vestindo o que hรก de mais belo
AMANDA BORSCHEID
vestindo o que hรก de mais belo
AMANDA BORSCHEID
Ficha Técnica Amanda Borscheid, 2018 Direitos desta edição reservados à Editora Taschen Km 47 Antiga Rodovia Rio-São Paulo Seropédica - RJ - CEP 23851-970 edu@taschen.com ISBN:85-85720-45-X Coordenação geral: Rogério Abreu Revisão de texto: Amanda Borscheid Projeto gráfico: Amanda Borscheid Ilustrações e gráficos: Amanda Borscheid Editoria de arte: Amanda Borscheid Capa: Amanda Borscheid A reprodução desta obra, no todo ou em parte, por qualquer meio será permitida somente com a autorização, por escrito, dos editores.
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Borscheid, Amanda Helen Rödel - Vestindo o que há de mais belo / Amanda Borscheid. -- Porto Alegre, 2018. 80 f. : il Orientador: Rogério de Abreu. Trabalho Experimental (Design Visual) -Universidade Federal da Bahia, ESPM-SUL, 2018. 1. Moda. 2. Crochê. 3. Slow Fashion. 4. Helen Röder 5. Artesanal. I. de Abreu, Rogério. II. Título.
Dedico esse livro a todos que fazem arte com toda alma e coração.
prefácio
introdução
o início o crochê
entre a lua e seu ateliê: a criação
cronologia
“A alma é a coisa mais valiosa e preciosa, mas o corpo é o mais belo, o verdadeiro espírito se manifesta em algo concreto. E a minha exaltação ao corpo é vesti-lo”.
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O INÍCIO Agradeço a Helen Roedel pela inspiração e pela oportunidade de mergulhar em sua arte.
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Helen Rödel destaca-se entre os designers de moda de sua geração notadamente pela utilização de técnicas manuais tais como o crochet e o tricot como suporte de suas inovadoras criações. Em sua jovem trajetória a estilista apresentou-se, em 2009, sob a marca Rödel LA na semana de moda islandesa e já desenvolveu para grandes labels brasileiros, peças em crochet para as passarelas do SPFW e do Fashion Rio. Sobre o caminho que inicia na moda autoral Helen Rödel reflete : “Pensem no Brasil quando tudo era mata. Sou de ascendência alemã e conheço bem as histórias dos primeiros imigrantes que chegaram aqui e foram engolidos pelo verde e pelo vazio demográfico. Eles abriram picadas nas matas densas e construiram cidades.Vejo assim o trabalho da moda autoral no Brasil, braços fortes, cabeça focada e coração sagrado”. A escolha da técnica manual, que como conhecemos hoje data do século XVI, tem contribuido para esta aparecer renovada a medida em que Helen propõe a sua visão. Ela aprende com o crochet de ontem mas realiza o crochet de seu tempo, de sua vida e para isso executa um trabalho minucioso em que o acabamento, o perfeito tecimento e a modelagem precisa, que garante modelos sem costuras, se unem à materiais de alta qualidade e designs com conceitos atemporais, resultando em peças valiosas, extremamente delicadas e inovadoras.
Helen Rödel é uma das estilistas mais inspiradoras de sua geração e suas roupas foram criadas pensando em usá-las como um ato de magia. A marca homônima, uma das mais frescas e intrigantes para o Brasil, foi criada em 2007 por pessoas com finalidade de transcendência, que criam peças artesanais, raras e extraordinárias, perfeitas em sua construção, representando alguém em seu estado mais imutável. “No início da minha trajetória, a questão comercial era o que menos me importava. Realmente, queria desenvolver-me como criadora, livre, transcendendo os limites do vestir. Claro que quando se ingressa num caminho mais comercial, em que tem de se atender demandas reais, o trabalho criativo se adapta a isso, sendo, da mesma forma, um desafio maravilhoso. Realizo-me muitíssimo criando para duas plataformas: uma comercial, na qual preciso observar alguns critérios como cartela de cores, ambientes em que a roupa vai ser usada, entre outros, mas necessito também daquele escape quando vou poder criar a peça quase como um figurino, como um delírio.
