinhosas, deulhe um tapinha e montou. Fez uma careta pela dor que esse movimento lhe provocava.— Trataremos de alcançá-los? Alec moveu a cabeça. —A estas alturas já devem ter tomado a rota para o norte. Jamie não pôde ocultar a decepção. — Quanto tempo teremos que cavalgar para chegar a seu lar? —Três dias mais. — Três dias? —Outra vez estava zangada. —Três, se partirmos a bom passo, esposa. —Em direção oposta à de minha irmã?
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Antes que Alec pudesse responder, Jamie murmurou: —Alguma vez voltarei a ver minha irmã? —Jamie, não fique tão abatida. O lar de Mary está a uma hora a cavalo do nosso. Poderá vê-la quantas vezes queira. Essa explicação foi incompreensível para Jamie. —Diz que teremos que andar três dias em direção contrária, mas que Mary estará a uma hora de sua casa. Não entendo, Alec. Você ainda lembra de onde vive, não? —Daniel tem clãs amigos e tem que passar por suas terras, do mesmo modo que existem clãs amigos meus, Jamie. Eu também tenho que me deter e saudar em minha função de senhor do clã Kincaid. — Por que não podíamos viajar os quatro...? —Também existem clãs que dariam algo para me verem morto. ―Isso, sim, posso entender‖, pensou Jamie. ―Se Alec for tão impaciente com os clãs quanto está sendo comigo agora, sem dúvida terá muitos inimigos‖. — Daniel é amigo de alguns de seus inimigos? — perguntou. Alec assentiu. — Então, por que o considera seu amigo? Se for leal a você, seus inimigos teriam que ser os de Daniel também. Alec se rendeu. Sabia que ainda não entendia. —Alec, temos muitos inimigos? — Temos? —Lembre-se de que agora sou sua esposa —respondeu Jamie—. Por isso, seus inimigos também são os meus, não? —Sim. — Por que sorri? Por acaso se diverte em ter muitos inimigos?
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—Sorrio porque acabo de vislumbrar em você alguns traços de verdadeira escocesa —respondeu.— Gosto disso... Jamie lhe dirigiu um sorriso esplendoroso e imediatamente Alec compreendeu que sua esposa tinha certa inclinação à travessura. Já tinha notado que quando seus olhos brilhavam daquele jeito era porque ia dar alguma réplica engenhosa. E não se desiludiu. —Alec, nunca serei escocesa. Mas você, meu senhor, tem traços de um autêntico barão inglês. E eu gosto disso. Embora isso significasse um verdadeiro insulto, Alec riu e balançou a cabeça ante o comentário de Jamie e ante sua própria reação. —Jamie, lembre-se desta conversa. Algum dia, muito em breve, descobrirá como está errada. —Em todas as minhas idéias, Alec? —Olhou-o, carrancuda, e adicionou—: Acredito que começo a entender por que temos tantos inimigos. Deu fim à conversa esporeando Fogo Selvagem para que galopasse, e com toda premeditação tomou a dianteira. Quando Alec a chamou, ignorou-o, decidida a obrigar Alec a ficar para trás . Que ele se afogasse com o pó que levantava o cavalo da frente! De repente, Alec estava ao seu lado. Tomou as rédeas de Fogo Selvagem sem dizer uma palavra, fez o animal de Jamie dar meia-volta e lhe jogou outra vez as rédeas. — Tudo bem? —perguntou Jamie. —Foi na direção errada —disse Alec, obviamente exasperado—. Claro, a menos que esteja pensando em voltar à Inglaterra. —Não pensava em semelhante coisa. —Isso significa que seu sentido de direção é outro... —Um simples engano, Alec —argüiu Jamie—. Tenho um excelente sentido da
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orientação. — Você já esteve em muitos lugares para provar essa teoria? —Não. E enquanto me olha com o cenho franzido, vou fazer outra pergunta. Ontem à noite ficou satisfeito comigo? Alec pareceu a ponto de rir e Jamie pensou que se o fizesse, ela o mataria. —Tudo bem? Fui boa nisso? E não se atreva a pedir-me que explique a pergunta! Sabe muito bem a que me refiro. Se ele lhe dizesse que não era nada boa, morreria. Estava tão nervosa que suas mãos apertavam com força as rédeas, deixando vergões nas palmas, e devia estar furiosa consigo mesma por haver perguntado tal coisa. —Melhorará. Alec sabia bem o que dizer para encolerizá-la e Jamie soube que devia ter fogo nos olhos quando o olhou. Alec sorria. A ternura nos olhos do marido mostrou a Jamie que sabia que a questão era muito séria para ela. — Alec —disse com voz estrangulada—. Por que...? —Jamie, quando chegarmos em casa, praticaremos todas as noites até que você se saia bem. Depois dessa promessa, esporeou o cavalo a frente. Jamie não soube como entender aquela incrível afirmação. Pensou que a tinha insultado, mas pelo modo como a olhava quando dizia que praticariam, acreditou que estava ansioso por isso. De qualquer modo que o considerasse, sempre chegava à mesma conclusão: Alec Kincaid tinha tanta compaixão quanto uma cabra. Entretanto, tinha que ceder num ponto: foi muita consideração sua deixá-la dormir até bem depois do amanhecer. Precisava daquele sono adicional e, embora culpasse Alec por haver sugado todas suas energias na noite anterior, admitia que demonstrara certa piedade.
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Possivelmente, no fim das contas ele não fosse um caso completamente perdido. Ao cair da tarde, Jamie mudou de opinião a respeito dele. Tinham cavalgado através dos bosques quase toda a manhã, detendo-se só uma vez para refrescar-se num rio. Alec quase não lhe dirigiu uma palavra amável. Parecia perdido em seus próprios pensamentos. Em várias ocasiões, Jamie tentou puxar conversa, mas Alec ignorou suas perguntas com uma rudeza desconcertante. De pé sobre a margem coberta de capim, com as mãos às costas, Jamie supôs que estava impaciente por retomar a viagem. — Está esperando para que os cavalos descansem, ou eu? —disse, quando já não pôde suportar nem mais um minuto de silêncio. —Os cavalos já estão preparados —respondeu Alec sem olhá-la. Por um momento, Jamie brincou com a idéia de jogá-lo no rio, mas depois desistiu. Se afundasse, estaria furioso e a jovem já tinha bastante com o que se preocupar por suas próprias dores. Se tivesse que escutá-lo reclamar o dia todo, seria pior ainda. Jamie se acomodou outra vez sobre o lombo de Fogo Selvagem e logo disse: —Já estou preparada. Obrigado por esperar. —Você pediu. —O tom surpreso de Alec chocou Jamie. — Então terei que pedir? —É óbvio. Bom, poderia ter mencionado essa regra muito antes! — Sempre realizará meus desejos, Alec? Girou sobre a sela antes de responder: —Sempre que for possível. Os cavalos estavam tão juntos que a perna de Alec roçava contra a de Jamie. — Então, por que não parou ontem à noite quando eu pedi?
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Alec a segurou pela nuca e a aproximou dele. Jamie se agarrou à sela, tentando conservar o equilíbrio. Alec esperou que ela o olhasse e prendeu seu olhar. —Por que você não queria que eu parasse. —Sorriu. — Você é o mais arrogante...! Beijou-a para fazê-la calar. Só queria que ela lembrasse quem era o senhor e quem a escrava, mas os lábios tão suaves de Jamie sob os próprios lhe recordaram como ela era macia. Varreu o interior da boca de Jamie com a língua e depois a afastou. A moça parecia completamente encantada. Apoiou a mão na face dele, numa carícia suave como uma borboleta. Alec soube que ela nem se dava conta de que estava acariciando-o. —Jamie, eu disse que atenderia seus desejos sempre que fosse possível. Ontem à noite não podia me deter. — Não? Se continuasse fazendo-o repetir cada palavra, Alec ficaria louco. Não escondeu sua irritação. —Desta vez, pode ir à frente —disse, com intenção de fazê-la voltar ao presente. Jamie assentiu. Guiou Fogo Selvagem diante do cavalo de Alec e estava passando por baixo de um galho grosso que obstruía o caminho quando Alec apareceu a seu lado. Assim que o marido tomou as rédeas, Jamie compreendeu o engano. Alec não se referiu ao lamentável equívoco, e nem Jamie.
Pararam ao anoitecer no centro de uma ampla pradaria. Alec se aproximou para segurar as rédeas de Fogo Selvagem. Os cavalos já estavam juntos, mas mesmo assim Alec não soltou as correias. Com rosto impassível, tinha o olhar fixo adiante. — Algum perigo, Alec? —disse Jamie sem poder ocultar a aflição.
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Alec moveu a cabeça. Se houvesse perigo, estaria parado em meio de um espaço aberto? A pergunta lhe pareceu absurda, mas recordou que Jamie não conhecia os costumes de luta dos homens. Jamie pensou em esticar um pouco as pernas, mas quando começou a desmontar, Alec a deteve, apoiando a mão em sua coxa sem a menor delicadeza. Jamie captou imediatamente a mensagem silenciosa, mas não compreendeu a conduta de seu marido. Apoiou as mãos sobre a sela e esperou a que Alec explicasse o que estava fazendo. Através do bosque, de longe, chegou um assobio abafado. Subitamente, as árvores pareceram adquirir vida quando uns homens com mantos castanhos e amarelos começaram a caminhar em sua direção. Jamie não soube que apertava a perna de Alec até que este cobriu sua mão com a própria. —São aliados, Jamie. Imediatamente, Jamie o soltou, ergueu as costas e voltou a juntar as mãos sobre o colo. —Já tinha adivinhado —disse. Claro que era uma mentira, e a piorou ao dizer: —Até à distância posso vê-los sorrir. —Nem uma águia poderia ver seus rostos desta distância —respondeu Alec em tom seco. —Os ingleses têm uma visão perfeita. Por fim, Alec se voltou para ela. — Está debochando de mim, esposa? — O que acha? —Sim, está —disse Alec—. Já sei tudo sobre o senso de humor inglês.
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— O que é o que sabe? —Que vocês não o têm. —Isso não é verdade —argüiu Jamie—. Eu tenho um maravilhoso senso de humor. —Depois de tão enfática afirmação, Jamie se virou. —Jamie? — Sim, Alec? —Quando se aproximarem de nós, olhe para mim. Não olhe para mais ninguém, entendeu? — Não quer que eu olhe para eles? —Correto. —Por que? —Não pergunte por meus motivos, esposa —disse, em voz tão aguda como a do vento. — Posso falar com eles? —Não. —Pensarão que sou descortês. —Pensarão que é tola. —Não sou. —Será. Jamie sentiu que o rosto ardendo. Olhou carrancuda para Alec, mas foi em vão, pois ele olhava outra vez para frente, ignorando-a. —Alec, talvez eu devesse apear e ajoelhar a seus pés. Assim, seus aliados saberiam que tem uma esposa verdadeiramente tola —disse, sem se importar que a voz tremesse de raiva—. Que tal, milorde? —A idéia tem seu mérito —respondeu Alec.
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Não parecia estar brincando. Jamie ficou muito perplexa com o comentário para responder. Mas não deixaria ver seu aborrecimento diante de estranhos, por mais furiosa que estivesse com seu marido. Oh, ela faria o papel de esposa obediente, até que Alec e ela estivessem sozinhos outra vez! Então, deixaria suas orelhas ardendo. Quando por fim os aliados chegaram junto a eles, Jamie manteve o olhar fixo no perfil rude do marido. Precisou apelar a toda sua concentração para manter uma expressão impassível. Simplesmente, pedir serenidade era muito. Em nenhum momento Alec olhou sua esposa. A conversa se desenvolveu em gaélico. Jamie entendia quase todas as palavras, embora o dialeto fosse um pouco diferente do das Terras Baixas que Beak lhe tinha ensinado. O fato de que Alec não soubesse que Jamie conhecia bem seu idioma deu à moça uma satisfação perversa. Nesse momento resolveu que jamais contaria. Escutou que rechaçava os oferecimentos de bebida, comida e refúgio. Nesse instante, suas maneiras inflexíveis eram as de um guerreiro poderoso, e quando concluíram os oferecimentos e as recusas, passaram a informar-lhe dos últimos fatos acontecidos nos clãs. Jamie sabia que a observavam e tratou de conservar uma expressão tranqüila. Desesperada, ofereceu ao Criador um mês de missas diárias se Ele a ajudava a agüentar esta prova humilhante. A súbita compreensão de que Alec se envergonhava dela provocou uma vontade absurda de chorar. Mas a autocompaixão só durou alguns minutos, para então virar fúria. Como se atrevia a envergonhar-se dela? Jamie sabia que não era a mais bela, mas tampouco era um monstro. Uma vez, seu pai até a tinha chamado ―bonita‖. Claro que o pai tinha obrigação de lhe fazer elogios; afinal, ela era a filha caçula, e a opinião dele era parcial. Mesmo assim, Jamie nunca viu as pessoas se afastando dela por medo de devolver o jantar. Quando Alec se voltou e segurou nas mãos as rédeas de Fogo Selvagem, Jamie
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voltou a atenção à conversa e ouviu que um dos aliados perguntava quem era ela. —Minha esposa. Não houve nenhum matiz de orgulho na voz de Alec. Para falar a verdade, poderia estar referindo-se a seu cão! ―Não‖, pensou Jamie, ―sem dúvida o cão significa mais para ele‖. Jamie pensou que tampouco titubeou ao dizê-lo, laboriosa por encontrar algo positivo na atitude dele. Alec ia fazer avançar o cavalo através do grupo de guerreiros, quando outro dos aliados perguntou: — Como ela se chama, Kincaid? Alec levou bastante tempo para responder. Passeou o olhar pelo grupo de homens com uma expressão nos olhos que fez Jamie estremecer. Seu rosto parecia esculpido em pedra. E por fim, respondeu. A voz de Alec, fria como gelo, soou como um grito de batalha: —Minha.
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Capítulo oito Jamie começava a pensar que Alec não era humano, já que jamais parecia faminto, sedento ou cansado. A única ocasião em que se deteve foi quando Jamie pediu, e só Deus sabia o quanto detestava lhe pedir algo. Certamente um inglês teria tido em conta as comodidades de sua esposa, mas pelo visto, Alec mal lembrava que sequer a tinha. Jamie se sentia tão apreciada quanto um espinho num flanco. Estava exausta e imaginou que devia ter uma aparência tão lamentável como o de uma bruxa velha, ―mas não tem importância minha aparência‖, disse-se. Alec deixou a situação bem clara quando se negou a apresentá-la a seus aliados: não o atraía minimamente. ―Bom, Alec tampouco é um presente de reis‖, pensou Jamie. ―Por Deus, ele tem o cabelo quase tão comprido como o meu, e se esse não é um costume bárbaro, não sei o que pode ser!‖ Não abrigaria sentimentos tão sombrios por Alec se ele tivesse uma atitude mais agradável com ela. Sem dúvida, o ar da montanha devia afetar sua mente, pois quanto mais subiam, mais frias e distantes se tornavam suas maneiras. Tinha mais defeitos que Satã. Inclusive, não sabia contar: havia dito a Jamie que levaria três dias chegar a sua propriedade, mas era a quinta noite que acampavam e nenhum outro manto com as cores dos Kincaid aparecia à vista. Por acaso o sentido da orientação do homem seria tão fraco quanto sua capacidade de contar? Jamie pensou que estava cansada demais para se preocupar com isso. Assim que Alec concentrou-se em atender os cavalos, Jamie caminhou até
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o lago para desfrutar de uns momentos a sós. Despiu-se e se lavou o melhor que pôde naquelas águas geladas que Alec chamava ―lago‖ e se estendeu na margem gramada. Sentia o cansaço nos ossos. Teve a intenção de fechar os olhos por uns minutos antes de voltar a vestir-se. Para falar a verdade, o ar frio não a incomodava. Uma névoa espessa rodou para o vale. Alec deu a Jamie o tempo que supôs que necessitava para banhar-se, mas quando a neblina lhe cobriu os pés descalços, chamou-a, ordenando que se aproximasse. A chamada não obteve resposta e o coração de Alec começou a bater forte. Não se preocupava em relação ao ataque surpresa dos inimigos. Não, já estavam em terra dos Kincaid, numa área protegida que ninguém teria se atrevido a invadir. Mas Jamie não respondia. Alec atravessou a vegetação espessa e se deteve bruscamente, sem fôlego ante a visão que se apresentou diante dele. Parecia uma deusa da beleza e estava profundamente adormecida. A névoa flutuava ao redor de Jamie, dando-lhe um aspecto místico, e as réstias de sol que se filtravam entre a névoa acentuavam o efeito, pois a pele da mulher era de um genuíno tom dourado. Dormia de lado, e a camisa branca havia subido até os quadris, revelando as longas pernas. Alec permaneceu por um longo momento contemplando-a, absorvendo sua imagem. O desejo se inchou dentro dele de um modo quase doloroso: essa moça era magnífica demais para ele. Lembrou
da sensação daquelas pernas rodeando-o, a
sensação de estar dentro dela. ―Minha esposa‖.O inundou uma onda de posse feroz e soube que não sobreviveria outra noite se não voltasse a fazer amor com ela. Não cumpriria a promessa de esperar até que chegassem ao castelo. Mas estava decidido a ir devagar, daquela vez. Seria um amante terno, sem exigências. E seria gentil... embora morresse no processo. Alec ficou olhando-a dormir até que o sol se escondeu por completo. Jamie começou a rodar pela colina e Alec correu para ela e a apanhou nos braços bem a
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tempo. Como ela era confiante! Alec soube que havia despertado, mas não abriu os olhos. Quando a ergueu contra seu próprio peito nu, Jamie passou os braços pelo pescoço, se aconchegou contra ele e exalou um suspiro suave. Levou-a ao acampamento, envolveu a ambos no manto e se deitou no chão. Jamie estava protegida da cabeça aos pés pela manta e pelo marido. A boca da mulher estava a escassos centímetros da do homem. — Alec —perguntou, num sussurro sonolento. — O que? — Está zangado comigo? —Não. — Tem certeza? —Queria ver-lhe o rosto. Mas o abraço de Alec era férreo e não podia mover-se. —Tenho. —Esta noite estou muito cansada. Foi um duro dia de viagem, não foi? Para Alec não foi, mas decidiu não contradizê-la. —Sim, foi. —Alec, queria perguntar uma coisa. —Jamie se endireitou e soltou um gemido quando as mãos de Alec pousaram sobre suas nádegas e a apertou contra ele. As coxas do homem eram mais duras até que o chão. Alec compreendeu que Jamie não tinha idéia do que provocavam seus pequenos movimentos e fechou os olhos. Era evidente que estava muito cansada e dolorida para receber o ataque do marido. ―Terei que esperar‖, disse-se Alec. ―É a única atitude decente que posso adotar‖. Seria o desafio mais difícil de confrontar. —Alec, por favor, afaste as mãos. Dói.
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—Dorme, esposa. Precisa descansar —disse em voz entrecortada. Jamie se arqueou contra ele e Alec rangeu os dentes. —Meu traseiro dói. Alec percebeu o pudor na suave confissão. Mas quando começou a esfregá-la para aliviar a tensão dos músculos a exclamação não foi suave, mas sim indignada. O homem não fez caso das resistências nem dos protestos. —Sua educação foi infelizmente descuidada —disse Alec—. Para falar a verdade, é a mulher mais inexperiente que conheci. O que acha disso, esposa? —Penso que acha que estou a ponto de chorar, marido — respondeu Jamie—. Sei que minha voz tremeu quando disse que estava dolorida, e você detesta mulheres choronas, não é? Oh, não negue, marido! Vi como olhava as minhas irmãs quando choramingavam; parecia muito incômodo. —Sim, é verdade —admitiu Alec. —E para evitar que eu chore, insulta-me e me provoca. Adivinhou que tenho um temperamento forte e prefere me ouvir gritando para não chorar. —Jamie, está aprendendo como sou. —Eu disse que o faria —se gabou Jamie—. Mas ainda você tem que aprender a respeito de mim. —Não preciso... — Precisa sim! —interrompeu-o—. Alec, você confunde inexperiência com falta de habilidade. E se eu dissesse que posso lançar uma flecha melhor que qualquer de seus guerreiros? Ou que possivelmente possa cavalgar melhor que eles... em pelo, claro. Ou que sou capaz de... —Diria que está debochando de mim. Esposa, você mal se agüenta sobre a sela. —Então, você já formou uma opinião a meu respeito? Alec ignorou a pergunta e lhe formulou outra. —Era o que queria me perguntar? Algo a preocupa, não é?
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—Não estou preocupada. —Não parece —. Não permitiria que ela escapasse. —Só me perguntava se me daria indicações similares quando chegássemos a seu castelo e estivéssemos diante de seus homens. — Que indicações? —interrompeu-a, sem entender do que falava. —Alec, sei que se envergonha de mim, mas não acredito que possa me manter calada todo o tempo. Estou acostumada a falar com bastante liberdade, e na verdade não... — Acha que estou envergonhado de você? —disse, realmente surpreso. Jamie se voltou entre os braços do marido, afastou a manta e o olhou. Até à luz da lua via a expressão atônita de Alec. Jamie não estava disposta a acreditar nele nem por um instante. —Alec Kincaid, não é necessário que finja inocência. Sei a verdade. Teria que ser idiota para não saber porquê não quer que fale com seus aliados. Pensa que sou feia. E inglesa. —É inglesa —ele recordou. —E orgulhosa de sê-lo, marido. Sabe como um homem que julga uma mulher apenas pelas aparências é superficial? As gargalhadas de Alec interromperam o discurso. —Sua grosseria é pior que minha aparência —murmurou Jamie. —E você, esposa minha, é a mulher mais obstinada que conheci. —Isso não é nada comparado com seus pecados —retrucou Jamie—. É tão retorcido quanto um escudo velho. —Não é feia. Pelo modo em que o olhava, Alec compreendeu que não acreditava nele. — Quando chegou a semelhante conclusão?
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—Já expliquei —respondeu Jamie—. Foi quando não me permitiu afastar o olhar de você, não me apresentou a seus amigos, não me deixou expressar minhas idéias. Foi assim que cheguei a essa conclusão. Não se engane, Alec —adicionou precipitadamente ao ver que Alec ia rir outra vez—. Não me importa se me considera bonita ou não. O homem a segurou pelo queixo com firmeza. —Se você tivesse sido mais atenciosa com um homem mais do que com outro, por acaso ou voluntariamente, esse sujeito acreditaria que você estava disposta a se entregar. Em minha opinião, não se pode confiar inteiramente nos Kerry. Até para uma inglesa como você isso é fácil de entender. Alguns pensariam que seus olhos violetas são mágicos; outros quereriam tocar seu cabelo para saber se é tão sedoso quanto parece. Certamente todos quereriam tocá-la. —Sério? Ao longo da explicação, Jamie o olhou com os olhos arregalados de assombro e Alec compreendeu que Jamie não tinha a menor idéia de sua própria beleza. —Alec, acho que está exagerando. Não acredito que esses homens quisessem me tocar. Estava pedindo um elogio, e Alec decidiu fazê-lo. —Sim, eles desejariam tocá-la. Não queria me arriscar a entrar uma briga, pois sei o quanto a visão do sangue a desgosta. A explicação, dada em tom despreocupado, deixou Jamie perplexa. Estaria elogiando-a? Por acaso acreditava que seus olhos eram mágicos? — Por que franze o cenho? —Perguntava-me se você... quer dizer... —Exalou um suspiro, afastou-lhe a mão de seu próprio queixo e voltou a apoiar a face contra o ombro morno de seu marido—. Então, você não me considera feia. —Não.
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—Nunca pensei que o fizesse —admitiu, em tom divertido—. É bom saber que não me considera carente de atrativos. —Não disse isso. Jamie acreditou que ele se divertia. —Eu nunca disse que você não fosse feio —disse—. Talvez pense que é. Alec riu outra vez, com uma risada cheia que alargou o sorriso de Jamie. Era possível que começasse a habituar-se a ele? Alec afastou o cabelo do rosto dela. —Hoje tem o rosto queimado pelo sol. Tem o nariz vermelho como o fogo. Não me parece absolutamente atraente. — Como? —exclamou Jamie sobressaltada. Alec não ocultou a exasperação: —Estava brincando. —Sabia —disse Jamie, sorrindo outra vez. Bocejou, lembrando a Alec como ela estava cansada. —Durma, Jamie. A maneira terna em que lhe acariciava as costas aliviou a aspereza do tom com que deu a ordem. Quando ele começou a esfregar seus ombros tensos, Jamie fechou os olhos e soltou um suspiro satisfeito. Tinha a palma da mão apoiada sobre o peito de Alec e sentia sob os dedos o tamborilar do coração do homem. Quase distraída, começou a riscar círculos ao redor do mamilo de Alec e pelos pêlos do peito. Gostava da sensação. O maravilhoso aroma de Alec a faziam lembrar do ar livre: era tão limpo, tão terrestre...! De repente, Alec segurou sua mão e a apoiou aberta contra seu próprio peito e Jamie imaginou que ia lhe fazer cócegas. Alec, por sua vez, acreditou que queria enlouquecê-lo. —Pare com isso —ordenou, com voz áspera como a areia.
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Embora Jamie não se lembrasse de ter dormido, lembrou que despertava. Estava sonhando o mais delicioso dos sonhos: que dormia, totalmente nua sobre um leito de flores silvestres. Deixava que o sol morno esquentasse sua pele até sentirse febril, e essa erótica calidez a fez esquecer-se de respirar. dentro dela, crescia aquela pressão tão conhecida e a dor aguda entre as coxas exigia alívio. Seu próprio gemido de desejo a despertou. Afinal de contas, não era um sonho. A mente lhe pregava uma peça. Alec era o fogo que acendia seu sangue. Tampouco estava rodeada de flores silvestres, mas estendida sobre o manto macio de Alec. Mas não vestia mais a camisa. Perguntou-se como podia ser, mas logo deixou de lado aquela preocupação. Alec insistia em reclamar sua atenção, esfregando o nariz com suavidade no pescoço de Jamie. Estava estendido entre as coxas separadas da mulher. Estava fazendo amor com ela. De repente, a confusão sonolenta de Jamie se dissipou. Já estava completamente acordada. Na densa escuridão, não podia vê-lo, mas o fôlego entrecortado dele, somado à música doce do vento persistente, dissiparam a resistência de Jamie. Pensou em pedir para que não voltasse a machucá-la, mas a boca de Alec deslizou para seu seio, ao tempo que sua mão procurou os cachos suaves entre as coxas da mulher. Já não se importou se doeria. Os dedos de Alec eram mágicos. Sabia onde tocá-la para enlouquecê-la, para fazê-la umedecer-se. Ficou tensa quando os dedos do homem afastaram as dobras suaves e sedosas e se meteram dentro dela. A bendita agonia a fez gritar, reclamando alívio. Puxou-o pelo cabelo para que se detivesse, mas mudou rapidamente de idéia quando o polegar de Alec começou a esfregar a carne sensível e os dedos se afundaram nela. Outra vez, Jamie cravou as unhas nos ombros e Alec grunhiu. Jamie se desesperou por tocá-lo, por dar o mesmo prazer que recebia. Tentou se afastar, mas Alec não permitiu.
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Beijaram-se ardentemente, com as bocas abertas, arrasador. Alec entregou sua língua e Jamie a sugou. —Está molhada —disse o homem. —Não posso evitar —murmurou, gemendo. As mãos de Alec separaram as coxas de Jamie e começou a penetrá-la com lentidão. —Não quero que evite. —Por que? —perguntou a mulher, fazendo força para que a penetrasse mais. Fazendo-o com tanta lentidão, deixava-a louca. Sabia que morreria, mas queria que a preenchesse, que a queimasse. —Significa que está quente para mim —murmurou Alec—. Não se mova assim. Deixe-me... — Isso não é momento para brincadeiras! Se tivesse tido forças, teria rido. —Estou tentando ser suave —disse ele—. Mas é tão estreita que eu... Jamie se arqueou contra ele e Alec esqueceu seu propósito de ser gentil. Colocou as pernas de Jamie em volto de sua própria cintura, enrolou o cabelo da mulher ao redor de suas mãos para que não se separasse dele e a investiu com um movimento enérgico. Já estava tão fora de controle que não soube se a machucava ou não. Não podia deter-se. Cobriu com a boca os protestos que Jamie pudesse pronunciar, e quando soube que já não poderia esperar mais, quando sentiu que estava para derramar sua semente na esposa, deslizou a mão entre os corpos dos dois e a incitou a que se unisse a ele. Surpreendeu-o a força das pernas de Jamie. Apertou-o entre suas coxas, obrigando-o a um orgasmo imediato. Alec se deixou cair sobre Jamie e levou muito tempo antes de recuperar a
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força para olhá-la. O primeiro pensamento coerente que lhe ocorreu foi que tinha abusado dela. —Jamie, eu a machuquei? Fui muito rude com você? —murmurou. Jamie não respondeu. Alec se apoiou sobre um cotovelo e a contemplou com evidente preocupação. Estava profundamente adormecida e Alec não soube o que fazer. Viu que tinha os dedos entrelaçados no cabelo de Jamie e com uma paciência que o surpreendeu, separou os cachos e levou uns momentos para afastar o cabelo das faces. Soube que a tinha satisfeito. Embora lady Kincaid estivesse adormecida como uma pedra, tinha um sorriso em seu rosto.
O dia seguinte foi o mais difícil para Jamie. Viajavam por uma comarca selvagem, de assombrosa beleza, com lagos que o vento frisava e grandes espaços abertos, gramados duma erva com a cor e o brilho das esmeraldas. Também havia colinas desoladas. Parte do terreno ondulado tinha uma densa folhagem verde chamado arbustos silvestre, que soltava um aroma peculiar quando era pisada. A grandiosidade da paisagem das Terras Altas fez Jamie pensar que lentamente ascendiam ao Paraíso. Por volta do meio-dia, a paisagem perdeu o atrativos. O ar era mais marcadamente frio e cortante a cada hora que passava. Jamie se agasalhou na capa de inverno. Tinha tanto sono que quase caiu da sela, por isso Alec se aproximou de imediato e a pôs sobre seu próprio cavalo. Jamie não resistiu, mesmo quando seu marido tirou sua capa e a jogou no chão. Envolveu-a no pesado manto e a apertou contra si. Jamie soltou um sonoro bocejo e perguntou: —Alec, por que você jogou minha capa longe? —Para abrigar-se, você usará o manto com minhas cores, Jamie. Não pôde resistir a tentação de roçar com a boca o topo da cabeça da esposa.
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Começava a pensar que sua esposa era o ser mais surpreendente que conhecera: podia cair no sono num abrir e fechar de olhos. Gostava de senti-la apoiada contra ele, seu aroma feminino; e no fundo da mente de Alec se formou uma idéia: Jamie confiava nele por completo. Isso era o que mais gostava. Não tinha mencionado a noite de amor apaixonado, pois, à luz da manhã, o rubor de Jamie indicou que não queria falar do assunto. Seu acanhamento o divertia. Entretanto, a mulher não era muito forte, não conhecia as limitações de seu próprio corpo. Imediatamente, Alec viu que estava esgotada e procurou ir a passo lento. Jamie dormia profundamente: Alec teve que sacudi-la várias vezes até obter uma resposta. —Jamie, acorda. Estamos em casa —repetiu pela terceira vez. — Em casa? —perguntou, confusa. Com imensa paciência, Alec evitou os cotovelos de Jamie, que esfregava os olhos. — Sempre leva tanto para despertar depois de um cochilo? —perguntou. —Não sei, pois nunca dormi fora de hora. Jamie girou para olhar em redor e não viu a carranca de Alec. —Alec, só vejo árvores. Você me despertou para rir de mim? Em resposta, o homem ergueu seu queixo e assinalou: —Lá, esposa. Em cima da próxima colina. Pode ver a fumaça da lareira. Realmente, Jamie via a coluna de fumaça que se enrolava subindo para as nuvens, e um vislumbre da torre quando Alec fez avançar ao cavalo pela colina. Por fim, apareceu à vista o muro que rodeava o castelo. Senhor, era
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gigantesco! Uma de suas seções parecia ter sido construída dentro da montanha. Era feito com pedras pardas, uma inovação em relação à tradição inglesa, pois a maioria dos castelos dos senhores eram construidos com madeira. Além disso, o muro de Alec era muito mais alto: o topo parecia tocar as nuvens. Por outro lado, a estrutura estava incompleta pois havia uma ampla brecha junto à ponte levadiça. As árvores estavam cortadas, deixando uma longa margem ao redor do muro e não havia uma fibra de erva sobre a rocha que aliviasse a paisagem desolada. Uma fossa, de águas negras como a tinta, rodeava a estrutura. A ponte levadiça de madeira estava abaixada, mas não entraram por ela, mas sim pela brecha no muro. O castelo era muito mais grandioso que a humilde morada do pai de Jamie e esta pensou que Alec devia ser um homem rico. A construção principal não tinha somente uma torre mas duas, e ela sabia como era caro construir uma. Certamente Jamie não esperava nada tão magnífico. Tinha imaginado que todos os escoceses viviam em cabanas de pedra com telhados de palha e chão de terra, como os servos ingleses, mas agora compreendeu que esse era um preconceito de sua parte. De todos os modos, havia cabanas; calculou que seriam umas cinqüenta que apareciam entre os ramos das árvores até onde sua vista alcançava, colina acima. Jamie supôs que as cabanas pertenciam aos membros do clã Kincaid e a suas famílias. —Alec, sua casa é grandiosa —murmurou—. Quando o muro estiver terminado, o pátio intero encerrará meia Escócia, não acha? Ao perceber o assombro na voz de Jamie, Alec sorriu. —Estamos sozinhos? Não vejo sequer um soldado. —Meus homens estão esperando no topo da colina —respondeu Alec—. No pátio. —As mulheres também? —Algumas —repôs Alec—. Quase todas as mulheres e os meninos foram ao feudo Gillebrid pelo festival da primavera e a metade de meus soldados está com
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eles. —E por isso está tudo tão tranqüilo? —Jamie se voltou, sorriu para Alec e perguntou: — Quantos homens tem a suas ordens? Assim que formulou a pergunta, esqueceu-a, pois o sorriso de Alec capturou sua atenção. —Está feliz de ter retornado ao lar, não?—disse. A ansiedade de Jamie deixou Alec satisfeito. —Há uns quinhentos homens, possivelmente seiscentos quando se juntam todos. Sim, inglesa, estou feliz de estar em minha casa. Jamie se mostrou exasperada. — Quinhentos ou seiscentos? Oh, Alec, você está debochando de novo! —É verdade, Jamie. Há tantos Kincaid como eu disse. Jamie soube que Alec estava convencido do que dizia. —Penso que ache que tem essa quantidade de homens, segundo a maneira de contar dos escoceses. — O que quer dizer isso? —Alec, simplesmente insinuo que não sabe contar. Afinal, disse que levaríamos três dias chegar à sua casa, e nos levou muito mais. —Nós viemos a passo lento por seu estado —explicou Alec. — Meu estado? —Estava fraca; esqueceu, por acaso? Imediatamente, Jamie ruborizou e Alec compreendeu que não o tinha esquecido absolutamente. —E é evidente que está esgotada.
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—Não —replicou Jamie—. Não tem importância —se apressou a dizer ao ver que Alec franzia o cenho. Ia conhecer os parentes de Alec e preferia que continuasse de bom humor—. Se me disser que aqui há setecentos homens às suas ordens, eu acredito. Um sorriso a indicou que o tinha apaziguado, mas não pôde resistir à tentação de provocá-lo um pouco. —De todos os modos, Alec, não é estranho que não veja nenhum homem? Acaso poderiam seiscentos soldados estar escondidos, esperando no recinto? Ao ver que Jamie tentava ocultar a irritação, Alec riu e logo soltou um assobio agudo. O sinal foi respondido imediatamente. Apareceram do alto do muro, das cabanas, os estábulos, as árvores e o bosque que os rodeava, lutadores de aspecto feroz, tantos que cobriram todo o espaço. Alec não exagerou; talvez até tivesse contado a menos. enquanto Jamie contemplava os soldados, Alec fez um gesto de assentimento e depois ergueu uma mão. Quando a fechou em punho, ressoou um forte clamor. Jamie ficou tão ensurdecida pelo barulho que se esquivou da mão de Alec, que lhe rodeava a cintura em gesto possessivo. Não podia parar de olhar para os homens, até sabendo que era descortês. ―Estou numa terra de gigantes‖, pensou, pois quase todos os soldados pareciam tão altos como os pinheiros que, conforme sabia, gostavam de arremessar. Embora o tamanho dos homens fosse impressionante e os olhares penetrantes a enervassem, o que causou mais impacto foi a forma como estavam vestidos. Cholie não tinha estado ébria: sabia o que dizia. É, os escoceses usavam vestidos de mulher. De mulheres meio nuas, precisou Jamie para si, sacudindo a cabeça. Não, não eram vestidos, eram mantos. Todos usavam o mesmo tipo de manto com as cores de Alec. Os homens o levavam preso à cintura com um cinturão, mal cobrindo seus joelhos.
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Alguns tinham camisas de cor açafrão; outros, nada. A maioria estava descalça. — Quer contá-los? —perguntou Alec. Fez avançar o cavalo e disse—: Esposa, acho que agora aqui há umas duas centenas. Mas se quiser... —Eu diria que são quinhentos —murmurou Jamie. —Agora é você quem exagera. Jamie lançou um olhar a Alec e tentou recuperar a voz. Uma muralha de soldados se alinhava no caminho pelo qual eles andavam, e Jamie disse, baixando a voz: —Alec, se estes forem só a metade, tem seu própria legião. —Não. Uma legião consta de três mil, em ocasiões até seis mil homens. Eu não tenho tantos, Jamie, a menos que convoque meus aliados, é obvio. —É óbvio. —Não tem nada que temer. —Não temo. Por que acha que estou assustada? —Está tremendo. —Não —retrucou Jamie—. É que todos nos olham. —Estão curiosos. —Não os surpreendemos, não é, Alec? —disse Jamie em tom muito aflito. — Do que você fala? Jamie lhe olhava o queixo. Alec ergueu seu o queixo, viu que estava muito ruborizada e que se inquietava ainda mais. —Meus guerreiros estão sempre preparados. —Não parecem. De repente, o homem compreendeu o que era o que a inquietava desse modo.
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—Não os chamamos vestidos. Jamie adotou uma expressão assombrada. — Beak disse...? —Eu estava ali. — Onde? —No estábulo. — Oh, não! —Sim. — Deus! Desesperada, Jamie tentou relembrar a conversa com o chefe dos estábulos. — O que mais escutou? —perguntou. —Que os escoceses se importam com as ovelhas, que jogamos troncos de pinheiros uns aos outros, que... —Quando disse isso, estava debochando de minha irmã... e acreditei que Cholie estava bêbada quando me disse que... Alec, sempre se vestem de um modo tão indecente, com os joelhos de fora? Seria uma vergonha se nesse momento Alec risse dela. —Quando estiver aqui há tempo suficiente, vai se acostumar —prometeu. —Você não se veste como os soldados, verdade? —disse, horrorizada. —Sim. —Não, você não. —Jamie suspirou ao compreender que acabava de contradizêlo outra vez, mas Alec não pareceu incomodar-se quando o corrigiu—: Queria dizer que agora você tem calças, e por isso supus... —Eu estive na Inglaterra, Jamie. Por isso visto essas roupas tão sem-graça. Jamie olhou outra vez em redor e logo fixou a atenção em seu marido.
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— Como fazem para enrolar as calças por baixo dos mantos? —perguntou. —Não enrolam. — Mas então... ? —A expressão maliciosa de Alec revelou que a resposta não lhe agradaria—. Não importa —exclamou—. Mudei de idéia. Não quero saber o que usam embaixo. —Oh, mas eu quero contar! Nesse momento, Jamie se convenceu de que estava brincando. A idéia de guerreiros nus cavalgando em plena guerra a fez rir, encantada. Sorria como um garoto maroto. Jamie suspirou ante as observações pouco cavalheirescas de seu marido e ante seu próprio comportamento, tão pouco digno de uma dama. Senhor, a cada momento ele parecia mais atraente! O coração de Jamie começou a bater como as asas de uma borboleta. —Diga-me depois —murmurou isso—. A noite, Alec, quando estiver escuro e não possa ver meu rubor. Quando lutam, usam cota de malha? —Adicionou a pergunta para fazê-lo esquecer de seu próprio pudor ante a falta de roupa dos soldados. —Nunca usamos armadura —lhe explicou Alec—. A maioria de nós usamos apenas o manto. Não obstante, os guerreiros mais antigos preferem ir à maneira antiga. —Como? —Não usam nada sobre o corpo. Nesse momento, Jamie se convenceu de que estava brincando. A idéia de guerreiros nus cavalgando em meio a guerra a fez rir encantada. —Então jogam os mantos para longe e... —Sim, isso mesmo. —Alec, deve me considerar uma ingênua para acreditar numa história tão absurda. Chega de brincar, por favor. Além disso, é descortês que ignore seus homens tanto tempo.
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Depois de semelhante afirmação, deu-lhe as costas, apoiou-se contra o peito de Alec e compôs uma expressão serena, dirigida aos soldados por quem passavam em seu caminho colina acima. Custou-lhe um esforço considerável, depois das idéias vergonhosas que Alec tinha implantado em sua cabeça. —Esposa, tem que aprender a não dar ordens —disse, apoiando o queixo sobre a cabeça de Jamie. Foi uma suave repreensão e Jamie sentiu que uma onda de prazer lhe percorria o ventre. —Marido, eu gostaria de fazer o que é correto e você teria que fazer o mesmo. A grosseria nunca é aceitável, em nenhuma situação, nem mesmo num escocês. Quando chegaram ao meio do caminho, ressoou um grito entre as árvores. Fogo Selvagem começou a corcovear, Alec puxou as rédeas e logo desmontou. Deixou Jamie sobre seu cavalo e conduziu ambos os cavalos para o grupo de soldados que os esperavam. Come Jamie estava nervosa! Apertava as mãos entre si para que os soldados não notassem como elas tremiam. Do grupo se separou um homem loiro, de tamanho similar ao de Alec, e saudou o senhor. A atitude do homem fez Jamie supor que devia ser parente de Alec. Também supôs que fosse o segundo comandante e amigo do marido, pois abraçou o chefe e lhe deu umas fortes palmadas nas costas. Essas palmadas teriam atirado Jamie ao chão, mas Alec nem se moveu. O sotaque escocês do homem era tão fechado que a moça não podia entender todas as palavras, mas entendeu-AS suficientes para ruborizar-se. Os dois gigantes insultavamum ao outro. ―Será um de seus estranhos costumes‖, pensou Jamie. Depois, a conversa se tomou séria e Jamie soube que as notícias que o marido recebia não eram boas. A voz de Alec adotou um tom cortante e ficou carrancudo. Parecia furioso e os soldados, preocupados.
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Não deu qualquer atenção a Jamie até que chegaram ao pátio interior. Então, jogou as rédeas de Fogo Selvagem aos homens que os rodeavam, voltou-se para Jamie e a desceu ao chão. Não a olhou. Jamie permaneceu de pé junto a seu marido enquanto este continuava conversando com o soldado. Ao que parecia, a curiosidade dos homens de Alec estava dividida. Metade deles a olhava fixamente, com expressões que sugeriam que não gostavam do que viam. Os outros rodeavam Fogo Selvagem e sorriam. O que podia pensar disto? Fogo Selvagem gostava tão pouco da atenção que recebia quanto a própria Jamie. O nervoso animal recuou, relinchou e tentou pisotear os homens que seguravam suas rédeas. Jamie reagiu instintivamente, como uma mãe que vê seu filho se comportando mal; imediatamente se propôs a cortar a manha de criança da égua pela raiz. Moveu-se com muita rapidez para que Alec pudesse detê-la. Sem se importar com os presentes, passou ao redor de Alec e do cavalo, afastou dois enormes soldados a cotoveladas e correu a tranqüilizar a sua garotinha. Deteve-se poucos metros da mascote. Não teve necessidade de pronunciar uma palavra áspera. Limitou-se a erguer a mão e esperar. Imediatamente, Fogo Selvagem deixou de lado a raiva e a expressão selvagem desapareceu de seus olhos. Ante o olhar fascinado dos soldados, a orgulhosa beldade branca trotou para sua ama para receber uma carícia. Inesperadamente, Alec apareceu junto a Jamie, passou um braço sobre seus ombros e a atraiu para si. —Geralmente ela é muito dócil —disse Jamie ao marido. —Mas está cansada e faminta, Alec. Acho que teria que levá-la a... —Donald se ocupará disso. Jamie não quis discutir com seu marido diante dos homens. Alec tomou as rédeas de Fogo Selvagem, falou umas apressadas palavras em gaélico, dando
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instruções ao jovem que acabava de aproximar-se dele. Na opinião de Jamie, Donald era muito jovem para ser chefe de estábulos, mas assim que afirmou que Fogo Selvagem era um cavalo esplêndido, soube que o jovem era capaz de reconhecer um animal valioso quando o via. Além disso, tinha voz suave, em contraste com o cabelo vermelho chamejante e a cútis rosada, e um sorriso contagioso. Fogo Selvagem o detestou. Tentou abrir caminho entre Jamie e Alec, mas Donald demonstrou ser enérgico. Alec deu uma ordem cortante, e o chefe de estábulos pôde restabelecer o controle por completo. Jamie observava, sentindo-se como uma mãe ansiosa que éseparada de sua filhinha. —Ela vai se acostumar. A afirmação de Alec a irritou. Então ela e sua égua eram iguais aos olhos de Alec, não? Havia dito o mesmo de Jamie. cavalo e esposa. —Possivelmente, ela vai —respondeu Jamie, sublinhando ―ela‖. Começaram a caminhar para os degraus de entrada do castelo e Alec ainda não a tinha apresentado a seus homens. Jamie pensou nisso por um longo momento até que ao fim lhe ocorreu que estaria esperando o momento oportuno para fazê-lo como correspondia. Só quando chegaram ao último degrau Alec se deteve. Voltou-se e a fez girar, com o braço ainda segurando-a com força pelos ombros. Logo a soltou, aceitou o manto que lhe oferecia um dos soldados e o pregou sobre o ombro direito de Jamie. Quando concluiu esse gesto, no recinto se fez um silêncio total. Os soldados apoiaram as mãos sobre os corações e inclinaram as cabeças. Tinha chegado o momento. Jamie se manteve erguida como uma lança, as mãos dos lados do corpo, esperando escutar o discurso maravilhoso que Alec pronunciaria ante seus homens. ―Agora me elogiará, querendo ou não‖, pensou Jamie. Jamie se propôs recordar cada palavra para poder evocá-las e saboreá-las
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cada vez que Alec se zangasse com ela no futuro. De fato, foi um discurso breve e terminou antes que Jamie se desse conta. A voz de Alec ressonou sobre a multidão quando gritou: — Minha esposa! ―Minha esposa. Isso era tudo? Não tinha nada mais a dizer? Como guardou silêncio, Jamie supôs que havia terminado. E como tinha falado em gaélico e Jamie estava decidida a não contar que conhecia o idioma, não podia demonstrar como estava irritada com um discurso tão direto. A um sinal de Alec, os homens ergueram as espadas e outro forte clamor ressonou no recinto protegido. Jamie se aproximou mais de Alec, inclinou a cabeça e fez uma reverência aos soldados. As exclamações e vivas sobressaltaram Jamie. Alec pensou que se sentia um tanto intimidada, assuatada pela atenção recebida. —Alec, o que disse a eles? —murmurou, embora soubesse perfeitamente. Assim que respondeu, Jamie quis lhe dizer que fosse ao inferno, mas não teve oportunidade. —Disse que era inglesa —mentiu Alec. Voltou a segurá-la pelos ombros e, como era seu costume, ergueu-a contra o quadril. Para falar a verdade, tratava-a como a um saco de viagem! —Claro, por isso lançam vivas —retrucou Jamie—. Porque sou inglesa. —Não, esposa. Por isso gritam —disse, ofuscado. Jamie moveu a cabeça—. O que pensa de meus homens? —perguntou, já em tom sério. Jamie lhe respondeu sem olhá-lo: —Estou pensando que todos eles têm espadas, e você não, Kincaid. Isso é o que estou pensando. Sorrindo pela ironia, Alec pensou: ―Não há dúvida de que esta mulher tem
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fibra‖. Os soldados a olhavam sem dissimulação e Alec compreendeu que tinham que saciar-se de contemplá-la. Levaria tempo até que eles se habituassem à aparência de Jamie; para falar a verdade, o próprio Alec ainda não se acostumara. O soldado que Jamie supôs o segundo comandante apressou-se a subir os degraus a pedido do chefe. Parou diante de Jamie, esperando a apresentação. —Esposa, este é Gavin. Ele é o encarregado sempre que eu estou ausente. Quando Gavin a olhou nos olhos, Jamie sorriu a modo de saudação. Mas como o homem continuou olhando-a fixamente, o sorriso de Jamie começou a vacilar. Perguntou-se se esperaria que dissesse algo ou se existia alguma formalidade que ela tinha que cumprir. Era um homem muito atraente. Lembrava Daniel, o marido de Mary, pois quando por fim o homem sorriu, os olhos verdes brilharam divertidos. —É uma honra conhecê-la, lady Kincaid. Gavin não afastou o olhar enquanto dizia a Alec: —Escolheu bem, Alec. Pergunto-me como convenceu Daniel... —Jogamos os troncos e eu ganhei o direito de escolher primeiro —disse Alec—. Foi uma escolha por eliminação. — Alec —Jamie dirigiu ao marido uma olhada colérica.— Está troçando de mim diante do seu amigo, ou fala sério? —Estou brincando —respondeu Alec. —Sempre brinca —disse Jamie a Gavin, como um modo indireto de desculpar a escandalosa afirmação do marido. Gavin ficou perplexo. Nunca, em toda sua vida, vira Alec brincar a respeito de nada. Mas não pensava contradizer lady Kincaid. Girou a cabeça a tempo para ver que Alec piscava um olho para a esposa.
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—Ela está exausta, Gavin —disse Alec, captando a atenção do soldado—. O que mais precisa agora é um bom jantar e uma noite de descanso. —Primeiro, ela precisa conhecer sua casa —disse a própria Jamie em tom exasperado—. Porque sente muita curiosidade. Alec e Gavin sorriram ao ver que, de maneira sutil, Jamie os censurava por falar como se ela não estivesse presente. Jamie também sorriu, contente por têlos superado desse modo. —Alec, poderia tomar um banho, também? —Milady, vou ocupar-me imediatamente disso —disse Gavin, antes que Alec pudesse responder. Seguiu à nova ama como uma marionete. Alec observou como Gavin olhava para sua esposa e o divertiu como o amigo tentava dissimular sua reação ante ela: não podia afastar o olhar. —Obrigado, Gavin —respondeu Jamie—. Mas não deve ser tão formal comigo. Por favor, chame-me de Jamie. Esse é meu primeiro nome. Como o amigo de Alec não respondeu à sugestão, Jamie se voltou e viu que Gavin franzia o sobrecenho. — Não é aceitável? —perguntou. — Você disse que seu nome era Jane? —Não, é Jamie —esclareceu, assentindo, ao ver que Gavin parecia confuso. O soldado se voltou para e Alec e resmungou: —Mas isso é nome de homem!
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Capítulo nove —Você o instigou a dizer isso, não é verdade, Alec? Alec não se incomodou em responder essa pergunta absurda. Era verdade, Jamie era nome de homem, e Alec tinha coisas muito mais importantes a fazer do que ficar detido no umbral, discutindo esse assunto com ela. Deixando-a zangada, Alec e Gavin desceram os três degraus que levavam ao Grande Salão. Para falar a verdade, teve que dar um bom empurrão em Gavin para fazê-lo caminhar. Cheia de curiosidade, Jamie olhou ao redor. A sua direita, erguia-se um muro de pedra, alto como uma igreja. Ao tato, as pedras eram frias e suaves como gemas polidas, sem uma mancha ou uma bolinha de pó que maculasse a cor castanho-dourada. Uma escada de madeira subia até o segundo nível, onde formava um ângulo com um balcão que se estendia por todo um lado do edifício. Jamie contou três portas no piso superior e supôs que seriam os dormitórios de Alec e dos familiares. Certamente a construção não oferecia muita intimidade. A área era tão aberta que qualquer um que estivesse no salão ou na entrada podia ver quem entrava ou saía dos habitações de acima. O salão principal parecia ter sido feito para gigantes. Tinha uma aparência desolada, embora impecável. Bem em frente de Jamie havia uma sólida lareira de pedra. O ar da imensa habitação estava aquecido pelo fogo que ali ardia.
