25º AmadoraBD 2014 — Catálogo

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1º Salão de Banda Desenhada da Amadora (1990) — Cartaz de António Galvão


2º FIBDA 1991 — Cartaz de António Galvão com desenho de António Cardoso Lopes

3º FIBDA 1992 — Cartaz com desenho de Luís Louro

4º FIBDA 1993 — Cartaz de Ludgero Rolo

5º FIBDA 1994 — Cartaz de António Jorge Gonçalves com desenhos de pormenor de João Fazenda, Rui Lacas, Pedro Burgos, José Carlos Fernandes e João Santos.

6º FIBDA 1995 — Cartaz de Sandra Magalhães com desenho de Luís Louro

7º FIBDA 1996 — Cartaz de Victor Mesquita


8º FIBDA 1997 — Cartaz com desenho de José Carlos Fernandes

9º FIBDA 1998 — Cartaz de Paula Dona com ilustração de Luís Differ

10º FIBDA 1999 — Cartaz de Paula Dona com desenho de Nuno Saraiva

11º FIBDA 2000 com o tema Os Super Heróis do Século XXI (pela primeira vez o Festival teve um tema central) — Cartaz de Formiga Luminosa com desenho de João Fazenda

12º FIBDA 2001 — Cartaz de Formiga Luminosa com desenho de Miguel Rocha — Prémio Nacional de BD 2000, Melhor Álbum Português: Eduarda, Miguel Rocha (des) e Francisco Oliveira (arg), adaptação da obra literária de Georges Bataille, Edições Polvo/ Bedeteca de Lisboa.

13º FIBDA 2002 com o tema A Odisseia — Cartaz de Formiga Luminosa com desenho de Pedro Brito — Prémio Nacional de BD 2001, Melhor Álbum Português: Tu és a Mulher da minha Vida, Ela a Mulher dos meus Sonhos, João Fazenda (des) e Pedro Brito (arg), Edições Polvo.


14º FIBDA 2003 com o tema A Mulher — Cartaz de Formiga Luminosa com desenho de José Carlos Fernandes — Prémio Nacional de BD 2002, Melhor Álbum Português: O Quiosque da Utopia, Edições Devir.

15º FIBDA 2004 com o tema As 100 BDs do Século XX — Cartaz de Luís Lázaro com desenho de André Carrilho — Prémio Nacional de BD 2003, Melhor Desenho de Autor Português: Em Lume Brando, Edições Polvo.

16º FIBDA 2005 com o tema O Sonho, comemorando o centenário da publicação de Litle Nemo de Winsor McCay, no New York Herald. — Cartaz de Formiga Luminosa com desenho de Ricardo Ferrand

17º FIBDA 2006 com o tema 17 Graus Periféricos... e o Resto do Mundo — Cartaz de PMV Design com desenho de Filipe Abranches — Prémio Nacional de BD 2005, Melhor Desenho de Autor Português: As Aventuras Formativas de Fortunato, Maria e Garção, Filipe Abranches (des), Antonieta Ribeiro e Marta Crawford (arg), Edição do Instituto de Emprego e Formação Profissional

18º FIBDA 2007 com o tema A Maioridade comemorando os 18 anos de existência do AmadoraBD. — Cartaz de GBNT com desenho de Alain Corbel

19º FIBDA 2008 com o tema Tecnologia e Ficção Científica — Cartaz de GBNT com desenho de Luís Henriques — Prémio Nacional de BD 2008, Melhor Álbum Português, Melhor Desenho e Argumento de Autor Português e Prémio Juventude: Tratado de Umbrografia, Luís Henriques (des) e José Carlos Fernandes (arg), Edições Devir.


20º Amadora BD 2009 com o tema XX Anos — Cartaz de GBNT com desenho de Rui Lacas — Prémio Nacional de BD 2008, Melhor Álbum Português e Melhor Argumento: Obrigada Patrão, Edições Asa.

21º Amadora BD 2010 com o tema I Centenário da República — A programação integrou as comemorações nacionais do I Centenário da República. — Cartaz de GBNT com desenho de Richard Câmara

22º Amadora BD 2011 com o tema Humor — Cartaz de GBNT com desenho de Filipe Andrade — Prémio Nacional de BD 2010, Melhor Desenho de Autor Português: BRK, Filipe Andrade (des) e Filipe Pina (arg), Edições Asa.

23º Amadora BD 2012 com o tema Autobiografia — Cartaz de GBNT com desenho de Paulo Monteiro — Prémio Nacional de BD 2011, Melhor Álbum Português: O Amor Infinito que te Tenho e Outras Histórias, Edições Polvo.

24º Amadora BD 2013 com o tema Cenários — Cartaz de GBNT com desenho de Ricardo Cabral — Prémio Nacional de BD 2012, Melhor Desenho de Autor Português: Pontas Soltas - Cidades, Edições Asa.

25º Amadora BD 2014 com o tema 25 Anos — Cartaz de GBNT com desenho de Joana Afonso — Prémio Nacional de BD 2013, Melhor Álbum Português e Melhor Argumento de Autor Português: O Baile, Joana Afonso (des) e Nuno Duarte (arg), Kingpin Books.


AmadoraBD 2014 — 25 Anos

8 Nota de Abertura da Presidente da Câmara 13 No País do Medo 23 Galáxia XXI: O Futuro da Banda Desenhada é Agora 61 As Histórias do Sr. Nuno Duarte 67 “Vamos a isso!” 73 Henrique Monteiro 77 Catarina Sobral 85 E o Surfista Prateado Voou Finalmente em Português 93 BDLP 99 Batman Ano 75 117 Mafalda: Uma Década de Contestação que Dura Há 50 anos 125 Jim Curioso Um Paradigma do Vestígio 135 Autógrafos Desenhados nos 25 Anos do AmadoraBD 141 José Ruy, A Arte e o Ofício da BD

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Índice

145 Abril na Banda Desenhada 149 Histórias de Portugueses que foram Heróis 153 AmadoraCartoon2014  Retrospectivando Humores 165 Roque Gameiro: Retorno à Casa da Venteira 169 Blanca Rosita Barcelona  Histórias Quotidianas de Convivência 173 25 Anos, 25 Autores, 25 Cartazes 175 A Pior Banda do Mundo 179 As Belas Imagens do Centro Belga de Banda Desenhada 181 Des Lignes du Front 186 Concurso Municipal Infantil de Banda Desenhada e Ilustração 187 Concursos Nacionais de Banda Desenhada e Cartoon 188 Ficha Técnica

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AmadoraBD 2014 — 25 Anos

Comissariado AmadoraBD Av. Santos Matos 2 — 2700-748 Amadora – Lisboa – Portugal – (+351) 214 369 055/7 – amadorabd@cm-amadora.pt – www.amadorabd.com

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Nota de Abertura da Presidente da Câmara

Há 25 anos, a cidade da Amadora lançou-se no desafio de trazer o mundo das histórias aos quadradinhos para o concelho, e, desde então, o Festival Internacional de Banda Desenhada – AmadoraBD, tem vindo a fazer um percurso notável, afirmando-se como o maior do género no país e com reconhecido mérito internacional. Ano após ano, neste festival são esperados trabalhos de todas as partes do país e do mundo. Artistas e visitantes aguardam novidades, confrontos de ideias e partilha de experiências, transformando este evento no ícone cultural de referência da Amadora. As Pinturas Murais desenhadas numa das “portas” da cidade, recordando alguns dos cartazes mais emblemáticos deste evento, serviram de aperitivo, e são a prova do reconhecimento e importância que esta iniciativa representa para o município. Aliar a requalificação à Arte Urbana foi uma aposta ganha e o mote para muitos mais desafios… Este ano, é tempo de reflexão, convidando todos a debater sobre a contemporaneidade da Banda Desenhada e os desafios que esta enfrenta numa sociedade de informação, perante novos suportes e o avanço vertiginoso das novas tecnologias. Mas também é tempo de homenagear o talento dos artistas que nos acompanham nesta jornada, sendo com muito agrado que o Centro Nacional de Banda desenhada e Imagem assinala, com a exposição temporária “José Ruy, O Ofício da BD”, os 70 anos de atividade deste amadorense, apresentando as etapas da vida e obra de um dos mais notáveis autores de BD nacionais. Com uma programação diversificada, este evento escolheu a Casa Aprígio Gomes, nova sede da Galeria Municipal Artur Bual, para instalar a habitual Exposição de Cartoon, concentrando no Fórum Luís de Camões o epicentro do AmadoraBD, com mostras de inegável qualidade, entre elas a exposição central “Galáxia XXI: o futuro da banda desenhada é agora”. Este espaço reservou ainda lugar para assinalar duas efemérides – os 75 anos de Batman e os 50 anos de Mafalda, personagens imortais e inolvidáveis da BD. De realçar também o trabalho da Autora em Destaque e criadora do cartaz deste ano, Joana Afonso, que tem, curiosamente, tantos anos de existência como os deste festival. Fora do concelho, o festival marcará presença em Lisboa e Almada, nomeadamente no Instituto Francês de Portugal, Associação Renovar a Mouraria, FNAC Chiado, Goethe – Instituto Alemão, e Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea de Almada. Da entrega dos Troféus Zé Pacóvio e Grilinho, aos encontros, visitas guiadas, sessões de autógrafos, apresentação de livros e demais iniciativas, mantêm-se os habituais concursos nacionais e municipais de BD, sob o tema da Diversidade Cultural. É determinante a presença de todos nesta 25.ª edição, para que juntos possamos aplaudir a consagração de mais um projeto de sucesso, criado na nossa cidade, e que só é possível graças ao contínuo empenho de todos os envolvidos. A eles, e a todos os entusiastas da Nona Arte, o nosso profundo agradecimento.

A Presidente da Câmara Carla Tavares

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25 Anos de Banda Desenhada, de Ilustração, de Cartoon e de Cinema de Animação.



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A © O Baile, Joana Afonso e Nuno Duarte, p. 12, Kingpin Books, 2012


Texto por Sara Figueiredo Costa

No País do Medo Distinguido nos Prémios Nacionais de BD da Amadora nas categorias de Melhor Álbum de Autor Português e Melhor Argumento, O Baile, de Nuno Duarte e Joana Afonso (Kingpin Books) cria uma narrativa contextualizada no Portugal de Salazar, convocando para o seu desenvolvimento um universo onde o horror e o fantástico assumem papel de destaque. O tratamento de temas recentes da nossa memória comum não é tão frequente na produção nacional de banda desenhada como a riqueza desses mesmos temas poderia deixar adivinhar, ainda que seja possível identificar, nos últimos anos, uma mão-cheia de álbuns onde a ditadura do Estado Novo, a censura ou a Guerra Colonial são linhas de força. O Baile insere-se nesta temática geral sem, no entanto, querer ser narrativa histórica e muito menos didáctica sobre um tempo e um lugar. No centro do enredo, que decorre em 1967, um inspector da PIDE é enviado a uma vila piscatória perto da Marinha Grande para averiguar a veracidade dos rumores sobre um fenómeno sobrenatural que ali acontecerá. O contexto é o da visita do Papa Paulo VI a Fátima, pelo que importa assegurar que não há desordens, mesmo que motivadas pelas crenças, a importunar um momento tão solene e diplomaticamente importante. Na vila, algumas noites são perturbadas por um estranho cortejo de mortos-vivos que regressam do mar, onde morreram, para reclamar o sangue dos que ficaram. Uma mulher é acusada de provocar a situação, cumprindo-se o velho bode expiatório da mulher sozinha que rapidamente se aponta como bruxa. O desenrolar do enredo revelará outros dados e algumas reviravoltas, mas esta é a linha central que a narrativa de Nuno Duarte desenhada por Joana Afonso irá navegar. A escolha do imaginário zombie como contexto coloca O Baile num cruzamento cheio de potencialidades (bem aproveitadas, como veremos) entre a tradição popular portuguesa, registada em histórias, lendas e num romanceiro rico

* Sara Figueiredo Costa escreve de acordo com a antiga ortografia

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B © O Baile, Joana Afonso e Nuno Duarte, p. 26, Kingpin Books, 2012


Joana Afonso, Autora em Destaque

em fenómenos sobrenaturais, e as referências pop contemporâneas, profusamente alimentadas pela televisão, os videojogos e um mercado editorial sempre pronto a explorar ao máximo qualquer ‘nova’ tendência. A crença popular no chamamento dos que morreram no mar encontra nos zombies um cenário estranhamente apropriado, que se reconhece como eficaz no edifício narrativo criado por Nuno Duarte, por mais inesperado que seja. Essa é, aliás, uma das qualidades notórias de O Baile, o recriar de uma história onde as marcas do tempo e de um certo folclore são linhas de força, com recurso a elementos de género que não se imaginariam produtivos em semelhante contexto. A eficácia decorre da sageza do argumento, mas igualmente das soluções encontradas pelo desenho de Joana Afonso, que cruza a fluidez do traço com uma expressividade que tira o melhor partido desse gesto aparentemente anacrónico de convocar zombies para uma narrativa passada no Portugal do século XX (talvez não tão anacrónico como isso, se pensarmos no modo como se vivia nessa era dos ‘pobrezinhos mas honrados’, entre fome escondida, direitos cortados e muita gente torturada).

Escrever e desenhar a uma só voz A realização de um álbum a quatro mãos é tarefa tão mais complexa quanto a essas mãos correspondem duas cabeças, dois modos de imaginar e estruturar uma narrativa, dois caminhos que podem ou não encontrar-se harmoniosamente. Em O Baile, o que salta à vista na progressão narrativa e no avançar das pranchas é o sucesso desse encontro. Partindo de um enredo sem grande complexidade, o argumento de Nuno Duarte desenvolve-se num ritmo que tem como principal preocupação o resolver do mistério, num processo que tira partido das histórias passadas de algumas personagens (o inspector da PIDE, o padre da vila, a mulher acusada de bruxaria) e que, paralelamente, vai introduzindo outras linhas narrativas onde assomam temas mais gerais, particularizados na bagagem de cada personagem. É assim que a Guerra Colonial surge na história, através das memórias traumatizantes guardadas pelo padre após a sua passagem por Angola, e é assim que se convoca o tema da tortura praticada pelos agentes da PIDE, com a particularidade de este tema ser, aqui, tratado sem maniqueísmos – na verdade, um dos aspectos que se destacam nesta narrativa é a capacidade de ter como protagonista um agente da PIDE e, ainda assim, fazer dele um homem com uma complexidade psicológica que vai para além da infame tarefa que lhe foi atribuída pelo Estado, de tal modo que não é difícil ao leitor sentir empatia pela personagem, com todos os desconfortos e contradições que esse sentimento pode causar.

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O trabalho de Joana Afonso cumpre com esmero a tarefa de dar corpo a este argumento, mas vai além desse gesto, ampliando a sua intervenção e conquistando um espaço igualitário nessa espécie de voz comum que pode configurar um álbum assinado por duas pessoas. O modo como lida com a temática dos zombies é exemplar no equilíbro entre a seriedade que a narrativa pede e o gesto de parodiar um sub-texto que é facilmente reconhecível a partir dos universos televisivo e de entretenimento. O traço entre paródia e piada de mau gosto é, numa história que lida com crenças, medos e uma ameaça constante de linchamento popular, muito ténue e o desenho da autora consegue desafiar essa linha sem nunca a pisar. Como resultado, as fisionomias por vezes exageradas ou abonecadas, as composições que podiam ter saído de um filme com zombies e muita pancadaria e os pequenos apontamentos nitidamente humorísticos acabam por funcionar como válvulas de escape para a tensão criada pela narrativa, permitindo-lhe uma respiração que não a afasta do peso que o enredo transporta consigo, mas que a coloca num patamar de leveza assumido, desde o início, por este álbum. Resta lembrar que a leveza não é sinónimo de leviandade, algo que O Baile confirma a cada prancha.

Outros trabalhos Em Living Will, série editada pela Ave Rara (dois volumes publicados até agora e um terceiro a caminho), Joana Afonso trabalhou com o argumento de André Oliveira em torno de um homem que, vendo-se no final da vida, tenta agarrar algumas pontas soltas e deixar resolvidos os assuntos espinhosos que não quer levar consigo. O registo, pesado em termos emocionais e sem grandes espaços para apontamentos risíveis, é interpretado por Joana Afonso num traço onde predominam os contrastes fisionómicos. No rosto do velho Will, personagem principal, a melancolia declinase em variantes que tiram partido do olhar, da expressão facial, dos movimentos musculares bem marcados pelas rugas ou da dificuldade de locomoção. Quando a narrativa se socorre de analepses para iluminar o passado dessa e de outras personagens, é a leveza que parece predominar nos rostos que surgem, mais novos, como se tudo estivesse ainda por fazer e não fosse possível imaginar um momento em que a perda, a velhice e a solidão iriam alterar tantas coisas. O que o traço de Joana Afonso faz é dar corpo a essa linha temporal, interpretando a ignorância do passado em relação ao futuro de um modo que foge do óbvio, incorporando as rugas, sim, mas acrescentando-lhes outras camadas de sentido.

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Joana Afonso, Autora em Destaque

C © Living Will, Joana Afonso e André Oliveira, p. 14, Ave Rara, 2013

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No segundo volume da série Living Will, a sequência em que Will visita um amigo de infância para tentar sanar um conflito antigo, é talvez a mais exemplificativa deste trabalho em torno da fisionomia e do movimento corporal, algo que Joana Afonso alcança em diferentes trabalhos sem perder as características do seu traço e conseguindo sempre adaptá-las ao argumento traçado por outrém. Veja-se a história “Love Will Tear Us Apart, Again”, co argumento de João Tércio, publicada na revista polaca Ziniol e no Mag2, ou “ICK”, história em quatro pranchas com que a autora venceu o Concurso de Banda Desenhada do Amadora BD 2011 e que, trabalhando a partir de um enredo sem grandes surpresas, tira o melhor partido da expressão corporal da personagem central e da sua fisionomia para fazer progredir a narrativa. Lendo as histórias curtas que Joana Afonso tem espalhadas por diferentes publicações, da Cais (com “Se Vale a Pena”, 2012) à BDLP (“Onde Jaz o Teu Sorriso”, 2011), passando pela Zona Gráfica (“GGRRRRMMM... O Cotão da Casa-de-Banho”, 2010) e pelas edições já referidas, percebe-se que as personagens são o centro a partir do qual se compõe a vinheta e a prancha. Não é que as composições da autora não tirem partido dos espaços onde decorre a narrativa, sejam eles paisagens exteriores, urbanas ou não, ou cenários mais delimitados (como as casas de Living Will ou o carro do inspector de O Baile), mas esses espaços organizam-se em função das personagens e, sobretudo, do seu movimento – seja ele a locomoção e a progressão no espaço ou apenas o movimento da fisionomia, tão importante no trabalho desta autora. Como costuma acontecer no pequeno meio da banda desenhada, foi preciso esperar pela publicação de um álbum para que o trabalho de Joana Afonso fosse referido com a seriedade que já merecia antes, vencendo algumas barreiras para alcançar a atenção possível fora desse meio. Cumprida, pelo menos parcialmente (continua a falar-se pouco de banda desenhada quando se fala em livros em geral), essa meta, resta esperar por trabalhos futuros, independentemente da sua extensão.

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Joana Afonso, Autora em Destaque

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D © Living Will 2, Joana Afonso e André Oliveira, p. 14, Ave Rara, 2014 E

© Living Will 3, Joana Afonso e André Oliveira, p. 12, Ave Rara, 2014

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25 Anos de banda desenhada, de colaboraçþes, amizades e cumplicidades em todo o mundo.



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A © Jimmy Corrigan or The Smartest Kid on Earth, Chris Ware, p.81, Jonathan Cape London, 2013


Texto por Sara Figueiredo Costa e Luís Salvado

Galáxia XXI: O Futuro da Banda Desenhada é Agora Em 1962, Marshall MacLuhan escrevia Galaxia Gutenberg, o livro-charneira que analisava o papel da imprensa na construção da civilização moderna e reflectia sobre a difusão de material impresso no Ocidente. Chegados ao século XXI, não é apenas uma galáxia que habitamos. Olhando para a banda desenhada, uma das expressões que deveu à imprensa e ao seu desenvolvimento a possibilidade de existir e espalhar-se pelo mundo, são muitas as constelações que a compõem neste século XXI onde continuamos a falar do futuro como se ele não tivesse ainda chegado. Os modos de criação, produção e difusão de banda desenhada reflectem o muito que mudou ao nível da leitura, da impressão de livros e revistas, da edição e da distribuição. Curiosamente, o futuro tecnológico que animou tantas vinhetas de ficção científica ao longo do século passado não se instalou de modo arrasador e aquilo a que assistimos é a um convívio, por vezes caótico e também por isso tão rico, de processos de edição, criação, distribuição e leitura que devem tanto aos velhos ardinas que, desde o século XIX, anunciavam jornais nas ruas, como aos muitos ecrãs onde podemos ler, comprar e até fazer banda desenhada. É sobre essa multiplicidade e sobre as suas potencialidades que reflectimos nesta exposição, confrontando escalas, geografias, modos de editar e possibilidades na comunicação com o leitor.

* Sara Figueiredo Costa e Luís Salvado escrevem de acordo com a antiga ortografia

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Os meios e modos de comunicação que hoje estão disponíveis e se cruzam a uma velocidade que seria inimaginável há duas ou três décadas criaram possibilidades de reconhecimento quase imediato de qualquer obra ou conteúdo produzidos em qualquer parte do mundo. Essa velocidade, potenciada sobretudo pela internet como centro nevrálgico de todas as comunicações, divulgações e partilhas, atenuou a geografia, aproximando pessoas e conteúdos, e permitiu a adulteração das cadeias de produção e distribuição que se consolidaram ao longo do século XX no que à banda desenhada diz respeito, mas igualmente em muitas outras áreas da informação, do conhecimento e da cultura. Ao lado de modelos de produção e distribuição de banda desenhada com algumas décadas de consolidação, como os grandes mercados dos comics nos Estados Unidos da América, da mangá no Japão, ou do mercado franco-belga, outros modos de trabalhar foram ganhando espaço. A democratização dos modos de produção e impressão de livros e revistas preconizada pela impressão digital, pela vulgarização das ferramentas de paginação e pelos serviços de print on demand permitiu que mais gente acedesse ao trabalho de edição, sem necessidade de uma grande estrutura a apoiar o seu trabalho. Por outro lado, a enorme expansão da internet, quer como plataforma de divulgação, discussão e venda, quer como ferramenta de comunicação que coloca gente em contacto em qualquer parte do mundo, permitiu uma liberdade de contactos cujos resultados estão à vista em trabalhos colectivos, parcerias e redes de divulgação que podem chegar a qualquer parte do mundo. Um livro de banda desenhada impresso à mão em qualquer país do mundo tem, hoje, a possibilidade de ser vendido a muitos quilómetros de distância sem que nenhuma editora ou estratégia de marketing tenha qualquer voto na matéria. O mesmo se pode dizer dos livros de pequenas editoras, muitas vezes com tiragens reduzidas, que podem ser colocados em livrarias sem a acção de uma distribuidora e divulgados em variadíssimos canais sem necessidade de um investimento de monta. A possibilidade de editar em suporte digital veio juntar-se a esta revolução, ainda que de um modo que não deve ser simplificado na fórmula papel vs digital. O digital tem ocupado um espaço relevante na edição de conteúdos que se querem de circulação massiva (caso dos comics ou da mangá) ou, por outro lado, de conteúdos cujos criadores não têm como assegurar a sua impressão e distribuição, preferindo um modo mais rápido e barato de os fazer circular. No caso concreto da banda desenhada, o desenvolvimento da publicação em suporte digital tem sido, na maioria dos casos, um modo de transpor para o écrã o que estaria (e quase sempre está, porque se trata de edições em ambos os suportes) no papel, facilitando a distribuição. Ainda assim, os exemplos de trabalhos concebidos exclusivamente

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Galáxia XXI: O Futuro da Banda Desenhada é Agora

para o digital têm dado alguns frutos em termos de inovação, alterando a própria concepção da banda desenhada e algumas das suas ferramentas. Estes elementos são comuns a grande parte do mundo, ou pelo menos às geografias onde podemos identificar uma produção de banda desenhada de acordo com os modelos que reconhecemos (criação, edição, distribuição). Claro que desta leitura se excluem países sem mercado editorial, ou com mercados muito incipientes, mas o que se pretende ilustrar é que independentemente das escalas, e elas são abissalmente diferentes entre os vários países industrializados e com mercados editoriais, o modo de produção, edição e circulação de banda desenhada no Japão não é muito diferente do modo praticado em França ou em Portugal – a escala, essa sim, é difícil de comparar. A globalização da economia e da finança globalizou tudo o resto e, escalas à parte, em qualquer um destes sítios encontramos processos praticamente iguais no que à edição e distribuição diz respeito. Essa uniformização no modo de produzir não uniformizou a criação, claro, mas tornou possível um contacto muito mais estreito entre quem cria, por um lado, e por outro ajudou a fazer circular objectos editoriais que, por serem de uma escala pequena, não teriam como circular sem estas ferramentas. Se há algo que pode caracterizar transversalmente a banda desenhada neste início de século, esse algo é o modo de produzir e fazer circular o que se cria, quer falemos de grandes mercados com tiragens de muitos milhares e um investimento financeiro considerável, quer pensemos em pequenos projectos editoriais de dezenas ou centenas de exemplares. O mundo globalizado de que todos falam e a rede que tanto nos mudou hábitos e modos de estar asseguram que podemos, com a mesma facilidade, aceder à mais recente edição da Marvel ou ao último fanzine de uma cooperativa sedeada em Bogotá. Os pessimistas anunciaram que à Galáxia Gutenberg se sucederia o digital, modo exclusivo de criar, ler e comunicar. Quase quinze anos passados sobre o início do século que traria semelhante prodígio, deixando-nos a todos de olhos colados ao ecrã, parece que o convívio entre suportes é a regra. No caso da banda desenhada, dir-se-ia que mais do que convívio, é de uma fértil miscelânea que se trata.

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Os grande mercados: EUA e Japão Em termos de impacto internacional e amplitude planetária, os EUA e o Japão não têm conhecido rivais no mercado da banda desenhada ao longo do século XXI. É verdade que outros países como a França, a Bélgica e a Itália continuam a ter uma produção extraordinariamente pujante, com vários títulos a conseguir a internacionalização, mas o domínio do mercado global, em termos de publicação e influência, centra-se hoje em dia em torno daqueles dois países, que têm sabido renovar a sua oferta, alargar públicos e tocar os quatro cantos do planeta. E se os EUA sempre tiveram essa capacidade, que se estende à ficção cinematográfica e televisiva, o caso do Japão tem sido singular em termos de crescimento e consolidação. O eixo franco-belga, que brilhou internacionalmente entre as décadas de 50 e 80, está hoje em dia menorizado na sua divulgação fora dos países francófonos pela força destes dois titãs e pela redução de amplitude da língua e da cultura francesa fora do hexágono nas últimas duas décadas e meia. O caso de domínio internacional da BD norte-americana tem sido central ao longo da história da BD, quer da publicada originalmente em jornal, comic-book (em variante mainstream, underground ou alternativa) ou graphic-novel. Hoje em dia, se o primeiro modelo já raras vezes vai tendo impacto internacional, o segundo e o terceiro mantêm uma vitalidade impressionante, que tem ultrapassado as fronteiras mais tradicionais dos leitores de BD. Na arena dos comic-books, a BD de super-heróis das editoras Marvel e DC continua a dominar o mercado, embora hoje em dia ela se dirija muito mais a um público de adultos e jovem-adultos que o que sucedeu até à década de 80, em que os adolescentes eram privilegiados. Ao contrário do que sucedera até aí, muitos leitores não deixaram a BD de super-heróis ao entrar na idade adulta, muito por mérito dos talentos de autores como Frank Miller e Alan Moore, que souberam renovar a linguagem e o conteúdo do género, mas também de uma sociedade norte-americana que começava a deixar de ver com maus olhos o consumo de BD na idade adulta. E se nos anos 90, o exagero de violência, tragédia e promessa de sexo com que se tentou manter a fidelidade do público adulto levou à fuga de muitos leitores para outras paragens, no século XXI, a consistência dos argumentos voltou a estar na ordem do dia e a BD de super-heróis reencontrou a consistência necessária aos olhos dos leitores, reforçada agora pelo sucesso continuado de muitos heróis nas telas de cinema. Assim, se até aos anos 80 o público conhecedor seguia quase sempre o percurso de determinados desenhadores (com excepções raras, como as dos argumentistas Alan Moore ou Neil Gaiman), no século XXI o centro de poder e devoção parece

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B © The League of Extraordinary Gentlemen, vol III: Century, Alan Moore e Kevin O’Neill, capa, TopShelf Productions/Knockabout, 2014 C © Batman/Batwoman Ideia+Desenho: Daniel Maia | Produção: 2013, Portfólio Técnica: Grafite e Acrílico Branco | Medidas: 42-43x28cm, Artboard Pro | (Batman, Batwoman, Joker ©DC Comics)


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D © X-factor, capa, nº 224.1, Marvel, 2011 E

© One Piece, in New World, capa, vol. 69, Viz Media, 2013

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ter passado quase totalmente para as mãos dos argumentistas, com as editoras a saberem ir buscar talentos com provas dadas em séries mais independentes e a darlhes o controlo dos destinos dos seus heróis mais icónicos. Hoje em dia, os títulos centrais da Marvel e da DC parecem ser controlados por verdadeiros show-runners (à imagem do que aliás sucede com o modelo das séries de televisão norte-americanas), com criadores de estilo forte e marcante a determinarem o tom e os destinos de um determinado sub-universo da editora, composto de vários títulos. Na DC Comics, Geoff Johns (Green Lantern, Aquaman, Flash) e Grant Morrison (Batman, Action Comics) são hoje as principais forças criativas, o primeiro com uma capacidade invulgar de se manter fiel a detalhes de continuidade que apelam aos leitores mais antigos, e o segundo a continuar a apostar mais na desconstrução e na metalinguagem sem desvirtuar as personagens. Na Marvel, Mark Millar tornou-se um exemplo com a reinvenção e modernização das personagens principais da editora nas séries Ultimate e na maxi-saga Civil War (dedicando-se depois ao trabalho em Hollywood e à sua própria produção de BD, com grande sucesso, nomeadamente na série), e Brian Michael Bendis é hoje a figura mais destacada, com maxi-séries que integram a maioria dos heróis da editora, como House of M, Siege ou Age of Ultron, e como timoneiro dos destinos dos Vingadores e, hoje em dia, dos X-Men. A estes nomes poderíamos juntar casos como os de Ed Brubaker, Brian Azzarello ou Matt Fraction, com trabalhos marcantes dentro e fora da BD de super-heróis, sempre com diálogos fortes e saborosos, estruturas narrativas complexas e eficazes e uma capacidade de reinvenção de códigos muito assinalável. Talvez a BD de super-heróis nunca tenha tido tanta qualidade, mesmo que o peso da continuidade continue a dificultar a entrada de novos leitores. O público-alvo parece assim terse estabelecido essencialmente entre a faixa dos 18 e os 39 anos, eliminando a dos adolescentes, que antes tinha sido central. Ainda assim, nos últimos anos, o domínio das listas de vendas continua a pertencer a séries destas editoras, embora haja cada vez mais casos exteriores de sucesso a ocupar terreno, sempre controlados por um único argumentista, embora nem sempre associado ao mesmo desenhador. O caso de êxito mais espectacular tem sido a série de zombies The Walking Dead, que bate consistentemente as de super-heróis nos tops de vendas, auxiliada pela imensa popularidade da série televisiva que a adapta. Robert Kirkman comanda os destinos da série desde o início, em 2003, maioritariamente com ilustrações de Charlie Adlard. O terreno aqui é o da BD para um público adulto, onde operam também outros dos autores mais elogiados dos últimos anos: o já mencionado Ed Brubaker, em ficções noir como Criminal, Incognito e The Fade Out, com Sean Phillips; o também já referido Matt Fraction, que além da renovação muito criativa da personagem Hawkeye (com David Aja) se

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destacou com o brilhante Sex Criminals, ao lado do brilhante Chip Zdarsky; John Layman com a singular saga de detectives Chew, com John Guillory; e Brian K. Vaughan, popularizado pela série Y: The Last Man, a assinar um dos super-sucessos norte-americanos mais recentes, a delirante space-opera Saga, ilustrada por Fiona Staples. Com a BD periódica norte-americana para adultos em efervescência criativa e a DC e a Marvel a centrarem as suas atenções do público jovem-adulto para cima, as crianças e adolescentes poderiam ter ficado órfãs de BD pensada para a sua idade. Na verdade, nada disso aconteceu, com o século XXI a marcar o que alguns já identificam como uma nova idade de ouro da BD para essa faixa etária, alguma dela com influência da BD japonesa, por ter sido criada por uma vaga de autores que já cresceram com essas referências de leitura. Scott Pilgrim, do canadiano Bryan Lee O’Malley, foi uma das primeiras marcas dessa tendência embora conseguisse cativar leitores mais adultos. Owly, de Andy Runton, Amelia Rules!, de Jimmy Gownley, e, principalmente, Mouse Guard, de David Petersen, estão entre as séries mais populares e premiadas nesse segmento, tal como a versão que o talentoso Ryan North fez da famosíssima série animada Adventure Time. Tal como em relação aos super-heróis e à BD dita independente, também aqui há autores que funcionam em mais que um registo: Brian K. Vaughn, que além dos títulos já referidos criou a série de heróis adolescentes Runaways para a Marvel, ou o muito talentoso Eric Shanower, que tanto se tem distinguido com as suas excelentes adaptações dos livros da série de Oz, para um público mais jovem, como com a sua leitura muito pessoal da Guerra de Tróia em Age of Bronze para leitores mais adultos.