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ma história com os fios começou muito antes da sua marca. Ainda na infância, aprendeu a crochetaria com a mãe. “Nossas idas aos armarinhos eram mágicas, me pareciam bibliotecas seculares, repletas de possibilidades em termos de fios e cores”, lembra. “Eu nasci em Lajeado, uma cidade que tem 50 mil habitantes e, quando eu era criança, queria ser patinadora. Sempre quis fazer patinação! Mesmo criada em apartamento, eu sempre fui inquieta. Morava ao lado do colégio, andava muito de bicicleta. Convivi com o tricô desde muito criança, pois minha mãe bordava com ponto cruz, fazia crochê e tricô e tinha muito talento. Minha mãe sempre foi uma referência importantíssima para mim. Tudo que eu pudesse aprender com ela me esforçava muito. E como ela é uma pessoa muito agradável e que eu amo demais, aprender com ela significava passar mais tempo ao lado dela, o que para mim foi sempre muito prazeroso. Eu e minha mãe criávamos suéteres para a família toda em tricô e crochê. Começou, então, desta forma, lúdica, amorosa e estando ao lado de minha mãe. A moda na realidade foi algo que também entrou em minha vida na infância, pois desde os dez anos de idade, eu colecionava revistas de moda. Eu usava minha mesada para comprar revistas Elle, as quais minhas primas, mais velhas do que eu, já compravam e eu sempre ficava fascinada. 21
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Eu amava imagens, ficava horas olhando as revistas. Desde criança eu tinha pilhas e pilhas de revistas, fazia recortes e conseguia identificar meus gostos. Eu também colecionava os cadernos Donna da Zero Hora. Ficava impressionada com o que ilustrava a coluna do Xico Gonçalves (colunista de moda). Minha irmã mais velha desenhava e eu tentava copiar os desenhos dela depois… Assim, para mim, tudo isso sempre foi muito associado a lazer e momentos que chamo de solidão produtiva e gostosa.” Porém, antes de mergulhar nessa vocação, Helen tentou pertencer ao mundo corporativo e mudou algumas vezes de ramo, até que, em 2005, começou um curso de criação de moda no Senac de Porto Alegre e vislumbrou um ponto de virada na carreira. “Lá, eu percebi que o crochê era a plataforma que me libertaria do corporativismo e da indústria, me permitindo sair de um ciclo de produção que não fazia sentido para mim”, conta a estilista, que mantém hoje uma equipe de 17 pessoas dedicadas às entregas do ateliê em Porto Alegre, além de um grupo em Sergipe que produz até 500 peças para exportação a cada lançamento de coleção.
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AMANDA BORSCHEID Que tipo de bagagem os inícios das outras duas graduações trazem para sua vida profissional hoje? Quando necessário faço alguma arte gráfica ou logotipo. Também utilizo bastante coisa de teoria da comunicação, semiótica… Do curso de Letras, o que ficou foi o hábito de ler, enriquecendo muito meu vocabulário. Dá mais repertório e fluidez na escrita. Conta um pouco como você decidiu ter uma marca. Minha primeira marca foi a Rödel LA ou Rödel Latin America, pois queria algo que tivesse uma identidade mais Latino Americana, mais ampla do que somente brasileira. Tive também que constituir a marca para que pudesse fazer uma coleção e aproveitar um prêmio que havia ganhado, pois este previa a participação da empresa em um ano de estande na feira Mix Bazaar, em Porto Alegre, além de um desfile, entre outras atividades bacanas. Tudo sempre fomos o Guilherme, meu marido e sócio, e eu que fizemos. O site, as fotos, o aprendizado do uso de foto shop e de outras técnicas de aperfeiçoamento. Tudo sempre a quatro mãos! Durante este tempo, percebi que uma marca de autor precisava ter o nome do autor, pois o indivíduo que está por trás é fundamental numa marca autoral. E não tinha porque não assumir meu nome enquanto marca também. A Helen Rödel foi nada mais do que uma evolução de marca, pois meu produto criativo mixando o artesanato com o design permaneceu.
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O INÍCIO E os cursos de moda, entraram em que momento de sua trajetória neste mercado? A decisão de fazer moda em cursos técnicos e na faculdade veio depois de eu ter cursado uma parte do curso de letras e de publicidade. Não completei nenhuma das duas graduações, mesmo tendo talento para as duas áreas. Decidi não negar mais a vontade maior que era moda. Não sabia exatamente como eu ia me desenvolver no segmento, mas eu entendi o meu fascínio e precisava ingressar na área para, justamente, achar esse lugar da moda dentro de mim profissionalmente. Assim, resolvi de uma semana para outra cursar moda profissionalmente e me matriculei num curso técnico no Senac, sendo o primeiro de muitos cursos que fiz. Após, em 2008, cursei a faculdade de moda na UniRitter, pois precisava ter mestres e trocar experiências, mas sempre participei de concursos de moda, pois enquanto ainda era estudante queria estar presente em tudo que a moda pudesse me ofertar.
