UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
Amanda Barros de Melo
SOBREPOSIÇÕES AFETIVAS No bairro do Poço da Panela
Recife 2017
Amanda Barros de Melo
SOBREPOSIÇÕES AFETIVAS No bairro do Poço da Panela
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Pernambuco, para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Fernando Diniz Moreira.
Recife 2017
Ao amor que tenho pela minha cidade, Recife.
Agradecimentos Sempre muito grata, primeiramente à vida, pela existência e oportunidade de contribuir com esse mundo para torna-lo um pouquinho melhor. Grata eternamente aos meus pais e minha irmã, as pessoas as quais me ensinaram a amar e lutar por aquilo que se acredita, sem colocar limites aos sonhos. Grata ao Kuba, que sempre me incentivou a persistir em meus sonhos, a acreditar em mim, a dar o meu melhor por aquilo que acredito e me ensina a amar sempre. Grata ao meu orientador, Fernando Diniz, pela confiança depositada em mim, pela compreensão cotidiana, pelos ensinamentos a cada encontro, pela paciência, dedicação e incentivos. Grata a todos que, de alguma forma, contribuíram para a minha pesquisa, professores, supervisores do estágio, amigos. Em especial grata aos amigos Nathália, por sua paciência e carinho de sempre, Julliane, Cinthya e Clarissa, por seus incentivos, Syclézia e Luana, pelas companhias e ajuda no trabalho. Por fim, grata imensamente a este curso a qual me dediquei durante seis anos, que me proporcionou tantos aprendizados, tantos na área a qual abraço e me dedico, quanto na vida, como ser humano. Me proporcionou descobertas, crescimento, intercâmbio, expansão. Grata.
Resumo Este presente trabalho visa investigar como a experiência do ser humano no espaço histórico pode auxiliar na conservação do mesmo por meio da relação afetiva emergente. Ao criar laços afetivos com o lugar o homem converge diversos significados ao ambiente, tendo sido escolhidos para a realização desta pesquisa dois, a memória e a fantasia espontânea. Este último termo, provem da expressão originada pelo arquiteto e pesquisador Jeremy Wells, a qual determina que espaços históricos ativam a fantasia de seus usuários, tornam-se catalisadores da imaginação humana a outros tempos. Para tanto, optou-se pelo bairro do Poço da Panela, bairro histórico recifense, que perpetua por entre as suas ruas a atmosfera de épocas passadas e possui uma relação íntima e afetiva com os seus moradores. Para a realização deste intento, decidiu-se fazer uso da pesquisa social, aplicando entrevistas individuais aos moradores do bairro que revelassem a existência por entre o seu espaço urbano de símbolos portadores da memória e/ou da fantasia espontânea, evidenciando, desta forma, as sobreposições afetivas que os moradores atribuem aos elementos e ao lugar. Revelar a afeição e os significados dos usuários a um espaço histórico, pode vir a contribuir para uma conservação deste mais abrangente, sólida e completa, unindo a valoração objetiva, por meio dos especialistas, e subjetivas, pelos envolvidos com o local. Palavras-chave: Conservação, Espaço urbano, Relação afetiva, Memória e Fantasia.
Abstract This work aims to investigate how the human experience in the historical space can help in the conservation of the same through the emerging affective relationship. In creating affective ties with the place the man converges several meanings to the environment, having been chosen for the accomplishment of this research two, the memory and the spontaneous fantasy. This last term comes from the expression originated by the architect and researcher Jeremy Wells, which determines that historical spaces activate the fantasy of its users, become catalysts of the human imagination to other times. To be able to do this research, we chose the neighborhood of Poço da Panela, a historic Recife neighborhood that perpetuates the atmosphere of past times and has an intimate and affectionate relationship with its residents. In order to accomplish this, it was decided to make use of social research, applying individual interviews to the residents of the neighborhood that revealed the existence of symbols of memory and / or spontaneous fantasy among their urban space, showing then, affective overlaps that locals attribute to the elements and place. Revealing the affection and meanings
of users to a historical space, can contribute to a more comprehensive, solid and complete conservation, uniting the objective assessment, through the experts, and subjective, by those involved with the place. Key-words: Conservation, Urban space, Affective relationship, Memory and Fantasy.
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Índice
Introdução .................................................................................................................................17 01│Relação Afetiva ao Longo dos Tempos ...................................................................... 23 1.1 Explanação do Tema ....................................................................................................... 23 1.2 Relação do Homem com o Espaço ................................................................................... 24 1.2.1 Afeto .......................................................................................................................... 27 1.2.2 Proteção ...................................................................................................................... 31 1.2.3 Pertencimento ............................................................................................................... 34 1.3 Importância do Espaço ..................................................................................................... 38
02 │ Conservação e Intimidade ........................................................................................... 45 2.1 Distintos Olhares sobre o Espaço Urbano Histórico ........................................................ 45 2.2 Conservação e Memória .................................................................................................... 49 2.3 Implicações da Vivência dos Bairros Históricos nos Usuários ........................................... 51 2.4 Defesa da Conservação dos Bairros Históricos pelas Experiências dos Usuários ............... 57
03 │ O Poço e seus Encantos ............................................................................................... 63 3.1 Introdução ao Poço .......................................................................................................... 63 3.2 Surgimento, Retrospectiva e Histórico (1580 – 1883) ........................................................ 68 3.3 Panorama do Desenvolvimento Espacial e Afetivo do Bairro ........................................... 80 3.4 O Poço nos Dias de Hoje ................................................................................................. 93
04 │ Debruçando-se no Elo Afetivo ...................................................................................105 4.1 Abordagem Desenvolvida ............................................................................................... 105 4.2 Caminhos da Memória e da Fantasia ............................................................................... 112 4.2.1 Sobreposições Afetivas................................................................................................... 113 4.2.1.1 Memória e Fantasia................................................................................................ 115 4.2.2 Cartograma de Sobreposições Afetivas .............................................................................. 122
Conclusão ...............................................................................................................................127 Referência Bibliográfica ......................................................................................................129
Lista de Figuras .....................................................................................................................134 ApĂŞndices ...............................................................................................................................142
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│Introdução Ao voltar o olhar para a cidade do Recife, é perceptível que com o passar dos anos, a população recifense vem sofrendo com a descaracterização de seus espaços históricos e, por consequência, sua perda de vínculos com o lugar. Por meio do crescimento e desenvolvimento da cidade, condicionantes necessários para a sua vitalidade, determinados bairros históricos, tão pertinentes à memória, à identidade social, à essência da cidade, estão sendo esquecidos e seu elo afetivo com os moradores percorre um constante enfraquecimento. Se a população não mais se identifica com o meio, não vive sua história e de seus antepassados no espaço urbano, perdendo seus laços de pertencimento com a cidade, como esta pode ser cuidada, valorizada, protegida? Como perpetuar esse elo afetivo dos moradores com o seu lugar de origem? A relação do homem com o seu lugar de origem é intrínseca ao ser humano, advém de tempos muito remotos, desde que adquiriu consciência do espaço. Habitar torna-se uma ação constituinte do ser ao passo em que o homem pertence ao ambiente. Por ser uma relação inerente ao homem, esta configura-se sólida e aflora sentimentos íntimos quando vivida. As marcas da experiência do ser humano no espaço estão representadas através de suas modificações, de suas construções e acréscimos na paisagem, revelando a história e conexão entre ambos. Ao viver seu espaço circundante e criar laços afetivos para com o mesmo, o sentimento de pertencimento ao lugar emerge no ser humano que, por consequência, sente-se acolhido, amado e parte do todo. Esse sentimento fortifica a relação e, ao voltar o olhar para a esfera coletiva, os espaços urbanos assumem a postura de extensão do homem, adquirem caracteres identitários, representativos de sua sociedade. Com o passar dos anos, as cidades configuram-se o cenário vivo da existência do homem no mundo, as representantes da história humana e carregam por entre suas ruas, praças, edificações, a essência de outrora, as memórias populares, o testemunho da vivência do homem. Espaços históricos são espaços agregadores de significados, férteis ao imaginário humano, pertinentes aos sonhos e as lembranças dos usuários. Um bairro histórico proporciona momentos, cenas, sentimentos, lembranças que compõem a vida do cidadão; o bairro coleciona memórias. Memórias individuais, memórias coletivas, de antepassados, dos atuais moradores. Entretanto, por entre os percursos de um bairro histórico a imaginação e a criatividade podem despertar, promovendo uma outra forma de 18
interação com o cidadão. De acordo com o arquiteto, pesquisador e professor Jeremy Wells da Roger Williams University, essa ativação da criatividade e imaginação estão inseridas no sentimento de nostalgia, o qual deriva do fenômeno que ele chama de Spontaneous Fantasy que no decorrer deste projeto será definido e auxiliará na metodologia de análise. A prática da conservação, durante muitos anos, foi gerida por profissionais especializados, técnicos, especialistas, preocupados com aspectos objetivos os quais não priorizavam esse caráter experienciador do ser humano. Atualmente, no decorrer do processo de conservação do patrimônio histórico, os experts buscam dialogar com os mais diversos atores do espaço, os non-experts, envolvendo-os no processo. A conservação dos espaços históricos só pode ser bem-sucedida se envolver a comunidade e os non-experts. O lado subjetivo do homem, ou seja, sua vivência, seus sentimentos, sua relação com o espaço traz incontestável valor para o lugar e pode ser um sólido fator de relevância na conservação dos espaços urbanos. O Manifesto de Amsterdã de 1975, que reuniu os princípios da Conservação Integrada, aponta para a necessidade da inserção do morador na determinação da conservação dos espaços. O Manifesto promove a comunhão entre os especialistas, pesquisadores e os moradores, concatenando as esferas objetivas e subjetivas do bem. Desta forma, é perceptível a importância dos bairros históricos e da conservação de sua atmosfera para todos os envolvidos com o lugar, pois, através dos sentimentos impregnados pela vivência, pelas memórias ao pertencer ao espaço ou pela estimulação da imaginação, dos devaneios, a atmosfera dos lugares históricos caracteriza-se de inenarrável significado, não somente para a composição do ser humano, como também para a perpetuação da identidade, do patrimônio cultural de sua sociedade. Este presente trabalho visa revelar a importância da relação do homem com o seu espaço circundante como caminho para a conservação dos lugares históricos, por meio do auxílio da fenomenologia na investigação das nuances desta relação, exaltando sua solidez, sua importância, sua intimidade. Para tornar essa pesquisa possível, fez-se uso de alguns autores envolvidos no estudo da relação do homem com o espaço, estando eles inseridos no âmbito fenomenológico, atrelados aos questionamentos da conservação ou interessados no comportamento humano no meio ambiente. Acerca do âmbito fenomenológico, nomes como Heidegger, Gaston Bachelard, Norberg-Schulz, Joseph Rykwert, Merleau-Ponty, Mircea Eliade protagonizam e fundamentam o desenvolvimento da pesquisa. Com relação às questões da conservação, a referência teórica está representada por Jeremy Wells; e relativo ao interesse no 19
comportamento humano no ambiente, nomes como David Seamon e Yi-fu Tuan compõem o embasamento teórico substancial deste ensaio. No campo da conservação, fez-se uso de alguns princípios concernentes à conservação integrada, por meio das cartas patrimoniais de Amsterdã e Burra, as quais pontuam precisamente a necessidade da participação do morador nas decisões relativas ao patrimônio histórico. Com tais questionamentos assinalados fora preciso debruçar o olhar pelos espaços do Recife a fim de identificar um bairro condizente com os caracteres pontuados acima e apto à investigação quanto à sua relação com os moradores e sua atmosfera histórica e bucólica. Foi selecionado o bairro do Poço da Panela, bairro histórico e tradicional recifense, cuja atmosfera de tempos antigos ainda permanece por entre suas ruas e pode ser sentida por quem a experiencia-la. Ainda que sua conservação tenha advindo de parâmetros objetivos, sem ter tido a participação popular nas decisões, sua relação com os moradores é deveras íntima e pode-se tornar um rico meio para as análises desta pesquisa. O objetivo será revelar a importância do bairro histórico do Poço da Panela para seus residentes por meio de dois fatores intrínsecos ao homem, a memória, que confere o sentimento de pertencimento e a fantasia, que permite o fluir da imaginação, da criatividade, e estabelecer essa relação como parâmetro para caminhos de possíveis futuras atuações na conservação dos bairros históricos. Através do embasamento fornecido por tais teóricos supracitados, o método de análise foi conformado fazendo uso de certos critérios estabelecidos por alguns autores. David Seamon, pesquisador e professor de arquitetura da Kansas State University, estabeleceu em seu texto The phenomenological contribution to environmental psychology (1982) um tratamento para compreender as experiências no lugar. Uma teoria baseada na dialética das relações humanas com o ambiente, a qual determina formas de interpretar o espaço. Aplicando esse sistema como alicerce metodológico, dois vértices investigativos emergiram das leituras referenciais; o primeiro, invocando os preceitos da memória, da relação de pertencimento, através da obra de Gaston Bachelard, A poética do Espaço (1989), e a segunda, referente à pesquisa do professor Jeremy Wells, em seu texto Phenomenology of Age Value in the Built Environment (2011), relacionando a fantasia, a imaginação através do fenômeno Spontaneous Fantasy. Essas duas vertentes subsidiarão as análises das relações entre o morador e o Poço através de entrevistas e clarificarão as conclusões acerca da importância dessas na conservação. 20
Para elucidar a pesquisa, o trabalho se desenvolverá em 04 (quatro) capítulos: o primeiro relativo ao aprofundamento das relações humanas com o espaço através da ótica fenomenológica, abordando noções de afeto, proteção e pertencimento. O segundo abordará princípios da conservação integrada e as relações entre o ser humano e o espaço por meio da memória, seu pertencimento ao local, e do imaginário, criatividade, nostalgia, por meio do fenômeno Spontaneus Fantasy. O terceiro trará o estudo do objeto, o Poço da Panela, mostrando seu histórico e suas relações com a cidade e com os seus usuários. O quarto e último capítulo, transcorrerão as entrevistas aplicadas através do método discutido e trabalhado ao longo deste ensaio e as análises relativas as questões abordadas. As relações humanas com o espaço possuem latente vigor e significado para ambas as partes. Estão intrinsecamente envolvidos e podem tornar-se fundamentais instrumentos para subsidiar as mudanças nas cidades, através dos sentimentos aflorados e da fluidez do imaginário humano.
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01│Relação Afetiva ao Longo dos Tempos 1.1 Explanação do Tema Pensar que possamos vir ao mundo num lugar que a princípio não saberíamos sequer nomear, que vemos pela primeira vez; e que, nesse lugar anônimo, desconhecido, possamos crescer, circular até conhecermos o seu nome, pronunciá-lo com amor, que o chamemos de lar, onde lançamos nossas raízes, onde abrigamos os nossos amores; de forma que, cada vez que falamos dele, o fazemos como amantes, em cantos nostálgicos, em poemas transbordantes de desejo. (Goyen apud BACHELARD, 2008, p.72)
Como o sentimento amor pode auxiliar e elucidar um caminho na conservação da arquitetura e das cidades? Fazer uso da palavra amor, sentimento de afeição proveniente das relações sócio espaciais, tão comumente utilizada em poemas, em textos literários, líricos, dentre outras formas, confere um caráter um tanto emotivo ao texto. Entretanto, ao longo desta pesquisa, procurou-se adotar um caráter mais objetivo e analítico em usufruto para implicações reais e latentes no âmbito da conservação da atmosfera dos espaços urbanos. Há determinados temas os quais são árduos de tratar apenas pelo campo analítico, sem levar em consideração o lado emotivo, como ratifica Norberg-Schulz: “Sendo totalidades qualitativas de natureza complexa, os lugares não podem ser descritos por meio de conceitos analíticos, ‘científicos’”. (1979, p.07, tradução nossa) Na esfera desta pesquisa, a correlação entre a conservação e as relações afetivas, por meio das quais o sentimento de amor pode surgir, tão disparates a princípio, se revelará tênue, porém sólida. E se possível, enfocará uma ferramenta ainda pouco utilizada em benefício da conservação dos espaços históricos, a conservação integrada. Fazer uso dos sentimentos, incluindo o amor, para estudar a essência das coisas e como são percebidas no mundo refere a uma abordagem fenomenológica, e esta, debruçada no estudo da percepção do espaço pelos seus usuários como forma de reforçar seus laços com o espaço e assim favorecer a conservação. Consoante com as ideias de David Seamon, “Uma perspectiva fenomenológica amplia o alcance emocional dos sentimentos do lugar incluindo o cuidado, sentimento, preocupação, calor, amor e sacralidade. Bachelard (1969) e Tuan (1974) falam da topofilia” (1982, p.132, tradução nossa). Conferir uma abordagem fundamentada na relevância da experiência do homem no espaço pode-se tornar um instrumento de ordem científica no âmbito do intento deste presente 24
trabalho, a conservação. Um dos métodos de análises concernentes ao estudo da vivência do ser humano em seu espaço envolvente é a psicologia ambiental, a qual segundo Gabriel Moser “estuda a pessoa em seu contexto, tendo como tema central as inter-relações - e não somente as relações - entre a pessoa e o meio ambiente físico e social” (MOSER, 1998). Já Seamon admite que A psicologia ambiental, embora tenha colocado a atenção nos mundos internos das pessoas, geralmente aceitou a postura positivista e desenvolveu vários dispositivos conceituais e metodológicos para converter a chamada ‘subjetividade’ dos processos comportamentais e experienciais em imagens, atitudes, preferências e territórios empiricamente mensuráveis ou algum conceito hipotético semelhante que possa ser identificado e ordenado em alguma forma de matriz regular, geralmente matemática. (SEAMON, 1982, p.120, tradução nossa).