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O salão era o maior que Jamie já vira. Claro que só conhecia o do pai, e supôs que na verdade era insignificante: o salão do pai se perderia naquela amplidão. O cômodo era amplo como um prado e estava dividida por um comprido corredor central de juncos que terminava na lareira. À esquerda, abrangendo só uma pequena parte do salão, havia uma mesa com uns vinte tamboretes. À direita, havia outra mesa de idênticas dimensões. Poucos metros atrás dessa segunda mesa, havia um biombo alto de madeira. Jamie imaginou que a divisão ocultava a despensa. Alec e Gavin estavam sentados à mesa, junto à lareira. Como nenhum dos dois guerreiros prestava atenção nela, Jamie rodeou o biombo, olhou atrás dele e se assustou ao ver ali uma cama sobre uma plataforma alta. Vários ganchos estavam fixos no muro, atrás da cama, e pelo tamanho das peças de roupa penduradas, Jamie adivinhou que Alec devia dormir. Implorou para estar engasnada. Um soldado passou junto à jovem e depositou a bolsa de viagem de Jamie sobre a plataforma: Jamie compreendeu que havia adivinhado corretamente. O soldado lhe dirigiu um olhar assustado, resmungou em resposta ao agradecimento de Jamie por haver trazido a bagagem, e depois fez um gesto para que se afastasse quando outro homem corpulento trouxe uma banheira circular de madeira que colocou no canto mais afastado, depois do biombo. Jamie tomaria o banho mais silencioso de sua vida, e isso era tudo. Sentiu que se ruborizava só de pensar na falta de intimidade. Claro que o biombo ocultaria sua nudez, mas qualquer que entrasse no salão ouviria o ruído e não teria dúvidas sobre o que estava fazendo. Jamie retornou junto a seu marido, decidida a descobrir onde estava a cozinha para poder pedir o jantar. Colocou-se ao lado de Alec e esperou um longo instante, mas o homem não lhe deu atenção. Gavin estava lhe passando um relatório e Alec escutava apenas o que ele dizia. Jamie se sentou sobre o banco junto a Alec, apoiou as mãos sobre o colo e esperou, paciente, até que o marido terminasse. Seria grosseiro interromper, e Jamie sabia que tampouco devia queixar-se. Afinal de contas, era a esposa de um senhor importante, e se era necessário que
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ficasse sentada esperando a obter a atenção de Alec até a alvorada, ela esperaria. Depois, sentiu muito sono para pensar em comer. Ia levantar-se da mesa quando duas mulheres entraram depressa no salão. Os vestidos de ambas ostentavam as cores dos Kincaid, e por suas aparências Jamie soube que eram criadas. As duas tinham cabelo loiro escuro, olhos castanhos e sorrisos sinceros, até que a viram. Nesse instante, os sorrisos se desvaneceram. A mais alta, de fato, dirigiu a Jamie uma expressão hostil. Jamie lhes devolveu a mesma expressão, pois estava fatigada demais para tolerar semelhante tolice. ―Amanhã‖, pensou, ―terei tempo de tentar conquistar a amizade das mulheres. Por agora, pagarei na mesma moeda‖. Um soldado, de traços muito parecidos com os das duas mulheres, entrou no salão. Parou atrás delas, apoiou suas mãos sobre os ombros delas e olhou fixamente para Jamie. Tinha o cabelo quase tão negro quanto o semblante que dirigia a Jamie. Jamie pensou que esse sujeito já tinha decidido odiá-la e supôs que seria porque era inglesa. Ali, Jamie era uma estranha. O clã de Alec levaria tempo até aceitá-la. Só Deus sabia quanto ela mesma levaria até acostumar-se com eles. Alec não reparou na chegada dos intrusos até que Jamie lhe deu um empurrãozinho com o pé. Olhou-a irado por interrompê-lo, e viu o trio que aguardava perto da entrada. Imediatamente, esboçou um amplo sorriso e as duas mulheres corresponderam. A mais alta das duas correu para ele. — Venham conosco! —exclamou Alec—. Marcus —completou, ao ver que o soldado carrancudo se aproximava dele—. Depois do jantar, escutarei seu relatório. Você trouxe Elizabeth? —Sim —respondeu Marcus em voz entrecortada. — Onde está?
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—Queria ficar na cabana, aguardando notícias de Angus. Alec assentiu. Ao ver que Marcus dirigia o olhar a sua esposa, lembrou-se dela. —Esta é minha esposa —afirmou em tom indiferente. E acrescentou: —Chamase Jamie —logo se voltou para a esposa: —Este é Marcus. E esta é Edith —assinalou com a cabeça à mulher que estava junto ao guerreiro carrancudo—. Marcus e Edith são irmãos, e primos-irmãos de Helena. Jamie tinha suposto que eram irmãos, pois tinham o mesmo cenho franzido. Mas estava muito concentrada na explicação de Alec para preocupar-se com a grosseria dos irmãos. Onde estava Helena? E quem era essa Elizabeth que Marcus acabava de mencionar? Alec interrompeu as reflexões de Jamie fazendo um gesto para a última integrante do trio: —E por último, mas não menos importante, esta é minha Annie — anunciou, com um tom carregado de afeto—.Aproxime-se, menina —disse—. Deve conhecer sua nova senhora. Quando Annie cruzou depressa o salão, Jamie compreendeu que na verdade era uma mulher. Annie parecia ser só uns dois anos mais jovem que a própria Jamie, mas o rosto adorável tinha uma expressão infantil. Além disso, irradiava um ar de inocência. Annie fez uma estranha reverência à Jamie e sorriu com doçura. Disse com a voz de uma menina pequena: — Tenho que gostar dela, Alec? —Sim —respondeu Alec. — Por que? —Porque isso me deixará feliz. —Então, gostarei dela —retrucou Annie—. Embora seja inglesa. —O sorriso se
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alargou, e adicionou—: Senti falta sua, milorde. Sem dar a Alec tempo de responder, Annie correu para o outro extremo da mesa e se sentou entre Marcus e Edith. Jamie continuou observando Annie por um tempo, até que compreendeu o que acontecia. Era uma dessas pessoas especiais que são infantis a vida toda. O coração de Jamie se comoveu por Annie, e também por Alec que manifestava tanta bondade. —Annie também é irmã de Marcus? —perguntou Jamie. —Não, é a irmã de Helena. —Quem é Helena? —Era minha esposa. Alec voltou-se outra vez para Gavin, antes que Jamie pudesse fazer outra pergunta. Um grupo de criadas que entrou apressadamente no salão atraiu a atenção da jovem. Imediatamente, o estômago de Jamie começou a grunhir à vista das travessas com comida que as vigorosas mulheres traziam. Cobriram a mesa com bandejas feitas de pão velho, cavado. Frente a Jamie depositaram uma grande travessa com cordeiro. Jamie tentou não enjoar, mas a vista e o aroma da carne revolveram seu estômago. Jamie detestava
cordeiro
desde que passou mal, quando menina, depois de comer uma porção dessa carne em mal estado. Fatias de queijo, umas amarelas, outras alaranjadas com nervuras vermelhas, apetitosos bolos transbordantes de amoras purpúreas e pães redondos morenos e salpicados se adicionaram ao menu. O jantar se completava com jarras de cerveja e garrafas de água. Alec ignorou a comoção que tinham provocado as criadas no salão. Quando entrou um grupo de soldados, saudou cada homem com um movimento de cabeça e voltou a interrogar Gavin. Começava a impacientar-se com seu segundo chefe. Embora Gavin respondesse
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direta e eficientemente todas as perguntas do senhor, não lhe concedia toda sua atenção pois continuava contemplando Jamie, que estava ao outro lado da mesa. Ante a ofensa involuntária, a voz de Alec adquiriu um tom áspero. Jamie olhou para seu marido. — As novidades o desgostam? —perguntou, quando conseguiu que ele lhe prestasse atenção. —Angus desapareceu. — Quem é? —Um de meus soldados —explicou Alec—. Tem patente similar à de Gavin, embora desenvolva tarefas diferentes. — Ele é seu amigo? Alec partiu em duas uma parte de pão e ofereceu uma metade a Jamie, enquanto lhe respondia: —Sim, também é um bom amigo. —Quem é Elizabeth? —perguntou Jamie—. ouvi que perguntou ao Marcus se... —É a esposa de Angus. — Oh, pobre mulher —disse Jamie com um tom de simpatia—. Deve estar muito aflita. Não é possível que Angus simplesmente tenha se atrasado? Alec moveu a cabeça. Não entendia por que Jamie se preocupava tanto, já que não conhecia o homem. Mas a simpatia de Jamie o agradava. —Não está atrasado —afirmou—. Esposa, uma demora seria um insulto para mim. Não, algo lhe aconteceu. —Deve estar morto, pois se não, estaria aqui — interveio Gavin, dando de ombros. —Sim —concordou Alec. Os outros soldados escutavam a conversa sem perder detalhe, advertiu Jamie.
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E notou também que todos eles deviam conhecer o inglês tão bem quanto Alec. Todos estiveram de acordo com o comentário de Gavin. —Não pode saber se estiver morto.—disse Jamie. Aquela atitude fria lhe pareceu bárbara—. É cruel falar desse modo sobre um amigo. — Por que? —perguntou Gavin. Jamie não fez caso da pergunta e, em troca, formulou outra: — Por que não estão buscando-o? —Neste momento, estamos procurando por ele nas colinas —respondeu Alec. —É provável que pela manhã encontrem seu corpo —agourou Gavin. —Gavin, não acredito que seja tão indiferente quanto parece, não é mesmo? — perguntou Jamie —. Tem que acreditar que seu amigo está vivo. — Tenho que acreditar? —Todos deveriam acreditar —afirmou Jamie, percorrendo com o olhar todos os que estavam sentados à mesa—. Sempre temos que ter esperanças. Alec dissimulou o sorriso. Não fazia uma hora que sua esposa estava no lar e já dava ordens. —Seria uma esperança falsa —respondeu—. E não é necessário que se mostre tão ofuscada, esposa. Alec fez os soldados participarem da conversa. Todos começaram a falar ao mesmo tempo, dando sua própria opinião a respeito do que poderia haver acontecido com Angus. Embora não estivessem de acordo com respeito ao modo em que Angus tinha sido assassinado, todos concordavam numa coisa: Angus estava morto. Durante o resto da comida, enquanto cada um expunha sua própria teoria, Jamie guardou silêncio. Depois se fez evidente que o desaparecido era importante para todos os presentes e, mesmo assim, não abrigavam esperanças. Nem Edith nem Annie fizeram nenhum comentário e mantiveram os olhos fixos na comida.
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Alec tocou o braço de Jamie e quando esta o olhou, ofereceu-lhe uma parte de cordeiro. —Não, obrigado. —Comerá isto. —Não. Incrédulo, Alec ergueu uma sobrancelha. Tinha a audácia de discutir com ele diante de seus próprios homens. Era inconcebível. Jamie viu que parecia atônito e chegou à conclusão de que ele não gostava que o contradissessem. —Não quero cordeiro, mas de todos os modos, agradeço. —Você comerá —ordenou Alec—. Está fraca, e precisa se fortalecer. —Já sou forte o bastante —murmurou Jamie—. Alec, não posso tolerar o cordeiro. Não o retenho no estômago. Até o aroma me enjoa, mas o resto da comida é muito boa. Não poderia engolir um bocado mais. —Então, vá banhar-se —indicou o marido, e franziu o cenho ao ver outra vez refletida a fadiga nos olhos de Jamie—, Logo ficará escuro, e com a escuridão fará um frio que impregnará até os ossos, se não estiver na cama. —Você também sofrerá com o frio nos ossos? —perguntou a moça, —Não —respondeu Alec, sorrindo—. Os escoceses somos feitos de uma madeira mais forte. Jamie riu e esse som musical atraiu a atenção de todos. —Você retruca usando minhas próprias palavras —assinalou. Alec não respondeu. —Alec, onde dormirei? —Comigo —respondeu, num tom que não deixava lugar a discussões. —Mas, onde? —insistiu Jamie—. Alec, dormiremos aqui, atrás do biombo, ou num dos dormitórios de cima?
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Girou para assinalar o balcão e de repente se congelou. Deus era testemunha de que não podia acreditar no que seus olhos viame estes se abriram assombrados! Jamie, de frente para a entrada, viu que havia armas por todos lados. Enchiam as paredes do teto até o chão, em ambos os lados da entrada, Mas não era o fato de que o marido tivesse um arsenal completo o que deixava Jamie atônita... e sim a espada pendurava no centro da parede mais afastada! Era uma espada magnífica, hercúlea, que tinha incrustados no punho grupos de pedras preciosas vermelhas e verdes, que pareciam uvas graúdas. Contemplou a espada vários minutos antes de examinar as outras armas e logo as contou. Em total, havia cinco espadas que pendiam entre maças, garrotes, lanças e outras armas que não conhecia, Voltou a contar para estar segura: sim, eram cinco espadas. E todas pertenciam a Alec. Oh, como deve ter rido quando Jamie se ofereceu para gastar seus xelins trabalhosamente economizados para lhe fabricar uma! E embora Jamie fizesse papel de tola, a conduta de Alec foi pior, pois a permitiu fazê-lo. Estava tão envergonhada por sua própria ingenuidade que não podia olhar para o marido. Continuou contemplando a parede e disse: —Gavin, todas essas armas pertencem a meu marido, não é? —Isso mesmo —respondeu Gavin, de olho em Alec para avaliar a reação do amigo diante da mudança no comportamento de sua esposa. Alec notou que a voz de Jamie tremia e que ruborizava. Parecia muito estranho a ele, pois a jovem havia se mostrado muito dócil, quase tímida durante o jantar. Quase não falou uma palavra! Alec observava a sua esposa, mas, quando por fim Jamie se voltou para ele, no semblante do guerreiro se instalou um amplo sorriso. Jamie travou os punhos na cintura e teve a audácia de olhar seu marido com semblante carrancudo. A transformação da mulher assombrou Gavin. Tinha-a considerado tímida, mas mudou de opinião ao ver esses olhos furiosos, de um tom
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violeta intenso. Lady Kincaid já não parecia tímida, mas sim pronta para a briga. Era com Alec com quem estava disposta a brigar. Acaso não conhecia o temperamento feroz de Alec? Gavin chegou à conclusão de que, sem dúvida, não o conhecia, pois do contrário não o teria desafiado com semelhante atrevimento. —Gavin, na Inglaterra, o que pertence ao marido também é propriedade da esposa. Aqui acontece o mesmo? Perguntou-o sem afastar o olhar de seu marido. —Sim —respondeu Gavin—. Por que pergunta, milady? Há algo em especial que a interesse? —Sim. — O que? —perguntou Gavin. —A espada. —Uma espada, milady? —perguntou Gavin. —Não, Gavin. Não uma espada —esclareceu Jamie—. A espada. A que está lá, no centro da parede. Quero essa espada. Uma exclamação coletiva se ergueu no salão, e a boca de Gavin se abriu. Passou o olhar sobre a mesa, sabendo que todos tinham ouvido a conversa e pareciam tão perplexos quanto o próprio Gavin. —Mas essa é a espada do senhor —gaguejou Gavin—. Sem dúvida... A risada de Alec cortou a explicação. —Uma esposa não poderia nem mesmo erguer essa espada —disse-—. Não, uma simples mulher não teria a força suficiente; mais ainda, uma mulher incapaz de comer cordeiro. Jamie deixou a provocação continuar por um prolongado momento. — Há adagas que uma esposa possa levantar com sua força insignificante? — perguntou por fim, dirigindo a seu marido um sorriso muito doce.
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—É obvio. —Nesse caso, possivelmente... —Jamie, seria muito fácil arrebatar uma adaga dessas mãos tão pequenas. Jamie fez um gesto de assentimento. Alec se decepcionou ao vencer com tanta facilidade esse jogo de desafios. Jamie lhe fez uma reverência e se encaminhou para o biombo. Alec contemplou o suave meneio de seus quadris até que notou que os homens também o observavam. Clareou a voz para chamar a atenção e manifestou seu desgosto. Jamie já estava quase fora da vista quando exclamou por cima do ombro: —A menos que estivesse dormindo, Alec. Nessa circunstancia, minhas mãos pequenas teriam força suficiente, não acha? Desejo-o bons sonhos. A risada de Alec a seguiu depois do biombo. — Por acaso entendi mal? —perguntou Gavin—. Ou sua esposa acaba de ameaçar matá-lo? —Não entendeu mal. —Mesmo assim você ri? —Pare de franzir a testa —disse Alec—. Não corro perigo. Minha esposa não me faria o menor dano, pois não está em seu caráter. — É inglesa, Alec. —Você a entenderá quando a conhecer melhor. —É muito bonita —disse Gavin, sorrindo—. Não pude deixar de reparar. —Pude ver que notou. —Sim... bom, passará um tempo até que me acostume —admitiu Gavin, incômodo ao saber que o senhor o tinha surpreendido olhando para sua esposa—. Os homens dariam sua vida para salvá-la, Alec, mas, para ser honesto, não sei se algum dia jurarão lealdade a ela. Por ser inglesa, claro.
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—Tinha esquecido esse fato —respondeu Alec—. Cada vez que abre a boca, seu sotaque me recorda. Talvez, com o tempo, Jamie consiga conquistar a confiança dos homens. Eu não o exigirei. —Eu achava que ela era tímida, mas agora não estou certo. —Jamie é tão tímida quanto eu -disse Alec—. Não abriga muitos medos. Gosta de dizer o que pensa: esse é outro de seus numerosos defeitos. Mas é muito pouco dura para seu próprio bem, Gavin. —Entendo. — Por que demônios sorri? —perguntou Alec. —Por nada, milorde. —Agora me escute —prosseguiu Alec—. Quero que cuide de Jamie cada vez que eu me ausente. Não a deve perder de vista, Gavin. —Teme problemas? —Não —respondeu Alec—. Limite-se a cumprir o que ordeno sem me fazer perguntas. —Certamente. —Quero que a adaptação de Jamie seja a mais fluída possível. Não é muito forte. —Você já me disse isso —assinalou Gavin, sem pensar. Alec compôs uma expressão colérica para demonstrar seu desagrado com o comentário. — A visão do sangue a desgosta. —Como a do cordeiro assado. Os dois homens riram. Mas a risada não durou. Assim que Alec contemplou os rostos dos que estavam sentados à mesa deixou de rir. Todos os soldados olhavam atentos para o biombo. Era possível que não confiassem na esposa do senhor, mas
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sem dúvida se sentiam cativados por ela. Jamie não tinha idéia da comoção que tinha provocado. Criadas organizavam seu banho sob a supervisão de uma mulher de cabelos cinzas e falar suave, chamada Frieda, até que terminaram e saíram. Frieda ia sair quando Jamie lhe perguntou onde era a cozinha. —No quinto dos infernos —murmurou Frieda—. OH, Deus, não queria dizer isso, senhora! Jamie conteve a risada, pois a pobre mulher parecia mortificada e não queria incomodá-la mais ainda. —Não contarei a ninguém —prometeu—. O que queria dizer é que a cozinha está numa construção separada? Frieda assentiu com tanto vigor que o coque de cabelo, alto no cocuruto, se balançou. —Alguns invernos, o tempo é tão ruim que temos que abrir passo até lá com a neve pelos joelhos. Faz um frio terrível, moça. — Você me mostrará onde é? — Para que quer vê-la? —Como agora sou a ama, talvez faça certas mudanças —explicou Jamie—. Acredito que a cozinha teria que ser transferida para mais perto do edifício principal, não? —Fala sério, moça? —perguntou Frieda, evidentemente entusiasmada. Com expressão grave, murmurou—: Contudo, eu a aconselharia a não mencionar as mudanças, ao menos diante de Edith. Ela se considera a ama. Essa sim que é bastante mandona. Jamie sorriu. —Isso também terá que mudar, certo?
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O sorriso radiante da anciã demonstrou que tinha ganhado uma aliada para toda a vida. —Será melhor que se banhe antes que a água esfrie—aconselhou Frieda antes de partir. Enquanto se despia, Jamie pensou nos comentários de Frieda e meteu-se na banheira sem fazer ruído. Não queria incomodar, pois Alec e seus homens estavam do outro lado, mas no momento em que lavou o cabelo e se deu uma boa esfregada, estava tão cansada que já não se importava se a ouviam ou não. Ficou um tempo sentada na água que esfriava até que saiu, secou-se, vestiu uma camisa e se meteu na imensa cama. Levou quase meia hora mais desembaraçar o cabelo e secá-lo um pouco. A espada de Alec não saía da cabeça de Jamie. Foi humilhante o modo como a deixou exortá-lo a respeito de como era necessário que um cavalheiro tivesse uma boa espada. Mas não pôde evitar um sorriso: não conseguia permanecer zangada com Alec. Até soltou uma gargalhada suave ao recordar que tinha sugerido que treinasse com Daniel. Era provável que Alec pensasse que ela tinha o cérebro de uma ovelha. Sem dúvida, pensaria que era tão ignorante quanto um camundongo de campo. O último pensamento de Jamie antes de dormir foi revelador: desejava que Alec viesse para a cama. Que o Céu a ajudasse; estava se apaixonando por esse escocês bárbaro!
Vejo como Alec continua olhando para o biombo. A cadela inglesa já o seduziu. Acaso seu amor por Helena foi tão superficial que pôde substituí-la com tanta facilidade? Ele não lembra do que aprendeu. Possivelmente já tenha entregado o coração à sua noiva. Deus, assim o espero! Desse modo, a morte da mulher será mais dolorosa. Estou impaciente por matá-la.
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Capítulo dez Os sussurros despertaram Jamie. Inicialmente se desorientou. Ainda ardiam as velas, lançando sombras que dançavam sobre o biombo. Jamie as contemplou por uns momentos antes de compreender onde estava. Os murmúrios se deixaram ouvir outra vez. Jamie se esforçou para captar alguma e outra palavra, e quando conseguiu, despertou completamente e tremeu de medo. Agora entendia o que diziam! Era o sacramento da extrema-unção o que estava ouvindo, o rito sagrado dedicado a uma alma que partia. Deviam ter encontrado Angus. Jamie fez o sinal da cruz depressa, vestiu a bata e foi oferecer suas próprias preces. Embora a considerasse uma estranha, de todos os modos era a esposa de Alec. Acaso não era seu dever permanecer junto ao marido quando me despedia de um amigo? Alec não a ouviu aproximar-se. Jamie ficou atrás do marido, observando como o sacerdote lia a texto sagrado. O corpo estava sobre a mesa mais afastada da lareira. O velho sacerdote, vestido com o traje de luto, negro, bordado de púrpura, estava de pé junto a uma das pontas da mesa. De cabelos grisalhos e rosto enrugado, falava com um tom carregado de tristeza. Alec estava de pé junto ao extremo oposto da mesa. Os espaços intermediários estavam cheios de soldados de distintas patentes. Anna, Edith e outra mulher, que Jamie adivinhou que seria Elizabeth, estavam perto da lareira.
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O coração de Jamie se compadeceu da sofrida mulher. Viu que o rosto de Elizabeth estava sulcado de lágrimas, mas de sua boca não brotava um som, e isso a fez admirá-la mais ainda. Sem dúvida, em circunstâncias similares Jamie teria gemido sem controle. Apareceu por trás de seu marido para ver melhor o homem que estavam velando. Inicialmente pensou que estava morto. Jamie estava acostumada a ver feridas de todo tipo, e por isso não passou mal ao contemplar o horrendo espetáculo, embora faltasse pouco. Num primeiro momento, pareceu-lhe que havia sangue por todos os lados. Mas Jamie não podia saber que proporção provinha de feridas graves, e quão sério era o dano. Uma grande ferida curva cobria grande parte do peito do guerreiro. Além disso, tinha o braço esquerdo quebrado, perto do pulso mas Jamie achou que era um corte limpo. Era um homem com cicatrizes de batalha, traços austeros e cabelo castanho escuro. Um enorme hematoma inchava sua testa, dando-lhe um aspecto grotesco. Jamie contemplou longamente o inchaço, perguntando-se se esse golpe teria sido a causa da morte. De súbito, o homem morto fez uma careta. Foi um movimento tão leve que se não tivesse estado observando-o com tanta atenção, não teria reparado. Na mente de Jamie acendeu-se uma faísca de esperança. Concentrou-se no modo em que o guerreiro respirava. Embora a respiração fosse superficial, era tão genuína quanto a de um galo de briga. Esse era um bom sinal, pois quando a morte se aproximava da presa, produzia-se uma respiração trêmula. A verdade a tomou de surpresa: Angus não estava morto... ainda. O sacerdote não terminava nunca as orações, e Jamie não queria esperar. Sem dúvida, o homem que estavam encomendando pegaria uma febre e morreria, a menos que a jovem pudesse curar seus ferimentos. Jamie deu um tapinha no ombro de Alec e este se voltou imediatamente; logo
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se moveu para lhe obstruir a visão do soldado ferido. Não parecia muito contente de vê-la. —É Angus? —murmurou Jamie. Alec assentiu. —Volta para a cama, Jamie. —Ele não está morto. —Está morrendo. —Não, não acredito que esteja morrendo, Alec. —Vá para a cama. —Mas, Alec... —Já. A aspereza da ordem afligiu a jovem. Jamie girou lentamente e se encaminhou de volta à cama. Mas enquanto ia, fez uma lista mental das coisas que precisava para atender o ferido. Quando retornou para junto do marido, tinha os braços carregados com frascos de remédios. Tinha metido uma agulha longa e fio forte no bolso da túnica e três meias brancas assomavam do outro bolso. Jamie estava resolvida a fazer tudo que fosse possível para salvar o guerreiro, com ou sem a cooperação do marido. Só esperava que Alec não armasse muito escândalo antes de dar-se por vencido. Mas não teria mais remédio que render-se. O sacerdote deu a bênção final e se ajoelhou. Alec fez um gesto a seus homens, voltou-se e quase jogou Jamie ao chão. Sem pensar, segurou-a para que não caísse. Estava furioso com sua esposa: sua expressão demosntrava. Bem como o modo como lhe apertava os ombros. Jamie inspirou fundo e exclamou: —Na Inglaterra temos um estranho costume. Não choramos a morte de um homem até que esteja morto, e não chamamos o sacerdote até estar seguros de que tenha falecido.
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Essa afirmação obteve a atenção total de Alec. —Alec, não pode estar seguro de que Angus esteja moribundo. Deixe-me ver as feridas. Se Deus tiver decidido levá-lo, nada do que eu faça mudará as coisas. Moveu os ombros para soltar-se das mãos de Alec enquanto esperava uma resposta, que demorou mais do que ela gostaria. Alec a olhava como se tivesse perdido o juízo. Jamie tentou deslocar-se para o lado, mas seu marido voltou a lhe obstruir a visão. —Há muito sangue. —Já vi. —O sangue a faz desmaiar. —Alec, de onde tirou isso? Alec não respondeu. —Não vai me acontecer nada. —Se desmaiar, eu me zangarei. ―E se sua voz se torna ainda mais áspera, fará explodir um relâmpago‖, pensou Jamie. —Marido, eu o atenderei, com sua permissão ou sem ela. Agora, saia de meu caminho! Alec não se moveu, mas abriu os olhos, surpreso ante a dureza da ordem. Jamie pensou que queria estrangulá-la e chegou à conclusão de que esse não era o modo de abordá-lo. —Alec, acaso eu lhe disse como lutar contra aqueles bandidos que nos atacaram? Alec achou a pergunta ridícula. Jamie respondeu por ele: —Não, é obvio que não o fiz. Esposo meu, eu não sei nada de lutas, mas sei muito a respeito de curas. Tratarei Angus, e isso é tudo. Por favor, retire-se de
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meu caminho. Seu amigo sofre uma dor horrível. Foi essa última afirmação o que convenceu a Alec. — Como sabe que sofre? —Eu o vi fazer uma careta. — Tem certeza? —Muita. A ferocidade no tom de Jamie surpreendeu
Alec. Ante seus próprios olhos
estava se transformando numa tigresa. —Faça o que puder. Jamie exalou um suspiro enquanto se aproximava depressa da mesa. Apoiou os frascos num canto e se inclinou sobre Angus para examinar suas feridas. Todos os guerreiros se aproximaram outra vez da mesa. Pareciam confussos, por isso Alec acreditou que enfrentaria uma rebelião. Cruzou os braços sobre o peito e contemplou os presentes, que haviam se voltado em sua direção. Era evidente que esperavam ver o que faria em relação com a atrevida intervenção de sua esposa. Jamie não deu atenção aos soldados. Apalpou com suavidade os extremos da protuberância na testa de Angus. Logo, examinou a ferida do peito. —Tal como imaginava —disse. — Algum dano? —perguntou Alec. Jamie moveu a cabeça e disse em tom esperançado: —A maior parte é aparente. —Aparente? —Quero dizer que parece mais grave do que na realidade é —explicou Jamie. — Ele está morrendo? Foi o sacerdote quem perguntou. Ofegante, o ancião ficou de pé com esforço e
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olhou para Jamie com a expressão mais feroz que a jovem jamais tinha visto. —Tem uma boa possibilidade, padre —disse Jamie. Ouviu um grito de mulher e imaginou que provinha de Elizabeth. —Eu gostaria de ajudar -disse o sacerdote. —Eu ficaria grata —devolveu a jovem. Ouviu que, atrás dela, os soldados murmuravam baixinho. Não lhes deu importância e deu as costas a seu marido—. Notei que você saía com seus homens, mas se não tiver algo muito importante que fazer, sua ajuda me viria bem. —Íamos construir uma caixa —explicou Alec. —Uma caixa? —Um ataúde —interveio o sacerdote. Jamie adotou uma expressão incrédula e sentiu vontade de cobrir os ouvidos de Angus com as mãos para que não ouvisse aquela conversa desencorajadora. — Pelo amor de Deus! Já estavam enterrando Angus antes que deixasse de respirar? —Não, teríamos esperado —respondeu Alec—Realmente acha que pode salvá-lo, não é mesmo? —Como posso ajudar? —perguntou Gavin, antes que Jamie pudesse responder o marido. —Preciso de mais luz, ataduras de linho, um tigela com água morna, mais tigelas com água e duas tabuletas de madeira, mais ou menos deste tamanho, Gavin —indicou com as mãos as medidas das tabuletas que precisava. Se acaso pensaram que o que Jamie tinha pedido não fazia sentido, nada disseram. —Ele está com o braço quebrado, garota. Pensa em cortá-lo? —perguntou o sacerdote. Às costas de Jamie, um soldado murmurou:
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—Angus preferiria morrer antes que cortassem seu braço. —Não cortaremos seu braço —afirmou Jamie, exasperada—. Vamos endireitálo. — Realmente? —perguntou o clérigo. —Sim. O círculo de homens em volto da mesa se estreitou. Gavin se abriu passo a cotoveladas até a senhora. —Aqui está a tigela de água que pediu. Os outros estão atrás de você. Jamie abriu os frascos de remédios, tomou entre o polegar e o indicador um pingo de um pó pardo e o misturou com a água do tigela. Quando o líquido turvou, deu-o a Gavin. —Por favor, segure isso por um momento. — O que é, senhora? —perguntou Gavin, cheirando a poção. —Um sonífero para o Angus. Irá aliviar a dor. —Já está dormindo. Jamie não reconheceu a voz e soube que esse comentário vinha de outro soldado que falava em tom colérico. —Sim, está adormecido —murmurou outro soldado qualquer. —Não está dormindo —replicou Jamie, esforçando-se para ser paciente. Compreendeu
que
tinha
que
conquistar
a
confiança
dos
homens
para
que
colaborassem com ela. —Então, por que não nos fala nem nos olha? —Porque sofre muito —respondeu Jamie—. Alec, pode levantar sua cabeça para que possa beber mais facilmente? Alec foi o único que não discutiu. Aproximou-se da mesa e levantou a cabeça de Angus. Jamie se inclinou sobre o amigo de Alec, rodeou seu rosto com as mãos e
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falou: —Angus, abra os olhos e olhe pra mim. Foi necessário que repetisse suas palavras três vezes, gritando a última até que, por fim, o guerreiro obedeceu. Um murmúrio de surpresa correu em volto da mesa; os incrédulos se convenceram. Não cessou de insistir até que o guerreiro bebeu boa parte do preparado. Então, suspirou satisfeita. —Em um ou dois minutos, a poção fará efeito. Depois desta afirmação, Jamie ergueu os olhos. Alec sorria. —Ainda é possível que tenha uma febre e morra —sussurrou, temerosa de ter dado muitas esperanças e de ter sido pouco precavida. —Ele não se atreveria. —Não? — Não depois da maneira como gritou com ele...! —replicou Alec. Jamie sentiu que se ruborizava. —Tinha que erguer a voz —se desculpou—. Era o único jeito de que ele respondesse. —Acho que já está dormindo —interveio Gavin. —Veremos —disse Jamie. Outra vez se inclinou sobre Angus e rodeou o rosto com as mãos. — A dor está diminuindo? —perguntou. O guerreiro abriu lentamente os olhos e Jamie viu que o remédio começava a fazer efeito, pois os olhos claros estavam turvos e o semblante tinha adquirido uma expressão serena. —Fui para o Céu? —perguntou Angus num sussurro. —Você é meu anjo?
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Jamie sorriu. —Não, Angus. Ainda está nas Terras Altas. Uma expressão de horror atravessou o semblante do soldado. —Deus Todo-poderoso, não estou no Céu! Estou no Inferno! É um truque cruel do demônio. Você parece um anjo, mas fala como uma inglesa. A última afirmação foi um bramido e, imediatamente, começou a debater-se. Jamie se inclinou tão perto do ouvido direito de Angus que quase o beijava, e murmurou em gaélico: —Fique tranqüilo, amigo. Está a salvo entre paredes—mentiu.— Se o faz sentir melhor, imagine a próxima batalha contra os ingleses, mas cale-se. Deixe que a poção o faça dormir. O suave sotaque com que Jamie lhe falou soou estranho a ela mesma, mas Angus estava muito aturdido para notá-lo. Deixou de lutar e fechou outra vez os olhos. Dormiu com um sorriso nos lábios. ―Deve estar contando os soldados inimigos que matará‖, pensou Jamie. —O que lhe disse, milady?—perguntou um soldado por cima do ombro de Jamie. —Disse-lhe que era muito obstinado para morrer —respondeu Jamie, dando de ombros. Gavin estava pasmo. —Mas, como sabe que Angus é obstinado? —É escocês, não é? Gavin olhou para Alec para ver se ele se sentia divertido ou insultado pelo comentário de lady Kincaid. Mas aquele sorria, e Gavin chegou à conclusão de que a senhora só brincava. Com o cenho franzido, perguntou-se quanto tempo levaria até entender essa inglesa insólita. A voz doce da mulher era tão enganosa quanto sua aparência: era como uma bonequinha delicada. O topo de sua cabeça mal alcançava
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o ombro do marido...! E se não estava prevenido, essa voz algo rouca era capaz de convencê-lo a realizar qualquer desejo que formulasse... —Eu também queria ajudá-la. A voz chorosa pertencia a Elizabeth, que estava do outro lado da mesa, olhando para Jamie. A mulher loira ainda estava assustada, mas decidida, e quando Jamie sorriu, devolveu-lhe um sorriso algo vacilante. —Angus é meu marido. Farei qualquer coisa que me disser. —Agradeço sua ajuda —lhe disse Jamie—. Umedeça este pano e sustente-o contra a testa de seu marido —indicou. Jamie tirou as três meias do bolso e meteu numa delas a tabuinha que Gavin tinha trazido. Antes que terminasse, um dos soldados tinha feito o mesmo com a segunda tabuinha. Nesse momento suas mãos tremiam, pois já não podia postergar a tarefa que mais a assustava. Era hora de endireitar o braço do Angus. —Na Inglaterra está na moda utilizar uma medicação diferente para fazer um homem dormir, mas eu não estou de acordo com esse tipo de tratamento — divagou—. Rogo que Angus durma enquanto lhe fazemos isso. —Teria dormido melhor se tivesse empregado esta medicação? —perguntou um soldado. — Sim! —respondeu Jamie—. Mas talvez não despertasse. Acontece na maioria dos casos. As desvantagens superam as vantagens, não acha? Imediatamente, os soldados assentiram. —Alec, terá que fazer isto por mim pois eu não tenho força suficiente—disse—. Gavin, preciso de tiras longas de linho, preparadas para amarrar as tabuinhas. Jamie colocou a mão torcida de Angus na terceira meia, fez cinco buracos na parte dos dedos do pé, e passou os dedos por esses orifícios. Cada vez que lhe tocava o braço, lançava um olhar angustiado a Angus para ver se despertava.
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—Alec, segure o braço. Gavin, você sustenta o antebraço —indicou—. Puxem muito lentamente, por favor, até que eu possa endireitar o osso. Elizabeth, vire-se de costas. Não quero que veja isto. Jamie aspirou com força para serenar-se, e logo murmurou: —Deus, como detesto esta parte de meu trabalho! Agora. Foram necessários três tentativas até que a jovem se assegurou que as pontas do osso quebrado estavam na posição correta. Deslizou a primeira tabuinha debaixo do braço, logo pôs a segunda em cima. Tremiam-lhe as mãos. Alec segurou as tabuinhas enquanto Jamie envolvia várias voltas da faixa nas madeiras. Quando terminou, o braço de Angus ficou firmemente entalado. —Acabou; o pior já aconteceu —disse, com um profundo suspiro de alívio. —Falta o peito, milady —recordou o sacerdote. Deixou escapar uma tosse áspera e dolorosa, e adicionou: —Tem uma ferida aberta aí. —Parece pior do que em realidade é —respondeu Jamie. Sorriu para ouvir um suspiro coletivo. Pediu mais luz e ficou quase cega pela quantidade de velas que os soldados providenciaram para que pudesse ver. Jamie pediu outra tigela com água morna. Abriu outro frasco de remédio, jogou uma boa quantidade de um pó alaranjado no líquido e entregou a mistura ao sacerdote, surpreendendo-o. —Beba isso. Curará sua tosse —disse—. Estou certa de que dói. O clérigo ficou mudo. Tanta consideração o deixava perplexo. Bebeu um bom gole e fez uma careta. —Beba tudo, padre —ordenou Jamie. Como um menino, resistiu uns instantes e logo obedeceu. Jamie voltou a atenção à ferida do peito de Angus. Concentrou-se na tarefa. A ferida formava uma crosta com barro e sangue seco. Jamie a limpou com
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meticulosidade, pois, pela experiência passada e as instruções de sua mãe, sabia o terrível dano que podia ocasionar uma só sujeirinha que ficasse dentro de uma ferida. E embora não soubesse a razão, sabia que era assim. Como os lábios da ferida eram desiguais, costurou-os com agulha e fio. Alec ordenou que levassem uma cama ao grande salão. Sabia que Jamie quereria ter o paciente por perto, e a cabana do Angus estava a boa distância. A esposa do Angus não tinha pronunciado uma só palavra em toda aquela longa noite. Não se moveu de onde estava, em frente à Jamie, e observou cada um dos movimentos da jovem. Jamie quase não lhe deu muita atenção. Tinha estado inclinada sobre o guerreiro por tanto tempo que, quando enfim se levantou, uma dor correu por suas costas fazendo-a que abafasse uma exclamação. Cambaleou para trás, e antes que pudesse recuperar o equilíbrio, sentiu que uma dúzia de mãos a seguravam. —Elizabeth, por favor, me ajude a enfaixar o peito de seu marido —pediu, com intenção de fazer a aflita mulher participar da cura. Elizabeth estava ansiosa por ajudar. Assim que o tratamento terminou, Alec levou seu amigo para a cama. Jamie e Elizabeth o seguiram. —Quando acordar, estará furioso por causa da dor —vaticinou Jamie—. Elizabeth, terá que conviver com um urso. —Mas acordará. —Na voz de Elizabeth vibrou um sorriso. —Sim, o fará —confirmou Jamie. Esperou que Elizabeth acomodasse as mantas sob os ombros do marido, e logo perguntou: — Para onde foram Annie e Edith? —Retornaram à sua cabana, para dormir —respondeu Elizabeth. Acariciou a testa de Angus com um gesto afetuoso que demonstrava o quanto o amava—. Eu ia despertá-las quando Angus... quando ele tivesse morrido.
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Jamie olhou para Alec, perplexa. O padre Murdock atraiu a atenção de todos, pois começou a roncar. O ancião sacerdote estava atirado numa cadeira que tinha aproximado da mesa. — Oh! —exclamou Jamie—. Esqueci de dizer que a beberagem lhe daria sono. —Pode dormir aqui —disse Alec. E dirigindo-se à esposa de Angus, acrescentou: —Elizabeth, vá descansar um pouco. Gavin e eu nos revezaremos para cuidar de seu marido até que volte. A expressão abatida de Elizabeth indicou a Jamie que não iria deixar seu marido, mas se apressou a concordar e se encaminhou para a porta. Jamie compreendeu que a obediência ao senhor era mais importante que qualquer outra consideração. —Alec, se você estivesse doente, sem dúvida eu não quereria me afastar de seu lado. Por que não deixa que Elizabeth durma aqui? Poderia descansar numa cadeira, ou talvez usar um dos dormitórios de cima, não acha? Elizabeth deu meia-volta. —Estaria muito confortável —assegurou. Alec passou o olhar de uma mulher a outra, e logo assentiu. —Vá buscar suas coisas —disse—. Dormirá em um dos quartos de cima, Elizabeth. Não se esqueça de seu estado. Angus se zangaria se ao despertar a visse exausta. Elizabeth fez uma reverência formal. —Obrigada, milorde —disse. —Marcus, acompanhe Elizabeth à cabana para buscar suas coisas —comandou Alec. Jamie ficou junto da cama, observando Angus. Elizabeth se aproximou dela, hesitou por uns instantes e depois tomou-lhe a mão:
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—Quero agradece-la, senhora —murmurou. —Não terá que despertar Annie e Edith —comentou Jamie. Elizabeth sorriu. —Não, não terei que despertá-las. —Começava a ir-se, mas se voltou.— Quando meu filho nascer, levará o nome de seu pai. _ Quando será esse acontecimento maravilhoso? Perguntou Jamie. —Dentro de seis meses. E se for uma menina... —Eu lhe darei seu nome, milady. Se tivesse tido forças, Jamie teria rido, mas estava tão esgotada que só pôde sorrir. —Alec, você ouviu a promessa de Elizabeth? Ela não acredita que Jamie seja um nome de homem. O que acha? Elizabeth sorriu para Alec, esperou que concordasse e disse: — Acreditava que seu nome era Jane, milady. Alec riu pela esposa. Elizabeth estreitou a mão de Jamie para demonstrar que estava brincando, e saiu do salão com Marcus. — Esse indivíduo sorri alguma vez? —perguntou Jamie a Alec quando ficaram sozinhos. —Quem? —Marcus. —Não, Jamie. —Detesta-me com toda sua alma. —Sim, é verdade. Jamie olhou zangada para Alec por ter concordado com tanta facilidade, e depois preparou outra beberagem que tinha poder para fazer baixar a febre. Dirigia-se outra vez ao redor da cama quando de repente lembrou que não tinha examinado a parte inferior do corpo de Angus para ver se havia outras feridas para
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curar. Resolveu pedir a Alec que o fizesse enquanto ela fechava os olhos. —Não há mais feridas —afirmou Alec, depois de atender o pedido de Jamie. O alívio de Jamie não durou. Quando abriu os olhos, Alec estava a poucos centímetros dela e sorria. —Esposa ruborizada. Se houvesse encontrado outras feridas, o que teria feito? —Curá-las, se fosse possível —respondeu Jamie—. E talvez ficasse ruborizada durante todo o tempo enquanto o fizesse. Alec, não esqueça de que sou só uma mulher. Esperou que Alec a contradissesse. —Sim, é mesmo. A forma como a olhava fez com que o rubor de Jamie se intensificasse. O que acontecia com este homem? comportava-se como se quisesse dizer algo e não se decidisse. —Marido, estou feia outra vez? Sei que devo estar um desastre. —Nunca está feia —respondeu Alec, afastando uma mecha de cabelo sobre o ombro de Jamie. O tenro gesto provocou um estremecimento nos braços de Jamie— . Mas concordo que parece um desastre. Jamie não soube como interpretar a frase. Seu marido sorria, e supôs que não estava brincando. Ou sim? Este homem tinha um estranho senso de humor. Quanto mais Alec a contemplava, mais nervosa ela ficava. —Vamos, faça com que Angus beba isto. —Entregou-lhe a tigela. —Nas últimas horas você disparou ordens como um comandante no campo de batalha, Jamie. Mas agora se mostra tímida. A que se deve a mudança? —A você —respondeu Jamie—. Quando me olha assim, fico acanhada. —É bom saber.
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—Não, com certeza não é bom —murmurou Jamie. Arrebatou-lhe a tigela das mãos, correu para junto de Angus e insistiu com o paciente para que bebesse uma boa quantidade. —Quero que use meu manto —disse Alec. —O que? —Esposa, quero que vista minhas cores. —Por que? —Porque agora me pertence —explicou Alec, paciente. —Eu vou vestir seu manto quando meu coração desejar pertencer a você, Kincaid, e nem um minuto antes disso. O que você acha disso? —Poderia ordenar que... —Mas não o fará. Alec sorriu. Afinal de contas, sua pequena e gentil esposa começava a entendêlo. E ele também começava a compreender como funcionava a mente de Jamie. Esta mulher tola ainda não aceitava que seu próprio coração começava a abrandar-se para ele. Mas Alec queria que ela o admitisse. —O que disse a Elizabeth era verdade? Se eu estivesse ferido, ficaria a meu lado? —É óbvio. Jamie nem olhou por cima do ombro quando completou: —Marido, pode abandonar esse sorriso presunçoso já. Qualquer esposa ficaria junto a seu marido: é nosso dever. —E você sempre cumpre com seu dever. —Claro. —Jamie, vou lhe dar duas semanas para decidir, mas você terminará usando meu manto.
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Enquanto contemplava Jamie, uma verdade contraditória abriu caminho na mente de Alec: na realidade, queria que ela o quisesse. Queria que o amasse. Mesmo assim, estava decidido a não amá-la. O motivo era simples: um guerreiro não amava a esposa, possuía-a. Claro que existiam boas razões para isso: o amor complicava a relação. Por outra lado, fazia com que um senhor esquecesse suas obrigações. Não, nunca amaria Jamie, mas se empenharia para que muito em breve ela se apaixonasse por ele. —Duas semanas. Jamie não precisava que ele repetisse. —Meu marido, é muito arrogante. —Fico feliz por ter notado. Alec saiu do salão antes que Jamie pudesse abafar uma risada que poderia provocá-lo outra vez. Os soldados deviam estar esperando-o embaixo, no pátio, desejando ouvir notícias sobre o amigo. Várias centenas de homens velavam Angus e não retomariam as tarefas até não ter entrado para ver o camarada. Tinham direito, e Alec não o negaria. No mesmo momento em que Jamie fechava os olhos, Angus despertou do sono induzido pela beberagem. A jovem se ajoelhava no chão com os pés colocados sob o vestido. Ocomprido cabelo se espalhava como uma manta pelas costas. Angus gemeu quando tentou mover o braço palpitante. Quis esfregar-se para aliviar o comichão, mas quando tentou mover a outra mão, sentiu que alguém a segurava. Abriu os olhos, e em seguida viu a mulher. Tinha a cabeça apoiada perto da coxa de Angus e os olhos fechados. Sem saber como, adivinhou que tinha os olhos violetas, claros e encantadores. Angus achou que estivesse adormecida, mas quando tentou soltar-se, ela não o permitiu. Então, os soldados começaram a amontoar-se no salão, e atraíram a atenção do ferido. Os amigos sorriam. Angus tentou devolver a saudação e, embora estivesse
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dolorido,
os
sorrisos
dos
camaradas
indicavam
que
não
estava
moribundo.
―Provavelmente os últimos ritos que acreditei ouvir eram para outro‖, pensou. Perto da entrada, Alec e Gavin aguardavam. Alec contemplava a sua esposa, e Gavin observava os soldados. Para Gavin foi um momento mágico: os soldados pareciam atônitos diante do quadro que presenciavam. Todos eles sabiam que lady Kincaid tinha salvado o amigo de uma morte certa. O sorriso fraco de Angus confirmava o milagre. No salão só cabia uma terça parte dos soldados, mas quando o primeiro homem ficou de joelhos e fez uma reverência, os outros o imitaram, até que, inclusive, os que estavam do lado de fora ficassem de joelhos. Alec compreendeu que era um ato unânime de lealdade, mas não para Angus. Não, Angus era um igual e não havia razão para que se ajoelhassem ante ele. Nesse instante, os soldados brindavam a lady Kincaid sua lealdade, sua absoluta confiança. E durante a silenciosa cerimônia, a esposa dormiu. —Eu estava certo de que ela levaria muito tempo para conquistar a confiança dos soldados —disse Gavin a Alec—. Estava enganado; ela conseguiu em menos de um dia. Marcus, com sua irmã Edith, entrou no salão no mesmo momento em que o último soldado saia. Esperaram junto de Gavin, até que Elizabeth, levando Annie pela mão, uniu-se a eles. — Você vê, Annie? Eu lhe disse que Angus estava melhor. Olhe como sorri! — murmurou Elizabeth, feliz; logo, soltou a mão de Annie e correu para junto do marido. —Lady Kincaid salvou Angus —disse Gavin a Marcus—. É hora de regozijo, meu amigo, não de aborrecimento. Por que franze assim a testa? —Angus teria se curado mesmo sem a assistência de lady Kincaid. Foi decisão de Deus, não dela.
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O tom duro do homem chamou a atenção de Alec. —Marcus,
você
não
aceita
minha
esposa?
—perguntou,
com
num
tom
enganosamente suave. Imediatamente, o guerreiro moveu a cabeça. —Aceito-a porque é sua esposa, Alec, e a protegerei com minha vida — adicionou—. Mas não ganhará minha lealdade tão facilmente. Anna e Edith permaneceram junto de Marcus com a mesma expressão que ele, enquanto assistiam à a conversa. Alec os olhou um a um e depois disse: —Todos vocês lhe darão as boas-vindas, entenderam? As mulheres assentiram imediatamente. Marcus demorou algo mais em aceitar. —Alec, acaso esqueceu nossa Helena tão rápido? —Já se passaram quase três anos —interveio Gavin. —Não a esqueci —afirmou Alec. —Então, por que...? —Marcus, eu me casei para agradar meu rei, e você sabe. Antes de dar as costas a minha esposa, lembrem-se todos: Jamie também se casou por ordem de seu próprio rei. Não tinha mais interesse que eu neste matrimônio. Honrem por cumprir com seu dever. — É verdade que não queria casar-se com você? —perguntou Annie. Os olhos castanhos revelavam seu assombro. Alec moveu a cabeça. —Annie, o único motivo pelo que comento isto com você, é sua irmã, Helena. Jamie estava prometida a outro homem. Por que quereria casar-se comigo? —Os ingleses nos detestam tanto quanto nós a eles —disse Gavin. —Sua esposa não sabe como é afortunada—disse Annie, com acanhamento. Alec sorriu ao perceber a sinceridade na voz de Annie. Os três ficaram
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olhando-o enquanto se encaminhava para a esposa adormecida e a levantava com ternura nos braços. Apertava-a contra o peito. Gavin o seguiu com a intenção de assumir seu turno cuidando de Angus. —Alec, pergunto-me quanto tempo sua esposa levará para nos aceitar. —Muito pouco —predisse Alec. Dirigiu-se para a cama, mas se deteve para dizer sobre o ombro: —Ela vai se acostumar, Gavin, você vai ver.