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O CROCHÊ Temps juste Quando feitos à mão e tradicionalmente, os objetos têm um significado e uma singularidade adicionais. Nosso processo de criação segue a ideia de temps juste : o tempo necessário para alcançar a perfeição. Cada peça requer muitas horas de trabalho paciente e preciso. Mas eles também exigem paixão e a perícia de um gesto dominado pela próxima geração de artesãos brasileiros. Ponto de vista Juntando-se ao design de vanguarda e às técnicas tradicionais de artesanato, os projetos de Helen Rödel estão profundamente enraizados, mas conectados globalmente. Totalmente invisível ainda memorável. Helen Rödel dedica-se ao trabalho de desenho autoral que muda percepções e eleva a arte artesanal de todas as roupas feitas à mão para novas cúpulas. Tropical por natureza Suas perspectivas de design também tentam desvendar seu olhar lírico em seu país natal, o Brasil. Esta foi uma eleição sentimental, intensamente relacionada à idéia de fazer um retrato de um Brasil inexplorado, incógnito. Tudo nascido é tão desconhecido. O Brasil tem muita terra e história, mas se mantém perenemente em um estado não nascido, talvez porque haja tanta fertilidade aqui que sempre algo carnudo e colorido está prestes a florescer. “Eu escolhi trabalhar com técnicas lentas e manuais, em que os números são diferentes da produção industrial. E essas técnicas exigem extrema paciência.”
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crochê nessa coleção é apresentado principalmente sob a forma do ponto pipoca que é um concentrado de 6 pontos altos, uns dos pontos mais básicos da técnica. Eu já trabalhei em coleções passadas e eu me mantenho completamente hipnotizada pelo conjunto do que mais parecem células de uma superfície vegetal fértil. Meu espírito é campesino. Uma coisa se move muito fortemente em mim quando eu estou em um ambiente natural, acontece uma ampliação das minhas vontades de vida. Mas eu não nego a cidade. Não tem como abrir mão desse trânsito e eu acredito que minhas roupas se proponham a isso. Eu fico muito tempo dentro da minha casa e os objetos que me circundam tem muita influência sobre mim e eles acabam refletindo muito no meu trabalho, principalmente com relação a formas e cores. Eu me permito o uso indiscriminado de cores. Elas são elementos irresistíveis, estimulantes. Eu gosto de coreografar elas ao longo da coleção, mas eu costumo obedecer uma lógica quase concretista do uso. Enquanto ideia o meu trabalho de criação das roupas é solitário, mas quando ele vai pra um plano de matéria é um trabalho muito colaborativo e eu tenho uma relação muito próxima com as pessoas com quem trabalho. Eu trabalho com uma equipe de até seis artesãs e também com o Guilherme que tá presente em quase tudo, ele é metade de mim. Eu sempre fui muito purista em relação ao tricot e o crochê, mas nessa coleção eu decidi incorporar outros elementos como pedrarias e franjas de canuti30
O CROCHÊ lhos e também decidi trabalhar com madeira. E foi assim que eu convidei o artista Mauru Fuke para criar intervenções esculturais nas peças. A feitura das peças exige sempre muita concentração, move muita energia. É como se o cérebro se compartimentasse em dois, sendo que uma parte coordena o tecimento e a outra a livre fluição do pensamento. Eu gosto de pensar nessa quantidade de pensamentos e ideias que habitam cada ponto tecido. Ao mesmo tempo que eu sinto urgência de conhecimento e de interação com as coisas do mundo, eu sinto que a vida precisa equilibrar esse seu aspecto com a imersão de uma tarefa que demande muito de seu tempo e sua paciência. Tu poder te dedicar a uma peça por muitas horas, construindo e dando vida com todas as agruras. É um exercício de paciência, e paciência é sabedoria. Se anda pra frente mas também se anda pra trás. Esse entendimento é fundamental para essas técnicas porque são movimentos constantes de tecer e desmanchar. É uma metáfora para o andamento da vida e para o desdobramento do tempo. Quando o dia ta terminando, o Guilherme adentra em casa e então é possível que se comece um novo movimento de trabalho que eu divido com ele, que é conceitual e estrutural do Label, que é a união de nossas crenças. Meu fluxo criativo é tão intenso que eu crio até quase a entrada da coleção na passarela. Talvez só la eu possa saber o que é essa moda que eu gestei por esses três meses. Mas eu to certa que algo luminoso irá se revelar com o fechamento dessa obra. 31