O interesse pela experiência do ser humano com o espaço que o envolve no domínio da pesquisa, do conhecimento, é bastante fértil e versátil e caracteriza a sua importância. Desde os anos 60, diversos autores abordam essa questão, estando-a inserida ou não na esfera fenomenológica. Estudiosos que se dedicavam ao espaço público (Jane Jacobs, William H. Whyte), ao estudo das arquiteturas tradicionais e dos ambientes (Hassan Fathy, Bernard Rudofsky), urbanistas mais atentos a percepção do espaço por seus usuários (Kevin Lynch, Gordon Cullen), arquitetos ligados à fenomenologia (Norberg-Schulz, Aldo van Eyck), apesar de formações distintas, permearam campos investigativos os quais atuaram em paralelo, e por vezes, com um mesmo domínio, o da psicologia ambiental, enquanto buscavam examinar aspectos do comportamento e da experiência humana no ambiente, através de pesquisas qualitativas, conforme argumenta Seamon (1982, p.120) No texto de Seamon supracitado, é possível perceber diversos ramos de pesquisas envolvidos no manuseio da apreensão da experiência no espaço como metodologia de estudo; destarte, torna-se possível intentar o uso deste caráter subjetivo, marcado pela experiência, percepção, sentimento, como ferramenta para fins conservativos, assim como a tempos vem se construindo e estabelecendo por diversos autores comprometidos nessa área, como se verificará no decorrer desta pesquisa. 1.2 Relação do Homem com o Espaço A citação de A Poética do Espaço de Gaston Bachelard utilizada no início do capítulo, faz menção aos tempos de infância, e do quão importante o lar, o lugar de origem, carrega na formação do indivíduo como ser humano, como ser pertencente de seu espaço, doador e 25
receptor de sua essência, esta sentida e vivida na atmosfera do lugar. Esse sentimento de pertencimento com o seu lugar de origem propicia a amabilidade para com esses espaços e uma forte relação tem oportunidade de se desenvolver. À esta sutil conexão afetiva com o espaço Yi-fu Tuan denominou topofilia em seus estudos. “Topofilia é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. Difuso como conceito, vívido e concreto como experiência pessoal(...)” (TUAN, 1980, p.05). Não é à toa que as imagens da infância, tão singulares e deturpadas da realidade, são propulsoras de acolhimento e sentimento de felicidade; e a arquitetura possui uma relevante responsabilidade neste campo, pois ela produz o espaço promovente da vivência humana, doravante segundo Bachelard “espaços felizes, (...) espaços amados” (2008, p.19). (...) todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa. (...) em suma, na mais interminável das dialéticas, o ser abrigado sensibiliza os limites do seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e em sua virtualidade, através do pensamento e dos sonhos. (BACHELARD, 2008, p.25)
Experienciar o espaço possui uma profunda relação que promove uma troca de essências. O ser experienciador e o espaço experienciado estão conectados intimamente, configurando uma união singular, rica em memórias ímpares. “Todo o ser da casa se desdobraria, fiel ao nosso ser”. (BACHELARD, 2008, p.33). A figura da casa surge como referência, pois é o símbolo mais representativo existente nas lembranças de valor de intimidade, de acolhimento, de afeto. Tudo aquilo que verdadeiramente é vivido pelo homem, é habitado. Habitar não é uma ação que se restringe apenas às residências. O homem habita o seu espaço de trabalho, o parque em que pratica exercícios, o restaurante em que encontra pessoas queridas, os espaços públicos, dentre outros. “Não habitamos porque construímos. Ao contrário. Construímos e chegamos a construir à medida que habitamos, ou seja, à medida que aqueles que somos como habitam”. (HEIDEGGER, 1954, p.02, itálico do autor). Habitar reside em viver a essência do lugar, em tornar-se parte do mesmo, em demorar-se e sentir o espaço. “Chamamos de quadratura essa simplicidade. Em habitando, os mortais são na quadratura. O traço fundamental do habitar é, porém, resguardar. Os mortais habitam resguardando a quadratura em sua essência. De maneira correspondente, o resguardo inerente ao habitar tem quatro faces”. (HEIDEGGER, 1954, p.04, itálico do autor). Habitar é pertencer. O homem habita o mundo, o homem pertence ao mundo. Constrói, convive, experiencia, é. “A relação entre homem e espaço nada mais é do que um habitar pensado de maneira essencial”. (HEIDEGGER, 1954, p.08) 26
A arquitetura deveria criar espaços concernentes ao habitar. Teria por função prover ambientes que garantissem a vivência do homem, que propiciassem uma experiência singular. Ao viver esses cenários, cada ser possuirá uma memória única, individual, por mais que o espaço seja o mesmo. Consoante com Heidegger “(...) o homem é à medida que habita” (1954, p.02, itálico do autor). Ainda segundo o autor, Construir significa cuidar do crescimento que, por si mesmo, dá tempo aos seus frutos. No sentido de proteger e cultivar, construir não é o mesmo que produzir. A construção de navios, a construção de um templo produzem, ao contrário, de certo modo a sua obra. Em oposição ao cultivo, construir diz edificar. Ambos os modos de construir -construir como cultivar, em latim, colere, cultura, e construir como edificar construções, aedificare - estão contidos no sentido próprio de bauen, isto é, no habitar. (HEIDEGGER, 1954, p.02)
Desta forma, os espaços arquitetônicos deveriam fomentar atmosfera propícia para o viver humano, para o habitar, para o desenvolvimento das atividades cotidianas que serão acolhidas por esse meio e frutificará na relação do homem com o seu entorno, promovendo uma identificação com o lugar, um enraizamento, uma união sólida. Esses espaços de vivência, que trazem a essência de sua gente são os espaços arraigados de memórias, da atmosfera do lugar, das pessoas, das experiências, do tempo; são espaços destinados a serem preservados em sua essência para que possa ser concebível a perpetuação da memória coletiva. São espaços amáveis. Amáveis pelo seu povo que o cultiva, que se identifica, que vive a experiência de estar no lugar, são amáveis pelos seus visitantes e transeuntes que possuem a possibilidade de sentir e experienciar a alma do lugar, de sua sociedade. Conforme Bachelard (2008, p.24) “ (...) a casa é o nosso canto do mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos”, revela que a relação entre o homem e o espaço que o circunda, desde o princípio é afetuosa, vívida, possui significativa relevância para o ser, para identificação, acolhimento e edificação. A conexão existente engrandece as duas partes, pois, ao passo que o homem edifica o espaço também o é edificado por ele. Há uma relação mútua de intimidade que caracterizam e unificam ambos. Assim é, posteriormente, ratificado ao longo do livro, “Mas, para além das lembranças, a casa natal está fisicamente inserida em nós. Ela é um grupo de hábitos orgânicos”. (BACHELARD, 2008, p.33).
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A percepção do homem no espaço é individual, é influenciada pelo seu estilo de vida, pela sua forma de enxergar o mundo, pela sua vivência acumulada ao longo dos anos, pelas suas experiências. “A percepção é uma atividade, um estender-se para o mundo. (...) De modo que suas atividades e explorações, são cada vez mais dirigidas por valores culturais”. (TUAN, 1980, p.14). Existem diversos tipos de apreensão do espaço, diferentes agentes atuam correlacionados diretamente na forma de perceber o mundo. Cada ser absorve o lugar concernente às suas interpretações. A exemplo, segundo Tuan (1980, p.26), Em um mundo tão ricamente simbólico, os objetos e eventos assumem significados que para um estrangeiro podem parecer arbitrários. Para o nativo, as associações e as analogias estão na natureza das coisas e não necessitam justificação racional. (...) os significados de muitos símbolos são orientados pela cultura.
Jamais uma apreensão será igual a outra. A cultura é um forte personagem nesse cenário, influenciando diretamente a forma de perceber o espaço. Consoante com Tuan (1980, p.06) “Mas são mais variadas as maneiras como as pessoas percebem e avaliam a superfície. Duas pessoas não veem a mesma realidade. Nem dois grupos sociais fazem exatamente a mesma avaliação do meio ambiente. A própria visão científica está ligada à cultura – uma possível perspectiva entre muitas”. A percepção tem início através do contato visual. Dentre os cincos sentidos humanos, o primeiro a ser estimulado diariamente, normalmente, é a visão. “Dos cinco sentidos tradicionais, o homem depende mais conscientemente da visão do que dos demais sentidos para progredir no mundo. Ele é predominantemente visual” (TUAN, 1980, p.07). Em contrapartida, para viver o espaço circundante o homem necessita sentir de todas as formas, pois, somente deste modo, o homem se permite a experienciação. Segundo Tuan (1980, p.12), “Uma pessoa que simplesmente ‘vê’ é um espectador, um observador, alguém que não está envolvido com a cena. (...) Um ser humano percebe o mundo simultaneamente através de todos os sentidos”. 1.2.1 Afeto Ao se lançar ao mundo, o ser humano desenvolve laços afetivos com aquilo que o comove. “Todos os espaços de intimidade designam-se por uma atração. Reiteremos ainda uma vez que seu ser é bem-estar” (BACHELARD, 2008, p.31).
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Esta relação se personaliza em cada contato que o homem faz; com os objetos, com os animais, com outros seres humanos, com os lugares. Tudo com que o homem se relaciona afetuosamente se concretiza em um profundo vínculo de pertencimento. Tuan afirma que “Os pertences de uma pessoa são uma extensão de sua personalidade; ser privado deles é diminuir seu valor como ser humano, na sua própria estimação” (1980, p.114) (Figuras 0112). Atendo-se ao espaço, a conexão emergente da intimidade entre este e o homem é, como já mencionado anteriormente, singular, intensa, pessoal. “Mais permanentes e mais difíceis de expressar, são os sentimentos que temos para com o lugar, por ser o lar, o locus de reminiscências e o meio de se ganhar a vida” (TUAN, 1980, p.107, itálico do autor). E, tornase tão íntima, que convergem em imagens, lembranças exclusivas para cada ser a cada experiência sucedida. De acordo com Bachelard, em A Poética do Espaço, “(...) uma imagem sincera, uma imagem que é minha, tão minha como se eu mesmo a tivesse inventado” (2008, p.45). Tornando ao símbolo da casa para aludir à máxima expressão de intimidade entre o homem e seu espaço, é notória a sintonia de ambos. A casa pode ser entendida como a extensão corporal do homem, e promove aconchego, sentimentos como pertencimento, amor. “Mas a transposição para o humano ocorre de imediato, assim que encaramos a casa como um espaço de conforto e intimidade, como um espaço que deve condensar e defender a intimidade” (BACHELARD, 2008, p.64). A relação afetiva torna-se em tal intensidade intrínseca que a casa, e de forma paralela, o espaço envolvente do ser humano o acolhe, protege, “abraça”. Do inverno, a casa recebe reservas de intimidade, delicadezas de intimidade. No mundo fora da casa, a neve apaga os passos, embaralha os caminhos, abafa os ruídos, mascara as cores. Sente-se em ação uma negação cósmica pela brancura universal. O sonhador da casa sabe tudo isso, sente tudo isso, e pela diminuição do ser do mundo exterior sente um aumento de intensidade de todos os valores de intimidade. (BACHELARD, 2008, p.57).
Como supracitado, o homem habita todos os lugares em que vive, que se demora; desta forma, o espaço circundante, público ou privado, urbano ou residencial são moradas humanas, conferem relações afetuosas, se tornam “(...) manifestações (...) do amor humano por lugar ou topofilia” (TUAN, 1980, p.106).
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Figuras 01-06: Demonstrações de afeto com inserção de flores nos ambientes. Em sequência coluna da esquerda e depois a da direita: Poço da Panela, Verona, Poço da Panela, Bruxelas, Bruxelas e Barcelona. 30
Figuras 07-12: Demonstrações de afeto com inserção de flores nos ambientes. Em sequência coluna da esquerda e depois a da direita: Verona, Perúgia, Veneza, Roma, Roma e Cracóvia. 31
1.2.2 Proteção Em harmonia com o exposto anteriormente, a casa, e por consequência todo o espaço envolvente em que o ser humano vive, adquire conotação de proteção. O caráter protetor da casa advém tanto da estrutura física quanto psicológica que esta oferece. O sentimento de acolhimento, de abrigo, favorece o estabelecimento do ser humano perante o mundo (Figuras 13-18). Ela mantêm o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e alma. É o primeiro mundo do ser humano. Antes de ser ‘jogado no mundo’ (...) o homem é colocado no berço da casa. (...) A vida começa bem, começa fechada, protegida, agasalhada no regaço da casa (sic) (BACHELARD, 2008, p.26).
Estar inserido em um espaço envolvente, acolhedor confere ao homem um sentimento de segurança, e desencadeia os laços afetivos. A casa, como exímio exemplar de proteção ao homem, faz com que, conforme Bachelard (2008, p.56), “Sentimo-nos colocados no centro de proteção (...)”. É uma relação intimamente forte que permeia o campo psicológico do homem, atuando de forma positiva no crescimento do ser, despertando a experiência de ser amado. A casa, e ao utilizar este termo, compreende-se como representante do espaço envolvente do homem, muitas vezes assume, de forma figurada, características humanas conferidas pelo próprio morador, entrelaçando-se com o mesmo, tornando-se um. E a casa, contra esta matilha que pouco a pouco se desencadeia, torna-se o verdadeiro ser de uma humanidade pura, o ser que defende sem jamais ter a responsabilidade de atacar. (...) é a Resistência do homem. É valor humano, grandeza do Homem” (BACHELARD, 2008, p.61, itálico do autor).
Deste olhar, é possível fazer um paralelo ao observar que, assim como o homem e sua casa podem tornar-se um, assim pode suceder entre o homem e todo o espaço que o acolhe, que o protege, que o abraça. Em A Casa de Adão no Paraíso, Joseph Rykwert refere-se a respeito da cabana primitiva como a máxima expressão de proteção, intimidade, extensão humana além de seu corpo, “A cabana primitiva – o lar do primeiro homem (...) o retorno às origens (...)” (RYKWERT, 1981, p.218), também é verificado nos estudos de Bachelard a importância da cabana como sinônimo de proteção, abrigo, como refúgio humano em todos os seus patamares, físicos ou psicológicos. “Com a cabana, com a luz que vela no horizonte distante, acabamos de indicar 32
em sua forma mais simplificada a condensação de intimidade do refúgio” (BACHELARD, 2008, p.53). E o quão mais forte, mais intrínseca essa relação se concebe, maior é a unicidade entre o homem e o espaço que o envolve. “O refúgio contraiu-se. E, mais protetor, tornou-se exteriormente mais forte. De refúgio passou a reduto. A choupana transformou-se em fortaleza da coragem para o solitário que nela deve aprender a vencer o medo” (BACHELARD, 2008, p.62). A casa confere segurança contra as adversidades físicas ou psicológicas, naturais ou artificiais; imerso nela, o homem se abstém dos perigos no mundo afora, do mundo desconhecido, do mundo ao qual ele provém. “Ao invés de ser colocado em segurança dentro da casa que ele criou para si, ele vem do lado de fora, do ‘caminho da vida’, que também representa a tentativa do homem de ‘orientar’ a si mesmo no dado ambiente desconhecido” (SCHULZ, 1979, p.09, tradução nossa). É uma troca mútua, ao passo que o espaço envolvente confere abrigo ao ser humano, este adquire afeto pelo que o envolve, pelo que o abriga. Espaços significativos, concernentes à intimidade, que recebem atribuições positivas por parte dos usuários, sejam aqueles privativos ou públicos, carecem de um olhar defensor, que também os protejam prevalecendo sua existência através dos tempos. Uma relação solidificada pelas emoções, pelos sentimentos, onde penetram-se “(...) fixações de felicidade. Reconfortamo-nos ao reviver lembranças de proteção. Algo fechado deve guardar as lembranças, conservando-lhes seus valores de imagem”. (BACHELARD, 2008, p.25). O espaço circundante carregado de simbolismo protetor para o homem, promove uma relação sólida, uma identidade com o ser que o habita, fornece o sentimento de pertencimento ao lugar. De ordem paralela, a conexão da sociedade com o seu local de origem pode expressar essa força, essa identidade, e por consequência, fecundar o sentimento de pertencimento.
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Figuras 13-18: Ambiências entendidas como de acolhimento e proteção em sequência coluna da esquerda e depois a da direita: Milão, Veneza, Bruges, Roma, Verona e Verona.