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Capítulo onze Na primeira semana, Jamie iniciou três guerras. Suas intenções eram muito honradas. Tinha decidido aproveitar a situação ao máximo, aceitando o fato de que estava agora casada com um senhor. Cumpriria seu dever de esposa e cuidaria de Alec e do lar. Jamie não cogitava evitar suas próprias obrigações, sem se importar com o que Alec teria que se adaptar. Intimamente tinha a esperança de que, enquanto se ocupava das novas tarefas, também poderia realizar algumas mudanças que lhe pareciam necessárias. Se levasse o desafio a sério, até poderia civilizar aqueles habitantes das Terras Altas. As guerras, uma depois da outra, caíram sobre Jamie, até que não estava disposta a culpar-se por ter causado os conflitos. Não, a culpa era dos escoceses, de seus ridículos costumes, de sua natureza teimosa e, em especial, de seu inflexível orgulho. Por acaso Jamie tinha a culpa se nenhum daqueles bárbaros possuia um pingo de bom senso? Jamie dormiu até depois do almoço no dia seguinte a cura de Angus. Pensou que merecia um descanso prolongado até que lembrou-se que era domingo e que tinha faltado à missa. Era um dever assistir, e se irritou ao compreender que ninguém tinha-a despertado. Agora teria que gastar um de seus xelins para comprar uma indulgência! Vestiu uma camisa de cor clara e ainda por cima uma túnica de cor rubi, colocou um cinturão trançado muito solto, de modo que se apoiasse sobre os quadris, como ditava a moda daqueles dias. Embora não houvesse estado na Corte, mantinha-se atualizada quanto ao estilo mais moderno, embora fosse incômodo. Não
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queria que os escoceses a considerassem uma garota camponesa ignorante. Era a esposa do senhor e tinha que estar sempre elegante. Escovou o cabelo, beliscou as bochechas para dar-lhes cor, e foi ver como estava o paciente. Se Angus estivesse bem, procuraria o sacerdote e poria o assunto em suas mãos. Temia a penitência que sem dúvida lhe daria. Entretanto,
a
sorte
estava
ao
lado de
Jamie.
Não só Angus
dormia
pacificamente, mas também o sacerdote estava no salão, pois era sua vez de cuidar do doente. Quando viu Jamie aproximar-se, o clérigo fez menção de levantar-se. —Por favor, fique sentado, padre —pediu Jamie, sorrindo. —Não fomos propriamente apresentados —disse o padre—. Sou o padre Murdock, lady Kincaid. Era difícil entendê-lo, pois a voz do sacerdote era tênue como o ar e o rolar dos ―r‖ complicava a questão. Soava como se ele tivesse iminente necessidade de tossir e Jamie teve que conter a tentação de tossir por ele. —Padre, sua dor do peito aliviou? —perguntou. —Sim, milady, sem dúvida —respondeu o padre Murdock—. Fazia muitas noites que não dormia tão bem. Essa poção ajudou muito. —Eu gostaria de lhe preparar um ungüento para que esfregue no peito —disse Jamie—. Em uma semana, a tosse desapareceria. —Obrigado por perder o tempo em ajudar este velho, garota. —Padre, devo advertir que o aroma desse creme é tão desagradável que todos seus amigos se afastarão de você. O padre Murdock sorriu: —Não me importarei. — Angus descansou bem?
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—Agora dorme, mas mais cedo Gavin teve que contê-lo. Angus queria tirar as ataduras do braço ferido. Elizabeth estava tão angustiada que queria ajudar, mas Gavin a ordenou que fosse deitar. Ao ouvir as notícias, Jamie franziu o sobrecenho enquanto examinava os dedos inchados do guerreiro: tinham boa cor, coisa que a satisfez. Colocou a mão sobre sua testa. —Não tem febre — afirmou —. Padre, suas preces o salvaram. —Não, moça —replicou o padre —. foi você quem o salvou. Deus deve ter decidido que Angus devia permanecer conosco e, em sua sabedoria, enviou-a para que o salvasse. O elogio incomodou Jamie. —Bom, enviou uma pecadora —exclamou, desejosa de terminar com o irritante assunto—. Esta manhã faltei à missa —explicou, depois de deixar uma moeda na mão do padre—. Por favor, tome esta moeda para comprar uma indulgência. —Mas, senhora... —Padre, antes que dita que penitência me corresponde, queria explicar meus motivos. Se Alec tivesse me acordado, eu não teria faltado à missa —disse, com os mãos nos quadris, jogando o cabelo por cima do ombro num gesto que a padre Murdock achou encantador—. Agora que penso sobre isso, na verdade este é um pecado de Alec também. O que o senhor acha? O sacerdote não se apressou a responder. —Sabe, padre? —continuou Jamie—. quanto mais penso no problema, mais me convenço de que Alec teria que dar-lhe a moeda. Na verdade, a culpa é dele. O padre Murdock não conseguia seguir o fio do pensamento de Jamie. Teve a sensação de que tinha entrado um tornado no quarto. Um tornado em que brilhava o sol. O ancião sentiu vontade de rir alegre. Agora se dissiparia o peso que flutuava sobre o lar de Alec desde a morte de Helena: tinha certeza. Tinha visto o modo em que o senhor contemplava a esposa enquanto esta cuidava de Angus: estava tão
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surpreso quanto os outros... e tão satisfeito quanto eles. —E então? —perguntou Jamie—. O que pensa da minha preocupação? —Nenhum dos dois pecou. A surpresa que seu comentário provocou fez o padre Murdock sorrir. Lady Kincaid parecia pasma. —É muito devota, não, lady Kincaid? Deixar que o padre MurdOck pensasse isso teria sido um pecado. _ Oh, céus, não! —disse Jamie precipitadamente—. Não posso permitir que ache isso. É que o sacerdote que temos, lá em minha pátria... bom, é muito devoto, e devo contar que suas penitências geralmente são espantosas. Eu acredito que o aborrecimento o fazia ser muito rigoroso. Numa ocasião, fez com que cortassem o cabelo de Agnes. Ela chorou durante uma semana. —Agnes? —Uma de minhas queridas irmãs —esclareceu Jamie. —Deve ter cometido um pecado terrível —assinalou o padre Murdock. —Caiu no sono durante um dos sermões —confessou Jamie. O sacerdote conteve a risada. —Aqui não somos tão rigorosos —advertiu—. Prometo que nunca a obrigarei a cortar o cabelo, lady Kincaid. —É uma pena que o senhor não vivesse conosco naquele tempo —disse Jamie—. O cabelo de Agnes não voltou a cachear-se desde que a obrigou a cortá-lo . —Um bom homem —comentou o padre Murdock.—Quantos são em sua família? — perguntou o clérigo. — Éramos cinco, todas moças, mas Eleanor, a mais velha, morreu quando eu tinha sete anos, de modo que não me lembro bem dela. Depois vêm as gêmeas, Agnes e Alice, depois Mary e por fim, eu, que sou a caçula. Papai nos criou sozinho
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—adicionou com um sorriso terno. —Parece-me uma família sólida —assinalou o padre com gesto enfático—. Suas irmãs são tão bonitas como você? — Muito mais bonitas! —exclamou Jamie—. Quando se casou com papai, minha mãe estava grávida de mim. Meu pai tinha perdido a sua esposa, sabe?, e minha mãe perdeu seu marido pouco antes de casar-se com o barão. Entretanto, papai não se importou. Assim que se casou com mamãe, eu me transformei em sua garotinha. —Um bom homem —comentou o padre Murdock. —Sim —confirmou Jamie com um suspiro—. Só em falar de minha família me traz saudade deles. —Nesse caso, não falaremos mais disso —sugeriu o padre Murdock—. Por favor, pegue esta moeda e empregue-a em uma causa melhor. —Preferiria que a conservasse, pois acredito que faz falta à alma de meu marido. Afinal de contas, é um senhor e tem que matar em batalha. Não me interprete mal, padre, pois Alec jamais tomaria uma vida sem um bom motivo. Embora não o conheça tanto como o senhor, acredito que não procuraria problemas. No fundo do coração, sei que é assim. Nesta questão, deverá aceitar minha palavra, padre. Alec entrou no salão a tempo de escutar a defesa que sua esposa fazia dele. —Estou de acordo com a senhora—respondeu o sacerdote. Ergueu os olhos e se deparou com o semblante exasperado do senhor. Foi um esforço conter a risada. —Bem —disse Jamie com evidente alívio—. Fico feliz que concorde. Embora seja vergonhoso admiti-lo, estou farta de ter que me preocupar constantemente por minha alma. O padre Charles nos obrigava a confessar qualquer pensamento e, para ser justa, em algumas ocasiões eu inventava algo só para agradá-lo. É um sacerdote muito consciencioso e levávamos uma vida muito tranqüila. Nunca
lhe
acontecia nada pecaminoso.
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Padre Murdock achava sinceramente que aquele sacerdote devia ser um lunático. —Lady Kincaid, aqui somos muito mais relaxados. —Que bom! —disse Jamie—. Agora que estou casada, também devo cuidar da alma de meu marido, e não sei que outra coisa branquearia meus cabelos. Padre, acredito que seremos bons amigos. Teria que me chamar de Jamie, não acha? —O que acredito, Jamie, é que tem um coração tenro. É como a brisa fresca que este castelo frio e velho precisava. —Sim, padre, é verdade que ela tem um coração tenro —interveio Alec—. Tem que superar esse defeito. —Isso não é um defeito. Jamie se alegrou de ter feito a enfática afirmação com o olhar ainda fixo no sacerdote, pois quando se voltou para ver seu marido, já não pôde pronunciar palavra e sufocou uma exclamação. Alec estava semidespido. Estava vestido à moda bárbara. Vestia uma camisa branca, que era o único objeto civilizado que cobria esse corpo enorme. A camisa ficava parcialmente coberta pelo manto dobrado sobre o ombro. O resto do manto se enrolava em torno da cintura. Acomodado em amplas dobras, presas por uma corda a modo de cinturão, só alcançava a metade da coxa. Botas negras, puídas em alguns pontos pelo uso, cobriam só uma parte das pernas musculosas. Os joelhos estavam tão nus quanto o traseiro de uma criança de peito. Alec acreditou que sua esposa estava a ponto de desmaiar. Escondeu a irritação esperando que se acostumasse com sua roupa, e disse: —Como está Angus? —Que disse? —perguntou Jamie, ainda com o olhar fixo nos joelhos de Alec. —Perguntei pela saúde de Angus —repetiu Alec com mais vigor.
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— Ah, sim, claro, Angus! —respondeu a jovem, assentindo várias vezes. Como não disse mais nada, Alec ordenou: —Esposa, quando falar comigo, olhe para meu rosto. A aspereza da repreensão fez Jamie se sobressaltar e apressar-se a obedecer. Alec tinha certeza de que o rubor de sua esposa poderia acender um fogo. —Quanto tempo acha que levará até se acostumar a ver-me vestido assim? — perguntou, sem dissimular a irritação. Jamie se recuperou em seguida. — Assim como? —perguntou, sorrindo com ar inocente. Um sorriso malicioso suavizou a expressão de Alec. — Será que terei que repetir tudo a você? Jamie encolheu os ombros. — Há algo de que queria me falar? —perguntou. Alec propôs-se a envergonhá-la outra vez: —Esposa, já me viu sem roupas, e entretanto reage... Jamie se precipitou e cobriu sua boca com a mão. —Marido, eu o senti nu, não o vi. Não é a mesma coisa —acrescentou. Ao darse conta do que tinha feito, deixou cair a mão e recuou—. Alec, cuidado com suas maneiras diante do sacerdote. O homem revirou os olhos, e Jamie pensou que pedia ao Céu que lhe desse paciência. —Agora diga o que queria me dizer. —Quero falar com Angus —respondeu Alec. Encaminhou-Se à cama, mas Jamie se interpôs, outra vez com as mãos apoiadas no quadril. —Alec, agora ele está dormindo. Pode falar com ele mais tarde.
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Alec não podia acreditar no que ouvia. —Desperte-o. —É provável que seus gritos o tenham despertado —resmungou Jamie. Alec bufou. —Desperte-o —repetiu, para completar, em tom mais suave—: Ah, Jamie, Nunca me diga o que posso fazer e o que não posso. — Por que? — Por que? Com o propósito de dar-se ânimos para responder, Jamie lembrou-se que o marido tinha prometido que nunca se zangaria com ela, mas a expressão de Alec era assustadora. —Por que não tenho que dizer o que pode ou não fazer? Viu que a pergunta não era de seu agrado, pois a mandíbula de Alec estava tensa. Os músculos da sua face se contraíram algumas vezes. Perguntou-se se ele sempre tivera esse tique nervoso ou se era coisa recente. —Esse é o costume aqui —interveio o padre Murdock. O clérigo levantou-se com esforço da cadeira e se apressou a ficar junto a lady Kincaid. Sua preocupação não era sem motivos. Conhecia Alec Kincaid há muitos anos, conhecia muito bem aquela expressão e quis intervir em favor de Jamie antes que Alec explodisse. A seu devido tempo, sem dúvida Jamie aprenderia o perigo de questionar um homem tão poderoso. Até então, o sacerdote tomou a resolução de cuidar dela. —Alec, a garota está aqui há pouco tempo. Não acredito que tenha querido provocá-lo. Alec assentiu. Jamie moveu a cabeça. —Sim, pretendi desafiá-lo, padre, embora não ele não esteja acostumado com isso. Só quero que me explique por que não posso dizer o que tem que fazer. Ele
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faz isso comigo freqüentemente. Jamie teve a audácia de dirigir a seu marido uma expressão zangada. —Esposa, sou seu marido e seu senhor. Por acaso esses dois motivos não são suficientes? Outra vez contraiu-se um músculo na mandíbula de Alec. Jamie o olhava, fascinada. Pensou se havia alguma poção que pudesse lhe dar, para livrá-lo do problema, mas como Alec a olhava colérico, decidiu que não se incomodaria em fazê-lo. — Está bem? —exigiu Alec, dando um passo para ela com ar ameaçador. Jamie não recuou um centímetro. Pior, avançou. Alec estava atônito: era sabido que homens adultos fugiam dele, mas este pedacinho de mulher o enfrentava com a maior audácia. ―É verdade‖ —admitiu, ―ela me enfrenta!‖ Novamente, o sacerdote tentou intervir. —Lady Kincaid, acaso se atreve a provocar a ira do senhor? —Alec não se zangará comigo —afirmou Jamie, com o olhar fixo em seu marido—. É um homem muito paciente. —Como olhava para Alec, não viu a expressão perplexa do sacerdote—. Me deu sua palavra, padre, e não deixará de cumpri-la. Por Deus, estava provocando-o! Alec não soube se estrangulá-la ou beijá-la. —Esposa, quer que me arrependa de minha promessa? Jamie negou com a cabeça. —Não. Mas sua atitude me traz angustia. Se não aprende a ceder, como faremos para nos entender? Sou sua esposa, Alec. Por acaso minha posição não me permite dizer...? —Não —afirmou Alec, em tom firme como uma pedra—. E se alguém tiver que ceder aqui, será você. Fui claro?
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A expressão do homem sugeriu que não discutisse, mas Jamie a ignorou. — Aqui uma esposa não pode dar sua opinião? —Não pode. —Alec exalou um prolongado suspiro e depois continuou—: Vejo que não compreende como são as coisas aqui, Jamie, e por isso perdôo sua insolência de hoje. Porém, no futuro... —Não fui insolente —replicou Jamie—. Só quero ter isto claro em meu cérebro tão
inferior.
Por
favor,
me
explique
—acrescentou—.
Quais
são
minhas
responsabilidades como esposa? Eu gostaria de começar o mais cedo possível. —Não tem nenhuma responsabilidade. Jamie reagiu como se Alec a tivesse golpeado. O homem viu um relâmpago de autêntica ira nos olhos de Jamie quando deu um passo atrás e não soube como encarar
essa
estranha
reação.
Por
acaso
Jamie
não
compreendia
quanta
consideração ele demonstrava? Outro comentário insolente lhe mostrou que ela não entendia. —Todas as esposas têm responsabilidades, até as que têm opiniões próprias. —Você não. —Pelas leis escocesas ou pelas suas? —Pelas minhas —respondeu Alec—. Jamie, você ficará livre dos calos que tem nas mãos. Aqui não será uma escrava. Jamie sufocou uma exclamação indignada. —Você sugere que eu era uma escrava em minha casa? —Sim, foi uma escrava. —Não —retrucou a jovem, quase gritando—. Alec, por acaso sou tão pouco importante para você que não me deixará achar um lugar aqui? Alec não respondeu, pois de fato não sabia do que ela estava falando. Uma áspera ordem do senhor despertou Angus, que logo foi interrogado num
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gaélico falado a toda pressa. Era impressionante a lucidez do guerreiro ferido. Embora sua voz estivesse fraca, pôde responder às perguntas de Alec com a maior concisão. Quando o senhor terminou com Angus, o doente forçou um sorriso e perguntou se podia ir caça com ele. Alec rejeitou o oferecimento com um sorriso. Jamie lhe ouviu dizer ao soldado que, quando se sentisse melhor, se mudaria para a própria cabana, onde a esposa pudesse cuidá-lo. Começou a sair do salão sem voltar a falar com sua esposa, mas Jamie o seguiu. —O que há? —disse-lhe em tom brusco, girando para olhá-la. —Na Inglaterra é costume que o marido beije a mulher pela manhã —mentiu. Acabava de inventá-lo, mas tinha certeza que Alec não sabia. —Não estamos na Inglaterra. —Isso é correto em qualquer lugar —insistiu. —É correto quando a esposa usa o manto com as cores do marido. —De modo que assim é, não é? —Não sou surdo, mulher. Não é necessário que levante a voz. Alec manteve uma expressão dura, embora lhe custasse. A desilusão de Jamie era óbvia. Queria que ele a abraçasse, mas Alec pensou que acabava de conquistar o poder que necessitava sobre ela. Não sentia o menor remorso por aproveitar-se da atração física mútua em seu próprio benefício e, para falar a verdade, reprovava-se a si mesmo não ter pensado nisso antes. Especulou que, por volta do fim dessa semana, Jamie usaria o manto, mais ainda se, enquanto isso, ele se negasse a tocá-la. —Alec, em que lugar seguro posso guardar minhas moedas? —perguntou Jamie. —Sobre o suporte da chaminé, atrás de você, há uma caixa —respondeu o homem—. Se quiser, ponha seus xelins junto com as outras moedas.
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—Se precisar, posso tomar algumas emprestadas? —Dá no mesmo —disse Alec sobre o ombro. Jamie olhou carrancuda as costas de Alec, irritada porque o homem nem se incomodou em despedir-se; logo se perguntou aonde iria quando viu que tirava a espada da parede. —Padre, você sabe para onde Alec vai? —perguntou, quando o marido saiu do salão. —Caçar —respondeu o padre Murdock, enquanto se sentava outra vez ao lado de Angus. —Mas não por esporte, nem para o jantar? —Não, moça. Persegue os homens que
fizeram isto com Angus. Quando os
encontrar, eles não terão muita sorte. Jamie sabia que, de acordo com os códigos de um guerreiro, a vingança era algo honroso, mas mesmo assim a desgostava profundamente. A violência gerava mais violência, certo? Esse era outro assunto no qual jamais estaria de acordo com ele. Jamie exalou um suspiro de resignação. —Irei procurar mais moedas para você —disse ao sacerdote—. Só Deus sabe quantas indulgências mais este homem necessitará, até que o dia termine! O padre Murdock conteve um sorriso e se perguntou se Alec sabia como tinha escolhido bem. —Em nossas montanhas arderão muitos fogos —disse a Angus, sem se importar que o guerreiro parecesse estar adormecido outra vez. —O que diz você é verdade —murmurou Angus. — Ouviu o modo como Alec e sua esposa gritavam um com o outro? Se estivesse com os olhos abertos, teria visto as faíscas. — Eu os ouvi.
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—Angus, o que pensa de sua salvadora? —Vai deixá-lo louco. —Já era hora. Angus assentiu. —Sim, já era hora. Kincaid sofreu muito. —Pelo modo como a olha, dou-me conta de que não sabe o que fazer com ela. — Ela lhe dará uma moeda cada vez que Alec a exaspere? —Acredito que sim. O padre Murdock soltou uma gargalhada e deu uma palmada no joelho. —Levará tempo até que ela se adapte a nosso modo de vida. E mesmo assim, para este velho é uma alegria contemplá-la. Jamie retornou para junto do clérigo, entregou-lhe duas moedas mais e perguntou por que sorria. —Estava pensando em todas as mudanças que terá que fazer, moça —disse o sacerdote—. Sei que não será fácil para você, mas chegará o momento em que amará este clã tanto como eu. —Padre, não lhe ocorreu que talvez seja o clã que se adapte e mude? — perguntou Jamie, com os olhos faiscantes de malícia. O padre Murdock pensou que estava brincando. —Temo que você se propôs uma meta impossível —disse com um sopro. — Acredita que seja impossível? – perguntou -. Tão impossível quanto eu querer comer sozinha um urso gigante? —Sim, tão impossível quanto. —Posso fazer isso. — Como? —perguntou o ancião, caindo na armadilha.
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—Dentada a dentada. O padre Murdock deu outra palmada no joelho e explodiu em gargalhadas, seguidas por um ataque de tosse. Jamie correu até o dormitório, misturou o ungüento de péssimo aroma que tinha prometido e voltou para junto do sacerdote. —Padre, tem que esperar uma ou duas horas até que a tosse acalme, antes de esfregar o peito com isto. O ancião aceitou a remédio com o cenho franzido. —Cheira como um cadáver, garota. —Não importa, padre. Asseguro que curará sua tosse. —Acredito em você, Jamie. —Padre, acha que Alec se incomodará se der uma olhada no piso superior? —Claro que não, moça. Agora, esta é sua casa. — Quartos estão ocupados? O sacerdote negou com a cabeça. —Isso significa que eu poderia levar minhas coisas para um dos quartos, não é verdade? —Você quer se mudar...? Moça, Alec não gostará que o deixe. —Não estou pensando em Alec —retrucou Jamie—. Padre, aqui não temos a menor privacidade. Tenho certeza de que meu marido estará muito mais confortável num dos quartos de cima. Por favor, quer pedir você? O padre Murdock não pôde se negar, pois o sorriso de lady Jamie era encantador. — Pedirei a ele —prometeu. O padre Murdock estava contente de ficar junto a Angus e descansar. Estava quase adormecido quando despertou com um chiado de metal que raspava sobre pedra. Voltou-se em direção ao ruído e viu lady Jamie lutando com um enorme baú.
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Estava arrastando o artefato para o primeiro quarto de cima, em direção às escadas. O clérigo cruzou depressa o salão e subiu. —Jamie, que pensa fazer? —perguntou. —Padre, penso que poderia usar o quarto da frente —respondeu Jamie—. Tem uma bonita e ampla janela. —Mas, para que está aarastando o baú? —Ocupa muito espaço —cortou Jamie—. Não se canse, padre. Eu tenho força suficiente para movê-lo sozinha. O sacerdote não fez caso à gabolice da moça e apoiou as costas contra o baú, para ajudá-la a transferir o baú até o segundo quarto. —Devia ter esvaziado o baú antes de removê-lo. Jamie sacudiu a cabeça. —Não queria olhar dentro. Não é meu, e todos temos direito a nossas coisas particulares. —Este baú pertenceu à Helena —disse o padre Murdock—. Acredito que agora seria seu, Jamie. Antes que Jamie pudesse responder, o sacerdote se voltou e saiu pela porta. —Será melhor que volte para junto de Angus. Tenho que cuidar dele até que Gavin traga Elizabeth. —Obrigado por sua ajuda —gritou Jamie. Quase uma hora depois, o padre Murdock pensou que essa moça não parava nunca. Ficou olhando para o dormitório, perguntando-se o que faria. Quando Elizabeth voltou ao salão grande, o padre Murdock decidiu ir ver o que mantinha Jamie tão atarefada. Ainda estava no segundo quarto. Duas velas acesas davam um brilho suave ao
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quarto. Lady Jamie estava de cócoras em frente ao baú. Quando o padre Murdock entrou, estava fechando a tampa. — Encontrou algo útil? —perguntou o sacerdote. Não viu que a jovem chorava até que ela ergueu os olhos e o olhou. — O que acontece, moça? O que a aflige? —Sou uma idiota —murmurou Jamie—. Ela está morta, e eu não a conheci, padre, mas choro como se tivesse sido minha própria irmã. O senhor me falará a respeito de Helena? —É Alec que teria que contar—disse o padre Murdock. —Por favor, padre —implorou Jamie—. Quero saber o que aconteceu. Estou certa de que Alec não a matou. — Deus, não! —disse o padre—. Onde ouviu semelhante coisa? —Na Inglaterra. —Helena se suicidou, Jamie. Saltou de uma escarpa para o prado. — Não é possível que tenha sido um acidente? Ela não podia ter-se cansado? —Não, não foi um acidente. Viram-na. Jamie sacudiu a cabeça. —Não entendo, padre. Por acaso ela era muito infeliz aqui? O ancião inclinou a cabeça. —Talvez fosse muito infeliz, Jamie, mas escondia muito bem seus sentimentos. Agora compreendo que não cuidamos dela como deveríamos. Tanto Annie como Edith acreditam que pensava em se matar desde que se casou com Alec. — Acha que é verdade? —perguntou Jamie. —Penso que sim. —A morte de Helena deve tê-lo machucado muito.
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Embora o padre Murdock não fizesse nenhum comentário, pensou que Jamie tinha razão. O fato de que Alec não falasse disso demonstrava que o assuntou ainda era doloroso para ele. —Padre, por que uma mulher que pensasse em se matar traria todos os seus pertences mais queridos ao lar do marido? Até guardou roupa de criança —continuou Jamie—. E também belos lençóis. Não parece estranho que alguém...? —Não pensava claramente —replicou o padre Murdock. Jamie moveu a cabeça. —Não, padre, não acredito que se suicidaria. Estou certa de que foi um acidente. —Moça, tem um coração tenro, e se a alivia acreditar que Helena morreu desse modo, concordo com você. Ajudou Jamie a levantar-se. A jovem apagou as velas e desceu as escadas junto com o padre Murdock. —Orarei todas as noites pela alma de Helena, padre —prometeu. Uma criada entrou correndo no salão, viu Jamie e gritou: —Milady, a sua irmã está aqui. Jamie apertou a mão do padre Murdock. —Deve ser Mary que veio me visitar —explicou ao sacerdote—. Desculpe-me, por favor? Antes que o padre Murdock fizesse um gesto de concordância, Jamie já estava na metade de caminho. —Trarei Mary para que a conheça —exclamou sobre o ombro. Jamie correu para fora, exibindo um amplo sorriso de boas-vindas, mas no instante em que viu sua irmã, o sorriso se esfumou. Mary estava chorando. Jamie olhou ao redor para ver onde estava Daniel, mas percebeu que ela estava sozinha.
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—Mary, como conseguiu chegar até aqui? —perguntou, após abraçá-la com entusiasmo. —Jamie, é você quem sempre se perde, não eu —disse Mary. —Eu nunca me perdi —retrucou Jamie—. Agora, pare de chorar. —Viu que vários Kincaid as observavam.— Vem, daremos uma caminhada para podermos conversar a sós. Deve me dizer por que está tão perturbada. Jamie puxou sua irmã, conduzindo-a pelo caminho que levava ao recinto inferior. —Três dos homens do Daniel me indicaram o caminho até aqui —explicou Mary, já refeita—.Menti para eles, Jamie. Disse que Daniel tinha me dado permissão para vir. — Mary, não devia fazer isso! —disse Jamie—. Por que não disse ao Daniel que queria ver-me? —Com aquele homem não se pode falar —murmurou Mary. Ergueu a bainha do vestido amarelo e secou os cantos dos olhos—. Eu o odeio, Jamie. Fugi. —Não, não está falando sério. —Irmã, não se horrorize tanto. Asseguro que o odeio. É cruel e malvado. Juro que, quando contar o que aconteceu, você também o odiará. Chegaram à abertura no muro. Jamie e sua irmã se sentaram sobre um muro baixo de pedra. —Muito bem, Mary, diga-me o que aconteceu —disse Jamie—. Aqui estamos sozinhas. —É vergonhoso —advertiu Mary—. Mas você é a única com quem me atrevo a falar, irmã. — Fale!—animou-a Jamie. —Daniel não exigiu que me entregasse a ele. A frase caiu no vazio. Jamie esperava que Mary dissesse algo mais, e Mary, a
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reação de sua irmã. — Ele deu alguma razão? —Sim —respondeu Mary—. E inicialmente pensei que era por consideração. Disse que me daria tempo para conhecê-lo. —Isso foi muita consideração de Daniel —admitiu Jamie, e franziu o cenho pensando por que Alec não se comportou do mesmo jeito com ela. Mas lembrou-se que Alec não tinha compaixão por ninguém. Mary começou a chorar outra vez. —Como disse, eu assim pensei. Mas logo me disse que se sentia muito aborrecido comigo porque eu a obriguei a me proteger quando aqueles homens nos atacaram. Na verdade, Daniel pensa que eu deveria tê-la protegido. —Por que? —Porque você é a mais nova. —Por acaso explicou que eu possuo melhor treinamento e habilidades...? —Tentei explicar, mas ele não quis me escutar. E então, voltou a me insultar. Admito que lhe disse algumas coisas desagradáveis. Entretanto... —O que ele disse pra você? —Disse-me que possivelmente eu era tão fria quanto um peixe, Jamie, que todas as inglesas são assim. —Oh, Mary, que coisa tão ferina para se dizer a uma recém-casada! —Isso não é o pior, Jamie —murmurou Mary—. Quando chegamos ao lar do Daniel, uma mulher gorda e feia estava esperando-o. Imediatamente, jogou-se nos braços do Daniel, e ele não a afastou. O que acha? —Tem razão, irmã. — Tenho razão? —Ele fez com que o odiasse.
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—Eu lhe disse —afirmou Mary—. E agora? O que tenho que fazer? Jamais encontraria o caminho de volta à casa de papai, e tenho certeza de que os homens do Daniel não acreditariam se lhes dissesse que tenho permissão do senhor para retornar à Inglaterra. —Não, é impossível que acreditem nisso —confirmou Jamie. —Quero voltar para o papai! —Eu sei, Mary. Eu também sinto falta deles. Às vezes, eu também queria voltar. —Alec a considera fria como um peixe? Jamie encolheu os ombros. —Não me disse isso. —Alec tem uma amante? — O que? — Ele tem uma amante? —Não sei —respondeu Jamie—. Possivelmente tenha outra mulher —sussurrou—. Oh, Mary, Por Deus, não tinha me ocorrido algo assim! —Jamie, eu poderia viver aqui, com você? — Tem certeza de que isso é o que quer? A irmã assentiu. — Mary, quando conhecemos nossos maridos, eu pensei que Daniel era o mais amável dos dois. Sorria, e parecia ter uma aparência alegre. —Eu também achei —disse Mary—. Jamie, e se ele estiver certo? E se eu sou fria como um peixe? Existem mulheres que não são capazes de responder às carícias de um homem. Acredito que a tia Ruth era assim. Lembra como ela era áspera com seu marido? —Era áspera com todo mundo —disse Jamie.
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—Sei que isto deve ser incômodo para você, mas me perguntava se... —O que, Mary? — Se todos os homens são como Daniel, ou Alec é mais...? Oh, não sei o que quero perguntar. Agora me aterroriza a idéia de que Daniel me toque, e é por culpa dele. Embora Jamie não sabia como ajudar Mary, estava resolvida a tentar. —Mary, tenho que procurar Alec antes que ele saia para caçar —exclamou. — Vai pedir a permissão dele para que eu fique? —perguntou Mary, assustada— . E se ele negar? —Não preciso da permissão de Alec —alardeou Jamie, tentando parecer convencida—. O que tenho que lhe dizer agora é outra coisa. Mary, vá esperar por mim no salão. Apresente-se ao sacerdote, o padre Murdock. Vamos, irmã, não se zangue. Gostará dele. Não é como nosso padre Charles. Eu me reunirei contigo assim que tenha falado com Alec. Depois, prometo que terminaremos nossa conversa. Antes de começar a descer a colina, Jamie observou sua irmã partir. Pensava olhar para o caminho para ver se Alec e seus homens já haviam partido. Assim que pôs um pé fora do muro, uma fila de soldados bloqueou sua saída. Enchiam as pranchas de madeira da ponte levadiça que cruzava o fosso. Jamie imaginou que tinham caído do céu e, decerto, eram mais formidáveis que o próprio muro. Teve que olhá-los um a um. — Por que me barram o caminho? —perguntou a um homem de barba vermelha que estava diante dela. —Temos ordens, senhora —disse o soldado. — De quem? —Do Kincaid. —Entendo —respondeu Jamie, dissimulando a irritação—. Meu marido já saiu da
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fortaleza? —Não —respondeu o soldado, com um sorriso que suavizava sua expressão—. Está de pé atrás da senhora. Jamie não acreditou nele, até que se voltou e se encontrou frente a frente com Alec. —Você se move como uma sombra —murmurou, quando se recuperou. — Aonde acha que vai? —perguntou Alec. —Estava procurando por você. Por que deu ordens de que impedissem minha saída? —Para sua segurança, claro. —Então, serei uma prisioneira enquanto estiver ausente? —Se prefere considerar assim... _ respondeu Alec. —Alec, eu gostaria de ir cavalgar a tarde. Eu prometo não fugir. Sem dúvida... —Jamie, nunca pensei que fugiria —replicou Alec, com evidente exasperação. —E então, por que? —Poderia se perder. —Nunca me perco. —Sim. — E se prometer que não me perderei? A expressão de Alec mostrou o quanto a pergunta parecia tola. Gavin se aproximou do senhor, segurando as rédeas do cavalo de Alec. Antes que Jamie pudesse lhe dizer que precisava lhe falar sobre Mary, o marido tinha montado. Jamie se interpôs. —Mary está aqui. —Eu a vi.
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—Antes que você parta, tenho que falar a respeito de minha irmã. Alec, é um assunto muito importante, pois do contrário não o teria incomodado. —Escuto-a, esposa. Pergunte o que quiser. —Oh, não, tem que ser em particular —disse Jamie precipitadamente. — Por que? Jamie franziu o cenho; esse homem obstinado não facilitava as coisas. Aproximou-se de Alec, tocou-lhe uma perna com o dedo e disse: —Kincaid, preciso lhe falar a sós. Você me assegurou que me daria tudo o que pedisse, se fosse possível. Sem dúvida, isto é possível. Enquanto Alec se decidia, Jamie manteve a cabeça abaixada. Ao ouvi-lo suspirar, soube que tinha ganhado, mas soltou uma exclamação de surpresa quando o marido a ergueu sem esforço e a colocou sobre o cavalo. Jamie só atinou a segurar-se na cintura de Alec antes que o animal saísse a galope. Alec não se deteve até que estivessem bem longe dos homens e do muro. Jamie se demorou alisando a saia. Estavam rodeados de árvores. A jovem lançou um olhar ao redor para assegurar-se de que estivessem sozinhos e logo fixou o olhar em suas próprias mãos. Quando por fim falou, a paciência de Alec estava quase esgotada. — Por que não esperou para se deitar comigo? Alec não estava preparado para semelhante pergunta. —Alec, por consideração aos sentimentos de Mary, Daniel está esperando. Quer que antes ela o conheça melhor. O que acha disso? —Penso que não tem muita vontade de se deitar com ela, pois caso contrário já o teria feito. Isso é o que acho. E eu a possuí porque a desejava —continuou—. Você me desejava, não é? —Sim —admitiu Jamie—. Quer dizer, inicialmente não. Olhe Alec, o que quero comentar é o problema de Mary, não o meu.
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O homem não deu importância ao desconforto da mulher. —Você gostou. Até sabendo que a arrogância de Alec se transbordaria, Jamie foi sincera. —Sim, eu gostei. —Olhe para mim. —Prefiro não fazê-lo. —Eu prefiro que o faça. Alec ergueu-lhe o queixo lentamente, obrigando-a a olhá-lo e viu que ruborizava. Não pôde conter-se e beijou a testa franzida. — E agora o que a incomoda? —Você gostou? —perguntou a jovem. —Não consegue adivinhar? —Daniel afirma que as inglesas são frias como peixes —disse com ênfase para que Alec não achasse que estava brincando. Alec riu. —Não é engraçado — disse Jamie, em tom severo —. E você ainda não respondeu a minha pergunta. —Qual pergunta? —provocou-a Alec. —Sou fria como um peixe? —Não. Jamie suspirou aliviada. —Alec, uma esposa precisa ouvir certas coisas. —Você quer que eu faça amor com você agora? —À luz do dia? Não, céus! —Se não afastar suas mãos, farei amor com você agora mesmo —disse Alec em tom rouco.
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Jamie viu que estava apertando a coxa de seu marido com as mãos e o soltou imediatamente. — Então significa que não importa se eu visto seu manto ou não, como sugeriu antes? —Não o sugeri; afirmei um fato. Antes que a toque novamente, usará minhas cores. E agora, terminaram as perguntas? —Você está se zangando? —Não. —Pois parece. —Pare de me provocar. —Você tem outra mulher? Nesse mesmo instante, Alec soube que nunca compreenderia como funcionava a mente da esposa, já que de repente ela apresentava as preocupações mais absurdas. —Você se importaria se eu tivesse? —perguntou. Jamie assentiu. —Você se importaria se eu me entendesse com outro homem? —Se você se entendesse, diz? —Você sabe o que quero dizer. —Eu não o permitiria, Jamie. —Bem, nem eu. —Esposa, você fala como se fôssemos iguais. Jamie compreendeu que o tinha exasperado e quis desviar a questão. —Alec, ainda não respondeu a minha pergunta. —Não, não tenho outra mulher.
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Jamie sorriu. —Não é fria — disse o homem—. E ao me perguntar uma coisa dessas, ofendeme. — Por que o ofendo? —Porque tenho a responsabilidade de avivá-la. E você estava quente, não é mesmo, Jamie? Na realidade, a arrogância de Alec consolou Jamie, mesmo não compreedendo o motivo. —Possivelmente —murmurou, contemplando a boca do homem—. Mas talvez não, marido. Talvez tenha esquecido. Alec se propôs a fazê-la recordar-se. Segurou seu rosto entre as mãos e pousou a boca sobre a de Jamie. A jovem fechou os olhos, cheia de expectativa. A boca de Alec, possessiva, apropriou-se da de Jamie e a língua entrou e saiu, cumprindo o rito sexual que estremeceu o coração da jovem. Ao sentir que se rendia, Jamie tratou de afastar-se, mas Alec o impediu. A boca voraz do homem assaltou uma e outra vez a da mulher, e logo Jamie esqueceu toda idéia de detêlo. Ele a fez desejar mais. Jamie o imitou, com acanhamento ao princípio, logo com audácia, até que as línguas dos dois se acariciaram no mais erótico dos jogos. Quando a esposa gemeu e se apertou contra ele em um movimento instintivo, Alec soube que tinha chegado o momento de parar. Se nesse instante não controlasse suas próprias emoções turbulentas, Alec sabia que a possuiria. Diabos, talvez ele estivesse até mais quente que ela! Com um gemido de frustração, separou-se da esposa e teve que tirar suas mãos de seus próprios ombros. Imediatamente, Jamie escondeu o rosto no pescoço de Alec. Tinha o fôlego entrecortado, como se acabasse de correr uma grande distância colina acima, e percebeu que a respiração do homem parecia tão agitada quanto a sua própria. Isso lhe demonstrou que o beijo afetou Alec tanto como a ela mesma.
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Mas as esperanças de Jamie foram destruídas quando Alec disse: —Se tiver terminado com suas perguntas tolas, eu gostaria de voltar a me ocupar de questões mais importantes. Como se atrevia a fingir-se tão aborrecido depois de um momento de tão maravilhosa intimidade? —Alec, não é necessário que se comporte como se eu fosse apenas uma amolação para você. —É o que você é. —respondeu o homem, suspirando. E esporeou ao cavalo no mesmo momento em que Jamie se separava dele. Imediatamente, atraiu-a com brutalidade outra vez para si. Esta mulher tinha que compreender qual era seu lugar. Alec era o amo, o senhor, e seria melhor que começasse a aceitar logo esse fato. —Não tem consciência de sua própria força —murmurou Jamie. —Não, mulher. Você é quem ainda não conhece minha força. A aspereza do tom de Alec fez Jamie estremecer. — Alec... —Não se atreva a me perguntar se estou zangado com você —rugiu Alec. Jamie já tinha a resposta. Estava zangado com ela, sem dúvida. Deus era testemunha de que os ouvidos lhe zumbiriam toda a semana! —Não tem motivos para gritar comigo —disse—. E só pensava em perguntar se Mary podia... —Não me incomode com os problemas de sua irmã — ele ordenou. E completou em tom mais suave: —Uma visita de sua família sempre será bem-vinda. Não era precisamente uma visita o que Jamie estava pensando, mas já o tinha importunado bastante por aquele dia.
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—Sua aparência é muito difícil de julgar —assinalou, quando retornaram para junto ao muro e Alec a ajudou a desmontar. —Alec. — O que foi, agora? —Acho que precisarei das duas semanas completas que me concedeu antes de usar seu manto. Possivelmente, nesse tempo, você comece... a me amar um pouco. Alec se inclinou, segurou-lhe o queixo e disse: — Diabos, mulher, neste instante nem sequer gosto de você! —disse com tom zangado e frustrado, pois achava que Jamie estava provocando-o. Mas a expressão magoada da moça o fez lamentar a explosão e compreendeu que não tinha tido intenções de provocá-lo. Mais ainda, parecia a ponto de chorar. Subitamente, Jamie se afastou e ostentou uma expressão furiosa. Naquele instante lembrava uma gata selvagem. Já não mais parecia a ponto de chorar. Alec se sentiu regozijado. E aliviado... —Kincaid, você tampouco é do meu agrado. O homem teve o descaramento de sorrir. —É muito arrogante —afirmou Jamie—. Não, não me agrada nem um pouco. Alec se moveu para onde estavam seus homens e lançou outro olhar à esposa. —Mente. —Eu nunca minto. —Sim, Jamie, e não o faz nada bem. Jamie lhe deu as costas e começou a descer a colina. Alec a observou, pensando em como ficaria bela vestindo seu manto. De repente, Jamie se voltou e gritou: — Alec! Tomará cuidado, não? O medo que percebeu no tom de Jamie o fez responder. Assentiu, pensando que
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isso a agradaria, mas não pôde resistir à tentação de adicionar: —Pensei que não gostava de mim, inglesa. Por acaso mudou de idéia tão rápido? —Não. —E então, por que...? —Olhe, Kincaid, este não é momento para uma discussão profunda —disse Jamie. Correu outra vez para perto de Alec para que os soldados não ouvissem a conversa—. Você tem que sair para caçar —disse—. E eu tenho que fazer que Mary se sinta cômoda. Peço que você seja prudente, Alec. —Deu-lhe uns tapinhas na perna, e o homem acreditou que o fazia sem dar-se conta. O olhar aflito de Jamie estava fixo no rosto do marido.— Você faz isso só para eu me zangar. — Por que me chama Kincaid cada vez que está aborrecida? Jamie o beliscou. —De vez em quando me zango —afirmou—. Embora não me responsabilize— adicionou com ênfase—. Está bem para você se reorganizo a cozinha enquanto você está ausente? Alec, isso me dará uma ocupação, e pedirei a outros que façam o trabalho pesado; eu me limitarei a dirigi-los. Alec não teve ânimos para negar. — Você não levantará um dedo? —Não. O homem assentiu. E antes que pudesse abordá-lo outra vez, disse a ela que soltasse sua perna ou a arrastaria com ele. Jamie não pareceu acreditar na ameaça. A atitude da mulher o fez suspirar. Eliminou aqueles pensamentos da cabeça e se concentrou em assuntos mais importantes. Mais tarde, quando Gavin o alcançou, lembrou-se que Jamie havia dito que precisava instalar sua irmã de maneira confortável. Ele pensou que era uma visita de um dia inteiro.
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Mas sem dúvida ela falava de instalá-la para sempre. Sim, compreendeu-o bem quando Gavin lhe informou que lady Kincaid tinha dado refúgio a sua irmã. Os Ferguson tinham declarado a guerra. Alec soube que Daniel devia estar debatendo-se contra sua própria ira. Enviou Gavin de volta ao castelo para vigiar sua esposa. Encarregou outro soldado de confiança para a perseguição, e depois se encaminhou para as terras dos Ferguson. Pôde interceptar Daniel perto do limite entre as terras dos dois. Por própria decisão, Alec ia sozinho, mas Daniel levava com ele um pequeno exército, armado para a batalha. Alec freou seu cavalo e esperou que Daniel fizesse o primeiro movimento. Não demorou a acontecer. Daniel tirou a espada e a lançou ao ar de modo que a ponta se cravasse no chão, diante do cavalo de Alec. Era um gesto simbólico de declaração de guerra. Daniel esperou que Alec repetisse o ritual. A expressão de Daniel se manteve impassível mas se transformou em genuíno assombro quando viu que Alec movia a cabeça e se negava a lançar a arma. — Se atreve a recusar a batalha? —gritou Daniel, tão colérico que as veias de seu pescoço se incharam. — Isso mesmo.—gritou Alec. —Não pode. —Pois acabo de fazê-lo. Foi a vez do Daniel balançar a cabeça. —Alec, que jogo é este? —perguntou, embora já não parecesse estar cuspindo brasas. —Não entrarei numa batalha que não desejo ganhar—afirmou Alec.
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— Não quer ganhar? —Não. — Por que diabos? —Daniel, seja sincero, acha que quero ter duas inglesas em minha casa? A pergunta dissipou parte da ira de Daniel. —Mas... —Se ganhasse, Mary ficaria vivendo com Jamie pelo resto da vida. Você me pede muito, amigo. — Você não estava de acordo em dar refúgio à minha esposa? —perguntou Daniel, com um vislumbre de sorriso. —Não —respondeu Alec, exasperado. —Alec, sua esposa teve a audácia de proteger Mary de mim. De mim! E minha esposa o permitiu. Escondeu-se atrás das saias da irmã, como uma garotinha. —São inglesas, Daniel. Seu engano consistiu em esquecer disso. —É verdade —admitiu Daniel, suspirando—. Esqueci. Mas não me agrada que minha esposa se comporte como uma covarde. É vergonhosa a maneira como obriga a irmã caçula a... —Não é covarde, Daniel — interrompeu-o Alec—. Foi educada para agir assim. Jamie fez todas as irmãs acreditarem que ela as protegeria. Daniel riu. —As duas estão loucas. —Sim, é verdade —concordou Alec—. Faz tempo demais que somos amigos para permitir que as mulheres criem uma brecha entre nós. Daniel, vim até você de boa fé, para pedir-lhe... não, para exigir-lhe que volte a meu castelo e leve sua esposa com você. — Então recebi uma ordem? —perguntou Daniel, rindo.
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—Assim é. — E se ainda sentir vontade de brigar? —Nesse caso, farei sua vontade —disse Alec, marcando as palavras—. Mas as regras serão diferentes. O tom divertido de Alec intrigou ao Daniel. — Como? —O perdedor levará as duas esposas. Daniel jogou a cabeça para trás e explodiu em gargalhadas. Alec o tinha ajudado a fazer um bom papel diante de seus homens; permitiu-lhe retratar-se sem parecer perdedor. —Alec, você não cederia seu prêmio, mas me reanima saber que nem você se acertou com sua esposa. —Ela se acostumará. —Com respeito à Mary, tenho minhas dúvidas. —Daniel, o que se precisa é mão firme. Daniel fez um gesto aos soldados de que fossem embora antes de responder ao comentário de Alec. —Mão firme e uma mordaça, Alec. Desde que chegamos à minha casa, essa mulher não parou
de reclamar. Sabe que até se incomoda com o fato de eu ter
uma amante? Alec sorriu. —Assim é mais divertido. —Possivelmente eu a deixe ficar com Jamie. —Daniel, nesse caso haverá guerra. Mary pertence a você. —Deveria tê-las visto, Alec. —Arrancou a espada da terra, guardou-a na bainha, e acrescentou—: Sua esposa protegia Mary enquanto não parava de me
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insultar. Chamou-me de porco. —Já o chamaram de coisas piores. —Sim, mas só meus homens, e não viveram muito tempo para vangloriar-se disso. —Minha esposa tem caráter —admitiu Alec, sorrindo. —Eu gostaria que parte dele contagiasse
Mary. Corre como um coelho
assustado. —Quando me informaram deste problema, eu estava no rastro dos atacantes de Angus —disse Alec, mudando de assunto. —Soubemos o que aconteceu —respondeu Daniel—. O que você acha se o acompanho na busca? Pelo que entendi, os responsáveis foram os barões da montanha — especulou Daniel, referindo-se aos indivíduos que foram expulsos de seus respectivos clãs e que formaram sua própria unidade. Eram chamados barões porque era um título que os ingleses valorizavam e, em conseqüência, era o apelido mais ofensivo que um escocês podia aplicar. Por outro lado, era apropriado pois, à semelhança dos ingleses, estes homens da montanha eram vilãos que lutavam sem honra nem consciência. —Aceito com muito prazer sua companhia, Daniel, mas antes deve levar Mary para sua casa. Depois pode nos alcançar perto do Peak. Alec e Daniel não voltaram a falar até que chegaram à casa do primeiro. Jamie estava de pé no centro do pátio, com Mary a seu lado. Ao ver seu marido, sorriu, até que distinguiu a expressão de Alec, e então, o sorriso se esfumou. — Deus, Daniel tem uma expressão como se quisesse me matar! —murmurou Mary, aproximando-se mais de sua irmã. —Sorria, Mary. Isso o confundirá —aconselhou Jamie. Alec desmontou e se aproximou lentamente de sua esposa. Era claro que não sorria. Para falar a verdade, a expressão do guerreiro era capaz de azedar o
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leite. Jamie inspirou profundamente. —Alec, já abandonou a caça? Alec não deu importância da pergunta. — Você deu refúgio à lady Ferguson? — Não —repetiu Jamie—. Eu não considerei assim, marido. —Responda-me. O tom zangado de Alec a queimou como um ferro em brasa, e isso acendeu a ira da própria Jamie. Como se atrevia a criticá-la diante dos convidados? —Mary me perguntou se podia ficar, e eu lhe dei permissão —disse—. Se quer chamá-lo refugio, fique à vontade. Eu protegerei Mary. — Você a protegerá de seu próprio marido? —perguntou Alec, com ar incrédulo. —Sim, se o marido é um caipira insensível —respondeu Jamie. Dirigiu a Daniel uma expressão severa, e logo se voltou para Alec—. Alec, ele maltratou os sentimentos de minha irmã. O que queria que fizesse? —Que se ocupasse de seus próprios assuntos —espetou o marido. —Foi cruel com ela. —Sim, foi —gritou Mary, contagiada pelo ardor de sua irmã—. Se não puder ficar aqui, então acharei o caminho de volta à Inglaterra. —Eu poderia guiá-la —murmurou Jamie. Uniu as mãos e esperou que Alec respondesse à ameaça. —Terminaria na Normandia —senteciou Alec. Antes que Jamie pudesse responder, Alec se dirigiu a Mary. Olhou-a com severidade até que a jovem se afastou do lado de sua irmã, e depois ergueu Jamie nos braços com um férreo apertão. Jamie não resistiu, sabendo que seria em vão. Além disso, viu o padre Murdock de pé sobre os degraus, observando-os. Por certo, não queria que um clérigo a visse comportar-se de um modo
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impróprio para uma dama. — Eu não retornarei com você! —gritou Mary. Daniel não respondeu à provocação e se moveu com uma velocidade assombrosa num homem de seu tamanho. Antes que Mary pudesse gritar, estava de barriga para baixo sobre o colo de seu marido sobre a sela. Durante esta absurda situação, Jamie se desesperou por conservar a dignidade. A pobre Mary estava estendida sobre a sela como um saco de cevada. E embora fosse humilhante, Jamie desejou que Mary não armasse tanto escândalo. Os gritos indignados atraíam ainda mais a atenção para aquela situação lamentável. —Não posso ficar imóvel enquanto ele a envergonha deste modo —sussurrou Jamie. —Oh, pode sim—afirmou Alec. —Alec, faça alguma coisa. —Não vou interferir, nem você —respondeu—. Mary não teve tudo o que merece, Jamie. Daniel tem um caráter quase tão feroz quanto o meu. Sua irmã envergonhou seu marido. Jamie observou Daniel e Mary até que desapareceram cruzando a clareira. —Não a machucará, não é, Alec? O medo de Jamie era evidente, e Alec o considerou irracional. —Não baterá nela, se isso for o que a preocupa —respondeu—. Agora, Mary é problema dele. —Minha irmã esqueceu seu cavalo. —Não precisará dele. Jamie contemplava a boca de Alec, recordando a sensação que sentia ao beijála. Soube que era uma idéia tola, diante do problema de Mary que ainda não estava resolvido, mas não pôde evitá-lo.