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© The Court of Owls, Scott Snyder e Greg Capullo, in Batman, nº 52, DC Comics, 2012

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Com a universalização da língua inglesa e o acesso cada vez mais fácil às obras por via da internet, o domínio da BD norte-americana nos mercados internacionais tem-se mantido tão grande como quase sempre foi, com a qualidade dos novos títulos e a nova atenção trazida pelo sucesso das adaptações ao cinema a conquistarem novos leitores. A sofisticação dos novos meios de comunicação permitiu também o percurso inverso, com a entrada cada vez maior de autores não americanos nas grandes majors, sem precisarem sequer de sair do próprio país. Nos últimos anos, Portugal cumpriu finalmente o sonho de publicar nos gigantes da Marvel e DC, com nomes como Daniel Maia, Filipe Andrade, Nuno Plati ou Jorge Coelho a trabalharem regularmente para as duas editoras. Expansão tem tido também a BD japonesa além-fronteiras, e na maioria dos mercados, com o estilo narrativo que a caracteriza a ser cada vez mais assimilado pelo que se vai publicando tanto nos EUA como na Europa. No Japão, claro, o consumo de BD é superior ao de qualquer outro país do mundo, como uma variedade de públicos-alvo também impensável para o que é comum no ocidente. Para se ter uma ideia do volume envolvido, refira-se que em 2011 houve algum lamento pela queda de 1,5% em relação às vendas do ano anterior, contabilizando nada menos que 267.5 mil milhões de ienes, ou seja algo como 2.886 milhões de dólares. Nos EUA, no mesmo ano, o volume de vendas não chegou perto dos 500 milhões de dólares. Entre todas, a série mais popular continua a ser One Piece, que Eiichiro Oda cria desde 1997, e que entre Novembro de 2012 e Novembro de 2013, só no Japão, vendeu um total de 18 151 599 exemplares, com o número 69 a ser o mais comprado: nada menos que 3 147 224 unidades.

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G © The Unwritten Apoclypse, capa, Vertigo, 2014


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Em 2013, One Piece tornou-se oficialmente a BD japonesa de maior sucesso de sempre, com 345 milhões de volumes vendidos em todo o mundo. Mas esse é só um exemplo entre muitos, num país em que a BD se conseguiu integrar sem qualquer preconceito nos hábitos de leitura. Séries recentes como a polémica Attack on Titan, de Hajima Asayama, ou Blue Exorcist, de Kazue Kato, são mega-sucessos recentes, que se medem taco a taco com outros títulos mais icónicos e de inesgotável popularidade como Naruto ou Yu-Gi-Oh!, que movem regularmente milhões de exemplares nos escaparates, sem falar nos derivados de animação e jogos de vídeos que os complementam e que continuam a ser um dos baluartes da indústria do mangá. Com um mercado rico em criatividade e diversidade, a BD japonesa acolhe hoje artistas das mais diversas sensibilidades e estilos. Um bom exemplo disso é Yoshiyasu Tamura, que os portugueses conheceram na edição do AmadoraBD 2013. Além do seu trabalho nos quadradinhos, iniciado na popularíssima linha de revista Gekkan Shonen Jump em 2003, o artista tem feito carreira na ilustração e na pintura, com exposições um pouco por todo o mundo, e até colaborou com Alexander McQueen na colecção Outono/Inverno de 2014 do estilista britânico, que usa as imagens do artista japonês para ilustrar as peças de roupa do seu catálogo. Nos mercados internacionais, o sucesso crescente da BD japonesa não tem parado de surpreender. Nos EUA, onde começou timidamente nos anos 80, não deixou de crescer desde então, alicerçada também na popularidade sempre crescente da animação televisiva e cinematográfica do país do Sol Nascente. Em 2002, a editora Tokyopop marcou um ponto de viragem com uma aposta arriscada: publicar BD japonesa no seu formato original, de dimensões menores que o comic-book tradicional, e com o sentido de leitura inverso ao ocidental. O resultado, além da maior fidelidade ao original, permitiu embaratecer os livros e o sucesso tornou-se incontornável, passando rapidamente a ser a regra de publicação de mangá nos EUA. O ano de 2007 marcou o pico de popularidade de BD japonesa nos EUA, com cerca 210 milhões de dólares de vendas, embora esse valor tenha descido nos últimos anos, por factores geralmente associados à falência em 2011 do grupo Borders, cuja cadeia de 600 lojas representava uma enorme percentagem das vendas de mangá nos EUA. Na Europa, a BD japonesa também não tem parado de ganhar espaço. A França continua a ser o país que mais entusiasticamente abraça a produção de BD (e também de animação) japonesa, abarcando 40 a 50% das vendas de mangá na Europa, com a Itália, o Reino Unido e a Holanda a seguirem a tendência e a Alemanha a consumir cerca 70% de títulos japoneses nos seus hábitos de leitura de BD. O cenário, apesar de ter muitas variáveis, continua ser muito impressionante,

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principalmente porque abarca uma quase totalidade leitores muito jovens e porque conseguiu alargar o campo de adeptos da BD às mulheres, que raras vezes foram o público-alvo da BD feita no Ocidente. Isto para já não falar na influência massiva da BD japonesa no ocidente, que já merece designação própria, desde a Nouvelle Mangá em França, a OEL Mangá no mundo anglo-sexónica (significando original -language mangá) ou a Linea Gaijin nos países hispânicos. Na Ásia, há muito que essa influência é uma realidade, em países como a China, Taiwain e a Coreia do Sul, que se tornou um caso sério de popularidade, desenvolvendo o seu estilo próprio, conhecido internacionalmente como Manhwa.

Regresso às origens: tinta no papel Desde que Johannes Gutenberg patenteou a invenção da imprensa de caracteres móveis, a circulação de livros e outros objectos impressos tornou-se elemento essencial do modo como estruturamos a sociedade, a comunicação e a cultura. A evolução tecnológica fez com que as técnicas dessa época fossem sendo substituídas por outras, mais rápidas, baratas e capazes de assegurarem uma produção em escalas cada vez maiores, mas o modo ‘tradicional’ de transferir para o papel uma imagem ou um conjunto de letras nunca se tornou obsoleto. O regresso a técnicas tradicionais de impressão não é, portanto, uma novidade, e talvez seja mais acertado dizer que a utilização dessas técnicas nunca se extinguiu, mas a vulgarização da impressão em offset, com todas as vantagens que trouxe ao nível da produção em quantidade e rapidez, empurrou para longe dos mercados editoriais práticas mais demoradas e menos rentáveis em termos de impressão. Aquilo a que se assistiu nos últimos anos, com diferentes ritmos conforme as geografias, foi a uma recuperação paulatina da serigrafia, das várias técnicas de gravura e da tipografia ao serviço de projectos editoriais pequenos, muitos deles cruzando banda desenhada, ilustração e experimentação gráfica. A escolha de técnicas tradicionais de impressão por parte de alguns autores e projectos editoriais terá diferentes motivações, da vontade de experimentar e aprender a fazer livros de um modo diferente do permitido pela indústria editorial actual à facilidade de recuperar velhas máquinas e colocá-las, com baixos custos, ao serviço daquilo que se quer fazer. Em alguns casos, o trabalho com uma determinada técnica acaba por tornar-se imagem de marca de um projecto, como acontece com o Dernier Cri, colectivo francês que cria livros impressos em serigrafia e cujo catálogo remonta a 1993. Há uma estética comum aos livros desta editora, pese embora a total liberdade permitida a cada artista que se envolve na edição, e

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H © Charlottesville’s Preliminay Black Blooming, André Lemos, Opuntia Books

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essa estética passa por uma certa crueza da linguagem – visual e verbal – , por uma violência que nada tem de gratuita e pelo modo desbragado como se ri daquilo que lhe parece risível. Talvez mais forte do que essa estética, cuja análise não cabe neste espaço, seja um modo de trabalhar fora dos circuitos instalados no mercado editorial e livreiro, de tal maneira fora que nem sequer o recurso aos modos de produção e impressão cada vez mais acessíveis é equacionado: no Dernier Cri imprime-se à mão, um exemplar de cada vez, e não há dois livros iguais. Pode ser uma decisão unicamente motivada pelas potencialidades da serigrafia, mas é mais provável que o estar fora de um circuito instalado também tenha a sua parte de relevância. À semelhança do Dernier Cri, também a editora Re:Surgo!, sedeada na Alemanha, escolheu a serigrafia como técnica predominante nos seus trabalhos, ainda que utilize outras formas de impressão complementares. Para além dos livros, publicados em pequenas tiragens, a Re:Surgo! publica também serigrafias em edição limitada e livros de artista, constituindo um outro exemplo de como os projectos editoriais que têm vindo a trabalhar com técnicas de impressão tradicionais tendem a cruzar territórios e linguagens sem preocupação com os seus limites. A trabalhar desde 2001, a editora fundada por Anna Hellsgård e Christian “Meeloo” Gfeller tem como linha orientadora a perfeição técnica nos seus trabalhos, procurando um domínio da técnica serigráfica que permita resultados no papel que em nada se aproximam do desleixo ou da fraca qualidade que se poderia imaginar associada a objectos impressos com recurso a técnicas que tantos acreditam estarem ultrapassadas. Tal como acontece com muitos destes projectos, os livros e as impressões da Re:Surgo! encontram-se à venda em galerias, pequenas livrarias e através da internet. Editar à margem do mercado tem sido opção ou solução para muitos dos autores e colectivos que trabalham o livro com recurso a técnicas de impressão tradicionais. Quando a opção por essas técnicas não é uma regra exclusiva, o mais comum é encontrarmos edições que acabam por misturar técnicas, muitas vezes cruzando a impressão digital com a gravura ou a serigrafia, numa harmonia de modos e tempos que enriquece cada exemplar de uma tiragem com uma impressão única, ou outro apontamento exclusivo, sem o transformar numa edição raríssima que só poderia ser adquirida por coleccionadores. André Lemos tem trabalhado frequentemente neste registo, movendo-se igualmente pelos territórios comuns de outros projectos colectivos com uma escala de produção ligeiramente mais ampla. O selo editorial criado pelo autor, os Opuntia Books, apresenta um catálogo ainda curto que tem a particularidade de recorrer à impressão digital para editar trabalhos que dificilmente se enquadrariam no catálogo de uma editora maior e com capacidade para tiragens apenas suportadas pelo offset. Para além dos livros, não apenas da

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sua autoria, que edita nos Opuntia Books, André Lemos tem publicado o seu trabalho em diferentes projectos editoriais, quase todos oriundos deste universo onde a impressão com recurso a técnicas tradicionais se cruza com a banda desenhada e a ilustração, muitas vezes questionando os limites de cada uma das linguagens e propondo trabalhos onde ambas se cruzam sem preocupações com fronteiras ou etiquetas. Utilizar uma técnica aparentemente ultrapassada para a impressão ou o acabamento de um livro pode não ser uma decisão motivada unicamente pela vontade de a utilizar, mas igualmente pela necessidade de utilizar da melhor maneira os escassos recursos disponíveis. É isso que sucede com o trabalho das cartoneras, editoras nascidas no seio de comunidades desfavorecidas na América do Sul. Os recursos são os muitos quilos de papel e cartão espalhados pelas lixeiras e pelas ruas e o envolvimento da comunidade passa por criar redes de cataderos, gente que recolhe esse cartão e o entrega nas cartoneras, ganhando um vencimento monetário em troca do seu trabalho. Mais tarde, o papel e o cartão recolhidos vão ser a matéria prima que há de permitir a edição e a impressão de livros, normalmente com texto e imagem. Alguns desses cataderos acabam por envolver-se no trabalho editorial, colaborando na preparação do cartão, no corte das folhas que hão de transformarse em capas e, por vezes, na decoração das capas ou na ilustração dos livros. O movimento das cartoneras começa em 2003, quando um grupo de escritores, artistas e activistas argentinos idealizou um modo de editar que contrariava as bases do mercado do livro ao mesmo tempo que pensava em mecanismos de fazer chegar a leitura a um público que não estava familiarizado com ela. Tudo começa com a Eloísa Cartonera, de Buenos Aires, um colectivo de gente interessada na edição de livros e dedicada a enquadrar essa actividade no tecido social, económico e cultural da comunidade de um modo que não se limitasse ao consumo. É com a Eloísa Cartonera que se definem as bases daquilo que viria a ser um movimento, primeiro alastrando aos países vizinhos, depois espalhando-se por toda a América Latina e finalmente chegando aos Estados Unidos da América e a alguns países europeus. Um movimento que começou por remexer no lixo, alcançou a proeza de criar trabalho pago em zonas onde o desemprego é muito elevado, envolver as comunidades numa actividade colectiva cuja responsabilidade também partilham, promover a leitura e criar um potencial de esperança no futuro que não se imaginaria possível em muitas das comunidades que hoje mantêm as cartoneras em funcionamento.

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A BD para além da BD: biografia, graphic novel, não-ficção O termo graphic novel é um daqueles temas que pode suscitar discussões intermináveis entre os leitores e estudiosos de banda desenhada, muitas vezes com mais barulho que proveito. Sem entrarmos na discussão de quem utilizou a expressão pela primeira vez (o episódio de Will Eisner inventando o termo para convencer o seu editor a publicar A Contract With God tem tantos defensores como detractores da sua veracidade), é seguro dizer que a sua escolha se tornou comum nos anos 70/80 do século passado, nos Estados Unidos da América, quando os livreiros perceberam que colocar as duas palavrinhas mágicas na descrição de um livro de banda desenhada era meio caminho andado para que os não-leitores de banda desenhada aceitassem aquele livro como uma boa sugestão de leitura. Esta situação continua a ser comum, e talvez isso explique a proliferação do termo em recensões e artigos de jornal, sobretudo quando livros como Maus, de Art Spiegleman, Persépolis, de Marjane Satrapi ou Blankets, de Craig Tompson, conseguiram quebrar a barreira de um certo ghetto de leitura. O facto de a banda desenhada continuar a ser vista, por muitos leitores, mas igualmente por muitos livreiros, editores, mediadores em geral, jornalistas, etc, como algo destinado a ser consumido por leitores mais novos – uma visão que revela mais sobre a ignorância de quem assim pensa do que sobre a banda desenhada propriamente dita – terá sofrido um certo abalo quando esses e outros livros começaram a ser conhecidos fora daquilo a que poderíamos chamar, sem grande preocupação de rigor, o meio da banda desenhada. O que podia ter sido uma boa oportunidade para conhecer a vastíssima produção de uma linguagem com a qual se pode construir a história mais ligeira ou a mais densa das narrativas foi, em vez disso, o pretexto para se arrumar o assunto com um termo que pouco diz. Assim, a graphic novel passou a acalmar a boa consciência dos que, pouco conhecendo de banda desenhada, não queriam deixar de ler e divulgar algo que lhes parecia merecedor de ser conhecido. Não quer isto dizer que o termo graphic novel não possa ter a sua justificação numa determinada forma de discutir e arrumar categorias no campo da banda desenhada, mas não é certamente com esse propósito que a maioria das pessoas o utiliza, pelo que melhor seria afastarmo-nos do logro, assumindo que aquilo a que as livrarias chamam graphic novel é apenas a boa e velha banda desenhada ao serviço de narrativas e modos de contar que, por motivos diversos, merecem os mesmos encómios que um romance ilustre ou um bom filme de autor. Nos últimos anos, o espaço ocupado por livros de banda desenhada de grande fôlego, com narrativas memorialísticas, autobiográficas ou de não-ficção tem

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crescido, quer nas livrarias generalistas, quer no campo da produção. Maus terá sido um dos primeiros livros com estas características a cair nas boas graças de um público pouco habituado à leitura de banda desenhada (de tal modo que foi distinguido com um prémio Pullitzer), mas de Marjane Satrapi a Joe Sacco, passando por Craig Thompson, David B. ou Alison Bechdel, vários são os autores que têm contribuído para quebrar o muro que parecia isolar a banda desenhada num campo reservado às narrativas de determinados géneros, sempre pouco considerados por uma certa inteligentsia nada conhecedora do muito que sempre se passou entre vinhetas. Num movimento recíproco, esta atenção crescente dada a livros de banda desenhada como estes e outros, também as editoras passaram a ter uma maior abertura a propostas de publicação nem sempre óbvias do ponto de vista comercial. Se casas editoriais como a Fantagraphics sempre alicerçaram o seu catálogo em trabalhos onde se destacavam o registo da memória, a autobiografia, a reportagem ou as narrativas de pendor realista, outras editoras trataram de abrir espaço nos seus catálogos para algo que não é um género, nem sequer uma linha homogénea – quer em termos de discurso, quer ao nível do traço –, mas que acaba por se tornar identificável pelo tipo de temas tratados e pelo modo narrativo, quase sempre marcado pela primeira pessoa. O caso da editora francesa L’Association é um bom exemplo de como a publicação de livros de banda desenhada que não obedeçam a géneros pré-determinados nem a formatos narrativos cristalizados pode tornar-se um caso sério de boa edição e de reconhecimento do público (senão comercial, pelo menos ao nível da percepção).

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© Black Hole, Charles Burns, capa, Jonathan Cape London, 2011

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© Are You my Mother, Alison Bechdel, capa, Jonathan Cape London, 2012

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K © Are You my Mother, Alison Bechdel, p.21, Jonathan Cape London, 2012 L

© Habibi, Craig Thompson, p.323, Faber&Faber, 2011

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Criada em 1990, depois de várias edições de livros e revistas onde a experimentação visual e narrativa foi marca de água, a L’Association tem um catálogo extenso, cuidado e selectivo onde se destacam inúmeros títulos que se encaixam nestas temáticas e modos de narrar. Claro que a riqueza do trabalho desta editora, bem como os inúmeros debates que tem suscitado no meio da banda desenhada desde a sua formação, garantem que não é este o único ponto de interesse da sua existência, nem sequer o principal, mas não seria justo abordar o assunto dos livros de banda desenhada que têm conquistado públicos e leitores para além dos já rendidos ao universo das pranchas e vinhetas sem referir a L’association. Se esta atenção tem sido ponto de honra no mercado editorial dos Estados Unidos da América, importa registar que a sua expansão é global, do Canadá de Seth ou Chester Brown à França de David B. ou Edmond Baudoin, a lista seria interminável. Um dos exemplos escolhidos para esta exposição vem, propositadamente, de fora destas rotas mais conhecidas da edição, mais concretamente do Brasil. Com o livro Cachalote, publicado pela Companhia das Letras, o escritor Daniel Galera e o desenhador Rafael Coutinho chegaram aos escaparates das livrarias generalistas sem terem de desculpar-se pelo incómodo de um livro de banda desenhada merecer o mesmo destaque que um romance.

O colosso franco-belga Entre o pós-Segunda Guerra Mundial e a década de 80, a BD do chamado eixo franco-belga revelou um constante fervilhar de criatividade e novidade, com uma produção infanto-juvenil de enorme encanto e qualidade e a emergência de obras marcantes de cariz adulto e sofisticado, mais de duas décadas antes da BD norte -americana dar passos decisivos e consistentes nesse mesmo sentido. Na Europa, conseguiu tornar-se a BD de referência, acima da dos EUA, com muitas séries a conseguir circular por todo o planeta. A partir dos anos 90, porém, essa internacionalização foi-se atenuando e a capacidade de marcar o panorama internacional foi-se revelando mais espaçada, apesar da enorme pujança da produção e do mercado. A sedimentação internacional da popularidade da BD japonesa e a renovação da qualidade e variedade da BD norte-americana tornaram-se desde então mais cativantes para os leitores internacionais que as propostas franco-belgas, minadas pela diminuição drástica da preponderância da língua e da cultura francesa no mundo a partir dos anos 80 e sem a capacidade americana e japonesa de usar o cinema e as séries de animação para empurrar a popularidade das suas personagens.

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M © Les Lumières de la France, 1 La Comtesse Éponyme, Joann Sfar, capa, Dargaud, 2011 N © Moi René Tardi Prisionnier de Guerre au Stalag IIB, Tardi, capa, Casterman, 2012

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Ainda assim, o mercado franco-belga continua a ser espantoso de produtividade e diversidade. Em 2012 foram lançados 5.565 álbuns diferentes, entre títulos de linha clássica, obras alternativas, livros para crianças, álbuns para adultos ou histórias de estilo gráfico inspirado nos quadradinhos japoneses. Os best-sellers continuam, naturalmente, a ser os clássicos que fizeram a popularidade do mercado franco -belga. Em 2013, Asterix Chez les Pictes tornou-se o livro mais vendido do ano em França, com 1,6 milhões de exemplares comprados em apenas três meses, de Outubro a Dezembro, à frente dos três volumes da série 50 Sombras de Grey. Em Junho de 2014, o álbum, assinado por Jean-Yves Ferri e Dider Conrad (que foi o primeiro livro da série não assinado por Albert Uderzo) chegou aos 2.387 milhões de exemplares vendidos. O caso do guerreiro gaulês é típico da aposta na continuidade que tem marcado a vida das personagens mais populares da BD franco-belga, que se têm visto forçadas a renovar-se para sobreviver. Com a morte ou a reforma dos autores que os criaram e lhes deram popularidade, os antigos heróis tiveram de continuar vivos pelas mãos de novos criadores, com alterações mínimas às fórmulas que fizeram o sucesso inicial, como se o tempo não tivesse passado por eles. Isso sucedeu com vários dos grandes ícones da BD franco-belga, não só Astérix como também Lucky Luke, Blake et Mortimer, Les Schtroumpfs, Boule et Bill, Alix ou Marsupilami. Em 2012, o álbum de BD mais vendido do ano foi precisamente o volume 21 da série Blake et Mortimer, assinado por André Juillard e Yves Sente, que apesar de ter sido publicado em Novembro conseguiu vender nada menos que 244 mil exemplares em apenas dois meses. Todas as séries referidas encontram-se regularmente entre as mais vendidas, tal como outras em que os novos autores optaram pelo caminho mais arriscado de fazer alterações de estilo significativas ao original, como sucedeu com Spirou ou o caso recente de Michel Vaillant. O autor recente com maior volume de blockbusters continua a ser o prolífico argumentista Jean Van Hamme, que, além de assumir alguns álbuns da série Blake et Mortimer, criou três séries que têm sido verdadeiras campeãs de vendas: Thorgal, que escreveu 29 volumes entre 1977 e 2006 com Grzegorz Rosinski, cedendo depois as rédeas a Yves Sente; XIII, com 19 álbuns entre 1984 e 2007, maioritariamente assinados por William Vance e em que foi também substituído por Sente; e Largo Winch, de que já assinou 18 livros com Philippe Francq. Mas nem só da linha dita clássica se faz o sucesso da BD franco-belga. Se a BD para um público infantil também ocupa o seu espaço (com Titeuf a ser um caso exemplar de BD de qualidade para a juventude), é sempre surpreendente encontrar nos tops das tabelas de vendas obras adultas, exigentes, por vezes de recorte autobiográfico. Ainda em 2012, entre os 10 álbuns de BD mais vendidos contavam-

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se Chroniques de Jerusalem, de Guy Delisle, que regista as vivências do ano que o autor passou em Jerusalém, com cerca de 98 mil exemplares vendidos; e o semi-autobiográfico Moi, René Tardi, Prisonnier au Stalag II B, do incontornável Jacques Tardi, com quase 70 mil exemplares vendidos. Se subirmos aos 15 mais vendidos de 2012, encontramos ainda Les Ignorants: Récit d’une Initiation, de Etienne Davodeau, e Quay d’Orsay: Chroniques Diplomatiques, Tome 2, de Christophe Blain e Abel Lanzac, respectivamente com 56 e 54 mil exemplares vendidos. Ou seja, os grandes autores de BD do eixo franco-belga, aqueles cuja obra se sobrepõe à popularidade das personagens que criam, também vêem os seus méritos reconhecidos pelo público, que os coloca no mesmo patamar de relevância dos blockbusters habituais. E há ainda espaço para séries novas encontrarem o seu caminho: nos últimos 10 anos, um dos maiores casos de sucesso tem sido o de Patrick Sobral, com os 17 volumes da série Les Legendaires, uma saga de recorte fantástico com inspiração da BD japonesa. Isto já para não falar do caso dos ultra-prolíficos Lewis Trondheim e Joan Sfar, que criam obras para uma enorme variedade de sensibilidades, cruzando-se numa série que conseguiu o milagre de agradar a toda a gente, dos mais jovens aos mais alternativos: Donjon. De qualquer forma, a pujança da produção e do consumo não escondem um facto que tem menorizado o eixo franco -belga nos últimos 15 anos: a capacidade de exportar sucessos e tendências anda longe da de outrora e está claramente atrás da dos EUA e Japão. Que novas séries dos últimos 20 anos tiveram real impacto além das fronteiras da francofonia? Talvez apenas Blacksad, Persepolis (que o sucesso do filme ajudou) e L’Ascension du Haut Mal, que a edição americana com o título de Epileptic ajudou a consagrar como uma das melhores BDs de sempre. O próprio Tardi está hoje em dia a ser alvo de releitura e renovada atenção por via norte-americana, devido à publicação nos EUA das suas obras mais significativas. Ou seja, por mais estranho que pareça, parece que hoje em dia os EUA têm sempre uma palavra a dizer em termos de amplificação da popularidade internacional da BD europeia, um cenário que antes, de Tintin a Astérix, era totalmente desnecessário.

O © Les Aventures de Spirou et Fantasio, Yoann e Vehlmann, capa, Dupuis, 2013

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Novos suportes: BD no écrã Quando falamos de livro digital não nos referimos a uma realidade única e imediatamente identificável. Dos documentos PDF que podem ser descarregados e lidos no computador às obras cujo acesso depende de aparelhos concretos, criados por diferentes empresas de modo a venderem os seus livros, passando pelas aplicações que juntam ao texto conteúdos em vídeo, jogos e várias propostas de interactividade, tudo isso pode ser incluído numa etiqueta que acaba por ser mais imprecisa do que seria desejável. Alguns destes livros são de acesso livre, outros só podem ser usufruídos por quem possuir um aparelho que permita a sua leitura, e essas diferenças na relação entre leitor e livro abrem espaço a uma discussão mais rica do que a meramente tecnológica sobre a acessibilidade universal que os suportes digitais prometiam preconizar. No caso particular da banda desenhada, o universo digital tem servido editoras, autores e projectos de todas as escalas, do mainstream dos comics norte-americanos às pequenas editoras sem meios para produzirem livros impressos, passando por projectos colectivos que, ao disponibilizarem o resultado do seu trabalho através da internet, permitem-se chegar a qualquer ponto do mundo onde haja um écrã e uma ligação wi-fi. A Marvel e a DC Comics têm sabido tirar o melhor partido da leitura em suporte digital, disponibilizando uma aplicação que permite a compra das suas publicações ao mesmo tempo que são disponibilizadas em formato comic, em papel, e oferecendo gratuitamente alguns números de várias séries mais antigas, para além de previews exclusivos. Neste universo, alguns criadores têm podido desenvolver trabalhos pensados especificamente para o suporte digital, como é o caso de Infinite, uma narrativa que nunca poderia ler-se em papel do mesmo modo que se lê no écrã. Quando a banda desenhada chegou aos suportes digitais, o dado adquirido da prancha como unidade de leitura esfumou-se. Mesmo num iPad, quando uma prancha completa cabe integralmente no écrã, os vários pormenores das vinhetas que a compõem perdem-se, pelo que o primeiro relance e a construção de sentidos de leitura a partir das relações entre vinhetas foi substituído pelo abuso do zoom, único modo de aceder aos conteúdos de cada página de modo satisfatório. O que a Marvel fez com Infinite, um prelúdio a Avengers vs. X-Man, de Mark Waid e Stuart Immonen, foi estrear o próximo passo na passagem do impresso para o digital no mundo dos comics, com uma banda desenhada criada exclusivamente para ambiente digital que serve de complemento à história principal. O interesse da novidade não tem tanto a ver com a narrativa, mas antes com o facto de esta curta história apresentar vinhetas que se constroem à medida de cada toque no ecrã (com falas e legendas a surgirem para a mesma imagem, por exemplo, marcando a

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leitura de um modo diferente do que nos habituámos no papel) ou sequências que fazem surgir as vinhetas uma de cada vez sobre um fundo negro, entre outras acrobacias de leitura. Não se sabe se será este o futuro dos comics digitais, mas o admirável mundo novo já começou e outros autores têm experimentado novos modos de trabalhar a linguagem da banda desenhada a partir desta interacção tecnológica entre leitor e livro. Outros projectos não serão tão impressionantes no modo como procuram alterar a construção de uma prancha e a sua leitura, mas são reveladores do quanto os suportes digitais podem mudar os processos de edição e distribuição de banda desenhada. Veja-se a The Lisbon Studio WebMag, revista editada pelo Lisbon Studio, que reúne trabalhos de vários autores afectos àquele espaço lisboeta e os disponibiliza gratuitamente no espaço virtual, permitindo que qualquer leitor, em qualquer lugar do mundo, lhes aceda. Se a opção do colectivo fosse pela impressão em papel, dificilmente poderiam ter editado sete números no espaço de um ano e mais dificilmente ainda teriam conseguido oferecer esses números aos seus leitores. Ainda que o pudessem fazer, seria impossível assegurar que os mesmos leitores que acederam à revista em suporte digital o conseguissem fazer caso esta fosse impressa, quer pelas óbvias contingências de impressão e distribuição, quer pela dificuldade de colocar os exemplares impressos nos locais onde os leitores virtuais estarão. Um projecto como o Comic on Tour alia a potencial universalidade do suporte digital ao trabalho de cariz social, através de uma colaboração estreita entre a Oxfam Intermón, uma organização não-governamental que trabalha em prol da erradicação da pobreza em diversos países do

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© Lisbon Studio Web Mag, nº3, capa, out/nov 2013

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mundo, e uma série de autores de banda desenhada de Espanha. A proposta feita aos autores foi a de viajarem por alguns dos países onde a Oxfam Intermón tem actividade no sentido de registarem as suas experiências. O resultado tem aparecido na internet, numa aplicação criada para o efeito, sob a forma de narrativas que, com o passar do tempo, configuram já uma rica antologia de traços, olhares e situações que ajudam a mostrar o mundo em que parte considerável da humanidade vive quotidianamente. Autores como Paco Roca, David Rubín ou Sonia Polido são alguns dos nomes cujas histórias estão já disponíveis para leitura e, sendo este um projecto a longo prazo, é de crer que muitos outros se juntem a este catálogo de banda desenhada com vocação humanitária.