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1.2.3 Pertencimento Ao se relacionar com o espaço, ao criar laços afetivos com o mesmo, ao se sentir protegido, o sentimento de pertencimento floresce no ser que habita o lugar, que se demora. São experiências e sentimentos envolvidos que embasam esse estágio na existência do homem, o seu pertencimento a algo. Ele se faz pertencer ao espaço e o mesmo o pertence. É uma íntima relação. O ser humano se sente inserido no contexto, o identifica como seu, torna-se parte. “Dir-se-ia que ela pode acolher-nos em todas as manhas de nossa vida para nos dar confiança na vida” (BACHELARD, 2008, p.69) (Figuras 19-30). Desde o nascimento, o homem tornar-se parte do todo, do mundo, pertence a ele. Ao longo do seu crescimento, essa relação com o espaço vai conformando-se numa troca perene, por vezes o homem influencia o espaço, por vezes o espaço influencia o homem, através de suas experiências. Uma posição idealista argumenta que o homem age sobre o mundo, que é organizado pela consciência humana; Uma visão realista assume que o mundo, que age sobre o homem, que é em grande parte o produto de forças fora de si no ambiente externo. Ambos os pontos de vista, porque assumem um dualismo pessoa-mundo, aceitam uma divisão entre pessoa e mundo. (...) a consciência e a experiência humanas necessariamente envolvem algum aspecto do mundo como seu objeto, que por sua vez fornece o contexto para o significado da experiência da consciência. (SEAMON, 1982, p.131, tradução nossa)
Esse caráter subjetivo da relação do homem com o seu espaço carrega fortes traços de pertencimento, e este sentimento, é um dos mais significativos na união, no fortalecimento e em sua perpetuação ao longo dos tempos pela conservação desses espaços. Devido ao fato desta pesquisa se nortear também pelo sentimento de pertencimento ao lugar como caminho para conservação do mesmo, nada mais coerente do que utilizar a fenomenologia como ferramenta de abordagem e análise do tema. O foco essencial da investigação fenomenológica, portanto, é a entidade indivisível de experienciador-experiente-experiência-ou-coisa. Concedido, a pessoa às vezes é mais ativa em sua relação com o mundo (como em um modo de intencionalidade cognitiva) e às vezes mais passiva (como nos comportamentos e rotinas habituais na intencionalidade do sujeito-corpo). Seja ativo ou passivo no caso particular, no entanto, o homem está imerso em seu mundo, incluindo o ambiente físico. (SEAMON, 1982, p.132, tradução nossa)
Essa relação de intimidade através da vivência do espaço, estabelece, em um olhar plural, uma memória coletiva, uma memória social, um apreço pelos espaços de origem, espaços que remontam suas histórias, suas gerações; concebe um patriotismo. “O patriotismo local 35
reside na experiência íntima do lugar e no sentido da fragilidade do que é bom: não há garantia de que dure, aquilo que amamos” (TUAN, 1980, p.116). É através dessa fragilidade, mencionada por Tuan, que o sentimento e interesse na conservação desses espaços para a preservação da atmosfera, da essência do lugar e, consequentemente, das memórias aflora. Ao reconhecer que o ser humano está inserido em seu meio envolvente, faz parte do mundo, analogamente faz com que o ser humano pertença ao lugar. Tanto em termos físicos quanto psicológicos. O homem é um ser terreno, pertence à terra. “‘Sobre essa terra’ já diz, no entanto, ‘sob o céu’. Ambos supõem conjuntamente ‘permanecer diante dos deuses’ e isso ‘em pertencendo à comunidade dos homens’. Os quatro: terra e céu, os divinos e os mortais, pertencem um ao outro numa unidade originária” (HEIDEGGER, 1954, p.03, itálico do autor). Ratificando o que já fora mencionado anteriormente ao longo deste capítulo, pertencer ao lugar significa demorar-se no meio, vivenciá-lo, experimentá-lo e adquiri-lo como parte intrínseca do ser; proporciona sentimentos aprazíveis, de afeto, de proteção, de apreço. O homem que se sente pertencente de seu espaço é um homem que vive em paz com o seu lugar. Que se resguarda no ambiente e o resguarda dentro de si. Vive a essência do lugar. E experienciar essa essência ratifica a importância do espaço; sua importância tanto para o ser que o experiencia quanto sua importância como espaço. Escutemos mais uma vez o dizer da linguagem: da mesma maneira que a antiga palavra bauen, o antigo saxão wuon, o gótico wunian significam permanecer, “de-morar-se”. O gótico wunian diz, porém, com clareza ainda maior, como se dá essa experiência desse permanecer. Wunian diz: ser e estar apaziguado, ser e permanecer em paz. A palavra Friede (paz) significa o livre, Freie, Frye, e fry diz: preservado do dano e da ameaça, preservado de ..., ou seja, resguardado. Libertar-se significa propriamente resguardar. Resguardar não é simplesmente não fazer nada com aquilo que se resguarda. Resguardar é, em sentido próprio, algo positivo e acontece quando deixamos alguma coisa entregue de antemão ao seu vigor de essência, quando devolvemos, de maneira própria, alguma coisa ao abrigo de sua essência, seguindo a correspondência com a palavra libertar (freien): libertar para a paz de um abrigo. Habitar, ser trazido à paz de um abrigo, diz: permanecer pacificado na liberdade de um pertencimento, resguardar cada coisa em sua essência. O traço fundamental do habitar é esse resguardo. O resguardo perpassa o habitar em toda a sua amplitude. Mostra-se tão logo nos dispomos a pensar que ser homem consiste em habitar e, isso, no sentido de um de-morar-se dos mortais sobre a terra. (HEIDEGGER, 1954, p.03, itálico do autor)
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Figuras 19-25: Cenas de pertencimento ao local. Em sequência coluna da esquerda e depois a da direita: Recife (Marco Zero), Poço da Panela, Milão, Varsóvia, Milão, São Paulo e Bruges.
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Figuras 26-30: Cenas de pertencimento ao local. Em sequência coluna da esquerda e depois a da direita: Poço da Panela, São Paulo, Breslávia, Rio de Janeiro e São Paulo.
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1.3 Importância do Espaço “O lugar é uma estrutura - uma rede de relações que marcam aspectos particulares da consciência e da experiência humana” (MERLEAU-PONTY, 1962, tradução nossa). O espaço configura um conjunto de sentimentos e sensações acessíveis ao viver do homem; por si só possui seu caráter, sua essência, que se torna tão vívida ao penetrar no ambiente, sensivelmente latente à experiência. Segundo Rossi (2001, p.147, itálico do autor) “(...) valor do ‘locus’, entendendo com isso aquela relação singular mais universal que existe entre certa situação local e as construções que se encontram naquele lugar”. Este trecho, extraído do livro A Arquitetura da Cidade, aborda o fato de cada lugar possuir sua essência. Essência esta, única perante os demais lugares do mundo, detentora de sua especificidade, amplitude, retrato de sua sociedade e legado de gerações. Tamanha riqueza necessita de zelo e preservação para a perpetuação da ambiência, da experiência ao adentrar seus espaços, dos sentimentos gerados ao vivê-los, do acolhimento, das memórias eternizadas. Consoante aos princípios discutidos acima a respeito da importância do espaço como vivência, experiência, envolvimento, Norberg-Schulz retrata bem essa ideia em seu livro Genius Loci, Towards a Phenomenology of Architecture, quando afirma: Um termo concreto para o ambiente é lugar. É um uso comum dizer que atos e ocorrências ocorrem. (...) O lugar é, evidentemente, parte integrante da existência. O que, então, queremos dizer com a palavra “lugar”? Obviamente queremos dizer algo mais do que uma localização abstrata. Queremos dizer uma totalidade feita de coisas concretas com substância material, forma, textura e cor. Juntas, essas coisas determinam um “caráter ambiental”, que é a essência do lugar. Em geral o lugar é dado como tal um caráter ou “atmosfera”. Um lugar é, portanto, um fenômeno qualitativo, “total”, que não podemos reduzir a nenhuma de suas propriedades, tais relações espaciais, sem perder sua natureza concreta fora da vista. (SCHULZ, 1979, p.07, tradução nossa)
Todo lugar reflete um estado de ser; carrega uma intimidade única a qual confere experiências particulares a cada indivíduo. Se tornam um conjunto de imagens, lembranças, memórias que corroboram com a essência. Os espaços são “centros de condensação de intimidade em que se acumula o devaneio” (BACHELARD, 2008, p.47). Cada lugar possui em si, como já foi mencionado anteriormente, uma singular essência, características intrínsecas que concebem o ambiente, o torna existente.
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Experienciar um lugar proporciona sentimentos, sensações diversas correlacionadas ao meio envolvente. São fatores culturais, sociais, individuais que garantirão uma vivência exclusiva para cada ser. O espaço absorve tais características e o expressa em seu ambiente, em sua atmosfera. “Claramente, o lugar tem uma base geográfica e arquitetônica particular; é um contexto de atividades; geralmente tem uma identidade cognitiva; envolve vários mundos sociais; tem uma história que une passado, presente e futuro” (SEAMON, 1982, p.133). Cada espaço provê o próprio microcosmo, campo fértil para vivência e ação do homem. E esta possibilidade advém de todo lugar que o homem possa habitar, se demorar, ser. “A cidade, o templo, ou mesmo as habitações podem se tornar (...) um microcosmo capaz de exercer uma influência benéfica sobre os seres humanos que entram no lugar ou que aí vivem” (TUAN, 1980, p.20). Se cada espaço possui uma essência, é de fundamental importância a permanência de determinados gêneros dentro do âmbito da cidade, para garantir a possibilidade de senti-los através do contato, do estar, da vivência. Este é um importante critério ao debruçar o olhar à malha urbana. O desenvolvimento e a evolução das cidades são irrevogáveis e benéficos, tanto para a qualidade de vida dos cidadãos quanto para a própria fortificação das cidades como espaço urbano, de vivência, detentor da história, da cultura de seu povo. Todavia, o crescimento das cidades fez com que elas deixassem de ser um conjunto harmônico de seus diferentes espaços, cada qual com sua atmosfera, promovendo distintas percepções, emoções e memórias. A experiência cotidiana, além disso, nos diz que diferentes ações precisam de ambientes diferentes para acontecer de forma satisfatória. Como consequência cidades e casas consistem de uma multidão de lugares particulares. Este fato é naturalmente levado em consideração pela teoria atual de planejamento e arquitetura, mas até agora o problema tem sido tratado de uma forma muito abstrata. “Tomar lugar” é geralmente entendido num sentido quantitativo, “funcional”, com implicações tais como distribuição espacial e dimensionamento. Mas não são “funções” inter-humanas e similares em todos os lugares? Evidentemente não. Funções “semelhantes”, mesmo as mais básicas, como dormir e comer, ocorrem de formas muito diferentes, e demandam lugares com tradições culturais diferentes e condições ambientais diferentes. A abordagem funcional, portanto, deixou de lado o lugar como um “aqui” concreto com sua identidade particular. (SCHULZ, 1979, p.07, tradução nossa)
O espaço mundano é o cenário onde o ser humano tem a capacidade de explorar e vivenciar através de seu relacionamento. Descobrir e entender a forma como o mundo se expõe para o homem é uma das inquietações mais antigas. A importância do espaço para o ser humano é existencial; ele vive no espaço, se orienta, se desenvolve, se enraíza, faz parte do todo. 40
Assim como fora explanado anteriormente, o homem faz parte de uma quadratura existencial do lugar, o divino, o mortal, o céu e a terra. Todos unidos conformando um só ser. O espaço é crucial para o entendimento do homem sobre a terra. Para viver no Mundo é preciso fundá-lo – e nenhum mundo pode nascer no ‘caos’ da homogeneidade e da relatividade do espaço profano. A descoberta ou projeção de um ponto fixo – o ‘Centro’ – equivale à Criação do Mundo, e não tardaremos a citar exemplos que mostrarão, de maneira absolutamente clara, o valor cosmogônico da orientação ritual e da construção do espaço sagrado. (ELIADE, 2010, p.26)
Em busca de uma conscientização no mundo em que habita, o entendimento e a orientação no espaço, independente de qual viés conceitual derive é imprescindível. A forma como o ser humano enxerga e atua no lugar em que vive percorre uma vertente sacra; o espaço confere subsídios para a existência do homem e a possibilidade de entenderse no mundo e entender o meio ao qual habita. É preciso acrescentar que uma tal experiência profana jamais se encontra no estado puro. Seja qual for o grau de dessacralização do mundo a que tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o comportamento religioso. (...) até a experiência mais dessacralizada conserva ainda traços de uma valorização religiosa no mundo. (ELIADE, 2010, p.27)
A forma como o homem se relaciona com o espaço circundante é semelhante à forma como ele se envolve com a sua moradia. A importância do espaço para o ser humano é irrevogável; em toda a sua vivência há um habitar. “Uma função ritual análoga é transferida para o limiar das habitações humanas, e é por essa razão que este último goza de tanta importância” (ELIADE, 2010, p.29). A cosmicidade revelada no mundo para o homem segue retratada de algum modo em sua habitação. “(...) na própria estrutura da habitação revela-se o simbolismo cósmico” (ELIADE, 2010, p.51, itálico do autor). O espaço em toda a sua completude é primordial para a existência do homem; seja sua moradia, seja seu bairro, seja seu local de trabalho; onde quer que o ser humano possa vivenciar, ali há um habitar. O espaço é onde o homem experiencia o seu habitar.
*** O amor concebido entre a relação do homem com o espaço sintetiza essa importância deste para aquele. “A topofilia não é uma emoção humana mais forte. Quando é irresistível, 41
podemos estar certos de que o lugar ou meio ambiente é o veículo de acontecimentos emocionalmente fortes ou é percebido como um símbolo” (TUAN, 1980, p.107). Identificar e reconhecer a relação afetiva entre o ser humano e seu lugar de origem faz-se fundamental para compreender o valor dos espaços em sua essência e para os seus residentes. Comportar as memórias afetivas, os momentos, as experiências, os sentimentos, está intrínseco aos ambientes históricos e ratifica a necessidade da cautela e da integração da população envolvida com o espaço, por meio do vínculo afetivo existente, no auxílio da conservação dos mesmos.
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02 │Conservação e Intimidade 2.1 Distintos Olhares sobre o Espaço Urbano Histórico “A natureza deu a matéria-prima, e os seres humanos a mudaram e enriqueceram ao longo da história” (WE ARE THE LANDSCAPE, 2009, p.04, tradução nossa). O ambiente vivido, explorado é um conjunto de traços de diferentes gêneros conformados no mesmo espaço. Aspectos naturais - provenientes do meio ambiente natural - e aspectos construídos concernentes ao viver do ser humano ao longo de sua existência - aliados à experienciação do lugar ao longo de diferentes tempos e culturas consolidam o ambiente. Cada um destes vieses conferem uma ambiência distinta, conformando uma atmosfera única intrínseca ao lugar. O meio ambiente artificial (...) é um resultado dos processos mentais – de modo semelhante, mitos, fábulas, taxonomias e ciência. Todas essas realizações podem ser vistas como casulos que os seres humanos teceram para se sentirem confortáveis na natureza. Estamos bem conscientes de que os povos, em diferentes épocas e lugares, construíram seus mundos de maneira muito diferente. (TUAN, 1980, p.15)
O espaço experienciado pelo ser humano, sentido, atuado pelo mesmo, é um cenário sintetizado por uma combinação de todos os seus elementos, é uma paisagem. Cada paisagem emite a sua própria essência, e propicia uma experiência exclusiva ao ser que a experimenta. Segundo o texto We are the Landscape, paisagem é Grosseiramente uma grande área formada por fatores naturais (como montanhas, rios, árvores) e fatores humanos (como fábricas, monumentos históricos). Portanto, é uma realidade física que podemos tocar e caminhar. É a aparência de uma área com todos os elementos que a natureza criou e alterou e que o homem moldou e transformou. Mas, ao mesmo tempo, para cada um de nós a paisagem é também a emoção que desperta (seja colinas florescentes, uma praia, uma praça com uma igreja antiga ou um bairro antigo), um sentimento que faz parte dessa paisagem. (WE ARE THE LANDSCAPE, 2009, p.17, tradução nossa)
Diversas são as paisagens encontradas em um mesmo meio urbano. Assim como já foi escrito anteriormente, conservar a pluralidade dos ambientes urbanos fortalece os enlaces da sociedade com o espaço e é salutar para a existência e vivência da cidade. A paisagem de um meio também possui em sua composição a experiência do ser humano, tornando cada lugar um momento único. De modo coletivo, a paisagem urbana revela o espírito de cada geração de sua sociedade e, por sua consequência, reconta a alma e a história de outros tempos em seus espaços por meio de seu patrimônio arquitetônico e urbano. 46
O patrimônio arquitetônico é um capital espiritual, cultural, econômico e social cujos valores são insubstituíveis. Cada geração dá uma interpretação diferente do passado e dele extrai novas ideias. Qualquer diminuição desse capital, portanto, é mais um empobrecimento cuja perda em valores acumulados não pode ser compensada, mesmo por criações de alta qualidade. [Manifesto de Amsterdã – Carta Europeia (1975), in CURY, 2000, p.213].
O patrimônio histórico “É uma parte essencial da memória dos homens de hoje em dia e se não for possível transmiti-la às gerações futuras na sua riqueza autêntica e em sua diversidade, a humanidade seria amputada de uma parte da consciência de sua própria continuidade” [Manifesto de Amsterdã – Carta Europeia (1975), in CURY, 2000, p.213]. O patrimônio histórico testemunha a existência de gerações de sua sociedade, fortalecendo a união e o pertencimento ao lugar e a essência cultural de seu povo para todos os que adentrarem seus espaços. Este patrimônio é concebido em grande parte por sua arquitetura, refletora de um momento vivido pelo homem. “O patrimônio arquitetônico dá testemunho da presença da história e de sua importância em nossa vida” [Manifesto de Amsterdã – Carta Europeia (1975), in CURY, 2000, p.213]. Espraiada por entre os caminhos urbanos de bairros históricos, a memória coletiva exalta a essência de sua população, a identidade de seus moradores, e encontra-se acessível a todos que visitam. Configura-se parte vital para o pertencimento da sociedade em seu lugar de origem. Entretanto, conservar apenas o elemento arquitetônico em desarmonia com o seu contexto não pressupõe a conservação da essência do lugar, posto que a atmosfera sentida em um ambiente é composta por distintos fatores fundamentais e insubstituíveis no espaço entrelaçados em um todo. Faz-se preciso resguardar todos os elementos característicos do ambiente. Conserva-los é uma ferramenta primordial para perpetuar a essência do lugar. Durante muito tempo só se protegeram e restauraram os monumentos mais importantes, sem levar em conta o ambiente em que se inserem. Ora, eles podem perder uma grande parte de seu caráter se esse ambiente é alterado. Por outro lado, os conjuntos, mesmo que não disponham de edificações excepcionais, podem oferecer uma qualidade de atmosfera produzida por obras de arte diversas articuladas. É preciso conservar tanto esses conjuntos quanto aqueles. [Manifesto de Amsterdã – Carta Europeia (1975), in CURY, 2000, p.212].