AMANDA BORSCHEID Tempo de findar Agulha, fio e mãos são os elementos que compõem o tricô e o crochê. E, nesses casos, a mão muda tudo, mais do que os próprios materiais: a natureza de cada pessoa e a tensão colocada em cada ponto geram resultados diferentes. Também é da essência do trabalho manual a disposição a movimentos constantes de tecer e de desmanchar, um vaivém por meio do qual se entende o desdobramento do tempo e se constrói uma metáfora da qual a estilista muito gosta: – No crochê temos chance de voltar e consertar os erros, de refazer o caminho, como não é possível na vida. – Gostamos de ver as ideias materializadas. É lindo quando conseguimos olhar para trás e reconhecer a evolução de uma ideia. Por isso, é preciso deixar de lado as pretensões de perfeição e saber encerrar períodos de trabalho para começar a pensar em outras peças – defende. Inspirações para seguir por novas veredas criativas não faltam, por sorte: o fluxo de pesquisa de Helen é intenso, e mistura desde obras de arte a formas encontradas nos objetos da casa. – Às vezes, são as ideias que dão direções. Em outras, a inspiração vem da prática, como é o caso do ato de trançar, muito forte em mim. 32
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“O ato de tecer também fala, com sutileza, sobre a necessidade de saber parar.” 33
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Diferentemente das coleções voltadas ao mercado, baseadas em pesquisas sobre os desejos do consumidor, a estilista acredita que a inspiração vem do infinito, e que criar é um ato contínuo. Mas se a maturidade lhe impôs um modo de trabalho mais pragmático, que coloca limites – até o artesanal, para que aconteça, precisa de um tempo de findar – , por trás disso está a certeza de que concluir uma coleção abre possibilidades para que a moda feita de afetos se fortaleça. Como uma menina do Interior, costumava ver tudo na perspectiva de uma lupa, tudo muito grandioso em relação a mim. Aos poucos aprendi a desmanchar a ideia de que somos pequenos. Um olho no microscópio, o outro no telescópio – a definição já foi usada para definir a escrita do uruguaio Eduardo Galeano, que transitava sobre os pequenos relatos do cotidiano e os macrotemas do mundo com a mesma força. E serve também para Helen, que se faz ainda mais grandiosa ao olhar a moda simultaneamente pelo microscópio e pelo telescópio. As criações de Helen são de uma preciosidade e delicadeza surpreendentes, num forte comprometimento com o belo e com o novo. Para ela, as técnicas ofertam muito mais do que simplesmente releituras de formas clássicas. “Logo, entendi esse como um papel meu de trazer o que eu acredito para essa arte, de manter viva a técnica carregando consigo a mudança dos tempos. Essa 34
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é minha lógica aplicada ao crochê e ao tricô.” Helen desmonta estigmas como crochê da vovó, crochê rendado, crochê para o verão, de maneira a tornar-se ícone de peso na assinatura de produtos de moda originais e criativos de nosso país. Helen cria e tem uma equipe de até dez artesãs que desenvolve tecendo as peças para ela. “Não posso fazer as duas coisas porque minha mente é muito inquieta. “Optei por me tornar design porque enquanto eu teceria uma gola, minha cabeça já estaria se desdobrando em um milhão de outras peças em que aquilo poderia se tornar. A criação é onde eu realmente me realizo.” As criações da designer de moda versam em torno de blusas, saias, calças, vestidos, biquínis, maiôs, meias, vestidos de noiva, palas, pelerines… enfim, tudo que possa vestir o corpo das pessoas. “Na produção, temos sim um padrão, mas respeitamos o artesanal e a mão de cada artesã. Quem vende minha roupa é instruído a informar que as peças podem ter pequenas diferenças entre si, pois são feitas à mão, artesanais mesmo.” A artista ressalta que, apesar de conceituais, suas peças podem, tranquila e completamente, ser usadas diariamente nas ruas. “A libertação por meio da roupa é algo que me fascina muito na moda. Evidente que existem códigos de vestimenta que precisam ser respeitados na medida em que cada pessoa tem uma posição.”