Editar e distribuir ao alcance de todos O que hoje se edita em qualquer parte do mundo, e não apenas na área da banda desenhada, já não está dependente de uma casa editorial que assuma a despesa de produção e distribuição. Os meios de produção e impressão de livros ou revistas tornaram-se, de um certo modo, ‘democráticos’: paginar e mandar imprimir um livro ou revista é hoje muito mais barato do que no tempo em que o offset era a única tecnologia de impressão em larga escala disponível (a impressão digital define o seu preço apenas com base nos consumíveis e nas horas de trabalho, a que se junta o lucro de cada empresa, e não com base no número de exemplares impressos, como acontecia com o offset) e qualquer pessoa, com alguns conhecimentos técnicos ao nível da informática e da paginação, consegue fazê-lo – se o faz sempre bem, é uma outra questão, e sobre isso não será preciso listar as centenas de livros mal feitos que resultam desta democratização, mas importa destacar, aqui, a possibilidade de os fazer. Para além disso, as redes estabelecidas através da internet, por um lado, e das comunidades informais e mais locais que vão proliferando, por outro, permite criar sistemas de distribuição em pequena e média escala, nacional e internacionalmente, sem necessidade de recorrer aos serviços de uma distribuidora profissional (cujo preço é um dos mais pesados no custo global de um objecto impresso que se queira distribuir) e com a possibilidade de seleccionar os locais onde cada livro ou revista estará à venda, em função do seu público-alvo. A promoção e divulgação, fenómenos complexos e difíceis de generalizar, mas ainda assim identificados, até há uma ou duas décadas, com uma máquina editorial e de marketing profissional, podem agora ocorrer por intervenção única do autor. Redes sociais, blogs, Youtube, Tumblr e outros canais gratuitos e com enorme potencial comunicativo, sobretudo se utilizados a partir da ideia de rede de interesses partilhados,

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permitem, por exemplo, que um autor sueco de banda desenhada divulgue o seu livro de tiragem reduzida em todo o mundo, havendo hipótese de essa divulgação, se bem feita, suscitar o interesse de leitores independentemente da geografia. Prosseguindo com esse exemplo fictício, digamos que o autor sueco poderia ver o seu livro referido numa recensão de um site inglês dedicado à banda desenhada, num blog mais abrangente, sobre cultura, ou até num periódico de circulação tradicional, apenas (e este ‘apenas’ é uma armadilha, porque dificilmente o que se segue seria possível se o livro não tivesse algumas qualidades) porque divulgou o seu conteúdo através de redes sociais às quais se ligam, muitas vezes de modo estruturado a partir de interesses e áreas de trabalho, milhões de pessoas. Esse interesse poderia fazer com que uma galeria de banda desenhada e ilustração em Madrid decidisse escrever um mail ao autor sueco, propondo-lhe a venda dos seus livros na tal galeria, ou numa livraria do Porto, ou numa feira de edição independente em Itália. O autor continuaria na Suécia, hipoteticamente sem nunca ter de afastar-se do ecrã do computador para fazer e divulgar o seu trabalho e para recolher os ecos dessa divulgação. Forçando o exemplo, esse mesmo autor poderia receber uma proposta de publicação de uma editora como a Fantagraphics, ou a Casterman, dependendo do estilo e da abordagem do seu trabalho, e poderia passar a ser um dos nomes a ter em conta no panorama da banda desenhada mundial. Este exemplo parecerá exagerado, na medida em que tenta ilustrar todas as possibilidades permitidas por esta nova galáxia de comunicação e partilha, mas na verdade não seria impossível. Numa altura em que as grandes cadeias editoriais e livreiras dominam o mercado, quer no Ocidente quer nas grandes cidades do Oriente, a hipótese de ganhar público, de trocar experiências e de desenvolver parcerias passa, na pequena escala que representa a banda desenhada (melhor dito, na pequena escala que representa a banda desenhada em certas áreas geográficas, e a banda desenhada não-mainstream noutras), pela criação de redes alternativas de edição e distribuição, quer falemos de pequeníssimas editoras que trabalham apenas com impressão digital, quer estejamos a referir-nos a editoras com algum prestígio, mas sem capacidade financeira para competir na mesma escala que as grandes. E essas redes são cada vez mais comuns, habitando a pulverizada nuvem da internet de um modo que assegura variedade, concretização e escolha (ainda que a mediação tenha praticamente desaparecido, o que é um outro tema). A Frémok, editora franco-belga que nasceu da junção de duas editoras anteriores (a Amok e a Fréon), ilustra parcialmente esta realidade. Sendo uma editora com um catálogo extenso e um prestígio considerável, a sua dimensão e o seu modo de trabalhar não encontram espaço (talvez nem sequer sentido) na grande escala de um mercado de muitos exemplares e de um sistema de distribuição que cubra

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Q © Propaganda, Joana Estrela, capa, Plana Press


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as principais cadeias livreiras. Estruturada como um colectivo de artistas, a Frémok tem tirado partido da comunicação boca a boca, cada vez mais intensificada pela internet, e os livros que produz vendem-se em várias livrarias francesas e belgas, mas igualmente através do site. Os modos de impressão a que recorre são diversos, mas é de destacar o recurso ao print on demand através do site lulu.com, onde um dos livros da Frémok (Palindrome Atomique) pode ser encomendado directamente. No espaço português, várias editoras poderiam caber neste núcleo, quer por trabalharem sobretudo com a impressão digital, nalguns casos, quer pelo modo como contornam as vicissitudes da sua pequena escala através de uma boa comunicação na internet e nas redes sociais e também através de um sistema de produção em que o editor é, muitas vezes, o paginador, o designer, o revisor – eventualmente, até o autor (vejam-se os casos da Polvo ou da Kingpin Books, por exemplo). A El Pep é uma dessas editoras, com um catálogo ainda curto mas muito cuidado onde se percebe que o esforço aponta para uma divulgação junto dos potenciais leitores e não para uma busca vã de alcançar as mesmas redes de distribuição e marketing que só as grandes editoras têm meios para alcançar. Digamos que a escala já não é impedimento de um trabalho bem feito e reconhecido. As dificuldades, essas, serão sempre desiguais, claro. Alex Vieira, do Brasil, e Powerpaola, da Colômbia, são dois autores com percursos muito distintos, mas unidos pela lógica de um trabalho que foi sabendo contornar as dificuldades de divulgação do mercado livreiro através de uma comunicação eficaz em segmentos pequenos, entretanto aumentados por redes cada vez mais extensas de contactos. Circulando entre fanzines, revistas (no caso de Alex Vieira, importa destacar a Prego, de que é animador incansável) e exposições colectivas, os dois autores viram o seu trabalho chegar a circuitos um pouco mais visíveis do que aqueles em que começaram, algo que se explica pela pertinência e pela qualidade do que fazem, mas igualmente pelo modo sábio como tiraram partido destas redes de comunicação e distribuição permitidas pela internet e da acessibilidade que os modos de impressão e produção de livros e revistas ganharam nos últimos anos.

R © Virus Tropical II, Powerpaola, capa, La Silueta

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Trabalho colectivo: a Internet quebrando fronteiras Não é apenas no campo da divulgação que a internet tem mudado os modos de trabalhar na área da banda desenhada. Se pensarmos na dificuldade que seria, digamos há quinze ou vinte anos, enviar pranchas digitalizadas com a qualidade suficiente para serem impressas através de um computador pessoal para qualquer parte do mundo, percebemos como a generalização do acesso à internet de banda larga, o embaratecimento de equipamentos de digitalização e tratamento de imagem e a facilidade de armazenar grandes quantidades de informação visual em ficheiros virtuais contribuíram decisivamente para algumas mudanças na edição de banda desenhada. E são também exemplo dessa nova realidade os trabalhos realizados colectivamente, cada vez mais ginasticados pelas facilidades permitidas pela tecnologia. Claro, antes da internet já se faziam livros colectivos, pelo que importa não esquecer os gestos, tantas vezes voluntariosos, que animam semelhantes projectos independentemente dos veículos que os permitem acontecer de um modo mais eficaz. Em 2001, quando a Chili Com Carne editou a antologia Mutate & Survive, lia-se assim na página de abertura: “No contexto de uma frente comum para a organização da resistência (não armada) à progressiva globalização dos gostos e à galopante institucionalização dos modelos de criação e divulgação artística, a Associação Chili Com Carne, em sintonia estratégica com a Frente Fanzinista Internacional, tem o prazer de publicar esta antologia que dá pelo nome de Mutate & Survive e que se quer inoficialmente representativa de um espírito de livre e desinteressada cooperação entre artistas sediados em contextos geo-estratégicos diversos mas unidos pelo objectivo comum de mostrar um trabalho animado pela independência e pelo incondicionalismo estético, apresentando-se mesmo como ‘alternativa’ de uma certa subnutrição que tem vindo a dominar os discursos e os métodos desde princípio do princípio do terceiro milénio.” É uma boa descrição do espírito que tem animado tantos volumes colectivos, desta e de outras editoras espalhadas pelo mundo. Nos últimos quatro anos, a Chili Com Carne editou volumes como Mesinha de Cabeceira #23 (uma edição especial deste título celebrando os seus 20 anos), Futuro Primitivo ou Zona de Desconforto, todos reunindo contribuições de dezenas de autores, portugueses e não só. A lista de autores participantes dá bem a medida das relações que a associação tem estabelecido ao longo dos anos em projectos comuns, festivais, feiras de edição, sempre tirando o melhor partido da comunicação à distância que permite convidar gente de países distantes para integrarem elencos como estes.

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© Buraco, nº1, Miguel Carneiro, capa

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© Zona de Desconforto, Daniel Lopes, p.128, Chili com Carne


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Em Bolonha, uma outra associação cultural tem definido o seu trabalho a partir do campo editorial da banda desenhada e territórios afins. A Canicola existe desde 2005 e as suas edições incluem autores italianos e de outras latitudes, muitas vezes publicando trabalhos de estreia e criando, assim, espaço, para que novos autores possam traçar o seu percurso profissional. Para além dos livros, a Canicola completa a sua intervenção com a publicação de uma revista homónima, a realização de exposições, participação em feiras e encontros de edição e festivais internacionais, mantendo contactos estreitos com outros projectos similares um pouco por todo o mundo A Stripburger, revista idealizada e impressa na Eslovénia, é outro exemplo desta globalização da comunicação reflectida na edição de banda desenhada. Publicada desde 1992, a Stripburger acaba por ser uma espécie de montra rotativa de autores e narrativas, oferecendo aos leitores o resultado de uma colaboração que, tendo o seu epicentro na Eslovénia – onde nasceu graças à vontade que os seus editores tinham de colmatar a falha que existia ao nível da publicação de banda desenhada no seu país, se espalha por todo o mundo. A inclusão de autores de outros países surgiu devido à pouca produção local, como explicam os editores no site da revista, mas acabou por transformar-se em imagem de marca da publicação. Esta, por seu lado, cresceu enquanto ponto de encontro de autores, estéticas e experimentações várias, sendo hoje reconhecida como uma das leituras de referência no panorama da banda desenhada europeia. Em 2011, no Porto, nascia o Buraco, apresentando-se como “pasquim satírico e pós-lírico”. Mais do que uma publicação a reunir nomes do panorama da banda desenhada portuguesa contemporânea e territórios afins, o Buraco ancora-se nos gestos e sentidos pressupostos pelo seu lema, algo que pode confirmar-se em qualquer dos cinco números por si já publicados. Essa ancoragem não obedece a uma cartilha ou a alguma orientação programática que empurre as colaborações para a crítica social, o comentário político ou a reflexão sobre a crise, mas, a seu modo, parte considerável dos trabalhos publicados reflectem sobre o presente que nos rodeia e sobre os modos como política, economia e sociedade condicionam e definem aquilo que podemos fazer – portanto, também os gestos artísticos. Chili Com Carne e Canicola, associações com forte vertente editorial, Buraco e Stripburger, revistas com forte vertente associativa, são apenas quatro exemplos entre os muitos que, espalhados pelo mundo, confirmam que as antologias, as revistas ou os livros criados colectivamente são não apenas uma montra extensa do trabalho que se vai fazendo na área da banda desenhada como, muitas vezes, objectos de uma enorme coerência estética ou de visão do mundo, pese embora a diversidade que os compõe.

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BD no cinema Adaptações da BD ao cinema quase sempre houve, geralmente modestas em orçamento e resultados. Pelo menos até 1978, quando Hollywood decidiu abrir os cordões à bolsa e investir numa super-produção milionária baseada nas aventuras do Super-Homem, que se tornou no filme mais visto desse ano. Dez anos depois, Batman seguiu-lhe as pisadas e o sucesso surgiu pela mão de Tim Burton. Porém, apesar das tentativas de transição entre os dois meios aumentarem progressivamente, os exemplos de êxito eram mais a excepção do que a regra e as versões cinematográficas de histórias aos quadradinhos continuavam a ser consideradas um enorme risco, do ponto de vista económico e artístico. No século XXI, tudo mudou. E se no Japão, a circulação entre o cinema (ou a televisão) e a BD desde sempre foi uma realidade indiscutível e que se operava nos dois sentidos, já no ocidente há hoje em dia uma sede de filmes adaptados da BD como nunca antes se sonhou vir a existir. E não só nos EUA mas também na Europa, em todos os géneros possíveis, desde as aventuras mais intergalácticas aos dramas mais intimistas e domésticos. A BD deixou de ser o parente pobre da inspiração cinematográfica para passar a ser vista como uma matriz literária com a mesma dignidade de qualquer obra em prosa, com o acréscimo de interesse de ter uma base de leitores muitas vezes fiel. Esse estado de coisas tem evoluído de forma gradual, feito de tentativas várias mas com sucessos cada vez mais frequentes e relevantes. Do ponto de vista de Hollywood, a nova moda está agora nos super-heróis, que a evolução dos efeitos digitais tem permitido concretizar de forma cada vez mais credível. Nesse sentido, o domínio das adaptações ao cinema de heróis da Marvel tem sido fundamental. Arrancando timidamente com Blade, os sucessos planetários, já no século XXI das versões cinematográficas de Homem-Aranha e dos X-Men, abriram caminho à moda das fitas de super-heróis a que hoje se assiste. Mesmo que tenha havido flops pelo caminho, a regularidade dos sucessos é inegável, e foi ampliada pela aposta da Marvel em passar a produzir os próprios filmes a partir de 2008, com resultados espectaculares em termos de reacção de crítica e público, como testemunham as versões cinematográficas de Homem de Ferro, Thor e Capitão América, além de Os Vingadores e Guardiões da Galáxia, que foram os maiores êxitos de bilheteira dos respectivos anos de estreia. A DC, que neste período só conseguira garantir o sucesso estrondoso da trilogia de Batman pela mão de Christopher Nolan, já contra-atacou com o projecto de uma grande série de adaptações, a partir do êxito moderado em 2013 de Homem de Aço, a nova versão de Super-Homem. E todo esse sucesso no cinema tem-se reflectido na própria BD, com determinadas persona-

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gens a verem espelhadas no papel determinadas características do grande ecrã, como a versão de Nick Fury encarnada por Samuel L. Jackson (em si mesma inspirada numa variação original da série Ultimates) a entrar na cronologia da série da BD, a personagem de Hawkeye a ter um uniforme mais consentâneo com o envergado na versão de cinema ou a Viúva Negra a ter novo protagonismo após ter sido encarnada por Scarlett Johansson. O sucesso dos super-heróis permitiu ao cinema norte-americano tentar a sorte com projectos de cariz independente, onde os resultados têm sido muitas vezes impressionantes de qualidade e rigor, até com realizadores e estrelas de primeira linha: Ghost World – Mundo Fantasma, de Terry Zwigoff a partir da obra de Daniel Clowes, Caminho para Perdição, de Sam Mendes, adaptado do livro de Max Allan Collins, Uma História de Violência, de David Cronenberg, sobre a graphic novel de John Wagner e Vince Locke, e, principalmente, o notável American Splendor, de Shari Springer Berman e Robert Pulcini, a partir da obra autobiográfica de Harvey Pekar, em que realidade, ficção e meta-realidade se confundem. Até mesmo no espaço que separa a BD de super-heróis da alternativa houve sucessos no cinema: Sin City, de Robert Rodriguez e Frank Miller a partir da BD deste último, 300, de Zack Snyder, também baseado em Miller, Hellboy, de Guillermo del Toro, baseado na BD de Mike Mignola, Scott Pilgrim vs. the World, de Edgar Wright inspirado na série de Bryan Lee O’Malley, Kick-Ass, de Matthew Vaugh vertido da BD de Mark Millar e John Romita Jr., ou V for Vendetta, de James MacTeigue, inspirado na série de Alan Moore e David Lloyd. Já para não falar na obra-magna de desconstrução dos super-heróis que é Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, que conseguiu ter uma versão à altura no cinema assinada por Zack Snyder. Claro que houve flops rotundos pelo meio (sendo o caso de Liga de Cavalheiros Extraordinários o mais emblemático) mas isso não serviu para travar a moda nem disfarçar o facto da BD servir agora de fonte para fitas de todos os quadrantes e para todos os públicos. Mais surpreendente ainda foi a reacção da Europa ao fenómeno. Se antes as versões cinematográficas da BD tinham sido tímidas, hoje em dia estão na ordem do dia, por vezes com resultados fulgurantes. Também aqui a variedade é palavra de ordem. Astérix atingiu o sucesso em vários filmes, com diversos realizadores e elencos mantendo apenas Gérard Depardieu no papel de Obélix, de qualidade desigual mas apoiado numa sofisticação de efeitos visuais impossível de concretizar no século XX. Entre os grandes clássicos que chegaram ao cinema de imagem real na última década contam-se Lucky Luke (encarnado por Jean Dujardin), o Marsupilami, Michel Vaillant, Blueberry, Tanguy e Laverdure, Adele Blanc-Sec, Largo Winch, Titeuf, Boulle e Bill e Benoit Brisefer (filmado parcialmente em Lisboa, a estrear no

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final de 2014 em França). Isto para já não falar em Tintin e Les Schtroumpfs, em filmes de produção norte-americana, com o primeiro a ser realizado por Steven Spielberg. E se, mesmo com resultados inevitavelmente desiguais, os grandes ícones da BD europeia vão marcando presença no grande ecrã, a grande surpresa é, tal como nos EUA, encontrar a produção mais independente a fazer o mesmo caminho, e com resultados francamente positivos. O sucesso planetário da versão em animação de Persépolis em 2007, co-realizada pela autora da BD original, Marjane Satrapi, ajudou a empurrar o fenómeno, muitas vezes com os próprios autores da BD a servirem de realizadores (algo que nos EUA só sucedeu com Frank Miller, que também realizou o infeliz The Spirit). De lá a cá, Joan Sfar já teve sucesso ao converter ao cinema de animação o seu Le Chat du Rabbin e à imagem real a sua versão de Gainsbourg, Jung co-realizou em animação e alguma imagem real o seu notável e autobiográfico Couleur de Peau: Miel, e Satrapi reincidiu num filme de imagem real a partir do seu Poulet aux Prunes. Os grandes cineastas europeus também têm ido beber à BD com resultados entusiasmantes: o exemplo principal será o de Abdellatif Kechiche, que conseguiu que o seu La Vie d’Adele, livremente inspirado na BD de Julie Maroh, arrecadasse a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2013, mas seria injusto não falar de nomes como Bertrand Tavernier, com Quay d’Orsay (inspirado na série de Christophe Blain e Abel Lanzac), Stephen Frears com Tamara Drewe e Anne Fontaine com Gemma Bovery (ambos a partir de obras da britânica Posy Simmonds) e até o sul-coreano Bong Joon-ho, no co-produção internacional Snowpiercer, sobre a BD de Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette. Com sucesso de público, prémios internacionais (Heath Ledger até ganhou um Óscar, postumamente, ao interpretar um vilão de BD, o Joker) e sucesso planetário, as adaptações da BD ao cinema estão na moda como nunca, sem preconceitos de géneros, tendências ou geografias. A transição entre os meios não se opera ainda com a naturalidade com que sempre sucedeu no Japão, mas este estado de coisas é um dado novo no panorama da BD, que reforça a visibilidade do médium como um todo, e que ninguém conseguiria prever no início do século XXI.

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A © O Baile, Joana Afonso e Nuno Duarte, capa, Kingpin Books, 2012


Texto por Filipe Homem Fonseca

Prémio Nacional 2013 Melhor Álbum Português e Melhor Argumento para Álbum Português O Baile, Joana Afonso(des) e Nuno Duarte(arg)

As Histórias do Sr. Nuno Duarte No dia em que o Nuno Duarte salvou o mundo, estava a chover. Sei que ele não gosta muito que se fale disto, peço-lhe que me perdoe. É impossível falar do Nuno sem mencionar os acontecimentos de 2 de Abril de 2010. O Nuno Duarte tem muitas histórias dentro dele. Acho que todos temos, não é isso que faz do Nuno uma pessoa invulgar. Acontece que o Nuno consegue puxar as histórias cá para fora, e expô-las de uma forma que nos sentimos a vivê-las. Afoganos na torrente das suas narrativas, cria a ilusão de que estamos, afinal, dentro da cabeça e do coração onde lhe nascem as ideias. E aí já estamos portanto a falar de um indivíduo com uma espécie de super-poder. Conheci o Nuno em ambiente de trabalho, mas o que nos levou a ter projectos juntos – poucos, menos do que gostaríamos – não foi a coincidência de um espaço físico comum. Foi outro espaço, um de referências, de imaginário; foi o termos crescido a gostar das mesmas bandas desenhadas, dos mesmos romances de ficção científica, os distópicos e cabisbaixos, os de olhos postos nas estrelas mais distantes. Descobrimos Shakespeare por via do Homem-Aranha, tivemos o primeiro contacto com a simbologia religiosa através do Super-Homem e, antes de embarcar em odisseias homéricas, viajámos com o Quarteto Fantástico. Falávamos a mesma língua, e isso – convenhamos – dá um jeito tremendo quando se quer comunicar com outra pessoa. O mundo esteve para acabar. Ninguém se lembra, e é bom que essas trágicas memórias permaneçam enterradas. As linhas seguintes serão tomadas por ficção, devaneios. Não tenho qualquer problema com isso, prefiro assim, é mais seguro para todos.

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Já eu, estava lá e vi, há proximidades que nenhuma amnésia é capaz de rasgar. Só que, mesmo assim, não consigo sentir-me amaldiçoado. Antes pelo contrário – presenciei o heróico acto do Nuno Duarte, o gesto que nos salvou a todos. Fui o único a assistir; há-de haver uma qualquer lotaria cósmica onde o bilhete premiado foi o meu, a salvação do mundo nunca é evento de somenos importância. Visto da primeira fila, bate qualquer blockbuster em IMAX. Estávamos em minha casa a preparar aquilo que seria As Orelhas de Spock, o nosso magazine geek, um mês separava-nos da data de estreia. Ainda no dia anterior o Nuno tinha lançado o segundo volume d’A Fórmula da Felicidade, com desenhos do Osvaldo Medina. Passava das onze da noite, caía uma morrinha, mas nem isso esmorecia o nosso entusiasmo, as coisas iam bem. Tocaram à campainha e eu estranhei, àquela hora não era normal. Talvez fosse um vizinho a pedir para baixarmos o volume da música. Que não era música, aliás: era eu a ver, pela décima-primeira vez consecutiva, o 9.º episódio d’O Anjinho da Guarda, a série de animação que o Nuno fez em 2004 com o Miguel Braga. Este episódio, Cabeças no Ar, fascinava-me sobremaneira: um grupo de jovens jogava voleibol com a cabeça do anjo, cabeça essa perseguida pelo mesmo enxame de abelhas que decepara o irritante ser celestial. Nuno Duarte vintage, portanto. Eu insistia com o Nuno que aquela era, de longe, a sua maior obra até à data, e ele, sabendo-me embriagado, pedia-me para descer do candeeiro. Assim fiz e fui ver quem tocava à porta. Ouvi a resposta a uma pergunta que nem cheguei a fazer. - Vim para falar com o Sr. Nuno Duarte. A parte realmente estranha: a voz não me chegava do intercomunicador, estava atrás de mim, um homem de fato negro, óculos escuros e barbatanas. Como ali chegara era detalhe que me escapava. O Nuno veio ver o que se passava e o homem começou aos pulos, as barbatanas não o atrapalhavam. Pecos-pecos, que viera do futuro (não especificou o ano) e que idolatrava o Sr. Nuno Duarte. Difícil perceber exactamente o que dizia o homem cujas barbatanas eram, aparentemente, um qualquer dispositivo de viagem no tempo. O essencial resumia-se nisto: o Nuno era considerado um deus salvador naquele futuro incerto, em virtude de algo que escrevera. Ou, considerando a nossa própria linha temporal, algo que talvez ainda fosse escrever. O Nuno limitou-se a encolher os ombros e a dizer-me que eu tinha uns amigos muito esquisitos. O que não deixava de ser verdade, ainda hoje conheço muita gente que usa barbatanas até para conduzir. Não era o caso. Foi só quando o céu começou a rasgar-se que o Nuno deu mais atenção ao que se estava a passar.

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Para já, isto ilustra bem o tipo de pessoa que é o Nuno. A possibilidade de ser um deus futuro provocou-lhe fastio, mas o perigo imediato e mundial pô-lo em alerta altruísta e imediato. O homem de barbatanas encolheu-se e começou a tremer. A silhueta tornou-se-lhe difusa, estava a sumir-se. Foi histérico nas explicações, só que o Nuno apanhou tudo. Foi ele que me inteirou, mais tarde, das palavras daquele devoto futuro. Acontecia que as crono-barbatanas eram aparelho nunca antes testado e a coisa tinha dado para o torto. Quando lemos histórias de paradoxos temporais ou de catástrofes provocadas por perturbações no fino tecido do tempo, fazêmo-lo com satisfação e um desejo mais ou menos secreto de que uma brincadeira dessas fosse possível e obliterasse da face da existência a pessoa que inventou o seitan. Mas quando damos por nós a viver tal bronca, a enfrentar a iminente extinção de todo o planeta, talvez todo o universo, até um bifinho de seitan nos cheira preferível. Tentarei passar a dimensão do sucedido sem referir exactamente o que se passou, receio que qualquer descrição, por mais leve e críptica, possa despoletar o regresso de horrores que uma qualquer bênção quântica vos fez esquecer. É que o mundo acabou mesmo, por uns instantes; o tempo começou com soluços e tudo o que existiu, existe e existirá, soluçou com ele. Os efeitos disso em todos nós foram demasiado tenebrosos para que me atreva a descrevê-los e, mesmo que o conseguisse fazer, escolheria o silêncio – reitero que não tenho qualquer interesse em relembrá-los de tamanhas agonias. Aflições eternas, caso não fosse a pronta intervenção do Nuno. Descalçou as barbatanas ao espectro do amanhã e analisou-as rápida e metodicamente. Compreendeu que o combustível usado naquele crono-deslocador era, nem mais nem menos, que histórias. “Nem podia ser de outra maneira”, dir-me-ia mais tarde, “Um meio de transporte que se desloca pelo tempo só poderia funcionar de memórias, sejam vividas ou imaginadas, pois que na essência são uma e a mesma coisa.” O problema residia num erro de cálculo, as barbatanas consumiam muito mais histórias do que estava inicialmente previsto. E, neste momento, encontravam-se praticamente vazias, um motor soluçante cujos solavancos se estendiam no espaço de ontem, hoje e amanhã. Para salvar o mundo, havia que matar aquela insaciável fome de histórias. E é isso que o Nuno Duarte faz desde então. Erich Zann, no conto de H.P. Lovecraft, faz brotar do violino uma melodia eterna, para evitar que o mundo seja destruído por um mal mais antigo que o próprio tempo. Também o Nuno não poderá nunca interromper a sua criação de histórias, sob pena de condenar a existência a um fim abrupto.