Preservar os bairros históricos permite a oportunidade da continuação da vitalidade histórica da cidade e de seu povo. Essa conservação da atmosfera é substancial para a relação do homem com o seu lugar e seu sentimento de pertencimento. É uma expressão identitária 47
coletiva arraigada de emoções que transmite segurança aos pertencentes em face as transformações do tempo. “Sabe-se que a preservação da continuidade histórica do ambiente é essencial para a manutenção ou a criação de um modo de vida que permita ao homem encontrar sua identidade e experimentar um sentimento de segurança face às mudanças brutais da sociedade (...)” [Declaração de Amsterdã (1975), in CURY, 2000, p.202]. Relativizar a importância dos espaços urbanos para os usuários, investigar a relevância e necessidade desses espaços, os valores intrínsecos ao meio, a força da atmosfera dos lugares no ser humano, permeando os âmbitos arquitetônicos, urbanísticos, paisagísticos, caracteriza a significação cultural concernente à sua sociedade experienciadora. Segundo a Carta de Burra (2013) a expressão significação cultural designará o valor “estético, histórico, científico, social ou valor espiritual para as gerações passadas, presentes ou futuras. ” (ICOMOS, 2013, tradução nossa). A atuação da sociedade na caracterização da significação cultural dos espaços urbanos é de extremo valor pois, o relacionamento entre ambos condiciona a apreciação e desencadeia as emoções. As imagens da paisagem e sua atmosfera encontram-se intimamente relacionadas com o crescimento e afirmação de seus usuários. “Ora, a imagem e o contato direto adquirem novamente uma importância decisiva na formação dos homens. Importa, portanto, conservar vivos os testemunhos de todas as épocas e de todas as experimentações” [Manifesto de Amsterdã – Carta Europeia (1975), in CURY, 2000, p.214]. Desta forma, torna-se essencial a conservação de todos os elementos da paisagem que possuam significação cultural para a sua sociedade, com o intento de preservar e perpetuar a cultura e a identidade de sua população e possibilitar a vivência da essência dos lugares pelas gerações futuras. De acordo com a Carta de Burra (2013) a “Conservação significa todos os processos de cuidar de um lugar para que se mantenha o seu significado cultural ” (ICOMOS, 2013, itálico do autor, tradução nossa) Ao trabalhar com a significância cultural da população perante um bem, faz-se necessária a apreensão de todos os desígnios para a sua conservação, apropriando-se das interpretações, dos anseios, das valorações, conformando uma malha de predicados valorosos para intentar medidas conservativas. O Artigo 5º da Carta de Burra (2013) estabelece que “A conservação de um local deve identificar e considerar todos os aspectos de importância cultural e natural sem ênfase injustificada em qualquer valor à custa de outros” (ICOMOS, 2013, tradução nossa). 48
Com base no artigo supracitado, serão firmadas medidas a contemplar o bem, conforme conclusões embasadas nos levantamentos da significação cultural. Este raciocínio está em consonância com o Artigo 6º da Carta de Burra (2013) que diz que “A política de gerenciamento de um lugar deve ser embasada em um entendimento do seu significado cultural” (ICOMOS, 2013, tradução nossa). Isto posto, os pesquisadores, planejadores, especialistas e os próprios cidadãos envolvidos necessitam construir um diálogo benéfico para o objeto de análise, a fins conservativos da essência do bem e perpetuação para as futuras gerações. Mas a conservação do patrimônio arquitetônico não deve ser tarefa dos especialistas. O apoio da opinião pública é essencial. A população deve, baseada em informações objetivas e completas, participar realmente, desde a elaboração dos inventários até a tomada das decisões. [Declaração de Amsterdã (1975), in CURY, 2000, p.203]
A relação do homem com o seu espaço posiciona-se num fundamental patamar em serviço da conservação. A Declaração de Amsterdã (1975) indica que o patrimônio arquitetônico sucumbirá caso não seja apreciado pelos seus usuários da atualidade e das futuras gerações. Conforme a Carta de Burra (2013) infere, a união dos agentes envolvidos no meio urbano histórico, seja por uma vertente objetiva e profissional, seja por uma vertente subjetiva e leiga, em benefício da preservação do espaço histórico, caracteriza a Conservação Integrada. A vista da continuidade histórica e vitalidade urbana das cidades, a conservação dos meios urbanos históricos, incluindo seu patrimônio arquitetônico, deve ser encarada não somente como ações pontuais, mas também como ações mais amplas e permanentes na esfera do planejamento urbano. A Declaração de Amsterdã (1975) propõe que a conservação do patrimônio arquitetônico seja o objetivo maior da política de planejamento urbano. Considerar a relação afetiva dos moradores de uma cidade a fins conservativos torna-se um dos pontos mais importantes de uma política de Conservação Integrada de uma determinada área ou bairro. Uma conservação que envolve distintos atores em seu âmbito em favor da perpetuação de sua essência para o futuro. “A conservação integrada conclama à responsabilidade os poderes locais e apela para a participação dos cidadãos” [Declaração de Amsterdã (1975), in CURY, 2000, p.204].
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2.2 Conservação e Memória “Os fatos tiveram o valor que lhes dá a memória? A memória distante não se lembra deles senão dando-lhes um valor, uma auréola de felicidade. Apagado o valor, os fatos já não se sustentam” (BACHELARD, 2008, p.72). Para os cidadãos envolvidos em um determinado contexto urbano histórico, a memória torna-se um importante condicionador. É através da vivência que o ser humano confere valor ao lugar e este torna-se inesquecível. No âmbito da conservação integrada, citada anteriormente, é de cunho primordial essa relação do homem com o seu espaço para o florescimento da significação cultural e o sentimento de pertencimento. Reforça a relevância do morador e suas memórias afetivas na conservação dos espaços, na perpetuação da essência dos lugares na evolução da cidade. A memória pode ser apreendida como “(...) uma união da lembrança com a imagem” (BACHELARD, 2008, p.25). Por entre os meandros dos espaços, as memórias, a história e o tempo eternizam-se e o ser humano pode a cada adentrar experienciar uma vez mais suas lembranças, sua vivência. “Em seus mil alvéolos, o espaço retém o tempo comprimido. É essa a função do espaço” (BACHELARD, 2008, p.28). Com o passar dos anos, a ação do tempo e a inconstância da vida humana distanciam diversas memórias do cotidiano. Impele-se através do espaço o reavivamento dessas lembranças, esse caráter pertencente do homem em seu meio de origem. “Aqui o espaço é tudo, pois o tempo já não anima a memória. (...) as lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quanto mais bem especializadas” (BACHELARD, 2008, p.28 e 29). Os bairros históricos adquirem conotação de intimidade por parte de seus citadinos, tornamse espaços íntimos, tão fortes e inerentes ao ser humano. Esses espaços designam atemporais, perpetuando suas essências ao longo da evolução das cidades. “Mais urgente que a determinação das datas é, para o conhecimento da intimidade, a localização nos espaços da nossa intimidade” (BACHELARD, 2008, p.29) (Figuras 31-38). A memória carrega em si toda uma espacialidade, uma atmosfera intocável, intangível, a qual toda vez que o homem necessitar, encontrará em sua extensão mais profunda, em seu íntimo. “Seu ser se reconstitui a partir de sua intimidade, na doçura e na imprecisão da vida interior. Parece que algo fluido reúne as nossas lembranças. Fundimo-nos nesse fluido do passado” (BACHELARD, 2008, p.71). 50
Figuras 31-38: Vivência em espaços históricos. Em sequência coluna da esquerda e depois a direita: Poço da Panela, Cracóvia, Verona, Bruges, Monza, Poço da Panela, Milão e Verona. 51
A memória possui um caráter específico e quanto mais intrínseca ao homem, mais exclusiva ela se conforma. Mesmo diante da coletividade, a memória se individualiza, e jamais um ser deterá as mesmas lembranças de outro, conforme afirma Bachelard: “Só eu, em minhas lembranças de outro século, posso abrir o armário profundo que guarda ainda, só para mim, o cheiro único, o cheiro das uvas que secam na grade” (2008, p.32 e 33). São as características similares provenientes da relação dos homens atreladas ao seu espaço originador que concebe a memória coletiva. As lembranças caracterizam-se arraigadas no ser humano, o alimenta e são alimentadas por ele, em uma mútua relação. Originam-se da vivência do homem no espaço e permanecem vivas através da essência do homem. Retornam a vida a cada nova experiência do ser em seu espaço criador. “Em nós elas insistem em viver, como se esperassem de nós um suplemento de ser. (...) Como nossas velhas lembranças têm subitamente uma viva possibilidade de ser!” (BACHELARD, 2008, p.70). As imagens da cidade tornam-se mais íntimas e vivas quando adquirem afeição por parte de seus usuários. Convertem-se em lembranças. “A apreciação da paisagem é mais pessoal e duradoura quando está mesclada com lembranças de incidentes humanos” (TUAN, 1980, p.110). As paisagens históricas, por sua vez, exprimem uma atmosfera particular, recontam tempos de outrora por entre seus espaços e proporcionam uma experiência singular ao ser que penetra. “O contexto do patrimônio gera memórias específicas” (WELLS, 2011a, p.16, tradução nossa). Ao vivenciar espaços históricos não somente as memórias afloram, como também a imaginação recebe uma posição de destaque. Penetrar ambientes antigos, arraigados de simbolismos, ativa a criatividade, liberta a imaginação, sonhos, desejos. Promove uma relação afetiva do ser com o espaço. Ambientes históricos realçam a fertilidade e beleza da mente e dos sentimentos, atingindo níveis íntimos do ser humano. Lugares históricos em particular são propensos a despertar um sentimento de nostalgia - uma arte criativa e imaginativa - que é muitas vezes construído sobre um passado que nunca realmente existiu, especialmente quando fatos objetivos sobre o passado não estão disponíveis. (Casey, 1987, apud, WELLS, 2011a, p.04, tradução nossa).
2.3 Implicações da Vivência dos Bairros Históricos nos Usuários Conforme citado anteriormente, ao vivenciar um bairro histórico o ser humano, pertencente ou não àquele ambiente, pode experienciar o fluir da imaginação. Espaços históricos conduzem à um despertar da criatividade através de sua atmosfera lúdica e plural. Ao 52
encontrar-se em paisagens históricas, sua essência remonta tempos antigos que propicia ao ser humano sonhar sobre outras épocas naquele local (Figuras 39-50). Muitas pessoas gostam de lugares históricos urbanos por causa de sua capacidade de catalisar a nossa imaginação; Sentado em um café de rua em Paris, por exemplo, é difícil não ter um pensamento sobre a Paris que Vincent Van Gogh experimentou no século XIX. A chave para essa experiência é que as imagens em nossa mente só têm uma conexão tangencial com um passado real ou genuíno. (WELLS, 2011a, p.12, tradução nossa)
Essa experiência torna-se possível devido à permanência da atmosfera de lugares antigos ao longo do tempo. A liberdade da imaginação, o fluir da criatividade, os devaneios proporcionados são uma das consequências da vivência nos bairros históricos pelo ser humano. Lançar-se em uma irrealidade propagada pelo sonho, pela fantasia é inerente ao homem que desbrava um espaço antigo. “(...) uma irrealidade impregna os lugares e os tempos dos espaços históricos” (BACHELARD, 2008, p.71). De modo paralelo ao espaço íntimo da casa, estudada por Bachelard em A Poética do Espaço, o espaço urbano nesta presente pesquisa “(...) abriga o devaneio, (...) protege o sonhador, (...)permite sonhar em paz. (...) ao devaneio pertencem valores que marcam o homem em sua profundidade” (BACHELARD, 2008, p.26). Para experienciar esse estado imaginativo, sonhador, e fincar laços afetivos com o lugar, o homem não precisa necessariamente ter domínio acerca dos reais acontecimentos que ocorreram no passado. “Conhecer a história ‘real’ de um lugar e se os edifícios são autênticos ou não, não é necessário para se apegar a ele” (WELLS, 2011a, p.13, tradução nossa). Em contraposição, seria mais relevante a relativa ignorância perante os verdadeiros fatos para propiciação de uma íntima descoberta ao penetrar o espaço. “Na verdade, saber muito sobre a história objetiva de um lugar pode arruinar o sentido de descobri-lo pela primeira vez” (BELL, 1999, p.93, tradução nossa). Os lugares históricos “agem como pontos focais para imaginar criativamente as ações dos antepassados” (HARRISON, 2004, p.204, tradução nossa). Essa vivência do devaneio, do sonho, da fantasia permitida pela essência dos ambientes tradicionais, foi denominada por Jeremy Wells como Spontaneous Fantasy, ou seja, fantasia espontânea, e significa “histórias enraizadas em lugares particulares catalisadas pela aparência física de objetos em paisagens” (WELLS, 2011a, p.12, tradução nossa).
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Figuras 39-44: Espaços históricos pertinentes à fantasia. Em sequência coluna da esquerda e depois a da direita: Veneza, Roma, Verona, Verona, Poço da Panela, Roma..
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Figuras 44-50: Espaços históricos pertinentes à fantasia. Em sequência coluna da esquerda e depois a da direita: Milão, Verona, Bruges, Poço da Panela, Cracóvia, Poço da Panela.
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Não se faz necessário o pré-conhecimento da história do lugar para experienciar a fantasia espontânea; contrariamente, quão mais livre e neutra for a mente do ser que viver o espaço histórico, mais fluida e rica será sua imaginação. Uma experiência desconexa com a realidade, com a lógica, propagando a expansão da criatividade. “Em vez de criar uma história precisa e objetiva do passado, a fantasia espontânea envolve a criação de memórias e significados que nunca existiram anteriormente” (WELLS, 2011a, p.15, tradução nossa, itálico nosso). Esse tipo de devaneio ocorre, segundo Wells, de maneira simples e natural. Diverge da fantasia premeditada, pois, ao passo em que aquela flui espontaneamente, sem conexão com quaisquer subsídios externos, apenas a imaginação do ser experienciador do momento, essa emerge por meio de determinadas conhecimentos adquiridos previamente, fatores externos que possam conduzir essa narrativa mental. É importante diferenciar a fantasia espontânea da fantasia premeditada. No segundo, a cognição e os processos de pensamento de ordem superior entram em jogo ao criar uma narrativa. No primeiro, no entanto, a narrativa simplesmente aparece sem esforço significativo por parte do indivíduo afetado. Essas fantasias espontâneas parecem surgir inconscientemente e automaticamente e, como tal, pode ser difícil, se não impossível, reprimir a formação dessas narrativas imaginativas sobre o passado. (WELLS, 2011a, p.13, tradução nossa)
Essa ativação da fantasia espontânea no homem ao vivenciar espaços históricos é decorrente da essência dos ambientes antigos ainda presente no patrimônio arquitetônico e urbano. Esses ambientes provem por meio da existência de um meio natural e sua união com a vivência do ser humano, desencadeadora de modificações, construções, evolução. Os espaços urbanos históricos comprimem em sua atmosfera a pluralidade da imaginação, através da existência do espaço físico preservado, e, a cultura de cada indivíduo desencadeia a interpretação e a intimidade com o lugar. Assim, não são paisagens naturais nem culturais que produzem fantasia espontânea, mas sim a combinação de ambas através da manifestação da pátina. Sem a natureza, a pátina não se formaria e sem cultura, não haveria os atos interpretativos necessários para inventar novos significados a partir dos quais gera-se o apego. (WELLS, 2011a, p.15, tradução nossa)
Outra implicação na vivência do homem que percorre os espaços históricos advém da memória, temática abordada anteriormente. Segundo Le Goff, “(...) a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas(...)” (2006, p.469).