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ENTRE A LUA E SEU ATELIÊ: A CRIAÇÃO
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m olho no microscópio, o outro no telescópio: não é difícil identificar nessa descrição a maneira como Helen Rödel vê a moda. Nascida em Lajeado, a gaúcha lida com fios e agulhas ciente de que elas formam bem mais do que peças de roupa com muitas cores. Tendo Porto Alegre como ponto de partida, ela não perde a minúcia de cada arremate, mas encara as próprias ideias com uma densidade incomum: entre seu ateliê e a lua, parece haver apenas o tempo de um nó. Ao lado de Guilherme Thofehrn, parceiro de vida e diretor executivo da marca, Helen fez uma opção por estabelecer base no Paralelo 30: – Nos perguntamos o tempo todo sobre qual o lugar que queremos transformar. Na verdade, bem mais do que um questionamento, trata-se de uma crença. Queremos produzir de forma local, sabendo que pertencemos ao mundo e que podemos entregar nosso trabalho para além de qualquer fronteira alfandegária – diz a estilista, que estreou nas passarelas da Casa dos Criadores, em São Paulo, no ano de 2012. Como se percebe de imediato, o encontro do casal foi fundamental para a criação da label. Quando decidiram trabalhar juntos, há mais de uma década, Helen já tinha passado pelas faculdades de letras e de publicidade, e estava prestes a ingressar nos cursos técnicos de moda do SENAI e do SENAC. Foi ao lado do advogado com vocação para empreendimentos criativos que ela concretizou novos voos. 41
AMANDA BORSCHEID – Guilherme é quase meu oposto nas experiências profissionais e nos métodos de pensamento, e isso virou nossa força. A falta de experiência não foi um entrave, pelo contrário: havia um empenho diário em aprender coisas novas e realizar as ideias ao nosso alcance. Fizemos tudo, do logo ao site, passando pelas decisões administrativas. O tempo se encarregou de trazer colaboradores assíduos para campanhas e editoriais, como o fotógrafo Eduardo Carneiro, que cria a imagem da marca há seis anos. Em movimento de expansão, a dupla ainda ganhou a força e a experiência em varejo de Simone Gavillon, que se tornou sócia e terceiro pilar em 2015. O projeto se fez múltiplo de dois. O gosto pelas agulhas, porém, é anterior: data da infância no interior do Rio Grande do Sul. As primeiras técnicas foram ensinadas por sua mãe, exímia em trabalhos manuais. – Queria aprender tudo que ela podia ensinar. Íamos para os armarinhos e eu ficava maravilhada com as paredes imensas cheias de fios. Ali eu podia ver todas as cores e texturas do mundo – recorda. Juntas, elas desenvolviam suéteres para a família, misturando tricô, crochê e bordado – um cruzamento de referências que já subvertia a ordem e abria caminho para todo o trabalho que depois Helen levaria para passarelas tão longínquas como a Semana de Moda da Islândia.
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ENTRE A LUA E SEU ATELIÊ: A CRIAÇÃO – Há alguns anos, o tricô e o crochê andavam desatualizados. Hoje, existe uma gama muito maior de criação, mas por muito tempo o handmade na moda esteve limitado a supostas vocações: crochê para o verão, tricô para o inverno. Sentia ganas de desestruturar esses statements, bem como de ir contra o mito de que o artesanato era uma atividade de vovó – explica, em pleno acordo com o espírito do tempo. Design precisa de mãos A livre fruição do pensamento é, para Helen, um movimento tão natural ao trabalho manual como a técnica em si. Enquanto metade da energia está dispensada no fazer, a outra está em deixar a cabeça rodar. A estilista se comove com o tanto de ideia que habita cada ponto (em especial o pipoca, um de seus preferidos), e se orgulha de ter conseguido conciliar no trabalho do próprio estúdio algo tão genuíno e prazeroso: gosta de produzir e gosta de pensar sobre o impacto de cada roupa feita. Os números são bem diferentes de uma produção industrial: peças integralmente manuais são feitas em pequenas quantidades, muitas vezes sob medida, e as híbridas, que misturam maquinário e artesania, estão sendo preparadas para uma primeira linha a ser lançada em 2016 na Europa, na China e nos Estados Unidos (sem perder a identidade e o cuidado com os processos). Essa