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B © O Baile, Joana Afonso e Nuno Duarte, p. 23, Kingpin Books, 2012


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E julgam que isto o incomoda? Esta necessidade de estar constantemente a criar algo de novo? Nem um pouco. Porque, lá está, o Nuno Duarte tem muitas histórias dentro dele. Infinitas, diria mesmo. Talvez que todos as tenhamos, só que o Nuno consegue puxá-las cá para fora, salvar o mundo com uma história de cada vez. Não consigo exprimir a prontidão com que o Nuno desbobinou um rol de histórias que logo aplacou as defeituosas barbatanas. Num piscar de olhos, tudo voltou ao que era antes, sem deixar para trás sequer recordações do desastre. Uma das histórias desbobinadas foi O Baile, que seria mais tarde desenhada pela Joana Afonso. Não fosse O Baile lançado a 27 de Outubro de 2013, aqui mesmo no Amadora BD, o mundo teria acabado menos de uma semana depois. E agora temos outra vez os dias contados, mas nada temam, porque o Nuno tem uma nova história prestes a ser editada, adiando novamente um fim que só não é inevitável porque ele tem um super-poder. Por isso, quando olharem para estas peças em exposição, lembrem-se de que é graças à imaginação do Nuno e dos talentos de que se sabe reunir que estamos todos aqui. Mesmo as histórias anteriores aos eventos que vos narro serviram para nos salvar, pois que funciona assim a engrenagem temporal: talvez que o Nuno esteja a manter íntegro o frágil esqueleto da realidade desde que inventou a primeira desculpa para se baldar às aulas. O inestimável bónus é que nos podemos deliciar com as maravilhosas narrativas que ele escreve para aplacar as defeituosas crono-barbatanas. E recentemente, tive uma epifania – é esta a razão pela qual o Nuno é considerado um deus salvador no futuro. Verificou-se um mirabolante paradoxo: o facto de um visitante dos amanhãs querer conhecer o seu salvador, deu origem à cadeia de conhecimentos que fez com que o Nuno se tornasse esse mesmo salvador, conhecido entre os fiéis como Sr. Nuno Duarte. “Por causa do que ele escreveu”, disse o indivíduo do futuro, sem especificar exactamente o quê. E sabem porque não especificou? Porque se referia à totalidade da obra. Esta já imensa obra, ainda que apenas no início, com a qual o Sr. Nuno Duarte nos lembra a mais irredutível verdade: são as histórias que nos salvam a vida. Do homem de barbatanas, nunca mais ouvi falar.

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A © SuperPig, Roleta Nipónica, Osvaldo Medina e Mário Freitas, capa, Kingpin Books, 2012


Texto por Nuno Duarte

Prémio Nacional 2013 Melhor Desenho para Álbum Português Super Pig, Roleta Nipónica, Osvaldo Medina

“Vamos a isso!” Foi com uma singela frase com o peso da proverbial serendipidade que o Osvaldo Medina me conquistou para os seus atributos de artista e profissional irrepreensível, quando em 2009 aceitou sem mais considerações, ilustrar o primeiro álbum da “Fórmula da Felicidade”, proposto à editora Kingpin Books. A história estava pensada e parcialmente escrita há muito, mas o peso das quase cem páginas, divididas em dois volumes, assustava os muitos ilustradores a quem a tinha proposto, afinal tratava-se de banda desenhada, uma ocupação mal paga e mal tratada no nicho já de si diminuto da cultura portuguesa. E foi assim, com este mero acordo verbal, que no espaço de meses, após combinarmos uma metodologia de trabalho que servisse a ambos, vi o Osvaldo não só cumprir todos os preceitos de uma história talhada ora por pequenos detalhes ora por grandes sequência e planos, como ainda sugerir novas formas narrativas e soluções que em muito engrandeceram a obra final. Esta capacidade criativa porém não lhe surgiu de uma qualquer epifania. Nascido em Luanda, Angola, em 11 de Novembro de 1973 e chegado a Portugal no Verão quente de 1975, o Osvaldo Medina cedo demonstrou uma habilidade precoce para o desenho, algo que combinado com o crescimento no seio de um ambiente familiar vocacionado para a leitura de banda desenhada, o viria a influenciar decididamente para a carreira. Todavia nem sempre o caminho mais curto entre dois pontos é uma recta, algo testemunhável pelas curvas e atalhos académicos do Osvaldo, quando em pleno estudo do curso de Química, percebeu que a acção molecular que lhe estava reservada era a de dar dois passos atrás para caminhar um em frente, na direcção que sempre desejou. Com um curso técnico profissional de desenho como arma, decidiu disparar numa direcção inesperada mas que seria decisiva para a sua futura carreira, nomeadamente a de integrar a equipa de animadores da produtora Animanostra em 1997, onde ganharia noções de animação, intercalação, layouts e

* Nuno Duarte escreve de acordo com a antiga ortografia. É guionista e argumentista.

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storyboarding. Aqui, para além do aprimoramento artístico, noções de composição e de criação de personagens, habituou-se não só a um ritmo de produção elevado, como ainda a trabalhar numa profusão de estilos gráficos que engrandeceriam os seus recursos artísticos, sob a batuta de realizadores como Pedro Brito, André Carrilho, Afonso Cruz, Ricardo Blanco ou Carlos Fernandes. Porém, talvez o mais importante, seria a obtenção de um estilo narrativo muito próprio, virado para um storytelling gráfico fluido, assente em constantes mudanças de planos, dinâmicas e perspectivas. Seria durante vários anos de afirmação no mundo da animação que se aperceberia de uma das famigeradas verdades dos “Meus problemas” de Miguel Esteves Cardoso, mais concretamente a de que “não há amor como o primeiro”, o que no caso do Osvaldo surgiria como a vontade de singrar um percurso próprio no panorama da banda desenhada. Perseguindo algumas publicações pequenas com tiras humorísticas e histórias de pequeno fôlego, produziu porém um pequeno álbum intitulado “A tua carne é má” com guião de Pepedelrey, que apesar de ser criado em meados de 2008, só veria luz editorial anos depois. É aqui que o meu caminho se cruza com o do Osvaldo e, vendo a sua capacidade para produzir uma obra completa num espaço de tempo relativamente curto, lhe faço a proposta para ser o artista responsável pela arte da “Fórmula da Felicidade”. “Tudo bem!”- alvitrou sem qualquer sombra de problema existencial, mas no entanto com o tom de quem sabia que a tarefa não seria simples. Se o estilo usado em “A tua carne é má” era cru, visceral, muitas vezes repleto de pranchas de painéis inteiros ou com poucas vinhetas recheadas de acção e violência underground, a “Fórmula da Felicidade” surgiu como uma narrativa mais elaborada, com planos estáticos, personagens em poses convencionais e pranchas com até dez quadros. A todo este desafio o Osvaldo correspondeu com uma leitura brilhante do storytelling, o que ocasionou com que trabalhássemos num híbrido do que se convencionou chamar o “método Marvel”, onde lhe fornecia as principais acções a transparecer por prancha, que ele posteriormente convertia em croquis esquemáticos que eu finalmente decompunha em texto e falas. E tudo porque percebi que cingir o Osvaldo, com toda a sua experiência em storyboarding e narração gráfica, a instruções plano por plano, restringiria sempre a sua capacidade de tornar a história muito mais dinâmica e visualmente interessante…como se de um filme ou de uma animação se tratasse. Outro dos pontos principais desta colaboração foi a das personagens serem antropomórficas, com cabeças de animais, mas com corpos e um mundo bastante aproximado do real. Se na minha mente isso visava imbuir as figuras de um apelo quase totémico, o facto agradava e muito ao

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B © SuperPig, Roleta Nipónica, Osvaldo Medina e Mário Freitas, p. 8, Kingpin Books, 2012 C © SuperPig, Roleta Nipónica, Osvaldo Medina e Mário Freitas, p. 18, Kingpin Books, 2012

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Osvaldo que tinha como característica nos seus desenhos de miúdo dotar os seus heróis e vilões de cabeças de cães… O resultado da “Fórmula da Felicidade”, cujo primeiro volume seria editado em 2009 e o segundo em 2010 pela Kingpin Books, seria o de colocar o nome do Osvaldo Medina bem presente na mente dos leitores, críticos e criadores de BD nacional. A comprová-lo veio o quase imediato convite do reputado romancista e argumentista David Soares, para se encarregar da arte de “Mucha”, uma história baseada na premissa da peça surrealista “Rhinocéros”, de Eugène Ionesco. Aqui, num estilo matizado a negros carregados pela arte-final de Mário Freitas, em pleno contraste com as paisagens abertas e coloridas e pranchas sem estruturas rígidas de “A Fórmula da Felicidade”, Osvaldo aventura-se por um estilo por vezes austero e inesperado, de um terror expressionista de contornos góticos, preconizando uma associação absorvente com o teor do argumento, onde a desumanização é o tema central da obra. 2011 testemunha mais uma contribuição de Osvaldo Medina com a Kingpin Books, desta vez a cargo da arte de “Nova O.R.D.E.M.”, o segundo volume de “Agentes do C.A.O.S.”, assente na escrita de Fernando Dordio. Baseado numa trama de acção e intriga política, o livro permite como nunca a Osvaldo fundir um estilo de narrativa intensa, entrecortada por painéis com detalhes preciosos, onde as sequências nunca perdem fôlego, num crescendo passível de interpretar claramente mesmo que não se lesse qualquer cartucho ou balão. Sempre entre o mundo da animação, da ilustração comercial e da BD, 2013 revela-se um ano

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D © SuperPig, Roleta Nipónica, Osvaldo Medina e Mário Freitas, p. 5, Kingpin Books, 2012


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de bastante sucesso para o desenhador, uma vez que enceta a arte do seu sexto livro, neste caso “Super Pig - Roleta Nipónica”, sob argumento de Mário Freitas. Misturando elementos da inusitada saga da personagem Super Pig, a história move-se entre o bas-fond português dos anos 70 e personagens de contornos mafiosos de influência nipónica.Servida por efeitos de tons de cinzento, a arte surge mais solta, energética e diligente do que em todos os trabalhos de Medina, assumindo aqui e ali trejeitos quase caricaturais, conferindo não só legibilidade a cada um dos quadros como às pranchas em si, verdadeiros portentos de composição. Este mesmo facto não passaria ao lado da crítica especializada, o que lhe valeria o galardão de Melhor Desenho dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada do Amadora BD 2013. Definitivamente lançado como um dos desenhadores favoritos de BD nacional, Osvaldo Medina colabora já em 2014 com o argumentista André Oliveira no álbum “Hawk”, uma vez mais da Kingpin Books. Aqui, trabalhando num registo talvez mais simplista, misturando um cariz urbano decorrente da própria história, consegue no entanto perpassar um ambiente bucólico sem no entanto perder qualquer qualidade como narrador visual de excelência. Volvidos que estão cinco anos e sete álbuns de banda desenhada de produção intensa e aturada, Osvaldo Medina é muitas vezes apelidado de artista prolífico e rápido, algo que não diminui em nada a sua mestria na criação de obras intensas e de narrativa visual inquietante e impossível de abandonar até à última página. Talvez em resultado directo da sua experiência na animação, onde nenhum traço ou efeito visual é desperdiçado, o seu desenho funciona tanto ao nível de cada detalhe, quadro, vinheta e prancha, ganhando uma legibilidade quer individualmente por cada um destes elementos, quer como um todo coerente. Presentemente a trabalhar na primeira obra escrita por si próprio levemente inspirada em “King Kong” e que promete ser um desafio não só por se aproximar da centena de páginas mas por ser toda ela contada em vinhetas silenciosas, Osvaldo Medina é uma lufada de ar fresco no panorama autoral da banda desenhada portuguesa, não só pelo seu apego ao género como por aceitar o seu papel no tal nicho tão relutantemente pontapeado pela cultura nacional. Curiosamente, apesar do reconhecimento, da experiência ou dos galardões, o Osvaldo de hoje continua a ter a mesma atitude frontal e sem paciência para devaneios ou grandes considerações de auto-comiseração de vários dos seus pares, enfrentando novos desafios com um típico… “Vamos a isso!”

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A © Enorme, Brutal, Colossal 2012!, Henrique Monteiro, capa, Edições Asa, 2012


Texto por Osvaldo de Sousa

Prémio Nacional 2013 Melhor Álbum de Tiras Humorísticas Enorme, Brutal, Colossal 2012!, Henrique Monteiro

Henrique Monteiro Enorme, brutal, colossal… É um álbum de super-heróis, um choque de Titãs ou um estranho e curioso confronto entre o ciberespaço e o papel? Ao longo das últimas décadas, e nestes 25 anos de Festival, temos assistido a uma evolução tecnológica muito importante que, naturalmente, se repercute nas artes gráficas, na BD e no cartoon (ou cartune segundo os gostos). Os velhos métodos de impressão mudaram profundamente, apesar da base estrutural se manter, o que obriga a que os materiais e os suportes da obra também mudem, nomeadamente todo o arsenal de pinceis e lápis substituídos por um único lápis digital. Na história da BD / Cartoon temos assistido à transformação de heróis de papel para o celuloide, dando-lhes mais vida dinâmica pelo movimento cinematográfico e televisivo. Mais raros, mas existentes, são os casos inversos. Contudo, o que aqui observamos na edição deste álbum é uma Enorme transversão evolutiva, uma Brutal aposta editorial e um Colossal regresso às origens – o sucesso no ciber-espaço é consagrado na edição em papel.

Quem é o Henrique Monteiro? Henrique vem dos confins do Côa (Cabreira do Côa, 1969), trazendo no ADN essa tendência rebelde de cronicar a vida que observa nas paredes, nas lousas, no papel, na paleta digital… Iniciando-se profissionalmente na imprensa local, seria em Lisboa, a partir de 94, que cresceria e que viria a impor-se como um dos grandes cronistas gráficos da contemporaneidade, não só pelo seu traço, como pela ironia com que observa o quotidiano. Passando pelo Expresso (onde teve presença permanente durante nove anos), Diário de Notícias, Exame, Semanário Económico, Península Press, Jornal de Negócios… este percurso jornalístico foi acompanhado

* Osvaldo de Sousa escreve de acordo com a antiga ortografia.

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pela sua adaptação às novas tecnologias, plasticidade vivencial que coincide com a curiosidade de investigar, experimentar novas ferramentas e outros suportes de intervenção na comunicação social. Nestes 25 anos de Festival temos também testemunhado alguma desertificação satírica na imprensa, obrigando os cartoonistas a procurar caminhos alternativos de sobrevivência, adaptando-se aos novos modismos. É assim que o Henrique da imprensa de papel surge como HenriCartoon do site da SAPO (Notícias e Desporto). Das poucas dezenas de milhares de leitores passam, desta forma, a centenas de milhares de visualizações, se não mesmo, a milhões. Este trabalho veio dar-lhe espaço (pois não está confinado à mancha de jornal programada a priori) físico de desenho, abrindo-lhe a porta para a ambição/paixão pela BD. Assim, em vez da vinheta única, desenvolve o seu raciocínio irónico no desdobramento da acção, criando suspense com uma resolução irónica que nos surpreende sempre de uma forma cómica e incisiva. Neste desdobramento gráfico a sua criatividade digital vai, por vezes, mais longe, criando animações cartoonísticas impossíveis na edição impressa. A força do seu humor, do seu estilo gráfico, impõem-no como uma estrela do cartoonismo no ciberespaço, merecedor de fixar para a eternidade essa obra, ressurgindo assim o “velho”, o “antiquado” papel, o álbum como consagração máxima que para mais é premiado em 2013 como o Melhor Álbum de Tiras Humorísticas no 24º AmadoraBD. É uma inversão de caminhos que tem toda a razão de acontecer. Não serão centenas de milhares os leitores, apenas uma singela impressão de mil exemplares de um álbum, mas não há nada melhor que um álbum em papel, com o perfume das tintas tipográficas para, no sofá de casa, pararmos da correria da vida quotidiana e contemplar, desfrutar dos interstícios da ironia de cada vinheta com o sorriso da cumplicidade. Tanto mais que muitos dos cartoons/tiras não se limitam aos acontecimentos do seu momento de criação, o ano de 2012, para nossa infelicidade, mantendo-se actuais na sua crítica, no seu comentário irónico. Este magnifico álbum é de um super-herói que desenha as realidades grotescas dos “gansters”, “Jokers”, “Luthers”, “Magnetos” e outros “esqueletos verdes” saídos do armário dos poderes, ou seja, dessa Enorme, Brutal, Colossal caricatura que é a nossa vida política, económica e desportiva.

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B © Enorme, Brutal, Colossal 2012!, Henrique Monteiro, p. 50, Edições Asa, 2012


Henrique Monteiro

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A © ACHIMPA, Catarina Sobral, capa, 2012, Lisboa, Orfeu Negro


Texto por Paula Pina

Prémio Nacional 2013 Melhor Ilustração de Livro Infantil Achimpa!, Catarina Sobral

Catarina Sobral I Nota Biográfica Catarina Sobral nasceu em Coimbra, em 1985. Fez a sua formação superior em Design na Universidade de Aveiro, tendo passado pela Faculdade de Artes de Barcelona no contexto do programa Erasmus. Concluiu em 2012 o mestrado em Ilustração no Instituto de Superior de Educação e Ciências, em Lisboa, em parceria com a Universidade de Évora e a Quasí Edições. Editoras como a incontornável Orfeu Negro, a singularíssima Eterogémeas, e no panorama internacional a italiana Bas Bleu, a WMF Martins Fontes, no Brasil, e as Éditions Hélium, em França, publicaram as suas obras e na imprensa periódica o seu trabalho de ilustração editorial tem presença regular. Todavia, os âmbitos de interesse de Sobral abrangem a gravura e o cinema de animação, com participação em concursos internacionais, e como autora de alguns dos booktrailers da Orfeu Mini. Sob a chancela da Orfeu Negro, editora com a qual estabeleceu estreita e profícua colaboração, lançou Greve, Menção Especial no Prémio Nacional de Ilustração 2011, atribuído pela DGLAB, seguindo-se Achimpa, que arrecadou, em 2013, o Prémio de Melhor Ilustração para o Livro Infantil do Festival da Amadora 2013 e o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores na categoria de Melhor Livro Infanto-Juvenil. Menção no 3x3 Professional Show 2013, Sobral foi seleccionada para a Exposição do País Convidado da Feira do Livro Infantil de Bolonha 2012 e escolhida para o catálogo White Ravens 2013. Com a obra O Meu Avô venceu o Prémio Internacional do Livro Infantil de Bolonha 2014.

* Paula Pina escreve de acordo com a antiga ortografia. É co-editora do blogue criacria.com

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II Catarina Sobral é uma pintora que estudou design de comunicação, uma ilustradora que escreve, uma autora que parece deixar-se guiar pela intuição, mas que só na disciplina metódica da experiência com o novo concretiza e reconfigura o seu percurso. Desde o seu primeiro picture book, Greve, Sobral preconiza a centralidade da linguagem e dos seus usos e sentidos, a experimentalidade construída em torno das suas possíveis dimensões gráficas, recorrendo a uma paleta mínima de cores e optando pela composição com imagens muito preenchidas com recurso a colagem com imagens fotográficas, bitmaps e desenhos a pena. Enquanto autora de textos, a ilustradora nestes se sustenta para deles partir para a imagem, mesmo que mais tarde a imagem permita reestruturar a escrita. Um passeio pelos bosques da ficção e ilustração de Catarina Sobral é efectivamente revelador da consciente busca da salubridade da novidade em cada obra, com o uso de uma técnica diferente. Contudo, é sem dúvida nas palavras crivadas sentidos e meta-sentidos, pelo humor irónico e acutilância do olhar crítico e atento à sociedade, que a ilustração se redimensiona e a obra ganha essência. Para o processo criativo contribuem fontes de inspiração artística díspares, anacrónicas e inesperadas, mas também a multiplicidade das vocações artísticas (cinema, BD, HQ, design, música, dança, literatura…), podem ser apontadas como responsáveis por parte da originalidade criativa e inteligentemente subversiva de Catarina Sobral. Um dos maiores atributos de Sobral é a capacidade de nos obrigar a pensar palavra e imagem como componentes de um todo inextrincável. A mestria revelada no domínio das componentes narratológicas, micro e macro, das regras de desdobramento de uma peripécia única em camadas de enredo, nas marcas de narrador e narratário, e até no tom, o ritmo, ou silêncio da voz que conta, assinalando, em jogos de observação, os detalhes e surpresas, as congruências e incongruências entre o que é contado e o que o não é, fazem de Sobral uma autora-ilustradora exímia na manipulação de texto-palavra-imagem, brincando com as suas múltiplas dimensões significantes de uma forma intrinsecamente genuína e original. Das sobreposições de elementos gráficos e de perspectivas às colagens originais de efeitos inesperados, manchas de cor plana, texturas e padrões, do trabalho analógico e pintura aos desenhos, usando pastel de cera ou o lápis, às monotipias, aos jogos constantes com o nonsense e plurirreferencialidades, Catarina Sobral consegue a proeza do pouco fazer muito, desvendando o muito que se pode encontrar no pouco – e fá-lo, como poucos, passeando-se, com segurança e criatividade, entre texto e ilustração.

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III Na verdade, tanto Greve (2011) como Achimpa (2013), e, num outro nível, O meu avô (2014) e mesmo o livro silencioso da colecção de álbuns puros da Pato Lógico, Vazio (2014) conduzem-nos para espaços e tempos nos quais se movem personagens notáveis, menos até pela sua individualidade convencionada e actante nos dois primeiros livros, e mais pelas digressões hipotéticas de representatividade (e crítica) social e criatividade linguística que permitem. Na verdade, ao acompanharmos o percurso criativo de Sobral criamos uma mapa-artístico-conceptual que parte da ou chega à temática da linguagem, da comunicação enquanto paradoxo, mistério e relação, em diferentes acepções e abordagens complementares, mas com idênticos níveis de interesse verbal e visual. O que Sobral faz em Greve, a sua obra de estreia, é oferecer-nos, “ponto por ponto”, um texto que vai longe na exigência decifrativa e no consequente resultado humorístico. Em primeiro lugar, toda a obra atribui dimensão gráfica a um encadeamento de expressões idiomáticas em torno da palavra “ponto”, que pedem uma leitura atenta; depois, múltiplos textos (subtextos, intertextos, paratextos e metatextos) se esgueiram, se infiltram, se revelam ou escondem, sublimemente descarados e disponíveis para a sorridente descoberta simultânea, algures nas ilustrações. Greve é uma narrativa fílmica e dinâmica. Mas o mais significativo nesta Greve é o facto de, mesmo que o leitor desconheça as referências sofisticadas, mesmo que os anacronismos não suscitem um sorriso mais rasgado, a leitura continuar a resultar. Exibindo uma vertente política, sindicalista, panfletária até, nas composições fotográficas a preto e branco, na tipologia vermelha, na escolha das cores e nas referências aos cartazes de propaganda construtivista e arte degenerada, “Greve” é cómico e provocador, numa época de agitação económica e social, como é esta que vivemos, brincando inclusivamente com os efeitos do marketing na atribuição de prémios, com catalogações arbitrárias, com suspeitas inclusões ou exclusões em Planos Nacionais seja do que for.

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IV Achimpa é menos expansivamente ousado do que Greve na utilização da colagem e da heterogeneidade dos materiais, mais aplanado e naturalista no seu uso do lápis e do pastel de cera, mais contido nas interreferencialidades, surpreendente nos ângulos e perspectivas, sarcástico no tom, sem perder a leveza brincalhona do jogo. A palavra-objecto “achimpa” vai passando de boca em boca como se de mão em mão, num travelling urbano, em interrogativo corropio, em circularidade irónica, em gramatical demanda (será um verbo, um adjectivo, um advérbio, um substantivo?...), pelo país do Novo Acordo Ortográfico, da investigação do vazio, da verborreia trágico-cómica das instituições e das personalidades. Em Achimpa, expõe-se, numa narrativa visual e textual que acaba onde começa – vemos o mesmo, embora não exactamente o mesmo, em jogo de apreensão observadora que começa logo nas capa e contracapa. Momento memorável, pela beleza da composição e do que é representado: algumas das livrarias mais belas do mundo. Tão pleno quão condensado, tão descritivo e subtilmente analítico, quanto expressivamente dramático e exclamativo, tão ilustrativo e sintético quanto complexo e filosófico, o texto arruma-se em blocos-legenda nas páginas duplas de um álbum de grande formato, expondo-se o ridículo da sociedade portuguesa contemporânea, a inércia pomposa, a euforia gasosa das modas, o acriticismo e rastejante aceitação, ou a inveja desdenhosa ou a cobiça simplória do que é “estrangeiro”. O mistério do significado desta palavra, “desaparecida desde o tempo dos afonsinhos, foi encontrada por acaso, num velho e caquéctico dicionário” por um investigador, numa biblioteca não informatizada. A notícia que alastra rapidamente, um arcaísmo que se torna moda e que todos querem adoptar, mesmo que não saibam como nem o que significa. Aliás, o primeiro grande problema é precisamente o da classificação, a aparência sobrepondo-se ao significado, o uso indiscriminado e legitimizador que esquece o sentido: a gramática do vazio, a ausência disfarçada de erudição, quando de facto é a palavra cheia, sentido, pensamento e forma, essência e produto da inteligência humana, criada e recriada, sempre e de novo, um dos dons supremos da humanidade. A palavra “achimpa” é uma palavra viva, criadora, apaixonante, tal como em Sobral convivem, enlaçadamente, palavras e imagem - ou não fossem, cada uma, a mesma e a outra.

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B © ACHIMPA, Catarina Sobral, ilustração, Lisboa, Orfeu Negro

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V Com O Meu Avô, Sobral parece abandonar as ousadias gráficas e irónicas elaborações icónico-linguísticas que a distinguiram, para agora se aventurar pelos caminhos da literalidade, com um texto que arrumadamente legenda ilustrações do quotidiano de um avô, narrado pela voz infantil de primeira pessoa do seu neto, em contrapontístico filme à la Jacques Tati. Mais do que um livro-homenagem, O Meu Avô oferece-nos uma reflexão equilibrada, em dupla concretização imagética, sobre o conceito de tempo, sobre a sua passagem e sobre o que dele fazemos. A opção pelas linhas puras e por cores primárias com jogos de tons e sobreposições, criando padrões e uma identidade umbilical entre as vidas de duas personagens, opostas e sincrónicas. A aparente singeleza e escorreita discursividade, esconde um livro plurirreferencial (e multilinguístico), em que as diferenças e semelhanças das acções do dia a dia, interesses e personalidades das personagens (o avô e o Dr. Sebastião) se encontram, cruzam e entrecruzam em palindrómicos efeitos, planos, perspectivas e movimentos. A ironia é a do sorriso e a da ternura, enformada pelas referências artísticas, a Fernando Pessoa e Almada Negreiros, a Édouard Manet ou Andy Warhol.

VI Em Vazio encontramos a metafórica narrativa, exclusivamente visual, de saboroso cariz experimental, de uma ideia cliché que nos remete para o conceito abstracto da redenção que só o amor permite. Socorrendo-se de uma técnica gráfica que privilegia o desalinho do traço e da mancha, flutuando em contrastes de materiais e em texturas tácteis, minudências variadas de colagens, carimbos, riscos que surgem para depois se desvanecerem, Sobral constrói paisagens, exteriores e interiores, nas quais se expõem, cheias de força, personagens cativantes em posturas e gestos, e uma silhueta branca, vazia, intrigante, em busca de sentido, num quotidiano urbano e indiferente. Silenciosas, sim, mas transbordantes de sentidos, são estas imagens que contam.

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VII Em suma, mesmo nas últimas obras, O meu Avô e Vazio, nas quais envereda por um caminho estético-narrativo no qual o desenho toma o lugar da colagem, em que figuras humanas assumem o protagonismo anteriormente conferido aos sinais gráficos e palavras, Catarina Sobral, mais do que uma ilustradora, mais do que uma escritora, apreende cada mínima unidade conceptual sincrética do que é potencialmente transformável em livro. Da fabulosa mistura de valores, estética, harmonia, ousadia, personalidade, autenticidade, ironia, surpresa, jogo, ritmo, sucessividade, reciprocidade, busca, interrogação nascem livros, sem destinatários exclusivos – obras que são doces e verdadeiros chamarizes à inclusão leitora e à derrogação de fronteiras etárias e classificações estreitas - da literatura, da arte (do mundo, da vida, naturalmente).

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A © Surfista Prateado, Parábola, capa, Levoir/Público, 2012


Texto por João Miguel Lameiras

Prémio Nacional 2013 Clássicos da 9ª Arte O Surfista Prateado, Moebius, John Buscema e Stan Lee

E o Surfista Prateado Voou Finalmente em Português Visto pela primeira vez em 1966, nas páginas dos números 48 a 50 da revista Fantastic Four, numa história que ficou conhecida como a Trilogia de Galactus, o Surfista Prateado nasceu da iniciativa espontânea de Jack Kirby. O desenhador achou que uma criatura tão poderosa como Galactus, o devorador de mundos, necessitava de um arauto que o antecedesse, anunciando a sua chegada, ou fazendo um paralelo com a mitologia judaico-cristã, de um anjo que, à semelhança do anjo Gabriel que anuncia à Virgem Maria que esta vai ser mãe do filho de Deus, avisasse a humanidade da chegada iminente do deus Galactus. Essa criatura de pele brilhante como prata, descobriu-a Stan Lee quando Kirby lhe passou as páginas desenhadas da saga de Galactus para ele escrever os diálogos, e o argumentista teve a surpresa de descobrir “um surfista de pele prateada cavalgando os céus em cima de uma veloz prancha”, prancha essa, de que Kirby se lembrou, por razões essencialmente práticas, pois era muito mais fácil e rápida de desenhar do que uma nave espacial... Nascido como Norrin Radd, um jovem astrónomo do Planeta Zenn-La, o Surfista, para salvar o seu planeta da destruição, vai oferecer-se como arauto do poderoso Galactus, deixando para trás a mulher que ama, a bela Shalla Bal, para acompanhar o Devorador de Mundos na sua busca por planetas que lhe permitam saciar a sua necessidade inesgotável de energia. E se Galactus é uma figura que está para além do bem e do mal, já o Surfista está bastante mais próximo da humanidade, através da sua dimensão trágica e do carácter filosófico das suas reflexões sobre a humanidade pela qual se sacrificou, colocando-se ao lado do Quarteto Fantástico contra Galactus, que pretendia destruir o planeta Terra para aplacar uma fome insaciável.

* João Miguel Lameiras escreve de acordo com a antiga ortografia.