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—Possivelmente eu terei que levar o cavalo para ela amanhã—disse Jamie, pensando no que fazer para que seu marido a beijasse outra vez. Alec soltou-a e começou a afastar-se, mas Jamie não queria que a deixasse ainda. —Alec, disse que o caráter do Daniel era quase tão feroz quanto o seu, mas tinha garantido que nunca se zangava. Não acha que é uma contradição? —Você me entendeu mal —respondeu Alec—. Disse que não me zangaria com você. Começou a descer a colina enquanto Jamie erguia a barra da saia e corria atrás dele. —E quando perde o controle, então? Alec não pôde resistir à tentação. Sua esposa era demasiado fácil de provocar. Não se voltou para que Jamie não o visse sorrir. —Quando se trata de algo que me importa. Algo importante. A exclamação abafada de Jamie fez o sorriso de Alec alargar. — Oh! —disse a jovem, em um tom que revelava os desejos de estrangulá-lo que sentia. —Não me importune mais. Era o último insulto que estava disposta a permitir. —Olhe, Kincaid, não é necessário que insista no fato de que me considera tão insignificante. Compreendo-o muito bem —afirmou—. Se eu fugisse, não iria atrás de mim, não é mesmo? Alec não respondeu. —Claro que não o faria. Sou muito insignificante para que se incomode, não? —Não, não iria atrás de você. Jamie viu-se obrigada a baixar a cabeça, pois não queria que Alec visse o
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quanto a havia ferido, se chegasse a voltar-se. O que importava se ia atrás dela ou não? ―É um escocês bárbaro‖, recordou-se. —Mandaria alguém para buscá-la. —Por fim, Alec voltou-se e a tomou nos braços.— Mas não irá a lugar algum e, em conseqüência, não tem importância, não é? —Alec Kincaid, começo a detestá-lo. —Inglesa, teria que fazer algo para mudar esse temperamento. —Acariciou-lhe a face—. Trate de não se meter em confusões enquanto eu estou ausente. Jamie supôs que essa era uma espécie de despedida, pois Alec montou o potro e a deixou ali, olhando-o. Tocou a face que Alec tinha acariciado. Depois endireitou os ombros e afastou a mão bruscamente. Quase o odiava. Quase... Lembrou que ele tinha dado permissão para reorganizar a cozinha. E embora fosse uma tarefa pequena, significava um começo. No momento certo, quando percebesse como o lar ficara mais agradável, Alec dependeria de Jamie. Jamie ergueu os ombros e começou a subir a colina. Seria melhor que começasse nesse mesmo momento. Sorriu com renovado entusiasmo. Alec tinha-lhe dado uma tarefa.
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Capítulo doze O rumor da notável habilidade de lady Kincaid para curar correu pelas Terras Altas como um incêndio. Contudo, o relato da cura de Angus não se exagerou, pois a verdade era bastante impressionante e era desnecessário enfeitá-la. O relato sempre começava da mesma maneira. Dizia-se que o guerreiro Kincaid acabava de receber os últimos sacramentos e que estava a um passo da morte. Aquele começo conquistava o grau de assombro que o narrador poderia desejar. Os membros dos clãs que assistiam o festival anual da primavera no feudo de Gillebrid se inteiraram das notícias menos de um dia depois de saber que Angus estava morto. Lydia Louise, a irmã caçula e única parente de Angus além de Elizabeth, estava atônita. Primeiro, chorou com genuína angústia pela morte do irmão, e logo, com intenso alívio por sua milagrosa recuperação. Por volta do final desse dia interminável, a confusa mulher teve que receber uma boa dose de vinho espesso e a obrigaram a meter-se na cama. Nenhum membro do clã McPherson assistiu ao festival. O filho único do chefe, um bebê de apenas três meses, estava tão doente que todo o clã pensou que morreria. O menino, por causa de uma veia de obstinação herdada de seu pai, tinha adquirido de repente uma intensa rejeição ao leite da mãe. Cada vez que se alimentava, vomitava com tal violência que em pouco tempo se enfraqueceu a ponto de não poder mamar. O senhor McPherson saiu para procurar distração em seus aprazíveis bosques para essa tristeza insondável. Chorou como um menino, pois estava convencido de
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que ao retornar ao lar teria que enterrar seu filho. Os Ferguson se uniram aos McPherson contra os McCoy, odiados inimigos, e esse conflito existia há tantos anos, que ninguém recordava o começo. Por outro lado, os Kincaid eram aliados dos McCoy desde em que um guerreiro McCoy tirou um menino Kincaid do rio em que estava afogando-se e, em conseqüência, a honra obrigou os Kincaid a apoiar os McCoy contra os McPherson. Não obstante, quando lady Cecily McPherson se inteirou da habilidade curativa de lady Kincaid, esqueceu todas as leis das Terras Altas. Para salvar seu filho, Cecily McPherson teria sido capaz de pactuar com o próprio diabo. Sem dizer a ninguém, levou o menino ao feudo Ferguson e suplicou o apoio de lady Ferguson. Mary escutou com simpatia as súplicas da pobre mulher, e como Daniel ainda estava ausente, ocupado na busca aos atacantes de Angus, não precisou pedir permissão; imediatamente, levou-a e ao pequeno até Jamie. Claro que todos os soldados Kincaid sabiam de quem era a criança, pois nas montanhas todos conheciam os problemas dos outros. Entretanto, nenhum deles informou à senhora de que na verdade estava atendendo o filho de um inimigo. Supuseram que não se importaria. Afinal contas, lady Kincaid era inglesa e ignorava os conflitos existentes na Escócia. Por outro lado, era mulher, e o instinto maternal sem dúvida seria um impulso mais forte para ela do que a guerra. Mais ainda, era muito gentil para compreender um conflito, e pela maneira em que insistiu em curar Angus até contra a resistência de Alec, demonstrara que era muito obstinada para desistir. Mas Gavin sabia o que aconteceria se o menino morresse em terras dos Kincaid e depois de dar uma olhada no pobre menino se convenceu de que a guerra era inevitável. Ordenou às tropas que se preparassem para a batalha, enviou dois mensageiros em busca de Alec, e esperou o ataque dos McPherson. Quatro dias depois, quando um exército completo do McPherson apareceu para exigir o corpo para sepultá-lo, o menininho estava gordo e saudável. Gavin só permitiu a entrada do senhor e de outros dois homens, e com Marcus
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a seu lado, esperou-os nos degraus de entrada ao castelo. Quando ouviu os gritos que vinham do pátio, Jamie acabava de fazer o bebê dormir sobre a cama de Alec. Correu para fora, para ver a que se devia a comoção, mas se deteve de repente no topo dos degraus quando viu três soldados de aspecto feroz montados a cavalo. Imediatamente soube que não eram soldados Kincaid, pois o manto de cor escura era completamente diferente. —Não irei sem meu morto —bramou o homem sólido do centro—. E quando voltar, haverá sangue Kincaid manchando os muros. —Gavin, alguém morreu? —perguntou Jamie. O segundo comandante respondeu sem se voltar, e Jamie pensou que não queria perder os intrusos de vista. Não o culpava, pois os estranhos pareciam ser o tipo de sujeitos capazes de golpear um homem pelas costas. —O senhor McPherson veio reclamar seu filho. O tom furioso de Gavin assustou Jamie; percebeu a tensão no ar, e então viu que os três estranhos a olhavam carrancudos. A áspera atitude a impulsionou a endireitar os ombros. — Essa é a mulher do Kincaid? —vociferou o homem que estava no meio. —Sim —respondeu Gavin. —Então, ela foi quem roubou meu filho. Por acaso o lorde tinha que gritar daquele jeito? Jamie não podia acreditar que ele fosse o pai de um garotinho tão doce. O líder era um homem maduro, de sobrancelhas tão espessas que escondia quase por inteiro os olhos escuros. Jamie pensou que devia cheirar tão mal como parecia. Marcus se voltou para Jamie, mas o semblante do homem não dava o menor indício do que pensava. —Vá procurar o menino —ordenou. — Depressa, mulher!
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Jamie acabava de encaminhar-se para o castelo quando o senhor vociferou a ordem. Deteve-se, voltou-se com lentidão e o olhou outra vez. —Não tenho pressa —disse. —Quero meu morto. Jamie acreditou que ficaria meio surda para sempre, pois esse sujeito hostil rugia como um urso ferido. Tentou conter a ira. ―Acha que o filho está morto, e a tristeza o faz esquecer as boas maneiras‖, disse para si mesma. Fez-se silêncio até que Jamie saiu outra vez com o garotinho adormecido nos braços. O bebê estava totalmente coberto por uma manta grossa de lã que o protegia do vento gelado. O rosto do velho senhor não demonstrou nenhuma reação. Jamie se aproximou do homem e descobriu o rostinho do menino. —Dê-me isso! —Pare de gritar agora mesmo —ordenou Jamie em voz alta—. Se acordar o menino depois de todo o trabalho que me deu fazê-lo dormir, ele armará um bom escândalo e você terá que suportá-lo fui clara? — O que? —Acabo de pedir para não gritar! —repetiu, quase gritando ela também. Arrependeu-se imediatamente, pois o menino abriu os olhos e começou a mexer-se. Jamie sorriu para o menino e logo dirigiu ao pai um olhar severo. Não viu a expressão atônita do pai ao comprovar que seu filho se movia. —Viu o que fez? Seus gritos perturbaram o pequeno —murmurou Jamie. Apoiou o
garotinho
sobre
o
ombro
e
começou
a
lhe
dar
tapinhas
nas
costas.
Imediatamente, o menino lançou um sonoro arroto—. Muito bem, pequeno — cantarolou, dando um beijo breve na cabecinha careca. Endureceu a expressão ao voltar o rosto para o pai. — Quando entenderei por que Deus o abençoou com um menino tão adorável?! O
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pequeno acaba de receber o almoço, se você o inquietar é provável que vomite. O líder não respondeu os comentários de Jamie e esta, impaciente, entregoulhe o menino. Viu que as mãos do homem tremiam ao segurar seu filhinho. —Antes que vá tenho que lhe dar certas instruções —disse Jamie. Durante um longo momento, o velho guerreiro não disse uma só palavra e permaneceu contemplando seu filho com a cabeça inclinada enquanto tentava se recuperar.
Nesse
momento
não
podia
manifestar
sua
alegria,
pois
isso
enfraqueceria sua posição ante os Kincaid, mas era tão difícil conter-se que seus olhos quase saíam das órbitas. O garotinho lançou outro arroto no meio do silêncio e sorriu com doçura, como se soubesse que o debate interior do pai era uma prova de resistência. —Não está morto. —Se você continuar gritando, o matará de susto —afirmou Jamie—. E agora, peço que preste atenção em mim, senhor. Dirá a sua esposa que só o alimente com leite de cabra. —Não o farei. Jamie reagiu como se um raio a tivesse fulminado. Antes que o guerreiro pudesse fazer qualquer coisa, arrebatou-lhe o menininho dos braços, estreitou-o contra o peito e começou a passear com ele junto ao cavalo do pai. —Nesse caso, Mcpherson, pode ir sem seu filho. Não deixarei que o mate com sua ignorância. Volte quando o menino for grande o bastante para poder sobreviver sozinho. Os olhos do guerreiro se abriram atônitos. Olhou para Gavin, e depois outra vez para lady Kincaid. —Dê-me a criança —O guerreiro vociferava novamente. —Antes, terá que me prometer que só o alimentará com leite de cabra. —Tomará o leite de sua mãe, mulher.
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—Não tolera o leite da mãe. —Por acaso quer ofender minha esposa? Jamie desejou ter força para golpeá-lo, para ver se adquiria um pouco de bom senso. —Estou dizendo o que é deve fazer para manter o menino com vida—gritou—. Não suportarei mais descomposturas. —Aproximou-se do pai até ficar a escassos centímetros do joelho do homem, e disse—: Prometa. Ficou satisfeita ao ver que o homem concordava bruscamente. Devolveu-lhe o menino e se encaminhou para Gavin e Marcus. —Você é o homem mais ingrato que já conheci —murmurou. — Ingrato? —O guerreiro voltava a vociferar. Jamie deu meia volta, com as mãos nos quadris, e lançou ao guerreiro um olhar incendiário. — Sim, ingrato! —exclamou-——. Em vez de gritar comigo, teria que me demonstrar seu agradecimento, McPherson. Uma vez mais, os olhos do senhor se converteram em duas ranhuras, e Jamie soube que tinha ferido o orgulho do homem, embora não tivesse idéia do motivo. —Quero que se desculpe por ter tirado meu filho de minha casa —bramou o homem—. Se não obtiver o que exijo, haverá uma guerra. — O que você precisa é um bom chute no traseiro, bode velho! —gritou Jamie— . E se não se mostrar respeitoso comigo, é o que conseguirá! —Você roubou meu filho. Jamie não podia acreditar na estupidez daquele sujeito e, ao que parecia, o cavalo era tão teimoso quanto o dono. Assim que o ancião libertou as rédeas, o animal tentou morder Jamie no ombro e McPherson não tentava controlar ao cavalo mais que a seu próprio temperamento. — Você se desculpará! —rugiu.
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Antes de responder, Jamie deu uma palmada no cavalo para afastá-lo. — Atreve-se a me pedir que me desculpe? Eu não roubei seu filho, e você sabe. Pode sentar-se para esperar até que apodreça, mas não lhe pedirei perdão. O menino começou a chorar, e Jamie se desconcentrou. —Leve a menino para casa e para sua mamãe! —ordenou—. E não se atreva a voltar as terras Kincaid até que tenha aprendido boas maneiras! O líder pareceu disposto a agredi-la e, para não o fazer, soltou as rédeas. Imediatamente, o cavalo quis morder outra vez o
ombro de Jamie. A jovem lhe
deu uma palmada mais forte. McPherson rugiu. — Ela bateu no meu cavalo! —gritou—. Todos viram! A mulher do Kincaid bateu no meu cavalo! Mulher, uma coisa é insultar à esposa, mas golpear o cavalo...! — Pelo amor de Deus! —interrompeu-o Jamie—. Vá embora já, ou baterei em você! Quando o soldado à esquerda do guerreiro fez menção de tirar a espada, Jamie tirou a adaga da bainha que levava na cintura. Girou para o soldado, fez pontaria e disse: —Se não tirar a mão da arma, cravarei a adaga em seu pescoço antes que respire outra vez! E quando eu provoco uma ferida — desafiou— não a trato! O soldado hesitou um instante e logo obedeceu. Jamie assentiu. — Agora, fora de minhas terras! —ordenou, enquanto guardava a arma. De súbito, sentiu-se exausta. Fazia muito tempo que não se enfurecia daquele jeito. Estava um tanto envergonhada de sua própria conduta, e agradecida que só Gavin e Marcus houvessem presenciado como perdia o controle. Claro que era culpa de McPherson.
Aquele homem devia viver numa caverna!
Tinha os maneiras de um animal selvagem, e era capaz de fazer um santo gritar. Nesse momento, a única possibilidade lógica era recuar. Jamie se voltou com
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intenção de entrar no castelo sem lançar um único olhar atrás. Ela se despediria do McPherson da maneira mais grosseira possível. Mas se deteve bruscamente ao ver uma fila de soldados Kincaid atrás dela, todos armados e preparados para a batalha. Jamie se deu conta com rapidez, mas o que a assustou e fez latejar sua cabeça não foi isso, não, foi o próprio Alec Kincaid, de pé em meio aos soldados o que captou imediatamente a atenção de Jamie e fez sua cabeça doer. Diabos, provavelmente presenciara toda a cena! Jamie se sentiu mortificada. De repente, sentiu desejos de dar meia-volta e retornar à Inglaterra. Já não estava certa de qual era a maior ameaça naquele momento: a expressão de Alec era capaz de fazer cair a lã de uma ovelha. Em comparação, o guerreiro McPherson parecia um santo. Alec tinha os braços cruzados sobre o peito. As pernas separadas — mau sinal!— e o semblante tão rígido quanto o resto de sua pessoa. Era a mesma atitude que tinha adotado quando os bandidos os atacaram. Naquele momento, Jamie pensou que se mostrava indiferente. Agora sabia que estava enganada. De qualquer modo, Jamie pensou que Alec era mais seguro. Sentindo um espasmo no estômago, a jovem pensou que se Alec se propunha matá-la, sem dúvida o faria em particular. Ela não era tão importante para que ele fizesse uma cena. Não, talvez não tocasse no assunto até a semana seguinte. Quando Jamie se aproximou dele, Alec não disse uma palavra; limitou-se a empurrá-la
até
que
ficasse
atrás
dele
e
depois
se
adiantou
um
passo.
Imediatamente, a muralha de homens se fechou em volta de Jamie. O escudo de guerreiros lhe obstruía a visão, embora tenha ficado nas pontas dos pés e tentado olhar sobre o ombro de Marcus. Palavras iradas cruzavam como flechas entre os dois poderosos chefes. Jamie
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ficou perplexa ao verificar que, na realidade, Alec a defendia. Sentiu-se profundamente insultado ao ver que um dos McPherson tinha a audácia de tocar a espada em presença de lady Kincaid. Oh, certamente que Alec estava furioso! Muito furioso! Tinha um temperamento infernal, e Jamie recitou todas as preces que conhecia, agradecendo ao Criador que esse caráter não se abatia sobre ela. Então, Jamie voltou a ouvir a odiosa palavra ―guerra‖ pronunciada em forma de rugidos. McPherson queria brigar e Alec assentia com ênfase. ―Deus!‖, disse-se Jamie. ―o que eu fiz?‖ Alec jamais acreditaria que não era culpa
dela.
Se
Jamie
tivesse
podido
controlar
seu
próprio
temperamento,
possivelmente teria evitado esta guerra. Os soldados não se separaram da jovem até que os McPherson se afastaram uma boa distância pelo caminho. Jamie pensou que convinha ir-se dali antes que seu marido voltasse a atenção para ela. ―Não correrei‖, disse-se. ―Não, só preciso de um pouco de tempo para esclarecer este assunto tão confuso. Com um pouco de sorte, possivelmente leve um ou dois dias‖. Deu as costas a Marcus e começou a caminhar para a entrada. Mas no instante em que pensou que tinha escapado da atenção de Alec, este a segurou pelo braço. Sem a menor gentileza, obrigou-a a olhá-lo. Jamie sorriu, pois Marcus e Gavin estavam olhando, mas o cenho de Alec a fez mudar de idéia. —Terá a bondade de me dar uma explicação? —disse Alec, em um tom tão aprazível quanto o bocejo de um leão. —Não —respondeu Jamie—. Prefiro não fazê-lo. A resposta não agradou ao homem, e o músculo do queixo começou a contrairse em um tique insistente. O apertão do braço se tomou tão forte que as sardas de Jamie ficaram rosadas. Jamie estava resolvida a confrontar o olhar de seu marido para lhe mostrar que não tinha medo da expressão cruel de seus olhos, mas não durou até a primeira
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piscada. —O garotinho estava doente —disse. —Eu cuidei dele. —Como chegou o filho do McPherson aqui? —Eu me perguntei o mesmo. —Responda. Embora Alec não tivesse levantado a voz, Jamie soube que estava furioso e se propôs a apaziguá-lo com uma resposta direta. —Alec, eu só tratei de fazer o que era certo. E mesmo que tivesse sabido que esse menino adorável pertencia a um velho tão amargo, de toda maneira o teria atendido. O menino sofria muito. Você teria dado as costas a ele? —Eu quero que respondesse a minha pergunta —insistiu o homem. —Jogará a culpa em Mary. — Ela está metida nisto? —perguntou Alec. Moveu a cabeça e disse—: Não deveria me surpreender. —Mary me trouxe o menino. A esposa do McPherson o deu a Mary, e lhe implorou que obtivesse minha ajuda. Por fim, Alec soltou seu braço, e Jamie conteve o anseio de esfregá-lo — Foi assim. —Agora se zangará com Mary por ter interferido, não é, Alec? Alec não respondeu. Gavin olhou para Jamie com simpatia e disse a Alec: —Daniel está informado disto? —Não
creio
—respondeu
Alec—.
Estava
caçando
comigo.
Se
tiver
ido
diretamente para casa, possivelmente neste momento esteja inteirando-se. Se Deus quiser, vai trancá-la a chave. —Mary tem bom coração —interveio Jamie—. Não acredito que Daniel se zangue com ela por ajudar um menino doente.
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—Agora pode entrar —disse Alec, sem prestar atenção aos argumentos de Jamie em defesa de sua irmã. A atitude fria do marido desanimou Jamie, embora a essas alturas teria que estar acostumada. Tinha estado ausente quatro dias e noites, mas Jamie não sentiu falta dele. —Ainda não quero entrar—replicou Jamie, surpreendendo Gavin e Marcus, mas não Alec—. Antes, tenho que lhe fazer uma pergunta. Alec soltou um suspiro de impaciência. — Gavin, envie alguns homens para acompanhar os Mcpherson até a fronteira — ordenou, e logo voltou a atenção para Jamie—. E então? Qual é a pergunta? —Perguntava-me se foi bem com a caça. —Sim. —Você encontrou os homens que feriram Angus? —Sim. —E então? Teve que matar algum deles? Para Alec era a pergunta mais absurda que jamais haviam lhe feito. Jamie a pronunciou em um murmúrio, e logo lançou a Gavin um olhar aflito. Alec não sabia o que fazer com sua esposa, já que parecia irritada com ele. Esta mulher era muito irracional para entendê-la. Mas muito atraente. Embora Alec só houvesse estado ausente por quatro dias, pareceram-lhe muitos mais. A compreensão desse fato obscureceu o ânimo do homem. Imediatamente notou que Jamie continuava vestindo o traje inglês, e começou a compreender que a mulher era tão obstinada quanto ele. Talvez mais. —Seis ou sete —respondeu em tom áspero—. Quer saber como os matei? Esquecendo que estava sobre os degraus, Jamie recuou e Alec a segurou pelos ombros para que não caísse. —Suponho que não quer saber.
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Jamie afastou suas mãos. —Não, não quero saber como os matou, homem impossível, mas sim queria saber a quantidade. Foram seis ou sete? —Como posso saber? —exclamou, irritado—. Estava no meio da luta, Jamie. Não tive tempo de contá-los. —Bom, deveria havê-lo feito —murmurou Jamie—. Daqui para frente, vou lhe pedir que os conte. É o mínimo que pode fazer. —Por que? —Porque só restam oito xelins. Alec não entendeu a que ela se referia, mas não o surpreendia, visto que nunca sabia a que Jamie se referia. Viu-a pálida, e lembrou como as brigas a aborreciam. Imaginou que não queria que ele matasse ninguém e a idéia pareceu tão divertida que não pôde menos que sorrir. Diabos, era provável que tivesse matado o dobro de homens! A batalha foi feroz, mas não pensava informar Jamie disso. —Está sorrindo, Alec. Isso significa que brincava? —Isso mesmo —mentiu o homem, desejando apaziguá-la. O modo come Jamie o olhou indicou que não acreditava nele. Ergueu as saias e correu para dentro. —Alec —disse Gavin—, o que acha que imaginava que aconteceria quando encontrasse nossos inimigos? —Não tenho a menor idéia. Gavin continuava sorrindo. —De passagem.—disse, mudando de assunto—, Franklin se adiantou para informar que o clã vem de volta do feudo do Gillebrid. No mais tardar, devem estar aqui amanhã pela tarde. Vêm com eles alguns dos membros do clã Harold com intenções de apresentar seus respeitos. —Que me leve o diabo! —exclamou Alec com aspereza—. O que querem é ver
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minha esposa. —Sim —admitiu Gavin, rindo—. A beleza de Jamie já é lendária. Além disso, salvou Angus. Qualquer um que sofra alguma dor se instalará diante nossas portas. — Como está Angus? —Agora, dócil. — O que significa? —Queria voltar para suas tarefas e sua esposa o surpreendeu no momento em que partia para sua própria cabana. Elizabeth foi pedir-lhe ajuda—. antes de continuar Gavin soltou uma gargalhada.— Ainda consigo ouvir os gritos de Angus enquanto o arrastavam para as portas do castelo. Quando eu cheguei... —Angus levantou a voz para Jamie? —Tinha um bom motivo —explicou Gavin, ao ver que Alec se enfurecia outra vez—. Jamie tirou sua espada. Ao ouvi-lo, Alec levantou uma sobrancelha. —Nesse caso, tinha razão —admitiu, sorrindo—. O que aconteceu depois? —Ainda que não levantou a voz, em poucos minutos teve que se deitar outra vez. Com as mãos presas às costas, Alec se dirigiu aos estábulos com Gavin a seu lado. —Não confio em nenhum dos Harold, e menos ainda nos filhos bastardos — disse, retornando ao assunto dos visitantes que estavam por chegar. — Os gêmeos? —Justin trará problemas —afirmou Alec—. Está muito habituado a fazer o que deseja. — Acha mesmo que seria capaz de perseguir a esposa de outro homem? —Acredito que sim. Esse sujeito gerou mais filhos bastardos que o rei da
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Inglaterra. —Como é muito bem apessoado, todas as mulheres caem a seus pés. É estranho que Philip, sendo idêntico, tenha um caráter tão oposto. É muito tímido para tentar qualquer coisa. —Também não confio em Philip —resmungou Alec. Gavin sorriu. —Alec, você fala como alguém que se importa com a esposa. —É minha propriedade —retrucou Alec—. Ninguém além de mim tem direito a ofendê-la. —Jamie também passa por maus bocados —assinalou Gavin—. Claro que a tarefa que lhe atribuiu ajudou, mas Edith dificulta as coisas. Contraria cada uma das ordens que Jamie dá e nem lhe dirige a palavra. Alec não respondeu pois viu Jamie que descia correndo os degraus. —Aonde vai? —gritou Alec. —Vou ver o ferreiro —respondeu Jamie em voz alta. Contornou o canto do edifício e desapareceu. Alec balançou a cabeça. —Essa idiota vai na direção errada. Gavin riu. —Alec, sua esposa me suplica que lhe dê mais responsabilidades. Não posso permitir que ela faça tarefas pesadas como mover pedras, mas queria dar-lhe algo... — Do que você fala? —perguntou Alec—. Que pedras há para mover? Gavin o olhou perplexo. —A cozinha—lembrou. Come Alec seguia franzindo o sobrecenho, Gavin lhe explicou:
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—Deu-lhe permissão para reorganizar a cozinha, não foi? Alec deu de ombros. —Possivelmente —admitiu. —Em um momento de fraqueza. Mesmo assim, não poderia levar mais de uma hora reorganizar Deus sabe o quê que Jamie quisesse arrumar. —Arrumar? —repetiu Gavin, atônito. E que Deus o ajudasse, não pôde conter a risada! —Gavin, que demônios é tão divertido? —perguntou Alec—. Acaso minha esposa lhe disse...? —Não, fez exatamente o que lhe deu permissão de fazer —respondeu Gavin, quase sufocado—. Você logo vai ver, Alec. Será uma surpresa agradável — apressou-se a adicionar, ao ver que o amigo estava perdendo a paciência—. Não queria estragá-la. O padre Murdock se aproximou depressa do senhor, atraindo sua atenção. A batina negra do sacerdote ondulava ao vento. —Alec, se não for inconveniente, queria falar umas palavras com você. Imediatamente, Alec e Gavin trataram de se afastar do sacerdote, pois o desagradável aroma que exalava fazia seus olhos lacrimejarem. Por respeito, Alec não o mencionou, mas Gavin não foi tão diplomático. — Deus, padre Murdock, o que aconteceu? O senhor cheira a esterco de porco. O clérigo não se ofendeu mas riu, e fez um gesto afirmativo. —Sei que cheiro mau, moço, mas me sinto melhor do que me sentia há anos. Jamie me deu uma pasta especial para esfregar no peito. E também preparou outra poção. Já quase não tenho tosse. Deu um passo adiante. Alec não se moveu, mas Gavin se apressou a recuar. —Já basta de falar de minha saúde, e ocupemo-nos de uma questão importante —disse, dirigindo-se a Alec—. Sua esposa me deu todos os xelins que tinha —disse,
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ao mesmo tempo em que abria a mão para mostrar as moedas—. Quis comprar indulgências e eu não tive ânimo de lhe dizer que aqui não usamos moedas. Alec sacudiu a cabeça. —Ela se preocupa muito por sua alma e, se não me engano, é uma característica dos ingleses. O clérigo riu. —Alec, Jamie não se preocupa absolutamente com sua própria alma. — Então o que a preocupa? —Sua alma. Gavin sufocou a risada tossindo. —Eu contei sete xelins —disse a Alec. —Oito —corrigiu o padre MurdOCk. Jamie disse que uma era para prevenir uma má contagem. Quando me disse isso, não entendi. —Essa mulher está louca. —Ela se preocupa —argüiu o padre Murdock.— E agora me diga o que faço com estas moedas. —Coloque-as na caixa que está sobre o mantel da lareira —sugeriu Alec, dando de ombros. —Como queira
—disse o sacerdote.
E já que falamos
de sua querida
mulherzinha, queria saber se lhe daria permissão para usar um dos quartos do piso superior. Pediu-me que lhe perguntasse isso, Alec. —Não tenho inconvenientes em aceitar o pedido —respondeu Alec—. Para que quer o quarto? —Como seu próprio dormitório. —De jeito nenhum! —Vamos, filho, não é necessário que se exaspere —tranqüilizou-o o padre
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Murdock, ao ver que o ânimo de Alec murchava -se com a mesma rapidez que uma rosa ao sol. Titubeou ao formular a seguinte pergunta—. Você a deixaria passear pelas encostas da colina... sem sair das terras Kincaid, é óbvio? Isso lhe serviria como distração. Estou certo de que sente sua falta quando não está. Isto suavizou a expressão de Alec. —Claro que sente minha falta —alardeou—. De acordo, padre Murdock. Digalhe que pode cavalgar, sempre que levar escolta. — Não acha que poderia escapar, Alec? Claro que sente falta de seu lar, mas eu... —Padre, minha mulher não é capaz de sair de um quarto com uma só porta. Não, não acredito que tente retornar à Inglaterra, mas tenho certeza de que se perderia. Não tem sentido de orientação. —Sim —concordou o sacerdote com os olhos faiscantes—. Tem tantos defeitos quanto o céu azul. — Você se contradiz — interveio Gavin —. Um céu azul não tem defeitos. —Para um homem cego, sim —respondeu Murdock, olhando Alec com ar significativo —. Se sua esposa pareceavocê um ser tão inferior, terei muito prazer em obter uma anulação. —Não o fará. Alec não quis ser tão taxativo ao recusar a absurda sugestão do sacerdote. O que o padre Murdock dava a entender, com toda consciência, era que seria muito fácil obter uma anulação. Alec compreendeu que havia caído na armadilha do sacerdote, pois acabava de admitir o quanto se importava com Jamie. —Estou farto de falar sobre mulheres —murmurou -. Gavin, poderia se assegurar de que minha esposa não inicie uma nova guerra enquanto eu me encarrego de outros assuntos? —Ela perguntou sobre Helena.
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A afirmação do padre Murdock se abateu sobre os dois amigos. Alec se voltou lentamente e olhou outra vez ao sacerdote. —E? —perguntou com tom indiferente, — Disse que haviam dito a ela que você matou a Helena? Alec negou com a cabeça. —Quando ela escutou essa fofoca tão absurda? —perguntou Gavin. —Antes que Alec chegasse à casa do pai de Jamie —respondeu o padre Murdock. —Perguntou se era verdade? —perguntou Gavin, sabendo que Alec não o diria. —Não, não me perguntou se era verdade —respondeu o padre Murdock, olhando com severidade para Gavin—. De fato, disse-me que jamais tinha acreditado nisso. Também não acha que Helena se suicidaria. Acredita que foi um acidente. Tem um coração bondoso, Gavin, e uma fé absoluta em seu marido. Alec assentiu. —Não seria capaz de dar importância ao falatório —afirmou, com um tom carregado de orgulho—. Jamie é uma mulher doce e afetuosa. —Sim, realmente —acrescentou Gavin. —Claro que também é um pouco obstinada —admitiu o padre Murdock—. Continua me importunando para que lhe dê alguma tarefa. Penso que quer fazer parte da família, Alec. Está se apaixonando por você, filho. Seja gentil com seus sentimentos. Embora Alec não estivesse completamente convencido de que Jamie estivesse se apaixonando por ele, a idéia o fez sorrir. —Você a elogiará pelo esforço com que trabalhou na cozinha, não é, Alec? — disse o clérigo, —.
O que acha do anexo? Agora que os homens deixaram de se
queixar, funciona muita bem. — Do que está falando? —perguntou Alec.
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Murdock lançou um rápido olhar a Gavin e se voltou para Alec outra vez. —A cozinha, Alec. Deve ter esquecido que deu permissão a Jamie para mudar a construção. —Eu o que? —rugiu Alec. O sacerdote se apressou a recuar, afastando-se da ira de Alec. —Disse que tinha lhe dado permissão para reorganizar a cozinha, Alec. Não acredito que essa doce moça tenha mentido. Pode ser que tenha esquecido...? Alec se encaminhou às portas do castelo e o sacerdote abandonou a intenção de defender à senhora. —Gavin, ele parecia muito... surpreso. — Sem dúvida —repôs Gavin—. Será melhor que você se mantenha perto de Jamie até que passe a tormenta. Neste momento ele deve estar descobrindo aquela enorme brecha no muro traseiro... O rugido furioso de Alec ressoou no pátio. —Ele viu —sussurrou o padre Murdock—. Oh, Senhor, nos salve! Lá vai Jamie! O sacerdote ergueu a batina e correu para a senhora. —Espere, mulher —gritou. Jamie ouviu a chamada desesperada do ancião e girou imediatamente com uma expressão aflita no rosto. —Padre, não deveria correr até que melhorasse do peito —gritou. O clérigo subiu os degraus e a segurou pelo braço. —Alec acaba de ver o buraco na parede. A moça lhe dirigiu um doce sorriso. —Não podia deixar de notá-lo, padre. Para o padre Murdock foi evidente que a doce mocinha não tinha consciência do perigo que corria.
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—Será melhor que venha comigo à capela até que Alec tenha ouvido as explicações dos soldados. Em uma hora ou duas se acalmará, e então você poderá... —Tenha mais confiança em seu senhor —replicou Jamie—. Quando estiver terminado, verá que a mudança é boa. Tenho certeza, padre. Além disso, Alec não gritará comigo. Prometeu-me isso. Por favor, não se preocupe. Entrarei, e explicarei tudo a Alec pois não tenho medo. —O que mais me assusta é sua falta de temor—admitiu o ancião. Sabia que Alec não a tocaria enquanto estivesse zangado, mas poderia destroçar os sentimentos de Jamie com seus gritos. O padre Murdock fez rapidamente o sinal da cruz quando Jamie lhe deu um tapinha na mão e entrou. Os joelhos do sacerdote tremiam muito para poder segui-la. Jamie se encheu de coragem diante da irritação do marido e entrou no salão, mas ao ver o que acontecia se deteve de repente. Alec estava sentado à cabeceira da mesa e, junto a ele, um soldado fazia o relatório. Alec não parecia muito perturbado. Tinha o cotovelo apoiado sobre a mesa, e a testa sobre a mão. Parecia bem mais abatido que zangado. Também
estavam
ali
todos
os
soldados
que
haviam
trabalhado
no
desmantelamento da cozinha. Era evidente que esperavam sua vez para falar sobre a senhora. Jamie dirigiulhes uma expressão que manifestava às claras o que achava da deslealdade dos homens, e depois caminhou para seu marido. Quando por fim Alec ergueu os olhos, Jamie estacouno lugar. Estava furioso. Na mandíbula tensa aparecia outra vez o tique e os olhos flamejavam de cólera. Tampouco o vento favorecia muito a causa de Jamie, pois penetrava com som sibilante pelo enorme buraco e lembrava Alec do que a mulher tinha feito. Olhou-a em silêncio por um longo momento. —Queria explicar—disse Jamie.
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—Saia imediatamente desta sala, mulher. Embora não tivesse erguido a voz, a áspera ordem feriu Jamie como se o tivesse feito. —Alec, prometeu-me que controlaria seu temperamento —lembrou-lhe. ―Que o Céu me ampare!‖ pensou Jamie, aterrada pela expressão dos olhos de Alec. Então, o homem gritou: — Vá embora daqui, antes que eu... agora mesmo, esposa! Jamie assentiu. Correu para o suporte da lareira, tirou uma moeda da caixa e saiu da sala com toda a dignidade que pôde, dadas as circunstâncias. Edith e Annie estavam perto da entrada e lhe dirigiram risadinhas debochadas quando passou. Jamie não chorou até que chegou aos estábulos. Ordenou a Donald que preparasse Fogo Selvagem. O chefe dos estábulos não discutiu, e depois que a ajudou a montar perguntou se tinha que aprontar também o cavalo de Alec. Jamie negou com a cabeça e saiu. O padre Murdock, de pé no pátio, esperava que ela passasse. Jamie se inclinou e lhe entregou uma moeda. —Ele mentiu para mim —murmurou—. Isto é para comprar uma indulgência para a alma de meu marido. Murdock segurou o estribo. — Para onde vai, moça? —perguntou, fingindo ignorar as lágrimas de Jamie—. Deixa-me preocupado. —Parto. — Para onde? —Ele me ordenou que o fizesse, padre, e eu sempre obedeço. Para que lado está a Inglaterra?
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O sacerdote estava muito perplexo para lhe indicar a direção, e Jamie imaginou que seria costa abaixo. —Obrigado por ser bondoso comigo —disse. Foi embora, deixando ao sacerdote com a boca aberta, incrédulo. Jamie sabia que em qualquer momento iria informar do que ela estava fazendo, mas não lhe importou. Alec não a seguiria: não era muito importante para ele. Estaria feliz de livrar-se dela. Jamie pensou que teria problemas ao cruzar a ponte levadiça, mas quando explicou
que
obedecia
ordens
do
senhor,
os
soldados
a
deixaram
passar
imediatamente. Deixou que Fogo Selvagem corresse como o vento, e se limitou a segurar as rédeas, enquanto chorava sem dissimulação. Não sabia para onde foram nem quanto tempo durou aquela corrida louca. Para falar a verdade, nada mais lhe importava senão chorar. Quando finalmente a égua se deteve, no abrigo das árvores, Jamie decidiu que era hora de recuperar certo controle. Então viu o menino. Soube que não era Kincaid, pois o manto que vestia era de outra cor. Jamie não fez o menor ruído. Esperava que o menino não a visse, pois não queria que ninguém a visse num estado tão lamentável, nem mesmo um menino. Mas o rapaz estava muito preocupado para olhar para trás. Observava com atenção os arbustos a sua direita, e Jamie se perguntou o que o deixaria tão vigilante. De repente, o menino gritou e começou a recuar, ao mesmo tempo em que um imenso javali lançava um bufo malvado e saltava adiante. Jamie reagiu sem pensar. Esporeou os flancos de Fogo Selvagem e a lançou a pleno galope. A égua voou encosta abaixo. Jamie agarrou as rédeas e as crinas de Fogo Selvagem na mão esquerda, e se inclinou para a direita. O rapaz a viu chegar e começou a correr para ela com as mãos estendidas. Jamie implorou para ter a força suficiente para erguê-lo. Deus atendeu suas
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preces. Com ajuda do menino, que se segurou com todas as suas forças ao braço direito da jovem, pôde levantá-lo até que o menino conseguiu passar a perna sobre o lombo de Fogo Selvagem. Os dois correram para salvar a vida. Poucos minutos depois o javali desistiu da perseguição, mas Fogo Selvagem ainda estava arrepiada de medo e rodou com brutalidade. Jamie e o menino caíram ao chão. Jamie aterrissou de lado, e o menino, em cima dela. O rapaz se apressou a rodar, ficou de pé e tentou ajudá-la a levantar. Puxava-a pelo braço direito e Jamie fez uma careta de dor. —Está machucada? —perguntou o menino, evidenciando o temor num forte acento gaélico. —Estou um pouco machucada —respondeu Jamie, no mesmo idioma. Lentamente ficou de pé e então viu que tinha o vestido esmigalhado no ombro. Os dois estavam de pé no centro de uma pequena clareira. Jamie tremia dos pés a cabeça. —Escapamos por um triz – afirmou — Eu me assustei. E você?
—perguntou ao
menino, ao ver que a olhava. O rapaz assentiu, e os dois sorriram. —Ele teve o que mereceu, não? —disse o menino, sorridente. —Sim, nós lhe demos seu castigo —admitiu Jamie, pensando que era um rapaz encantador. Tinha um comprido cabelo avermelhado que se enrolava em volta do rosto angelical e o nariz cheio de enormes sardas— Sou lady Kincaid – continuou — Qual é seu nome? —Não devo dizê-lo —murmurou o menino—. Não deveria estar nas terras dos Kincaid. — Você se perdeu? O rapazinho abanou a cabeça.
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—Diga. —Não, não contarei. —Mas, o que está fazendo aqui? O menino encolheu os ombros. —Eu gosto de sair para caçar. Meu nome é Lindsay. —E qual é o nome de seu clã? —Lindsay —repetiu—. Você fala gaélico, mas com um sotaque estranho. Também não usa as cores dos Kincaid. —Sou inglesa. O menino fez um gesto de assombro. —Sou a esposa de Alec Kincaid, Lindsay — explicou—. Quantos anos tem? —Este verão completarei nove. —Acredito que sua mãe deve estar procurando por você. —É meu pai quem procurará por mim. Estará preocupado —adicionou—. Será melhor que vá para casa. Jamie assentiu e se absteve de sorrir, pois nesse momento a expressão do menino era grave. —Você salvou minha vida —disse o rapaz—. Meu pai terá que recompensá-la. —Não —replicou Jamie—. Não tem que me recompensar. Tem que me prometer que nunca mais sairá para caçar sozinho. Você me dá sua palavra? O menino assentiu e Jamie lhe sorriu. — Quer que o acompanhe a sua casa? —Se me acompanhasse, eles a prenderiam. Estamos em conflito com os Kincaid —explicou, com ar prático. —Então, tome cuidado —aconselhou—. Apresse-se. Parece-me ouvir que vem
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alguém aí. Antes que Jamie tivesse dado um passo em direção a Fogo Selvagem, o menino tinha desaparecido atrás da fileira de árvores. Jamie estava sozinha no centro da clareira quando Alec e o cavalo irromperam por entre os galhos. O homem sentiu tal alívio ao vê-la que freou ao cavalo e ficou imóvel, contemplando-a, enquanto acalmava sua respiração agitada. Alec não sabia se Jamie estava perturbada pois tinha a cabeça encurvada. Compreendeu que a havia aterrorizado pois a expressão de Jamie quando gritava com ela o demonstrara. Rogou ao céu que tivesse superado o temor... e as lágrimas. Também as notara quando Jamie passou junto a ele com a moeda na mão. Diabos! teria que se desculpar! Representava um esforço para Alec, mas se propôs a tentar. Ele se esforçaria para ser sereno... e razoável. Nesse momento notou que Jamie tinha folhas no cabelo e um rasgão no vestido. —Que demônios aconteceu? —gritou—. Por acaso alguém...? Antes que Jamie pudesse responder, Alec apeou e correu para ela. Jamie se apressou a dar um passo atrás. —Não aconteceu nada – assegurou. —Não minta para mim. —Segurou-a pelos braços e a estreitou contra o peito. —Você mentiu para mim. —Não menti. —respondeu o homem, recuperando uma vez mais a calma. —Você perdeu a paciência comigo. —Você fez com que meus homens derrubassem uma parede de minha casa! – explicou o homem. —Você disse que eu podia arrumar a cozinha —murmurou Jamie—. No inverno, Frieda, Jessie e todas as demais criadas têm que caminhar com a neve até os joelhos para levar seu jantar. Alec, só tentava fazer o que era certo.
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Pareceu sensato encostar a construção na parte traseira do castelo. Mas não me deixou explicar. Alec fechou os olhos pedindo paciência aos céus. Não podia soltá-la o tempo suficiente para xingá-la. —Perdi o controle – admitiu. — E estou furioso com você. — Por causa do buraco no muro? —Não —disse Alec—. Porque se assustou comigo. Achava que ia machucá-la? —Não —respondeu Jamie, rodeando sua cintura com os braços e relaxando-se contra ele—. Me envergonhou. Um marido não deveria gritar com sua esposa. —De hoje em diante, tratarei de lembrar detse conselho —prometeu Alec—. Jamie, haverá ocasiões em que voltarei a esquecê-lo. —Suponho que terei que me acostumar. Seus gritos são capazes de derrubar um pinheiro. Mas a maior parte é só aparência, não é, Alec? Alec apoiou o queixo sobre a cabeça da mulher enquanto tentava decidir se deixaria passar este pequeno insulto. —O padre Murdock me disse que pretendia retornar à Inglaterra. Era isso o que você pretendia? —Você me expulsou —recordou a jovem. Um sorriso apagou o cenho de Alec. —Quis dizer que saísse do salão, Jamie, não da Escócia. —Queria ir por um tempo, marido. Para falar a verdade, não me adapto bem. Parecia muito angustiada. —Sei que é difícil acreditar, mas lá, em minha pátria, eu agrado às pessoas. É verdade! Não estou acostumada a ser considerada inferior, Alec. Isso requer certo esforço de adaptação. Seus soldados estavam esperando para me delatar, não é assim? Não gosto de mim mais do que você.
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De repente Jamie explodiu em lágrimas. —Oh, sou digna de pena, não sou? Por que se incomodou em vir me buscar? —Jamie, os soldados esperavam a oportunidade de defendê-la —afirmou—. São tão leais a você quanto você é a mim, esposa. Afastou-a para que visse que falava a verdade, mas isso foi sua perdição, pois, ao ver que as lágrimas corriam pelas faces de Jamie, o controle o abandonou. —Vim por você porque me pertence. Jamie, nunca mais tente me abandonar porque então sim me deixará furioso. Meu amor, pare de chorar. Não quis... Não pôde continuar, pois sua voz tremia. Alec se inclinou e beijou a testa de sua esposa. Jamie enxugou os olhos com o dorso das mãos. Seu braço começava a latejar pelo ferimento. —Caí do cavalo —confessou. —Já sei. Era a vez de Alec se entristecer. Jamie sorriu. —Alec, na verdade sou muito destra, mas um javali assustou Fogo Selvagem e... Ao ver o sobrecenho franzido de Alec, Jamie abandonou a explicação. —Não importa —disse—. Alec, quando maridos e mulheres têm um desacordo, é costume que se dêem um beijo para reconciliar-se. —Mas a esposa tem que usar o manto com as cores do marido —respondeu Alec—. Embora se a mulher não vestisse nada, eu não quebraria minha palavra. Jamie não compreendeu o que ele queria dizer até que Alec levantou seu vestido por cima da cabeça e o jogou ao chão. —Não pensa em... fazer... —gaguejou, dando um passo atrás. — Penso s im! —disse Alec, dando um passo adiante. Quando Alec se voltou em sua direção, Jamie começou a rir e, dando a volta,
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correu para as árvores. — Está louco, Alec! —gritou sobre o ombro—. É pleno dia! Alec a apanhou por atrás e a atraiu para si. —Há meninos por aqui —assinalou Jamie. Alec esfregou o nariz no pescoço da mulher. —Quer um bom beijo, não é? —Isto não é nada correto —respondeu a mulher. Perdeu o fôlego e um tremor a percorreu quando Alec lhe mordiscou a orelha, enquanto descrevia com todo detalhe, aos murmúrios, as coisas que pensava fazer com ela. Jamie relaxou nos braços dele. Alec apoiou as costas contra o tronco grosso de uma árvore e colocou a esposa entre suas coxas. Despiu-a lentamente, sem se importar com os fracos protestos de Jamie, e quando terminou, empurrou-a sobre seu membro ereto. Rodeou-lhe os seios com as mãos e acariciou lentamente os mamilos com os polegares. Ao ouvir que Jamie soltava um suave gemido, Alec soube que se rendera. —Agora vou demonstrar como a considero inferior —murmurou. —Fará isso? —perguntou Jamie, ofegando. Alec acabava de mover a mão entre as coxas da mulher. Gemeu de satisfação ao sentir seu calor. Já estava quente e úmida para ele. —Beijarei cada centímetro da parte inferior de seu corpo —prometeu. Por fim, a fez voltar-se. As bocas abertas se encontraram em um beijo arrasador. Jamie lhe rodeou o pescoço com os braços e esfregou os seios contra o manto. Alec afastou a boca e se despiu em poucos instantes. Fez Jamie girar até ficar apoiada contra a árvore, de frente para ele, e abaixou a cabeça para o vale entre os seios da mulher. Enlouqueceu-a com a língua. Massageou os seios com as mãos e, por fim, apanhou um dos mamilos na boca: uma tortura maravilhosa para a mulher. Jamie gritou de prazer, agarrando-se aos ombros de Alec para sustentar-
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se. Alec fez o mesmo com o outro seio e depois foi depositando uma fila de beijos ardentes em direção ao estômago. Ele fez Jamie esquecer-se de respirar. Ajoelhou-se na frente dela, segurou nas mãos as nádegas macias e a atraiu com rudeza para sua própria boca aberta. A moça já não conseguia pensar. A língua do homem acendeu nela a paixão apertando, saindo e entrando até que Jamie gemeu, implorando por alívio para essa doce tortura. Quando Alec ficou de pé, frente a frente a ela, Jamie implorou que não se detivesse naquele momento. Tentou capturar a boca de Alec em busca de um beijo longo e ardente, mas o homem deu um passo atrás. De repente, Alec agarrou seu cabelo, torceu-o em volta do punho, e puxou Jamie para si. —Nunca mais tente me abandonar. Não lhe deu tempo de responder. Com a boca aberta, devorou a de Jamie. Penetrou-a com a língua e a jovem se derreteu. Alec a ergueu e separou suas coxas com um movimento vigoroso. Jamie enlaçou as pernas ao redor dele. —Agora! —exigiu, quase gritando ao vê-lo vacilar. —Prometa — disse a voz áspera no ouvido da mulher. A agonia dessa voz penetrou através do sonho erótico. —Prometo – murmurou Jamie. Alec soltou um grunhido de aprovação e logo a penetrou com uma investida enérgica. Enquanto murmurava palavras de amor ao seu ouvido, retirou-se e voltou a penetrá-la. Jamie se agarrou ao marido, cantarolando sua própria melodia de amor, e quando soube que ia alcançar o clímax, gritou o nome dele. Uma vez esgotada a paixão, os dois se renderam por inteiro. Alec permaneceu dentro da mulher por um longo momento. Não se moveu, mesmo depois da respiração ter-se regularizado e o coração ter deixado de pulsar enlouquecido. Não queria perder o aroma do amor, não queria deixar de abraçá-la.
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Pela primeira vez na vida, Alec estava contente. E embora compreendesse o que isso significava, se rebelou contra essa verdade. ―É muito cedo‖ se disse. ―Muito. Me enfraquecerá, me deixará vulnerável... Não estou preparado‖. Jamie sentiu que Alec ficava tenso. Apoiou-a de costas sobre o chão, e se afastou para recolher as roupas dos dois. Jamie só viu um vislumbre da expressão sombria do marido. —Alec? – murmurou — Por acaso não está satisfeito? Alec respondeu imediatamente diante a angústia que se refletia na voz de Jamie. —Você me agradou muito, esposa —disse, com voz rouca de emoção. Jamie não fez nenhuma outra pergunta até que os dois estiveram vestidos. — Por que está carrancudo? Se for verdade que eu o fiz feliz... —É porque você me disse que se sentia inferior. Quero que nunca, jamais volte a pensar algo tão ridículo, esposa. De onde raios você uma idéia tão absurda...? —Você me disse isso —o lembrou, perplexa. Alec teve a audácia de assombrar-se e Jamie, por sua vez, arregalou os olhos, surpreendida. —Também me chamou de insignificante. Não se lembra, Alec? Alec encolheu os ombros. Foi em busca dos cavalos, mas já não franzia o cenho e sim sorria; sua mulher parecia indignada. — Não consegue lembrar de suas próprias opiniões? —Não são opiniões —disse Alec, sobre o ombro—. São insultos, meu amor. —Então, admite ter me insultado? —gritou Jamie, correndo para ele. —É óbvio. Jamie soltou uma praga muito pouco digna de uma dama, e Alec soltou uma gargalhada.