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Através das diversas nuances e experiências proporcionadas pela memória em um morador, o sentimento de pertencimento floresce em seu íntimo. “A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia” (LE GOFF, 2006, p.469, itálico do autor). Pertencer ao lugar, ter sua origem, sua identidade fincada, exposta e perpetuada em seu espaço é um dos laços mais íntimos e firmes que o homem pode experienciar. A memória torna-se um elemento condicionador de fundamental importância para a conservação. Ao conservar os ambientes históricos sua atmosfera plural permanece e proporciona um convite aos seus residentes a explorar, viver e sentir parte do espaço. “Toda grande imagem tem um fundo onírico insondável e é sobre esse fundo onírico que o passado pessoal coloca cores particulares” (BACHELARD, 2008, p.50). Todas as duas implicações explicitadas ao longo deste tópico provem de uma mesma essência, os sentimentos concebidos da relação do ser humano com o espaço. Por meio dos laços afetivos firmados através da vivência no lugar, de sua intimidade, o homem desenvolve sentimentos e emoções pertinentes ao local e duradouros. “As pessoas experimentam a idade física dos lugares no ponto em que a percepção se funde em sentimentos que resultam de estar e experimentar o ambiente histórico” (WELLS, 2011a, p.04, tradução nossa). A conservação dos espaços históricos, perpetuando sua atmosfera, sua autenticidade, convoca uma proximidade das pessoas com o lugar, pela curiosidade, pela criatividade, pela história, pelo devaneio ou por tantos outros motivos. Essa aproximação confere um apego emocional inerente ao homem, e este é o principal significado desta relação. Na verdade, descobri que a presença da pátina parece ser essencial não só para permitir que as pessoas determinem a idade autêntica de um lugar, mas também para evocar um apego emocional aos lugares históricos. (...) porque a experiência é emocional, resulta em um maior apego aos lugares históricos. (WELLS, 2015, p.8, tradução nossa)
Isto porquê ao penetrar e viver espaços antigos, que retêm em seus percursos a história de várias gerações e/ou as memórias de seus indivíduos, o homem alcança um universo único, pessoal, derivado do universo “real”, palpável a todos, o qual pode tornar sempre que visitar esses espaços. Desta forma, a vivência dos espaços antigos proporciona sentimentos intrínsecos ao homem, fornece uma relação de significados e símbolos, individuais ou coletivos, que perpetuará na atmosfera desses lugares e na existência dos homens. “Assim o símbolo, um produto cultural 57
supraôrganico, está intimamente ligado às experiências orgânicas corporais (...)” (TUAN, 1980, p.29). Como define Tuan (1980, p.115) “A história é responsável pelo amor à terra natal”. 2.4 Defesa da Conservação dos Bairros Históricos pelas Experiências dos Usuários Comumente a conservação dos espaços históricos ocorre através de análises de especialistas e profissionais da área, experts, que conduzem a valoração e os critérios de conservação por meio de uma ótica objetiva do patrimônio, o conhecimento histórico da fabricação do edifício, da cidade, o emprego da pedra e cal, ou seja, aspectos físicos, históricos, mensuráveis. Guiada pela doutrina da conservação do patrimônio, a prática profissional e acadêmica da preservação histórica centra-se na objetivação da história, ao mesmo tempo em que aborda tangencialmente o papel do patrimônio na definição do significado histórico. Quanto mais objetiva for a história, maior será o grau de suposta importância histórica. (WELLS, 2011a, p.13, tradução nossa)
De fato, é imprescindível a necessidade de profissionais competentes na caracterização dos valores objetivos e importância dos espaços históricos para fins conservativos; é de cunho primordial a catalogação e apresentação desses valores. Entretanto, caracteriza-se necessária também a fundamental relevância dos aspectos subjetivos do espaço histórico, ou seja, as experiências proporcionadas, consequentes emoções e sentimentos, provenientes da participação dos usuários envolvidos com o lugar. Porque a exploração das questões socioculturais envolvidas na conservação dos lugares históricos depende da compreensão dos comportamentos e percepções das pessoas, a profundidade do significado é essencial. (WELLS, 2015, p.05, tradução nossa)
Assim, fazer uso do prisma subjetivo dos espaços históricos para auxiliá-los em sua conservação é de substancial significância, porém, é preciso trabalhar com esses dados de forma coerente, atribuindo valores de interpretações e significados ao espaço, e não buscando entender os motivos para tais valorações. “Como com qualquer ferramenta, as pesquisas podem ser bastante úteis e eficazes no contexto certo, mas eles são uma má escolha para tentar discernir as razões para os valores das pessoas, percepções e comportamento” (WELLS, 2015, p.05, tradução nossa). Conservar torna-se, portanto, um processo que ultrapassa as discussões referentes às preferências de metodologia de análise, conformando-se complexa em tal nível que requer a união de todos os mecanismos para um melhor e mais eficaz resultado. Todos esses 58
dispositivos devem convergir para a conservação da atmosfera do lugar, sua essência, atrelados a autenticidade de seus espaços. “A conservação do patrimônio construído deve centrar-se na conservação do espírito de lugar, no sentido do lugar e no apego do lugar e na relação destes conceitos com a autenticidade” (WELLS, 2015, p.17, tradução nossa). Para interpretar e utilizar as experiências pessoais nos espaços como método conservativo, existe uma vertente da ciência social para as relações do homem com o ambiente, a pesquisa de comportamento ambiental. Segundo Wells tal pesquisa faz: O uso de uma ampla variedade de metodologias de pesquisa em ciências sociais para entender como as pessoas valorizam e se comportam em certos ambientes naturais, culturais e projetados. Estudos de ambientecomportamento analisam como os ambientes mudam ou influenciam o comportamento humano, bem como como as pessoas valorizam e percebem os ambientes. (2011b, p.01, tradução nossa)
O trabalho desse tipo de pesquisa abrange a percepção do ser humano em seu espaço, a emoção aflorada ao vivenciá-los, e as diversas interpretações e significados do espaço produzidas pelo indivíduo. O fato é que o nosso estado de espírito também pode influenciar a imagem que construímos de um lugar. Isso é o que chamamos de “perceber”: na prática, a compreensão através da ajuda de nossos sentidos. A emoção por menor ou maior que seja - é a centelha que nos faz olhar as coisas de uma maneira diferente, com maior atenção. (WE ARE THE LANDSCAPE, 2009, p.10, tradução nossa)
Perceber os espaços ao redor, senti-los, vivê-los configura a experienciação do homem no espaço. Propicia emoções e sentimentos, e são esses, grandes responsáveis pela valoração de um ambiente. “A emoção é (...) este processo que nos permite reconhecer o mundo e atribuir um valor a ele” (WE ARE THE LANDSCAPE, 2009, p.11, tradução nossa). Ela está conectada com a vivência do lugar e as consequentes descobertas, lembranças que se consolidam com o tempo. Existe, por exemplo, locais privilegiados, qualitativamente diferentes dos outros: a paisagem natal ou os sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude. Todos esses locais guardam, mesmo para o homem mais francamente não-religioso, uma qualidade excepcional, ‘única’: são os lugares sagrados do seu universo privado, como se neles um ser não-religioso tivesse tido a revelação de outra realidade, diferente daquela de que participa em sua existência cotidiana. (ELIADE, 2010, p.28, itálico do autor)
O viver do homem no espaço pode contribuir para o reforço na valoração do ambiente. As experiências vividas no lugar engrandecem ainda mais a genuinidade do local, contribuem para a autenticidade histórica ao experienciar lugares preservados impregnados do passado. 59
“A autenticidade também está relacionada com as experiências; A capacidade dos visitantes de locais históricos para participar em ‘performances’ do passado pode aumentar o sentido geral de autenticidade histórica” (WELLS, 2015, p.10, tradução nossa). Esse viver é experimentado através do somatório de informações adquiridas ao longo dos anos de cada indivíduo, pessoais ou coletivas, sentimentos e cultura. “(...) a interpretação da paisagem depende grandemente da cultura de um país e do período histórico que atravessa uma sociedade” (WE ARE THE LANDSCAPE, 2009, p.11, tradução nossa). Experienciar a paisagem reflete uma das condições mais inerente do ser humano. Segundo o texto We Are the Landscape (2009, p.11, tradução nossa) “a paisagem existe apenas no momento em que é observada e vivida”. As vivências nos lugares possuem um significado ímpar para o cidadão que os experimenta. Conforme Bachelard (2008, p.93) “O que essa experiência pode significar para quem já viveu”. Os espaços históricos conferem uma atmosfera singular e as experiências derivantes desses lugares podem ser de grande valia para ambas as partes, engrandecendo emotivamente o ser humano e servindo de auxílio para valoração dos espaços. “(...) o ser humano total está envolvido em todos os seus níveis de experiência” (TUAN, 1980, p.18).
*** Conservar o patrimônio histórico das cidades é uma tarefa condizente a todos os envolvidos com o espaço; abrange parâmetros objetivos, pertinentes aos profissionais especializados detentores de tais conhecimentos, e parâmetros subjetivos, relativos à vivência nesses espaços, nas experiências, nos sentimentos aflorados dos citadinos. Este tipo de conservação, como já mencionada anteriormente, encontra-se descrita no Manifesto de Amsterdã (1975) com o termo de Conservação Integrada. Essa participação social é de fundamental importância pois, revela a relação íntima existente entre o homem e seu espaço circundante, e suas consequentes reações na vida dos cidadãos. Como explanado ao longo do capítulo, vivenciar os espaços tradicionais, arraigados de historicidade afloram sentimentos, propiciam memórias, alimentam a criatividade. Diversos efeitos condicionados ao homem que o proporciona uma rica e plural vivência. Desta forma, o esforço na conservação deve surgir mediante à união das experiências, da memória, da importância coletiva dos residentes e dos estudos, da valoração física, histórica, dentre tantos outros pontos discutidos na visão objetiva da conservação. 60
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03 │O Poço e seus Encantos 3.1 Introdução ao Poço No Poço caminhou a pé e devagar pelas ruas sombreadas e quietas do arrabalde. As mangueiras de copas fartas e redondas, os sapotizeiros de troncos alteados e ramagens derramadas, as jaqueiras com seus frutos pendurados como seios de mulheres amamentadoras, rodeavam, protegiam, velavam os casarões de telhados em biqueiras, terraços atijolados e frisas de azulejos, ou os chalés pintados de vermelho e azul, varandas nas frentes, com jarrões e figuras de louça. (...). Foi passando por uma e por outra dessas antigas moradas e evocando a gente que nela vivia outrora. (SETTE, 1985, p.163 e 164)
Na cidade do Recife existe um bairro de caráter histórico, acolhedor da cultura, da identidade, da afeição social, da memória coletiva, que ainda perpetua sua atmosfera bucólica, poética, de tempos corridos; o bairro do Poço da Panela. Este bairro enquadra-se como o objeto de estudo a ser analisado neste presente trabalho. Assim como no relato de Mário Sette, em seu livro Os Azevedos do Poço (1985) supracitado, o Poço resguarda sua essência e esta pode ser sentida, experienciada por aqueles que a penetram. Saltam aos sentidos e sentimentos os casarios antigos, as vias singelas, a vegetação e ambiência preservados, as cores pitorescas, a alma do lugar. São tempos antigos e atuais constantes na vivência do homem. (Figuras 51-66) O Poço da Panela é um bairro situado na margem direita do rio Capibaribe, Zona Norte da cidade, um dos primeiros núcleos de moradias a ser formado após a expansão da vila do Recife pelo continente, como será explanado posteriormente, no decorrer do capítulo (Figura 67). Um bairro aprazível, essencialmente residencial, em sua maioria de moradias unifamiliares, que ainda resguarda sua ambiência, é tombado municipalmente através da Legislação de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), a qual pontua diversas Zonas de Diretrizes Específicas (ZDE) atuantes na malha urbana da cidade. Pertinente ao bairro em questão e o enfoque trabalhado nesta pesquisa, uma zona incidente legalmente no lugar, é de fundamental importância, a Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPH) (Figura 68). Esta legislação conforma-se de profunda importância para o bairro, pois, o Poço converge por entre seus espaços, um patrimônio histórico arquitetônico significativo, promovente de uma paisagem urbana singular, para a cultura e a sociedade, esta, enraizada no lugar, proveniente da sólida relação com o rio Capibaribe. 64
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Figuras 51-66: Ambiência do Poço da Panela. 66
O mapa abaixo designa-se a expor a divisão do zoneamento especial na cidade do Recife. Na área próxima à igreja do Poço da Panela, é possível identificar duas tonalidades de azul as quais relacionam as Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio HistóricoCultural – ZEPH, sendo subdivididas em Preservação Rigorosa (azul escuro) e Preservação Ambiental (azul claro).
Figura 67: Mapa da delimitação atual do Poço da Panela.
Figura 68: Mapa do zoneamento especial da cidade do Recife.
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Relativo à preservação do patrimônio histórico-cultural, ZEPH, a diretriz consiste em duas vertentes incidentes no bairro, o Setor de Preservação Rigorosa (SPR) e o Setor de Preservação Ambiental (SPA). O primeiro setor é “constituído por áreas de importante significado histórico e/ou cultural que requerem sua manutenção, restauração ou compatibilização com o sítio integrante do conjunto”. O segundo abrange as “áreas de transição entre o SPR e as áreas circunvizinhas” (LEIS MUNICIPAIS, 2013). Esta relação dos cidadãos com o rio é inerente ao nascimento do Poço, substancial para o povoamento das antigas terras tangentes ao rio de águas medicinais, como será discorrido mais adiante. De fato, a preservação deste bairro histórico foi regida por um olhar objetivo de experts, profissionais da área, pesquisadores, que apontaram valores concernentes a estudos objetivos e que não foi pontuado por eles o caráter subjetivo, como esta pesquisa aborda; entretanto, a relação dos moradores com o lugar é profundamente íntima, desde o surgimento da localidade, nos primórdios da vila recifense. O Poço é detentor de uma atmosfera rica historicamente, atraente aos visitantes e usuários, pertinente à memória e à imaginação popular. Ao adentrar sua localidade, o transeunte, morador ou não do bairro, explora seus sentidos através de sua experiência, deparando-se com uma paisagem tranquila, lúdica, histórica, deleitável. Dentro do ruidoso bulício da cidade, o Poço é um oásis de tranquilidade, que convida ao lazer e à meditação. A sua velha igreja, os seus palacetes senhoriais, as suas árvores de acolhedoras sombras convidam o recifense a um instante de pausa no tumulto da vida, para retemperadora convivência com o passado e o presente. (O POÇO. Jornal do Commercio,
Recife, 02 mar. 1978) O bairro é um fértil terreno para o prazer e pertencimento da memória e inspiração para o fluir da imaginação e fantasia, constituindo um elemento rico para ser explorado mediante a abordagem desta pesquisa. Diversas figuras protagonizaram importantes acontecimentos no Poço, desde os tempos do Brasil colonial. Este bairro de feição tradicional, aviva o interesse dos recifenses por propagar a essência de outros tempos, através de seus espaços. “O Poço é lembrado nos dias de hoje, além de seu respaldo aristocrático e de beleza paisagística, por seu lado histórico, de importância para o Recife e mesmo para o Brasil, associado a figura do abolicionista José Mariano, residente ao lado da igreja e cujo busto ornamenta o seu largo”. (BARROS, 2002, p.105) 68
Personalidades como a de José Mariano, tão presente e intrínseca ao local, narram importantes episódios da história recifense e exercem vívido entusiasmo criativo, afloram a imaginação. Alguns contos e lendas advém dessa fantasia espontânea, como por exemplo, Os moradores do local contam histórias e lendas tradicionais, entre as quais um suposto romance entre a Princesa Isabel e o mais famoso político do Poço – José Mariano. Ali está o busto de José Mariano, numa homenagem eterna dos seus conterrâneos. O monumento se completa com uma estátua de um escravo, em seu pedestal, mas de algemas partidas, num brado de liberdade. (RECIFE, que pouca gente bem conhece: um estranho encanto e fascínio no Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, p.14, 10 out. 1976)
Por meio destes poucos exemplos supracitados, é perceptível a introdução do Poço da Panela nesses vieses afetivos, concernentes a relação do homem com o seu lugar, resultando na memória afetiva e coletiva e na exploração da imaginação e da fantasia. Ao longo deste capítulo, será aprofundado o conhecimento sobre o objeto de estudo, caracterizando-o para melhor apreensão sobre a área quanto as premissas levantadas nos capítulos anteriores. 3.2 Surgimento, Retrospectiva e Histórico (1580 – 1883) A cidade do Recife possui seu surgimento e história atrelados aos seus cursos d’água, Capibaribe e Beberibe, ou seja, está vinculada à sua morfologia natural, que possibilitou caminhos férteis e prósperos para o desbravamento por entre as terras. A princípio, a vila do Recife se resumia às ilhas de Santo Antônio e do Recife, caracterizando-a como vila portuária. Entretanto, “as suas margens alongadas por mangues e várzeas que desdobram distâncias foram logo palmilhadas com resolução e, sem demora, ostentavam já vida nova e agitada, que o tempo teria de alastrar como contraforte de uma civilização que caminhava a passos firmes vencendo o deserto” (COSTA JÚNIOR, 1944, p.215). No trilhar dos leitos canaviais foram surgindo povoamento, pelas terras da Várzea, pioneira na nova empreitada. Devido as ótimas condições encontradas ao longo das terras, com disponibilidade de água e fertilidade do solo, logo grandes engenhos foram se formando e pequenas vilas sendo levantadas ao seu redor. Desta forma se iniciou o adensamento do Recife, em meados do século XVI. Era de fundamental valia os cursos d’água ao longo das terras recifenses, contribuindo para o deslocamento das cargas de açúcar e sua consequente solidificação econômica. Deste momento da civilização da vila do Recife foi consolidada a organização e distribuição de alguns focos urbanos, que posteriormente, se transformariam nos atuais bairros da cidade. 69
A estrutura urbana do Recife, como município central da Região Metropolitana do Recife (RMR), foi moldada pela economia açucareira, que impulsionou a concentração de terras na mão de poucos, e pelo fato da cidade estar situada entre o oceano e os rios, nos alagados, tendo, portanto, seu espaço físico delimitado e confinado entre esses recursos naturais. (BARROS, 2002, p.131)
É possível a verificação deste desenvolvimento interiorano da capitania, através dos registros cartográficos da época, datados de 1639, onde já alguns engenhos se solidificam por regiões das quais atualmente se encontram o bairro da Várzea (Figuras 69 e 70).