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Tendo abdicado das estrelas para salvar os homens, qual Prometeu, o Surfista Prateado vai-se tornar uma das personagens favoritas de Stan Lee, que embora não a tenha criado, cedo percebeu como o Surfista se enquadrava no espírito de uma época, em que a música dos Beach Boys veio dar outra popularidade ao surf. Assim, em 1968, o Surfista Prateado passa a sulcar os céus na sua própria revista mensal, em histórias escritas por Stan Lee e desenhadas, não já pelo seu criador, Jack Kirby, mas pelo traço mais clássico de John Buscema, desenhador cujo trabalho podemos acompanhar no volume premiado que motiva esta exposição, em três episódios da revista mensal, em que o Surfista Prateado enfrenta o Homem-Aranha, participa numa revolução na América Latina e reencontra a sua amada Shalla Bal, para a voltar a perder logo de seguida… Ainda com arte de Buscema, este volume traz a novela gráfica Juízo Final, de 1988, uma curiosa experiência gráfica contada quase inteiramente com recurso a imagens de página inteira, com excepção de uma página dividida em três quadrados, cedência rapidamente compensada com uma dupla página. Para além desta pouca habitual escolha de paginação, mas que vem de encontro à tendência que Buscema tinha de usar imagens de grandes dimensões, para assim conseguir mais espaço em cada quadrado de modo a dar a cada vinheta a escala grandiosa que a saga cósmica do Surfista Prateado merece - o que o levou a optar por uma divisão preferencial da página em duas tiras na revista mensal do Surfista por oposição à planificação habitual em Kirby de três tiras por página - a forma como a história foi escrita, levando o “método Marvel” ao extremo, não deixa de ser curiosa. A história foi imaginada por Tom De Falco e pelo próprio John Buscema, com Stan Lee a limitar-se a escrever os diálogos, depois da história, que coloca o Surfista e Galactus lado a lado contra Mefisto, já estar toda desenhada. Não obstante a qualidade e a importância do trabalho de John Buscema com o Surfista Prateado, o ponto alto deste volume é a colaboração, tão fugaz como conseguida, entre Stan Lee e Moebius, que permitiu a um dos poucos génios incontestados da BD franco-belga desenhar uma história de super-heróis. Tudo começou durante uma refeição que os dois autores partilharam, num festival americano (embora as declarações de Stan Lee e Moebius não sejam coincidentes em relação ao ano, ao festival, ou sequer se foi a um almoço ou a um jantar, em que esse encontro aconteceu). Mas, mais importante do que a data ou o local do encontro, foi o resultado, que confirma o génio de Jean Moebius Giraud, que soube jogar a fundo o jogo dos comics americanos, seguindo todas as suas regras e códigos, sem abdicar do seu universo pessoal. Veja-se o último quadrado da página 9, com a multidão a fugir, cheio de deliciosos pormenores, que são puro Moebius, ou a leveza etérea do seu Surfista, que parece esculpido num cristal de Aedena. Um ser de luz, que Moebius descreve assim: “o meu Surfista é imbuído de graça. Vejo-o como alguém elegante, altivo. Ele faz Tai-Chi, como eu!”

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C B

B © Silver Surfer, Parable, Moebius, prancha não utilizada, Marvel, 1988 C © Silver Surfer, Parable, Moebius, 1988

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D © Homenagem a Moebius e Silver Surfer, Pedro Morais, inédito, 2014


E o Surfista Prateado Voou Finalmente em Português

Também o argumento de Stan Lee parece aqui em estado de graça, com uma interessante abordagem do fanatismo religioso, que deve ter calado fundo a Moebius, acabado de sair de uma experiência semelhante, depois de ter vivido em comunidade no Taiti com a seita de Jean-Paul Appel-Guerry, que tem grandes pontos de contacto com L. Ron Hubard, o criador da Cientologia. Embora Moebius tenha desenhado apenas esta história do Surfista, o seu impacto junto dos leitores e não só, fica bem evidente numa cena do filme Crimson Tide (Maré Vermelha, nos cinemas portugueses), realizado por Tony Scott em 1985, em que o tenente do submarino interpretado por Denzel Washington, tem que interromper uma violenta discussão entre dois marinheiros. O motivo dessa acesa discussão consistia em decidir qual o maior desenhador do Surfista Prateado. Se Jack Kirby, o seu criador, se o francês Moebius. Patrioticamente, Washington resolveu a discussão decretando que “qualquer fã de comics sabe que o melhor Surfista é o de Jack Kirby”. Esta cena, escrita por Quentin Tarantino, para além da injustiça feita a John Buscema, o desenhador que mais páginas ilustrou com a personagem, é reveladora do impacto que Moebius conseguiu com a sua curta ligação à série, enquanto desenhador de Parábola, uma história em duas partes escrita por Stan Lee. Curiosamente, apesar de emblemática, esta não é a primeira referência importante ao Surfista Prateado no cinema. Anos antes, em 1983, no filme Breathless, o remake que o americano Jim McBride fez de À Bout de Souffle de Jean-Luc Godard, com Richard Gere a substituir Belmondo como protagonista, as revistas do Surfista Prateado que a personagem traz sempre consigo, funcionam quase como um guia espiritual, com as histórias do Surfista a reflectirem e comentarem a vida de Jesse, o anti-herói do filme. Dois exemplos do apelo do Surfista Prateado fora do mundo da BD, a que podemos juntar o disco de Joe Satriani, Surfing With the Alien, que tem precisamente como ilustração de capa uma ilustração do Surfista, feita por John Byrne. Grande fã do Surfista Prateado, Satriani tem também noutro disco uma canção chamada Back to Shalla Bal, sendo Shalla Bal a mulher que o Surfista teve de deixar, quando aceitou acompanhar Galactus pelo espaço sideral. Mas Moebius e John Buscema não são os únicos criadores presentes nesta exposição, que não podia ignorar a segunda série da revista, lançada em 1987 e em que Steve Englehart, o primeiro argumentista, sem ser Stan Lee, a escrever uma aventura do herói, colaborou com artistas do calibre de Marshall Rogers e Tom Grindberg. Outro autor também em destaque é Joe Stanton, de longe o autor com mais originais em exposição, de páginas que exploram a dimensão cósmica do Surfista Prateado e a sua interacção com outros heróis – e vilões, como o Superskrull – do universo Marvel.

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Natural destaque ainda para a presença na exposição de uma prancha de Alex Ross para o seminal Marvels em que recria, no seu estilo único, o primeiro encontro entre Galactus e o Quarteto Fantástico, contado originalmente por Stan Lee e Jack Kirby nas páginas da revista do Quarteto Fantástico. Também os Ilustradores portugueses estão presentes nesta exposição através da recriação de momentos importantes da vida do personagem. Assim, Penim Loureiro pega na primeira página e na ilustração usada como capa da primeira recolha da história desenhada por Moebius, para criar uma espectacular composição de grandes dimensões, enquanto Pedro Morais regressa à primeira aparição do Surfista Prateado na história de Lee e Moebius, no terraço de um arranha- céus, juntando-lhe pormenores que Moebius não se deu ao trabalho de desenhar. Também Jorge Coelho e Filipe Andrade juntam forças para recriar a icónica capa da revista Silver Surfer # 3, em que o Surfista enfrenta o Poderoso Thor, substituindo o Deus do Trovão pelo Batman, fazendo, tal como o texto de Steve Englehart que podem ler igualmente neste catálogo, a ponte entre os dois super-heróis em destaque nesta edição do Amadora BD.

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© Silver Surfer, Judgment Day, John Buscema, Marvel, 1988

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A © Ilustração para a capa do BDLP nº3, Marta Patalão, Portugal


Texto por Pedro Mota

Prémio Nacional 2013 Melhor Fanzine BDLP, João Mascarenhas, Grupo Extractus (Portugal) e Estúdios Olindomar (Angola)

BDLP No âmbito da edição de 2010 do AmadoraBD, teve lugar o “Encontro Lusofonia: Nona Arte em Língua Portuguesa”. O encontro, surgido da iniciativa de Nelson Dona, contava com a presença de quatro países (Angola, Brasil, Moçambique e Portugal) representados por autores e especialistas. Os autores representados estavam, de resto, integrados numa exposição “Lusofonia”. Os representantes de cada um dos quatro países tiveram oportunidade de dar a conhecer o panorama da banda desenhada do seu país, e o percurso do autor selecionado. No caso português, o especialista João Miguel Lameiras e o autor Nuno Saraiva foram os representantes. Do referido encontro, além do desenho que ilustra este texto, retirei as seguintes conclusões: 1 A identificação de uma comunidade lusófona de banda desenhada. 2 A necessidade de dar continuidade à iniciativa da Amadora através de ações individuais. 3 A ideia de fazer passar essa continuidade por uma publicação que expressasse a identidade lusófona e contemporânea que norteou o encontro (lusófona por partir de uma base localizada ou individual para uma mensagem universal, e contemporânea por privilegiar a linguagem que as pessoas efetivamente falam sobre a “linguagem dos livros”). 4 A ideia de realizar novos encontros (falou-se mesmo num encontro anual) para ponto da situação. 5 A necessidade de conhecer melhor as diferenças e semelhanças dos países participantes desta comunidade. 6 A necessidade de aumentar o número de países participantes. 7 A necessidade de redimensionar a identidade local à escala da comunidade lusófona.

* Pedro Mota escreve de acordo com a antiga ortografia.

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B © Prancha de Fabio Moon, Brasil C © Prancha de Zorito, Moçambique D © Prancha de Sai Rodrigues, Cabo Verde

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8 A necessidade de criar uma página da Internet para este projeto. 9 A necessidade de preparar mecanismos de apoio e formação. 10 A possibilidade de concretizar residências artísticas. A sempre atenta Sónia B. Luyten tratou mesmo de enquadrar estas conclusões em diferentes períodos temporais de concretização: no curto prazo, seria possível verificar as diferenças e semelhanças e promover itinerância de exposições; a médio prazo, seria possível conceber projetos de intercâmbio, e a longo prazo seria possível apostar na vertente comercial. A sequência da iniciativa da Amadora veio sob a forma do fanzine BDLP (a sigla significa “Banda Desenhada de Língua Portuguesa”), resultante da boa ligação entre o angolano Olindomar Estúdio e o português Grupo Extractus, muito por ação de J. Mascarenhas que, no âmbito do 7º Luanda Cartoon, já concebera a ideia do fanzine juntamente com os diretores do evento (Lindomar e Olímpio de Sousa). O primeiro número surgiu em 2011, com colaborações de Bocolo Daniel, Hermenegildo Pimentel, Júlio Pinto, Tiago Abrantes e Nelo Tumbula (Angola), Marcelo D’Salete (Brasil), Joana Afonso, Rita Vilela, Álvaro, J. Mascarenhas, GEvan e José Carlos Dias (Portugal). A partir daí, tem saído um número por ano, sempre com um leque variado de autores de países de língua portuguesa. Com a edição de cada novo número em suporte de papel, é disponibilizada a versão digital do número anterior. No AmadoraBD 2013, o fanzine BDLP foi distinguido como o melhor fanzine no ano, iniciando um percurso de grande reconhecimento internacional. Já neste ano de 2014, o fanzine foi nomeado para um prémio pelo Festival International de Bande Dessinée de Angoulême, e distinguido com o prestigiado prémio brasileiro HQ-Mix (Destaque Língua Portuguesa). No âmbito do 25.º AmadoraBD, o fanzine BDLP é motivo de uma exposição, recolocando o projeto do espaço lusófono de BD na rota do projeto da cidade da Amadora para a banda desenhada.

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© Prancha de Nelo Tumbula, Angola

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© Prancha de Inês & Miguel, Portugal

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25 Anos de artistas nacionais e internacionais.



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A © Prancha original da capa de Detective Comics nº 551, DC Comics, Pat Broderick, Junho 1985


Texto por João Miguel Lameiras e Lawrence Klein

Batman Ano 75 Criado por Bob Kane e Bill Finger em 1939, na sequência do sucesso do Super -Homem de Jerry Siegel e Joe Schuster, nascido um ano antes, Batman é um dos super-heróis mais humanos e carismáticos de todos os tempos e um dos raros que não tem qualquer super-poder, funcionando quase como um negativo do Super -Homem, com o lado lunar do Cavaleiro das Trevas a surgir como contraponto à dimensão mais solar do Homem de Aço. Uma oposição que está igualmente presente nas duas cidades onde actuam os dois heróis, com a sombria Gotham City a funcionar como negativo da luminosa Metropolis. É essa dimensão mais humana, que facilita a identificação dos leitores, que transformou Batman no mais popular dos super-heróis. Uma popularidade que não dá mostras de abrandar, bem pelo contrário, pois setenta e cinco anos depois, Batman continua a ser no século XXI, o mesmo ícone da cultura pop que foi ao longo do século XX - algo evidente, por exemplo nas homenagens que lhe faz Patrick McDonnel na sua série Mutts - conseguindo tudo isso enquanto se mantém fiel às suas raízes.

A Origem O Batman original foi criado como um vigilante próximo de outras personagens da época como o Shadow, enquadrando-se no mesmo registo de policial negro, visível não só no cinema como na literatura da época. Herói sombrio, nascido numa era sombria, com uma espantosa galeria de inimigos, com paralelo apenas na série Dick Tracy, (de que o Joker é o mais conseguido) apoiado num engenhoso leque de gadgets (do cinto de utilidades ao Batmóvel) Batman foi-se gradualmente afastando das suas raízes policiais à medida que a série se foi tornando mais dirigida a um público infantil, que se identifica facilmente com Robin, o jovem ajudante de

* João Miguel Lameiras escreve de acordo com a antiga ortografia.

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Batman, criado por Jerry Robinson, numa resposta à tendência da época de juntar adolescentes (os sidekicks) aos super-heróis adultos. Nesta fase, Bruce Wayne, o homem por trás da máscara, é apenas um disfarce de milionário fútil e entediado, que Batman usa quando tira a capa. Quando o descobrimos pela primeira vez, na história The Case of the Chemical Syndicate, publicada em 1939 no nº 27 da revista Detective Comics, Batman, o sombrio super-herói, está já no activo há algum tempo e a sua fama precede-o, enquanto o homem que se esconde por detrás da máscara, o milionário Bruce Wayne, apenas aparece fugazmente na última página da história. E só largos meses depois Bob Kane e Bill Finger nos explicam o que levou Bruce Wayne a transformarse no vigilante vestido de morcego, que os leitores bem conhecem, mostrando num flash-back de duas páginas como o assassinato dos pais do jovem Bruce Wayne levou o traumatizado órfão a consagrar a sua vida ao combate do crime, escolhendo a imagem do morcego para infundir terror a essas criaturas “medrosas e supersticiosas” que são os criminosos. Uma origem que surge assinada por Bob Kane, mas que resulta de um processo colaborativo em que teve extraordinária importância o argumentista Bill Finger, mesmo que o seu esforço ainda não tenha sido oficialmente reconhecido pela editora DC, que por motivos legais continua a atribuir a criação de Batman apenas a Bob Kane. Uma situação que Ty Templeton parodia de forma deliciosa e Steve Englehart, no texto que escreveu para este catálogo, resume de forma lapidar: “A história é muito simples. Bob Kane inventou alguém chamado Batman, e Jerry Robinson e Bill Finger deram à personagem uma completa transformação. Todos os elementos familiares da mitologia foram criados por eles, mas o Bob Kane tinha os direitos da personagem, o que lhe permitiu assinar o contrato com a National Comics (mais tarde DC Comics) que pôs apenas o seu nome nos livros. “

Do Papel para a Tela e para o Ecrã O sucesso de Batman cedo lhe garantiu uma revista própria e ao longo da década de 40 as aventuras de Batman começaram a aparecer também nas revistas Batman e World’s Finest Comics, para além da Detective Comics, que viria dar o nome à editora e onde tudo começou.Com o aparecimento desses novos títulos, o grupo de colaboradores que rodeava Bob Kane e Bill Finger, foi alargado a novos argumentistas e a desenhadores como Dick Sprang, autor cujo estilo único marcou a imagem do Homem-Morcego na década seguinte e que está presente nesta exposição.

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B Š Detective Comics 27, Bob Kane

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A crescente popularidade do herói fez com que cedo extravasasse as páginas da BD, chegando ao cinema. A primeira incursão do Cavaleiro das Trevas pela 7ª Arte, deu-se na década de 40, através de dois serials (filmes em episódios de meia hora), o primeiro em 1943, em que Batman participava no esforço da guerra então em curso, combatendo espiões japoneses na América e uma segunda, em 1949, onde surge pela primeira vez a repórter Vicky Vale, personagem que será rapidamente aproveitada para as aventuras no papel do Cavaleiro das Trevas. Apesar da debilidade das histórias e da falta de meios, estes dois serials contribuíram para a popularidade de Batman, embora a nível muito menor do que a série de televisão dos anos 60, de que falaremos em seguida. Mas a série de televisão só foi possível graças ao trabalho do editor Julius Schwartz na BD. Schwartz, que foi o responsável pelo período de renascimento dos comics de super-heróis, conhecida como Silver Age (Era de Prata) com o relançamento em novas versões de heróis clássicos como o Flash, ou o Lanterna Verde, soube contornar as imposições do Comics Code (mecanismo de autocensura da indústria, criado em 1955) levando as aventuras de Batman para o campo da ficção científica de que era um importante cultor, ao mesmo tempo que, para rebater as insinuações do psiquiatra Frederick Wertham, que no seu livro The Seduction of the Inocent caracteriza a relação entre Batman e Robin como tendo contornos homossexuais, são criadas novas personagens femininas como a Batgirl e Batwoman. Um processo que culmina em Maio de 1964 com a mudança de imagem do herói, de que o símbolo do morcego, que passa a surgir dentro de um círculo amarelo, é o exemplo mais imediato, mas que passa também pelo aparecimento de autores com um estilo mais elegante e realista como Carmine Infantino. O sucesso comercial deste “novo” Batman foi imediato e chamou a atenção do produtor William Dozier, que decidiu criar uma série de televisão protagonizada pelo Cruzada da Capa. Filmada durante o apogeu da Pop Art, a série protagonizada por Adam West e Burt Ward, que esteve em exibição entre 1966 e 1968, era uma comédia de acção dirigida a um público juvenil, com efeitos visuais a reproduzirem os sons da BD, que eram um autêntico prodígio kitsch. Com um visual garrido, actores conhecidos como convidados especiais e uma banda sonora que fez sucesso, a série deu a conhecer ao grande público um Batman com muito poucas semelhanças com o vigilante original de 1939, mas que estava na linha da BD da época, onde a violência das histórias iniciais dera lugar a delirantes aventuras de ficção, que não se levavam minimamente a sério. Quase 50 anos após a sua estreia, a série de televisão continua a marcar o imaginário de muitos leitores, como o prova a nova revista da DC, Batman 66 que reimagina na BD o Batman da série televisiva, contando com o contributo de autores do calibre de Mike Allred, de quem podemos ver uma capa para a série na exposição.

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Na década de 70, Batman voltaria a aproximar-se do violento combatente do crime da fase inicial graças ao trabalho da dupla Dennis O’Neil/Neal Adams, naturalmente presente nesta exposição, que trocou o tom de comédia por histórias de acção, centradas nos problemas da época. Nessa América em mudança, é natural que os jovens leitores já não se identificassem com a versão kitsch do Batman que marcou a década de 60, de que a série televisiva com Adam West foi o expoente máximo em termos mediáticos. Daí a necessidade de criar um novo herói para uma nova era, um Batman mais sombrio e realista, na linha da dura realidade que rodeava os leitores. Julius Schwartz, o editor da DC encarregue da personagem, sabia quem eram os homens certos para esse trabalho e optou por reunir novamente o escritor Denny O’Neil com o desenhador Neal Adams, depois da revolucionária passagem da dupla pela série Lanterna Verde/Arqueiro Verde. Se Adams, com o seu traço único, que alia um realismo fotográfico a uma planificação dinâmica e espectacular, já tinha desenhado e modernizado a imagem de Batman na série The Brave And the Bold, ilustrando histórias de Bob Hanney, O’Neill, que começou a sua carreira como repórter especializados em assuntos criminais, vai introduzir uma série de alterações na vida da personagem, que farão com que os leitores percebam que estão perante um novo Batman, um Batman diferente. Para além do tom das histórias, mais sombrias e realistas, essas mudanças passam pela ida de Robin – cuja importância nas histórias do Batman fica bem evidente nesta exposição – para a Universidade de Hudson, colocando um fim provisório ao duo dinâmico, que levaria ao aparecimento de outros Robins e levando Bruce Wayne a trocar a Mansão Wayne, demasiado grande para ele e o seu mordomo Alfred viverem lá sozinhos, por um luxuoso apartamento com terraço no centro de Gotham, para além da criação de novos personagens como o vilão Ra’s Al Ghul. Mas a verdadeira revolução chegaria em 1986, com Frank Miller e o seu Regresso do Cavaleiro das Trevas, uma aventura futurista em que um Batman já cinquentenário volta a vestir o uniforme para impor a sua lei numa Gotham City cinzenta e ameaçadora, infestada por gangs de adolescentes sanguinários, num regresso inesperado que vem abalar o status quo de uma América ameaçada pelo espectro do conflito nuclear. Um clássico incontornável, duplamente representado nesta exposição, através de uma prancha original de Frank Miller e da recriação feita pelo português Ricardo Drumond da icónica capa do nº 1 de TDKR. Miller voltaria pouco depois a Batman, para contar a sua origem no seminal Batman: Ano Um em que o desenho é assegurado por David Mazzucchelli, artista representado nesta exposição através de uma ilustração de Batman oferecida a Lawrence Klein, que foi iniciada em 1986, antes de Mazzuchelli ter começado a trabalhar em Batman: Ano Um e só terminada em 2007, numa folha separada, numa fase em que o desenhador tinha abandonado de vez as histórias de super-heróis.

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O fulgurante sucesso do Batman de Frank Miller, abriu não só o caminho a outras visões complexas e adultas do Cavaleiro das Trevas, como Piada Mortal de Alan Moore e Brian Bolland, ou Asilo Arkham, de Grant Morrison e Dave Mckean, mas sobretudo gerou um renovado interesse pelo herói junto do grande público, criando assim as condições ideais para o regresso de Batman ao cinema. Um regresso que se dá pela mão de Tim Burton, em dois excelentes filmes, servidos por uma admirável cenografia de Anton Furst que conseguiu fazer de Gotham City uma versão gótica da Metrópolis de Fritz Lang. Uma etapa representada nesta exposição através de uma prancha de Steve Erwin e José Luís Garcia-Lopéz, da adaptação à BD de Batman Returns Os dois filmes seguintes, Batman e Robin e Batman para Sempre - de que podem ver uma prancha de Michael Dutkiewicz e Scott Hanna da adaptação à BD - foram realizados por Joel Schumacher que conseguiu algo que poucos julgariam possível - quase pôr fim a uma das rentáveis franchises do cinema americano. Mais preocupado com inovações ridículas, como pôr mamilos nos fatos de Batman e Robin, do que em arranjar argumentos decentes que, para além de servirem de pretexto para um cortejo de vedetas como vilões de serviço, contassem também uma história interessante de forma compreensível, Schumacher, com estes dois filmes, cria uma série de inimigos junto dos batmaniacos, que só terão razões para sorrir quando surge a série de animação Batman Adventures. Essa série, dirigida por Paul Dini e Bruce Timm, foi vencedora de vários Emmys e faz uma síntese perfeita das diferentes épocas da BD, através de um grafismo extremamente simples e estilizado, valorizado por um excelente jogo de sombras, ao serviço de his-

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C © Batman, nº 160, DC Comics, Dick Sprang


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D © Recriação da capa de Batman nº 4 por Nuno Duarte, 2014

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tórias muito bem escritas e que vão contribuir para o enriquecer da mitologia de Batman, através de novas personagens, como Harley Quinn, a namorada do Joker, que actualmente é uma das personagens de maior sucesso da DC. O sucesso de Batman Adventures e das séries paralelas (Batman Beyond, Batman and Robin, World’s Finest) representadas nesta exposição pela arte de Ty Templeton, Tim Levins e por uma história inédita da League of Justice Adventures, escrita por Len Kaminski, com arte de Joe Stanton e Al Migrom, e longas-metragens de animação, provou que continuava a existir vida para Batman fora da BD. O que, para além do sucesso extraordinário da série de jogos de computador baseados no Asilo Arkham, foi plenamente confirmado pelo filme Batman Begins, de Cristopher Nolan, primeiro capítulo de uma muitíssimo bem conseguida trilogia que relançou a série. Explorando pela primeira vez no cinema o processo de transformação de Bruce Wayne em Batman, o filme, escrito por David Goyer, responsável pela passagem de Blade, outra personagem da BD, ao cinema, vai beber a sua principal inspiração a Batman: Ano Um e a The Long Halloween, de Jeph Loeb e Tim Sale, autor também presente nesta exposição, desenvolvendo - como a BD ainda não o tinha feito - o período de aprendizagem de Bruce Wayne antes de regressar a Gotham City. ao mesmo tempo que integra Batman com sucesso num universo realista. Em destaque no segundo - e mais conseguido - capítulo da trilogia de Nolan, está o Joker, interpretado de forma inesquecível pelo malogrado Heat Ledger, e representado nesta exposição pelo lápis de Chris Warner e pelos marcadores de Joe Stanton. E se o Cavaleiro das Trevas já tem o regresso marcado para o cinema em 2016, desta vez ao lado do Super-Homem, pela mão de Zack Snyder, na BD o herói soube renovar-se, tal como o resto do catálogo da DC, que através da Linha Novos 52, foi actualizado para o século XXI, sendo impossível não citar o excelente trabalho de Scott Snyder e Greg Capullo na principal revista do Batman. Seja pela força de Batman, ou pela riqueza da fortíssima galeria de secundários que o rodeia, a verdade é que 75 anos após a sua criação, não faltam histórias interessantes para contar, tanto do Cavaleiro das Trevas, como dos homens que lhe deram vida ao longo destas décadas, e que esta exposição pretende homenagear.

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Š What If Bob Kane ‌, Ty Templeton (des e arg), legendagem de Rui Alves, in www.tytempleton.com, 2013

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© Batman, A Celebration of 75 Years, DC Comics, Jim Lee, 2014


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75 Anos em Capas Como já referimos, tão importante como a evolução do personagem é o trabalho dos homens que lhe deram vida no papel. Autores como Jim Lee, Norm Breyfogle, Ken Steacy, Jim Aparo, Scott Eaton, Bernie Wrightson - de quem podemos apreciar um belíssimo original a lápis - Gene Colan, Tonny Castillo, ou Ed McGuiness, que estão representados através de pranchas originais, que no caso de Gene Colan, ao serem passadas a tinta por arte-finalistas com estilos tão diferentes como os de Alfredo Alcala e Bob Smith, surgem com um tipo de iluminação completamente diferente. Mas, antes de ver as páginas interiores, o leitor tem que ser conquistado pela capa. É esse processo complexo de conseguir uma imagem tão simples como eficaz, capaz de cativar imediatamente o potencial leitor, que esta exposição desvenda através do trabalho de Ed Hannigan, lendário ilustrador que ilustrou centenas de capas, tanto para a DC como para a Marvel, bem representado nesta exposição através de uma série de estudos preliminares para outras tantas capas marcantes. Mas além dos estudos de Ed Hannigan, do trabalho a lápis de Brian Bolland, da homenagem de Joe Stanton à capa de Jerry Robinson com a primeira aparição do Joker, ou da ilustração em cor directa de Norm Breyfogle para Holy Terror, o segundo título da linha ElseWorlds, esta mostra conta também com a recriação de um bom punhado de capas icónicas que permitem traçar a história do Batman e que uma série de ilustradores portugueses ligados ao Lisbon Studio, coordenados por Ricardo Cabral, a que se juntam os argentinos Juan Cavia e Santiago Villa, responsáveis gráficos pelo maior best seller da BD portuguesa do século XXI, a série As Aventuras de Dog Mendonça, escrita por Filipe Melo, recriam de uma forma que concilia criatividade e inovação, com o respeito pelo original.

Batman em Portugal Tal como aconteceu com o Super-Homem, as aventuras de Batman chegaram a Portugal principalmente via Brasil. Primeiro através da revista o Lobinho, onde o Cavaleiro das Trevas se estreou em português em 1940, seguindo-se um longo percurso nas revistas da Ebal, iniciado em 1953 e que, com diferentes formatos, duraria até inícios da década de 80, quando a editora Abril adquiriu os direitos das personagens da DC Comics para língua portuguesa. Em Portugal, foi preciso esperar por 1972 para Batman se estrear nas páginas do jornal Diário Popular, onde se manteve em publicação durante seis anos. Em revista

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a estreia portuguesa dar-se-ia em 1977, no Jornal do Cuto, dirigido por Roussado Pinto, numa história em que o Batman contracena com o Super-Homem e que teve direito a uma bela capa de Carlos Alberto Santos. Nos anos 80, o Cavaleiro das Trevas aparece na Revista dos Super-Heróis da Agência Portuguesa de Revistas e na década seguinte a Abril edita directamente em Portugal uma revista do Batman, que teve vida curta, ao mesmo tempo que continua a importar as edições brasileiras. Com a notável excepção de Julgamento em Gotham, um álbum desenhado por Simon Bisley editado pela Meribérica em 1994, em que o Batman contracena com o Juiz Dredd, seria preciso esperar pelo século XXI e pela editora Devir, para termos finalmente algumas das mais importantes histórias do Batman disponíveis em português de Portugal, em edições de qualidade. Clássicos incontornáveis como O Regresso do Cavaleiro das Trevas, Batman: Ano Um, A Piada Mortal, ou Asilo Arkham, surgiram assim nas livrarias e quiosques nacionais. Com a perda pela editora dos direitos da DC para o nosso país em 2006, o Cavaleiro das Trevas voltou a ter a sua presença em Portugal dependente das importações das sobras das edições brasileiras. A excepção tem sido as colecções lançadas com os jornais. Primeiro com as duas séries dos Clássicos da Banda Desenhada, distribuídas com o jornal Correio da Manhã entre 2003 e 2005 e, já nesta década, em 2013, as duas séries dedicadas à DC que a Levoir lançou com o jornal Público e o semanário Sol, em que o Batman marcou presença constante, em histórias a solo, ou ao lado do Super-Homem.