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A moça estava mais horrorizada com sua própria blasfêmia que seu marido, e se desculpou várias vezes. Alec riu dela. Jamie estava desconcertada. Deu as costas a seu marido e caminhou para Fogo Selvagem. Alec Kincaid era o homem mais impossível do mundo. Por acaso não entendia o quanto ela desejava ouvi-lo dizer que a amava? Jamie montou sobre sua égua e tomou as rédeas e, imediatamente recordou a exigência de Alec de que jamais o abandonasse. Sim, ele a amava! voltou-se para seu marido com a intenção de gritar com ele, mas o sorriso arrogante de Alec a fez desistir. Supôs que não tinha consciência de seus sentimentos, e que se Jamie tinha a audácia de cutucá-lo ficaria furioso. Jamie soltou uma gargalhada sonora. Alec teria que acostumar-se, e então compreenderia que não havia problemas em se apaixonar pela esposa. Antes que Alec pudesse interrogá-la, Jamie esporeou Fogo Selvagem. Alec lhe arrancou as rédeas e balançou a cabeça. Jamie o olhou resignada. —Meu amor, escute com atenção. Acima —disse, apontando para trás de si—, estão as terras Kincaid. Para baixo, a Inglaterra. Entende? Jamie mordeu o lábio para não sorrir. —Entendo —aceitou por fim, ao ver que Alec seguia olhando-a. O homem soltou um suspiro, e puxou a rédea de Fogo Selvagem para fazê-la mudar de direção. —Não, não entende, meu amor —murmurou. Então sim, Jamie sorriu. Senhor, como ela se sentia bem! Já não se importaria se dali em diante Alec perdia a paciência. E, sem, dúvida não se incomodaria com seus insultos, pois compreendia que era a maneira que Alec tinha de esconder seus próprios
sentimentos.
Não,
não
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a
incomodava,
absolutamente,
a
conduta
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contraditória de seu marido. O motivo era fácil de entender: Alec acabava de chamá-la ―meu amor‖.
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Capítulo treze Quando retornaram aos estábulos, Alec estava carrancudo e Jamie, sorridente. Gavin e o sacerdote, de pé nos degraus de entrada ao castelo, observavam-nos. —Jamie está lhe dando o que fazer —comentou Gavin. —Eu a ouvi ameaçar cravar uma adaga num dos McPherson —adicionou o padre Murdock. —Ela o fez —confirmou Gavin—. Tem que ser valente para ameaçar o velho guerreiro e a seus homens como ela o fez! — Por que acha que foi só uma ameaça? —Bom, estou certo. É impossível que saiba arremessar uma adaga. —É muito parecido com o lorde, Gavin, pois aceita todos seus julgamentos. Alec já tirou suas próprias conclusões a respeito de lady Jamie. Em seu lugar, eu teria uma mente mais aberta. Se Jamie afirma que é capaz de cravar uma adaga numa pessoa, eu considero que se ache capaz de fazê-lo. Deve ter tido que proteger alguém. Sim, é muito mais destra do que a consideram você e Alec. Lembre-se do que digo, rapaz. —Alec se queixa de que é muito tenra —replicou Gavin. —Também é forte —respondeu o padre Murdock—. E tampouco se adaptará tão pacificamente como Alec supõe. As faíscas acabam de começar a voar. Tanto Gavin como o padre Murdock se voltaram para observar come Alec ajudava
sua esposa a desmontar. Alec segurou Jamie por mais tempo que o
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necessário, e do jeito que os dois se contemplavam, nem o clérigo nem o soldado quiseram interferir. Os dois homens se viraram e se afastaram, sorrindo como tolos. Alec sabia que tinha que retornar a suas tarefas, mas não pôde resistir a tentação de roçar outra vez a boca de Jamie com a própria. Se Donald não tivesse interrompido, a teria beijado novamente. Alec entregou as rédeas de Fogo Selvagem. Jamie o saudou com um gesto e começou a afastar-se. — Aonde vai agora? —perguntou Alec, só para retê-la um instante mais. —Vou trocar esse vestido rasgado —respondeu Jamie—. Mas antes tenho que conseguir algumas velas. Alec quis acompanhá-la, mas Donald o fez mudar de idéia. —Alec, posso falar com você? — Do que se trata? —perguntou Alec, enquanto levava o cavalo ao interior do estábulo. —Trata-se da égua da senhora —começou Donald—. Não me agrada incomodálo com um problema tão insignificante, mas não sei como tratar este animal tão teimoso. Não come. E se continuar tentando sair de sua baia, quebrará uma pata. Já quebrou três pranchas. —Coloque-a em outra baia —sugeriu Alec. —Já tentei —respondeu Donald. Alec ouviu fogo Selvagem chutando as pranchas e conduziu o cavalo à baia danificada. Assim que Alec se aproximou e a acariciou, a égua de Jamie se tranqüilizou. —Agora está tranqüila —disse, sorridente. —É porque seu cavalo negro está perto dela —respondeu Donald—. Quando pode vê-lo ou cheirá-lo, se acalma. Está acostumada com ele. Milorde, o que acha de deixar-los juntos?
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—Meu cavalo a mataria. —Não acredito —apressou-se a dizer Donald—. E se continuar sem comer, ela adoecerá. Alec decidiu experimentar imediatamente a sugestão do Donald. Se o cavalo machucasse Fogo Selvagem, ele poderia interferir antes que fizesse muito estrago. Assim que o enorme cavalo negro entrou na baia de Fogo Selvagem, começou a comer o alimento da égua sem dar-lhe atenção. Fogo Selvagem se rebelou contra a invasão de seu território, mas o cavalo estabeleceu rapidamente sua superioridade, soltando um relincho agudo que fez Alec sorrir. O cavalo dilatou as narinas e deu uma forte patada nos quartos traseiros da égua. Fogo Selvagem se intimidou. Já não havia lugar para recuar, mas de toda maneira ela o tentou várias vezes. O cavalo a deixou fazê-lo e, por fim, Fogo Selvagem deixou de lado a bravata e compartilhou o alimento com o macho. Só em uma ocasião tentou empurrá-lo. —Meu cavalo é tão possessivo quanto eu —assinalou Alec. — Como, milorde? —perguntou Donald, confuso pelo comentário. —Não tem importância —disse Alec. Sorriu, pensando em Jamie. Então, recordou o comentário do padre Murdock de que Jamie queria um quarto próprio—. De nenhuma maneira! —murmurou, pensando que a égua era mais sensata do que sua própria senhora. Alec não queria deixar a questão passar por alto e falaria imediatamente com Jamie. A esposa só dormiria na cama de Alec. Mas não seria rude na repreensão, pois não queria que Jamie chorasse outra vez. Entretanto, manteria-se firme e, como dizia Jamie, isso era tudo. Jamie não tinha idéia da preocupação que provocava no marido. Compreendeu-o ao ver que tinha tomado a direção errada. Depois de uma agradável conversa com o ferreiro, decidiu conhecer os moradores das outras cabanas agrupadas junto ao muro traseiro. —Todos estão comendo —informou o ferreiro.
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—Henry, acredita que poderei dar uma olhada no interior de cada choça? — perguntou. —É óbvio, senhora —afirmou o homem calvo—. Eles se sentirão honrados quando lhe disser que você tem interesse em conhecê-los. Jamie não se apressou em subir a encosta da colina. Deteve-se para recolher flores silvestres de doce perfume que cresciam perto do muro, e logo seguiu seu caminho. Acreditou ouvir um ruído atrás dela e se voltou para saudar a pessoa que se aproximava. Mas não havia ninguém, e pensou que o vento a tinha enganado. Jamie olhou para o interior da cabana do trabalhador de pedreira, caminhou até a última choça, o curtume, e chegava lá quando recebeu um forte golpe nas costas. O ataque foi tão súbito que a fez cair de joelhos. A porta se fechou de repente, e Jamie sufocou uma exclamação incrédula. A choça não tinha janelas, e dentro estava escuro como boca de lobo. Murmurando uma maldição, começou a vasculhar o chão de terra, procurando as flores que haviam caído. Jamie acreditou que o vento tinha empurrado a porta sem lhe dar tempo de sair. Desistiu de seguir procurando as flores na escuridão; ficou de pé e se sacudiu o pó da saia. ―Se Alec me visse agora, pensaria que sou tão desajeitada como um potro recém-nascido‖, pensou. Ainda não tinha tomado consciência do perigo, e não se assustou até que sentiu cheiro de fumaça. Tentou abrir a porta mas ela não cedeu. Não se deixou dominar pelo pânico. Golpeou a porta com todas suas forças, gritando o nome de Alec. A pequena choça se estava convertendo em um inferno. Em menos de um minuto, todo o telhado estava em chamas. Os gritos da moça logo se converteram em gemidos fracos. Um pedaço de
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madeira caiu perto dos pés de Jamie. A jovem se afastou, surpresa de que algo tão simples se fizesse tão difícil. Contemplou fascinada a rosa de caule comprido que segurava, até que o calor começou a encrespar as bordas das pétalas. As chamas abriam caminho rumo à moça. A choça se encheu de fumaça e se fez difícil suportá-lo. Jamie caiu, ofegando e sentiu a frescura do chão de terra no rosto. Negou-se a acreditar que ia morrer. Alec chegaria a tempo para salvá-la. Tinha prometido protegê-la. ―Deus, faça com que se apresse! Não deixe que ele fique sozinho outra vez! Precisa de mim. Ainda tem que me dizer que me ama‖, pensou. E onde diabos estaria? De repente, Jamie ficou furiosa. Uma vez que a salvasse, lhe aplicaria um bom sermão a respeito dos méritos de ser rápido. Senhor, estava perdendo a cabeça! A explosão de fúria arrebatou os últimos vestígios de forças. Jamie fechou os olhos e começou a rezar. Através da fumaça, chegou-lhe o grito angustiado de Alec, e Jamie forçou um fraco sorriso. ―Obrigado‖, murmurou ao Criador. Alec acabava de empreender o caminho colina acima quando ouviu os gritos e então viu as chamas no telhado da cabana. Conteve o fôlego e começou a correr. Quando alcançou Gavin, estava enfurecido. Sabia que Jamie estava ali dentro. Sabia. Alec e Gavin chegaram à choça ao mesmo tempo. Os dois viram o tronco apoiado contra a porta. Gavin o tirou com um chute no mesmo momento em que Alec derrubava a porta e a jogava no chão. O terror lhe deu forças renovadas. E quando viu Jamie, a fúria o consumiu de tal modo que seu rugido atormentado quase atirou abaixo as paredes da choça.
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Antes que as paredes caíssem, Alec havia retirado Jamie para fora e a tinha nos braços. Ajoelhou-se no chão, protegendo-a com os braços, temeroso de respirar até ter certeza de que a mulher também respirava. A tosse dilaceradora de Jamie deveria haver demonstrado que estava viva, mas a mente de Alec estava muito aturdida pelo medo para pensar com claridade. Levou algum tempo até recuperar certo grau de calma. Gavin se ajoelhou junto a ele. —Alec, deixe que ela respire um pouco de ar —murmurou, sem reconhecer sua própria voz. Jamie abriu os olhos e viu o rosto angustiado de seu marido sobre ela. Tentou sorrir entre as lágrimas. Quando as idéias se clarearam um pouco, notou que Alec também tinha os olhos úmidos. Pensou que a fumaça deveria ter irritado seus olhos. Quando estendeu a mão para acariciar a testa de seu marido, notou que ainda segurava uma das flores murchas. Soltou-a, e começou a acariciar a testa de Alec. Ao mesmo tempo, Alec tocou a testa de Jamie. —Prometi que nunca o deixaria. —A voz de Jamie soou como a de um velho resmungão. —Não permitiria isso. —A voz de Alec soou como folhas secas ao serem pisoteadas. Os dois sorriram. —Você está bem agora, Jamie? Não está ferida? A expressão carinhosa que apareceu nos olhos de Alec deixou Jamie assombrada. —Sabia que me salvaria. —Sabia? —Porque se importa comigo, Alec Kincaid. Jamie tinha imitado à perfeição o sotaque de Alec, e o homem assentiu, contente com a resposta. Ficou de pé, mantendo a cabeça de Jamie sob seu próprio
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queixo. Quando se voltou para descer a colina, viu que uma multidão de soldados se reunira. —O acidente não a afetou —exclamou. Jamie tentou afastar-se um pouco para fazer um gesto aos soldados, mas Alec encaixou a cabeça outra vez com força contra seu peito em um abraço de urso. Sem querer, a fez tossir novamente. Contente, Jamie pensou: ―Este homem não tem consciência de sua própria força‖. Tampouco entendia o quanto eram reveladoras suas ações. Jamie o sentiu tremer. E enquanto esperava que ele fosse salvá-la, ouviu-o gritar o nome dela. Querendo ou não admiti-lo, Alec começava a amá-la, embora fosse só um pouquinho. Essa descoberta fez Jamie esquecer esse quase encontro com a morte. —Você não perdeu seu tempo em vir me resgatar, Kincaid —disse. — É mesmo! —replicou-lhe Alec, sorridente—. Corri como o demônio. —Afinal de contas, não sou tão pouco importante para você, não é mesmo? Não lhe respondeu até que chegaram à entrada do castelo. —Não, não é. Depois de um prolongado momento, Jamie compreendeu que Alec não lhe diria nada mais mas, mesmo assim, estava muito satisfeita com ele. ―Dentada a dentada‖, recordou-se. Isso era o que ela mesma havia dito ao padre Murdock quando lhe assegurou que poderia comer um urso gigante, e assim conquistaria Alec Kincaid. Voltou a rir, mas daquela vez, de sua própria tolice. Como era possível que tivesse levado tanto tempo para compreender que necessitava do amor de Alec tanto quanto ele necessitava o dela? —Lady Kincaid, como pode rir? —perguntou Gavin. Abriu as portas e seguiu o casal para dentro da casa—. Eu ainda estou tremendo de raiva. —Eu estava rindo porque acabo de compreender algo muito importante —
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respondeu Jamie—. Não será dentada a dentada, mas beijo a beijo, sabe? Há uma grande diferença. E não explicarei mais nada. —Sem dúvida, a fumaça afetou sua mente —interveio Alec, sacudindo a cabeça. —Gavin, por que está tão furioso? —perguntou Jamie, olhando para o rosto do soldado por sobre o ombro de Alec—. Não acha que isto foi minha culpa, não? Antes que Gavin pudesse responder, Jamie se voltou para Alec. —O vento provocou o acidente, marido. Era tão forte que empurrou a porta contra minhas costas. Sem dúvida, era muito forte —continuou, ao ver que os dois homens a olhavam incrédulos—. E uivava. Sabem que soou como se alguém estivesse rindo de mim? Alec, por que tem essa expressão cética? Não acredita em mim? —Acredito, sim —disse Alec. —Sabemos que não foi por sua culpa, milady —interveio Gavin—. A porta foi... —Ao ver um gesto de Alec, não concluiu a explicação. —O que aconteceu com a porta, Gavin? —Estava empenada, isso —respondeu Gavin, apressadamente. —Sim, foi isso —admitiu Jamie. —Gavin, vá ordenar um banho para Jamie. Depois, volte à colina e comece a interrogar os criados. Sem dúvida, algum deles nos dará uma resposta importante. Alec levou Jamie para o outro lado do biombo, e a deixou com suavidade sobre a cama. —Depois do banho, ficará na cama o resto do dia —ordenou. — Por que? —Porque precisa se recuperar —explicou Alec. —Já me recuperei —protestou Jamie. A obstinação da mulher fez que Alec sacudisse a cabeça. —Garota, neste momento deveria estar chorando, e não sorrindo docemente
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para mim. Por acaso ignora que é muito frágil? — Devo ficar de cama porque sou frágil? Alec, isso não faz sentido! Sentou-se na borda da cama com o rosto manchado de terra, o cabelo enredado, as mãos sujas apoiadas com graça sobre o colo. Para Alec, parecia a coisa mais bela que pusera os olhos. Criadas entraram trazendo baldes com água, e Jamie saudou a todas alegremente. Não só lembrava os nomes das criadas mas também os dos filhos e os maridos. Alec estava impressionado: A memória de Jamie era notável. Ao perguntar a cada mulher pelos parentes, demonstrava afeição. Alec notou que as mulheres tratavam Jamie com o mesmo afeto. Até a velha Hessie, a cozinheira principal, de eterna expressão azeda, sorria para a senhora. — A senhora vai se levantar para dirigir os homens nos... trabalhos da cozinha? —perguntou, depois de dirigir ao senhor um olhar tímido. Jamie manteve o sorriso. —Hessie, meu marido já viu a brecha —murmurou—. E não tenho intenções de abandonar o trabalho. Eu... — Eu me ocuparei disso —assegurou Alec. — Fala sério? Jamie se mostrou extremamente satisfeita, e Alec se perguntou se esse não seria o propósito de sua esposa desde o começo. —Angus pode dirigir os soldados depois de que eu lhe explique o que quero que se faça —afirmou Alec, sublinhando o ―eu‖, mas o sorriso de Jamie mostrava que, mesmo assim, a esposa levava a melhor —. Até que o salão esteja terminado, cobriremos o buraco com tábuas. — O salão? Não entendo —admitiu Jamie. —Não quero que a cozinha esteja diretamente ligada ao salão —esclareceu
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Alec—. Se fosse assim, ao meio-dia a fumaça encheria o salão. Faremos um corredor coberto para ligar os dois edifícios. Isso a satisfaz? Supôs que não, pois lhe dirigiu uma expressão dúbia. — Qual seria o comprimento desse corredor? —Não muito comprido —prometeu Alec, perplexo consigo mesmo. Então sim, Jamie assentiu, satisfeita. —Viu, Hessie? —estava sorrindo—. Eu lhe disse que Alec compreenderia que esta mudança era necessária. —Notou o olhar feio do marido e se apressou a adicionar: —Tudo que se refere ao clã é importante para ele. —Então disse a Alec—: Disse a Hessie que, para você, os soldados e os criados têm a mesma importância. Foi a vez de Jamie assombrar-se. —Isso é verdade —disse o homem—. Não era necessário que você dissesse isso a Hessie —fazendo um gesto à criada —. Ela sabe quanto vale. Imediatamente, a criada ergueu os ombros com ar orgulhoso. Depois, fez uma reverência e saiu. —Agora tome seu banho, esposa, antes que o vento esfrie a água —disse Alec. Alec não abandonou o sorriso até que passou para o outro lado do biombo, e então deixou de fingir. Começou a andar de um lado para outro diante da lareira, tentando achar um sentido a essa atrocidade. Era verdade; alguém tinha tentado matar a sua preciosa Jamie! Se não tivesse chegado a tempo...! Se tivesse ficado um minuto a mais nos estábulos... —Alec, ninguém viu nada. Alec deixou de caminhar quando Gavin lhe falou. – Fale baixo — ordenou — Não quero que Jamie escute esta conversa. —Jamie já está escutando – gritou a citada do outro lado do biombo.
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Alec não ocultou sua exasperação e se aproximou mais de Gavin. —Jamie, não escute —gritou. —Não posso evitar —respondeu Jamie—. Alec, já reparou que não temos a menor privacidade? Perguntei ao padre Murdock se ele achava que podia transferir nossas coisas para um dos quartos de cima. Ele falou com você? —Deveria ter-me perguntado. —Você estava ocupado. —Não parece que ela acabou de escapar de um incêndio, não acha, Gavin? —É muito mais forte do que imaginamos —disse o amigo em tom suave—. Pode ser que o padre Murdock tivesse razão, afinal —Gavin falou em voz baixa para que a senhora não o ouvisse, mas foi inútil. —Claro que o padre Murdock tem razão, Gavin —cantarolou Jamie—. Não se esqueça de que ele é um homem de Deus. —É um de nós —afirmou Alec—. E quando o... descubra... —Alec, assim que me responder, vou tapar os ouvidos para não escutar a conversa. Não duvido de que meu desejo lhe parecerá razoável. Poderíamos mudar para o andar acima antes que... — Mudarmos... — Claro, é obvio —exclamou a jovem. Alec riu. Oras, ela não queria uma habitação apenas para ela. Disse para si mesmo que nunca tinha pensado que Jamie abrigara uma intenção tão cruel. O que acontecia era que sua esposa tampouco tinha explicado o que era o que pretendia. —Amanhã nos mudaremos para o andar de cima —respondeu. —Obrigada, Alec. —Uma esposa não precisa agradecer a seu marido. Ande, ocupe-se do banho e não me interrompa mais.
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Alec empregou o tom mais duro de que foi capaz, mas a gargalhada de Jamie demonstrava que não fora suficiente. Desapontado, deixou cair os ombros. —Diga-me o que pôde averiguar —pediu a Gavin, apoiando-se outra vez contra o suporte da lareira. —Henry teve uma longa conversa com Jamie e depois voltou a suas tarefas. Como sabe, nosso ferreiro não tem um ouvido muito bom. Disse que estava trabalhando e não ouviu ninguém chegar nem sair. Interroguei todos eles, Alec. Gavin abanou a cabeça. —Todos estavam almoçando. —Alguém deve ter visto... —Alec, a colina estava deserta — interrompeu-o Gavin—. por que não quer contar para Jamie? —Não quero assustá-la —admitiu Alec. —Ela precisa estar de sobreaviso. —Não, nós cuidaremos dela. Só vou contar quando descobrir quem foi. Não a deixaremos sozinha outra vez. Quando eu não puder estar com ela, Marcus ou você estarão. Gavin assentiu. —Eu também não queria assustá-la —murmurou—. Gosto dela —admitiu—. Não posso acreditar neste ato malvado. Nesse momento, chegou-lhes a voz de Jamie que cantava uma balada inglesa bastante maliciosa enquanto se banhava, que provocou sorrisos e sobrancelhas levantadas no admirado público. —Ela se comporta como se nada extraordinário tivesse acontecido —apontou Alec, sacudindo a cabeça. —Eu entendo porque quer ter o dormitório no andar de cima... —disse Gavin—. Para falar a verdade, milorde, escuta-se até o menor som.
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Alec assentiu. —Que ninguém entre no salão —ordenou, enquanto se separava da lareira. — Aonde vai, Alec? —Para a cama. —Para a cama? —repetiu Gavin, sem poder acreditar—. Ainda não é meio-dia. Alec dirigiu uma expressão irritada a seu segundo em comando. —Providencie para não me incomodem —disse Alec. Finalmente, Gavin entendeu, e caminhou sorrindo para a entrada, com a intenção de montar guarda diante das portas duplas. —Bom descanso, Alec—gritou em tom divertido. Jamie tinha terminado o banho e estava de pé na banheira quando Alec veio para o outro lado do biombo. Assim que o viu, Jamie sufocou uma exclamação e se sentou outra vez, tratando de cobrir os seios com os joelhos erguidos. —Não estou vestida —informou. Era óbvio. Alec não se deteve. De repente, Jamie sentiu que ele a levantava contra seu peito e se voltava com ela nos braços. Antes que atinasse a lhe perguntar que diabos estava fazendo, o homem a tinha estendido sobre a cama. Não teve tempo de sequer ruborizar-se. Alec segurou suas mãos acima da cabeça e a cobriu com seu próprio corpo. Não a beijou, apenas se acomodou sorrindo com aquela expressão malandra no rosto. O peito nu de Alec tocava os seios de Jamie, as coxas com as coxas, e a jovem não podia deixar de esfregar os dedos dos pés contra as pernas do homem. Alec tinha tirado suas botas, e Jamie registrou esse fato em sua mente aturdida, e compreendeu que talvez seu marido quisesse fazer amor com ela. —Alec, está pensando o que eu acho que está?
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—Agora está usando meu manto —respondeu. Isso é o que penso. —Não estou usando nada —murmurou a mulher. —Está. Tem as costas apoiadas sobre o manto da cama, e eu cubro a frente de seu corpo com o meu. Sim, não há dúvidas de que está usando meu manto. Jamie não foi capaz de contradizê-lo. —Marido, é assim que pensa em
fazer-me descansar? —perguntou em tom
provocador. Alec negou, e a decepção de Jamie não pôde ser mais evidente. —Descansará —disse o homem. —Não estou cansada. —Vai ficar —Separou-lhe as pernas e se colocou entre elas.— Quando eu terminar com você, estará muito cansada, eu garanto. Alec se mostrava excessivamente arrogante para o gosto dela. Soltou as mãos do apertão frouxo do homem e o rodeou pelo pescoço. —E eu prometo que você estará igualmente cansado quando eu terminar com você, marido. Se a paixão que via no rosto de Jamie já não o tivesse afetado, Alec teria sorrido. Os olhos da mulher tinham adquirido um intenso tom violeta. Movia as pernas contra o corpo dele. Quando se aproximou dele para que a proximidade dos corpos fosse mais íntima, Alec soltou uma exclamação de desejo. Mordiscou-lhe os lábios para frustrá-la, e logo apanhou todo o lábio inferior de Jamie em sua boca. Ela suspirou, dizendo sem palavras como gostava disso. Alec rodeou seu rosto com as mãos para impedir que se movesse e se lançou a um beijo faminto. Faria amor com ela muito lentamente, por mais que Jamie o provocasse. Os lábios da mulher eram suaves, dóceis, e quando por fim a língua de Alec penetrou a fundo dentro da boca morna, Jamie começou a exalar esses eróticos gemidos que ressoaram no fundo de sua garganta. Alec arremeteu, assolou, deu e
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tomou até que Jamie puxou-o pelo cabelo, pedindo mais. As exclamações da mulher o fizeram esquecer suas boas intenções. O deslizar da língua de Alec em sua boca tomou Jamie audaz. O homem depositou no pescoço de Jamie beijos úmidos e quentes, fazendo-a estremecer. A mulher lhe acariciou os ombros, as costas, as nádegas, fazendo-o tremer por sua vez. Os dois se despiram, e logo Jamie o forçou a estender-se de costas e se deitou sobre ele. Assim que a mulher começou a esfregar-se contra ele, Alec segurou-lhe as pernas entre as suas. Jamie se apoiou nos cotovelos e tremeu outra vez ao ver o desejo que ardia nos olhos do homem. —Quero acariciá-lo como você me acaricia —sussurrou—. Por favor, Alec! Seu corpo me pertence, como o meu a você, não é? O homem adivinhou suas intenção quando Jamie baixou o carnudos lábios e começou a desenhar um rastro de beijos sobre o peito de Alec, para baixo. Quando a língua de Jamie desenhou um círculo à volta de seu mamilo direito, Alec deixou escapar um som sibilante. Os dedos da mulher eram mágicos e o queimavam. E a boca... Deus querido, a boca de Jamie fazia coisas que lhe tiravam o fôlego! Continou deslizando mais e mais para baixo, até que alcançou o objetivo da busca e, quando Alec tentou detê-la, mordeu o lado interno de sua coxa. Então, o homem deixou cair as mãos dos lados do corpo, num gesto de rendição total. No começo, Jamie se mostrou desajeitada, mas seu entusiasmo fez que a inocência fosse ainda mais excitante. Quando por fim o tomou em sua boca, Alec fechou os olhos e deixou que aquele fogo o consumisse. Foi uma agonia. Um deleite. Só a deteve quando sentiu que estava a ponto de derramar sua semente, e soube que não seria muito gentil com ela. Mas a ansiedade de encher Jamie por inteiro, de dar-lhe uma satisfação plena, antes até de alcançar a própria, o fez ser ainda mais rude. Pelo jeito, Jamie não se importou. Para falar a verdade, a exigência da moça foi tão áspera quanto a de Alec. Cravou as unhas nas suas costas e se arqueou contra ele com tanto vigor que o homem já a tinha penetrado antes de ter mudado
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por completo de posição. Estendidos de lado, face a face, contemplaram a paixão no olhar do outro. Tinham o fôlego agitado e a pele escorregadia de suor, e o maravilhoso aroma do amor enchia a atmosfera que os rodeava. —Amo seu sabor —murmurou Jamie—. Você gostou...? — Oh, Deus, como eu gostei...! —Gemeu forte quando a mulher lhe rodeou o quadril com uma perna—. Não se mova, por favor, não... Jamie quis dizer que não se moveria, mas a sensação que teve era tão maravilhosa que não pôde deter-se. Alec deslizou a mão entre os corpos dos dois e a tocou no lugar exato que Jamie precisava com desespero que a tocasse. Começaram a mover-se em uníssono, e a cópula foi selvagem, primitiva, arrasadora. E cheia de amor. Alec já não podia esperar. Sentiu as coxas de Jamie ao redor de si, os primeiros espasmos da rendição e, imediatamente derramou sua semente nela. Passou muito tempo até que pôde mover-se. Então girou até ficar de costas, com Jamie por cima. Desejou não havê-la matado com tanta paixão. Sorriu pela idéia tão arrogante e admitiu que fora aquela mulherzinha luxuriosa quem havia estado a ponto de matá-lo. Quis lhe dizer como estava satisfeito com ela, e também ouvi-la dizer o mesmo dele, mas logo decidiu que não. Queria mais que isso, muito mais que bonitas palavras de elogio. Já era hora de que daquela mulher compreender qual era seu dever, mas pensou que não teria que se ver obrigado a explicar-lhe. Queria que o compreendesse sem necessidade de explicação. Tinha o dever de amá-lo. Ao entender por que queria que Jamie o amasse, sentiu o impacto como um
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golpe. Alec já estava apaixonado por ela. Em nome de Deus! como era possível que houvesse acontecido? Era a mulher mais obstinada em suas idéias, mal humorada e teimosa que já havia conhecido ―Nenhum outro a amaria‖, disse para si mesmo, e sorriu ante sua própria mentira. ―Claro que a amariam, mas é minha!‖ Com um suspiro de resignação, Alec fechou os olhos e abraçou Jamie com força. Ouviu a respiração ofegante de sua esposa e sentiu que o coração dela pulsava no mesmo ritmo que o seu. ―A paixão de Jamie também me pertence‖, pensou. ―E meu coração lhe pertence‖ Alec bocejou sonoramente e imaginou que nunca superaria esta estranha fraqueza. Sua doce mulherzinha precisava descansar, pensou, bocejando outra vez. Ficaria com ela uns minutinhos mais até ter certeza de que ela estava dormindo. Foi seu último pensamento antes de começar a roncar.
Agora ele sabe que alguém tentou matar sua esposa. Pela noite, todos terão se informado do pecado. Ela estará bem vigiada. Ele não quererá correr riscos. ―Mantenha-a a salvo.‖ Não entende que ela ainda não estava destinada a morrer. Eu sou muito mais audaz que ele, mas queria poder me vangloriar com alguém de minha proeza. Claro que não me atrevo; pelo menos tenho que lhes fazer acreditar que chegaram a tempo. O fogo não passaria desapercebido. Eu sabia. O que quero ver agora é a tortura dele, não sua angústia. Não concretizarei o assassinato até amanhã... Talvez, até depois de amanhã se posso controlar minha ansiedade. Ainda posso ouvir o grito dele dizendo o nome dela. Acho que começou a amála. Se for assim, esta lição será até mais doce... Quando ela morrer, quero tocá-la.
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Capítulo catorze Quando Jamie se aproximou de Gavin por trás e o tocou de leve no ombro, deulhe um bom susto, pois ele não havia percebido sua aproximação. Deu meia-volta para ver seu suposto atacante, e relaxou ao ver a ama de pé ante ele, com um par de sapatos na mão. Gavin ficou olhando-os, sentindo-se como um idiota, e admitiu um fato óbvio: —Não a ouvi aproximar. —Não quis assustá-lo —respondeu Jamie—. Fale baixo, Gavin. Alec está tirando um cochilo. —O Kincaid? —Por favor, Gavin, não grite assim —disse Jamie—. Além do mais, você não precisa parecer tão incrédulo. Afinal, Alec é um ser humano. Ele não estaria dormindo tão profundamente se não precisasse descansar, não é? Gavin balançou a cabeça e fez um grande esforço por não cair na gargalhada. A última vez que o viu, Kincaid não parecia absolutamente fatigado. Claro que ia para a cama, mas Gavin sabia que não tinha a menor intenção de dormir. Por Deus, não via a hora de rir de Alec! Jamie se apoiou no braço de Gavin enquanto calçava os sapatos. —Acho que pedirei a Hessie que me ajude a limpar o dormitório do piso superior. —Soltou-lhe o braço, alisou as saias e tentou passar por ele. Gavin se moveu com rapidez e impediu que passasse.
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—Enviarei um dos homens atrás dela —afirmou. —A caminhada me fará bem. —Guarde forças para a tarefa —aconselhou Gavin. —De acordo, Gavin —disse Jamie, com a intenção de apaziguar ao soldado, pois via que ele estava aflito. Olhou-o, perplexa: —Você se sente bem? Está se comportando de um modo muito estranho. Deixou-a apoiar o dorso da mão sobre sua testa e logo lhe respondeu: —Sinto-me muito bem, Jamie. Por que não começa a tarefa? A jovem o olhou por um bom momento antes de voltar-se e caminhar para a entrada do castelo. Gavin ia pisando seus calcanhares, mas Jamie não fez comentários até chegar à terceira porta. Então, virou-se outra vez para o homem. Gavin resmungou uma explicação antes que Jamie pudesse lhe perguntar algo: —Se tiver que mover algo pesado, eu posso lhe dar uma mão. Jamie lhe dirigiu um sorriso amável. — Quanta consideração de sua parte, Gavin! Mas o padre Murdock já me ajudou a mover o baú, e há bastante espaço para colocar minhas coisas quando chegarem. —Suas coisas já chegaram, milady —recordou de repente Gavin—. Esta manhã, cedo. Faço que os homens as tragam do pátio inferior? —Por favor, Gavin —respondeu Jamie—. Viu...? Entre as coisas que havia na carreta, viu uma cadeira? —Não valia a pena utilizar uma carreta —explicou Gavin—. Além disso, não poderia subir pela trilha estreita. Havia quatro cavalos carregados —continuou, ao notar a desilusão da jovem—. Estavam carregados ao máximo, milady. Sim, vi uma cadeira de aspecto estranho... —Minha própria cadeira —interrompeu-o Jamie, unindo as mãos. O que lhe pareceu estranho foram as pernas, Gavin, porque é uma cadeira de balanço.
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Pertenceu à família de minha mãe. Papai gostava de sentar-se nela todas as noites e foi muito gentil de sua parte tê-la mandado. —Milady, uma cadeira de balanço? —Ora, ora —disse Jamie, suspirando—. Temo que a novidade nunca será aceita. Mas como era de minha mãe, eu a conservarei até a morte. Deve ser passada de geração a geração. Gavin se perguntou quem seria o louco que havia idealizado uma cadeira tão absurda, mas se absteve de dizê-lo em voz alta. Deixou Jamie fazendo a limpeza. Limitou-se a acompanhá-la até o piso superior para garantir que não houvesse ninguém ali para encontrá-la despreparada. No momento em que Gavin começava a descer a escada, entrava Marcus. —Marcus, tenho que falar com você —gritou. — Do que se trata, Gavin? O segundo em comando não falou até que Marcus tivesse entrado no salão grande. De onde estavam, Gavin podia observar a porta do quarto de cima. Ninguém poderia entrar ou sair sem que ele visse. —Quero que ponha dois soldados debaixo da janela. — Qual janela? —Jamie está trabalhando no primeiro quarto de cima —explicou Gavin—. Coloque dois soldados diante da porta, e outros dois debaixo dessa janela. —
Devo
dar-lhes
algum
motivo?
—perguntou
Marcus,
com
expressão
concentrada. —Claro, diga-lhes que têm que proteger à senhora —cutucou Gavin. —Gavin, o que está insinuando? —perguntou Marcus, perdendo a paciência. — Você não soube? — Soube o que?
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Gavin suspirou e lhe relatou o incidente que quase havia terminado em tragédia. —Marcus, alguém a trancou lá dentro. Fui eu quem tirou a trava da porta — alardeou, sem poder resistir —. Mas ainda não consigo acreditar. —Quem pode ter feito uma coisa dessas? —Não se viu ninguém perto da colina —disse Gavin—. E Alec quer que você e eu montemos guarda. — Ele se referiu a mim em particular? —perguntou Marcus, cético. —Isso mesmo. Aprecia sua lealdade, Marcus. Por acaso duvida? Marcus abanou a cabeça. —Não lhe dei motivos para duvidar de minha lealdade —disso—. Embora tenha lhe dito que não estava de acordo com este matrimônio, obrigado ou não. —Insulta nosso lorde se acha... —Não, Gavin —replicou Marcus com ênfase—. Ele me demonstra seu apreço, e essa fé em mim me honra. Gavin riu com vontade. —Até agora, você nunca falou com tanto ardor, e, oras, eu rio de você! Não se ofenda amigo, o que acontece é que seu rosto está ruborizado. Deu uma palmada no ombro de Marcus, e este perdeu a expressão sombria; até esboçou um de seus estranhos sorrisos. Quando o senhor se uniu a eles, os dois soldados estavam sorridentes. O semblante de Alec, em contrapartda, não pressagiava uma conversa superficial. — Onde está minha esposa? Gavin pensou que todos os soldados que estavam treinando no pátio de baixo deveriam ter ouvido a exclamação de Alec. —Está no piso superior, limpando um dos quartos —informou Gavin. — Sozinha?
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—Antes que ela que entrasse eu revisei o quarto — apressou-se Gavin a dizer— . Ninguém poderia entrar nem sair sem que o visse —adicionou. Alec assentiu. —Quero que os dois fiquem com ela até que eu retorne —ordenou—. Não quero que dê um passo sem que um de vocês esteja diante dela e o outro, atrás. Entenderam? Gavin e Marcus assentiram. —Chamaremos sua atenção —aventurou Marcus—. É inglesa, Alec, não estúpida. Gavin pareceu mais assombrado pelo tom zombador de Marcus que o próprio Alec. —Sim, achará estranho —concedeu. —Que estranhe —insistiu Alec—.Diga-lhe que é ordem minha. Maldição, esta mulher não teria que estar realizando tarefas vulgares! —Queria fazê-lo, Alec—disse Gavin—. E eu percebi que Jamie precisa usar parte de suas energias. Talvez parte de sua força a tenha contagiado. Se me permite dizê-lo, você me parece um tanto fatigado. Acaso precisa de um cochilo mais prolongado, milorde? — Alec tirou um cochilo? —perguntou Marcus, incrédulo. —Suas brincadeiras não me parecem divertidas
—afirmou Alec—. E se
continuarem sorrindo assim... juro por Deus que os esmagarei! E quando terminar, garanto que dormirão muito mais que eu. A ameaça fez com que Alec recuperasse o grau exato de respeito que pretendia. —Irei falar com Angus —disse sobre o ombro—. Voltarei em uns minutos. Enquanto se dirigia à cabana de Angus, o ânimo de Alec era tão feroz como o vento que começava a aumentar, e a gritaria que ouviu ao aproximar-se da cabana de seu fiel soldado indicava que Angus não estava muito melhor.
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Elizabeth abriu a porta exibindo um amplo sorriso, sinal de que o escândalo que o marido armava não a incomodava em absoluto. —Elizabeth, apesar de estar obrigada a conviver com um louco, você mantém a calma —disse Alec, ao entrar na casa. —Sua esposa me avisou que não seria fácil fazer que Angus descansasse. Também teve razão ao me advertir que Angus ficaria como um urso selvagem. Nestes momentos, não é muito amável —adicionou em voz mais alta para que o marido a ouvisse—, mas estou certa de que quando lhe tirarem os pontos do peito, deixará de queixar-se constantemente. — Pare já de falar de mim desse modo tão desrespeitoso! —gritou Angus da cama—. O senhor veio ver-me, mulher. Não quer ouvir as queixas de uma esposa. Elizabeth dirigiu ao senhor um olhar exasperado e se voltou para seu marido: — Posso lhe oferecer uma taça de vinho? —perguntou. Angus a olhou carrancudo e logo assentiu. —Eu também poderia tomar um pouco. Elizabeth não fez caso da insinuação. Serviu a Alec uma boa porção de um vinho vermelho escuro, e a seu marido, uma taça de água. Alec não se surpreendeu quando Angus começou a grunhir. —Eu os deixarei sozinhos —disse Elizabeth. Fez uma reverência para Alec e se encaminhou para a porta. —Elizabeth, antes de ir, venha aqui —ordenou Angus. Alec se apoiou contra o borda da janela e observou como a bela mulher se apressava a aproximar-se de seu marido. Viu que estava ruborizada e entendeu o motivo ao ver que Angus estendia a mão sã, segurava-a da nuca e a atraía para ele para lhe dar um beijo longo e apaixonado. O homem murmurou algo enquanto Elizabeth se endireitava e lhe deu uns tapinhas no traseiro. A mulher saiu rapidamente pela porta.
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—É uma boa mulher —disse Angus, exalando um longo suspiro. Derrubou a água da taça ao chão de terra e se levantou da cama para procurar a jarra de vinho. —Ela a levou consigo —informou Alec, rindo—. Sua mulher o conhece melhor do que pensa. O comentário satisfez Angus. Fez um gesto a Alec, pedindo que compartilhasse sua bebida com ele, e quando o senhor concedeu, bebeu um bom gole. —Por Deus, que delícia! Sua esposa disse a Elizabeth que não devo beber vinho até que os pontos caiam. Só Deus sabe por que disse algo tão monstruoso! E Elizabeth a obedece em tudo. Alec, com essas duas mulheres rondando a meu redor, estou condenado à desgraça. Homem, teria que me ter deixado morrer, e me salvar de semelhantes... —Anjos? Angus assentiu. — Há algo em particular que queira falar comigo, ou só veio aqui verificar meu estado lamentável? —Fecha a porta, Angus —indicou Alec—. Não quero que ninguém escute nossa conversa. Amigo, preciso de algumas informação e conselho. Angus fechou a porta de um chute. —Alec, por sua expressão sombria, vejo que se trata de algo sério. Alec lhe contou o que acontecera com Jamie. Concluiu a narração dizendo que ela não sabia que alguém tentara matá-la. Os homens falaram da ajuda extra que era necessária até que achassem o culpado. Embora Angus só tivesse três verões a mais que Alec, para o senhor isso significava que era três verões mais sábio que ele. Angus se sentou em uma cadeira e apoiou os pés sobre a cama. Quando terminaram de formular os planos, o cenho do ferido estava tão carregado como o de Alec.
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Ao ver que Alec começava a percorrer o quarto em largas passadas, Angus compreendeu que ele tinha algo mais a lhe dizer, e esperou com paciência até que o senhor continuasse. Passaram longos minutos de silêncio até que Alec se voltou para Angus. —Angus, quero que me diga tudo o que lembre sobre Helena. Você esteve presente, bem como Gavin e Marcus, pelo breve período em que estive casado com ela. E como eu estive ausente... —Sim, a maior parte daquele tempo você esteve ocupado com os assuntos do rei —conveio Angus—. Alec, você se dá conta de que é a primeira vez que fala em Helena desde o dia do enterro? —Queria esquecer —disse Alec—. Entretanto, sempre... —interrompeu-se em metade da frase, sacudiu a cabeça, e repetiu a Angus que lhe contasse tudo o que sabia sobre Helena. Kincaid passou meia hora interrogando seu amigo. Quando se separou de Angus, seu ânimo não tinha melhorado. Elizabeth estava matando o tempo do lado de fora. Antes de ir-se, Alec lhe deu uma piscada e a mulher voltou a ruborizar-se. Alec acabava de chegar ao topo da colina quando viu Jamie na janela do piso superior. Se a mulher tivesse se voltado um pouco para a esquerda, o teria visto. Mas a atenção dela estava concentrada em dois soldados que descansavam, apoiados sobre o muro, sob a janela. A jovem sorria e, imediatamente, o ânimo de Alec se aliviou. Senhor, era encantadora! ―Era tão bonita com o cabelo preso no alto da cabeça!‖, pensou Alec. Longas mechas cacheadas tinham-se soltado e pendiam dos lados do rosto. Tinha manchas de terra no nariz e na testa. Rindo, Alec pensou que antes de terminar o dia, ela precisaria de outro banho. O que dizia um dos soldados atraía a atenção de Jamie. Enquanto Alec a observava, Jamie apoiou os cotovelos no batente e se inclinou para fora. O homem percebeu que parecia muito divertida pelo que o soldado
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contava ao amigo. Alec se aproximou mais, e se deteve de repente ao compreender que os homens falavam em gaélico. E Jamie compreendia perfeitamente! Ficou muito surpreso para zangar-se. Então, ouviu a última parte de uma antiga piada que o soldado contava a seu amigo, a respeito de um guerreiro escocês que tinha encontrado uma mulher nua estendida na margem de um caminho. Seguindo a inclinação natural do homem, o guerreiro se jogou sobre ela e satisfez seus instintos. O mais jovem dos soldados lançou exclamações de aprovação antes que o amigo concluísse o conto, que falava disse que outro guerreiro tinha chegado ao lugar da cena e lhe disse ao anterior que a mulher estava morta, Por Deus Todo-poderoso!, só um miserável infiel era capaz de copular com uma morta. Jamie cobriu a boca com a mão, sem dúvida para conter a risada, e seus olhos brilharam divertidos. Excitada, aguardou o arremate da piada. Alec, por sua vez, esperou a ver a reação da mulher. —Morta? —gritou o soldado—. Achava que era inglesa! Ao ouvi-lo, o sorriso de Jamie se desvaneceu. Desapareceu da janela, enquanto os dois soldados, ignorantes de sua presença, seguiram rindo alegremente. Depois, Jamie apareceu outra vez à vista, sustentando com esforço um grande balde cheio de água. Alec conteve o riso, enquanto a via debater-se com o peso do recipiente, mas não fez nada para avisar os homens. Jamie mirou, sorriu com ar vitorioso e jogou a água usada sobre as vítimas. — Por favor, me perdoem! —gritou, quando os soldados concluíram a enxurrada de maldições e levantaram as cabeças —. Não sabia que estavam aí —mentiu, em seu tom mais doce. —É lady Kincaid! —murmurou um dos soldados. Imediatamente, os dois jovens se envergonharam de ter gritado e se
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desfizeram em desculpas. Quando passaram correndo por Alec, este os ouviu comentar que era uma sorte que a senhora não entendesse o gaélico pois, do contrário, a teriam ofendido com a picante história. Mas Jamie tinha entendido. Alec riu com ressonantes gargalhadas que atraíram a atenção da esposa. Jamie sorriuem resposta. —Está de bom humor, marido —exclamou——. Você se sente descansado? Aludia ao cochilo, e isso cortou a risada de Alec. Pensou que esse joguinho tolo podia ser jogado em dupla, e começou a imaginar os comentários que faria em gaélico, é obvio, só pelo gosto de provocá-la. E como Jamie não podia revelar que entendia, não estaria em condições de desforrar-se. Ele a venceria em seu próprio jogo. Alec estava ansioso para lançar os insultos que lhe ocorriam; quando Jamie estava zangada era muito tentadora. E Alec era o homem capaz de irritá-la. Esta mulher era cheia de surpresas. Tinha fingido ignorância cada vez que se falava em gaélico diante dela. Demônios, pensar que Alec ordenou a seus homens que melhorassem seu domínio do inglês para lhe facilitar a adaptação!
Se não
adotasse precauções, ao chegar o inverne Jamie já os teria obrigado a todos a usar o traje inglês! A mera idéia lhe deu calafrios. — Está bem, Alec? Do que está rindo? —perguntou Jamie outra vez, debruçando-se na janela. —Cuidado! —gritou o homem lá do térreo —. Vai cair de cabeça, tola. A jovem retrocedeu um pouco. —Obrigado por ter tanta consideração, marido. Vai me contar por que ria tanto? Alec contou a história que acabava de ouvir, só para provocá-la, mas Jamie nem o deixou terminar.
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—Alec, conheço esse velho conto —exclamou, e adicionou: —A mulher não estava morta: era escocesa, e isso é tudo. Afastou-se da janela antes que Alec pudesse discutir. Eles se encontraram ao pé da escada. — O que é toda esta desordem? —perguntou, em tom resmungão. O espaço entre eles estava cheio de pacotes. Em cima da pilha havia uma cadeira de aspecto estranho com espaço suficiente para que se sentassem dois homens corpulentos. —Meus pertences —disse Jamie—. Alec, algumas irão para nosso dormitório, e o resto ficará no salão. —Não gosto da desordem —afirmou Alec. Pegou uma tapeçaria e a estendeu para poder ver o desenho. Jamie abriu caminho entre os pacotes e tirou-a das mãos do marido. —Não franza o cenho, marido —murmurou, pois Gavin e Marcus observavam a cena—. Pensei que poderíamos colocá-la sobre a chaminé —continuou. — Que demônios é? —grunhiu Alec—. Não encontro... —Está olhando-a de cabeça para baixo —explicou Jamie. Correu até Gavin e lhe entregou a tapeçaria—. Por favor, pendure-a... bem reto, por gentileza. E não tente olhá-la enquanto a pendura, Gavin. Quero que seja uma surpresa. —Milady, teceu-a com suas próprias mãos? —perguntou Gavin, sorrindo ante o entusiasmo da senhora. — Não! —disse-lhe Jamie—. Toda a tarefa foi feita por Agnes e Alice. Foi uma surpresa para o dia de meu aniversário. —Olhou longamente para Gavin e Marcus e logo se voltou para Alec.— Teríamos que providenciar que minhas irmãs gêmeas conhecessem Gavin e Marcus, sabe? Acredito que se... —Não arrumará matrimônios, Jamie —afirmou Alec. —Jamie, as gêmeas são como você? —perguntou Gavin. —Não, são muito mais bonitas.
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Os olhos de Gavin se abriram de assombro. —Pois tenho que conhecer essas damas —assegurou. —Têm a mesma personalidade que Mary —murmurou Alec. —Não importa —apressou-se a dizer Gavin. Virou-se e foi até a chaminé para pendurar a tapeçaria, seguido pela gargalhada de Alec. —Gavin, se você contar a alguém que seu senhor tira cochilos, vou garantir que você conheça as gêmeas. —Que cochilo? —disse Gavin. Até Marcus se uniu às risadas. Até esse momento, nunca o tinha visto rir, e, sem querer, sorriu. — Por que parecem todos tão divertidos? —perguntou. —Não tem importância, Jamie —disse Alec. A moça olhou para seu marido com ar suspicaz. — Por acaso insinua a seus homens que minhas irmãs não são dignas deles? — Com os punhos nos quadris, deu um passo em direção ao marido em evidente desafio. — Duas cabras são mais dignas do que aquelas duas. Jamie abafou uma exclamação. Alec não pôde resistir. Deu um passo adiante e adicionou com voz preguiçosa: — Esposa, eu não gosto da crueldade para com os animais. Sem dúvida você já deve ter notado. Não emprego o chicote com meu corcel, e... — Está insultando a minha família? Alec respondeu com aquele meio sorriso irresistível que Jamie tanto gostava, e a jovem não pôde conter a risada. Aquele homem não tinha remédio! — Kincaid, é um desavergonhado! Agora compreendo que não conhece o bastante a minha família para apreciá-los como se deve. É obvio, me ocuparei disso o mais
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cedo possível. A risada de Alec se apagou, e o sorriso de Jamie, por sua vez, adoçou-se. — Direi a eles que nos visitem, marido. Uma boa visita, prolongada. — Que é isto? —exclamou Gavin, chamando a atenção de Jamie. O soldado desceu do tamborete ao que tinha subido para pendurar a tapeçaria. — Afaste-se, e verá de quem se trata —respondeu Jamie. — É... bom Deus, Alec, acabo de pendurar...! —É William, nosso amado Conquistador, Gavin. Disseram-me que é um bom retrato. Não acha que era um homem de muito boa aparência? Durante um bom momento ninguém disse uma palavra. Gavin e Marcus olhavam para Alec para ver como reagia. O senhor, por sua vez, fitava sua esposa com expressão atônita. Marcus foi o primeiro a recuperar-se. — Era gordo. — Era maciço, Marcus, não gordo — emendou Jamie. — Que raios é essa coisa que tem sobre a cabeça? —perguntou Gavin, retrocedendo mais —. Isso amarelo. — É um halo —esclareceu Jamie. — Eles o canonizaram? —perguntou Marcus. — Ainda não é oficial —disse Jamie—. Mas é só questão de tempo até que a Igreja reconheça a santidade de William. — Por que? —perguntou Marcus; o que sem dúvida os três homens desejavam perguntar. Jamie alegrou-se que seu marido e seus soldados manifestassem tanto interesse por sua própria história. Deu longas explicações de como William sozinho tinha modificado o modo de vida na Inglaterra. Contou com todo detalhe os costumes do
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suserano, os deveres do vassalo e o vínculo estabelecido entre ambos. Quando concluiu estava convencida de que lhe fariam muitas perguntas. Não obstante, nenhum deles pareceu interessado em perguntar coisa alguma. — Acham que esse sistema funcionaria aqui? —Jamie, há anos funciona — Alec espezinhou. —Moça, acaba de descrever um clã escocês —disse Gavin, tentando suavizar a desilusão provocada pela reação do marido. —Tirem-no. — Alec, não pode estar falando sério! —exclamou Jamie—. Minhas irmãs passaram horas bordando-o. Foi meu presente de aniversário. Quero contemplá-lo sempre que tiver vontade. O padre Murdock entrou no salão a tempo para ouvir o que Jamie dizia. Uma olhada para o espaço na parede sobre a lareira lhe explicou o motivo do sobrecenho franzido do lorde. Compreendeu que uma discussão se formava e, como não queria que ferissem os sentimentos da moça, se apressou a interferir em favor de Jamie. —Vamos, Alec, não acredito que ela queira ofendê-lo ao pôr o retrato do inimigo em sua casa. — Não, certamente que não pretendia ofender! — exclamou Jamie— Mas ele certamente está pondo minha paciência à prova! — Eu ponho à prova sua paciência? —disse Alec, contendo a necessidade de gritar. Só se reprimiu em consideração à delicadeza própria da esposa. —Desde logo que sim, Alec Kincaid —prosseguiu Jamie—. Este também é meu lar, não é verdade? Teria que ter direito a pendurar a tapeçaria que quisesse. —Não. Jamie e o padre Murdock olharam carrancudos para
Alec. Gavin e Marcus
sorriram. Jamie deu as costas para seu marido.