Figuras 69-70: Mapa Cidade Maurícia em 1639. 70
Com o desenvolvimento das terras campais a disseminação das expressões culturais e festividades foram surgindo, festas religiosas, festas profanas, e a cidade começava então a consolidar-se, a integrar-se por entre seus caminhos, seus engenhos, seu povo. À exemplo, o escrito feito pelo padre Fernão Cardim no ano de 1584 por entre as terras recifenses, relatam essa receptividade: [Engenhos] são maiores e mais ricas que as da Bahia; e nellas lhe fizeram grandes honras e gasalhados, com tão grandes gastos que não saberei contar, porque deixando à parte os grandes banquetes de extraordinárias iguarias, o agasalhavam em leitos de damascos carmesim, franjados de ouro, e ricas colchas da India. Costumam elles a primeira vez que deitam a moer os engenhos e benze-los, e neste dia fazem grande festa convidando uns aos outros. (CARDIM, 1925, p.328 e 329)
Com os bons condicionantes já apontados anteriormente o surgimento de novos engenhos ocorreu de forma rápida. No ano de 1750 já se contabilizavam cinquenta e oito engenhos novos ao longo da capitania. Uma população que abrangia todos os tipos de credos, raças, costumes permeavam as terras não somente recifenses, mas também como pernambucanas, e firmavam a expressão da sociedade que estava emergindo. (COSTA JÚNIOR, 1944) Todos êles eram, como se vê, centros de grande atividade, de cultura, de população numerosa, verdadeiras zonas de riqueza e de prosperidade assentados às margens do Capibaribe, dêsse rio que se impoz como acidente geográfico e fator econômico e histórico de primeira ordem na comunicação dêsses valores locais com o centro comum que era o porto. (COSTA JÚNIOR, 1944, p.219)
Foram feitos diversos aterramentos das áreas alagadas para que o uso das terras se tornassem viáveis. Era imprescindível a criação dos engenhos próximos ao porto para auxiliar no deslocamento das cargas a serem exportadas, por isso o interesse de criação dos “passos de açúcar” dentro da vila do Recife. A família donatária da capitania foi a primeira a requerer à câmara de Olinda todas as licenças para aterrar e erguer o futuro engenho na Ilha do Recife a mando de Antônio de Albuquerque no ano de 1597. A partir deste acontecimento, os demais engenhos foram surgindo. (COSTA JÚNIOR, 1944) Com o crescimento da vila do Recife em detrimento da vila de Olinda devido as atividades comerciais, a proximidade com o porto, os investimentos durante o período holandês naquelas terras e o incêndio ocorrido nos domínios olindenses, o rápido desenvolvimento das terras fora registrado. No ano de 1710 a vila do Recife já possuía cerca de oito mil habitantes, caminhando para um protagonismo na capitania cada vez mais próspero. Os arrabaldes do nosso tempo continuam a lembrar os antigos engenhos: - Jiquiá, Madalena, Torre, Varzea, Caxangá, Cordeiro, Dois Irmãos, Apipucos, Monteiro, Casa Forte, etc. Desaparecidos todos eles, extintas 71
as suas lavouras e fabricas, logo se transformaram as grandes propriedades em sitios sem contas, onde se ergueram algumas belas vivendas, muitas das quais não esqueceram o velho rio e para êle se voltaram alinhadas em suas margens. (COSTA JÚNIOR, 1944, p.222)
O apreço pelas águas do Capibaribe foi então sentido dado o momento em que a população se enveredou por entre as terras da cidade. O valor que a população adquiriu pelas margens do rio, seus banhos, foi tomando uma proporção inesperada e a amabilidade e aprazimento experienciados marcados na memória. O rio Capibaribe se tornará o protagonista da criação do arrabalde do Poço da Panela num cenário não tão favorável de como quando fora descoberto. Em meados do século XVIII, mais precisamente no ano de 1740, pairou sobre as terras recifenses uma febre epidêmica que levou a óbito milhares de cidadãos; senhores de engenhos, membros paroquiais, civis de todos os níveis econômicos foram acometidos. (GUERRA, 1970) No engenho de D. Anna Paes, Engenho Casa Forte, existiam terras de nome peculiar em suas proximidades, o Poço da Panela, cujo surgimento conta assim o dito popular: Ressentia-se a localidade de falta de água potável, cujos moradores iam busca-la a distancias não pequenas, uns no Monteiro, outros na Casa Forte, quando em um dos sítios da estrada que parte do Chacon e segue para o povoado, à margem esquerda, na curva da mesma estrada, cujos terrenos formam um suave declive que vai até o rio, se descobriu uma abundante vertente. Fêz-se então ali uma excavação, para se formar um poço regular, e no fundo do qual colocou-se uma grande panela de barro, e daí chama-lo o vulgo Poço da Panela, que se tornou extensivo à localidade, destarte ainda mantido. (PEREIRA DA COSTA, 1951, p.519)
Essas terras foram crucialmente importantes para a recuperação dos doentes naquele período. A princípio a localidade era pouco frequentada pelos cidadãos, algumas poucas lavadeiras, que ali trabalhavam e tinham também suas habitações. Conforme Flávio Guerra, em Velhas Igrejas e Subúrbios Históricos (1970), existia no Poço naquele momento “amplas e fáceis condições para embarque e desembarque, construção de banheiros, etc”. (GUERRA, 1970, p.219) Em busca da cura para essa enfermidade, médicos descobriram os efeitos benéficos dos banhos ao longo das margens do Capibaribe. Este, que já era um rio querido por entre os recifenses devido sua localização, suas águas limpas, suas paisagens, e seu uso para locomoção, recebeu mais um predicado, este vital, no embate contra a epidemia. Segundo Guerra, “ (...) os médicos passaram a recomendar, como terapêutica, o uso de banhos no 72
Capibaribe, principalmente no ‘trecho compreendido da ponte do Monteiro, até o lugar chamado Catanda’, e onde está precisamente localizado o Poço da Panela (...)”. (GUERRA, 1970, p.219) Desta forma, o povoamento das terras do Poço se desenvolveu rapidamente. Os primeiros beneficiários dos resultados curativos nessa localidade foram o cônego dr. Francisco de Araújo Carvalho Gondim e o padre Ângelo Custódio Machado Gaio, que ergueram algumas moradias nas proximidades. O cônego Francisco de Araújo Carvalho e o padre Custódio Machado Gaio foram àquela altura, principalmente o último, os incentivadores da fama terapêutica da região, e adquiriram ali alguns terrenos foreiros pelo fôro de 640 réis anuais, levantando nêles as primeiras casas de taipa do povoado, para aluguel. (GUERRA, 1970, p.219)
Não tardiamente, no verão de 1758, doze casas de taipas já compunham a paisagem do então arraial do Poço. Divulgada a notícia da salubridade do lugar, outras pessoas resolveram seguir o exemplo daqueles dois sacerdotes, de sorte que no verão de 1758 levantaram-se doze casas de taipa e uma de pedra e cal, pertencente ao mestre-de-campo Luís da Cunha, tendo, porém, todas as casas, a frente voltada para o rio. (PEREIRA DA COSTA, 2001, p.134)
Após a primeira missa celebrada no Engenho de Casa Forte, o coronel Jacinto de Freitas da Silva, o então dono do engenho, franquiou sua capela para os eventos religiosos destinados ao agradecimento dos moradores do Poço da Panela. Em ação de graças pela descoberta de tão grande benefício, fizeram os novos situadores do Poço da Panela cantar uma missa solene na capela do Engenho Casa Forte, no primeiro domingo de janeiro de 1759, à qual assistiram com suas famílias, parentes e amigos, sendo ainda manifestado êsse regozijo por lauto jantar e divertimento nas casas do nascente povoado. (PEREIRA DA COSTA, 1951, p.520)
Esse ritual se prolongou durante os meses próximos, entre banhos medicinais e agradecimento através dos atos religiosos na capela do engenho dos arredores. Entretanto, com o passar dos meses, o entusiasmo das missas foi sendo surrupiado pela distância que os devotos tinham de percorrer. As intempéries, o mal condicionamento das vias de barro, ameaçavam a continuidade das missas. A forma escolhida para suprir esta questão veio a mando do capitão Bernardo Luís Ferreira Portugal, que instituiu um oratório nas dependências de sua moradia para facilitar os ritos aos benefícios alcançados. (PEREIRA DA COSTA, 2001)
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O objetivo dos “romeiros da saúde”, como eram conhecidos os moradores do Poço, era construir uma capela na localidade sob a invocação de Nossa Senhora da Saúde, porém, o coronel Jacinto de Freitas negou o pedido. Esse período foi sofrido para a região, pois além deste fato, uma enchente arruinou dezenas de casas ribeirinhas. Muitos moradores optaram por deixar o local, e tantos outros decidiram reconstruir suas moradias numa parte mais alta do terreno, seguras da bravura do leito em tempos de chuva. (PEREIRA DA COSTA, 2001) Outros, porém, mais constantes, se resignaram, e para prevenir os estragos das enchentes foram mudando a edificação para lugares mais altos e distantes do rio, e assim se foi desenvolvendo a localidade. (PEREIRA DA COSTA, 2001, p.135)
Com a morte do coronel as terras foram a leilão, devido as dívidas contraídas, e o capitão Henrique Martins, devoto fervoroso, arrematou no intuito de construir a capela. Esse episódio ocorreu no ano de 1767. Apesar das boas intenções do capitão Martins, com relação à fundação da capela, não deu êle imediatamente execução a êsse projeto, até que, adoecendo gravemente a sua espôsa d. Ana Maria Clara, fêz um voto a N. S. da Conceição, de doar o terreno necessário para se levantar uma capela no arraial do Poço da Panela, sob a invocação de N. S. da Saúde, se com o seu auxílio se visse livre da enfermidade que ameaçava a sua existência. (PEREIRA DA COSTA, 1951, p.521)
Desta forma, a ordem foi estabelecida e a capela de Nossa Senhora da Saúde erigida nos tempos corridos, “(...) de modo que em 1807 já estava funcionando (...)” (GUERRA, 1970, p.220). Dezenas de fiéis à santa contribuíram financeiramente e ativamente para o erguimento da capela. Segundo Pereira da Costa em Arredores do Recife (2001, p.136) (...) deu o padre Machado de Gaio começo às obras da capela, para o que havia já arrecadado dentre os moradores do Poço e circunvizinhanças a importância de 250$000, além de tijolos e cal que obteve de oferta de outros, e finalmente, dos proprietários aos engenhos Monteiro, Apipucos e Brum, a madeira necessária para as obras da carpintaria da capela.
Foi uma comoção pública a construção; a expressão de gratidão e o envolvimento dos moradores com a região que abraçaram. Nascia ali, a interação e a afetividade dos cidadãos com aquelas terras que se tornariam posteriormente um bairro. O terreno doado para a construção era relativamente pequeno; vinte palmos de frente e quarenta de fundo, entretanto, era o suficiente para que os moradores requeressem a formação de uma freguesia no Poço da Panela. (PEREIRA DA COSTA, 2001) A necessidade de uma independência paroquial estava vinculada à necessidade de uma independência territorial. O arraial do Poço crescia como lugar e acolhia a todos que por ali 74
levantavam suas moradias. No ano de 1817, ainda sob o mandato do então rei D. João VI, um pedido para elevar o arraial do Poço em freguesia do Poço foi emitido por parte dos moradores, propiciando assim, a posse da capela em paróquia de Nossa Senhora da Saúde. Correndo o processo necessário, e ouvidos a respeito o vigário da paróquia e o bispo diocesano e por fim o tribunal da Mesa da Consciência e Ordem, que deu parecer favorável em 5 de fevereiro do mesmo ano [1817], e remetidos, enfim, os papéis do despacho régio, baixou-se a 31 de julho, também do mesmo ano, a resolução que erigiu em paróquia o distrito do Poço da Panela, sob a invocação de N.S. da Saúde. (PEREIRA DA COSTA, 2001, p.137)
O termo freguesia vem da construção urbana do império Português. Freguesia era sinônimo de Paróquia, de onde se conclui que a busca dos moradores do Poço era em tornar sua localidade uma Paróquia Civil. Seus encalços foram atingidos ainda no mesmo ano, porém, a já então paróquia de Nossa Senhora da Saúde, somente veio ser inaugurada no ano de 1820, após a posse do vigário Antônio Francisco Monteiro. Com a oficialização da freguesia, os limites territoriais determinados foram: Da borda do Capibaribe, pela estrada denominada da Ponte do Cordeiro, indo a seguir quase em linha reta, até desembarcar na estrada do arraial, continuando a mesma linha até onde finda a freguesia, por encontrar com a da Sé, ficando todo o lado do poente ou esquerdo da dita estrada em linha de continuação para a nova freguesia do Poço, e todo o lado do nascente ou direito da estrada com a linha de continuação para a freguesia da Boa Vista. (PEREIRA DA COSTA, 1951, p.523)
A figura 71 seguinte, datada do ano de 1870, ilustra a expansão do Recife e a localização do Poço da Panela no ano de 1870. A freguesia do Poço, a princípio, pertencia ao município de Olinda, tendo sido transferida para o Recife em 8 de maio de 1843. Foram sessenta e três anos de freguesia, sob a invocação de N. Sra. da Saúde, até que, no ano de 1883, a freguesia perdeu o título para a capela do engenho Monteiro, capela de S. Pantaleão do Monteiro. Esta nova matriz tinha como filiais a capela do Poço, a de Casa Forte e a de Apipucos (PEREIRA DA COSTA, 1951). Em 1846, com a declaração provincial expedita reestabelecendo a freguesia da Várzea a freguesia do Poço perdeu parte de sua territorialidade, se restringindo ao norte “ (...)entre o rio Capibaribe e alinha que segue em rumo certo a barra do riacho Camarajibe” (PEREIRA DA COSTA, 1951, p.524).
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Figura 71: Mapa da delimitação urbana do Recife em 1870.
O mapa relativo à expansão e povoamento das terras recifenses datado de 1870 reflete o adensamento no Recife, ressaltando o crescimento dos quatros bairros tradicionais do centro, ou seja, Santo Antônio, São José, bairro do Recife e Boa Vista, e revelando, também, os adensamentos de menor porte localizados nos bairros de Santo Amaro, Capunga, Madalena e Afogados. Concentrações mais isoladas frequentes nas áreas interioranas do Recife tangentes ao rio Capibaribe também são expostas no mapa, observadas em áreas próximas a Casa Forte, Poço da Panela, Apipucos e Caldereiro. (BARROS, 2002).
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O arraial do Poço expandiu bastante após a construção da capela no início do século XIX, tornando-se um dos maiores arrabaldes da província do Recife, no referido momento. As suas terras caíram no gosto popular, e o cuidado e zelo que os moradores tinham pela sua região, perpetuava a atmosfera harmônica e agradável do lugar. O frei José de S. Jacinto Mavignier, paroquial responsável pela igreja, no ano de 1840, em comunhão com os moradores, se mobilizou para reconstruir a igreja de Nossa Senhora da Saúde, considerando-a arruinada com o passar dos anos. A obra consistiu numa reelaboração do que era a igreja, dando-a novas dimensões e ornamentos, mesmo que sofridos, pois era custeada pelos próprios moradores, porém elegante e de boas proporções (PEREIRA DA COSTA, 1951). Os registros fotográficos existentes da igreja datam já de sua reforma, assim como as imagens pictóricas. Na figura 72, o retrato data do ano de 1951, ao passo que na figura 73, a imagem fotográfica é do ano de 2017. Visitantes que desfrutaram de seu tempo conhecendo as redondezas do Capibaribe, tem ótimas e agradáveis lembranças contidas em seus escritos. Um deles, o inglês Henri Koster, assim escreveu sobre o Poço da Panela: “Tem uma capela construída por subscrição, uma ordem de casas paralelas ao rio, muitos mucambos de lavadeiras em face, e outras habitações esparsas, aqui e ali em todas as direções” (PEREIRA DA COSTA, 1951, p.523). Em 1817, o então viajante francês Louis François de Tollenare, ao passar pelas terras do Poço registrou: É raro encontrar margens mais risonhas do que as do Capibaribe, quando se o sobe em canoas até o povoado do Poço da Panela. Ora são lindas casas de campo, cujos jardins e terraços avançam até o rio; ora belas planícies bordadas de mangues ou de plantações de mangueiras magníficas, de laranjeiras e de cajueiros. Há um lugar, um pouco acima de Ponte D'Uchoa, onde o leito do rio, até então bastante largo, parece perder-se sob um imenso caramanchão de verdura formado pelas altas palheteiras vermelhas, cujos ramos superiores se encontram ou estão ligados por cipós floridos, pendentes em guirlandas. Quando se entra sob esta abóbada crê-se penetrar no palácio encantado da deusa do rio. A limpidez das águas permitte ver um fundo de areia pura, que toma um colorido verde-esmeralda escuro, do reflexo da folhagem, o cardeal, vestido de escarlate, e mil pássaros, adornados de brilhantes plumagens. Cardumes de pequenos peixes saltam em redor da canoa, miríades de caranguejos se arrastam sobre a margem, em busca de presa; o tatu escamoso, a cotia do focinho pontudo, mostram-se à entrada de suas tocas nos lugares mais elevados; tudo é animado em meio do silêncio, e experimenta-se uma frescura deliciosa; mas, todas essas belezas desaparecem ante o espetáculo das lindas banhistas.... (FUNDAJ, 2009, arquivo disponível no site)
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As margens do Capibaribe sempre tiveram um lugar de destaque nos corações dos recifenses e turistas. Devido ao surgimento do arraial do Poço ter se configurado principalmente pelas límpidas e medicinais águas do rio, dissertar sobre o Poço da Panela é, também, dissertar sobre a importância do rio. Para a região, não somente a harmônica composição paisagística é de elevada importância para a caracterização do lugar, como também a disponibilidade de locomoção através dos leitos configurou um meio crucial para o acesso à região. Em mais uma obra do viajante Koster, o relato sobre as margens do Capibaribe, sua atmosfera única, sua amabilidade e aprazibilidade local e seu uso para locomoção é evidente, estando o próprio Koster em passeio pelo leito através da canoagem: Em meio caminho, fomos pelas margens do Capibaribe. A vista é excessivamente encantadora, casas, arvores, jardins de caba banda. O rio faz a curva deante e parece perder-se no meio da mata. As canoas indo docemente descem com a maré, ou penosamente forcejam seu caminho contra a corrente, e tudo reunido forma um espetáculo delicioso. O rio é aqui mais estreito que o Tamisa em Richmond. Ao lado da estrada, neste ponto, estão várias negras vendendo laranjas e outros frutos e bolos aos canoeiros, com seus compridos vara-paus que incapazes de perder tempo, compram e vendem provisões. (COSTA JÚNIOR, 1944, p. 223 e 224)
O acesso pelo rio tornou-se uma fonte de renda para muitos dos moradores do Poço até os presentes dias, onde a conexão do bairro com a Caxangá ainda é viável, constituindo um agradável passeio para os visitantes e bastante funcional para a população residente das margens. A composição paisagística do bairro do Poço da Panela sofre influência direta da paisagem do Capibaribe. As figuras seguintes (Figuras 74 e 75) retratam essa harmonia, essa simplicidade da localidade e a comunhão com a natureza no século XIX e XX. Cenário de expressões artísticas e culturais, o bairro do Poço sempre fora inspiração para os poetas, seus espaços bucólicos, sua atmosfera sentida, sua paisagem urbana. Olegário Mariano, escreveu os seguintes versos sobre a aprazibilidade do lugar: Num remanso bucólico e sombrio Onde atenua a marcha o grande rio, Batem roupa, cantando, as lavadeiras. Trago ainda nos olhos: é bem ela, A paisagem do Poço da Panela. (FUNDAJ, 2009, arquivo disponível no site)
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Figura 72: Ilustração da Igreja de Nossa Senhora da Saúde em 1951.
Figura 73: Igreja de Nossa Senhora da Saúde em 2017.
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Figura 74: Paisagem do bairro em 1847.
Figura 75: Paisagem do bairro em 1940.