Quero agradecer à minha mulher Sarah, ao meu filho Jacob e à minha filha Kaetah, que trouxeram grande alegria à minha vida. Por último quero agradecer aos meus pais, em particular ao meu pai, que me transmitiu a paixão pela colecionismo de banda desenhada sem o qual eu não poderia comissariar esta exposição. — Lawrence Klein

Agradeço a Pedro Morais, Penim Loureiro, Ricardo Leite, Rui Alves e todos os artistas e colecionadores que emprestaram peças ou recriaram imagens icónicas para estas duas exposições. — João Miguel Lameiras

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G © Batman, capa de Carlos Alberto Santos para Jornal do Cuto, 8 vol nº 142 a 165, 1977

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Texto por Steve Englehart

Batman e o Surfista Prateado Batman e o Surfista Prateado. Adoraria estar convosco para descobrir qual é a ligação entre eles, para além do facto de eu os ter escrito a ambos, mas só poderei estar em Portugal no próximo ano. No entretanto, como se diz na indústria dos comics, tocarei de ouvido. O primeiro elo que vislumbro é que ambos partilham o arquétipo americano: o solitário poderoso. É aquele que sempre fomos, desde os Pais Peregrinos arribando ao Mundo Novo. Desde o início que tentámos impor a nossa vontade numa terra onde outros viviam. Portugal, Espanha, França e muitos outros tentaram o mesmo, mas eles já eram portugueses, espanhóis, franceses… Nós tínhamos os ingleses como progenitores, mas crescemos na era do pensamento livre. Rebelámo-nos contra a Inglaterra em primeiro lugar para criar uma nova ordem para o mundo a vir. Os americanos criaram-se a si mesmos, no local onde se encontravam, e esse local era uma terra de oportunidades aparentemente infinitas… mas que pelos vistos estavam ocupadas por outro povo. Mas a consciência de raça é a consciência de raça, um facto de muitas vidas em qualquer época, e os americanos brancos viam os não-brancos como, na pior das hipóteses, escravos, e na melhor, como pessoas que simplesmente teriam de sair do caminho. À medida que a América crescia, mantinha-se a imagem do solitário poderoso. Dessa imagem obtivemos uma guerra civil, o cowboy, o detective privado. E Batman e o Surfista Prateado. O Batman surgiu a Fevereiro de 1939, e o mundo para além da América entrou numa guerra em Setembro. Os americanos tinham vivido o seu ideal de solitários com poder até 1918, e entrar nos conflitos de outras pessoas era um conceito estapafúrdio. Em 1939, a América tinha um número de pessoas que achavam que essa intervenção era a acção correcta, e também um número de pessoas que achavam que isso era uma traição ao legado americano. Seria necessário um ataque a uma base americana, a Dezembro de 1941, para que a maioria das pessoas se passasse para o lado da intervenção. Por isso a Fevereiro de 1939, as trevas do mundo esta-

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vam concentradas, para os americanos, na América, e isso significava as grandes cidades, onde o crime tinha lugar. O brilhantismo de Bill Finger e de Jerry Robinson estava na maneira como colocavam essas trevas no papel. Mas esperem. E o Bob Kane? Essa história é bastante clara. Bob Kane inventou alguém chamado Batman, e Robinson e Finger deram a essa personagem uma volta completa. Todos os elementos familiares do mito de Batman foram inventados por eles, mas era Bob quem detinha a sua propriedade, e foi ele quem conseguiu um contrato com a National Comics (mais tarde DC), a qual colocaria o seu nome na personagem. O solitário poderoso. A personagem de Batman começa com as trevas do mundo a cometer um dos seus crimes capitais: a morte dos pais. O pequeno Bruce Wayne testemunhou esse crime nas sombras e reflexos cortados pela chuva de Gotham City, uma claríssima versão de Nova Iorque. Ele viu o criminoso, a arma, e o clarão das balas e o sangue dos seus. E no dia em que foram sepultados, ele jurou tornar-se o derradeiro solitário poderoso: um homem que faria a diferença. Em um só ano da sua estreia conheceria um miúdo chamado Robin e faria equipa com ele, mas isso era quando Batman era um sucesso, e Robinson, Finger e Kane procuravam expandir a demografia dos seus leitores. No ano original de 1939, o Batman era, ao contrário do Super-homem, a expressão pura da América. O Batman era um solitário poderoso mas ao contrário do kriptoniano ele haviase tornado em algo por sua própria iniciativa. Para mim, o Batman foi sempre o mais super-herói de todos, pois ele não tinha quaisquer superpoderes: era simplesmente ele-próprio. Ele tornou-se o maior detective do mundo, e o maior atleta do mundo. Mantém-se no cúmulo dos seus poderes através de uma vontade de poder focada e incessante. Poderia deixar-se cair na loucura que o rodeia, mas jamais deixaria isso acontecer. Estas últimas frases revelam do ser humano que foi o Batman, e quando eu me tornei responsável pelos argumentos da Detective Comics nos anos 1970, era esse o quinhão que lhe faltava. Eu adorava todos os aspectos do Batman, mas também queria conhecer o homem que estava no seu interior. E, procurando esse homem, resolvi torná-lo num adulto completo, com uma mulher com quem dormia, Silver St. Cloud. Na banda desenhada norte-americana, uma situação dessas jamais havia sido tentada antes. Mas, no fim de contas, torná-lo mais adulto apenas o tornaram mais acessível a adultos, por isso os arcos narrativos que fiz com Marshall Rogers e Terry Austin tornar-se-iam em filmes, e o sucesso desse filme levou a outros filmes do Batman, e a outros filmes de super-heróis, e a séries de animação, de televisão e jogos.

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O Surfista Prateado chegou a Dezembro de 1965. Era uma época de luz, pelo menos nos países do Primeiro Mundo. Nos Estados Unidos, o Presidente Kennedy havia sido assassinado dois anos antes, mas os Beatles apareceram logo depois e mudaram o tom à conversa. As pessoas dedicavam-se ao ideal da Nova Fronteira de Kennedy, no divertimento que representava a expansão da vida, e isso levou à expansão da consciência. Havia um consenso cada vez maior sobre os direitos das mulheres e dos negros. Entre aqueles que se encontravam na idade de ler comics, havia um consenso em torno da erva. A América procurava chegar à Lua. (E tínhamos apenas começado a guerra no Vietname, logo isso ainda não tinha grande importância). Além disso, toda a gente andava vestido com fantasias. Os filmes e as fotografias dos anos 1960 mostram uma grande estilização das roupas. Acredito profundamente que é essa a grande razão pela qual a Marvel, que havia declarado falência em 1957, conseguiu capturar a atenção das pessoas nos anos 1960 com os seus heróis em uniformes coloridos – e a DC, que não tinha autorização para ser garrida, ficou para trás. Seja como for, a Marvel havia apanhado a onda, e o Quarteto Fantástico estava quase a chegar ao seu 50º número. Stan Lee e Jack Kirby criaram um épico sobre uma ameaça cósmica chamada Galactus, e Kirby, à medida que ia estruturando a história através da sua arte, decidiu acrescentar um arauto para Galactus, um homem de prata numa prancha. É muito provável que tenha sido o próprio Jack a dar-lhe o nome de Surfista Prateado. Esta personagem não tinha nenhum uniforme, a menos que contemos a sua pele despida – mas que pele! Tornou-se num ícone visual de imediato, e apesar dos 4F e do Galactus estarem no seu melhor, foi o fado do Surfista Prateado, e o modo como seria barrado de voar livremente pelas vias do espaço e a viver preso na Terra, que capturou a atenção dos leitores. Era ele o derradeiro solitário poderoso. (Para ser sincero, descobri a Marvel já a meio deste épico, por isso tudo aquilo que fiz desde então pode ser seguramente traçado, pelo menos de um ponto de vista, ao que senti quando o li.) Depois disso, tudo começou a degradar-se para o Surfista. Ele tinha-se declarado uma personagem de grandes paradas, porém, com a passagem do tempo, o facto de que ele estava preso à Terra e de que não poderia evoluir tornar-se-ia uma mó agarrada ao seu pescoço. Vários criadores de primeira linha tentaram escrevê-lo, mas todos eles voltavam sempre ao mesmo ponto, com o Surfista a chorar por Shalla Bal, nos queixumes do seu destino. Vintes anos disto, e tornou-se um bocado perro. Por isso quando me pediram para escrever o seu próprio comic book, eu pedi para o libertar finalmente da Terra. Disseram que não. E depois, por uma

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razão qualquer, a Marvel mudou de ideias e eu – mais uma vez com Marshall Rogers – consegui enviá-lo de novo no seu ambiente natural, onde ele (e nós) teríamos toda a tradição do espaço sideral do Universo Marvel para explorar. E sabem que mais? Enquanto figura humana solitária na infinita imensidão do espaço, ele era ainda mais solitário. E poderoso. O Batman é uma criatura das trevas. O Surfista Prateado, um ser de luz. Mas agora vivemos numa área de cinzentos, em que a vida é um bocadinho boa e um bocadinho má, e o conceito cultural dominante é o futuro apocalipse zombie. Não admira, com estas tendências, que nem o ícone tenebroso nem o luminoso possam ser tudo aquilo que poderiam ser. O título do Surfista desapareceu, e o Batman perdeu a sua humanidade. Mas eles são ícones, e por isso vemo-los, não como são, mas quão bons eles podem ser. Dêem uma vista de olhos nesta exposição: está em todo o lado.

H © Ilustração de Bob Kane, 1940

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A © Toda A Mafalda, Edição Comemorativa dos 50 Anos, Quino, capa, Editorial Verbo, 2014


Texto por Pedro Cleto

Mafalda: Uma Década de Contestação que Dura Há 50 anos Referência incontornável na banda desenhada do século XX, a Mafalda, de Quino, comemorou em Setembro último 50 anos da sua estreia. Oportunidade para recordar a(s) sua(s) história(s) e perceber a importância de uma banda desenhada que não chegou a ter 10 anos de vida. Acontece muitas vezes - mais certamente do que porventura pensamos - as grandes obras, as obras de referência – e Mafalda é uma das bandas desenhadas de referência do século XX - surgem por acaso, não fruto de uma grande procura criativa ou de um afincado labor por parte do seu autor. Na verdade, se a Mafalda tivesse vingado na sua forma original, possivelmente hoje não estaria a ler este texto, nem o AmadoraBD estaria a comemorar os 50 anos da sua criação. E nem sequer estou a fazer referência ao facto de Quino a ter esboçado um ano antes da sua estreia oficial. Mas vamos então rever um pouco da sua história. Corria o ano de 1963, quando Quino, aliás Joaquin Lavado, natural de Buenos Aires, na Argentina, onde nasceu em 1932, recebeu um convite para criar uma tira protagonizada por crianças – algo que o criador argentino desejava, em parte por influência dos Peanuts, de Charles Schulz. A tira destinava-se a promover, de forma mais ou menos encoberta, a marca de electrodomésticos Mansfield, a lançar no mercado argentino. Tal como os electrodomésticos, o nome de todas as personagens deveria começar com a letra M. Mafalda foi assim baptizada, pela semelhança do nome com a designação da marca.

* Pedro Cleto escreve de acordo com a antiga ortografia.

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Quino desenhou então oito tiras de tom familiar, que acabaram por ser recusadas pelo diário a que se destinavam, ao aperceber-se da publicidade encoberta. A marca de electrodomésticos nunca chegou a ser vendida na Argentina e as tiras ficaram guardadas na gaveta. Três delas seriam publicadas no suplemento humorístico Gregório, da revista Leoplán, mas sem continuidade. Só mais tarde, em 1964, mais exactamente a 29 de Setembro, teria finalmente lugar a estreia oficial de Mafalda, na revista Primera Plana. Nesta altura, Quino já era desenhador de imprensa há 14 anos – desde 1950 - e tinha publicado um ano antes Mundo Quino, o primeiro de muitos livros de compilação dos seus desenhos. A Primera Plana versava a actualidade nacional e internacional, pelo que Quino tentou espelhar essa temática nas suas tiras, embora mantendo também o tom familiar. Por isso, ao lado da protagonista, desde as primeiras tiras – já como suas vítimas preferenciais e incapazes de a refrear – surgiam os seus pais, Policarpo e Raquel, algures entre os 35 e os 40 anos, ele trabalhador de seguros e fanático por plantas, ela doméstica, representantes da classe média baixa argentina que tinha de esticar o dinheiro para conseguir chegar ao final do mês. Ainda nesta fase, a 19 de Janeiro de 1965, Quino introduzia o primeiro amigo da Mafalda, Filipe, tímido e indeciso, especialista em adiar a realização dos trabalhos de casa e fã incondicional das bandas desenhadas do Cavaleiro Solitário, que sonhava um dia encarnar. Na revista Primera Plana, foram publicadas 48 tiras da Mafalda, a um ritmo de duas por semana, até 9 de Março do ano seguinte. Nessa altura, um desentendimento sobre a propriedade dos originais, quando havia outras publicações argentinas interessadas na sua reprodução, levou o desenhador a recolhê-las no arquivo da revista e a abandoná-la definitivamente. A paragem não chegou a ser efectiva porque logo a 15 do mesmo mês, Mafalda fazia a sua entrada no jornal El Mundo. A mudança para um jornal diário contribuiu decisivamente para fazer dela o que (re)conhecemos hoje. Com efeito, o ritmo de produção diário possibilitou a Quino uma abordagem muito mais próxima da actualidade, permitindo uma maior identificação dos leitores com as situações comentadas e levou o desenhador a apurar o seu forte sentido crítico e os seus comentários mordazes. A publicação das tiras de segunda a sexta, obrigou-o a ampliar a galeria de personagens, para poder diversificar o tom e o ponto de vista dos gags que ia apondo ao quotidiano argentino e mundial. O primeiro a aparecer foi Manelinho - aliás Manuel Goreiro, filho do proprietário da mercearia Don Manolo - pouco dotado de inteligência, mas possuidor de um

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apurado sentido para os negócios e para a propaganda comercial (da mercearia do pai). Materialista e ambicioso, projecta-se no futuro como dono de uma grande cadeia de supermercados. A sua certeza do que “quer ser quando for grande”, é o único ponto em comum com a Susaninha – Susana Clotilde Chirusi - surgida a 6 de Junho, que ambiciona casar com um homem rico e ter muitos filhinhos. Socialite em potência (diríamos nós hoje), egoísta e insensível, não consegue perceber como os pobres gostam de viver assim e choca (social e) constantemente com o Manelinho, que despreza por ser pouco inteligente.

Um ano depois, entrava em cena Miguelito Pitti, um ano mais novo que os seus amigos, principal razão para o seu egoísmo e para se considerar o centro do mundo. De certa forma a liderá-los, continuou Mafalda sempre atenta, observadora, perspicaz e implacável. Do alto dos seus 6 anos - completados ‘oficiosamente’ na tira de 15 de Março de 1966, no primeiro aniversário da sua publicação no El Mundo - ia opinando sobre o que via e ouvia, com especial incidência na situação política e social argentinas e nas ameaças que ensombravam o futuro do planeta. Isso não a impedia de lançar igualmente um olhar sobre o seu mundo mais próximo, criticando sucessivas opções e posições do pai ou demonstrando mesmo uma grande crueldade em relação à sua progenitora – e nós sabemos como as crianças

B © Joaquín S. Lavado (Quino)/Caminito S.a.s. - Literary Agency. Tira gentilmente cedida pela Editorial Verbo

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podem ser cruéis, embora no caso da Mafalda a sua crueldade não tenha nada de inocente nem de infantil – depreciando-a pelo facto de ter tirado um curso e depois ter abdicado de uma carreira para casar e constituir família. Convém lembrar que na época da sua publicação – que durou entre 1964 e 1973 – a Argentina vivia tempos conturbados, com a tomada de posse e queda de sucessivos governos, derrotados no parlamento, nas ruas ou por golpes de estado, o que provocou uma enorme instabilidade social, uma inflação galopante e uma desmedida incerteza.

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C © Joaquín S. Lavado (Quino)/Caminito S.a.s. - Literary Agency. Tira gentilmente cedida pela Editorial Verbo D © Joaquín S. Lavado (Quino)/Caminito S.a.s. - Literary Agency. Tira gentilmente cedida pela Editorial Verbo


Mafalda: Uma Década de Contestação que Dura Há 50 Anos

A par disso, a situação mundial não ficava atrás, assombrada pela emergência da China, com a Guerra do Vietname no seu auge, os assassinatos de Martin Luther King e John Keneddy a abalarem os Estados Unidos e a Guerra Fria que opunha esta potência à então URSS a atingir os níveis de tensão mais elevados. Foram as considerações certeiras e mordazes sobre a situação argentina e a preocupação sincera pelo estado (e o futuro) do planeta e dos seus habitantes, recorrentes em grande parte dos gags, que as tornaram (bem) diferentes das outras tiras cómicas e das outras tiras protagonizadas por crianças, e fizeram da Mafalda, o sucesso que ainda hoje se repercute. Aliás, mesmo temáticas aparentemente mais inócuas, que pareciam surgir para amenizar o tom geral da tira, como a aversão pela sopa que a mãe a obrigava a comer ou a paixão pela música dos Beatles, espelham igualmente uma oposição a valores e símbolos mais tradicionais e a sede de liberdade e de mudança que a banda inglesa personificava. Não deixa de ser surpreendente verificar que apesar do seu tom profundamente politizado, a criação de Quino passou (praticamente?) incólume face ao poder – muitas vezes ditadura real – argentino e verificar que os primeiros países para onde foi exportada – Itália (em 1969), onde foi crismada como ‘contestatária’, Portugal e Espanha (1970), Brasil (1973) – viviam também sob ditaduras. Ou os censores não contavam a banda desenhada entre as obras a riscar com o seu lápis azul ou pensavam inócuas as palavras da Mafalda por virem da boca (nada) inocente de uma criança. O período de ouro da Mafalda, correspondente à publicação no El Mundo, em que Quino estabeleceu as suas principais características do seu universo e se mostrou mais satírico e contundente, terminaria a 22 de Dezembro de 1967, com o fecho do jornal. Seguiu-se um período de silêncio de quase seis meses até que, a 2 de Junho de 1968, a Mafalda regressava ao contacto com os leitores, desta vez na revista Siete Días Ilustrados, ocupando uma página que publicava quatro tiras. Era de novo um semanário, com várias secções – incluindo a de humor – a fecharem com bastante antecedência, pelo que Quino tinha que entregar o seu trabalho 15 dias antes da publicação ser posta à venda. Para tentar de alguma forma obstar à perda de actualidade que tais prazos implicavam, passou a inserir no topo da página um cabeçalho, que podia assumir diversas formas, desde o comentário ao momento presente, até variações gráficas da sua assinatura ou simples gags com as personagens recorrentes da tira. Em Siete Días Ilustrados, nasceu (literalmente) Gui, irmão da Mafalda, cuja mãe estava grávida quando El Mundo terminou a publicação. Mais novo que as restantes

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crianças da tira, Gui foi o único que cresceu ao longo do tempo, pois tendo surgido bebé rapidamente atingiu os 3 ou 4 anos de idade. Inocente, rebelde e manipulador, foi uma desilusão para a irmã por apreciar a sopa que ela tanto detestava. A galeria de personagens ficou completa em 1970, com a chegada da pequenina Liberdade, de estatura bem menor que os seus amigos, numa alusão (nada inocente) à situação que a Argentina então vivia. De carácter semelhante ao da Mafalda, revela-se mais irredutível e feroz nas suas críticas. Foi através dos cabeçalhos atrás referidos que Quino foi preparando os seus leitores para o fim da tira, que viria a ocorrer a 25 de Junho de 1973. Um mês antes, Mafalda e os seus amigos começaram a anunciar a decisão ao director e aos leitores, até à consumação da despedida, provocada pelo cansaço que o autor experimentava e pela necessidade de parar para não se repetir. Quino não voltaria a desenhar a personagem que o tornou famoso, com excepções pontuais como a ilustração de 10 princípios da Declaração dos Direitos da Criança, para a Unicef, em 1975, ou a Campanha para a Liga Argentina para a Saúde Bocal, em 1984. E se, para quase todos, ele será sempre o criador da Mafalda, reduzi-lo a esse momento marcante – que durou quase uma década – é esquecer (injustamente) uma carreira de mais de 60 anos como desenhador de imprensa e o mais substancial da obra de um cartoonista notável, dotado de um traço simples, dinâmico e extremamente legível e a sua capacidade de lançar um olhar satírico, contundente e pleno de humor sobre a sociedade e os seres humanos, sobre o que nos inspira ou nos assombra, nos diverte ou nos angústia, nos motiva ou nos deprime. A homenagem que o AmadoraBD este ano apresenta, vem juntar-se à grande exposição que esteve patente no Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême, em Janeiro último, num ano em que o autor foi também distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidade. São evidências – desnecessárias – da importância que Quino e a Mafalda tiveram – e continuam a ter – em sucessivas gerações. E mesmo não tendo a pequena contestatária chegado a durar uma década – e talvez não existisse esta (justa) unanimidade em torno dela se se tivesse eternizado nas páginas dos jornais até hoje, repetindo-se (ou retratando-se?) – continua viva, presente e surpreendentemente actual. Possivelmente porque o humor não tem data ou, mais ainda, porque, apesar da passagem do tempo e de todos os avanços nas mais diversas áreas, o ser humano continua igual a si próprio: mesquinho, egoísta, interesseiro, medíocre e comodista e nós preferimos rir do retrato que Quino tão assertivamente traçou, para não termos de olhar para nós próprios.

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© Joaquín S. Lavado (Quino)/Caminito S.a.s. - Literary Agency. Tira gentilmente cedida pela Editorial Verbo

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A © Jim Curioso, Viagem ao Coração do Oceano em 3D, Matthias Picard, capa, Edições Polvo, 2014


Texto por Andreia Brites

Jim Curioso Um Paradigma do Vestígio À partida, tudo o que sabemos sobre Jim, o protagonista desta narrativa visual em banda desenhada, encontramo-lo logo no título: é curioso. Se é um adulto ou uma criança, a capa não no-lo permite ver, mas assim que lhe descortinamos o rosto através do vidro do escafandro, reconhecemos traços infantis naquele que agora confirmamos ser um menino. Pelo não dito, adivinhamos como a imagem nos condiciona, e de como a sua leitura parece chegar directamente a um lugar de sentido sem passar pelos processos da significação. Serve esta breve observação para justificar a subtileza da construção narrativa de Jim Curioso, Viagem ao Coração do Oceano, de Matthias Picard, originalmente editado em 2012 pelas Editions 2024 e agora, pela Polvo, na edição portuguesa. O que suscita curiosidade, ainda antes de abrir o livro, é a expressão “visão 3D”, logo no topo da capa, reforçada pelos óculos com uma lente de cada cor e as tonalidades azuis e vermelhas que preenchem o fundo da capa. Não é um livro tridimensional, porque não tem volumetria, como acontece com os pop ups, mas a técnica do desenho, acompanhada pelo uso dos óculos, permite essa ilusão de profundidade que apenas as três dimensões possibilitam.

As técnicas Acontece porém que a técnica apenas faz sentido se for necessária. Ou seja, a técnica não deve ser a razão magna de uma narrativa e sim a melhor escolha para a contar. Neste caso, o autor não deixou nada ao acaso e tudo encaixa nesta dinâmica de leitura por camadas, que reproduz, de algum modo, a forma como a própria história foi sendo desenhada.

* Andreia Brites escreve de acordo com a antiga ortografia.

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Comecemos pela capa: a palavra “viagem” fica imediatamente associada ao mundo, pela circularidade que envolve, em primeiro plano, o rosto do protagonista, e em segundo, o contexto em que se move, entre céu e mar. Como veremos no final, há uma circularidade simbólica, uma ideia de retorno, que justifica também esta primeira imagem. Na primeira página, quando a personagem principal caminha com dificuldade de casa à beira do cais e começa a descer para a água, ainda não há necessidade de pôr os óculos. O mundo fora de água é mais linear. Se dúvidas houvesse sobre esta intenção, rapidamente se dissipariam quase no final do livro, quando Jim fica de novo em terra, depois de todo o oceano ter sido sugado pela porta que abrira. À medida que a água desaparece, o mesmo acontece com as linhas vermelhas e azuis que, pelo seu posicionamento em relação aos traços pretos, sempre laterais, sempre ligeiramente deslocados na sobreposição, criam esse efeito destorcido que os óculos 3D transformam em volume. É possível ler todo o livro sem este auxiliar, mas na verdade esta ilusão confere um sentido simultaneamente fantástico e realista ao espaço. Realista se pensarmos que a água funciona como lente e que a realidade submarina não se confina a corais esplendorosos e cardumes brilhantes que parecem dançarinos clássicos numa efusiva paleta de cor. Há no espaço submarino uma dimensão oculta, que parece esconder-se atrás do que aparece, ou pela gradação de luz, que vai diminuindo à medida que nos afastamos da superfície e que Jim experiencia. Tal como nada entre corais e cardumes de pequenos peixes, logo no início da descida e que a visão tridimensional potencia pela sugestão de movimento e profundidade. As descobertas que vai fazendo, as frestas entre rochas que atravessa, as formas dos animais cada vez mais irreconhecíveis, culminando num espaço abstracto mais próximo de uma viagem no tempo, todos estes elementos configuram uma dimensão fantástica que a técnica do desenho suporta. Se Matthias Picard recorre ao 3D, não abandona a gravura e a impressão por camadas, fazendo coincidir, no final, dois percursos unidos por uma única intenção: a experiência do fantástico. Por isso as duas camadas de cor (preto e branco), gravadas com bisturi, não permitem ao leitor uma perfeita visualização de todos os elementos de cada quadro espacial. O que está dentro do barco? Onde está o escafandrista que ora se apresenta em primeiro plano, ora é ofuscado por algas, rochas e peixes? Que forma é aquela, aparentemente côncava, que talvez se transforme num ser estranho, à medida que a lente se afasta? Há nesta opção duas relações que se tocam: por um lado, obrigar o leitor a re-observar, a reler, a estranhar, e por outro a referência clara a Júlio Verne e inclusivamente às ilustrações que acompanhavam as suas narrativas, em especial Vinte Mil Léguas Submarinas, com algumas de peixes, nomeadamente de

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um tubarão, e dos escafandristas. A diferença está na figuração: no caso de Júlio Verne a ilustração é mais limpa, o traço mais fino e os limites bem delineados. É a clássica ilustração de meados do século XIX. Mas as figuras que Matthias Picard criou de forma mais grotesca têm a mesma origem morfológica. Apenas o acesso visual se torna mais difícil. Em suma, pela técnica justifica-se o elemento central desta narrativa: o fantástico. Sem ele o espaço não seria surpreendente e Jim não seria um herói.

O herói A curiosidade é, provavelmente, uma das características mais empáticas entre crianças. Não é preciso saber o significado da palavra curioso para que o leitor infantil aceite o repto de descobrir o fundo do mar. Efectivamente, esse desejo não é património exclusivo da infância. Por isso este rapaz, na sua viagem aleatória, é um herói. Um herói porque ao seu lado vemos tudo, mesmo que tudo por vezes seja pouco, porque o acompanhamos na sua exploração e com ele ficamos deslumbrados ou intrigados, desagradados, receosos. Podemos inferi-lo pelas suas expressões, como no momento, logo no início da descida, em que se depara com o carro abandonado, as caixas que se assemelham a pequenos electrodomésticos, o carrinho de supermercado; ou quando espreita pelo canto do olho para avaliar a distância que o separa da boca aberta do tubarão. Matthias Picard considera que um elemento comum à maioria dos seus livros, incluindo este, é precisamente a existência de um herói improvável. Neste caso, a improbabilidade reside mais na composição espacial, onde tudo acontece, ou quase tudo, sem qualquer intervenção de Jim. Apenas no final, talvez como climax fantástico, o protagonista terá nas mãos a mudança de paradigma, e operá-lo-á, arriscando sem conhecimento prévio. Não é este um herói que vai lutar contra inimigos ferozes, ou travar batalhas em prole do mundo. Não é sequer alguém escolhido pelos deuses ou pelo destino. Dele nada sabemos, apenas que sai de casa no seu escafandro para se aventurar oceano dentro. Este é um herói explorador. Como os heróis de Júlio Verne, para quem esta obra imediatamente remete, que testavam os limites do já alcançado, do já conhecido, e transformavam a visão do futuro em aventura, este menino viaja. Em dois eixos se descreve o seu caminho: o da descida e o da passagem. Desce até mais não poder, na direção da escuridão. Atravessa frestas, com a luz por guia: brechas de luz entre rochas, corais, algas. Depara-se com o perigo do tubarão, tanto quanto com a dança dos corais e dos cardumes, e começa a ser confrontado com a estranheza:

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B © Jim Curioso, Viagem ao Coração do Oceano em 3D, Matthias Picard, p.16-17, Edições Polvo, 2014



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monstros marinhos, legados, tesouros, mitos materializados, e forças sem nome ou figura. Regressa a casa, como acontece com as personagens de Verne, mas nada será como antes. O herói tem um efeito de transformação, seja sob a égide da aprendizagem, seja sob a forma de influência sobre os outros, seja sob o efeito do tempo. Jim consegue, por sua iniciativa, inverter o paradigma do lugar onde pertencemos.

Narrativa Há nesta viagem um tempo histórico que serve de base ao espaço simbólico. O escafandro de Jim, armadura ultrapassada, remete para as primeiras explorações modernas de mares e oceanos. Todavia, os despojos arremessados, praticamente à superfície, dão conta de um tempo presente, com carrinhos de supermercado e micro-ondas. Assim, partimos do presente, mas já com um insólito escafandro como elemento facilitador da exploração. Num primeiro momento lúdico e poético, Jim parece mover-se num vitral, pela geometria pouco usual das vinhetas. A fauna e a flora são facilmente identificáveis como comuns e é o efeito visual que lhes confere dinâmica. Segue-se o episódio do tubarão e até aqui tudo remete para o imediato. É então que o avião que se encontra preso nas rochas e ainda deixa percepcionar o número 2024 (alusão ao nome da editora, assumidamente futurista) se apresenta com um focinho de peixe, expondo uma lancinante dentadura. A descida continua, a escuridão instala-se e com ela peixes mais disformes, polvos gigantes, e uma concha desmesurada, que não estará totalmente ausente de algumas aventuras marítimas do património literário tradicional. Jim chega ao antigo barco, um galeão, eventualmente. Por trás da janela um esqueleto, uma espada e um baú entreaberto de onde emana uma luz, aparentemente da antena de um extraterrestre (é apenas uma proposta de leitura). O protagonista volta a descer, rumo a uma das grandes mitografias europeias: a Atlântida, na sua arquitectura opulenta, plena de pórticos, colunas, aquedutos e símbolos divinos. Chegámos ao lugar do mito, ao lugar simbólico onde deixa de haver história para haver apenas narrativas. É o lugar da cosmogonia. Das pedras reflectoras aos vulcões em erupção, até ao movimento mais abstracto, da luz, do som, e finalmente o nada. Jim pisa o chão. Neste momento, o ciclo pode fechar-se ou recomeçar. Jim vê uma porta e será essa, ao ser aberta, que transformará o retorno numa transformação. No final, a página dupla dobrada serve de antecâmara para o epílogo. Nessa antecâmara, a casa, e a porta que se abre, como no início. Que comece o jogo das diferenças.

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Jim Curioso Um Paradigma do Vestígio

Cruzamentos Pensar neste livro como mero instrumento de exploração é reduzi-lo a nada. Pensar nele como explorador potencia a sua leitura. Qualquer criança, sem nenhum conhecimento prévio, pode ler e reler e tresler este livro, descobrindo novos detalhes e figurações, levantando novas questões, tentando solucionar outras. Qualquer leitor que leia este livro pode mergulhar no mar, ou até na banheira e ver o que nunca viu. Pode procurar por peixes, algas e outros habitantes deste universo, pode deliciar-se junto ao vidro de qualquer aquário, gigante ou minúsculo. Pode esconder o seu próprio tesouro, procurar saber que lixo há no oceano, como funcionam as marés e as forças geofísicas submarinas. Quem eram os tripulantes daquele avião? Para onde se dirigia o navio? Quem sabe da existência daquela porta? Quem é Jim, o curioso? Ou chegar a Júlio Verne, a Robert Louis Stevenson, ao Leviatã, a Neptuno, a Ulisses, aos grandes piratas e a Peter Pan. As teias da leitura crescem entre livros, nos seus vazios, nos seus limites, nos seus vestígios. Nesse sentido, Jim Curioso é um paradigma.

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25 Anos de aut贸grafos, debates e encontros.



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A © Jam piece, de Pedro Mota, com desenhos de (da esquerda para a direita) Jô Oliveira (Brasil), Zorito (Moçambique), Olímpio e Lindomar de Sousa (Angola) e Nuno Saraiva (Portugal).