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AMANDA BORSCHEID postura indica um alinhamento ao conceito de slow fashion, que vai na contramão do consumo desenfreado e da lógica de renovar os desejos de moda a cada estação. É um manifesto, mas, acima de tudo, uma prática: – Nunca acreditei que uma peça desenvolvida a partir de tamanha entrega pudesse ser usada apenas durante uma temporada. Nós acreditamos em roupas para uma vida inteira – comenta a estilista, que faz parte de uma família na qual as roupas são transmitidas entre gerações. O núcleo de desenvolvimento da marca em Porto Alegre é composto hoje por uma artesã-chefe e um time de 11 mulheres, reunidas após uma intensa busca por profissionais de altíssimo nível técnico que estivessem abertas às concepções de design propostas por Helen. – As pessoas que estão comigo, além de maravilhosas em seus fazeres, são extremamente aguerridas. Passamos juntas por tempos árduos: fazer, desmanchar e reconstruir o caminho da criação exige muito de mim e de quem está perto. Mas as trocas são inúmeras, entre agulhas e histórias de vida. E formam um sentimento coletivo que se imprime em cada peça: – Muitas das artesãs dominavam a técnica, mas não percebiam o quão longe podiam ir. Faço questão de mostrar todos os passos, até o desfile e a foto que é feita para a campanha. Quero que elas conheçam o potencial do que desenvolveram com as próprias mãos. 44
ENTRE A LUA E SEU ATELIÊ: A CRIAÇÃO “No início da minha trajetória, a questão comercial era o que menos me importava. Realmente, queria desenvolver-me como criadora, livre, transcendendo os limites do vestir. Claro que quando se ingressa num caminho mais comercial, em que tem de se atender demandas reais, o trabalho criativo se adapta a isso, sendo, da mesma forma, um desafio maravilhoso. Realizo-me muitíssimo criando para duas plataformas: uma comercial, na qual preciso observar alguns critérios como cartela de cores, ambientes em que a roupa vai ser usada, entre outros, mas necessito também daquele escape quando vou poder criar a peça quase como um figurino, como um delírio.” Mulher de fé, Helen revela que começa a imaginar um novo look quase sempre em estado meditativo. “Preciso olhar pra dentro para criar, é assim que as imagens surgem pra mim”, explica a estilista. A partir daí, sua equipe entra no processo de construção conjunto coordenado por ela nas escolhas da peça piloto até chegar à solução final. Profundamente afetuosa, ela chama sua equipe de guerreiras espirituais e acredita na roupa como uma celebração de transcendência. “O corpo é para mim o que há de mais sagrado e, a roupa, o mais belo. Tanto a minha equipe quanto as clientes são conscientes dessa corrente de amor que construímos com as nossas mãos por meio do trabalho”, finaliza.
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O primeiro desfile de sua vida dentro da arte da moda foi no Mix Bazaar, em Porto Alegre.
Participou do Mix Bazaar expondo suas peças ao público, e ingressou na faculdade de moda, na UniRitter.
Em Reykjavik, na Islândia, apresentou suas criações na Semana de Moda, em edição com jovens designers do mundo todo. “Eu fui a única convidada do Brasil e da América Latina para exibir minhas peças. Foi algo doido e maravilhoso, pois quando eu voltei para as terras brasileiras rendeu demais minha participação lá.”
No Donna Fashion Iguatemi, apresentou suas peças na passarela principal, sendo a primeira vez que isso acontecia, pois ela não compunha o quadro de lojistas do Iguatemi.
Exibiu as roupas no Dragão Fashion Brasil, uma semana de moda que acontece em Fortaleza, no Ceará, em um evento muito voltado para a artesania.
Mostrou o que produz na Casa de Criadores, em São Paulo. A partir de então, Helen apresenta suas criações por meio de vídeos, pelo seu site, por meio de fotos, abordando, por exemplo, como as artesãs trabalham.
É convidada a apresentar sua coleção para buyers e imprensa na embaixada brasileira em Londres, na Inglaterra, e na prestigiada feira Who`s Next, em Paris, na França.
Em Xangai, na China, em evento que reuniu workshops, encontros com buyers, entrevistas para Elle China, jantar de gala com a apresentação das peças, a grife Helen Rödel mostrou sua expressão, firmeza, sensualidade e sutileza. O convite partiu da entidade da qual a empresa Helen Rödel é integrante, o Texbrasil (Programa de Internacionalização da Indústria da Moda Brasileira).
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