Morandi - 40 desenhos (1992-94), módulo 1 | Amador Perez

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M O R A N D I I

D'aprèsMorandi *

1995

[...] Amador Perez nos convida a participar da reconstrução mental das criações de Giorgio Morandi, a refletir sobre sua obra e sua relação com o universo da imagem. A partir das reproduções de quatro obras de Morandidois óleos: Vasettoconrose(1921) e Autoritratto(1924) e duas gravuras: Grandenaturamortascura(1934) e PaesaggiodiRoffeno(1936) - Amador Perez produz dez desenhos a grafite de cada uma. Com o uso da luzpresença que não é senão a ausência do grafite - um aspecto da "matriz morandiana" é posto em primeiro plano em cada desenho da série, formando um conjunto multifacetário.

[...] NoVasettoconroseas flores são construídas sobre a emissão contínua de uma luz que emana do fundo, percorre as pétalas e evapora os contornos do vaso.

O objeto, vaso-flor, e o fundo podem se adaptar, ajustando-se um ao outro: e Amador ora escolhe o vaso e o faz branco, cinza, negro, em positivo, em negativo, o faz matéria, o faz luz; depois uma flor, depois outra, depois o fundo, às vezes introduz uma cor e a rosa fica rosa ou azul, depois o buquê se transmuta numa só flor, finalmente o próprio vaso assume feição de uma flor [...]

Poucos são os retratos e autorretratos de Morandi, que se dedicou por certo tempo à figura humana e depois não voltou mais ao tema. Talvez fosse um gênero muito flagrante para tornar-se um assunto possível.

Quando Amador Perez realiza sua série de desenhos a partir de Autoritratto de 1924, não faz outra coisa senão procurar fixar os sinais e traços humanos de uma figura fantasmagórica, quase virtual, banhada por uma luz proveniente das espáduas que quase a subtrai da vista do espectador. Ao analisá-la traço a traço, Amador procura objetivá-la mais: a figura desvanece sob a luz e apenas se "lêem" com clareza os três botões do paletó, formas perfeitas, negro, cinza e branco luminoso.

Na Grandenaturamortascuraos objetos escolhidos, entre os mais usuais e domésticos, emergem da densa e modulada penumbra graças a toques de luz. Alguns estão a contraluz, fazendo com que suas bordas avancem e

retrocedam na penumbra. Algumas vezes a luz os ilumina inteiramente, outras os cortam em diagonal, isolando os perfis e recortando os lados com sombras planas.

Ao imprimir traços densos ou suaves, que produz com o grafite no lugar da água-forte, alternando o sentido de gravidade e leveza dos objetos no espaço, como no grande final de uma ópera, Amador Perez consegue resgatar o sentido do mundo Morandiano, feito de grandiosas coisas mínimas e cotidianas.

PaesaggiodiRoffenoé uma paisagem compacta onde nenhum elemento pictórico altera a grandeza simples e rude de um campo imutável no qual se inserem vigorosamente os signos humanos que dão ritmo à amplidão, às estradas, às campinas e às casas. "O espaço completamente ocupado não permite nenhuma fuga da imaginação, antes obriga a se entrar e aí permanecer com a memória e a emoção" (Francesco Arcangeli).

A água-forte em Morandi e o grafite em Amador Perez criam uma rede de imperturbáveis linhas que se estendem sobre as colinas e as árvores, ilustrando de modo exemplar a sensação de superfície traçada no espaço como uma reta ininterrupta.

De desenho a desenho muda o centro da nossa atenção: uma árvore pode fazer fundo a um teto e ser o primeiro plano com relação a uma outra árvore, a janela, a porta, o esboço da pequena casa, com um pequeno quadrado de luz dentro de um "círculo-quase-redondo" do Renascimento. Nada é objeto de funções objetivas: tudo decorre da adaptação visual, das questões da luz, do positivo-negativo da imagem e de sua reprodução.

[...] Amador Perez, com obsessão e assombro continuamente renovados, vai descobrindo o maravilhoso "ser-no-espaço" dos objetos de Morandi, em suas infinitas trocas de relações de medida, luz, disposição e perfil. "O estudo de uma particularidade que muda a cada momento porque a experiência é vida e a vida é sempre diversa" (Giulio Carlo Argan).

* extrato de texto escrito originalmente em italiano por Irma Arestizábal para o catálogo da exposição de desenhos de Amador Perez sobre Morandi na Scuola Internazionale di Grafica, Veneza, 1996; tradução de Antonio Fernando De Franceschi para a exposição AmadorPerez-DesenhosapartirdeobrasdeGiorgioMorandi, Instituto Moreira Salles (1997, Espaço Higienópolis, São Paulo; 1998, Casa da Cultura de Poços de Caldas)

Amador Perez agosto 2024

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