Texto por Bruno Caetano

Autógrafos Desenhados nos 25 Anos do AmadoraBD Ano após ano, desde 1990, o Festival Amadora BD apresenta exposições de conceituados artistas do panorama nacional e internacional. Quem se dirige ao festival é recebido com esboços iniciais da carreira de vários autores, pranchas originais de livros em destaque, memorabília diversa, entre outras raridades e curiosidades presentes em exposições cuidadosamente cenografadas que fazem as delícias dos aficcionados da nona arte. Mas não é só de objectos expostos que se faz um festival. A presença regular de artistas acarinhados pelo público traz-nos o calor da confraternização e a possibilidade de convívio, mesmo que por breves instantes, com quem dá vida aos nossos heróis e vilões. Um dos locais mais procurados no recinto do festival é sem duvida a zona de autógrafos. Aqui, e após longas horas de espera, são muitas as pessoas que aguardam a sua vez para levar consigo uma assinatura ou mesmo um esboço, que para sempre será guardado com carinho e, quem sabe, trocar dois dedos de conversa com o seu artista de eleição. Resulta deste encontro uma marca altamente personalizada que celebra o momento exacto em que o fã e o artista se cruzam. Podemos encontrar nestas filas entusiastas de todos os géneros. Dos ávidos colecionadores aos visitantes ocasionais, de jovens que ainda agora começaram a sua viagem pelo universo da banda desenhada até aos veteranos que viram nascer este festival... assim passa de geração em geração a paixão por esta artística e altamente cativante forma de expressão. Desta ligação entre artista e fã, podem nascer os mais diversos resultados. Dada a natureza descontraída do encontro, e dos pedidos por vezes pouco ortodoxos, podem nascer os mais originais e peculiares esboços. Tendo à sua disposição curtos

* Bruno Caetano escreve de acordo com a antiga ortografia.

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períodos de tempo, o artista dá-se à liberdade de traçar rapidamente, por vezes até de uma forma mais livre e grotesca que o habitual, o que lhe é pedido, resultando em peças exclusivas e com forte carácter. No entanto estas genuínas e únicas obras de arte são muitas vezes mantidas em acervos privados e raramente são exibidas em publico. São muitos os autógrafos desenhados em livros, cadernos ou mesmo folhas soltas que, apesar de preservados em excelentes condições, permanecem adormecidos em prateleiras durante anos, sem oportunidade de sentir um raio de sol que seja ou mesmo um vislumbre interessado de quem reconhece a sua importância. Registos eternamente presos num limbo até uma nova oportunidade de voltar a deliciar aqueles que aqui encontram uma ligação com o seu passado e com nomes que constituem a história da Banda Desenhada. Procuramos nesta exposição celebrar a arte de “caçar autógrafos” e através do esforço de quem faz disto um hábito, lembrar alguns dos artistas que passaram pelo Festival Amadora BD nestes últimos 25 anos, e que nele deixaram não só amigos como largaram sementes que ajudaram a perpetuar o amor pela Banda Desenhada, cada vez mais presente em Portugal.

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B © Chris Ware, 2002, de Mário Freitas


Autógrafos Desenhados nos 25 Anos do AmadoraBD

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C © Alberto Varanda, 1995, de Geraldes Lino D © Art Spiegelman, 1995, de Geraldes Lino E

© Milo Manara, 1995, de Geraldes Lino

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© Zep, s/data, de Miguel Ferreira

G © Zona Desenha, 2012, de Bruno Caetano

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25 Anos de propostas e projetos, de construção, de saber fazer e de fazer crescer.



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A © Porto Bomvento no Brasil, p.1, Edições Asa, Porto, 1990


Texto por Luís Caetano

O Festival pela Cidade Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem

José Ruy, A Arte e o Ofício da BD Quando era criança, o meu filho Miguel riscou com lápis de cera várias páginas do álbum Bomvento Recorda a Infância, de José Ruy. Não me importei, e até gostei da rima que dali surgia com o título do livro, pois também ele, um dia, recordaria os primeiros anos ao observar o seu traço sobre o traço daquele a quem Geraldes Lino inspiradamente chamou de “o mais fecundo artista português de Banda Desenhada”. Só pode ter sido um encontro feliz, este, porque hoje, aos 14 anos, o Miguel tem um enorme talento para o desenho, que nada tem de genético. Eu desenho uma casa com um triângulo em cima de um quadrado, e talvez por essa inaptidão nunca esqueci um Curso Abreviado de BD que José Ruy preparou para a revista Selecções da BD, em 1988, estava a revista a dar os primeiros passos e a colmatar um pouco a imensa ausência deixada aos leitores pelo fim da revista Tintin. Lembro-me de ter tentado seguir os diferentes passos propostos pelo mestre da banda desenhada, como se o segredo da magia estivesse ali, e pudesse eu a partir de então, com aquelas lições, criar personagens e histórias tão fascinantes como as de Luc Orient, Bruno Brazil, Corto Maltese, ou o próprio Porto Bomvento, que povoavam a minha imaginação. Não o consegui, provavelmente, como me diria José Ruy 25 anos mais tarde, por falta de dedicação, de labor. Porque a verdade é que aquele Curso Abreviado de BD, publicado ao longo de várias fascículos das Selecções da BD, é uma excelente síntese do trabalho necessário à 9ª arte, partindo da escrita do guião, e seguindo pelo desenho da figura humana e de animais, dos planos principais, passando pela perspectiva e pelo movimento, até à composição gráfica, a legendagem, a cor. Claro que mesmo seguindo este curso, com muito labor e dedicação, muito dificilmente alguém chegará a ser um autor publicado mas, para além do desenho, da ilustração, da escrita de José

* Luís Caetano escreve de acordo com a antiga ortografia. É jornalista da Antena 2

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Ruy, conhecemos ali o mestre. Acabei por conhecer José Ruy aquando a publicação do seu álbum sobre um pedagogo, João de Deus, e este é outro nome que José Ruy resgata ao tempo para conhecimento dos jovens. Já o fez com outros “homens bons”, como Aristides de Sousa Mendes, Humberto Delgado, Pêro da Covilhã ou Charlie Chaplin. É uma vida de testemunhos, uma profissão de fé sobre gente valorosa, sabendo que serão exemplo para as vidas dos mais novos e não só, porque a banda desenhada é para todas as idades. Dos 7 aos 77 era a revista Tintin, que já referi, e que me deu tantos mundos novos. José Ruy estava lá, e davanos também o mundo da revista que tanto amávamos, levando-nos à redação na companhia dos repórteres Clique e Flash, abrindo a porta aos rostos de Vasco Granja e Dinis Machado. Deu também traço e voz inconformada a um país subjugado, na série Lusitansos e a sua porca, em 1972, e ilustração de capa a milhares de livros nas Publicações Europa-América e na Bertrand, alguns deles fintando a censura com a sua argúcia de desenho no rosto do livro. No meu trabalho já conheci muitas centenas de escritores e artistas, alguns que muito admiro. De entre esses, poucas vezes me terei emocionado tanto com a as qualidades do homem por detrás do autor como me aconteceu ao conhecer José Ruy, homem gentil, voz terna, quase musical, que a rádio levou mais longe. Este é o homem. O autor é raro na qualidade do traço, na fluidez das palavras, na capacidade do ritmo, na riqueza da concepção do todo, uma obra fecunda, fértil, sim. É com gosto que me junto a mais uma merecida homenagem ao homem e à obra. José Ruy é já nome de rua, de escola, mas ele que recebe os elogios com um sorriso de embaraço, não fará ideia como o seu nome é, para tantos, sinónimo de prazer de leitura, aprendizagem da vida, e sonho. Obrigado, José Ruy.

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B © Carolina Beatriz Ângelo, Pioneira na Cirurgia e no Voto, José Ruy, no prelo


José Ruy, A Arte e o Ofício da BD

José Ruy José Ruy (1930) é um dos autores portugueses com mais obra publicada na área da banda desenhada e da ilustração. Começou em O Papagaio, em 1944 e, desde então, poucos foram os jornais, revistas e fanzines em que não colaborou. Tem mais de meia centena de álbuns publicados, alguns em outras línguas, os livros que ilustrou contam-se na ordem das largas dezenas e foram mais de duas mil as capas que produziu no período em que dirigiu a sala de desenho das Publicações Europa-América. Com um percurso de vida bastante singular, José Ruy não é apenas um autor, desenhador e argumentista de banda desenhada. A sua formação no curso de desenhador litógrafo na então Escola de Artes Decorativas António Arroio, dar-lhe-ia ferramentas e competências na área das artes gráficas que lhe proporcionariam um conhecimento suplementar no processo de reprodução mecânica da sua arte, um saber fazer que se revelaria fundamental nas diversas etapas do seu trabalho e, mais recentemente, no tratamento digital das suas pranchas e ilustrações. A exposição A Arte e o Ofício da BD, comemorativa dos 70 anos de atividade profissional de José Ruy, é uma abordagem muito breve e sucinta da sua obra, uma obra artística é certo, mas onde a banda desenhada é também sentida e entendida como um ofício na dupla aceção da palavra, a de mester, exercido com mestria, mas também a de sacerdócio, a BD militantemente trabalhada, promovida e divulgada. A obra de José Ruy resulta assim da combinação e do cruzamento de saberes vários apresentados nesta mostra em quatro dimensões essenciais, a saber, enquanto autor, nas vertentes de desenhador e argumentista, como gráfico, profundo conhecedor de todos os processos desde o litográfico ao digital, também como editor onde se salienta a experiência de O Mosquito e, certamente, não em último lugar, o incansável divulgador, animador de tertúlias, debates, sessões em escolas, centros culturais, museus e bibliotecas, em todo o país e também no estrangeiro.

C © O Papagaio, José Ruy, capa, nº 599, 11 janeiro 1945

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A © Visão, Para Uma Nova Banda Desenhada Portuguesa, nº 1, 1 Abr 1975


Texto por Cristina Gouveia

O Festival pela Cidade Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem

Abril na Banda Desenhada Os 40 Anos da Revolução de Abril foram assinalados na Amadora, no âmbito de Às Quintas Falamos de BD, com um (re)encontro dos artistas que colaboraram na Visão, revista de banda desenhada nascida em 1975, e que encetaria um novo capítulo na BD nacional. Este encontro, realizado no dia 29 de Abril, reuniu alguns dos mais destacados autores da revista e contou com a participação musical de Francisco Fanhais, conhecida voz de Abril, ex-sacerdote católico, condecorado com Ordem da Liberdade, em 1995. A Visão deu mote à conversa sobre alguns dos episódios da nossa História recente, contados na primeira pessoa por alguns dos que viveram o ritmo alucinante de uma sociedade que aprendia a viver em Liberdade, e conhecer o impacto que esta publicação teve no panorama editorial nacional, e em especial no domínio da banda desenhada.

Uma Visão de Abril A Revista Visão nasceu no dia 1 de Abril de 1975, quando um grupo de jovens autores animados pela liberdade que a revolução dos cravos lhes colocara nas mãos entende fazer e publicar banda desenhada com qualidade sem “nomes feitos e êxitos alheios”, assente na dinâmica “leitor-revista”, como pode ler-se no editorial do primeiro número. Numa época em que a própria designação de “banda desenhada” era um termo cujo nascimento tivera lugar apenas em 19 de Novembro de 1966, num artigo assinado por Vasco Granja no Diário Popular, estes autores pretendiam dar a conhecer a nova banda desenhada que se fazia em Portugal.

* Cristina Gouveia escreve de acordo com a antiga ortografia.

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Nova por oposição a velha mas, nova também, porque sem censura, sem constrangimentos de qualquer natureza e propiciadores de novas abordagens, novas temáticas, novos desenhos, novos estilos e novas colaborações. O resultado em formato de revista, quinzenal, para adultos, com uma tiragem de dez mil exemplares, com uma qualidade gráfica quase irrepreensível, e sob a direcção de Victor Mesquita, encetava um novo capítulo na BD nacional. Criada durante o “Período Revolucionário em Curso”, viveu desentendimentos, cisões, afastamentos e revoluções no seu seio e não passou incólume ao verão quente de 75, data em que, com apenas seis números publicados, a direcção foi substituída, e a publicação interrompida durante três meses. No mês de Outubro regressou mensal. Nesse número sete, apresenta no verso da capa um texto da autoproclamada “Junta Revolucionária”, com o lema “Um desenhador não pode ser livre enquanto oprime outros desenhadores”, e reclamando-se como “vanguarda da grande massa anónima dos leitores”. Neste projecto, em forma de aventura efémera e intensa que terminou em Maio de 1976, embarcaram autores com estilos diferentes, formações diversas e opções políticas distintas que partilharam uma experiência profissional única que abriu novos horizontes à BD portuguesa. Sublinham-se assim os nomes de Victor Mesquita - que dirigiu os primeiros seis números - Eduardo Justo Nobre - a quem coube a responsabilidade das restantes edições – Cristina Sampaio, Isabel Lobinho, José Pedro Cavalheiro (Zepe), José Paulo Simões (Zé Paulo), Carlos Barradas, Machado da Graça, Pedro Massano, José Luís Duarte (DuART), Carlos Zíngaro e Nuno Amorim.

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Abril na Banda Desenhada

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A © Portugueses na Grande Guerra (1914-1918), Carlos Baptista Mendes, capa, Arcádia, Lisboa, 2014


Texto por Pedro Cleto

O Festival pela Cidade Galeria dos Paços do Concelho

Histórias de Portugueses que foram Heróis Portugueses na Grande Guerra (1914-1918)1 é um álbum da autoria de Carlos Baptista Mendes, que reúne narrativas curtas de duas páginas, que, segundo o General José Alberto Loureiro dos Santos no prefácio, evocam “momentos significativos do comportamento dos militares portugueses que participaram na Primeira Guerra Mundial”, cujo número rondou os 200 mil efectivos, dos quais 10.000 perderam a vida. Estes episódios, ainda segundo o General Loureiro dos Santos, são “apenas alguns dos muitos em que os valorosos soldados do nosso exército puseram a vida em perigo, muitas vezes perdendo-a, em defesa dos interesses vitais de Portugal” e foram levados a cabo quer nos territórios africanos de Angola e Moçambique, na época ainda colónias sob domínio português, quer nas trincheiras europeias, com destaque para as da batalha de La Lys (Abril de 1918), em França. A maioria dos episódios foram criados entre 1968 e 1974 e publicados originalmente no Jornal do Exército, mas houve dois que foram criados para esta edição: O Soldado Milhões e José Maria Hermano Baptista. Este último, que, acertadamente, encerra o álbum, é dedicado ao último sobrevivente português da grande guerra, falecido em 2002 com 107 anos, o que de certa forma contribui, pela proximidade temporal, para tornar mais reais para os leitores os acontecimentos narrados e os seus protagonistas. Para a sua construção, mantendo-se fiel à competente pesquisa documental e histórica que sempre o orientou, Baptista Mendes baseou-se em textos de Jaime Cortesão e de diversos militares que viveram no terreno os acontecimentos que

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Mendes, Carlos Baptista (2014), Portugueses na Grande Guerra (1914-1918). Arcádia. Lisboa.

* Pedro Cleto escreve de acordo com a antiga ortografia.

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B © Prancha original de Carlos Baptista Mendes C © Planificação e legendas, original de Carlos Baptista Mendes

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Histórias de Portugueses que foram Heróis

agora passou ao papel com o seu traço realista onde se destaca o rigor colocado na representação de armas e uniformes. Natural de Luanda, onde nasceu a 4 de Março de 1937, embora resida em Portugal desde os 11 anos, Baptista Mendes, é um veterano dos quadradinhos nacionais. Estreou-se em 1959, nas páginas da revista Camarada (2.ª série), editada pela Mocidade Portuguesa, onde a temática histórica surgiu correspondendo à vontade dos seus editores. Participou nos dois álbuns colectivos Grandes Portugueses2, editados pela revista e, ao longo dos anos, colaborou igualmente no Pardal, Falcão, Cavaleiro Andante, Pim Pam Pum ou Mundo de Aventuras. A predilecção pela temática histórica foi uma das razões para a longa colaboração que manteve no Jornal do Exército, entre 1961 e 1983, e mais tarde na Revista da Armada, publicando episódios auto conclusivos sobre figuras e factos da História Nacional. Parte destas suas produções foram compiladas no álbum Por Mares Nunca Dantes Navegados3, que integra a sua bibliografia, onde constam igualmente Infante Dom Henrique4, A Lenda da Povoação que tinha um Castelo Branco5 ou História de Penamacor, A Herança dos Tempos6.

2

Mendes, Carlos Baptista et al (1961) Grandes Portugueses, vol.1. Camarada, Lisboa. Mendes, Carlos Baptista et al (1962) Grandes Portugueses, vol.2. Camarada. Lisboa.

3

Mendes, Carlos Baptista (1983) Antologia da BD Portuguesa 4 - Por Mares Nunca Dantes Navegados. Editorial Futura. Lisboa.

4

Mendes, Carlos Baptista e Brandão, Margarida (1989) Navegadores Portugueses: Infante Dom Henrique. Edições ASA. Porto.

5

Mendes, Carlos Baptista e Pimenta, Rui (2000) A Lenda da Povoação que tinha um Castelo Branco. Associação de Amigos do Concelho do Crato. Crato.

6

Mendes, Carlos Baptista (2001) História de Penamacor: A Herança dos Tempos. Âncora Editora. Lisboa.

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A © Caricatura de António B © Caricatura de Xaquin Marín C © Caricatura de Yuriy Pogorelov


Texto por Osvaldo de Sousa

O Festival pela Cidade Galeria Municipal Artur Bual

AmadoraCartoon2014 Retrospectivando Humores 2014 - ano de balanço – 25 anos de AmadoraBD; 40 Anos de Abril; 875 anos (ou 871 segundo as diferentes perspectivas) de nacionalidade… Um balanço é, em princípio, olhar para o passado com um olho no futuro. Pára-se, momentaneamente, ou seja, o mais brevemente possível, para não comprometer o presente e a sua continuidade. Olhar para trás, apreciar os bons tempos e aprender com os erros. Contudo, vivem-se actualmente tempos estranhos que nos empurram para uma paragem quase absoluta e nos tolhem os movimentos, obstruem a iniciativa, desmotivam quem sempre trabalhou e quer continuar a trabalhar honradamente no presente e no futuro. Dizem que isso é a crise macroeconómica. Infelizmente, é uma crise mais abrangente de falta de cidadania, de humanismo, de ética, falta de ideais e outros humores. Em vez de se viver numa sociedade optimista e humorista querem que vivamos na anedota brejeira politico-social. Desde que o AmadoraCartoon se instituiu como elemento do AmadoraBD a partir de 1999, tem homenageado grandes artistas nacionais e estrangeiros não havendo falta de nomes para o futuro, se este existir. Contrariamente, olhando-se para a comunicação social em visão de balanço destes 40 anos de democracia, poderemos dizer que são anos de um percurso de desertificação satírica, num adocicar das ironias, essa censura pestilenta que se chama “politicamente correcto”, a imposição por parte do capital e chefes de redacção de uma ilustração mais anedótica e anódina, falseada pela exploração das estéticas e outros artifícios ditos plasticamente vanguardistas. Nada morre, tudo se transforma e, se a caneta “futura” (sem intuitos alegóricos ou irónicos) feneceu dos escaparates, desenvolveu-se com força a caneta digital, no facilitar da vida aos criadores, na velocidade da construção, da comunicação.

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Perde-se de novo o “Original” como objecto histórico na efemeridade do tempo, na velocidade noticiosa, regressando-se àquele passado em que o “boneco” era apenas o meio momentâneo para a transposição para o papel de jornal. Meditando nesse passado e eventuais futuros, o AmadoraCartoon 2014 resolveu homenagear quarenta anos de Abril, ou seja, um dos mais iconográficos cartoonistas que, por curiosidade, estreou-se na imprensa dias antes dessa distante revolução. António é um cronista que nasceu e se desenvolveu nesta “democracia” nacional, testemunhando as suas birras, sucessos, insucessos, crises e demagogias… assim como, tem sido testemunha e comentador da vida internacional. Pela sua obra se pode v(l)er a historia destes quarenta anos, pela via irónica e humorística do jornalismo gráfico. Pela mesma altura da revolução dos cravos, nas terras galegas, o pintor Xaquin Marín mudava o rumo à sua vida transformando-se no pioneiro da banda desenhada galega, em cumplicidade com Raimundo Patiño. Esta aventura levá-lo-á para o universo da imprensa, impondo-se como genial exemplo, da “retranca” gráfica, como um dos mais importantes cronistas do quotidiano galego nas ultimas quatro décadas. Arredondando o triunvirato de homenagens deste ano do AmadoraCartoon, fomos um pouco mais longe, ao universo eslavo, buscar o ucraniano Yuriy Pogorelov que com a sátira nos seus diários gráficos, atravessou as últimas cinco décadas de olhar crítico aos governos russo/ucranianos, desde os tempos dos sovietes, passando pela perestroica até ao oligarquismo actual. Em ano de balanço, uma exposição de pequenas retrospectivas de três grandes artistas.

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AmadoraCartoon2014 Retrospectivando Humores

António 40 anos de Abril? Não 40 anos de Março. Do golpe das Caldas? Não, neste caso porque nesse mesmo dia 16 de Março de 1974, no jornal República surge um novo traço no firmamento do cartoonismo português. António Moreira Antunes (Vila Franca de Xira 12/4/1953), iconograficamente conhecido por António, formou-se em pintura na Escola António Arroio, prosseguindo para a Faculdade de Belas Artes ainda a ditadura sobrevivia quando, por irreverencia ou “brincadeira” se lança no jornalismo de intervenção. Ainda não refeito do prazer de se ver editado entra na voragem da onda revolucionária que se despoletou um mês depois, período em que a nova liberdade fez germinar de cada lápis um novo artista, um novo humorista, um novo satírico… Poucos sobreviveram, António foi um deles. Saltitando de periódico em periódico, deixando obra aqui e acolá, nomeadamente no Diário de Notícias, A Capital, A Vida Mundial, O Jornal, Pão com Manteiga… é o Expresso, onde começou a colaborar em Dezembro de 1974 (40 anos de cumplicidade que se comemoram agora) que acabará por ser a sua casa, o espaço que o viu crescer graficamente, ironicamente e internacionalmente, impondo-se como o grande cronista da “democracia”.

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O seu primeiro grande sucesso foi uma série de 100 cartoons/BD que foram publicados sob o título de Kafarnaum, os quais acabariam por ser salvos da efemeridade jornalística com a sua edição em álbum. Este seria o primeiro de vários, nomeadamente, Suspensórios, Álbum de Caras I e II, António 20 Anos de Desenhos, António 25 Anos de Cartoon, António - Desenhos Satíricos 1974-2000 Entrelinha… para além dos colectivos internacionais e nacionais como 25 dos 4, Cartoons do Ano (desde 1999)… Internacionalmente, seria a partir de 1983, com a conquista do Grande Prémio no XX Salão Int. Cartoon de Montreal, que conquistaria a admiração global, cimentada depois com a distribuição de desenhos seus pela agência internacional Cartoonists & Writers Syndicate e múltiplas exposições por todo o mundo. Após este prémio outros se seguiram em Anglet, Estocolmo, Fort dei Marmi… e em Portugal no Salão Nacional Humor de Imprensa (premiado sete vezes), no Prémio de Cartoon do Clube de Jornalistas, no “Prémio Stuart / Casa da Imprensa”… Realizou diversas exposições individuais em Portugal (e Macau), como no Brasil, Alemanha, Espanha, França. Kuala Lampur, Manila, Cebu… António, na sua irreverência humorística, não se fica pelo desenho, explorando também a escultura e a cerâmica, com um momento especial ao decorar a Estação do Aeroporto do Metropolitano de Lisboa com 53 figuras caricaturais de personalidades da nossa cultura. Para além disso assume também o papel de produtor/ director de eventos, nomeadamente o CartoonXira (desde 2000) na sua terra natal e o World Press Cartoon em Sintra (2005/13). Esta singela homenagem que representa o Prémio AmadoraCartoon é pois um reconhecimento desse percurso artístico e jornalístico de uma figura ímpar do desenho de imprensa nacional, de um dos mais importantes cronistas da nossa sociedade.

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Xaquin Marín Para lá das terras frias, nos requebros das rias, vive um povo sofrido que da pobreza, da opressão do caciquismo, da maldição da emigração, nasceu um sorriso feito “retranca”, “sorna”, “rebouxa”, “tesacordo”… fórmulas de sobrevivência que a língua, perseguida e mal tratada, galega, desenvolveu como filosofia de sobrevivência. Se pergunto: - “Xaquin como estão as coisas?” e ele me responde: “Tudo mal!”, fico tranquilo e feliz. Xaquin é pois um filho, um continuador dessa retranca, essa fórmula muito especial galega de fazer humor no exagero, no triunfo do mundo invertido que nos leva a esses ventos medievais, ou mesmo celtas, em que a pedra granítica molda o caracter dos homens e suas visões grotescas românicas. Se a base da génese do humorismo gráfico galego é o modernismo sintético de Castelao, Torres, Maside, Cebreiro… sem o negar, Xaquin cria um traço muito seu, aliando sintetização com expressionismo adoçado pelas texturas telúricas do granito grotesco, na mesma medida em que a ruralidade temática emparelha com a cidade, em que as injustiças sociais chocam com o descalabro ecológico, a deterioração dos meios de vida social, a maquinização, o caciquismo politico e económico… para não esquecer a eterna maldição da emigração e da luta pela sobrevivência da língua galega.

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De pintor “que daba unha grande carga literária os cadros”, em 1975 passou a bandadesenhista com o livro Dos Viajes (com Raimundo Patiño), abrindo-se assim uma nova carreira de cartezista, escritor de livros infantis, ilustrador e humorista. Essa obra está dispersa em periódicos como Teima, A nossa Terra, El Ideal Gallego, Das Kapitall, Can sin dono, La Codorniz, A Ameixa Cacofónica, Diário 16, Hermano Lobo, Trevim – Bronkit, La Voz de Galicia, onde ganharam fama personagens como Caetano,Don Isolino, As Ratas (que seria o seu segundo álbum de BD), Gasparinho (que conheceria a recolha em dois álbuns)… A sua obra editada em álbum já ronda as duas dezenas, onde realço o ensaio O ABC do cómic. Artista multipremiado com galardões como Paleta Agroman, Vieira del Humor, Sonrisa de Prata, Prémio Galícia de Periodismo… não se restringiu apenas à execução de obra gráfica, como à defesa da arte do desenho humorístico ao criar, em Fene, o Museu do Humor, do qual foi director durante várias décadas, lutando contra os ventos políticos e contra a falta de apoios económicos. Hoje reformado oficialmente, oficiosamente como bom retranqueiro continua a trabalhar e a produzir com mais afinco e vontade do que antes. A este espírito de irredutível galego, de genial humorista, oferecemos esta humilde homenagem do Prémio AmadoraCartoon 2014.

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Yuriy Pogorelov O mundo do humor eslavo nem sempre é percetível para os europeus ocidentais, porque é moldado em fórmulas diferentes de subjugação noticiosa mas, de todas as formas, o espirito irreverente, o direito à contestação e ao riso é dominador comum em todas as sociedades. Yuriy Pogorelov, natural de Kiev (19/7/1944) graduou-se em Física na Universidade natal, desenvolvendo investigação no Instituto de Metal de Física da Academia de Ciências da RSS da Ucrânia entre 1969 e 1994, partindo depois para uma diáspora que o levaria a Madrid e finalmente, à cidade do Porto, onde hoje leciona na Faculdade de Ciências. Espírito inquieto, irreverente com uma mão que, para alem dos números e escritas (mais de 150 artigos científicos sobre física, e o Prémio Estatal da Ucrânia em Ciência e Tecnologia), sempre resvalou para o traço mais satírico e caricatural, não como escape à rigidez e a super-lógica das ciências, mas como insatisfação perante o que se passava na sociedade que o rodeava. A sua arma de sobrevivência mental e intelectual desenvolveu o hábito do Diário Gráfico, “para poder expressar qualquer ideia espontânea do dia a dia, o diário livre”. Os seus primeiros trabalhos foram publicados em 1959 no Sport Soviética, passando depois para o Sport Radyans’ka, Pepper… Mas, o essencial, acabou por se concentrar nesses álbuns “vistos e discutidos pelos meus mais próximos amigos a quem pude confiar e sentir o entendimento mútuo”. Se a física magnetizou mais a sua mente e tempo, nunca deixou o seu espirito de subverter o conhecimento, reescrevendo as leis da física da sociedade na desconstrução do mundo pelo humor mais incisivo do seu bisturi gráfico. Em 2010, a Faculdade de Ciências do Porto organizou-lhe uma retrospectiva, no ciclo Nomadic.0910, um encontro entre arte e ciência. Na sua obra (que pode ser vista no blog http://ypogorel.livejournal.com) cruzam-se conhecimentos multidisciplinares, culturas multiétnicas e politicas e, se não teve uma grande carreira jornalística, o que aqui desejamos homenagear é a carreira do homem, o ser que alia ciência com humor, o professor que é pedagogo e humorista, revelando a história com ironia. Em ano de retrospectiva humorísticas Yuriy Pogorelov é homenageado com o Prémio AmadoraCartoon pelo seu exemplo catedrático de observador científico do anedotário do quotidiano, nos seus diários gráficos, ao longo destes 55 anos.

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A Pela Republica, Alfredo Roque Gameiro. Coleção Fundação Mário Soares


Texto por Ana Pinto / Canto Redondo

O Festival pela Cidade Casa Roque Gameiro

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Roque Gameiro: Retorno à Casa da Venteira Roque Gameiro: retorno à Casa da Venteira é o nome da exposição que a Câmara Municipal da Amadora inaugura a 18 de outubro, no âmbito das comemorações dos 150 anos do nascimento do aguarelista, a qual se realiza na casa que foi por ele desejada e planeada e onde viveu e trabalhou entre 1898 e 1926. Pretende-se, desta forma, homenagear, celebrar e divulgar a sua obra enquanto artista e mestre. A exposição surge organizada em torno de seis núcleos que permitem compreender melhor quem foi Roque Gameiro e contou com o apoio de familiares que, à semelhança de vários colecionadores privados, cederam obras e documentos inéditos que agora se mostram. O visitante é assim convidado a conhecer a história desta figura que marcou o início do século XX em Portugal. Como falar de Roque Gameiro é também falar da família de artistas que se lhe seguiu, é aprofundada esta sua ligação aos filhos e à esposa, para além de uma outra temática: a das viagens mais marcantes da sua vida, como a que realizou em 1920 ao Brasil, com a filha Helena. É possível ainda descer ao “velho” atelier do Mestre e ver alguns dos móveis originais que aí teriam estado e observar de perto cerca de meia centena de ilustrações e aguarelas que materializam o poder de observação e o génio criador deste pintor naturalista, eterno apaixonado pelo mar e pela cultura tradicional do seu país. A exposição está patente ao público até dia 25 de janeiro de 2015.