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— Padre, poderia ajudar-me a levar esta cadeira ao salão? Ou isso acaso vai contra suas regras, Alec? O padre Murdock inspecionou atentamente o móvel. —Tem umas madeiras arqueadas emabixo dos pés —descreveu em voz alta—. Moça, tem algo errado aqui. — É uma cadeira de balanço— explicou Jamie, sem perder a paciência. Para ouvi-la, o sacerdote arqueou as sobrancelhas. — Já sei — disse Jamie —. Nunca a aceitarão, embora seja muito cômoda. Deveria experimentar, padre. — Possivelmente em outra ocasião .—disse o sacerdote, afastando-se do estranho artefato. Alec não escondeu sua irritação. Ergueu a cadeira, desceu com ela os três degraus, atravessou o salão a passos largos e a deixou junto à lareira. Enquanto o fazia, tratou de não olhar o rosto feio d William que lhe sorria da tapeçaria. — Pronto. Está contente, esposa? O tom de Alec foi tão áspero, que o padre Murdock acreditou necessário voltar a interceder. — Esta cadeira é tão grande que parece capaz de me engolir! — Depois do jantar, minhas irmãs se sentavam sobre o colo de papai, e ele lhes contava histórias maravilhosas —confessou Jamie, com um suave sorriso ante a evocação. Alec percebeu na voz da mulher um matiz reflexivo, desconhecido para ele até esse momento. Além disso, o comentário o intrigou pois, sem querer, Jamie tinha se excluído. Ou acaso não tinha sido sem querer? Alec fez sinal para que ela se aproximasse. Quando Jamie esteve ante ele e ninguém podia ouvi-los, pediu que lhe explicasse:
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— Jamie, onde você se sentava? Estava apertada junto à Mary sobre um joelho, ou ao lado das gêmeas, no outro? A imagem das quatro garotinhas sentadas sobre o colo do pai para ouvir uma história antes de dormir fez
Alec sorrir. Sem dúvida as gêmeas chorariam, Mary
se queixaria e Jamie tentaria tranqüilizá-las. — Geralmente, Eleanor e Mary se sentavam num joelho, e as gêmeas no outro. — Eleanor? — A filha mais velha — esclareceu Jamie—. Morreu quando eu tinha sete verões. Alec, por que está carrancudo? Disse algo que o aborreceu? — Como de costume, você não me deu uma resposta direta —assinalou Alec. Começava a entender, embora quis assegurar-se de que ia pelo caminho certo—. Perguntei onde VOCÊ se sentava. — Não me sentava. Freqüentemente, ficava de pé junto à cadeira de papai — respondeu—. Ou de frente para ele. Por que se importa tanto com onde me sentava? Embora não fosse importante para Alec, ele supôs que havia sido para Jamie. — Você nunca sentou em seu colo? — Não havia lugar. Aquela singela afirmação, dita em tom casual, fez que Alec perdesse a compostura. Jamie tinha sido a excluída. De súbito, Alec sentiu vontade de bater naquele padrasto insensível até transformá-lo em uma polpa sanguinolenta. Ele bem poderia ter achado um lugar para Jamie! Por outra lado, Jamie acabava de lhe revelar como sua mente funcionava. Ela havia feito com que o pai a notasse. As tarefas... sim, agora estava claro. Ao fazer-se indispensável para o pai, Jamie o obrigou a valorizá-la. Tinha confundido amor com necessidade. Pensou que, talvez em sua mente, Jamie não soubesse a diferença.
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E no presente, Jamie tentava fazer com que o marido a tratasse do mesmo modo: quantas mais tarefas lhe atribuísse, mais importância lhe outorgaria. Estava condenado, tanto se o fazia como se não. Possivelmente fosse louca, mas era sua mulher e queria que fosse feliz. E não permitiria que acelerasse susa morte encarregando-se de tarefas pesadas. Tinha muito em que pensar. Alec resolveu não continuar discutindo o tema até não
ter
encontrado
uma
forma
de
instruí-la
sobre
amor
e
necessidade.
Instintivamente, sabia que não seria suficiente que lhe dissesse o quanto se importava com ela. Teria que achar um modo de demonstrar. — Esposa, ninguém quererá sentar-se nessa cadeira tão estranha — afirmou Alec. — Tem medo de experimentar? —desafiou-o. O homem deu rédea solta à exasperação, e logo se rendeu. A cadeira rangeu sob o peso de Alec. Contudo, ajustava-se perfeitamente a suas costas, mesmo quando ele lhe deu um impulso para balançá-la. Estava seguro de que sairia voando para trás. Mas não foi assim, e teve que sorrir ao verificá-lo. —Temo
que
você
esteja
certa,
esposa
—afirmou
Alec—.
Nunca
nos
acostumaremos. Mas se estiver disposta a aceitar as brincadeiras que lhe farão os soldados ao vê-la, permitirei que fique com ela. — Claro que estou — devolveu Jamie, outra vez com os braços no quadril. Alec se levantou da cadeira de balanço para erguer-se diante de Jamie e intimidá-la. — Pode deixá-la junto à lareira — disse —. E agora, quero que me demonstre seu agradecimento. — William? —perguntou Jamie, sem fazer caso da sugestão de agradece-lo propriamente. — William poderia ir-se ao...
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— Ao dormitório? —propôs o padre Murdock, descendo as escadas. — Essa não é a última imagem que quero ver antes de cair no sono —exclamou Alec—. Jamie, se quer pendurá-lo em algum lugar, ponha na adega dos vinhos, mas não desejo ver esse rosto novamente. Jamie parecia disposta a discutir com seu marido. O padre Murdock tomou as mãos entre as suas. — Dentada a dentada, doce moça —cochichou. Alec dirigiu um olhar sombrio ao sacerdote; depois foi até a mesa e se serviu de uma taça de cerveja. O sacerdote se aproximou dele, arrastando Jamie. — Beberei minha taça de água — disse a Alec. Um pensamento súbito o fez erguer as sobrancelhas —. Alec, sabe o que se obtém quando mistura água com cerveja? Alec assentiu: — Cerveja aguada. — E uma vez misturadas, já não se pode separá-las, verdade? — Claro que não —repôs Alec—. Padre, o que tenta me dizer? — Você quer que sua esposa se adapte — respondeu o sacerdote —. Ouvi você dizendo isso várias vezes. — Não nego —respondeu Alec—. Ela se adaptará. — Você quer que Jamie mude? Que se transforme em outra pessoa? — Não, ela me agrada tal como é —admitiu Alec. Embora Jamie soubesse que ele a tinha elogiado, o tom e a expressão pareciam indicar o contrário. — Por acaso você deseja que ela se transforme em uma moça escocesa? — Certamente que não. O tom foi tão enfático que o padre Murdock supôs que estava tão surpreso
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quanto ele por tanta convicção. — Ela é inglesa e não pode mudar isso. Mas se adaptará aqui. — E você também. A afirmação do sacerdote ficou vibrando no ar. Um longo minuto depois, Alec respondeu: —Explique-se. Minha paciência é tão tênue como a cerveja aguada. —Jamie é valiosa a seu próprio modo. Suas tradições formam parte dela — disse o padre Murdock — Assim como você tem suas tradições. Por acaso não pode misturar ambas de forma pacífica? Uma bela tapeçaria com o retrato de nosso rei Edgar ficaria muito bem pendurada junto à de William. O que acha dessa idéia? Alec não gostou muito da idéia, mas pelo sorriso de sua esposa, entendeu que ela via seu mérito. Mas a consideração pelos sentimentos de Jamie se interpôs à opinião genuína de Alec, e ele, relutantemente, concordou. — Muito bem — afirmou —. Mas será maior que a de William. Jamie estava feliz demais com a concordância de Alec para discutir sobre o tamanho do retrato. Ela pessoalmente achava que o rosto de Edgar ficaria bem em uma tapeçaria com metade do tamanho da outra, mas supôs que teria que fazê-las iguais. Alec poderia reparar. Sim, ela as faria iguais, mas não ia pôr um halo sobre a cabeça de Edgar, e fim de discussão. —Obrigada, Alec — murmurou. Pelo sorriso de Jamie, Alec imaginou que sua esposa acreditou que o tinha dobrado, mas estava decidido a ficar com a última palavra. —Marcus, tira a tapeçaria até que a de Edgar esteja terminada. Logo entrarão os soldados para a refeição, e ficarão muito decompostos para o treinamento da tarde se tiverem que olhar para ele enquanto comem. O padre Murdock esperou até que o lorde abandonasse o salão e logo deu rédea solta à diversão. Piscou para Jamie e saiu do salão assobiando uma melodia
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escocesa, interrompida por risadinhas. O sacerdote estava impaciente pela explosão da seguinte tempestade. Nas Terras Altas, quando chovia, chovia. Jamie acabava de perguntar a Gavin e Marcus se eles não tinham nada que fazer. Tinha subido as escadas e viu que os dois a seguiam. Os dois negaram com a cabeça. Então, Jamie os fez trabalhar conduzindo a bagagem à habitação já limpa. Ela estranhou que soldados tão importantes quisessem fazer o trabalho dos criados. Quando concluiu as tarefas, Jamie voltou ao térreo para arrumar sua aparência. Viu que Annie e Edith estavam junto à lareira, contemplando a cadeira, mas quando Jamie as saudou, deram-lhe as costas. Annie sorria, até que viu a expressão sombria de Edith e, então, imitou-a. Jamie não deu importância a Annie. A garota não podia evitar ser como era. Mas Edith era outra questão. Jamie compreendeu que Edith devia ser a mulher mais inflexível da Escócia. Havia uma rigidez em sua aparência e maneiras que era muito desagradável. Sempre tinha o cabelo trançado em forma de coroa no alto da cabeça. Nunca havia sequer uma mecha fora de lugar. O vestido estava sempre impecável. Jamie nunca a viu desarrumada. Sim, sem dúvida Edith era tão minuciosa em seu vestuário como em seu ódio pela senhora. E a senhora já estava farta. — O que aconteceu? — gritou Edith, em tom zombador — Caiu em um balde de sabão? Marcus estava de pé detrás de Jamie; deu um passo adiante, bloqueando sua visão com suas costas largas e gritou com sua irmã: — Não se atreva a usar esse tom com a esposa de seu senhor! Jamie se sentiu como se estivesse em meio de uma tempestade. O grito de Marcus fez sua cabeça vibrar. Deu um tapinha no ombro de Marcus e, quando este
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se voltou, pediu-lhe permissão para ocupar-se ela mesma da irmã. Imediatamente, Marcus concordou. Jamie caminhou até o centro do salão. — Annie, vá lá para fora, garota. Edith, você fique onde está. Pelo jeito seu tom não era autoritário o bastante, pois Edith ignorou-a completamente e encaminhou-se para a porta. Marcus voltou a intervir. Deu uma ordem em tom tão áspero que Edith se deteve em seco. Jamie agradeceu e então pediu que a deixassem uns minutos a sós com Edith. Para falar a verdade, não queria que houvesse testemunhas para o diálogo. Gavin respondeu. Ao pé da escada, olhou ferozmente para Edith. —Nenhum de nós se moverá. Jamie resolveu não discutir com o soldado, pois parecia muito decidido. Aproximou-se de Marcus e, quando esteve diante ele, tirou o cabelo dos olhos e se aproximou mais ainda. Sussurrou em voz tão baixa que só Marcus ouviu o que dizia. A expressão do soldado não mudou mas, quando Jamie terminou, ele fez um breve gesto de assentimento. Jamie agradeceu de novo, e se voltou para confrontar a irmã. —Desde que cheguei aqui, trata-me como a uma leprosa — disse a Edith —. Estou farta dessa atitude. Edith bufou depreciativamente na própria cara da senhora. — Isso significa que não deseja se dar bem comigo? —perguntou, em tom mais duro. — Não vejo motivo para me relacionar bem com pessoas como você —murmurou Edith. — Marcus —chamou Jamie. Odiava ter que pedir sua ajudar, mas tinha que
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superar a raiva de Edith. — Sim, milady? — Se pedir a Alec que expulse Edith das terras Kincaid antes Do anoitecer, estará de acordo? Edith abafou uma exclamação. — Sim. — Para onde iria? —perguntou Edith—. Marcus, não pode permitir...! — Silêncio! Nem Marcus nem Gavin tinham ouvido nunca Jamie empregar esse tom, e Gavin sorriu. A expressão assuatada de Edith quese o fez rir. Edith tinha as mãos crispadas dos lados do corpo, e era evidente que estava furiosa, mas isso não era suficiente. Jamie queria que se descontrolasse. Esperava que, se isso acontecesse, a mulher falaria e Jamie poderia conhecer os motivos desse ódio tão depurado. — Edith, aqui a senhora sou eu —disse, em tom baixo e arrogante—. Se quiser que a expulsem, eu o farei. — Marcus não permitirá. — Oh, sim, ele vai permitir — Jamie blefou. Deus era testemunha de que detestava as asombrosas mentiras que estava dizendo! — Ele é seu irmão e tutor, mas Alec é o senhor de Marcus, e ele é leal a meu marido —adicionou—. Em troca, você não é leal a ninguém, não é? —Sou, sim —gritou Edith. —Talvez em outro tempo —replicou Jamie com um falso encolher de ombros —. Sim, deve ter sido leal a Alec enquanto esteve casado com
Helena. O padre
Murdock me contou que você era muito próxima da primeira esposa de Alec. — Você não pode substituí-la. Não permitirei.
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— Isso já aconteceu. Estas últimas palavras fizeram saltar os fiapos de controle aos quais Edith se agarrava. Sem poder conter-se, tentou esbofetear Jamie. Só pretendia tirar do rosto da senhora a expressão malvada. Queria feri-la tanto quanto
Jamie estava
ferindo-a. Jamie estava esperando o ataque e, embora fosse menor que a outra, também era mais forte. Agarrou o punho da mulher e a obrigou a ajoelhar-se no chão antes que pudesse terminar o primeiro grito. Marcus e Gavin se precipitaram a intervir, e se detiveram ao lado de Jamie. — Fiquem fora disso — disse a senhora sem soltar sua presa. Já não apertava o pulso de Edith mas tinha a mão da mulher contra a cintura. Acariciava brandamente o ombro de Edith ao mesmo tempo em que tentava manter o equilíbrio. Edith soluçava com o rosto escondido nas saias de Jamie. Ninguém disse uma só palavra até que Edith recuperou certo grau de controle. — Meu Deus, ia bater na senhora! Sinto tanto...! — murmurou Edith —. Quando vi que você e o padre Murdock tiravam o baú de Helena do quarto, fiquei furiosa. Não queria que jogasse as coisas dela fora. Senti-me tão cheia de... — Não pensava em jogar as coisas de Helena fora — explicou Jamie —. Só mudei o baú para o outro quarto, Edith. — Nesse baú estava a roupa do bebê —continuou Edith, como se não tivesse ouvido o que Jamie dizia—. Trabalhou muito fazendo-a. —Então, ela queria ter o filho de Alec? —perguntou Jamie com um tom tão suave como uma carícia. — Por favor, diga que me perdoa, milady! —soluçou Edith, voltando para outro assunto que a preocupava—. Não queria machucá-la. — Não me feriu, Edith. E eu também sinto. — Fala sério? —perguntou Edith. Ainda de joelhos, ergueu o rosto para Jamie
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enquanto as lágrimas escorriam por sua face. Com a bainha do vestido, Jamie as secou—. Lamento as dolorosas mentiras que lhe disse. Edith, estava muito predisposta contra mim, e tive que recorrer a uma armadilha para que me escutasse. — Não vai me mandar embora? Jamie negou com a cabeça e ajudou Edith a levantar-se. — Edith, você é um membro muito importante deste clã. Jamais faria que a expulsassem. Também menti sobre Helena. Eu não tomei o lugar dela. Edith sacudiu a cabeça. — Mas agora é você a esposa de Alec. — Isso não significa que todos finjamos que Helena jamais existiu. — Ele finge. — Quem? Alec? A mulher assentiu, e Jamie sussurrou: — É doloroso para ele. — Não sei — murmurou Edith—. Eu estava convencida de que ele não se importava. Não estiveram muito tempo casados, milady. Nem sequer houve tempo de trazer a filha dela... — O que? Não pensou em gritar, mas as palavras casuais de Edith a surpreenderam tanto que mal pôde conter-se. — O padre Murdock me contou que Alec e Helena só estiveram casados dois meses. Edith assentiu. — Alec estava prometido a Annie —disse—. Mas o rei Edgar mudou de idéia. Annie... bom, não se desenvolvia rápido o bastante, e Helena havia acabado de
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perder o marido. Chamava-se Kevin e morreu defendendo o rei. Helena estava grávida da criança de Kevin. Jamie quase caiu, e Marcus agarrou seu braço para equilibrá-la. — Não se sente bem, milady? —perguntou. — Estou bem — repôs Jamie —. Estou furiosa. Edith, quanto tempo esteve Helena casada com Kevin? — Seis anos. — Agora, fale-me a respeito da criança —exigiu. — Ela teve uma filha —disse Edith—. Helena esperava o regresso de Alec para ir procurá-la. A mãe de Kevin cuidava da menina. Edith levou Jamie até a mesa quando a senhora disse que precisava sentar-se. — A senhora está doente —gaguejou Edith—. Eu causei... — Oh, diabos, ninguém me conta nada! —gritou Jamie—. Quando se casou com meu pai, minha mãe me levava na barriga. E se acham que permitirei que...! Por fim, Jamie conseguiu controlar suas emoções. Viu que os soldados a olhavam preocupados. Inspirou profundamente para serenar-se e compôs um sorriso. — Edith e eu resolvemos esta pequena disputa. Ambas lamentamos que tenham sido testemunhas de uma conduta tão pouco digna de damas. Mas não quero que nenhum de vocês mencione isto a Alec, pois o único que conseguiriam seria envergonhá-lo e irritá-lo. O que acha, Edith? Esperou o gesto de assentimento do Edith, e disse: — Edith, seguirá ocupando-se das questões domésticas. Às vezes eu gostaria de ajudá-la. Acha que poderia servir outra coisa que não cordeiro para o jantar? Odeio cordeiro. Edith sorriu e outra vez lhe encheram os olhos de lágrimas. — Como se chama essa filha? —perguntou Jamie.
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— Mary Kathleen —respondeu Edith—. A família de Kevin tem algo de sangue irlandês. — Minha irmã também se chama Mary —disse Jamie, sorrindo—. Quantos anos a menina tem agora? — Três anos —respondeu Edith—. Não vi minha sobrinha desde que nasceu. Soube que a mãe de Kevin morreu há três meses. Um parente distante toma conta de Mary, agora. Jamie teve que apelar a toda sua vontade para não revelar toda sua raiva. Edith parecia querer chorar outra vez, e Jamie não tinha tempo de acalmá-la. A cabeça fervia, cheia de planos. — Prima, temos muitas coisas para discutir, nós duas, mas apenas depois que você tenha arrumado o cabelo. Esse comentário obteve o que Jamie se propunha: no mesmo instante, Edith ficou de pé. — Estou com o cabelo desarrumado? —perguntou, angustiada. Apalpou-se a trança enquanto esperava resposta. — Só um pouco — disse Jamie, tentando não sorrir. Edith fez uma reverência e saiu correndo do salão. Jamie suspirou. — Que dia o seu, Jamie! — assinalou Gavin —. Primeiro, a batalha contra o fogo, e agora, contra uma mulher obstinada. — Na realidade, primeiro foi contra um javali gordo, depois Alec, depois o fogo e, por último, Edith — ela o corrigiu com um sorriso. — Um javali? Lutou contra um javali? —exclamou Gavin. — Estava brincando —confessou Jamie. Quando a expressão de Gavin se suavizou, contou o que havia acontecido.
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Quando concluiu, não pôde evitar reparar no semblante perplexo dos soldados. — Vejam bem, na realidade não lutei contra o javali. Só fiquei no seu caminho. Conhecem o menino? chama-se Lindsay. Gavin teve que sentar-se antes de responder: — Conhecemos seu clã. — Meu Deus, Jamie —começou Marcus—, o pai desse menino é um poderoso...! — Desumano — interrompeu Gavin. — Senhor —concluiu Marcus. — Você poderia ter sido morta —gritou Gavin, levantando-se outra vez. — Não a censure, Gavin —repôs Marcus—. Estou certo de que Alec... — Não contei a ele — interrompeu Jamie. Os homens não se reservaram o que opinavam de seu pecado. — Parem de franzir o cenho — exigiu a jovem—. Prometi ao menino que não o delataria. Não vejo motivos para dizer a Alec o que aconteceu. A única coisa que conseguiria seria preocupá-lo. Quero que me dê sua palavra, Gavin. E você também, Marcus. Os dois guerreiros assentiram imediatamente; é obvio, nenhum dos dois pensava cumprir sua palavra, mas queriam tranqüilizá-la. — Aconteceu alguma outra coisa que você esqueceu de mencionar? —perguntou Gavin, arrastando as palavras. — Dêem-me tempo —respondeu
Jamie—. O dia não acabou, se vocês se
lembram. Gavin sorriu e, milagre dos milagres, também Marcus. — Foi uma manhã e tanto — disse a senhora, suspirando—. Marcus, você sabe onde está Mary Kathleen? Ele assentiu.
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— Fica muito longe daqui? — Três horas a cavalo — afirmou, dando de ombros. — Então, será melhor que saiamos agora mesmo. — Desculpe, milady? —perguntou Marcus. Dirigiu a Gavin um olhar perplexo, perguntando-se se havia entendido bem à senhora. Jamie já havia desaparecido atrás do biombo. — Sairemos logo —gritou Jamie. Ela apareceu no canto —. Não se importaria em levar-me, não, Marcus? Para ser sincera, acredito que me perderia mesmo que me dessem as indicações corretas. — Para onde vamos? —perguntou Marcus. — Ver minha filha. Claro que era uma mentira, pois Jamie não tinha intenção de apenas ver a menina. Entretanto, não podia dizer toda a verdade aos soldados, sob risco de não conquistar sua cooperação. Além disso, supôs que o descobririam muito em breve. Mary Kathleen voltaria para lar ao que pertencia. E isso era tudo.
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Capítulo quinze A paciência de Alec estava quase esgotada e jogou a culpa de seu ânimo agitado ao fatp de que a sessão de treinamento da tarde não saíra nada bem. Era uma tarefa irritante, frustrante, pois estava instruindo os guerreiros mais jovens e inexperientes. O jovem David, segundo filho de Lorde Timothy, levou a frustração de Alec ao máximo. O moço não melhorava em nada, por mais empenho que pusesse nos treinos. Alec mandou David e sua espada ao solo pela terceira vez com o dorso da mão, para adicionar a humilhação ao ensino da defesa. A arma do David saiu voando, e teria acertado a perna de outro soldado se o velho guerreiro não houvesse se afastado a tempo. — Eu deveria matá-lo agora e terminar com isso — vociferou Alec ao rapaz —. David, não durará cinco minutos em uma batalha real se não aprender a prestar atenção no que faz. E segure bem a arma, pelo amor de Deus! Antes que o guerreiro loiro pudesse responder à crítica, Alec levantou-o do chão. Ele segurava David pelo pescoço agora, com vontade de estrangulá-lo e meter algo de sensatez em sua cabeça. Ao ver que o rosto sardento do David se enchia de manchas, convenceu-se de que agora tinha sua atenção. — Alec? —chamou-o um dos soldados. Alec deixou David cair ao chão e se voltou. Nesse instante, percebeu o silêncio. Todos os soldados haviam abandonado as tarefas sem sua permissão. Esse fato penetrou na mente do guerreiro uns segundos antes de perceber que todos olhavam para o topo da colina.
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Antes de se voltar, soube que Jamie devia estar envolvida na interrupção. Era a única capaz de causar semelhante perplexidade nos soldados, rigorosamente disciplinados, a única capaz de criar tal caos. Respirou fundo, convencido de que estava preparado para algo, mas mesmo assim a visão de sua esposa descendo a colina no lombo de Fogo Selvagem lhe tirou o fôlego. Cavalgava em pêlo, o cabelo flutuando atrás dela, e Alec temeu mover-se para não assustá-la. Se a assustasse, cairia e quebraria seu teimoso pescoço. Cavalgava como uma rainha. Até mesma na distância que os separava, Alec distinguiu o suave sorriso feiticeiro. Fogo Selvagem trotou colina abaixo, onde esperavam Alec e seus homens. Gavin e Marcus iam atrás dela em seus respectivos cavalos. Com um gesto arrogante, Alec indicou a Jamie que se aproximasse. Embora estivesse decidido a conter sua raiva por ela ter interrompido suas tarefas, custou muito esforço fazê-lo. Seu orgulho, orgulho pela habilidade de amazona da esposa, se interpôs no caminho desse objetivo. Assim que viu o arco e a aljava com flechas que pendiam do ombro de sua esposa, o aborrecimento de Alec desapareceu. Tentou não rir. Jamie obedeceu a ordem do marido sem nenhum movimento perceptível sobre as rédeas. Freou a Fogo Selvagem com a pressão dos joelhos. De súbito, Alec desejou sentir a pressão desses joelhos sobre ele outra vez. — Onde acha que vai? — Cavalgar. — Com arco e flechas? — Sim — respondeu Jamie, assombrada pela irritação que percebia na voz de seu marido—. Deve-se estar preparado para qualquer eventualidade — adicionou —. Poderia me topar com algo que caçar.
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— Entendo. Seu humor é tão imprevisível como o vento, ela decidiu, pois agora ele parecia como se quisesse rir dela. Havia uma faísca em seu olhar . Ouviu um coro de risadas entre os soldados reunidos ante ela, olhou-os com expressão severa pela grosseria, e voltou-se para Alec. — Fala sério, não é, esposa? — Sim. — Não poderia acertar nem a parede dos estábulos — afirmou Alec—. E acha que poderia acertar em um alvo móvel? — Acha que não? — Sei que não. — Teria que ter mais confiança em sua esposa — murmurou Jamie, enquanto tirava lentamente o arco do ombro e tomava uma flecha. Resolveu que já era hora de deixar de enganá-lo. Jamie tinha visto um couro castanho sobre um grande fardo de feno na parte baixa da colina. Havia umas quinze flechas cravadas ao redor do centro do alvo. Assinalou o couro e disse: — Vai me deixar caçar, se demonstrar minha habilidade? Marcus tossiu, dissimulando a risada. Jamie lhe dirigiu um olhar severo enquanto aguardava a resposta do marido. —Não deixaria que se envergonhasse diante de meus homens —respondeu Alec. Queria provocá-la, e soube que o tinha obtido quando Jamie se voltou para ele. Parecia disposta a estrangulá-lo. —Não passarei vergonha. Alec teve a audácia de rir. —Tenha a amabilidade de sair de meu caminho, marido — ordenou —. Depois poderá rir — provocou, ao ver que Alec mal podia conter-se—. Se ainda o desejar...
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Alec concordou e se afastou uns metros. Assim que Jamie ajustou a flecha no arco, os soldados correram para pôr-se a salvo, e a jovem compreendeu que eles tampouco tinham muita fé. A cabeça de Fogo Selvagem lhe obstruía a visão. Jamie soltou um suspiro, tirou os sapatos e ficou de pé sobre o lombo da égua, mantendo o equilíbrio com a graça de uma bailarina. Apontou e disparou a flecha um segundo antes que Alec se aproximasse dela. Jamie se sentou outra vez no lombo de Fogo Selvagem, deu-lhe umas palmadas de prêmio por haver ficado quieta e sorriu para Alec. — E agora me diga, por que está zangado? — Nunca vai se arriscar desse jeito novamente, esposa! Gritou tão forte que quase fez voar a crina de Fogo Selvagem. A égua tentou corcovear, mas Alec segurou as rédeas e em poucos instantes ela estava dócil novamente. Ele não pôde evitar notar que Jamie nunca perdera o equilíbrio nem manifestou o menor sinal de temor. — E por que grita? —perguntou Jamie—. Qual é o perigo que corria? A expressão da mulher mostrava a Alec que ela na verdade não sabia por que ele se inquietava. Respirou fundo para serenar-se. quando Jamie se levantou sobre a égua, o coração do homem se deteve. — Poderia ter-se matado —murmurou entre dentes—. Se alguém vai matá-la, serei eu. Não volte a subir no lombo da égua! Nunca! — Estou habituada a cavalgar assim sempre que quero, Alec. Quando Fogo Selvagem galopa pelo prado, às vezes fico de pé sobre o lombo dela. — Oh, Deus! — É verdade —assegurou Jamie—. Quer que lhe mostre? — Não. — Não grite comigo, Alec. Está aborrecendo Fogo Selvagem.
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— É você que quero aborrecer, esposa —repôs Alec—. Quero sua palavra. — Oh, tudo bem — disse Jamie —. Eu dou minha palavra. Está contente agora? — Sim. — Então, por favor, tira sua mão de minha perna; está apertando muito. — Esposa, por acaso se dá conta de como está próxima do perigo? Jamie não pareceu absolutamente preocupada com a ameaça. — Alec? — O quê? — Há tempo que tem esse tique na bochecha? O homem não respondeu. — A flecha da senhora não está perto das outras — exclamou o jovem soldado David. O ansioso rapaz tomou os sapatos de Jamie e os ofereceu. Ela agradeceu e os calçou. — Claro que minha flecha não está perto das outras — disse Jamie ao soldado. — Então sabia que falharia? — ele perguntou. — Não falhei — replicou a senhora —. Encontrará minha flecha bem no centro. Vá procurá-la, por favor. David correu colina abaixo até o alvo e, ao chegar, soltou uma gargalhada: — Ela tem razão! — gritou — A flecha da senhora está no centro. Enquanto o jovem lançava a afirmação, Jamie observava Alec. Ela ignorou os vivas dos soldados. A reação de seu marido foi um tanto decepcionante. Ele meramente levantou uma sobrancelha. — Gavin, quero que leve mais dez homens para cavalgar com você —gritou Alec. Imediatamente, o soldado fez seu cavalo voltar para os estábulos. — Jamie, você esqueceu algo — disse quando a esposa tentou tomar outra vez
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as rédeas. — Oh! —Jamie se ruborizou, aproximou-se mais ao marido e se inclinou para lhe dar um beijo na sobrancelha. Alec não pôde ocultar a exasperação: — Queria dizer a sela — explicou. — Eu não gosto dela —protestou Jamie—. É nova demais e me obriga a ir muito rígida. — Marcus, consiga para minha esposa uma de minhas selas velhas. Por que não me disse que podia cavalgar em pêlo? Acreditei que você era ignorante nas artes hípicas. Hoje mesmo, você caiu do cavalo. — Não contei
por que teria me achado menos que uma dama — respondeu
Jamie. Essa afirmação tão tola o fez sorrir. — Jamais poderia pensar que é menos que uma dama. — Jamie sorriu. — Sempre me lembra o contrário. Deveria ter adivinhado que era experiente — admitiu Alec —. Beak me disse que você era a única que podia cavalgar nessa égua, mas disse também que você não o fazia com freqüência. — Disse isso para me proteger — explicou Jamie —. Pensou que você teria mais consideração comigo se achasse que eu não havia sido propriamente treinada. Alec riu. —Jamie? Nunca me beije como acaba de fazê-lo. A jovem acreditou que se referia a não fazer demonstrações de afeto frente aos soldados, mas Alec fez um gesto com o dedo para que se aproximasse, e quando estavam quase nariz com nariz, sussurrou: — Beije-me assim. Ele não lhe deu tempo sequer para sorrir. A boca de Alec capturou a de Jamie em um beijo duro e voraz. A moça não abriu a boca com rapidez suficiente para
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satisfazer a Alec, mas o grunhido surdo do homem a fez cooperar. A língua do homem penetrou na boca da jovem a tempo de degustar o suspiro de Jamie. A jovem não ouviu os gritos entusiastas dos homens ao presenciar semelhante desdobramento de paixão, mas Alec sim, e relutantemente afastou sua boca. Jamie parecia totalmente confusa. Alec estava arrogantemente satisfeito de que pudesse fazê-la esquecer todos os pensamentos até que se deu conta que estava abraçando-a. Ele não lembrava de tê-la retirado do lombo de Fogo Selvagem. Os dois sorriram. — Já me tem fez perder muito de meu valioso tempo. Jamie riu e, nesse momento, distraiu-a o ruído dos soldados que galopavam colina abaixo. — Por que devo ter tantos soldados acompanhando-me? —Eles também gostam de caçar —respondeu Alec. Ele a deixou deslizar até o chão, quando um soldado lhe alcançou a sela que havia pedido. A mulher sustentou as rédeas enquanto seu marido ajustava as correias sob a barriga da égua. Logo, subiu-a ao lombo de Fogo Selvagem. — Tenha uma boa cavalgada, Jamie —lhe disse. — Não voltarei com as mãos vazias —afirmou a moça. — Sei que não — respondeu Alec. Jamie não gostava nada de ter que ocultar a verdade desse modo, mas mesmo assim deixou que Alec acreditasse que ia caçar comida. ―Além disso‖, pensou, ―uma vez que supere a impressão inicial, se acostumará. Será um bom pai.‖ Quando chegaram à ponte levadiça, Jamie dirigiu-se a Marcus. — Para onde, Marcus? —gritou. — Para o oeste, milady.
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Quando Marcus a alcançou, Fogo Selvagem já ia a pleno galope. Fez gestos de que o seguisse, e descreveu um semicírculo, voltando por onde haviam vindo. Marcus teve a cortesia de não mencionar o lamentável sentido da orientação da senhora, mas Gavin, em troca, desfrutou fazendo-a notar. Jamie não se incomodou, pois estava muito contente com os dois homens. Afinal de contas, não haviam dito a Alec qual era seu verdadeiro destino, e por isso estava agradecida. Ela não se importava se o tinham feito de propósito, ou não. Alec tentou se convencer de que não estava preocupado mas viu-se caminhando para lá e para cá diante da lareira quando passou a hora do jantar e sua esposa ainda não tinha chegado. Não, não estava preocupado: Marcus e Gavin cuidariam dela. Em qualquer momento chegaria. ―Quando o sol desapareça totalmente, então começarei a me preocupar‖, disse-se por décima vez. Aproveitou bem o tempo da separação. Assim que Jamie partiu, pediu o cavalo e foi visitar o clã de Helena. Passou várias horas conversando com os primos que lembravam dela, e se inteirou de alguns fatos interessantes a respeito da mulher a quem o matrimônio com ele havia resultado tão desastroso que decidiu terminar com sua própria vida. Logo que voltou, encontrou o padre Murdock e esteve um bom tempo com ele, escutando as opiniões do sacerdote. Era evidente que o ancião estava assombrado de que Alec falasse da falecida esposa. Desde o dia do enterro não havia mencionado jamais o nome de Helena. As perguntas do senhor o deixavam perplexo, mas soube que não devia insistir em averiguar o que era exatamente o que Alec queria saber. Perguntá-lo não estava entre suas atribuições. Nesse momento, Alec andava a passos largos pelo grande salão, enquanto digeria a informação que acabava de receber. Jamie havia retornado nesse instante ao castelo, e estava de pé no topo dos degraus, esperando que Alec notasse sua presença. Estava a ponto de chamá-lo quando, de repente, o marido se voltou para ela.
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O alívio de vê-la foi tão grande, que a olhou carrancudo. A resposta de Jamie foi um sorriso. Alec reparou que a saia da esposa balançava, e logo viu a carinha suja que o espiava. Gavin e Marcus estavam a ambos os lados de Jamie e contemplavam a criança. Jamie inspirou fundo e tomou a pequena mão de Mary Kathleen. — Vamos conhecer seu pai — sussurrou à menina. Mary Kathleen não quis. Era evidente que o tamanho de Alec a intimidava. Tinha os olhos castanhos dourados abertos e redondos como pratos. — Ele a amará com todo o coração — prometeu Jamie. Sem dar tempo para a garotinha esboçar uma negativa, Jamie agarrou sua mão e desceu com ela os degraus. Alec não tinha idéia do que estava acontecendo. O anjinho descalço vestia o seu próprio manto, e isso indicava que pertencia a um Kincaid. O manto era muito grande para a menina e, mal-ajustado, envolvia-a e estava preso com um nó sob o queixo. Alec não se recordava de havê-la visto antes. Era uma criatura adorável, com uma massa de cachos cor de mel, mais compridos de um lado da carinha que do outro. — Quem é? —perguntou Alec. — Sua filha. — Minha o quê? Jamie ignorou a perplexidade de seu marido. —Bom, na realidade, agora é nossa filha — explicou —. Mary Kathleen, diga alô a seu papai. A garotinha estava assustada e continuava encarando Alec enquanto brincava com uma mecha de cabelo do topo da cabeça, retorcendo-a num nó.
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Jamie se inclinou e murmurou algo à pequena. Tentava tranqüilizar à menina e ao mesmo tempo dar algum tempo para Alec se acostumar com a idéia. Quando se levantou de novo, Jamie soube pela expressão de Alec que ele necessitaria muito mais tempo para acostumar-se. —É a filha de Helena —exclamou Gavin, com a intenção de quebrar esse duelo de olhares. —Agora é minha filha — Jamie contradisse. Deixou que Mary Kathleen se ocultasse outra vez atrás dela—. Alec, na realidade, é muito simples de entender. Quando se casou com Helena, você se transformou em pai de Mary. Você ia trazêla para viver com você, não ia? E quando eu me casei com você —prosseguiu, antes que Alec pudesse lhe responder—, eu me tornei a nova mãe de Mary. Nós dois fomos negligentes em nossa responsabilidade para com essa criança, marido. — Os Kincaid se encarregaram bem da filha de Helena —interveio Marcus. — Sua avó morreu há três meses. Sabia que Mary foi entregue a uma parente longínqua que só queria o cereal que lhe enviava? Alec, dói-me admitir que a mulher seja inglesa. E sabe que, além disso, sua filha tem machucados nas costas e nas pernas? Se houvéssemos deixado-a sob semelhante cuidado, dentro de um mês teria morrido. Alec não sabia. E estava furioso. Jamie assentiu. Então, todos começaram a falar ao mesmo tempo. Alec permaneceu ali, com as mãos para trás, contemplando a criatura inocente que o fitava de trás das saias de Jamie. — Venha aqui, Mary — ordenou à menina. A pequena negou com a cabeça, ao mesmo tempo em que tentava meter parte do vestido de Jamie na boca. Alec começou a gargalhar. — Que Deus nos ampare; estácom você a menos de um dia e já está adquirindo sua obstinação! — disse a Jamie.
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Pegou a criança no colo e segurou-a para que estivessem face a face. — Alec, cuidado com as costas da menina. É muito frágil. Alec sussurrou algo à menina, e sorriu ao ver que ela concordava. — Pode fazer com que fale? Não me disse uma só palavra —murmurou Jamie—. Acha que ela terá alguma dificuldade para falar? — Pare de se preocupar — acalmou-a Alec—. Falará quando quiser. Não é, Mary? A menina assentiu outra vez. — Estava vestida com as cores de Kevin —afirmou Gavin—. Se ele pudesse ver quão sujo estava o vestido, estaria rolando na tumba. — Quem trocou sua roupa? —perguntou Alec. —Eu —respondeu Jamie—. Foi quando vi os hematomas e soube que tinha que trazê-la aqui —adicionou. —Não, esposa. Já tinha tomado a decisão quando lhe vestiu meu manto. Esse homem era muito perspicaz para ela. —Sim, Alec —admitiu. —Mais ainda, sabia que a traria quando saiu daqui hoje —continuou—. Isso foi o que quis sugerir quando disse que não viria da caçada com as mãos vazias, não era? Ele não parecia zangado, mas Jamie ainda não estava segura do que ele estava pensando. — Sim—respondeu—. Já tinha decidido. Com suavidade, Alec colocou a garotinha sob o braço, como se fosse um saco de trigo. — Não é assim que se segura um bebê —disse Jamie—. Alec, ela só tem três verões. Mary Kathleen não parecia se incomodar, pois deixou escapar uma risadinha.
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— O que aconteceu quando você viu as manchas roxas? —perguntou Alec a Jamie. — Fiquei... furiosa. — Muito furiosa? — Joguei o manto no chão — resmungou Jamie —. Fiz isso de propósito, foi um insulto deliberado. E mesmo assim, contive-me. O que queria mesmo era deixar aquela mulher com uns lindos machucados, para lembrar-se de mim. — Eu cuspi nela! —A afirmação proveio de Marcus—. Diante de testemunhas, Alec. — Bem feito. Ao ver que seu senhor aprovava o que tinha feito, a carranca de Marcus se suavizou. — Isto significa guerra — recordou Alec. — Duas guerras — interveio Gavin —. Esqueceu da família de Helena; eles também estão envolvidos. —Não — replicou Alec —. Não se importarão. Por que acha que Annie veio com Helena quando nos casamos? A família tinha maltratado as duas irmãs. E, é óbvio, o rei estava informado. — E foi por isso que se casou com ela pouco depois da morte do primeiro marido? Para protegê-la? — perguntou Jamie. Alec concordou, e, quando por fim dirigiu o olhar a sua esposa, sorria. — Obrigado. — Pelo que me agradece, Alec? — Por trazer nossa filha para casa. A compaixão que Alec manifestava afligiu Jamie. Seus olhos se encheram de lágrimas, e se Alec não tivesse fingido deixar Mary Kathleen cair, teria explodido
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em soluços. Em vez disso, gritou. Pai e filha riram. Alec segurou a menina nos braços e a ergueu outra vez ante seu rosto. — Esposa, esta menina cheira tão mal quanto o padre Murdock. Dê-lhe um banho — ordenou—. Marcus, mande alguém para procurar por Edith e Annie, pois elas quererão conhecer sua sobrinha. —Então, você realmente reclama Mary Kathleen como sua filha? — inquiriu Jamie, ainda preocupada. Alec a contemplou por um longo instante e logo respondeu: — Como poderia não fazê-lo? Jamie estava muito emocionada para responder. Alec entregou-lhe a menina e Jamie a apoiou no quadril. No mesmo instante em que Jamie se encaminhava para a banheira, que estava atrás do biombo, entraram Angus e Elizabeth no salão. Mary Kathleen se tornou tímida e escondeu a face no ombro de Jamie. Elizabeth se ofereceu para ajudar no banho da pequena e Jamie aceitou. Então, captou a afirmação de Angus de que estavam fazendo acertos para esperar a visita do rei. — Seu rei virá fazer-lhe uma visita? —perguntou-lhe a Alec, atônita. Ante uma reação tão bizarra, Alec ergueu uma sobrancelha. — Em efeito. — Edgar? — É o único rei escocês que temos —respondeu o homem. — Quando chegará? — Amanhã. Jamie, por acaso esta novidade a desagrada? Parece inquieta. — Ele é famoso por sua crueldade. Todos os presentes no salão olharam-na, incrédulos.
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— Edgar? —perguntou Alec—. Jamie, ele é famoso por sua gentileza! Ao ouvir que todos grunhiam em aprovação, Jamie se sentiu mais tranqüila. Sorriu para Mary Kathleen e disse: — Não deveria ter dado crédito àquelas histórias. Se ele for tão bondoso como dizem, é impossível que tenha feito as coisas que me contaram. — Que coisas? — perguntou Marcus. — Conte-nos o pior —sugeriu Gavin—. Então lhe diremos se é verdade ou não. — Ouvi dizer que quando Edgar subiu ao trono, teve que derrubar outro rei e que... bom, cegou-o para que não lhe criasse mais problemas. Ninguém disse nada, e se limitaram a olhar-se uns aos outros. — Já sei —disse Jamie precipitadamente—. Vocês todos acham uma vergonha eu ter acreditado nessas fofocas. — Bem, Jamie, garota, essa história é real — admitiu ao fim Gavin, vendo que ninguém queria explicar. — Mas ele não matou seu predecessor, só o cegou. —Sim, o homem ainda está vivo — completou Marcus. Alec viu que seus homens tentavam apaziguar os medos de Jamie, e compreendeu que eles, como ele, queriam proteger os sentimentos da senhora. — Alec, como pode sorrir, diante de semelhante atrocidade cometida por seu rei? — O rei da Inglaterra é muito mais desumano —afirmou Alec. — Não deveria falar mal de Henry — censurou Jamie. — Jamie, não é uma crítica, mas sim um elogio. Pareceu falar sério, e Jamie lhe dirigiu uma expressão que indicava às claras o que achava de tal elogio. — Esposa, o que é o que a preocupa de verdade? — E se ele não permitir que Mary fique conosco?
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— Ele vai permitir. — Tem certeza, Alec? Alec assentiu. — Você supõe que me ajoelharei perante ele? — Se você quiser. — Isso me fará ser desleal a Henry? Alec lençou-lhe um sorriso gentil. Era evidente que sua mulher tinha lacunas em sua educação histórica. — Duvido que isso a torne desleal, Jamie. Edgar é o cunhado de Henry. Jamie se sentiu tão aliviada que deixou cair os ombros. — Bom, por que não me disse isso antes? Preocupei-me como uma criança por essa questão de lealdade! E em vão, Alec. Poderia ter-me dito que Edgar e Henry eram bons amigos, marido. Antes que o homem pudesse lhe dizer que era uma débil-mental, Jamie levou Mary para trás do biombo. — Por que a deixou pensar que Edgar e Henry são amigos? — perguntou Gavin. — Pela mesma razão pela qual você suavizou as respostas referentes a Edgar — respondeu Alec, secamente —. Nenhum de nós quer assutá-la. Queremos fazê-la feliz, não é verdade? Gavin riu. —Sim, isso mesmo. As risadas dos homens foram sufocadas pelo barulho que faziam Jamie, Elizabeth, Edith e Annie enquanto se alternavam no banho de Mary Kathleen. —É uma menina bonita — assinalou Elizabeth. —Devemos dizer isso para ela — aconselhou Jamie—. Freqüentemente, para que ela nunca sinta que não pertence à família.