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3.3 Panorama do Desenvolvimento Espacial e Afetivo do Bairro O rio Capibaribe sempre foi um fator condicionante para a exploração e vivência nos espaços pertencentes ao Poço. Como explanado anteriormente, os primórdios do atual bairro emergiram do uso do Capibaribe; a princípio com as lavadeiras, posteriormente com o empenho na cura da peste epidêmica que se espalhava pela vila recifense, e culminando no apreço e deleite das águas pelas pessoas que ali construíram o seu lar. Na segunda metade do século XVIII, descobriu-se um outro Capibaribe, aquele dos deliciosos banhos, banhos inclusive com poderes medicinais. Além dos banhos, por ele se faziam mudanças, se passeava de canoa ou de botes, aconteciam as românticas serenatas, costumes que se consolidaram no século XIX. O Recife ganhou outros costumes que se iam definindo, criando arrabaldes que se constituem em alternativas para quem estava exausto dos burburinhos do urbano. (BARROS, 2002, p.108)
O rio tornara-se um símbolo para a região, ator dos mais diversos papéis para a sociedade, meio de locomoção por botes e/ou canoas, espaço de acontecimentos amorosos, como se pode ser apreendido no trecho supracitado. Após a descoberta do local pelos recifenses, edificar uma moradia pelas suas dependências tornou-se de incontestável apreço. De qualquer modo, lenda ou não, o rio muito concorrera, numa das suas mais lindas curvas, para atrair moradores porque o banho era delicioso, armando-se banheiros de palha por toda a parte, utilizados pelas famílias, com muito recato (...). As casas eram identificadas mais pelos nomes dos moradores do que pelos das ruas ou os números quando foi de moda adotá-los. (SETTE, 1978, p.20)
O distanciamento físico e substancial com centro da vila do Recife, tornava as imediações do Poço tranquilas e serenas. Eram terras preenchidas por vegetação dos mais variados espécimes, essencialmente pacatas, longes da movimentação e agito do centro. Coqueiros, jaqueiras, um ar de quietude, de ‘passar festa’, de distância. De ‘mato’. Ainda se tinha muito o preconceito, se não o pavor, do mato. O mato era subúrbio. Ia-se para o mato quando se procurava um arrabalde para morada ou vilegiatura. Outros detestavam sair da cidade. Perder o carnaval, as procissões ... não se via quem passava ... E as conversas nas calçadas, e os mexericos de postigo a postigo? No mato, cada um metido no seu sítio como bichos... No verão os moradores buscavam esses aprazíveis recantos arrabaldes banhados pelo rio, gostando de banhar-se no Capibaribe ou nele passeando em barcos, quando não deitados à sombra dos arvoredos. (SETTE, 1978, p.47)
Muitas famílias, de condições abastadas, possuíam nas terras do Poço casarões de temporadas, férias de verão, lazer, descanso. A princípio, apenas os cidadãos com melhores condições financeiras residiam naquela localidade, com suas moradias vistosas, luxuosas, requintadas. 81
O mato era a frescura do verão, as fruteiras pejadas, os chalés de azulejos, os solares de sótãos e terraços de pedra de lioz, os caramanchões perto dos muros para ver quem passa, as figuras de louça do Porto, a vida regalada da mesa farta, do leito macio e das palestras convidativas. Sem falar na dança, nos jogos de víspora e gamão, nas músicas e nos cantos ao piano. (BARROS, 2002, p.111)
Assim como fora visto anteriormente, após a descoberta e o uso dos banhos medicinais nas águas do rio Capibaribe, diversos fiéis a Nossa Senhora da Saúde, devotaram-se em seu louvor, em agradecimento às curas realizadas, o que culminou na construção da capela de mesmo nome. A construção de uma capela foi o primeiro passo para o surgimento de um povoado, segundo o regimento português de então. (...) o primeiro passo para um pequeno povoado qualquer existir perante o estado português é a construção de uma pequena capela (que no caso do Nordeste brasileiro poderia vir do engenho) (...) capela que depois vai ser curada, crescendo um pouco a concentração de moradas, passa a requerer o título e o status de paróquia ou freguesia, e crescendo um pouco mais, reformando a igreja matriz e seu largo e/ou adro, somando um pelourinho e uma casa de câmara e cadeia, ou ao mesmo tempo destas, eis uma vila, que com o passar dos anos vai formar um urbano maior e ser elevada à categoria de cidade. (BARROS, 2002, p.89)
O percurso descrito na citação anterior relata o desenvolvimento do povoado do Poço até o seu status de freguesia. Situação, sustentada até o ano de 1883, quando a capela de São Pantaleão do Monteiro, pertencente ao então engenho Monteiro, assumiu a sede da paróquia posicionando a capela do Poço, do engenho de Casa Forte e do engenho de Apipucos filiais à primeira (BARROS, 2002). O Poço perpetuamente apresentou uma paisagem tranquila, calma, agradável. Tornou-se característica do lugar essa atmosfera aprazível. O rio, como percebido ao longo da pesquisa, é peça crucial na conformação essencial do lugar, consolidando-se um elemento também característico ao espaço. Os casarões históricos, requintados, repleto de minúcias, coloridos, também contribuem para a caracterização atmosférica do bairro. Mario Sette em seu livro Os Azevedos do Poço descreve o esmero as quais as casas eram construídas: “Na frente um comprido alpendre protegendo largo terraço mosaicado com gradil, rente à estrada, porque aquilo era mesmo mais estrada do que rua, tão campestre e pitoresco se mostrava” (SETTE, 1985, p.53). A história do curioso nome do arrabalde, como consta em passagens anteriores no capítulo, provém da construção de um poço para extração de água potável para os moradores da região; entretanto, apesar do relato ser facilmente encontrado em livros e periódicos antigos sobre o bairro, a localização do referido poço não possui a mesma acessibilidade (Figura 76). 82
A identificação de tal poço só foi possível através de conversas informais com antigos moradores e zeladores da Igreja de N.S. da Saúde, uma vez que a origem do nome é contada e historiada em inúmeras publicações, porém em nenhuma é descrita a sua exata localização. O ‘poço’ que nos é apontado como sendo o original do bairro é um simples poço artesiano situado no terreno da própria igreja, hoje próximo da casa onde residiu o Dr. José Mariano (...) (BARROS, 2002, p.102)
Com o intenso desenvolvimento dos arrabaldes da vila do Recife no século XIX, através da acessibilidade às mesmas pela construção de estradas no território, o que antes eram localidades de veraneio, as margens do rio Capibaribe, para descanso e lazer, deram vazão a residências de caráter permanente, por meio do deslocamento de diversas famílias em busca de calmaria e silêncio. “Muitos desses arrabaldes tornaram-se local de residência permanente já em meados do século XIX. Com a abertura regular das estradas, as povoações, procuradas apenas no fim do ano, passaram a constituir áreas de residência permanente” (BARROS, 2002, p.112). A expansão urbana do Recife, como já mencionado anteriormente, muito deve à sua morfologia natural. Cercada por rios e leitos d’água e conformada por terrenos planos, propiciou o surgimento e consolidação dos engenhos, principais fontes de renda da época e seu domínio na região. “A morfologia urbana recifense foi moldada, além dos fatores de ordem sócio-econômico-culturais, pelos rios, estreitos, aterros e outros condicionantes naturais e de seu próprio sítio” (BARROS, 2002, p.131). A ocupação suburbana do Recife percorreu os traçados d’água da planície, usufruindo da presença das principais vias de tráfego também conformadas a partir desses cursos aquosos. Diversos núcleos de moradias foram formando-se ao longo das estradas, caracterizando uma expansão terrena de modo tentacular. “(...) uma ocupação suburbana rarefeita, de feição linear, partindo do núcleo urbanizado e disposta ao longo das vias de circulação principais, em um como esboço de expansão tentacular” (MELO, 1978, p.59). Figura importante nesse crescimento e desenvolvimento urbano da cidade foram os veículos de locomoção destinados a coletividade, de tração animal, como os bondes de burro, e os trens urbanos, as popularmente conhecidas maxambombas (Figura 77). O uso do arrabalde se tornaria mais frequente e acessível às classes menos favorecidas, depois que se desenvolveu no Recife o serviço de transportes coletivos, com as diligências a tração animal, os bondes de burro, cuja estação central se localizava no Brum, próximo ao porto e, com os trens chamados de maxambombas. As maxambombas ligavam o centro aos bairros mais distantes e a cidades próximas como Olinda; foram inauguradas em 1877. (BARROS, 2002, p.117) 83
Figura 76: Poรงo que deu origem ao nome do bairro.
Figura 77: Maxambomba que passava pelo Poรงo.
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A partir dos transportes coletivos, arrabaldes como o do Poço da Panela, tornariam mais acessíveis à população fadada à locomoção cotidianamente ao centro (Figura 78). Com a inserção das maxambombas, principal transporte coletivo dos fins do século XIX, o centro obteve nova dinâmica, as notícias alcançaram novos públicos e demandas, o Recife tornouse mais conectado. As maxambombas, por sua vez, deram outro aspecto ao quotidiano do centro urbano. O comércio teve freguesia acrescida e habitual, da manhã à noite, graças ao transporte fácil. Modificaram-se as fisionomias das lojas e das ruas. E das festas populares também. O Carnaval, singularmente. Nota-se que, coincidindo com a inauguração do bonde e do trem, as fôlhas da época davam maior espaço ao registro dos folguedos de Momo, até então relegados quase a um silêncio absoluto da imprensa. Os teatros, igualmente, puderam contar com maior número de frequentadores, e estabeleceu-se nos anúncios o ‘Bondes e trens para tôdas as linhas depois do espetáculo’. Procissões, novenários, atos da Quaresma, multiplicaram a assistência graças aos veículos de transporte coletivo a preços razoáveis e em horários convenientes. O Recife civiliza-se... (SETTE, 1978, p.119)
Figura 78: Mapa da expansão urbana e linhas de transportes do Recife em 1906.
As maxambombas contribuíram para o adensamento e crescimento dos arrabaldes mais distantes, como o Poço. Após sua inserção no Recife, não somente moradias de senhores
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abastados eram erguidas na área, como também comércio, entretenimentos, como um teatro, o Teatro Campestre, promovendo progressos na região. Passando à margem das diversas estradas que levavam ao Poço, esse velho subúrbio sofreu, também, o influxo do progresso que atingiria Caxangá, Monteiro, Apipucos, Casa Amarela e, mais tarde, Olinda, com novas construções e novos moradores – chalets de ingleses e palacetes de gente da terra; hotéis e teatros, que se tornaram célebres na cidade. (...). Com o advento da maxambomba, o Poço ganhou o seu teatro: o Teatro Campestre, inaugurado a 18 de outubro de 1868, com a presença de toda a gente da terra, pela posição ou dinheiro. (ROCHA, Leduar Assis. Poço da Panela, uma retrospectiva. Revista Arquivos. Recife, Prefeitura Municipal do Recife, n.2, p.265 e 266, 1977)
A disposição da ocupação ao longo das terras encontrava-se, segundo Mário Lacerda de Melo, em seu livro Metropolização e subdesenvolvimento: o caso do Recife, espraiada da seguinte forma: a) por um alongamento que, partindo do bairro de São José, se estendia sobre o dique da época dos holandeses (hoje Rua Imperial) até Afogados onde se trifurcava em ramos de curto percurso, balizados pelas estradas ‘do Sul’, ‘da Vitória’ e ‘dos Remédios’; b) por outro alongamento que, partindo da Boa Vista, alcançava Madalena e Torre, de onde prosseguia ao longo da ‘Estrada de Caxangá’ (hoje avenida Caxangá) até a povoação do mesmo nome; c) por uma terceira ramificação que, partindo também da Boa Vista, subia pela margem esquerda do Capibaribe, compreendendo sucessivamente os então subúrbios da Capunga, Santana, Casa Forte e Monteiro; d) por uma quarta ramificação que, partindo ainda uma vez da Boa Vista, era aproveitada pelo percurso da maxambomba de Olinda, ligando aquele bairro a Encruzilhada e a Campo Grande. (1978, p.59 e 61)
É perceptível o desdobramento da cidade do Recife a partir de seu centro, com diversos ramos que se estenderam de seu núcleo originador (Figura 79). Prolongamentos iniciados de bairros como Boa Vista ou São José, e percorridos pelos subúrbios, concentrando-se em pequenos povoados a margem das principais vias existentes na época. Um curso norteador da expansão urbana recifense, como já mencionado anteriormente ao longo desta pesquisa, fora o rio Capibaribe. Por esses tentáculos através dos quais a cidade se ia ampliando, observase a influência que, sobre o seu traçado geral, foi sendo exercida pelas (...) vias de circulação que, a seu turno, tiveram sua localização pré-indicada pelas condições topo-hidrográficas da planície recifense. (...) deve-se registrar (...) [a influência] exercida pela hidrovia representada pelo Capibaribe. Subindo o rio, foi surgindo e se alongando o cordão de subúrbios mais importante do Recife no fim do século XIX: Capunga, Ponte d’Uchoa, Santana, Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro e Apipucos. (MELO, 1978, p.61) 86
Isto posto, através da expansão suburbana recifense, diversos núcleos de freguesias conformaram-se, dentre eles, o enfoque desta pesquisa, o Poço da Panela, o qual em fins do século XIX, encontrava-se assim disposto: Limites actuaes – confina: a leste com o muri, de Olinda pela margem esquerda acima do riacho Água Fria até o logar Cafundó, junto ao Bartholomeu. Ao norte pela estrada da Mangabeira, divisa dos sítios do finado coronel Hemeterio Velloso e do Bartholomeu, ao encontro do antigo vallado, separação do velho engenho João Allemão com as terras do extincto engenho Cordeiro, e pelo mesmo vallado ao logar Quibuca, estrada da Linha, Piabas, Campestres de Mumbéca e margem esquerda acima do rio Paratibe até a Cova da Onça, derradeiras capoeiras a sahir na estrada de Pau Ferro. Ao oeste pela mesma estrada abaixo, um e outro lado, até descida do logar Macacos, linha recta continuada entre este e o engenho Camaragybe, chegando ao riacho do mesmo nome, no Logar Tres Paos: e continuando pela margem esquerda do mesmo riacho até a passagem da Varzea dos Bredos, e dahi atravessando para a estrada do Zonguê ao sítio do mesmo nome segue pelo outro lado do rio Capibaribe em linha recta, já ao sul, até ao sítio Barbalho, e ao de D. Venacia. Ao sul, dahi atravessa ainda o rio Capibaribe e vai pela margem esquerda até o Porto do Justino e sobe, estrada afora, ao lado esquerdo desta, ao logar Jaqueira onde a linha, já em posição leste, vae da Ponte d’Uchoa á Cruz das Almas, estrada do Jacaré e d’Agua Fria, terminando no riacho deste nome onde começou o limite com o município de Olinda. Ficando assim a freguezia do Poço limitando-se: ao norte com a da Sé, a leste com a da Boa Vista, ao sul com a de Afogados, pelo rio Capibaribe, e a Oeste com a de S. Lourenço da Matta, pelo riacho Agua da Materia, abaixo do engenho Camaragibe. (Galvão, apud BARROS, 2002, p.99, grifos nossos)
Conforme descrição acima, o Poço da Panela até o ano de 1883, compreendia vasta área ao norte dos bairros centrais do Recife, limitando-se com a vila de Olinda e abrangendo importantes núcleos da época como Casa Forte, Apipucos, Monteiro, devido seu crescimento e simbolismo litúrgico através da igreja de Nossa Senhora da Saúde, elemento que propiciou o Poço atingir o nível de freguesia. Assim é no Poço e em Apipucos, os centros nevrálgicos de tais bairros hoje continuam sendo as velhas igrejas e seus largos e proximidades. A freguesia do Poço também se estendia consideravelmente, compreendendo os atuais bairros do Poço da Panela, Casa Forte, Monteiro, Apipucos, Dois Irmãos, Macaxeira, e toda a parte norte até o limite com o município de Olinda, englobando toda a parte dos morros e alagados da zona norte da cidade (...) (BARROS, 2002, p.101)
Com o passar dos anos, foi-se introduzindo na cidade do Recife outros tipos de veículos de locomoção, como os ônibus, metrôs e automóveis, em detrimento e declínio no uso das maxambombas (Figura 80). Devido à localização do Poço da Panela ser a margem dos grandes eixos urbanos, sua malha urbana foi preservada. No século XX, por meio de uma 87
reorganização espacial da cidade, ocorreu uma atualização territorial, competindo ao então bairro do Poço da Panela os seguintes limites (Figura 81): Poço da Panela – Começa na Avenida Dezessete de Agosto no trecho compreendido entre a Rua José Carioca e a Praça Flor de Santana e segue pela Rua Dona Olegarinha da Cunha até atingir o Rio Capibaribe por onde segue pelo eixo no lado direito deste rio, até encontrar a Rua Tapacurá, por onde atinge a Rua Jorge de Albuquerque, onde cruza a Av. Dezessete de Agosto para alcançar a Rua Guerra de Holanda em direção a Estrada do Encanamento, deflete à direita seguindo para a Rua Marechal Rondon onde deflete à direita e atinge a Av. Dezessete de Agosto, por onde prossegue até o trecho entre a Rua José Carioca e a Praça Flor de Santana, ponto inicial. (Limites transcritos da Lei 16.293/97, de Regionalização Político-Administrativa do Município do Recife. Recife: PCR/SEPLAN, 1997)
Por meio dos tentáculos determinantes do subúrbio recifense e seus condicionadores histórico-geográficos, na década de 80 foram configuradas as políticas de divisa do território urbano, com a consolidação das 06 Regiões Político-Administrativas (RPA’s), respaldadas na antiga configuração da cidade (Figura 82).
Consolidação das linhas de bondes eletrificados que existiram na cidade do Recife no período que compreende desde 1914 a 1960.
Figura 79: Mapa linhas de bondes eletrificados entre 1914 a 1960.
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No mapa ao lado, é possível perceber a distribuição de diferentes veículos de locomoção ao longo da malha urbana recifense, apontando para a inserção e consolidação de ônibus, metrôs e vias para automóveis em detrimento e declínio das maxambombas.
Figura 80: Mapa linhas de transportes entre 1960 a 2001.
O mapa ao lado reflete a divisão territorial ocorrida na cidade do Recife, enfocando em vermelho a RPA-3, a qual o Poço da Panela encontra-se localizado.
Figura 82: Região Político-Administrativa 3 referente à localização do Poço da Panela.