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Roque Gameiro: Retorno à Casa da Venteira

Alfredo Roque Gameiro Texto por Margarida Elias Alfredo Roque Gameiro nasceu em Minde, concelho de Porto de Mós, no dia 4 de abril de 1864. O seu pai, Manuel Roque Gameiro, fora marinheiro, e, de um primeiro casamento, tivera dois filhos: Justino Guedes e José Roque Gameiro. Tendo ficado viúvo, foi viver para Minde, onde conheceu Ana de Jesus, com quem veio a casar. Alfredo foi um dos filhos do segundo casamento e foi em Minde que viveu os anos iniciais da sua vida. Com cerca de 10 anos de idade mudou-se para Lisboa. Mais tarde, escreveu: «Não esquecerei jamais a impressão de sumptuosidade e de admiração que senti quando, aí por fevereiro de 1874, vindo da minha humilde aldeia, entrei em Lisboa.» Na capital, também habitava o irmão Justino, que era o proprietário da Litografia Guedes. Roque Gameiro entrou como aprendiz na oficina de litografia Castro e Irmão, transitando depois para a oficina do seu irmão. Terá sido nesta época que conheceu o ilustrador Manuel de Macedo (1839-1915), de quem foi discípulo e colaborador. Por volta de 1883, recebeu uma bolsa do Estado, para aperfeiçoamento da técnica de litografia, tendo frequentado a Escola de Artes e Ofícios de Leipzig. Regressado a Portugal, o artista tornou-se diretor das oficinas litográficas da Companhia Nacional Editora, que sucedeu à Litografia Guedes. Foi também desenvolvendo outras vertentes artísticas, como pintor, sobretudo de aguarela, e ilustrador. Iniciou trabalhos de ilustração para romances, principalmente históricos, muitos deles em colaboração com Manuel de Macedo e Alfredo de Morais (1872-1971). No ano de 1888, Roque Gameiro casou-se com Maria da Assunção Carvalho, de quem teve cinco filhos: Raquel (1889-1970), Manuel (1892-1944), Helena (18951986), Maria Emília (Mámia) (1901-1996) e Ruy (1907-1935). Dez anos depois, decidiu construir a casa no Alto da Venteira, próximo da linha do comboio que ligava Lisboa a Sintra. Cerca de 1900, essa casa teve uma ampliação projetada pelo arquiteto Raúl Lino, que era amigo do artista. Num artigo da Ilustração Portuguesa (datado de 1909), a casa era descrita como sendo de «estilo tradicional português» e diziase que foi Gameiro que a planeou, estudou e desenhou. Com a entrada no século XX, a carreira do artista foi conquistando maior notoriedade, alcançando reconhecimento fora de Portugal e em 1911, inaugurou o seu atelier na Rua D. Pedro V, em Lisboa, onde contava com a colaboração dos filhos Raquel, Helena e Manuel.

* Margarida Elias é membro colaborador do Instituto de História da Arte da FCSH-UNL

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A © Blanca Rosita Barcelona, Miguel Gallardo, Edição Câmara Municipal de Barcelona


O Festival pela Cidade Escola Superior de Teatro e Cinema

Blanca Rosita Barcelona Histórias Quotidianas de Convivência

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Em 2009, a Câmara Municipal de Barcelona, com a participação de mais de duzentas associações e um elevado número de cidadãos, criou o Projeto da Interculturalidade. Este projeto propunha o desenvolvimento de uma estratégia global para a cidade capaz de combater estereótipos e falsos rumores e promover a relação e a convivência entre vizinhos de culturas diversas. Uma das iniciativas levadas a cabo foi a edição de um livro de BD da autoria de Miguel Gallardo com o título Blanca Rosita Barcelona, numa clara alusão ao filme de Woody Allen Vicky Cristina Barcelona. Este álbum, editado pela Câmara Municipal de Barcelona, é composto por várias histórias que têm como protagonistas Rosita, uma mulher idosa e a sua cuidadora Blanca de origen peruana. Através dos olhares destas duas mulheres, do seu quotidiano e da sua relação de amizade e cumplicidade são analisados e desmontados alguns dos estereótipos e rumores mais frequentes sobre o outro, o diferente, mas em tudo tão igual a todos nós. E são as pranchas originais deste livro - que foi distribuido gratuitamente nas bibliotecas, associações, coletividades e centros de atendimento público em toda a cidade de Barcelona - que estarão em exibição na Escola Superior de Teatro e Cinema.

B © As duas personagens: Blanca e Rosita

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25 Anos de criação, de ideias, de vontades.



AmadoraBD 2014 — 25 Anos

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A 1ª Salão de Banda Desenhada da Amadora (1990) — Cartaz de António Galvão B 25º Amadora BD 2014 com o tema 25 Anos — Cartaz de GBNT com desenho de Joana Afonso — Prémio Nacional de BD 2013, Melhor Álbum Português e Melhor Argumento de Autor Português: O Baile, Joana Afonso (des) e Nuno Duarte (arg), Kingpin Books.

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O Festival em Lisboa FNAC Chiado

25 Anos, 25 Autores, 25 Cartazes O AmadoraBD completa este ano a sua 25ª edição. O Festival Internacional de Banda Desenhada foi criado em novembro de 1990, quando uma mão cheia de vontade, determinação e situações felizes contribuíram para que a primeira edição fosse o começo de uma grande aposta nesta aventura. Nela embarcaram, desde a primeira hora e ao longo dos anos, um elevado número de autores nacionais e internacionais que fizeram do Festival um marco importante na promoção da BD portuguesa e na divulgação dos seus desenhadores e argumentistas. Aqui se apresentam os autores dos 25 cartazes que foram a face visível deste projeto, alguns deles - Joana Afonso, João Fazenda, José Carlos Fernandes, Richard Câmara, Rui Lacas - nasceram no âmbito dos concursos do Festival e o seu trabalho, inicialmente, espalhado pelas paredes e muros da cidade, é hoje conhecido através de outros murais e plataformas. Recuperar os cartazes é preservar a memória de quem construiu o AmadoraBD e, por isso, é também tempo para assinalar o generoso contributo de dois decanos da BD portuguesa, José Ruy e José Garcês, entre tantos outros companheiros de aventura.

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AmadoraBD 2014 — 25 Anos

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A © A Pior Banda do Mundo, O Quiosque da Utopia, vol.1, p.22, Devir, Lisboa, 2002


Texto por José Carlos Fernandes

O Festival em Lisboa Renovar a Mouraria

A Pior Banda do Mundo “Examinada a fundo, toda a vida é impossível, é um bailarino sobre o arame. Toda a existência se move sobre uma linha subtilíssima: entre as paredes ilusórias de sonhos, aspirações projectos, horrores, remorsos e desilusões, arquitectados exclusivamente com o fito de criar num inexplicável equilíbrio”. Identifico-me plenamente com esta visão da vida do filósofo italiano Sergio Solmi e criei uma cidade sem nome, crepuscular e dolente, onde se entrecruzam os arames sobre os quais evoluem, vacilantes, centenas de personagens ensimesmadas. Solmi só o li mais tarde, a ideia para este livro-puzzle veio-me ao ler, com breve intervalo, La vie: Mode d’emploi, de Georges Perec, e Julius Knipl, real estate photographer, de Ben Katchor. Quando comecei o 1º volume não sabia que estava a começar uma série, mas as ideias começaram a surgir com naturalidade e acabou por se transformar numa série de 6 livros, cada um com 25-30 histórias. Cada uma destas histórias de 2 páginas é “auto-suficiente”, isto é, pode ser compreendida independentemente das restantes. Mas quando se lê todo o livro (ou toda a série) começam a perceber-se cruzamentos de personagens, lugares e situações entre as diferentes histórias (que se passam todas na mesma cidade) e começa a emergir uma nova imagem, um pouco como quando se monta um puzzle. Nesta série tentei também concentrar ao máximo a narrativa: todas as ideias são comprimidas em 2 páginas. Nestas histórias jogo simultaneamente com 3 níveis de discurso – as imagens, o discurso directo das personagens (balões) e a narração em “off” – que umas vezes se complementam e outras se contradizem, criando efeitos irónicos. O 1º volume, O Quiosque da Utopia, foi realizado em 1998. Em 2000 ganhei uma bolsa de criação literária do Ministério da Cultura para fazer o 2º volume, O Museu Nacional do Acessório e do Irrelevante, e nesse ano paradisíaco aproveitei o facto de poder, pela primeira e única vez na minha vida, dedicar-me à BD a tempo inteiro, para adiantar boa parte dos 3 volumes seguintes: As ruínas de Babel, A grande

* José Carlos Fernandes escreve de acordo com a antiga ortografia.

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enciclopédia do conhecimento obsoleto e O depósito de refugos postais. Em 2005 desenhei o 6º volume, Os arquivos do prodigioso e do paranormal, que é o último da série, embora esta tivesse potencial para se prolongar indefinidamente. Sobraram centenas de histórias e ideias soltas anotadas mas nunca desenhadas. A edição em língua francesa foi um processo demorado e cheio de contrariedades, pois falharam as duas primeiras publicações, uma pela extinta editora belga La Cafetière, outra por um projecto abortado de revista mensal de BD, a KOG: L’Encre Mondes, que se ficou pelo nº0. Depois entrou em cena Dominique Nédellec, um tradutor brilhante e de um rigor a toda a prova, que não só teve a iniciativa de traduzir A Pior Banda do Mundo sem custos, como trabalhou árdua e determinadamente para encontrar editor em língua francesa: acabou por ter uma resposta favorável da Cambourakis. Tudo isto foi feito sem o meu conhecimento, pois na altura não sabia sequer da existência do Dominique – que é hoje um amigo que muito estimo. Curiosamente, também devo a um tradutor abnegado e cheio de iniciativa – Jakub Jankowski – a edição desta série na Polónia (pela Taurus Media). A Pior Banda do Mundo está igualmente traduzida em espanhol (primeiro na Devir Iberia e depois reeditada pela Astiberri) e basco (na Txalaparta). A Associação Renovar a Mouraria (ARM), criada em 2008, é uma organização comunitária que tem como objetivo central a revitalização do bairro da Mouraria. Nessa medida, desenvolve várias atividades de âmbito cultural, social, económico e turístico que visam a dinamização do bairro. Todo este trabalho tem subjacente um plano de ação, assente na inclusão, na convivência intergeracional, na abertura do bairro a novos públicos e na revitalização das tradições de cariz popular, que promove a melhoria das condições de vida dos seus habitantes. Fruto da colaboração existente entre a ARM e o AmadoraBD apresenta-se, na sede da Associação, uma exposição dedicada à Pior Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes, uma das mais premiadas séries de banda desenhada portuguesa.1

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A Pior Banda do Mundo

vol.1: melhor álbum português Festival Internacional de BD da Amadora (FIBDA) 2002; melhor álbum português de 2002 (Diário de Notícias); 3º lugar no top dos melhores álbuns de BD de 2002 a nível internacional de La Guia del Comic (Espanha); Troféus Central Comics 2002, para melhor álbum nacional e melhor argumento nacional. vol.2: melhor álbum português FIBDA 2003. vol.3: um dos 5 melhores álbuns de BD dos últimos 5 anos (revista Nemo, Espanha, 2004). vol.4: melhor argumento de autor português FIBDA 2004; melhor álbum português de 2004 (Diário de Notícias); Troféus Centralcomics 2005 para melhor álbum nacional, melhor argumento nacional e melhor desenho nacional. vol.5: Troféu Centralcomics 2006 para melhor argumento nacional. vol.6: Troféu Centralcomics 2008 para melhor argumento nacional.

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A Pior Banda do Mundo

B Š A Pior Banda do Mundo, O Quiosque da Utopia, vol.1, p.23, Devir, Lisboa, 2002

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A Š O Centro Belga de Banda Desenhada, imagem gentilmente cedida pelo CBBD, Bruxelas


Texto por Jean Auquier

O Festival em Lisboa Instituto Francês de Portugal

As Belas Imagens do Centro Belga de Banda Desenhada Aberto ao público desde 6 de Outubro de 1989, em Bruxelas, o Centro Belga de Banda Desenhada é, simultaneamente, o prestigiante cenário de grandes exposições, permanentes e temporárias, um centro de documentação e de conservação da banda desenhada ímpar no seu género e, naturalmente, a casa dos autores. Ferramenta de promoção para a criação belga e internacional de Banda Desenhada (BD), aquele a que chamamos simplesmente o Museu da BD acolhe mais de duzentos mil visitantes por ano, provenientes de todos os continentes. Se deve o seu sucesso ao seu dinamismo e à popularidade da banda desenhada, deve-o, igualmente, ao seu cenário prestigiante, um antigo armazém de têxteis (1906), desenhado pelo grande arquiteto Victor Horta, pai da Art Nouveau. Ao longo dos primeiros vinte e cinco anos de existência do Centro Belga de Banda Desenhada (CBBD), diversos autores de BD criaram imagens ilustrando o CBBD, tomando-o como pano de fundo de um ou outro episódio de aventuras em BD. Para celebrar o 25º aniversário da sua abertura ao público e o 30º da Associação que lhe deu vida, o CBBD escolheu apresentar uma seleção de obras originais criadas especialmente pelo Centro nos diferentes períodos da sua história. Estas obras testemunham a criatividade e o talento excecionais de grandes artistas populares que o CBBD tem o prazer de contar entre os seus primeiros interlocutores e amigos.

* Jean Auquier é o Director Geral do CBBD

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A © Front Linien, Philip Rieseberg (des) e David Mohring (arg), capa, Edições Warrum, 2014


Texto por David Fournol

O Festival em Lisboa Goëthe – Instituto Alemão

Des Lignes du Front Front Linien As Linhas da Frente

Argumento: David Mohring, Desenhos: Philip Rieseberg. Éditions Warum O 3 de Agosto de 1914 assinala o início da Primeira Grande Guerra. É também por essas palavras que começa o livro de David Mohring e Philip Rieseberg. É pois a guerra. De um lado, os soldados franceses, a quem foi explicado que o inimigo era prussiano, e de outro os soldados prussianos a quem disseram o contrário. Nos dois casos, são pessoas comuns, na maioria, a quem puseram uma espingarda nas mãos e disseram que tinham de se bater e vencer o campo adversário. Nos dois exércitos, muitos homens que povoaram as frentes eram trabalhadores, comerciantes, professores. Maridos, irmãos e pais de família. Prussianos ou franceses, as interrogações que se colocavam sobre a sua presença nas trincheiras lamacentas mantinham-se bastantes vagas. É verdade, toda a gente percebia que havia que defender a liberdade de um país, mas uma coisa era certa: as pessoas que haviam decidido a sorte desta guerra não se encontravam no fundo das trincheiras, a escalar montanhas de cadáveres. Foi graças às muitas cartas dos soldados franceses, os “poilus” (René Jacob, Gaston Biron, Martin Vaillagou e o tenente Albert-Jean Despres) que os autores escreveram esta história, uma história sobre a dúvida, o medo, a incompreensão e a morte. Pegaram nos fragmentos (palavras deles) dessa correspondência de quatro soldados para compor uma só carta, única. Uma carta dirigida por um pai ao seu pequeno filho de nove anos. Esta carta é uma carta na qual esse homem explica ao seu filho como a guerra é cruel, brutal e violenta. O quotidiano desse soldado é descrito sem qualquer cen-

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sura para com o seu filho. As imagens que as suas palavras ilustram são insuportáveis. Deveremos expô-las a uma criança de nove anos? Tendo em conta a maneira como o mundo tombou, é seguramente muito importante não mentir às crianças. O mundo é cruel, esta guerra é uma vergonha e serão todas as crianças de nove anos que, um dia, terão de medir as consequências deste conflito, e aplicar-lhes as lições. Sendo assim, este pai decide não esconder nada ao filho. E o medo de que esta não seja senão a última carta que ele poderá escrever, no frio, na dor, nos assaltos a meio da noite contra os boches, nas explosões, no gás, na espera, no barulho e no silêncio, e no odor insuportável de cemitério. E, também, a aceitação da ideia de morte. A morte com que convive todos os dias, essa morte que se torna quase evidente, essa morte que já não o atemoriza mais apesar dos rostos sorridentes dos cadáveres que o circundam. Ele sabe que dos dois lados do campo de batalha as perguntas colocadas são as mesmas, as dúvidas levantadas são as mesmas. Ele sabe que à sua frente, sentado no fundo da sua trincheira, um pai de família alemão escreve ele também a um filho. Então de que servirá ganhar um troféu da vitória sobre este matadouro? Este capacete de prussiano que o seu filho lhe pedira quando partiu para a frente, essa prova de triunfo sobre o inimigo, esse capacete… é ele verdadeiramente útil? E se do seu lado, esse outro pai de família, ele também escrevendo a seu filho, teve um pedido similar? Um quépi francês contra um capacete prussiano. Toda esta guerra é inútil. Tudo o que ficará deste conflito é a ruína das coisas e a loucura dos sobreviventes. Como reconstruir sobre as ruínas. Totalmente realizado a preto-e-branco, as ilustrações de Philip Rieseberg parecem misturar a fotografia e o desenho. As imagens cortam radicalmente com o tom da carta que dá a impressão de se ouvir como uma voz off, doce, calma, estabelecida. Esta longa carta, quando sabemos que foi na verdade escrita por soldados da frente, ganha uma dimensão particular graças às ilustrações do autor. Entre o desenho, o preto-e-branco, o formato do livro, temos a impressão de opressão durante a leitura, de estarmos como que fechados e, como esse soldado, de não poder escapar. Des lignes du front, ou As linhas da frente é um belo livro, bem diferente de todas as bandas desenhadas feitas sobre a Primeira Guerra Mundial que podemos ler. Pequena precisão: este livro está dividido em duas partes. Uma parte em francês e outra em alemão. Indispensável, portanto.

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Des Lignes du Front

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25 Anos de livros, jornais e revistas.



AmadoraBD 2014 — 25 Anos

Concurso Municipal Infantil de Banda Desenhada e Ilustração O Concurso Municipal de Banda Desenhada e/ou Ilustração, promovido pela Câmara Municipal da Amadora, tem como objetivo a sensibilização dos mais jovens para a importância da banda desenhada como elemento lúdico, pedagógico e veículo dinamizador dos hábitos de leitura através do desenvolvimento estético e artístico. Com tema livre este ano, os alunos das escolas da Amadora do 1º e 2º ciclo do ensino básico, público e privado participaram em mais uma edição deste concurso cujos trabalhos estarão em exposição no núcleo central do Festival.

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Concursos

Concursos Nacionais de Banda Desenhada e Cartoon O tema dos concursos de banda desenhada e cartoon de 2014 é dedicado à Diversidade Cultural. Este tema insere-se num projeto internacional Comunicação para a Integração do qual a Amadora, enquanto cidade multicultural onde convivem mais de 41 nacionalidades distintas, faz parte. Neste âmbito está em curso a campanha Não Alimente o Rumor!, centrada na luta contra estereótipos, preconceitos, atitudes discriminatórias e rumores, fornecendo respostas corretas sobre imigração e diversidade cultural que visem contribuir para uma imagem positiva do Município da Amadora. Como habitualmente estes foram os escalões dos concursos e os trabalhos estão em exposição no Fórum Luís de Camões:

Banda Desenhada Escalão A (dos 17 aos 30 anos) Escalão B (dos 12 aos 16 anos) Escalão A+ (a partir dos 31 anos)

Cartoon Escalão C (dos 16 aos 30 anos) Escalão C+ (a partir dos 31 anos)

No Festival deste ano, a Diversidade Cultural, para além de ser o tema escolhido para os concursos de BD e Cartoon, constitui ainda um bom motivo para a animação dos mais jovens através da realização das Oficinas pela Diversidade.

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AmadoraBD 2014 — 25 Anos

Câmara Municipal da Amadora (CMA)

Organização

Presidente: Carla Tavares

CMA – DEDS – Amadora BD

Uma iniciativa do Pelouro da Cultura

Amadora BD 2014 – 25º Festival Internacional de Banda Desenhada

Vereador António Moreira

Diretor do Festival: Nelson Dona (CMA)

Comissariado e Produção

Com intervenção dos Pelouros dos Vereadores: Cristina Ferreira, Eduardo Rosa, Gabriel Oliveira e Rita Madeira

Comissão Executiva

Adjunta do Vereador do Pelouro da Cultura: Graça Sabugueiro

Ana Isabel Cardoso – controlo financeiro e apoio à gestão

Secretariado: Catarina Castanho

Ana Taipas – direção de arte e produção de exposições Cristina Gouveia (CMA) – coordenação editorial, conteúdos e programação nacional

Departamento de Educação e Desenvolvimento Sóciocultural (DEDS)

Emanuel Ribeiro (CMA) – produção, logística e animação Helena César - Assessoria de Imprensa

Diretor do DEDS: Luís Vargas

Lígia Macedo (CMA) – relações internacionais

Chefe de Divisão de Intervenção Cultural: Vanda Santos

Rita Morgado – relações públicas, serviço de públicos e comunicação

Secretariado: Conceição Figueiredo e Madalena Ferreira

Assistência de Produção Ana Margarida Gouveia – assistência de relações internacionais Bruno Gomes – assistência de produção (programação expositiva) Bruno Lopes – coordenação de montagem (programação expositiva) João Baltazar, Hugo Marques e Paulo Lopes – assistência de montagem

Júri dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada Nelson Dona, Dâmaso Afonso, Joana Afonso, Luís Salvado, e Sara Figueiredo Costa.

Tratamento de originais, legendagem e emolduramento Sofia Marques (coordenação), Cláudia Soares, Maria Pestana, Sílvia Marques e Joana Guilherme com Jorge P. Brito, Ldª – Amadora / Caldas da Rainha

Design gráfico de materiais de comunicação GBNT — Shaping Communication Emanuele Zamponi, Miguel Chichorro, Paula Dona e Vasco Ferraz, com Armando Guilherme, Bruno Santos, Inês Gomes, Nuno Quá e Tiago Balas Campanha e imagem global sobre desenho original de Joana Afonso

Projeto de Arquitetura (intervenção no Forum Luís de Camões) Vírgula i - arquitetos Pedro Guedes, Leonor Macedo, JP Pereira e Teresa Aguiar

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Ficha Técnica

Fórum Luís de Camões Exposições

Henrique Monteiro Enorme, Brutal, Colossal 2012! Prémio Nacional de BD 2013: Melhor Álbum de Tiras Humorísticas

Galáxia XXI: O Futuro da Banda Desenhada é Agora

Projeto e execução de cenografia: David Rosado

Comissariado: Sara Figueiredo Costa e Luís Salvado

BDLP

Projeto e execução de cenografia: Ana Couto, Alessandro Brandolisio

Prémio Nacional de BD 2013: Melhor Fanzine

e Maria Negrão

Comissariado: João Mascarenhas Design gráfico: GBNT — Shaping Communication

Joana Afonso Autora Portuguesa em Destaque

O Baile

Mafalda, Uma Menina de 50 Anos Parceria: Caminito S.a.s. - Literary Agency

Prémio Nacional de BD 2013: Melhor Álbum Português

Comissariado: Iván Giovannucci

Nuno Duarte

Projeto e execução de cenografia: Catarina Pé-Curto

Prémio Nacional de BD 2013: Melhor Argumento de Autor Português Projeto de cenografia: Teresa Cardoso

Batman, Ano 75

Execução de cenografia: Teresa Cardoso e João Nogueira

Comissariado: Lawrence Klein e João Miguel Lameiras Projeto de cenografia: Susana Lanceiro e Susana Vicente

Osvaldo Medina e Super Pig Super Pig - Roleta Nipónica

Execução de cenografia: Susana Lanceiro, Susana Vicente, Joana Bartolomeu e Igor Miguel

Prémio Nacional de BD 2013: Melhor Desenho de Autor Português Projeto e execução de cenografia: Cláudia Gaudêncio e Rui Mecha

Jim Curioso Co-produção: Édition 2024

Surfista Prateado

Projeto e execução de cenografia: Simon Liberman e Olivier Bron

Prémio Nacional de BD 2013: Clássicos da Banda Desenhada Comissariado: Lawrence Klein e João Miguel Lameiras

Autógrafos Desenhados

Projeto de cenografia: Carlos Farinha

Comissariado: Bruno Caetano

Execução de cenografia: Carlos Farinha, Ana Hipólito, David Rosado

Projeto e execução de cenografia: Bruno Caetano e Vítor Estudante

e Diogo Martins

Apoio à Produção: Take it Easy

Catarina Sobral

Ano Editorial

Achimpa

Álbuns dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada 2014

Prémio Nacional de BD 2013: Melhor Ilustração de Livro Infantil Projeto de cenografia: Susana Vicente Execução de cenografia: Susana Vicente, Ricardo Pacheco, Nídia Pereira e Ana Bigio

Concursos Nacionais de Banda Desenhada e Cartoon Trabalhos selecionados pelo júri

Concurso Municipal Infantil de Banda Desenhada e Ilustração

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AmadoraBD 2014 — 25 Anos

Catálogo

Casa Aprígio Gomes – Galeria Municipal Artur Bual Eduardo Nascimento (direção) e Sandrina Horta

Direção: Nelson Dona

AmadoraCartoon 2014

Coordenação editorial: Cristina Gouveia

Exposição de homenagem a António (Portugal), Xaquin Marín (Galiza/ Espanha)

Conceção Gráfica: GBNT — Shaping Communication Capa sobre desenho original de: Joana Afonso

e Yuriy Pogorelov (Russia/ Ucrânia) Comissariado: Osvaldo de Sousa

Impressão e Acabamento: Gráfica Maiadouro SA Tradução para inglês: Per Christopher Foster

Escola Superior de Teatro e Cinema

Os textos não assinados são da responsabilidade da equipa redatorial

Blanca Rosita Barcelona – Historias quotidianas de convivência, de Miguel Gallardo

Relativamente ao acordo ortográfico foi respeitada a vontade dos autores,

Projeto no âmbito do programa do Conselho da Europa “Anti-Rumores”

nos casos em que não aceitam escrever na nova ortografia.

Montagem de Infraestuturas

C4i - Communication for Integration – www.cm-amadora.pt/naoalimenteorumor

Apoio técnico de outros serviços da CMA

CMA/DOM – Departamento de Obras Municipais

Gabinete de Imprensa e Relações Públicas

Diretor: Norberto Monteiro

Gabinete de Projectos Especiais

Chefe de Divisão: José Fonseca

Serviço de Polícia Municipal

Coordenação e Fiscalização da Obra: António Alves e João Pereira

Serviço de Prevenção, Higiene e Segurança no Trabalho

com a colaboração na CMA de Alberto Mendes, Armindo Matias,

DF – Departamento Financeiro

Daniel Lourenço, Paula Rute Serviço de Prevenção, Higiene e Segurança no Trabalho: Ursula Carrasco

Divisão de Administração Financeira Divisão de Aprovisionamento DAG – Departamento de Administração Geral

Empreiteiro da obra: Somer Construção

Divisão de Gestão Administrativa e Contração

Sob coordenação de Ricardina Valente, Alexandre Santos,

Divisão de Gestão de Bares e Refeitórios Municipais

Carlos Saraiva e Nelson Henriques

DASU – Departamento de Ambiente e Serviços Urbanos Divisão de Atividades Económicas

Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem

Divisão de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

Cristina Gouveia (coordenação) e José Eduardo Ferreira

Divisão de Equipamentos Mecânicos

José Ruy, A Arte e o Ofício da BD

Divisão de Serviços Urbanos

Exposição Comemorativa dos 70 Anos de Atividade de José Ruy

DOM – Departamento de Obras Municipais

Comissário: Cristina Gouveia

Divisão de Arruamentos, Iluminação Pública e Espaços Verdes

Cenografia: Catarina Pé-Curto

Divisão de Manutenção de Equipamentos DMTIC – Departamento de Modernização e Tecnologia de Informação e Comunicação

Galeria dos Paços do Concelho da CMA Exposição de homenagem a Carlos Baptista Mendes Portugueses na Grande Guerra

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Divisão de Sistemas e Tecnologias de Informação e Comunicação


Ficha Técnica

Parcerias e Agradecimentos

Juan Cavia (homenagens?) Klaus Janson

SIMAS de Oeiras e Amadora

La Grua Estudio: Cristina Durán e Miguel A. Giner Bou

Rádio Comercial

Léo Quiévreux

Associação Renovar a Mouraria – Lisboa

Lilli Loge

Casa da Cerca, Câmara Municipal de Almada

Manuel Alemián

Acaso – Associação Cultural e Artística para uma Sociedade Original

Miguel Gallardo

Escola António Arroio – Lisboa

Nuno Duarte e João Sequeira

Escola Superior de Teatro e Cinema, Amadora

Olaf Ladousse

Faculdade de Belas-Artes – Universidade de Lisboa

Pablo Martin

Ar.co – Centro de Arte e Comunicação Visual

Patrick Gigase

Goethe Institut – Lisboa

Patrick McDonnell

Instituto Francês em Portugal – Lisboa

Pepedelrey

Wallonie-Bruxelles International – Bélgica

Powerpaola

Embaixada da Bélgica em Portugal

Rafael Coutinho

Ministério dos Negócios Estrangeiros, Governo de Portugal

Santiago Villa (homenagens?)

Embaixada de Portugal em Buenos Aires – Argentina

Scott Hanna

Embaixada de Portugal em Tóquio – Japão

Thomas Grindberg

Consulado de Portugal em Nova Iorque – EUA

Washington Cucurto

Consulado Geral de Portugal em São Paulo – Brasil

Yoshiyasu Tamura

Consulado Geral de Portugal em São Francisco – EUA

Yvan Alagbé

Colecionadores e autores que emprestaram obras para as várias exposições:

Goethe Institute de Lyon, França

Alex Vieira

Festivais:

Andrea Bruno

Internationaler Comic Salon – Erlangen (Alemanha)

Andrej Stular:

Stripgids Turnhout Festival (Bélgica)

Anna Deflorian

International Festival of Comics and Games in Lodz (Polónia)

Christophe Lebossé

Napoli ComiCon (Itália)

Dan Pottick Daniel Maia Dino Mauricio Edmond Baudoin

Agradecemos ainda a todos os que participaram na concretização

Eric Shanower

do AmadoraBD 2014 – 25º Festival Internacional de Banda Desenhada,

Filipe Andrade

bem como a todas as entidades que colaboraram nesta iniciativa

François Ayroles

e cujo nome não consta nesta lista.

Garry Black Henrik Rehr

Agradecemos em especial aos autores presentes no festival,

Herr Seele

e às entidades e autores que, não podendo estar presentes,

Joe Staton

permitiram a exposição de originais.

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Apoios à Produção

Tiragem 500 exemplares, dos quais 150 com tradução em inglês

Hotel Açores Lisboa Editora Canicola

Depósito Legal

Editora Le Dernier Cri

382903/14

Editora Eloísa Cartonera Editora Frémok

ISBN

Editora L’Association

978-972-8284-79-4

Editora Plana Press Editora Re:Surgo Les Éditions Albert René Stripburger Take it Easy Viarco Viñetas de Vida:Oxfam Intermon

Apoios à Divulgação CP – Comboios de Portugal Refer Metropolitano – Transportes de Lisboa MOP – Multimédia Outdoors Portugal

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Preço: € 8,50




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