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Por fim, o banho terminou. Jamie sentou a menina sobre o baú e cortou seu cabelo, emparelhando os dois lados. Ante as mulheres, a pequena não manifestava a menor timidez, mas era óbvio que preferia os cuidados de Jamie aos das outras. Uma vez vestida com uma camisola branca que Edith havia arranjado, estendeu os bracinhos para que Jamie a pegasse no colo. Enquanto Mary jantava, Edith foi acima com Annie para preparar um dormitório para a menina. Haviam decidido que Mary dormiria no quarto contíguo ao de Alec e Jamie. Assim, se ela chorasse durante a noite, Jamie a ouviria, certamente. — Todas as mães têm o sono leve —afirmou. Sabemos por instinto quando nossas filhas precisam de nós. Elizabeth, você compreenderá o que digo depois que seu bebê nascer. A voz de Jamie revelava tanto entusiasmo que Elizabeth não teve coragem de fazê-la lembrar-se que fazia só metade de um dia que ela era mãe, e assentiu. — Angus está impaciente para que tirem os pontos de seu ferimento no peito — lembrou a Jamie—. Está sentado à mesa, esperando por você. — Sente-se ao lado dele — aconselhou Jamie—. Se você estiver perto, ele não gritará tanto. — Doerá muito? — Não se preocupe — tranqüilizou-a Jamie—. Não doerá. Mas mesmo assim, gritará pelo desconforto. Elizabeth se apressou a fazer o que Jamie sugeria. Alec acabava de acender o fogo na lareira. Estava de costas, mas uma vez que se levantou e notou-a, mal teve tempo de receber a filha que Jamie lhe pôs entre os braços. Alec não tinha idéia do que se esperava dele, mas queria agradar Jamie. Contemplou Mary, segurando-a desajeitadamente. —Não me teme, verdade, Mary? —perguntou-lhe em gaélico—. Agora sou seu
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papai. A menina sacudiu a cabeça e sorriu. Alec também. Quis baixá-la, mas quando ele tentou, ela deixou claro que não estava disposta a deixá-lo. Agarrou-se à túnica de Alec e se apertou contra ele. Em vez de insistir, Alec a encaixou sobre seus ombros, e a pequena adorou. Rompeu em risadas e chiados e sacudiu os dedos dos pés em óbvia amostra de deleite. Jamie quase deixou cair as coisas que tinha ido procurar quando contornou o biombo e viu o que Alec fazia. — Não levante a menina assim! — exclamou— E, pelo amor de Deus, Alec, não encolha os ombros assim de novo! Vai fazer Mary cair. — Eu sou novo nisso, Jamie — murmurou —. Ela é a primeira criança que seguro no colo. — Voltou a segurá-la nos braços, enquanto olhava carrancudo para sua esposa. — Você vai se acostumar com ela — afirmou a mulher. Alec teve que olhar com severidade para Marcus e Gavin a fim de que deixassem de sorrir de maneira tão desrespeitosa. Depois, levou Mary à cadeira de balanço, instalou-se ali com a menina no colo e lhe ordenou que dormisse. Em vez disso, Mary subiu pelo peito do pai: tinha tão pouca confiança na cadeira de balanço quanto Alec havia sentido antes, e foi necessário que a acalmasse para que se voltasse ao seu colo. Jamie havia dado as costas aos dois e estava dando a Angus sua atenção integral. Alec tamborilou com os dedos sobre o braço da cadeira, perguntando-se o que, em nome de Deus, se esperava que ele fizesse agora. Chegou à conclusão de que bem poderia tentar contar uma história para dormir. Levou um minuto para escolher sua preferida e então ele relatou, com riqueza de detalhes, a crônica de
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uma de suas melhores batalhas. Poucos instantes bastaram para que Mary fosse cativada. Outra vez tinha os olhos muito grandes e abertos, e estava atenta de cada palavra dele. Gavin e Marcus também se interessaram pela sangrenta história; aproximaram os bancos e alternavam-se nos grunhidos de aprovação durante o transcurso do relato. Jamie ouvia o suave ronronar do sotaque de Alec, mas sem prestar atenção ao que dizia. Nesse instante, Angus se queixava porque ela ainda não lhe permitia tirar a tala do braço. — Angus, seus dedos se movem, mas isso não quer dizer que já esteja curado. Fique possivelmente um mês, ou mais, usando a tala, e isso é tudo. Elizabeth, o peito já cicatrizou muito bem, não? — Realmente — respondeu Elizabeth —. Jamie, ambos estamos muito gratos a você. Não é verdade, Angus? —Sim, claro — concordou Angus. Parecia que tal confissão era dolorosa para ele, e Jamie conteve a risada, pois já sabia que as maneiras ásperas de Angus escondiam um coração terno. Jamie sorriu para Elizabeth e correu para guardar os itens que havia utilizado. Já era hora de levar a Mary Kathleen para cima. A menina devia estar exausta depois do longo dia. Mas quando voltou à área comum e viu Alec com a pequena sobre o colo, não teve coragem de interrompê-los. ―Senhor!‖, pensou Jamie, ―eu também devo estar fatigada, pois ante esse quadro encantador meus olhos se enchem de lágrimas!‖ Alec contava um conto para a menina dormir. ―Não‖, corrigiu-se Jamie, ―está contando uma história para Mary, Marcus, Gavin e Angus. Deus é testemunha de que os homens estão tão entusiasmados com a história como a menina de três anos!‖ Amava Alec com todo o coração. Era um homem gentil e compassivo, e Jamie sentiu vontade de rir. Mas Alec se ofenderia se acreditasse que sua esposa o
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considerava bondoso, e se perguntou como ele reagiria quando por fim Jamie lhe confessasse seu amor. Não importava se ele aceitasse ou não seu amor, ela pensou com um arrepio. Ela estava segura de que, a seu devido tempo, ele veria como era certo aquele amor. Com o estímulo certo, ele até poderia começar a amá-la também. Como era possível que houvesse pensado que os escoceses eram inferiores? A lembrança desse pecado vergonhoso a fez sacudir a cabeça e aproximar-se para ouvir também o conto que mantinha a todos cativados. Ao ver a expressão de Elizabeth, compreendeu que nem todos estavam cativados: a esposa de Angus parecia realmente horrorizada. Então, captou um dos comentários de Alec: — Aquele golpe fantástico lhe decepou o braço... — O que está contando à menina? —perguntou, quase aos gritos. — Apenas uma história — respondeu Alec —. Por que? — Que história específica? —perguntou Jamie, correndo para arrebatar Mary do colo de Alec. — A batalha contra os da Nortúmbria —respondeu o homem. — Em vívidos detalhes! — informou-lhe Elizabeth. A irritação de Jamie se esfumou ao ver que seu marido estava perplexo por sua reação. —Alec, esse tipo de história provocará pesadelos neste bebê. — Ela gostou —argüiu Alec—. Devolva-a para mim, Jamie. Ainda falta contar o final. — Sim, ele tem que terminar o conto — interveio Gavin. — Ela irá para a cama — disse Jamie, rindo apesar de suas melhores intenções —. Não posso acreditar que tenha contado a uma doce criatura a história de uma
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batalha. Não demorou a compreender que Alec e os soldados não podiam acreditar na reação negativa de Jamie ao relato. — Dê um beijo de boa noite em Mary — recomendou Jamie, estendedo a menina e observando como ele beijava ternamente sua testa. — Vá para a cama agora, Mary — murmurou Alec—. Amanhã terminarei de contar a história. Quando colocou a menina no chão, ela correu para frente da lareira e se estendeu sobre a esteira de juncos. — Será que ela pensa que vai dormir aí? —perguntou Alec. Jamie foi procurar a Mary e a levantou antes de responder: —Acredito que sim. Contudo, suponho que a avó deve ter sido muito boa com ela, pois a menina tem um caráter muito doce. Isso demonstra que ela não foi maltratada por muito tempo. — Por que você concluiu isso? — perguntou Alec. — Ouvi dizer que, quando se trata a uma criança com crueldade, sua mente se deforma, Alec. Por que me olha assim?—adicionou, em tom preocupado—. Parece... perplexo. Não é necessário que se preocupe com nossa Mary. Alec forçou um sorriso. — Jamais me preocupo —disse—. Você já faz isso por nós dois. Jamie não levou em conta esse comentário tão absurdo. — Esta noite, poderíamos dormir no andar de cima, Alec? Quero estar perto de Mary, pois talvez ela precise de mim durante a noite. Era ele quem a necessitava durante a noite. Essa idéia brotou de súbito na mente dele e o fez franzir o cenho. Diabos, supunha-se que ela deveria ter necessidade dele. Olhou para a pequena Mary. A carinha da menina se apoiava no ombro de
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Jamie. Estava com os olhos fechados e uma expressão quase deliciada; era evidente que gostava de ser abraçada por Jamie. Nas costas e as pernas da menina os hematomas se dissipariam, e Alec soube que Jamie seria capaz de acalmar qualquer angustia que estivesse prejudicando a mente da pequena. Sim, ela faria Mary Kathleen feliz... tão feliz quanto o mágico amor que ela irradiava o fazia. Alec sabia que Jamie o amava pelo modo como o olhava. Talvez ainda não quisesse admiti-lo, mas Alec estava seguro de que, com o tempo, e dando-lhe suficiente estímulo, sua esposa acabaria por aceitar seu destino. Alec o tinha aceitado. Sem dúvida, Deus devia ter mandado Jamie ele mesmo, pois, se um ano atrás, alguém lhe houvesse dito que amaria uma mulher teimosa, de gênio ruim e inglesa, primeiro Alec haveria rido e logo teria esmagado o insolente que sugerisse semelhante idéia. Teria que dizer a ela que a amava, pensou Alec, deixando de franzir o cenho. ―Sim, esta noite o direi‖, decidiu. ―Em gaélico, só para contrariá-la‖. —Alec, esta noite terá que falar comigo outra vez? —perguntou Angus, interrompendo os pensamentos de seu senhor. —Não, Angus. Leve Elizabeth para casa. Amanhã voltaremos a falar a respeito de nossos planos. Antes de interrogar Alec, Gavin esperou que Angus saísse com Elizabeth pois, embora soubesse que a mulher não repetiria nada do que ouvisse, não queria angustiá-la. — Quais são seus planos, Alec? Sabe quem tentou matar Jamie? — Não está nos incluindo na discussão? —perguntou Marcos. — Marcus, pare de franzir a testa — disse Alec—. Ainda não tive tempo de incluí-los. Você conferiu os quartos de dormir, não, Gavin? O soldado fez que sim. — E vigiei a porta. Edith aguarda noquarto de Mary, pois quer que Jamie lhe
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dê permissão para dormir com a menina, se ela por acaso acorda durante a noite. — Os soldados ainda montam guarda sob sua janela, milorde —afirmou Marcus. — Ponha mais dois ao pé da escada, Marcus. Ninguém sobe por ela. — Sabe quem é? —perguntou outra vez Gavin. — Tenho quase certeza que sim — respondeu Alec, com expressão sombria—. Amanhã colocaremos a armadilha. Estive olhando na direção errado e, se estiver certo agora, quando isto terminar, o padre Murdock terá que benzer a sepultura de Helena. —Não entendo — murmurou Marcus. —Se não me engano — repetiu Alec — Helena não se suicidou: foi assassinada.
Ele a vigia como a seu tesouro mais prezado. Que imbecil! Ele realmente acredita que poderá me deter? Sou muito audaz para esse Kincaid. Chegou a hora de desafiá-lo mais uma vez. Amanhã matarei a cadela. A criança ficará para depois... Só se pode gozar um prazer de cada vez. Que Deus me dê forças para esconder minha alegria!
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Capítulo dezesseis Quando por fim Alec foi deitar-se, Jamie estava profundamente adormecida. Parecia bela para ele, e também em paz. Ele realmente não deveria acordá-la, pensava, mesmo enquanto afastava as cobertas, estendia-se ao seu lado e a puxava para seus braços. Jamie resmungou no sono, e passou uma das pernas esbeltas sobre a coxa de Alec. Ela o infernizava até enquanto dormia, pois enquanto ele percorria com os dedos suas costas, Jamie balbuciou algo que não entendeu, mas que soava como ―vergonhoso‖, e logo lhe deu uma palmada, afastando sua mão e se voltando para deitar de costas. Isso não o intimidou. Jamie tinha a camisola erguida até as coxas e, à luz suave das velas, sua pele tinha reflexos dourados. Suas pernas estavam enredadas entre as roupas da cama. Alec empurrou as roupas de cama com um pé antes de agarrá-la com uma das coxas. Em poucos instantes, tirou-lhe a camisola e sorriu, para ouvir os murmúrios de protesto que provocou. Até adormecida ela se mostrava zangada. Ele tirou o cabelo de Jamie do caminho, percorrendo os fios sedosos perfumados de rosa com os dedos, enquanto esfregava o nariz no pescoço dela. Jamie suspirou de prazer e Alec rgueu a cabeça para olhar para ela. Sorriu, ao ver que nesse instante já não parecia tão irritada. Beijou com suavidade seus lábios entreabertos, o centro do queixo, outra vez o pescoço e começou a descer para beijar a pele arrepiada de seu seio. Despertando com seus próprios estremecimentos que, certamente, não eram de frio. Jamie se sentia cada vez mais quente... com cada beijo. Alec lhe acariciava
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os seios com as mãos, a boca, a língua. Pensou extasiada: ―ele é um amante tão gentil comigo!‖ Ele podia fazê-la derreter entre seus braços! A mão de Alec riscou um círculo em volto do umbigo de Jamie e começou a descer até que seus dedos acariciaram os cachos suaves entre as coxas. O corpo de Jamie já estava pronto para ele. Ela estava quente, úmida, e seus doces gemidos indicavam que o desejava tanto como ele a ela. Acariciou-lhe o estômago com a língua. A mulher se agarrou a ele e, quando já não pôde suportar esse delicioso tormento, puxou-o pelo cabelo. — Jamie, desejo tanto possuí-la que dói —murmurou Alec. — Possua-me agora, Alec —sussurrou a jovem—. Não me faça esperar mais. Quero... O rogo se converteu em um gemido de prazer quando os dedos de Alec penetraram nela. Arqueou-se contra ele e, ao mesmo tempo, tentou afastar a mão. — Marido, não me atormente mais. Venha para mim, agora. Estendeu as mãos para apanhar o membro de Alec. — Dois podem jogar este jogo — disse em um sussurro rouco, carregado de promessas. No fundo da garganta de Alec ressonou um grunhido, e ele a empurrou. — Esta noite, não pode — murmurou o homem —. Não posso agüentar muito mais, Jamie. Colocou-se entre as pernas da mulher, segurou-lhe as coxas e a penetrou em um impulso vigoroso. Jamie gritou, extasiada. Imediatamente, Alec ficou imóvel sem sair de dentro de Jamie. — Eu a machuquei, meu amor? —perguntou, aflito.
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— Não — assegurou Jamie com um gemido baixo —. Não me machucou. — Estou sendo muito rude — sussurrou ele, ainda não convencido de que não a havia machucado. Tentou recuar, retirar-se de dentro dela, mas as pernas de Jamie o apanharam em um apertão que não permitia retirada. — Não se atreva a parar agora! — ela sussurrou. —Vou morrer, se você parar! — Eu também, Jamie! — ele admitiu, ofegante—. Eu também. — Ele podia ter sorrido, mas não tinha muita certeza. Embora seu próprio corpo lhe exigisse alívio, estava resolvido a dar prazer primeiro a Jamie. Enquanto a penetrava cada vez mais profundamente, Alec apanhou a boca de Jamie em um beijo arrasador. O corpo da mulher se acomodava ao do marido por completo, apertado, maravilhoso. Alec quis que o fogo de Jamie o consumisse, sem deixar de assombrar-se pela facilidade que ela tinha para fazê-lo arder, e desejar sempre mais, cada vez mais. Jamie se sentiu como se Alec a transportasse às estrelas. Entregou-se à maravilhosa
sensação,
agarrada
ao
homem
que
amava,
compartilhando
esse
esplendor que só ele podia dar-lhe. No instante em que Alec percebeu os primeiros estremecimentos do clímax de Jamie, em um último impulso derramou nela sua semente cálida. Ele não sabia quanto tempo havia passado. Soube que não queria deixá-la nunca, e quando por fim se aquietaram um pouco as batidas do coração e o ritmo da respiração, lembrou-se que queria lhe dizer que a amava. — Esposa, você fica cada vez melhor — murmurou, enquanto girava para deitar-se de lado. Jamie rolou junto com ele, acomodou a cabeça sob o queixo do marido e sorriu, captando a burla no suave acento escocês de Alec. — Você disse que melhoraria com a prática — lembrou —. Não pensei que praticaríamos com tanta freqüência. Alec compreendeu que Jamie se mostrava arrogantemente satisfeita consigo
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mesma. Sorriu com a boca apoiada sobre a cabeça da mulher e murmurou em gaélico: — Eu sei que não entende o que digo, Jamie, mas preciso lhe dizer isso em meu próprio idioma: moça, amo você com todo o meu ser. Sentiu que Jamie ficava tensa enquanto o escutava, mas, quando tentou afastar-se, segurou-a: — Amo-a, porque é gentil, amorosa e carinhosa. Moça, você tem um coração de ouro. Jamie sentiu que se derretia. — Mas, acima de tudo, amo-a porque é uma pessoa em que posso confiar. Sim —adicionou, ao sentir que ficava rígida outra vez—, jamais poderia amar uma mulher que tentasse enganar-me, mas em você tenho confiança absoluta. Ele achou que Jamie se convertia em pedra e teve que apelar a toda sua força de vontade para não rir. — Boa noite, Jamie — ele murmurou em inglês. — O que me disse? —perguntou Jamie, fingindo desinteresse. — Acabo de dizer ―boa noite‖ — respondeu Alec, arrastando as palavras. — Antes disso — insistiu Jamie com voz tremente. — Nada importante — replicou Alec. Jamie se afastou para que Alec pudesse ver sua expressão frustrada. — Falou a sério o que quer que tenha dito? O marido respondeu encolhendo-se de ombros, e Jamie esteve a ponto de explodir, mas já havia resolvido dar a Alec uma boa surpresa no dia seguinte. Ela se ajoelharia diante de Edgar e pronunciaria o voto de lealdade em gaélico. Não permitiria que Alec estragasse a surpresa. Era isso, sim, mas também havia o fato de ele ter dito que a amava porque confiava nela.
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Estava presa em sua própria armadilha! Por que de repente tinha a sensação de que Alec já sabia? Foi pelo modo que seus os olhos faiscavam. — Por que me olha desse jeito? — perguntou Jamie. — Porque tem uma expressão como se quisesse resolver sozinha os muitos problemas da Inglaterra. — Só pensava em um pequeno problema que preciso resolver — admitiu a moça. — Diga-me do que se trata. Jamie negou com a cabeça. — Amanhã o solucionarei, Alec. Afinal de contas, é meu problema e eu me encarregarei dele. Confie em mim sobre isso. — Oh, eu confio em você, esposa! — Mesmo? — perguntou Jamie, muito satisfeita. — Claro que sim. A honestidade e a verdade são como a mão direita e a esquerda: as duas são importantes... Agora, me diga, do que se trata? — perguntou-lhe, contendo o riso —. Está franzindo a testa de novo. Nesse instante decidiu que, por uma noite, já a havia provocado o bastante. — É tarde, Jamie — disse, abraçando-a outra vez —. Depois de um dia tão longo, deve estar esgotada. Este não é o momento de resolver problemas. Você deveria... —Dormir — interrompeu a jovem, suspirando. — Não — retrucou Alec—. Deveria agradar seu marido. — Acabo de agradá-lo, não? — Ainda tem que fazer direito, mulher. — deitou-a de costas.— Mas você tem a sorte de ter um marido paciente. — O que tenho é um marido insaciável, Kincaid. Sabe quantas vezes nós já...?
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— Também tenho que manter a contabilidade das vezes que fazemos amor? Jamie só teve tempo de rodeá-lo com os braços antes que Alec lhe interrompesse a risada com um beijo prolongado. Fizeram amor lenta e docemente, e o tempo todo Jamie continuava ouvindo a confissão de amor de Alec. ―Amanhã‖, ela prometeu, ―amanhã lhe farei meu juramento em gaélico‖. Caiu adormecida antes que Alec saísse de cima dela. Alec estendeu o manto sobre os dois e, poucos instantes depois, também dormia profundamente. Ele acordou apenas uma vez, no transcurso da breve noite, quando a porta se abriu. Ele estava procurando a espada quando viu que era Mary Kathleen que corria para a cama. Primeiro ela foi para o lado da cama onde estava Jamie. — Não perturbe sua mãe — murmurou Alec —. Diga-me o que há, Mary. Uniu à ordem o sinal de que se aproximasse e Mary obedeceu. A menina tinha uma expressão solene e, quando se aproximou dela, Alec viu o medo refletido em seus olhos. — Qual é o problema? —perguntou-lhe. Mary segurava a barra da camisola. —Estou molhada — disse. As lágrimas se amontoaram em seus olhos e começaram a rolar por suas bochechas. Alec tirou-lhe a camisola por cima da cabeça e a jogou no chão. —Você já não está mais molhada — garantiu. Ao ouvir a voz de Mary, Jamie despertou, mas fingiu estar adormecida, pois sabia como o marido se aborrecia com as mulheres choronas. Não, não queria que Alec visse que tinha os olhos cheios de lágrimas. Ele não entenderia o imenso amor por ele, que a sufocava ao ver o jeito com que pegava a menina no colo e a
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embalava. Fechou os olhos quando Alec levantou-se e foi com a menina adormecida até a porta e a entregou a um dos soldados. Quase gritou com ele que quem tinha que levar a menina para a cama era o pai, e não um dos soldados, mas lembrou a tempo que o marido estava tão nu quanto veio ao mundo, e certamente se Edith despertasse e o visse, morreria de vergonha. Tal cena lhe parecia tão divertida que teve que ficar de barriga para baixo para abafar a risada. Alec voltou para a cama, apertou-a contra o quadril e, antes que Jamie pudesse acomodar-se, estava roncando. O suave suspiro de satisfação de Jamie vibrou no ar. Ela mal podia esperar até a manhã. O dia seguinte seria glorioso. Foi o pior dia de sua vida. Claro que começou muito bem. Em menos de duas horas, Jamie e Edith deixaram o salão como se fosse um palácio. Sobre as mesas, luziam flores frescas, o chão estava coberto com juncos recém-cortados e a cadeira alta em forma de caixa, em que se sentaria o rei Edgar, brilhava imaculada. Contudo, Gavin e Marcus irritavam Jamie. A cada vez movimento seu, um dos dois grandalhões lhe barrava o caminho. — Vocês não têm algo para fazer? — perguntava Jamie. Mas nenhum deles captava a sutileza. — É nosso dia de folga — explicava Gavin. Jamie não acreditava nele. Nem em Marcus. — Mas, por que me seguem por todos lados? — insistia ela. Quando Mary Kathleen apareceu e puxou a saia de Jamie, os soldados evitaram ter que inventar uma mentira. A menina estava vestida num traje Kincaid. A peça vinha da família do ferreiro, e ficava bem em Mary. Jamie pegou sua
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filha no colo, deu-lhe um beijo breve e lhe sussurrou frases carinhosas em gaélico. — Posso levar Mary comigo à cabana de Frances? — disse Edith. — Frances? — A esposa do ferreiro — esclareceu Edith —. Ela tem vários pares de sapatos que poderia experimentar em Mary. — Não deixe de agradecer a Frances em meu nome — disse Jamie. Edith abanou a cabeça. — Ela se ofenderia. Tem a obrigação de ajudar. Essa afirmação deixou Jamie desconcertada. Entregou a Mary a Edith, coisa nada fácil pois a menina queria ficar com ela. Edith explicou a sua sobrinha o que elas iam fazer e, por fim, convenceu-a. —Direi a Frances que está contente com ela — disse Edith sobre o ombro. Ao voltar-se, chocou-se com Marcus. —Não posso evitar perguntar-me por que estão me rondando —disse, sem ocultar a irritação—. E o que fazem esses soldados vagabundeando pelo andar de cima? Por acaso não têm outras coisas para ocupar-se? Marcus negou com a cabeça. — Eles têm o dia livre — assegurou. Nesse preciso momento, Alec entrou no salão, ouviu-o e viu o semblante incrédulo de sua esposa. — Jamie, o clã está subindo as últimas colinas e chegará em poucos minutos. Alguns membros do clã Harold vêm com eles. Quero que você... — Estamos recebendo convidados agora? — gritou Jamie. — Estamos —afirmou Alec. Alec não sabia que sua esposa era capaz de mover-se a tal velocidade, e estendeu o braço para segurá-la quando passava correndo por ele. Ele a puxou para
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seus braços e a obrigou a olhá-lo. Jamie parecia muito aflita e Alec não pôde resistir. Inclinou-se e lhe beijou a testa enrugada. Ainda era nova para ele uma manifestação espontânea de afeto, mas descobriu que gostava muito disso e a beijou outra vez. — Eu não gosto de vê-la carrancuda — sussurrou —. Está preocupada de novo? Jamie moveu a cabeça. — Preciso trocar o vestido —afirmou. — Por que? Não tem a menor importância se sua roupinha inglesa está suja. De qualquer maneira, eles a odiarão tanto como eu. Jamie não respondeu, mas Alec viu que estava mais surpresa que irritada. A reação da esposa o intrigou. Beijou-a outra vez, com um beijo longo e úmido na doce boca, e quando ela lhe rodeou a cintura com os braços, moveu a língua dentro dela e lhe roçou o céu-da-boca. Quando por fim o beijo terminou, Jamie parecia aturdida. Em gaélico, Alec repetiu que a amava, afastou-lhe as mãos e desceu os três degraus que levavam ao salão. Fez um gesto para que Gavin e Marcus se aproximassem da mesa. Reparou que Jamie estava apoiada contra a arcada, contemplando-o. — Não queria trocar de roupa? —perguntou-lhe em voz alta. Jamie se separou da parede e correu escada acima. Seus murmúrios chegavam até onde Alec estava. Ele sorria. ―Este homem é capaz de me fazer esquecer meus deveres com muita facilidade‖, pensou Jamie. ―Quando me beija, a única coisa que posso pensar é em beijá-lo também‖. Teve que se forçar a tirá-lo da cabeça. Afinal, tinha que se ocupar de preparar a surpresa, e não queria estragar tudo deixando que Alec roubasse sua determinação.
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Esticou as mantas da cama, e vestiu uma camisa de cor creme, longa até os tornozelos. As duas tarefas não levaram mais que dois minutos, mas as dobras do manto foram outra história. A peça de tecido media mais ou menos três metros e meio de comprimento, depois de ela ter cortado quase um terço do comprimento original. Era estreito, o que deveria ter facilitado as coisas, mas por mais que se esforçasse, ela não conseguia ajustá-lo como devia. Desesperada, ela abriu a porta e ordenou a um dos soldados que fosse procurar o padre Murdock. Pouco depois chegou o sacerdote. Ela abriu a porta ao ouvir a tímida batida, arrastou-o para dentro do quarto e bateu a porta ao fechá-la. Alec tinha ouvido o padre subir com dificuldade a escada e, quando viu que Jamie o fazia entrar no dormitório, ergueu uma sobrancelha perguntando-se para que Jamie precisaria de Murdock. Logo se esqueceu do assunto. Entretanto, seguiu vigiando a porta. Quando esta por fim se abriu e Murdock saiu, Alec viu que o sacerdote ostentava um amplo sorriso em seu rosto. — Padre Murdock? O que você fazia em meu dormitório? —gritou. O ancião não respondeu até chegar junto de Alec. — Estava ajudando sua esposa —respondeu por fim. — Em que? — Não posso lhe dizer — afirmou o padre Murdock. Nem o semblante sério de Alec o fez abandonar o sorriso, e adicionou: — Ela quer fazer-lhe uma pequena surpresa, Alec. Deixe-a. Não quererá ferir os sentimentos de sua esposa estragando a surpresa, não? — Então você também se preocupa em não ferir os sentimentos de Jamie! — respondeu
Alec
secamente
—.
Ao
que
parece,
todos
sofremos
da
mesma
enfermidade. —Lançou um olhar a Marcus e logo se voltou para incluir Gavin.
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Nesse momento, abriu-se a porta do quarto e toda a atenção de Alec se voltou para lá. Alec sequer reparou que ficava de pé. Contemplou a visão que se abria passo entre os soldados sorridentes, sentindo que um orgulho incrível quase lhe roubava o fôlego. Jamie estava vestindo o manto dos Kincaid. E Alec estava tão contente que sequer podia falar. ―Já era hora‖, disse-se uma e outra vez. — Ela não podia ajeitar as dobras. Inclusive, ela tentou fazer as pregas com o tecido no chão e rolar sobre ele para vesti-lo. Até decidir me pedir ajuda, ela testou maneiras de arrumar as dobras do manto que eu nunca ouvi mencionar. — E por isso a ajudou — interveio Gavin, aprovando. — Elogiou-me pela rapidez de minhas mãos —murmurou o sacerdote, que também observava Jamie descendo as escadas—. Caramba, é uma moça bonita! Jamie era consciente de que a atenção de todos os homens estava fixa nela. Manteve os ombros erguidos e as mãos aos lados, para evitar que alguma das dobras presas pelo cinturão pudesse soltassem por acidente. Ao chegar aos degraus que levavam ao salão, dirigiu ao marido uma reverência formal. Alec quis beijá-la outra vez. Até quis lhe dizer como estava orgulhoso de que ela fosse sua mulher. Quando ele fez menção de ir até ela, Jamie ergueu com cuidado a barra do vestido e caminhou para Alec. O homem fez gesto de abraçá-la, mas Jamie moveu a cabeça e deu um passo atrás. — Não me toque, Alec. — O que? — Nem levante a voz — respondeu Jamie, carrancuda—. Pode manifestar sua satisfação sem se mover de onde está. Não quero que amasse meu manto antes que o rei chegue, e isso é tudo.
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Já não parecia tão satisfeito. — Está contente comigo, não, marido? — Muito. — E? — ela insistiu, esperando que a elogiasse um pouco mais. — E o que? Jamie riu. Era óbvio que Alec não era muito pródigo em elogios. Inclusive não parecia saber que devia elogiar, de vez em quando. — Não importa —replicou Jamie, dando de ombros, até que se lembrou das dobras. Uma olhadinha rápida e comprovou que não tinha causado nenhum dano—. Nunca aprenderei a fazê-lo —assinalou. —Praticaremos isso também — prometeu Alec. Quando o padre Murdock perguntou o que mais eles praticavam, Jamie começou a ruborizar-se. — Talvez possa lhes oferecer minha experiência — ofereceu, ansioso. — É uma questão particular —resmungou Jamie—. Não podemos usar sua ajuda, padre, mas, de todos os modos, agradeço-lhe o oferecimento. O sorriso endiabrado de Alec se alargou. — Venha comigo, Jamie. Os visitantes esperam lá fora para conhecê-la. — Um de seus hóspedes já está dentro — disse um estranho, da entrada. Jamie se voltou para conhecer o convidado, mas logo decidiu que deveria estar junto a seu marido quando a apresentassem. Aproximou-se de Alec e mereceu um imediato gesto de aprovação. Alec passou o braço pelos ombros e o gesto possessivo a assombrou tanto quanto a forte pressão do braço. —Tome cuidado com as dobras da roupa — sussurrou Jamie. Mas Alec não lhe dava a menor atenção. Tinha o olhar fixo em um homem que
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se aproximava deles e sua expressão sombria demonstrava que não sentia muita simpatia pelo indivíduo que ia apresentar. —Alec, estava impaciente por conhecer sua esposa, e tomei a liberdade de entrar. O braço de Alec ficou tenso sobre os ombros de Jamie. — Este é Justin, o filho do Harold. — É um prazer conhecê-lo — disse Jamie, sorrindo para convencer o sujeito de que ela era sincera. Mas não estava nada satisfeita. O homem loiro a examinava de um jeito que só devia ser permitido a um marido. Se fosse um homem maduro, sem dúvida a jovem lhe daria um corretivo, mas a ausência de cicatrizes nos braços e no rosto do rapaz indicava que ainda não havia se envolvido em batalhas. E certamente suas maneiras também precisavam de algumas lições. — Não tão grande quanto o meu, milady — replicou Justin. Ela aceitou o cumprimento com um gesto brusco da cabeça e lhe sugeriu em tom firme que voltasse para os outros. — Alec e eu logo nos reuniremos a vocês —prometeu. Justin cometeu a descortesia de ignorar a sugestão de Jamie e continuou contemplando-a com a boca aberta. — Você tem algo mais a me dizer? Justin pareceu embaraçado. — Não, milady. Só... só desfrutava do prazer de ouvir seu incomum sotaque — gaguejou. — É um sotaque inglês, Justin. E, para a maioria dos escoceses, é tão agradável quanto o som de uma unha arranhando uma placa de vidro. Marcus tossiu para ocultar a risada, e Gavin teve que dar as costas para que Justin não visse sua reação.
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Mas Justin não se deu por vencido. — Pelo que entendi, seu nome é Jamie — disse. — Sim. — É um belo nome. — É um nome de homem, e isso é tudo — cutucou Jamie, esforçando-se por controlar o gênio. Justin olhava para seu busto e ela tinha vontade de chutá-lo. Estava impaciente para livrar-se daquele jovem insolente. Perguntava-se por que Alec não notava a conduta vergonhosa do moço, e ergueu os olhos para ele. Alec sorria. Jamie se desconcertou. Naquele instante, Gavin os interrompeu para lembrá-los que as mesas estavam servidas no pátio. Alec assentiu. — Pode mandar os criados começarem a servir. Jamie e eu estaremos lá em uns minutos. Marcus, leve Justin com você, pois ele não pode sair daqui por seus próprios meios. A última parte foi dita em tom severo e Jamie pensou que, finalmente, Alec tinha percebido o modo lascivo como o convidado a encarava. Assim que Alec a deixou, a senhora foi para o biombo. No dia anterior tinha deixado a adaga sobre o baú e quis recolocá-la no cinturão para não esquecê-la. Justin tentou segui-la e, quando tentou tocá-la, Jamie lançou-lhe um olhar severo. Mas o rapaz era persistente. Embora fosse embaraçoso, pois os outros homens observavam, Jamie teve que lhe dar um tapinha na mão. — Por acaso, não é aparentado com o McPherson? —perguntou Jamie. — Não, lady Kincaid —respondeu Justin, perplexo —. Não somos parentes. Por que me pergunta isso? — Suas maneiras se parecem com as dele —respondeu a senhora do castelo. Viu que Justin não sabia como entender o comentário, porém Alec entendeu o
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insulto que ela fazia ao rapaz e sua gargalhada seguiu Jamie atrás do biombo. A adaga não estava onde Jamie achava havê-la deixado. Dedicou alguns minutos a procurá-la e depois desistiu. Quando de repente se virou e viu que Alec a observava, sobressaltou-se. — Você me assustou. Alec a estreitou entre os braços sem fazer caso dos rogos da jovem de que não lhe desarrumasse o manto. Ao contrário, levantou-a até que ficou à altura de seus olhos, e as bocas ficaram a um centimetro uma da outra. —Eu arrumarei seu manto — prometeu em um murmúrio rouco. Jamie enlaçou os dedos entre o cabelo de Alec e se inclinou lentamente para ele. Alec foi a seu encontro e sua boca pousou sobre a da mulher em atitude possessiva. A língua a penetrou. Queria arrasá-la, obrigá-la a abandonar toda resistência, mas ao sentir que a língua de Jamie acariciava a sua, compreendeu que não teria que convencê-la. O que ela queria era que a acalmasse. Um estremecimento percorreu-o e Jamie gemeu. Alec afastou os lábios dos seus, pois queria ver a paixão refletida nos olhos da mulher. —Está quente por mim, verdade, amor? —sussurrou. Jamie o atraiu para si, puxando-o pelos cabelos. Alec ouviu o gemido sensual e respondeu com um grunhido rouco. Silenciou os arquejos com outro beijo profundo e foi depositando uma fileira de beijos úmidos no pescoço da mulher. Com grande deleite, Alec lhe dizia o que queria que ela fizesse com aquela boca suave e úmida, como queria que o tomasse outra vez, como queria sentir como ela o agarrava tão apertadamente. E pelo prazer de confundi-la, falou-lhe em gaélico. Mas foi apanhado em seu próprio jogo, pois nesse momento a desejava tanto que já não podia deter-se. Levou-a para a cama. Devorou e arrasou a boca de Jamie sem deixá-la protestar contra suas evidentes intenções. Com o braço,
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amorteceu a queda dos dois sobre a cama. Com um movimento enérgico, separou-lhe as pernas e se colocou entre suas coxas. Rodeou-lhe o rosto com as mãos e apoiou contra ela o membro ereto. Ele já estava quase fora de controle. Jamie cravou as unhas nas costas dele e ergueu os joelhos para senti-lo mais perto de si. Alec colocou a língua até o fundo de sua garganta e começou a lhe tirar a roupa. De repente, Jamie ficou tensa. Começou a debater-se, empurrando-o pelos ombros com força surpreendente, enquanto afastava os lábios dos dele. Então, Alec também ouviu o ruído, embora vários minutos se passassem antes que pudesse lembrar-se da hora, de seus próprios deveres e dos convidados. Rosnando um palavrão, Alec ergueu a cabeça. Apoiou-se sobre os cotovelos e contemplou a tentadora mulher que estava esparramada sob dele. Tinha a aparência de ter sido totalmente desfrutada, e Alec fez um gesto de satisfação. Tinha os lábios um pouco inchados, demasiado tentadores para a paz do marido. Beijou-a outra vez, com um beijo duro e breve. —Jamie, sabe por que a beijei agora? A jovem balançou a cabeça. —Para lembrá-la a quem pertence. Os olhos de Jamie se arregalaram com o que ele dissera. Alec a ajudou a levantar-se e ajeitou-lhe as dobras do manto com incrível rapidez. Estava saindo quando Jamie o chamou. —Marido, sabe por que eu retribuí o beijo? A intenção da jovem era fazê-lo lembrar-se que também pertencia a ela, mas o arrogante não permitiu. —Porque você gostou. Entretanto, teve que admitir que o manto estava impecável. Ajeitou o cabelo, endireitou os ombros, e voltou para salão.
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— Jamie? — Sim, marido? — O padre Murdock a acompanhará até lá fora. Em uns instantes estarei com você. Alec esperou a que a esposa saísse do salão e logo fez um gesto aos soldados que ainda montavam guarda sob a escada. —Não a percam de vista — ordenou-lhes —. Fiquem a dez passos da senhora. Os dois soldados se precipitaram a cumprir a ordem. — Mandem Colin para cá — gritou Alec. — O segundo-em-comando de Harold está aqui, também? —perguntou Gavin. Alec fez um gesto afirmativo. — Ele tem novidades que quer compartilhar conosco. — Sua esposa não ficou muito impressionada com a bela aparência de Justin, não? — Nunca pensei que ela o acharia bonito —Alec mentiu. Alec pensou que Colin devia estar esperando do lado de fora da porta, pois já descia correndo os degraus do grande salão. Era evidente que o homem grisalho estava impaciente por transmitir a mensagem ao Kincaid. Para e Alec, o tempo voou. Entrou em um acalorado debate a respeito da possibilidade de unirem os clãs das Terras Altas. Kincaid insistia em que era impossível, e Colin, com o mesmo ardor, achava que era possível. Alec estaria maldito, pensou, se deixasse Colin abandonar o salão antes de ser convencido a mudar de idéia. Por outro lado, a mandíbula tensa de Colin indicava que seu objetivo, mudar a opinião do Kincaid, tampouco seria deixado de lado. Jamie entrou correndo no salão. Alec lhe deu uma olhada breve e voltou a concentrar-se no convidado.
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Quando sentiu que ela estava a seu lado, ergueu os olhos e a viu tão zangada que acreditou que era capaz de cuspir fogo. Olhou-a com expressão severa, indicando assim que não queria ser interrompido e se voltou para Colin. Mas a mulher não pensava deixar-se ignorar e tocou-lhe o antebraço. Dedicou um sorriso pouco convincente ao sujeito que conversava com seu marido e disse: —Por favor, me desculpem por interromper a discussão. Alec pensou que o aborrecimento da esposa se devia à sua natureza impaciente e respondeu imediatamente: — Esposa, terá que aguardar. — Alec, isto não pode esperar. — Você não é capaz de resolver o problema? — Eu não disse que não era capaz — ela argumentou. — Então, resolva-o. O tom do marido deixou Jamie furiosa, mas não tanto quanto o modo grosseiro com o qual ele a dispensou. Deu-lhe as costas e, com toda serenidade, pediu ao soldado que continuasse. Gavin e Marcus a olharam com simpatia, e Jamie os saudou com a cabeça ao voltar para a entrada. Alec deu uma espiada quando Jamie se deteve perto da arcada: estava observando as armas que penduravam de seus respectivos ganchos. Alec tentou concentrar-se por completo em Colin, mas se distraiu ao ver que Jamie se esticava e agarrava um enorme bastão. Sem dúvida, o peso da arma devia ser demais para ela, pois ela não conseguiu mantê-lo firme no agarre e o bastão golpeou o chão com um som retumbante. Contudo, ela estava decidida e sua conduta atraiu a atenção de todos. Enquanto a viam arrastar o bastão pelos degraus e através da entrada, ninguém disse uma palavra.
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Alec podia ouvi-la resmungar acima do ruído que o bastão fazia no chão de pedra. Continuou contemplando a entrada por muito tempo depois que Jamie se foi, perguntando-se para que sua delicada esposa necessitaria de um bastão. A resposta surgiu como um relâmpago: Justin! Alec saltou da cadeira com um rugido furioso, que quase abafou os gritos que chegavam do pátio. Alec correu para lá, seguido pelos três soldados, e a cena que se apresentou ante seus olhos o deixou tão atônito que se deteve de repente. O sacerdote estava de pé junto a Jamie com uma expressão de atônita incredulidade. Mas Jamie não olhava para ele, mas sim para o chão, observando carrancuda o filho do Harold. O futuro senhor estava estendido de barriga para baixo tentando, sem muito êxito, voltar a ficar de pé. — Se tentar tocar-me novamente, baterei com o dobro de força! —gritou Jamie—. Justin, antes que se levante, quero que me dê sua palavra. — Milady — interrompeu-a o padre Murdock, com voz estrangulada —. Ele não a entende... Jamie não o deixou terminar a frase. Presumia que o sacerdote queria dizerlhe que Justin não entendia inglês. — Oh, ele sabe bem porque o golpeei — afirmou, dessa vez em gaélico —. Ele entende. — Mas moça, Jamie...! —disse o pai Murdock, insistindo em explicar. — Atreve-se a me tocar? —perguntou Jamie, em tom colérico—. Sou a esposa de Alec Kincaid, seu tolo. E, por acaso, amo esse homem com uma paixão que você não é capaz sequer de imaginar. — Milady? — interrompeu-a Gavin. —Gavin, fique fora disso — ordenou Jamie, sem se atrever a desviar os olhos
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do soldado no chão nem a soltar a arma—. Alec me disse que resolvesse o problema, e não quero que você intervenha. Disse a Justin que voltaria com algo que lhe afrouxaria os joelhos, e foi o que fiz. — Ele não é Justin. A afirmação partiu de Alec. Estava tão perto que Jamie sentia o calor que irradiava. — Alec, não é momento para brincadeiras — disse, e logo se voltou—. Este rapaz desavergonhado, mal-educado, agarrou-me e se atreveu a me beijar. Olhe só como ele deixou meu manto! —adicionou, girando para mostrá-lo. — Você bateu em Philip —disse Alec—. Não em Justin. — Não. Ele é... — O irmão de Justin. — Philip? Alec assentiu lentamente. Ele não parecia estar brincando. Imediatamente, Jamie sentiu que se formava um nó em seu estômago. — Não entendo, Alec —murmurou—. Ele parece... — Eles são gêmeos. — Oh, Deus, gêmeos não. Alec assentiu outra vez. — Idênticos. A jovem estava horrorizada. Além disso, reuniu-se uma multidão, fazendo mais intensa a humilhação. — Maldição! —murmurou, em um tom alto o bastante para que Alec ouvisse—. Por que não me avisou? Machuquei o homem errado. Imediatamente, deixou a arma cair e tentou ajudar sua vítima a levantar-se, para não ter mais que olhar a expressão sombria do marido. Mas Philip recusou a
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ajuda de Jamie. Era evidente que o pobre moço achava que ela era louca. — Lamento havê-lo golpeado, Philip, mas ninguém teve a idéia de me informar que você tinha um irmão gêmeo, sabe? —adicionou, lançando a seu marido um olhar significativo—. Alec, vou comprar-lhe outra indulgência por esse pecado. —
A
senhora
não
quis
me
bater?
—perguntou
Philip,
enquanto
seguia
retrocedendo. Jamie estava cansada de persegui-lo. — Se ficar quieto uns momentos, tentarei explicar-lhe o que aconteceu — prometeu. Philip a olhou, suspeitoso, mas afinal se deteve. — É verdade, não queria bater em você — repetiu ela —. Nem o conheço, senhor. Por que razão quereria prejudicá-lo? Suas palavras pareceram acalmar o jovem, mas ele desistiu da decisão de perdoá-la quando Jamie adicionou em tom indiferente: — Eu queria derrubar seu irmão, é obvio. — É óbvio? Iria bater em Justin? —Philip gritava de novo. Na verdade, pensava dar várias pauladas em Justin, mas sabia que não era conveniente contar isso ao irmão. Pela expressão de Philip, via-se que não o agradaria. Era evidente que não sabia que Justin era um garoto mimado. Protegiao, e Jamie não podia deixar de admirar essa atitude, embora a julgasse equivocada. Resolveu ser diplomática. —Sim, ia bater em seu irmão, Philip. Sem dúvida a estas alturas você já sabe que ele tem as maneiras de um porco. —Tragam Justin a mim—rugiu Alec, atraindo a atenção de Jamie outra vez.
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—Alec, você me disse que me ocupasse do assunto, e eu gostaria de... —Eu me encarregarei —a interrompeu Alec. — Como? —perguntou Jamie, aflita pela expressão no rosto dele.
— Você não
vai machucar o garoto de verdade, vai, marido? — Ele a tocou, Jamie? —Bom, sim —respondeu a jovem, antes de ver como o marido estava furioso—. Mas foi quase nada, Alec. Um abraço rápido e um beijinho... — Eu vou matar o bastardo —interrompeu-a Alec, sem gritar, mas com um tom que fez Jamie estremecer. Jamie começou a retorcer as dobras do manto. Instantes depois, ela se encontrava na mais absurda das situações: de pé diante de Justin, defendendo a vida do garoto. — Alec, ele é apenas um menino! Os Kincaid não matam crianças. Justin, fique calado —ordenou, ao ver que ele tentou protestar contra sua escolha de palavras—. Você é um menino, pois do contrário não teria feito algo tão ridículo como desafiar Alec. Por favor, Alec, deixa-o viver o tempo suficiente para que aprenda a se comportar! Ela parecia a ponto de chorar, e isso convenceu Alec. Por fim, ele fez um gesto afirmativo. O alívio fez Jamie relaxar, mas o sentimento não foi duradouro. Assim que se separou de Justin, Alec se adiantou e, antes que pudesse detê-lo, ergueu o rapaz e o lançou pelo ar como uma flecha. Justin aterrissou de costas em meio a uma nuvem de pó. —Alec, você prometeu! —Não o matarei, amor —respondeu Alec—. Só lhe darei alguns golpes para lhe ensinar boas maneiras. Essa espantosa afirmação levantou um clamor de aprovação. Jamie notou que o
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próprio Colin concordava. —Alec, se você o moer de pancadas, eu terei que passar o resto do dia fazendo curativos nele. Por acaso estragaria meu dia, me obrigando a permanecer junto a Justin? Nesse instante, Alec segurava Justin pelo cangote. Sustentou-o no ar, mas olhou para Jamie e perguntou: —Dizia a verdade, Jamie? —Sobre o que? —perguntou a jovem, pensando por que diabos Alec estaria sorrindo agora. —Sobre me amar. Jamie de repente deu-se conta de que estavam falando em gaélico. —Estragou minha surpresa —disse a Justin, sem se importar que o rapaz mal pudesse respirar, e muito menos se desculpar. — Proclamou seu amor diante de todos! Agora não negue —exigiu Alec. — Antes, solte o rapaz —repôs Jamie. — Não, antes me responda. — Sim, amo você! Então, está contente? Com um rápido gesto do pulso, o homem jogou Justin ao chão, mas essa demonstração de força não inquietou Jamie. Na verdade, era bem o contrário. Não apenas gostava da sensação causada por essa força, mas também dependia dela. Jamie sorriu para Alec, por finalmente ter compreendido isso. —Estou muito feliz —afirmou Alec. —Asseguro-lhes que Justin não a tocou —gritou Philip, atraindo a atenção geral. Jamie sufocou uma exclamação e voltou a agarrar o bastão. Alec a ergueu contra seu flanco. O resto das dobras desapareceu. Se Jamie
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não o segurasse, o manto haveria caído. — Alguém mais viu o ataque? —perguntou Alec aos presentes. Os dois soldados aos que havia ordenado que seguissem Jamie adiantaram-se. —Nós fomos testemunhas —afirmou um deles. —E nenhum dos dois interveio? —perguntou Alec, com semblante severo. —Íamos interferir —disse o mais jovem—. Mas você nos ordenou que nos mantivéssemos a dez passos de sua esposa, para que ela não soubesse que a seguíamos, e quando quisemos correr até ela, já era tarde. —Alec, por que fez que me seguissem...? Jamie interrompeu a pergunta ao sentir que seu marido apertava seus ombros, compreendendo que não queria dar explicações naquele momento. —Eu vi como Justin a agarrava quando ela dobrava a esquina —continuou o primeiro soldado. —E? A mandíbula tensa de Alec manifestava uma fúria mal controlada. —Justin manifestou sua admiração por sua esposa —disse o soldado—. Ouvi que ele dizia que os olhos violeta de lady Kincaid afrouxavam seus joelhos. Tendo em conta que Harold é nosso aliado, pensei que um de nós teria que ir buscá-lo, mas... — Era seu aliado! —gritou Philip. —Philip, não se altere assim—interveio Jamie—. Eu só pretendia trazer Alec aqui fora para uma conversa séria com seu irmão—Ela deu uma olhada para o marido e disse—: Você estava ocupado. —E você usou o bastão. Jamie pensou ter percebido uma faísca de diversão nos olhos do marido, mas não estava segura. —Alec, o único modo que me ocorreu de obter que Justin me deixasse em paz
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foi prometer que lhe daria algo que na realidade lhe afrouxaria os joelhos. Foi um truque. O idiota acreditou que eu pretendia corresponder seus avanços, mas o que na realidade queria era você gritando com ele. É a pura verdade; sua voz é capaz de afrouxar os joelhos de qualquer um. —Degradou-me e humilhou meu irmão — declarou Philip, exigindo outra vez a atenção de Jamie. —Não —retrucou Jamie—. Vocês fizeram isso por si mesmos. Se o rubor de Philip aumentasse um pouco mais, sua pele se incendiaria! —Kincaid, meu pai saberá destes insultos, eu o asseguro. Os dois irmãos correram para os estábulos e o povo se afastou para lhes dar passagem. Colin, o soldado de confiança de Harold, não foi atrás dos jovens. Deteve-se junto de Alec. —Kincaid, quais são suas condições? —Ele tem uma semana. Colin assentiu. Quando o soldado partiu, Jamie perguntou a Alec: — Quem tem uma semana? — O pai de Justin. — O que se supõe que ele deve fazer durante essa semana? —perguntou, tentando entender. —Tentará apaziguar meu aborrecimento. —E se não conseguir? —Haverá guerra. Jamie sabia que essa palavra espantosa seria pronunciada, mas mesmo assim ficou atônita. De certo modo, era tudo culpa dela. Tinha que ser. O padre Murdock
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não era mentiroso, e havia-lhe dito no dia anterior que, para ele, a vida nas Terras Altas era aprazível. ―Até que eu cheguei‖, completou Jamie, para si mesma. Agora, por causa de sua intervenção com o garotinho doente, os Kincaid estavam em conflito com os McPherson, e faltava muito pouco para que tivessem que lutar contra os Ferguson porque, desde o momento em que dera abrigo a Mary, Daniel se mostrava frio como o gelo. E a todo isso se somava a preocupação com os parentes de Mary Kathleen. Era provável que nesse momento eles estivessem marchando para as terras dos Kincaid. E o pai de Justin acabava de se unir à lista de inimigos. Se as coisas seguiam por este rumo tão tortuoso, em uma semana não haveria sequer um guerreiro Kincaid vivo.
De repente, Jamie se sentiu derrotada. Pela primeira vez na vida sentia a necessidade de chorar com vontade. —Vou procurar Mary Kathleen —murmurou. —Está com Elizabeth. Ficará com o Angus e sua esposa até manhã à noite, Jamie. —Por que? —Não me questione. —Alec, não fale assim comigo—sussurrou Jamie—. Por que não posso ir procurar a nossa filha? Quero tê-la em meus braços. Ao perceber a aflição da esposa, Alec se explicou: —Se o fizer, estragará minha surpresa —disse, tratando de apaziguá-la, mas a reação de Jamie o surpreendeu. Seus olhos se encheram de lágrimas. —Eu tinha uma surpresa maravilhosa para você —gemeu. —Está arruinada, agora.
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O padre Murdock se adiantou e deu uma torpe palmadinha em seu ombro: —Vamos, moça! O dia ainda não terminou. O rei ainda... —É provável que não venha —interveio Gavin, acreditando que isso agradaria à senhora, ao recordar como ela havia reagido ao saber da visita de Edgar. —Diabos! —exclamou Jamie—. Agora sim que tudo está arruinado de vez! Alec quis desmentir e acalmá-la quando Jamie se voltou para ele: — Onde está Edith? Quero lhe perguntar... —Ela e Annie estão recolhendo seus pertences. Marcus! —chamou Alec—. Será conveniente que você também prepare suas coisas. — Por que todos eles estão fazendo malas? —perguntou Jamie. —Eles estão partindo —afirmou Alec. — Para onde vão? —Marcus levará Edith e Annie ao feudo de Brack. São primos afastados — explicou Gavin. —Para fazer uma visita prolongada? —perguntou Jamie, secando os cantos dos olhos com o manto. —Não —respondeu Alec—. Elas vão viver com a família de Brack. — Por que? Não o entendo, Alec. Edith e eu certamente podemos ser boas amigas —disse—. E Annie é irmã de Helena. Não pode lhe dar as costas. Não reconsideraria essa decisão? —Não. O semblante de Alec parecia esculpido em pedra. Jamie se voltou para Marcus. —Você voltará, não é mesmo? Marcus assentiu e Jamie se dirigiu outra vez a Alec: —Vou entrar, agora. Se ordenar a alguém que me siga, voltarei a usar o bastão. Quero ficar sozinha alguns minutos.
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Alec sabia que ela estaria a salvo, e aceitou. Por outro lado, Jamie, sem esperar sua aprovação, já subia os degraus da entrada. —Há convidados esperando no salão —ele gritou. A porta se fechou de um golpe cobrindo suas palavras, e Alec suspirou. Voltouse para os soldados e deu-lhes novas instruções, apressado para ir atrás de Jamie. Parecia tão abatida. Alec também se sentia pesaroso pelas lágrimas que viu nos olhos da esposa. Possivelmente ela se sentiria melhor depois que ele lhe acomodasse as dobras do manto. Quem sabe depois poderia insistir para que ela lhe dissesse outra vez que o amava. Jamie viu que junto à entrada havia quatro soldados fornidos, e os mantos xadrez que vestiam indicavam que pertenciam a outro clã. Ela notou que havia um quinto soldado, de pé junto à lareira, que indicou aos outros que abrissem caminho para ela. Voltou-se para o homem e lhe fez uma breve reverência. Imediatamente, o soldado lhe fez um gesto bastante altivo com a mão, indicando que se aproximasse. Naquele momento Jamie não tinha vontade de conversar, mas as boas maneiras a obrigavam a, pelo menos, apresentar-se. Desceu depressa os degraus, segurando o manto na cintura. Estava decidida a encerrar o irritante assunto o quanto antes possível. Logo, poderia enfim subir ao dormitório e chorar à vontade. O soldado mais velho, de cabelos grisalhos, já estava à vontade. Tinha em uma mão uma taça de vinho e uma grossa fatia de queijo na outra. Quando Jamie estava a menos de meio metro dele, o homem se afastou do mantel da lareira. A jovem forçou um sorriso e, quando tentou pela segunda vez uma reverência adequada, o manto caiu ao chão. Foi a gota que transbordou o copo. As lágrimas começaram a rolar por suas faces; ela se abaixou e recolheu o objeto. Talvez ela tivesse conseguido controlar-se se o soldado não tivesse tido uma expressão tão simpática e amável.
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—Querida senhora, o que a aflige? Diabos, a voz desse homem também era amável! Seus olhos irradiavam compaixão e, pela idade, fez-lhe recordar seu pai, coisa que apenas piorou o ânimo de Jamie. Já não se sentia apenas desventurada, mas também com saudade de casa. —Não acredito que seja algo tão terrível —adicionou o soldado. —Sem dúvida, se você soubesse os problemas que já causei aos Kincaid, também choraria —resmungou a jovem—. Provoquei tantas guerras que mal posso contá-las. Ao ouvi-la, o soldado adquiriu uma expressão assombrada. Jamie confirmou com um gesto de assentimento. —Estou lhe dizendo a verdade. É inútil tentar esconder, pois se inteirará da confusão antes do final de sua visita. Se eu fosse covarde, meter-me-ia na cama e não sairia de lá pelo resto de meus dias. —Possivelmente eu possa ajudá-la. —Ninguém pode me ajudar, exceto o rei, claro, mas quando ele souber disto, provavelmente mandará que me chicoteiem. Em sua pressa por explicar-se, Jamie gaguejava. —Eu tentava fazer o que era certo, sabe? Só que tudo o que na Inglaterra é certo, aqui não é. Não se pode dizer obrigado, porque tomarão como um insulto. Não se pode salvar a vida de um garotinho porque eles supõem que você o seqüestrou. Não se pode... —Devagar, querida senhora —pediu o soldado—. Comece do começo. Quando falar de suas preocupações, vai se sentir melhor e eu desejo mesmo ajudá-la. Tenho bastante influencia aqui. Parecia sincero. —Não sei por onde começar esta lamentável confissão —admitiu Jamie. —Comece com a primeira guerra —sugeriu o homem.
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Jamie concordou. —Provoquei uma guerra com os McPherson porque atendi o filho do lorde, que estava morrendo. Quando o menino melhorou, seu pai veio buscá-lo e me acusou de havê-lo raptado. O soldado lhe dirigiu uma expressão de simpatia. —É obvio que não seqüestrei o pequeno. Ao contrário, salvei-o da morte certa. Qualquer um pensaria que o pai seria grato. —É verdade —respondeu o homem. —Não foi assim. Disse-a ele que era um porco. —O senhor? —Não, acho que eu o chamei de cabra. —Jamie encolheu os ombros.— Agora não importa. Ele voltou para casa enfurecido e agora os Kincaid não podem aproximar-se de suas terras. Tampouco podemos ir ao feudo de Ferguson, porque eu dei refúgio à esposa de Daniel. —Entendo. —É obvio, Daniel estava furioso. —É obvio —disse o soldado—.Daniel também ameaçou com a guerra? —Não, mas pretende fazê-lo. Se Daniel não tratar melhor a minha irmã, contarei ao rei que ele tem um temperamento irritável. —O que acha que o rei fará? —É muito provável que tenha uma conversa severa com Daniel. Fará com que se ocupe de seus deveres para com sua esposa. —Isso significa que você tem uma fé absoluta no rei Edgar? — Oh, sim! —apressou-se a exclamar Jamie—. Claro que não o conheço, mas Alec não poderia ser leal a um rei que não fosse bom. —Concluiu a afirmação com um rápido encolher de ombros.
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O soldado sorriu. —Entretanto, deve ter ouvido histórias maravilhosas a respeito de Edgar — insistiu. — Céus, não! —repôs Jamie. Enxugou-se as faces com o manto e adicionou: — Ouvi dizer que é um monstro. A reação do estranho indicou que o comentário não tinha agradado. —É obvio que escutei isso quando estava na Inglaterra —prosseguiu a jovem—. Agora sei que os rumores não eram verdadeiros. Alec não entregaria sua lealdade a um monstro. —De modo que você é leal aos Kincaid, não é? —A Alec e também a Edgar —esclareceu Jamie, imaginando por que o soldado insistia em seguir com esse assunto—. Até posso entender por que Edgar quererá me estrangular quando souber dos problemas que causei. —Estou certo de que ele será muito compreensivo. —Senhor, ninguém é tão compreensivo. Também provoquei uma guerra com a família de Mary Kathleen. A menina tinha sido espancada: agora é de Alec e minha. Meu marido está certo de que Edgar nos apoiará. — Quem é essa Mary Kathleen? —A filha de Helena. — Ela foi maltratada? —E como foi! —exclamou Jamie—. É só uma garotinha —continuou—. Não podia defender-se. Gavin disse que Kevin, o pai sangüíneo, se reviraria na tumba. —O rei os apoiará —afirmou o soldado—. E agora, por favor, conte-me o que era esse alvoroço que havia lá fora quando eu cheguei. —Justin me agarrou e me beijou. E, certamente, eu tinha que me desforrar; portanto, golpeei-o na parte de trás de suas pernas com um dos bastões de Alec.
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Semelhante confissão provocou uma expressão surpreendida no semblante do soldado. —Tenho certeza de que sua esposa teria feito o mesmo —continuou Jamie—. Nenhuma dama gosta que um homem que não seja seu marido a apalpe. —Não sou casado —retrucou o homem. — E se fosse? —Se fosse, tenho certeza de que minha esposa haveria feito o mesmo. —Senhor, é muito gentil em concordar comigo. — Alec sabe que você golpeou Justin? —Sim... quero dizer, não. Na realidade, quem eu derrubei não foi Justin, mas Philip. É compreensível que cometesse esse engano, porque não sabia que os filhos de Harold eram gêmeos idênticos, até que Alec me contou. — Depois que você golpeou Philip? —Senhor, não é ocasião para rir. Não, este é um assunto sério. —Peço-lhe desculpas, milady —respoondeu o soldado—. E o que aconteceu depois? —Alec levantou o filho do senhor e o lançou voando pelo ar, como se fosse um tronco. — Ele jogou Philip longe? —Não, não —respondeu Jamie—. Preste atenção —aconselhou—. Quem ele jogou foi Justin. Não deveria havê-lo feito, mas não posso ficar zangada com ele. — Justin? —Alec —replicou outra vez Jamie, lhe lançando um olhar desgostoso por sua falta de atenção e disse—: Alec não devia ter jogado Justin longe, e ele arruinou minha surpresa. De repente, ela começou a chorar outra vez.
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— Come Alec arruinou...? —Alec não estragou nada —soluçou a jovem—. Se quer mesmo ouvir a história, rogo-lhe que se concentre no que estou dizendo. Sabe o que é o pior? Eu queria ajoelhar-me diante o Edgar e lhe oferecer minha lealdade em gaélico. Alec não sabia que eu falava essa língua, sabe? Mas me ouviu gritando com Justin em gaélico e assim, é obvio, ficou sabendo. Vesti suas cores, mas não posso acomodar as dobras nem que minha vida dependa disso. Queria que tudo fosse perfeito quando me ajoelhasse ante meu rei. Também lhe diria que o amava. — Seu rei? —Não, meu Alec —respondeu Jamie—. Eu honro a meu rei, senhor, mas amo meu marido. Suponho que se dá conta de que é assim que deve ser, não? —Alec reparará o dano que você acredita ter causado —afirmou o soldado—. Por que não me mostra como oferecerá sua lealdade ao rei? Jamie achou a sugestão um tanto quanto estranha, mas não quis ofender o amável cavalheiro. Ele tinha ouvido pacientemente o relato de seus problemas. —Suponho que a prática não me fará mal —disse em voz alta—. Possivelmente ele vá querer ouvir meus votos antes de me açoitar. Jamie se ajoelhou e inclinou a cabeça. —Não tenho certeza se devo ou não pôr a mão sobre o coração —admitiu. —Acredito que para o rei fará diferença —assegurou o guerreiro. Jamie fechou os olhos e pronunciou as palavras de lealdade. O soldado a ajudou a levantar-se. Parecia muito satisfeito com o esforço da jovem. —E agora, eu a ajudarei a arrumar o manto —ele ofereceu. Jamie sorriu agradecida e se voltou para que pudesse realizar a tarefa.
Sob um arco da entrada do salão, Alec sorria, observando como o rei da Escócia acomodava o manto de sua esposa.
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Capítulo dezessete Sabia que deveria ter-lhe dito quem era o homem diante o qual havia chorado, mas não teve coragem de aborrecê-la outra vez. Quando o manto estava em ordem, Jamie se sentiu melhor. Também a voz era alegre quando agradeceu pela gentileza. Ao ver seu marido perto da entrada, dedicou-lhe um amplo sorriso. Alec se alegrou tanto ao ver que ela já não chorava, que sorriu em resposta. Não, nesse instante ele não a entristeceria. Esperaria até que estivessem sozinhos e ninguém fosse testemunha do desconforto de Jamie. A jovem subiu os degraus com as mãos unidas diante as dobras do manto, atraindo a atenção de Alec. Se deteve diante dele, inclinou a cabeça e murmurou em gaélico: —Amo você, Alec. —Eu também amo você, Jamie. Tentou tomá-la entre os braços, mas Jamie retrocedeu e negou. —Temos um convidado —o recordou. —Então terei que esperar até mais tarde para... apalpá-la? —Escutou tudo, não foi? —Sim —admitiu Alec—. E entretanto, não parece demasiado zangada comigo. —Seu rei é um homem muito bondoso. Atônito, Alec ficou com a boca aberta.
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—Então, soube desde o começo? —Acha mesmo que teria recriminado o homem e dito que prestasse atenção se tivesse sabido desde o começo? —murmurou.—... Sou um pouco lenta, Alec, mas não estúpida. Soube quando me ajoelhei. Alec começou a rir. —Não deve lhe dizer que eu sei —sussurrou a mulher. — Por que? —Ele se sentiria magoado. —Acha mesmo? Jamie assentiu: —Alec, ele acredita que estar protegendo meus sentimentos. Não devemos desapontá-lo. Fez uma reverência e deixou o salão antes que Alec tivesse tempo de dar uma resposta a essa afirmação ridícula. E nesse momento, o rei chamou-o. Alec disse: —Edgar, acha que eu vou desafiá-lo ou agradecer por ter me obrigado a casar com ela? —Certamente, me agradecerá —respondeu Edgar—. E Henry desafiaria os dois, se soubesse a jóia que nos entregou. Os dois homens riram. —Não teremos que esperar muito —predisse Alec—. Minha esposa é capaz de desatar uma guerra contra Inglaterra nas próximas semanas. Houve ocasiões em que acreditei que ela era a arma secreta de Henry. Jamie ouviu as gargalhadas que emergiam pelas portas do salão. Perguntou-se qual seria a piada que Alec acabava de contar ao rei, e pensou que possivelmente fosse aquela desagradável história a respeito da inglesa morta.
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Ao fechar as portas atrás de si, esteve a ponto de cair de joelhos. Todos os horríveis comentários que fez com Edgar zumbiam em sua cabeça. Que o Céu a amparasse, tinha até chorado diante o rei! E o rei tinha sido compreensivo. Esse súbito pensamento lhe aqueceu o coração de gratidão. Ele era mesmo um homem bondoso. —Jamie, o que faz aqui, sozinha? —perguntou Gavin. —Gavin, por que semelhante pergunta? Por acaso tenho que estar sempre acompanhada? —Sim —respondeu o guerreiro, sem poder conter-se. — Por ordem de Alec? Em lugar de responder, o homem mudou de assunto. —Jamie, uma das cozinheiras queimou a mão e quer que você dê uma olhada. Imediatamente, conseguiu distrair a atenção da jovem. —Oh, pobre mulher! leve me até ela agora mesmo, Gavin, e verei o que posso fazer. Passou as duas horas seguintes atendendo a mulher ferida. Na verdade, a queimadura não era nada grave, mas Jamie terminou fazendo uma agradável visita à grande família da mulher. Gavin ficou com ela todo o tempo. Quando retornavam à casa principal, Jamie disse: —Gavin, queria pôr flores frescas na tumba de Helena. Você me acompanha? —Sim. —Ao passar pelos estábulos e ver Marcus, que aprontava o cavalo, gritou-lhe, dizendo aonde iam. Enquanto Jamie recolhia flores silvestres, ela e Gavin ficaram em confortável silêncio. Quando os braços da jovem transbordavam de flores, encaminharam-se colina acima, para a tumba de Helena. Passaram pelo cemitério consagrado, cercado por pranchas de pinheiro, e seguiram.
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—Gavin, você estava aqui quando Helena morreu? —Sim. —Disseram-me que ela se suicidou —prosseguiu a jovem—. O padre Murdock me contou que ela saltou do rochedo. Gavin assentiu e fez um gesto para a colina que estava à esquerda da sepultura de Helena. —Foi por aqui. — Alguém a viu saltar? Gavin voltou a assentir: —Sim, Jamie. — Onde você estava? Por acaso viu...? —Jamie, é realmente necessário que falemos disto? Jamie se ajoelhou junto à tumba e tirou as flores velhas. —Gavin, só estou tentando entender —murmurou—.Acharia que sou obtusa se lhe dissesse que tenho a sensação de que Helena me pede que a compreenda? —Talvez sim —respondeu Gavin, esforçando-se por adotar um tom ligeiro—. Alguém já pôs flores na sepultura —assinalou, tratando de desviar o assunto. —Fui eu, anteontem —respondeu Jamie. Não disse mais nada até que terminou de recobrir a sepultura com flores de cores vivazes. Gavin esperou até que ela o olhasse e perguntou: —Jamie, pode me explicar o que quis dizer com que Helena pede que a entenda? —apoiou-se sobre um joelho e começou a retorcer uma flor entre os dedos, aguardando a resposta. Reparou que Jamie dava suaves tapinhas na tumba. —Não faz muito sentido —resmungou de repente Jamie—. Quando chegar o momento de contar a Mary Kathleen, como poderei fazê-la entender? Antes eu
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tenho que compreender. — O que há para entender? Helena estava desesperada. Ela... —Mas Gavin, acaso você a viu desesperada? Gavin moveu a cabeça. —Não a conhecia o suficiente para julgar seu estado de ânimo. Admito que me surpreendi quando... —Então,
você não
viu
essa terrível infelicidade.
O padre Murdock
se
surpreendeu tanto como você. Para ele, ela parecia contente. Estava impaciente por trazer sua filha para cá. Se tivesse temido ou odiado Alec, não teria querido trazer sua filha. —Possivelmente acreditou que não tinha alternativa —assinalou Gavin. Jamie se levantou e se encaminhou para a borda do que tinha saltado Helena. —Ela pode ter caído. Sim, pode ter sido um acidente. Por que todos a condenaram? Ela deteve-se perto da borda. Um estremecimento lhe passou pelos braços e ela se esfregou para afastar o frio. —Quando conheci Alec, tinha um pouco de medo dele. Mas não demorei mais que um dia para compreender que é um homem bom e, desde o começo, soube que ele cuidaria de mim, Gavin. Estou certa de que Helena devia sentir o mesmo. Gavin assentiu. —Jamie, não esqueça que Helena não conhecia Alec bem, pois foi convocado... —Ela morreu logo? —perguntou Jamie. —Não —repôs Gavin—. Aterrissou sobre aquela saliência lá —disse, assinalando uma rocha irregular—. quando Alec retornou, já a tinham tirado dali. Ninguém poderia tê-la salvo, nem você. Tinha as costas quebradas. —Não estava morta?
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—Morreu dois dias depois —respondeu Gavin—. Não abriu os olhos, Jamie, e acredito que não sofreu dor. —Ela tropeçou —insistiu a jovem, insistindo em convencer-se. —Jamie, deveríamos retornar —afirmou Gavin, com intenção de mudar de assunto—. Alec deve estar procurando por você. Agora que o rei partiu... — Partiu? —interrompeu-o Jamie—. Quando, Gavin? Recém havia chegado...! —Ele estava saindo enquanto você recolhia flores, Jamie. — Diabos! —murmurou a moça—. Não me despedi. —Ele voltará logo —prometeu Gavin—. Alec é como um filho para ele e o visita com regularidade. Um ruído súbito atraiu a atenção de Gavin e, no instante em que se voltava, uma pedra grande o golpeou na cabeça. Viu uma luz brilhante antes de tropeçar para trás. Jamie se virou no momento em que Gavin começava a cair e, então, uma pedra atingiu sua testa, provocando um talho profundo. Gritou e agarrou Gavin por trás. Desesperada, tratou de impedir que o soldado caísse pelo precipício. Algo agudo a feriu no ombro e Jamie gritou de dor. O peso de Gavin era demais para ela. Soube que cairiam, mas recordou que o rochedo se inclinava para a esquerda... ou era para a direita? — Por favor, Deus, me ajude! —gemeu, agarrando-se com mais força à cintura do guerreiro, e empregando todas as suas forças para empurrar os dois em direção à saliência abaixo deles. Pela cornija do rochedo flutuou o som fantasmagórico de uma risada. Jamie protegeu Gavin, afundando o rosto deste no oco de seu próprio ombro. Em seguida uma dor aguda a atravessou, provocada pelas pedras sobre as que rolavam, irradiando-se por todo o corpo. Quando por fim alcançaram a saliência, o corpo de Gavin absorveu a maior parte do impacto.
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A risada se aproximava. Sobre o olho esquerdo de Jamie brotava sangue, obstruindo-lhe a visão. Ela se enxugou com o dorso da mão e então empurrou Gavin de volta contra a parede de rocha. Ela tentava desesperadamente mantê-los ocultos do inimigo. Enquanto o acomodava, Gavin grunhiu; ela tapou-lhe a boca com a mão e se estendeu em cima dele. Passaram-se longos minutos até que percebeu que as odiosas risadas tinham parado. Seu ombro e antebraço latejavam e Jamie estirou a outra mão para massagear-se, tentando aliviar a dor. Ao sentir o punho de uma adaga que emergia do braço, gemeu e deixou cair a mão ao flanco. Soube que o objeto agudo era uma adaga: alguém a havia atacado com sua própria adaga! Ouviu que alguém gritava seu nome, mas não respondeu até que reconheceu a voz: — Estamos aqui, na saliência—gritou, sentindo que o alívio abafava sua voz. — Meu Deus, Jamie, o que...! —exclamou Marcus, ao inclinar-se no rochedo e ver o rosto de Jamie que o olhava de volta—. Me dê a mão, moça. —Tome cuidado, Marcus. Não se ajoelhe tão perto da borda. Alguém quis ferir Gavin e a mim. Olhe em volta para se certificar de que estamos a salvo. Marcus fez o que lhe pediu e, quando se voltou para a jovem, a expressão de seu rosto fez Jamie se assustar. —Gavin está ferido —disse precipitadamente, sem dar atenção à mão que ele lhe estendia—. Se o deixo, ele pode rolar para o abismo. Marcus fez um gesto de compreensão. Começava a retirar a mão quando, de repente, Jamie se esticou e a agarrou: —Quero Alec! —gritou—. Mas não quero que nos deixe sós aqui, Marcus. Por favor, não nos deixe. Marcus apertou sua mão. —Segure Gavin, Jamie. Não a deixarei. Gritarei pedindo ajuda.
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Para e Jamie foi a idéia mais maravilhosa que tinha ouvido, e lhe disse, em longas e
entrecortadas frases. A dor era tão intensa que quase não podia pensar
com clareza. —Jamie, solte minha mão. Sei que confia em mim. —Sabe? Ele lhe sorriu, ternamente. —Por isso se segurou em mim —disse—. Agora, solte-me. Segure Gavin —disse, com voz suave, tranqüilizadora. —Sim —aceitou Jamie, esforçando-se em concentrar-se no que lhe dizia—. Segurar Gavin. Eu o farei, Marcus. Eu o protegerei. Por fim, ela soltou-lhe a mão. —Muito bem, garota —ouviu Jamie, enquanto se inclinava outra vez para Gavin. Apoiou a cabeça do ferido sobre seu colo—. Em uns minutos, Alec estará aqui, Gavin. Marcus cuidará de nós até que ele chegue. O grito rouco de Marcus fez rolar uma avalanche de cascalhos pela colina e Jamie fechou os olhos. De súbito, a saliência começou a girar até que toda sua mente pareceu dar voltas em uníssono. E então já não podia pensar. Jamie não se recuperou até que sentiu que alguém a puxava pelas mãos. Abriu os olhos e viu Alec inclinado sobre ela. —Alec —murmurou, extasiada. Tentou alcançá-lo, mas a dor no antebraço a impediu. Deu um sorriso ao ver que ainda estava sobre a saliência. A expressão do marido era sombria e, ao reparar nisso, Jamie franziu a testa. —Não construa um caixão. Alec, prometa-me isso. Não construa uma caixa para mim. Pela expressão perplexa do marido, compreendeu que não sabia do que ela falava.
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—Você ia fazer um ataúde para Angus, lembra? Por favor...! —Não farei uma caixa para você, amor —murmurou Alec. Jamie sorriu outra vez. —Estou tão feliz em vê-lo... A mão do marido tremeu. —Eu também estou feliz em vê-la —disse, com voz rouca. —Perdi minha adaga. Ao que parecia, era tão difícil para Jamie quanto para Alec acreditar nisso. Enquanto o marido afastava com suavidade o cabelo do rosto, ela franziu a testa, tentando lembrar qual era a outra pergunta que queria fazer. Um instante depois, desistiu. —Alec, a adaga... —Meu amor, não se preocupe com a adaga —tranqüilizou-a Alec—. Jamie, pode mover as pernas? Quero tomá-la em meus braços e erguê-la até meus homens. Querida, solte Gavin agora. Deixe-me... —Gavin? —Sim, amor, Gavin. Jamie olhou como Alec começava a afastar suas mãos do peito de Gavin, e então lembrou-se de tudo. —Uma pedra acertou nele —disse—. Alec, o impacto o fez cair para trás. Ia escorregar pelo borda e eu fui atrás dele —apressou-se a dizer—. Era muito pesado e, como não podia evitar que caísse, rodeei-lhe a cintura com os braços e fiz com que os dois caíssemos sobre a saliência. Ignorando a careta angustiada de Alec, a jovem sorriu para ele. —Não podia lembrar em que direção estava, mas adivinhei bem, não? —Sim —disse Alec, em um murmúrio rouco.
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—Terá
que
tirá-lo
primeiro
—
ela
ordenou.
A
voz
de
Jamie
já
era
assombrosamente clara. Sentia-se tão aliviada pela presença de Alec que tinha vontade de chorar. Alec resolveu não discutir com ela. Colocou Gavin sobre os ombros, como faria uma mulher com um xale, e se ergueu. Com as pernas separadas para manter o equilíbrio, levantou lentamente ao soldado desacordado por cima da cabeça. —Já temos as mãos —gritou Marcus. Quando tiraram o peso de cima dele, Alec afastou as pernas de Gavin da parede de pedra e voltou a ajoelhar-se junto de Jamie. A jovem viu que ele tinha os olhos suspeitamente úmidos e compreendeu que devia estar lhe causando uma grande angústia. —Ficarei bem, Alec. Eu disse que não o deixaria. Alec não podia acreditar. Jamie o consolava! —Não, não me deixará —murmurou, em tom carinhoso—. Já vi que o sangue que há em seu rosto é só aparente —completou, lembrando o que a própria Jamie havia dito sobre a ferida no peito de Angus. — Minha adaga está em meu ombro —resmungou a jovem. Alec não pareceu reagir à declaração, e Jamie compreendeu que a ferida não devia ser tão espantosa como imaginava. Mesmo assim, necessitou que ele confirmasse isso para que ela se acalmasse: —Está horrível, Alec? —Não —respondeu o homem—. Além disso, não está no ombro, Jamie. —Eu a sinto —insistiu a mulher. Quis girar a cabeça para olhar, mas Alec segurou-lhe o queixo. —Está no antebraço —esclareceu—. Você tem muita sorte: ela passou através da gordura. —Não tenho nada de gordura —protestou Jamie. Viu que Alec rasgava uma tira
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de seu próprio manto mas não adivinhou a razão—. Tem certeza, Alec? Oh, Deus, vai doer muito quando...! Nunca terminou a frase. Alec já havia tirado a adaga com a velocidade de um raio. Enfaixou-lhe o braço com a tira de tecido antes que Jamie tivesse força suficiente para gritar. — Pronto! Não doeu, certo? —perguntou. — Doeu sim! —Calma, amor! —acalmou-a—. Você ia continuar se afligindo sobre o momento em que eu tirasse a adaga até passar mal. Ele tinha razão, e ambos sabiam. —Se tinha que ser esfaqueada um dia, escolheu o melhor lugar. A adaga não se cravou no osso. Jamie sufocou um protesto. — Sabia que colocaria a culpa em mim! —disse-lhe. Concentrada em discutir, não notou que Alec a tinha em seus braços e lentamente se erguia—. Eu não me esfaqueei, e você bem sabe. —Sei, amor, mas é muito amável de sua parte me lembrar disso —disse. Ergueu-a acima a cabeça. Jamie olhou para baixo e Alec sentiu que ficava tensa. Pensou em adverti-la de que não olhasse para baixo, mas logo desistiu. O aviso apenas a lembraria de notar sua precária situação—. Ao menos, recuperou a adaga —afirmou, com tom estranhamente alegre. —É mesmo —exclamou a contragosto—. Alec, está me machucando! —gritou, quando o marido, sem querer, roçou-lhe o braço, e fechou os olhos suportando a intensa dor. —Sinto muito, Jamie. Não queria machucá-la, moça. A angústia que revelava a voz de Alec deixou o coração de Jamie apertado. —Não doeu muito —apressou-se a dizer. Sentiu que alguém a erguia dos ombros
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de Alec e abriu os olhos. Em poucos instantes, Marcus a tinha nos braços; Alec subiu pelo rochedo e Jamie foi entregue com extrema suavidade outra vez ao marido. Quando Alec montou seu cavalo, as feridas de Jamie quase não incomodaram, pois o marido a mantinha bem protegida entre os braços. A força dele era um consolo para ela e suspirou com a cabeça apoiada no ombro do Alec. —Por que não me perguntou se vi o atacante? — perguntou. —Sei quem foi —respondeu o marido. —Eu acredito que também sei —murmurou Jamie—. Mas quero que você pronuncie o nome. A própria Jamie sabia que o que dizia não tinha sentido e a expressão sombria de Alec indicou que ele preferia não tocar no assunto agora. Ela, claro, não deu importância e perguntou: — Quem era a testemunha? — Que testemunha? —perguntou o marido, que se concentrava em fazer que o cavalo mantivesse um passo tranqüilo e sequer olhava para o rosto da esposa. —A testemunha da morte da Helena —murmurou Jamie. —Annie. Duas horas depois, Jamie estava metida na cama no salão grande. Na precipitação por deixá-la instalada, Alec tinha derrubado o biombo. Tinham retirado o artefato e o salão estava lotado com os membros do clã. Alec fez os curativos. Jamie indicava que pós eram adequados e o obrigou a refazer duas vezes a vendagem, até que ficou satisfeita. Gavin também estava consciente e tinha uma terrível dor de cabeça. Mas Jamie não lhe permitiu beber nada de cerveja. Ordenou que lhe pusessem panos frios na cabeça e que bebesse água. —Terá que suportar a dor —opinou da cama—. E isso é tudo.
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Enquanto a curavam, Jamie não exalou um gemido nem fez uma careta. Na verdade, o motivo verdadeiro não era a coragem, mas sim a vaidade. Não exibiria covardia ante os familiares. O padre Murdock a ajudou; enquanto Alec fazia os curativos, ele se sentou junto à moça e segurou-lhe a mão. Quando Alec terminou, a pequena Mary Kathleen foi instalada junto a ela. Ao ver a bandagem na testa da mãe, a menina de três anos desatou a chorar, mas Alec a tranqüilizou, estimulando-a a que desse um beijo em sua mamãe. Mary obedeceu imediatamente, e Jamie a recompensou assegurando que depois do beijo se sentia muito melhor. Minutos depois, a menina adormeceu, enroladinha junto de Jamie. Esta viu que Marcus fazia um sinal ao Alec. —Você a encontrou, então? —perguntou. Ninguém respondeu, e Alec se encaminhou para a porta. —Alec, traga Annie para dentro —disse Jamie—. Quero perguntar por que fez isso. Alec negou com a cabeça. —Escutarei fora o que quer que tenha a me dizer. —E depois disso? —Já decidirei. Ao ver que Jamie se dispunha a chamar seu esposo outra vez , o padre Murdock apertou sua mão. —Deixe as coisas nas mãos de Alec, moça. É um homem compassivo. Jamie assentiu. —Sim, embora não irá admiti-lo, é compassivo. A mente de Annie está alterada —murmurou. —Alec vai levar isso em conta.
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Nesse instante, essa gargalhada espantosa, desumana, ecoou no salão e a jovem agarrou-se à mão do sacerdote em busca de consolo. As palavras de Annie a açoitaram como um látego. O cantarolar da garota fazia mais agressivos seus gritos venenosos. —Eu serei sua esposa, sim! Não importa quanto tempo leve, Kincaid. É meu direito. É o direito que Helena me roubou. Naquele momento eu o desafiei, Alec, e voltarei a fazê-lo. Jamie ouviu outro estalo de gargalhadas e o funesto cantarolar de Annie recomeçou: —Matarei uma e outra vez, até que você tenha aprendido a lição. Tenho o direito de ficar com você. É... O súbito silêncio que se seguiu a essas frases demoníacas sobressaltou Jamie, que tentou sair da cama. —Fique aí, Jamie —ordenou Gavin do pé da cama, surgindo sobre ela como um vingador furioso. Mas o ar autoritário se esfumou quando levou a mão à testa e começou a gemer—. Não deveria ter gritado com milady, mas Alec quer que fique onde está. —Não deveria ter gritado porque fez minha cabeça doer —contra-atacou Jamie. —Por isso também —admitiu Gavin. Jamie tirou os pés do caminho bem a tempo, pois Gavin caiu aos pés da cama com outro doloroso gemido. A jovem imaginou que ele tentava distrair sua atenção do que acontecia lá fora, apelando à sua compaixão. —Tenho plena fé em meu marido —disse a Gavin—. Não precisa continuar se esforçando para me distrair. —Então, posso beber um gole de cerveja? —perguntou Gavin. —Não.
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—Há muita gente nessa cama —afirmou Alec do alto da escada. Jamie sorriu. Esperou até que ele a beijasse e então perguntou: —Acabou? Alec assentiu. —Alec, você ia se casar com ela, não é verdade? —Edgar pensava unir os Kincaid ao clã deles para assegurar a paz. Sim, estive prometido a Annie. —Mas ela é tão mais jovem que você... —É só um ano mais jovem que você, Jamie. —Entretanto, parece uma menina —murmurou a jovem—. Edgar mudou de idéia depois que o marido da Helena morreu? Alec assentiu. —Isso mesmo. Helena estava grávida, e Edgar quis lhe garantir um bom lar. Jamie assentiu, e logo dedicou ao marido um sorriso luminoso. A estranha reação fez que Alec franzisse a testa. —Alec, ela também não quis abandonar você. O homem não compreendeu sua alegria até que Jamie disse, dirigindo-se ao padre Murdock: —Amanhã terá que benzer a tumba de Helena. Também terá que rezar uma missa de réquiem. Alec, todo o clã deverá estar presente. —Jamie, quer que seja sepultada em terra consagrada? —perguntou o padre Murdock. Jamie negou com a cabeça. —Estenderemos o cemitério consagrado para que abranja toda essa parte. Óbvio, Alec e eu seremos sepultados junto a Helena. É o apropriado, não acha, marido? —Sim—afirmou Alec, com voz rouca de emoção.
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—Não se alegre tanto —provocou Jamie—. Deixarei instruções para que o coloquem no centro, Kincaid. Terá uma esposa a cada lado, para vigiá-lo por toda a eternidade. —Que Deus me ajude! —murmurou Alec. —Ele já o fez —afirmou o padre Murdock—. Colocou duas boas mulheres em sua vida, Alec, e isso é um fato. Além do mais, o Criador tem senso de humor. — Como assim? —perguntou Gavin, entre gemidos. —Esta doce moça a quem Alec ama é inglesa, e se isso não constitui uma brincadeira de Deus, não sei que outra coisa pode ser. — Deus, ele começou a falar como ela! —disse Gavin rindo, o que lamentou imediatamente, pois sua cabeça começou a doer outra vez. Nesse momento, Jamie viu Edith ao outro lado do salão e comprovou que a mulher estava angustiada. —Não pensava em mandar Edith embora, verdade Alec? —perguntou. Alec negou com a cabeça e Jamie fez gestos a Edith para que se aproximasse. —Edith, você não está indo embora. Foi só um plano para fazer com que Annie tentasse me matar outra vez. —Outra vez, esposa? Isso significa que sabia que o incêndio... —Não —interrompeu-o Jamie—. Não sabia até que ouvir novamente a risada de Annie e a reconheci. Foi a mesma que ouvi quando fiquei presa naquela choça. Fez uma pausa e olhou para seu marido com ar severo. —Alec, não foi gentil de sua parte me usar como isca. —Não deveria ter sido assim —retrucou Alec em tom duro—. Providenciamos para que Gavin não se separasse de você, e que Marcus não perdesse Annie de vista. —É minha culpa —resmungou Edith—. Não sabia que planejavam uma armadilha. Pensei que Annie estava doente, pois se meteu na cama quando nos
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disseram que tínhamos que partir. Eu estava tão angustiada que não me dei conta de que ela havia saído. —Não, irmã —interveio Marcus, aproximando-se de Edith—. É minha culpa. Eu assumo toda a responsabilidade. —Mas eu lhe disse que aprontasse os cavalos —argumentou Edith. —Não foi culpa de ninguém —disse Jamie—. Edith, você quer ficar conosco, não é? Não poderia me arranjar sem você... pelo menos até que consiga um marido apropriado —completou. —Nunca quisemos que você partisse —assegurou Alec a Edith—. Mas queria que Annie pensasse que mandava as duas embora por causa de seu parentesco com Helena. Vai se lembrar que, quando lhe ordenei que partisse, disse que não queria nada que me lembrasse minha primeira esposa. Edith assentiu. —Lembro disso. Alec sorriu. —Você nunca me questionou. Não estranhou por que Mary Kathleen não estivesse incluída? Edith abanou a cabeça. —Estava muito perturbada para pensar nisso —admitiu. —Eu pensei —respondeu Alec—. Mas só depois que saí de sua cabana. —Perdoe seu senhor por lhe causar tanta angústia —disse Jamie. Edith se apressou a assentir. —Oh, agora o compreendo. —Poderia levar Mary Kathleen a seu quarto, por favor? —pediu Jamie, vendo que Edith estava a ponto de perder a compostura. Jamie esperou até que Edith levasse Mary para cima e então fez a Alec a
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pergunta que a preocupava: —O que fará com Annie? O marido não respondeu. Alec estava sendo impossível. Em toda a semana não deixou que Jamie se levantasse da cama. Queria que cochilasse durante o dia e que logo dormisse profundamente à noite. Jamie ficou pasma de poder satisfazê-lo. As visitas diárias de sua irmã fizeram sua convalescença mais fácil. Mary a ajudou a bordar a tapeçaria com o retrato de Edgar, e por fim assumiu a tarefa, ao ver que Jamie não tinha a paciência nem a habilidade para realizá-la. Na primeira visita, Mary lhe murmurou que Daniel ainda não se deitara com ela. Jamie se inquietou mais por isso que a própria Mary, mas quando lhe explicou com termos
gerais,
cuidadosamente
escolhidos,
claro,
como
essa
intimidade
era
maravilhosa, o interesse da irmã despertou. —Ele tem uma amante —confessou Mary—. Mas dorme comigo todas as noites. —Mary, é hora de limpar sua casa —aconselhou Jamie—. Expulse essa mulher. —Jamie, ele se zangará comigo —sussurrou a irmã—. Me acostumei a seus sorrisos e não quero que se irrite. Por outra parte, agora que parei de chorar é muito bondoso comigo. Não pode suportar as lágrimas e eu comecei a me afeiçoar e ele. Essa confissão alegrou Jamie. —Então peça a ele que se deite com você —sugeriu. —Eu tenho meu orgulho —contrapôs Mary—. Entretanto, me ocorreu um plano. —De que se trata? —Pensei em lhe dizer que poderia conservar a amante, e ter a mim também . —Não pode pensar seriamente em compartilhá-lo —argumentou Jamie. Mary ergueu os ombros em um gesto de impotência.
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—Quero que Daniel goste de mim, Jamie —admitiu. Começou a chorar no mesmo momento em que Alec irrompia no salão. Jamie manteve o sorriso pelo bem de Mary, mas com esforço. Assim que Alec viu o estado de Mary, deu meia-volta e saiu outra vez. —Os homens detestam as lágrimas —disse, concordando com a afirmação anterior da irmã. —Diga a Daniel que conserve a amante —aconselhou Jamie—. Não me olhe assim, Mary. Pode lhe dizer que você acha que ele precisa praticar e que, quando ele estiver bem treinado, ele pode vir até você. Ao ouvir que Jamie e a irmã riam, Alec voltou para o salão. Durante dois dias Mary não veio ver sua irmã. Jamie se preocupou muito por ela mas, quando ao fim Mary apareceu, três dias depois, seu sorriso radiante lhe disse que tudo estava bem. Mary quis contar os detalhes, mas Jamie não quis escutá-los. Mary insistiu, e quando estava na metade do relato a respeito de como Daniel era maravilhoso, Alec, Gavin, Marcus e o mesmo Daniel entraram no salão. Queriam participar da conversa e mudou de assunto imediatamente. Alec manteve Jamie acordada quase toda a noite, fazendo amor com ela. Não a deixou ser tão agressiva quanto ela pretendia, temeroso de que não estivesse completamente recuperada. Ao fim, teve que admitir que, infelizmente, embora ele fosse mais forte, Jamie tinha mais energia. Na manhã seguinte, ele partiu para cumprir encargos do rei Edgar e esteve ausente uma semana. Jamie empregou esse tempo em realizar outra pequena mudança na casa. Tirou do grande salão a cama e a plataforma, e o biombo ocultava agora a entrada à despensa. Embora era uma tradição inglesa, quando os soldados verificaram que, desse modo, teriam acesso mais fácil à cerveja, aceitaram as ordens da senhora sem excessivas queixas.
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Alec retornou três dias depois. E outra vez, os soldados se alinharam, dispostos a defender sua senhora. Alec se sentou à cabeceira da mesa e manteve a mandíbula apertada enquanto Jamie lhe explicava a necessidade de contar com uma despensa. Custou-lhe aceitar a mudança. Mas Jamie se sentiu satisfeita, pois ele não levantou a voz em nenhum momento. Soube que lhe custava um enorme esforço. As pele estava rubra e o músculo da face começou a contrair-se espasmodicamente outra vez. Ela sentia simpatia por ele, também. Por isso, Jamie sequer piscou quando Alec lhe pediu em voz baixa e controlada que o deixasse em paz uns minutos. Ao ver que ela não se detinha junto à lareira para pegar uma moeda da caixa que estava sobre o suporte, Alec soube que o pedido não a aborrecia. Já havia aprendido que esse era um modo sutil de Jamie lhe demonstrar que estava zangada. Jamais dizia uma palavra. Limitava-se a olhá-lo com severidade e pegava um xelim da caixa. Ignorava que o padre Murdock repunha as moedas em seu lugar todas as noites. Ainda tinha problemas de adaptação. Algumas noites, o padre Murdock tinha nove xelins na mão. A irmã de Jamie estava apeando quando esta saiu, com Mary Kathleen apoiada sobre o quadril. —Tenho uma notícia espantosa —disse Mary precipitadamente—: Andrew está a caminho daqui. —Andrew? —O homem a quem esteve prometida —recordou Mary—. Jamie, não é possível que o tenha esquecido! —Não o esqueci —respondeu Jamie. Entregou Mary Kathleen a Mary quando esta a pediu. Enquanto a irmã abraçava a menina, Jamie tentou manter a calma—. Mary, para que Andrew virá? E você, como soube?
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—Ouvi Daniel comentando com seus homens. Jamie, todos os clãs das Terras Altas sabem que ele vem, pois Andrew e seu exército tiveram que passar por suas terras. — Oh meu Deus! Ele vem para cá com um exército? —Sim. —Mas, por que, Mary? —Pelo empréstimo —murmurou Mary, depois de colocar a sobrinha no chão—. Lembra das moedas que ele emprestou a papai? — Como poderia esquecer? Papai praticamente me vendeu a Andrew! —gemeu—. Oh, Mary, não posso permitir que me humilhe diante de meu clã! Não posso deixar que Andrew me envergonhe assim. Bom Deus, Mary, Alec quererá matar Andrew! Mary assentiu: —Foi isso mesmo o que disse Daniel. —Isso significa que ele sabe por que Andrew vem aqui? —perguntou Jamie, aflita. —Sim. Andrew teve que explicar por que estava nas Terras Altas. Se não o fizesse, não teria chegado muito longe sem que o matassem. Irmã, não notou que os escoceses não gostam muito dos ingleses? — Droga, Mary! Quem não sabe? —Jamie, esse modo de falar não é próprio de uma dama. —Não posso evitá-lo —exclamou Jamie—. Sempre sou a última a saber das coisas por aqui. Acha que Alec sabe que Andrew está vindo? Mary encolheu os ombros, num gesto de impotência. —Daniel diz que todos os escoceses sabem quando alguém se aproxima de seu feudo. Suponho... —Não posso permiti-lo. Não quero ser responsável por iniciar uma guerra
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contra a Inglaterra, também. — O mais provável é que Alec só mate Andrew e os que o seguem. —Mary, por acaso acha que o rei Henry não notará a ausência de um de seus barões? Quando o convocar o exército e ele não estiver, achará estranho... Deixou a explicação sem terminar e, arrebatando as rédeas do cavalo de Mary, montou. —Jamie, o que pensa fazer? —Irei procurar ao Andrew e tratarei de argumentar com ele. Prometerei que lhe enviarei as moedas. —Jamie, logo escurecerá. Por isso Daniel não queria que viesse visitá-la. Jamie sorriu: —Mas de todos os modos você veio, não, Mary? —Tinha que avisá-la disso, irmã. Pensei que quereria se esconder por um tempo. —Avisar foi a coisa mais valente e menos egoísta que poderia ter feito, mas sabe bem que jamais me esconderei. —Esperava que o fizesse. O que por certo não pensei é que iria atrás de Andrew. Acha mesmo que fui valente, Jamie? Jamie assentiu. —Agora me escute bem, Mary. Quero que me prometa que não dirá a ninguém onde fui, sim? —Prometo. —Cuide de Mary Kathleen até que eu retorne. —O que direi ao Alec? —Não lhe diga nada. —Mas...
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—Chore —exclamou Jamie. —Sim, Mary, chora. Se Alec a vir chorando, não perguntará nada. Estarei de volta antes que ele note minha ausência. E agora, me indique a direção correta, Mary. —É só descer a colina, Jamie. Mary se benzeu depressa enquanto observava a sua irmã que galopava colina abaixo. O padre Murdock se aproximou de Mary, saudou-a e assinalou que sem dúvida lady Kincaid tinha pressa; perguntou se, por acaso, lady Ferguson sabia aonde ia. Lady Ferguson desatou a chorar imediatamente. Manteve a promessa que havia feito a sua irmã. Não disse a Alec aonde Jamie tinha ido. Não houve necessidade de fazê-lo, pois Mary Kathleen contou tudo. A pequena entrou assim que a mãe partiu. Correu para Alec, subiu ao colo deste e bebeu um grande gole de cerveja antes que o pai visse o que fazia. Alec tirou-lhe a taça e a substituiu por uma taça com água. Quando terminou de beber, o homem lhe perguntou distraído onde estava mamãe. Mary Kathleen se recostou sobre o peito do pai e, brincando com os dedinhos dos pés no cinturão de Alec, repetiu quase literalmente toda a conversa que havia escutado. Em consideração à menina, Alec não começou a gritar até que esteve fora de casa. Quando a irmã de Jamie viu o semblante do cunhado, não teve que se esforçar para chorar. Imediatamente ficou histérica. O padre Murdock fez o que pôde para consolar a mulher, mas seus esforços foram em vão. Para o momento em que Alec saiu com um contingente de soldados, Mary gritava como uma galinha apanhada numa armadilha. O sacerdote entrou na capela para orar pela paz. Mais especificamente, rogou que para que Daniel aparecesse para buscar sua esposa. Alec seguiu a pista de Jamie. Ao ver que fazia uma curva para o leste, relaxou. Tinha ido na direção do feudo dos Ferguson.
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— Por que mudou de idéia? —perguntou Marcus. —Ela se perdeu —gritou Alec sobre o ombro—. E agradeço a Deus por isso! — murmurou para si. Uns quinze minutos depois, ele se encontrou com Jamie e a obrigou a parar, fazendo com que os soldados a rodeassem. Marido e esposa ficaram frente a frente. Durante um comprido minuto, ninguém disse nada. Jamie ela buscava desesperadamente uma desculpa válida, enquanto Alec se perguntava que mentira a esposa inventaria. —Você me pediu que o deixasse em paz por uns minutos —disse a mulher. —Sim. Jamie esporeou ao cavalo para frente. Ao chegar junto ao Alec, murmurou: —Achei que poderia
negociar com Andrew. Minha irmã lhe disse aonde eu ia,
não foi? —Sua filha me contou. Jamie abriu os olhos assombrada. — De hoje em adiante, devo tomar cuidado com o que digo diante da menina. —Você se lembrará de não tentar algo assim tão tolo no futuro. — Por favor, Alec, não se zangue comigo! —ela implorou. Alec tomou-a pela nuca e lhe deu um beijo longo e rude. — Por que não veio até mim quando soube que Andrew...? —Estava envergonhada —murmurou, antes que Alec terminasse a pergunta—. Papai me trocou por umas moedas. Não queria que pensasse que meu pai me vendeu a Andrew, mas até eu começo a pensar que... Alec moveu a cabeça. —O que seu pai fez não tem nada a ver com o que eu sinto por você. Pagarei a esse bastardo. Venha, esposa. Vamos acabar com isso de vez.
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Jamie soube que não devia contradizê-lo, mas se perguntou como ele devolveria o dinheiro ao barão Andrew. Cavalgava em pêlo e não tinha a bolsa no cinturão. Apesar disso, tinha a espada consigo. —Alec, esperamos dificuldades? O marido não respondeu, e Jamie ficou com suas preocupações, enquanto seguia o marido. Depois de pensar muito a respeito, Jamie chegou à conclusão de que Alec tinha razão: deveria ter ido diretamente a ele. Maridos e esposas tinham que compartilhar os problemas. Por outra parte, era um alívio ter com quem compartilhar a carga. Não, não só era bom: era maravilhoso contar com alguém em quem se apoiar de vez em quando. Não falaram novamente até chegar ao acampamento do Andrew. Jamie tentou adiantar-se, mas Alec lhe arrebatou as rédeas e a obrigou a ficar junto dele. Ergueu a mão e, imediatamente, os soldados se alinharam aos lados do senhor e a senhora. — Alec! Era necessário que trouxesse tantos soldados? Como não lhe respondeu, ela suspirou. —Ao menos, eles não espalharão minha vergonha —murmurou. Alec sorriu e logo fez outro gesto. Os outros clãs também se adiantaram. Sob o olhar atônito de Jamie, os chefes e seus homens ocuparam posições. Formou-se um amplo círculo ao redor de Andrew e seus homens. Os soldados ingleses brandiram armas. Alec fez outro gesto e o círculo começou a estreitar-se, à medida que os cavalos avançavam. Ao ver o número de soldados que enfrentavam, os ingleses jogaram as armas ao chão. Andrew se adiantou e foi na direção a Jamie. Esta havia esquecido que Andrew era um indivíduo miúdo. Algum dia teria lheparecido bonito? Não conseguia lembrar. Agora ele não a atraía nenhum pouco, e o cabelo curto fazia-a pensar em um
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menino. Não, ela pensou, ele não lhe parecia nada atraente. Nem sequer caminhava bem, mas tropeçava. Jamie estremeceu ao pensar que poderia ter terminado ligada a ele. De súbito sentiu desejos de virar-se para o marido e agradecer por havê-la salvado de semelhante miséria. Alec ergueu outra vez a mão quando Andrew estava a cerca de dez metros. O barão entendeu a ordem muda e se deteve. —Cortamos os pés de homens que invadem nossas terras. A ameaça de Alec dissipou a arrogância de Andrew, que retrocedeu vários passos antes de recuperar a compostura. O semblante do barão manifestava medo e desdém ao passar o olhar de Alec a Jamie. —Não o deixaria fazê-lo, certo, Jamie? A expressão de Jamie era serena. Olhou para Andrew enquanto se dirigia a Alec: —Com sua permissão, queria lhe responder. —Tem minha permissão. —Andrew —exclamou Jamie com voz clara e fria como uma manhã de inverno— meu marido faz o que quer. Entretanto, em ocasiões me permite ajudá-lo. Se decidir cortar seus pés, eu certamente lhe oferecerei minha ajuda. Jamie ouviu o grunhido aprovador de Marcus, mas não afastou os olhos de Andrew e conteve o sorriso. O barão se enfureceu. —Você se tornou uma selvagem —gritou, esquecendo a precariedade de sua situação. Apontou para Alec e adicionou—: Ele a converteu em uma... escocesa. Jamie sabia que Andrew acreditava que a tinha insultado, e já não pôde conter a risada. A gargalhada viçosa da moça ressoou pelas colinas: —Andrew, acredito que esse elogio acaba de salvar seus pés.
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—Explique suas condições —gritou Alec. Queria terminar tudo isso o antes possível para tomar Jamie em seus braços. Sentia uma desesperada necessidade de lhe repetir o quanto a amava, de acariciá-la... e de lhe dizer que estava orgulhoso de considerá-la sua. O grito alcançou seus objetivos. Quase gaguejando, Andrew disse o que pretendia. Jamie, humilhada até o mais profundo de seu ser, manteve o olhar baixo enquanto o barão contava que tinha entregado um dote ao pai da jovem. Quando concluiu, Alec tirou a espada da capa. —Marido, você vai matá-lo? —perguntou Jamie em um sussurro. Alec sorriu. —Sabe bem que não o matarei. Isso a desgostaria e eu quero sempre fazê-la feliz, mulher. Eu lhe darei a espada. Vale... —Kincaid, não pode dar sua magnífica espada a um sujeito como esse—rejeitou Jamie, olhando para frente—. Esquecerei minha dignidade e farei uma cena que nunca esquecerá. Asseguro-lhe que falarão dela durante anos. Ao ouvi-lo suspirar, soube que havia ganhado. —Sim, acredito que seria capaz, mulher teimosa. Então, me dê sua adaga. Jamie a deu. Observou como Alec usava a adaga para arrancar um dos grandes rubis do punho da espada. Quando terminou, devolveu-lhe a arma. Jamie observou Andrew quando Alec lhe jogou a jóia. O rubi caiu aos pés do barão. — O pagamento, de parte de lady Kincaid, barão. Uma pedra grande atingiu o barão no ombro. Jamie voltou-se para ver de onde vinha e viu que o chefe McPherson embainhava a espada. —Pagamento de parte de lady Kincaid —bramou o velho, antes de voltar-se para ela. Uma terceira pedra acertou Andrew no rosto.
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—Pagamento —gritou Daniel Ferguson. —Pagamento —se escutou outra vez. Agora, Jamie não reconhecia o chefe que jogava a pedra. —Alec, por que...? —McPherson pagou por você ter salvado a vida de seu filho. Daniel, por ter protegido a vida de sua esposa com seu próprio corpo. Harold jogou a esmeralda. Você foi insultada por seu filho, e depois, rogou pela vida dele. Uma quinta pedra fez um corte na testa de Andrew. —Pagamento —gritou outro homem. —Quem é? —O pai de Lindsay —respondeu Alec—. Achou que eu não sabia do javali, não é? Jamie ficou perplexa demais para responder. Uma pedra mais caiu aos pés de Andrew, jogada por um jovem guerreiro. —Pagamento —gritou. Antes que perguntasse, Alec lhe disse: —Duncan. A esposa quer que a atenda quando der à luz. Está lhe pagando adiantado. —Estou perplexa —murmurou Jamie—. Tenho que lhes agradecer, Alec? —Jamie, eles estão agradecendo a você. Cada um deles daria a vida por você. Meu amor, obteve o impossível: você uniu os clãs. Jamie fechou os olhos para não chorar. Com voz trêmula de emoção, disse: —Você fez de Andrew um homem muito rico. —Não, Jamie. Eu sou muito mais rico: tenho você. A voz de Alec era tão doce, tão transbordante de amor, que uma lágrima rodou pela face de Jamie. Alec a viu e se voltou imediatamente para Andrew.
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—Barão, retorne a sua pátria. A próxima vez que pisar em terra das Terras Altas, nós nos revezaremos para atravessá-lo com nossas espadas. Um clamor se elevou. Andrew estava de joelhos recolhendo o tesouro. Alec tomou Jamie em seus braços e rodeou-lhe a cintura. O barão Andrew contemplou a fortuna que tinha nas mãos. Quando ergueu os olhos, não havia um só escocês à vista. Jamie fechou os olhos e abraçou seu marido. Ainda não compreendia muitos dos estranhos hábitos das Terras Altas e supôs que levaria uns vinte ou trinta anos para entendê-los a fundo. Mas no processo de aprender havia alegria. Uma sorte e um amor incríveis. Possivelmente, pensou Jamie com um sorriso misterioso, quando Alec e ela estivessem velhos, ela estaria acostumada.
FIM
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