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Figura 81: Mapa da cidade do Recife em 1932. 90
Nos anos 80 essas Zonas Administrativas já se encontram espacializadas no território recifense apresentando (...) os bairros ou zonas eleitorais, impondo limites que vão ser absorvidos e incorporados na nova divisão político-administrativa do município, no final dos anos 90 (Decreto de lei 16.213/97). (BARROS, 2002, p.134)
Com o passar dos anos a urbanização do Recife foi condensando e abrangendo áreas até então pouco exploradas. Segundo Virgínia Pontual, em Uma Cidade e Dois Prefeitos (2001), “a ocupação entre os tentáculos se iniciou após os anos 20 e se expandiu na década de 1940, resultando no rompimento da forma tentacular” (2001, p.50) (Figura 83). Essa expansão, concernente às terras ao norte, abrangentes do Poço, resultou na dilatação do contingente populacional na área, transformando a até então pontual ocupação demográfica em um espraiamento contínuo e de caráter mais homogêneo. As áreas vazias entre os tentáculos, ao norte, foram ocupadas, tornandose uma mancha contínua e compacta, abrangendo os bairros do Recife, Santo Antônio, São José, Boa Vista, Santo Amaro, Graças, Encruzilhada, Beberibe, Casa Amarela e Poço. (...). Os tentáculos ou avenidas não deixaram de existir. Apenas os lugares ocupados dilataram-se, incorporando novas áreas para além dos terrenos lindeiros a essas vias. (PONTUAL, 2001, p.53 e 54)
O Recife transformou-se, cresceu, expandiu e tornou-se mais corpulento urbanamente. Diversas modificações instauraram-se na cidade em atos de progresso e desenvolvimento. O Recife de seus primórdios, com ares de vilarejo tornou-se presente nas memórias da cidade. “Os lugares da cidade transformaram-se, multiplicaram-se, expandiram-se, e esses eram movimentos de conflitos entre ambiente natural e ambiente construído. Tais modificações traduziram-se em sentimentos de nostalgia e de perda de familiaridade” (PONTUAL, 2001, p.54). Como já mencionado anteriormente, as maxambombas foram instrumento fundamental na expansão territorial do Recife. De fato, com o advento desse veículo e a inclusão de tantos outros núcleos urbanos à malha, com facilidade e rapidez na locomoção, o alcance territorial dos recifenses se expandiu, proporcionando novos valores, novas experiências e novas memórias. Sem dúvida, os transportes foram a mola propulsora da incorporação dos arrabaldes mais longínquos à malha urbana da cidade. O perímetro urbano se expande. A velocidade das informações e dos fatos, do ir e vir das pessoas e objetos gera novos hábitos, aparecem novos valores, nova feição urbana. Memórias que ficam, apego aos lugares de história. (BARROS, 2002, p.124)
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Figura 83: Mapa da forma tentacular no Recife em 1943. 92
Ao mencionar a memória, inúmeras encontram-se vinculadas ao Poço da Panela. Por ser um arrabalde estimado pelos recifenses, diversas foram as celebrações e os encontros por suas vias, proporcionando tantas memórias entre seus moradores e visitantes. Dentre as mais conhecidas e populares festividades ocorridas no local, está o Novenário de Nossa Senhora da Saúde, patrona da freguesia. “O novenário do Poço era o mais famoso e concorrido do Recife. As festas do Monte de Olinda, do Cajueiro, da Santa Cruz, do Carmo, de Santo Amaro, embora notáveis, perdiam no renome para o Poço” (SETTE, 1985, p.75). Os festejos oferecidos nos novenários de Nª Sª da Saúde não possuíam nada diferenciado dos demais festejos em agradecimentos aos demais santos do Recife. Entretanto, sua estima era tamanha que toda a cidade se organizava para comparecer à festa, esta que possuía grandes proporções e estabelecia-se como atração do Recife. Nenhuma originalidade havia na festa da Saúde. Igual às outras, apenas com mais pompa. (...). No pátio, tivolis com realejos, fogo de vista, barraquinhas de prendas, barrís de gelada, tabuleiros de bolos, midobins, peixe-frito, tapiocas. Nos coretos as músicas tocando ‘peças em harmonia’ (...) os ricos vinham nos carros com bolieiros, de cartolas e cavalos gordos; os remediados nas maxambombas; os pobres a pé ou nas canoas. (...). Para assistir a essas cenas invariáveis deslocavam-se famílias inteiras de todos os cantos da cidade. (SETTE, 1985, p.76)
Essas festividades religiosas conferiam momentos de muita alegria, os quais proporcionavam memórias felizes. Pessoas de todas as estirpes esbarram-se no Poço, num clima agradável e pacífico. Os foguetes subiam pelo céu num assovio prolongado e abriam-se no alto em estrelas, em lágrimas, em chuva colorida. Nas barraquinhas os pregões do ‘vai correr’ e o povo cercando a exposição de prendas bonitas, algumas até de luxo como as jóias de uma loja da rua Nova. (...). As crianças fixavam as bonecas e os trenzinhos. Mulheres fritavam peixes nos fogareiros; outras assavam tapiocas ou vendiam os cheirosos mungunzás, sarapatéis, anguzôs de quiabos com azeite de dendê. (...). Gente muito para baixo e para cima. Rica e pobre. O carrossel rodava, alternando os cavalinhos, montados por homem e meninos, com os bancos estufados onde se sentavam as moças e as meninas (...). Na igreja, com a fachada revestida de luzes, não se podia entrar. (...). Todos queriam ver Nossa Senhora da Saúde e rezar-lhe aos pés. (SETTE, 1985, p.80 e 81)
O Poço foi, por muitos anos, um local de veraneio para os cidadãos recifenses, interessados em descanso, lazer e natureza. Eram momentos de festas, de alegria e confraternização. Com o tempo, o interesse voltou-se para as praias do litoral, e as margens do Capibaribe perderam este enfoque social. O velho Poço era um ‘show’ como se diz hoje. Antes da época do veraneio nas praias famílias passavam os meses do fim do ano nos subúrbios 93
marginais do Capibaribe, tais como Várzea, Monteiro, Poço, Madalena. Os banhos eram no rio e não no mar. Faziam-se visitas. Tocava-se piano, recitava-se, namorava-se. Havia muita alegria. Almoços de vastos e ricos pratos regionais: feijoadas ecumênicas, mocotós folclóricos, cozidos à pernambucana com o indispensável pirão e o tutano de opulentos colesteróis. Velhos tempos. Grandes tempos. Não se falava em poluição. A palavra infarto ainda não havia sido inaugurada. Vivia-se tranquilamente e baratinho. (PARAHYM, Orlando. Evocações do Poço. Jornal do Commercio, Recife, 30. Jan. 1976)
Não somente em momentos festivos o Poço consolidava-se como atrativo social ou local de encontros em tempos antigos. Conforme Sette, (...) era na missa das 8, aos domingos, na matriz local, que todos os habitantes do arrabalde se reuniam, se viam bem e entreindagavam-se da saúde, das intimidades, mexericando-se, também, em torno das novidades, inclusive as políticas. Todos vestiam sua melhor roupa e vinham para a igreja. O pátio tomava um momentâneo ar de festividade. Gente abastada dos sobrados, modesta das casinhas térreas, humilde dos mocambos, comparecia à cerimônia religiosa. (1985, p.55)
A paisagem do Poço possui uma atmosfera rica e singular. Com uma riqueza natural singela, a presença do rio Capibaribe, das árvores, uma riqueza construtiva histórica, conformada com casarios seculares, vias, espaços púbicos e um viés religioso marcante, originador do lugar, um perfil único. É um propício local para descobertas, memórias afetivas, e estímulo à imaginação. O Poço detém favoráveis condicionantes para fomentar visitações e passeios turísticos. Poderia ser um benéfico instrumento histórico para a sociedade e a cidade. O Poço da Panela tem seu jeito, seu perfil. O largo do Poço é ensombrado por uma imensa gameleira. Para muitos uma das árvores mais antigas do Recife. O largo há bem pouco foi calçado e recebeu uma boa iluminação. Motivação não falta para o local se transformar em atração permanente ao turismo e, ainda, motivar o recifense a conhecer melhor os valores históricos e culturais de sua cidade. (...) A localidade tem em suas festas tradicionais, entre elas a ‘Festa de Nossa Senhora da Saúde’. Este acontecimento está incluído no calendário turístico oficial do Estado de Pernambuco, e verifica-se na Segunda quinzena de janeiro. As festas do ciclo junino também são muito apreciadas no Poço da Panela, havendo as exibições de quadrilha e do bumba-meu-boi, além de outras manifestações folclóricas. (RECIFE que pouca gente bem conhece: um estranho encanto e fascínio no Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, 10 Out. 1976, Caderno 3, p.14)
O bairro, devido ao seu surgimento, histórias e lendas, detém ares lúdicos, fluidos, poéticos. Por suas ruas moraram personalidades como José Mariano ou Ariano Suassuna, personagens importantes para a história do Recife. Graças a essa essência plural e artística, o Poço conforma-se como um rico território à imaginação, à fantasia. Por entre os seus moradores, contos curiosos pairam sob a figura do ilustre José Mariano. 94
Dos primitivos engenhos de açúcar há uma linda coleção de nomes no Recife: Apipucos, Madalena, Torre, Dois Irmãos. Do seu cenário de canaviais, de carros de bois, de moendas, de casas de purgar, eles se transformaram em povoados e hoje em arrabaldes. (...) Das virtudes e dos milagres da água numa volta do rio Capibaribe onde iam se encher as vasilhas e banhar os corpos nasceu o famoso Poço da Panela, que não se limitou ao fastígio das curas e da vida social, mas transcendeu para as glórias de uma das páginas mais belas e mais humanas de nossa história, quando ali escondiam escravos para libertá-los. (SETTE, 1978, p.12)
José Mariano foi um aristocrata abolicionista, humanitário. Um orgulho para os moradores do então arrabalde, atual bairro. “José Mariano foi talvez o mais conhecido abolicionista pernambucano, cuja residência no Poço da Panela se consolidou como o centro nervoso da campanha abolicionista no norte do Brasil, palco de conferências políticas, conspiratas, emoções, desesperos, júbilos e glórias” (BARROS, 2002, p.105). O político fecunda o campo das estórias do bairro, povoando a imaginação dos moradores e conhecedores de sua figura. Em tempo antigos, diversas eram as lendas sobre Mariano, que repercutiam sobre sua vida amorosa, política ou sobre sua família. Mariano passou para o terreno da lenda, para o simples povo do Poço, que sobre ele tece coisas fantásticas. Conta-se que teve romance com a princesa Isabel, foi rival de José do Patrocínio. Além disso, dizem que uma irmã teria se casado com Castro Alves, que segundo o povo teria também morado no local. As estórias se assemelham a contos da carochinha. [POÇO de prestígio (o da Panela). Diário de Pernambuco, Recife, 26 ago. 1974]
A atmosfera poética e criativa do bairro permeia as fantasias e imaginação dos moradores, transeuntes, artistas, leigos, pessoas que frequentam a área. “Nos dias de hoje, a visão geral que se tem é que tanto Apipucos como o Poço são um pouco do que sobrou do Recife de outrora, cuja beleza e história encantam, e ao mesmo tempo constituem fontes de inspiração para muitos artistas” (BARROS, 2002, p.147). Apazigua momentos, encanta desavisados, flui os pensamentos, alimenta a imaginação. Quando estou com o astral baixo, largo tudo, desapareço, vou passear, a pé, pelo histórico e aprazível logradouro. É um santo remédio. Seus belos casarões coloniais, árvores, palmeiras, sua igreja, a brisa fresca soprando do Capibaribe, os sítios verdes da Várzea, do outro lado do rio, as sombras das mangueiras seculares fazem bem e me restabeleço. (CARVALHO, Artur. Poço da Panela. Diário de Pernambuco, Recife, 09 jun. 1986, Caderno A, p.07)
3.4 O Poço nos Dias de Hoje Atualmente, como já fora mencionado antes, o Poço é um bairro de caráter predominantemente residencial. Há alguns pontos de comércios e serviços, que conformam 95
bares, restaurantes, comércio local, dentre outras designações, porém sua essência é habitacional. O bairro encontra-se, concernente à temática abordada nesta pesquisa, inserido na Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural – ZEPH, a qual destinase as “áreas formadas por sítios, ruínas e conjuntos antigos de relevante expressão arquitetônica, histórica, cultural e paisagística, cuja manutenção seja necessária à preservação do patrimônio histórico-cultural do Município” (LUOS, 2013) (Figura 84), dentre outras Zonas Especiais. As ZEPH’s dispõem de duas subdivisões que auxiliam no acautelamento do bairro, os Setores de Preservação Rigorosa (SPR) e de Preservação Ambiental (SPA), também supracitados ao longo do capítulo. Tais instrumentos atuam de forma incisiva na proteção do patrimônio histórico do bairro, contribuindo para a sua conservação e perpetuação. No perímetro pertinente ao Poço, encontram-se imóveis tombados individualmente pelo município, pertencentes à categoria Imóveis Especiais de Preservação - IEP, que possuem normativa específica de proteção (Lei nº 16.284/97). Mesmo com o passar dos tempos, o bairro do Poço da Panela ainda conserva seus ares poéticos, bucólicos, históricos, inspiradores. Por meio do tópico acima, é perceptível a presença da memória por entre seus espaços, da fantasia permeando a imaginação de moradores e interessados, da relação afetiva existente entre o homem e o lugar. Ainda há indícios que o Poço continua sendo um ambiente de fantasia e memória. É o que se verifica, por exemplo, no testemunho de Luzilá Gonçalves cedida ao Jornal do Commercio (2012): Vim para cá dois anos depois que me casei, em 1968. Sempre vivi na mesma casa que, no passado, foi do Barão de Utinga. (...) [sobre os fantasmas] Ver eu nunca vi, mas com certeza tem. É um bairro muito antigo e as histórias são muitas, sabe? (GONÇALVES, Luzilá. Os encantos do Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, 10 mar. 2012, JC online. Entrevista concedida a Manuella Antunes)
As lendas e contos pelo Poço revigoram-se ano após ano. Por ser um bairro histórico e espaço de diversos episódios e personalidades, a imaginação e criatividade das pessoas que vivem seus ambientes são bastante afloradas. Ainda segundo Luzilá Gonçalves: Tive uma vez uma secretária que disse: ‘D. Luzilá, tem uma velha sentada na minha cama’. De tanto medo, a bichinha foi embora de volta pra Limoeiro. Tempos depois, recebi outra que me contou a mesma história e também desistiu do emprego. (GONÇALVES, Luzilá. Os encantos do Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, 10 mar. 2012, JC online. Entrevista concedida a Manuella Antunes)
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Por entre as ruas do Poço, sua atmosfera acolhedora e aprazível concentra a relação afetiva entre o homem e seu espaço. Novos e antigos moradores colecionam lembranças, afeições, momentos, vivência no bairro. O sentimento de pertencimento aflora por entre aqueles que experienciam a localidade. No bairro que mais parece uma pequena cidade de interior, os velhos moradores se conhecem pelo nome e sobrenome. Sabem das histórias uns dos outros. Se reúnem na igreja aos domingos. Trocam pratos de canjica no São João. Por lá, a vida segue mansa. Na entrada do Poço da Panela, Zona Norte do Recife, ainda vê-se cidade. No meio do caminho, ruas de paralelepípedo, brisa e muito verde. No fim, perto do rio, lá por trás – onde quase ninguém vai – o cheiro é de fazenda. O clima é de sítio. (ANTUNES, Manuella. Os encantos do Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, 10 mar. 2012, JC online)
Essa percepção é compartilhada por entre seus moradores, a exemplo de D. Luzilá, a qual diz que “O Poço é um bairro de verdade, sabe? O Recife tá perdendo isso. Para mim, bairro é o lugar onde as pessoas se conhecem, se cumprimentam, fazem compra na venda. É união, é como uma grande família. E isso a gente tem aqui” (GONÇALVES, Luzilá. Os encantos do Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, 10 mar. 2012, JC online. Entrevista concedida a Manuella Antunes). Diversas são as manifestações de apreço e acolhimento pelo bairro que reforçam o sentimento de pertencimento de seus moradores pelo local. Durante o carnaval, há um bloco de nome “Os Barba” que possui concentração no Poço e desfila pelas suas ruas. Este bloco, que tem surgimento no ano de 2002, busca preservar suas origens e seu caráter local a cada ano (Figuras 85-89). “Como a maioria das troças e blocos recifenses, Os Barba (...) surgiu em 2002 de uma brincadeira despretensiosa entre amigos da Zona Norte do Recife. A prévia (...) será (...) no mesmo lugar de sempre, no Poço da Panela (...). (BELÉM, Gabriela. Bloco ‘Os Barba’, do Poço da Panela, dá uma guinada e volta às origens. Jornal do Commercio, Recife, 27 jan. 2017, JC online). Segundo Saramone Lima, um dos fundadores do Os Barba, a respeito do volumoso crescimento e popularização do bloco, diz que Não vamos engolir essa corda de mania de grandeza. Vamos fazer Os Barba no estilo do início. É uma volta radical às origens mesmo. Os mesmos dois panelões de feijoada, um garrafão de Pitú, a mesa de frutas, a orquestra, as cerca de 200 camisas pintadas por vários amigos artistas, a coroação do rei, etc. (LIMA, Saramone. Bloco ‘Os Barba’, do Poço da Panela, dá uma guinada e volta às origens. Jornal do Commercio, Recife, 27 jan. 2017, JC online. Entrevista concedida a Gabriela Belém)
É uma festa de cunho familiar e pacífico, enaltecendo o bairro, seus moradores, sua história. “A troça não sai do Poço da Panela, mas fazemos nossa pequena volta olímpica. A orquestra 97
sai da venda de Seu Vital, vai até o campinho de Seu Abdias, dentro da comunidade, e volta. É como uma saudação” (LIMA, Saramone. Bloco ‘Os Barba’, do Poço da Panela, dá uma guinada e volta às origens. Jornal do Commercio, Recife, 27 jan. 2017, JC online. Entrevista concedida a Gabriela Belém).
Figura 84: Mapa da setorização espacial do Zoneamento Especial do Recife com a localização do Poço da Panela circulada em amarelo.
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Figuras 85-89: Bloco carnavalesco “Os Barba”, 2017.
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Outro evento de bastante agitação pelas ruas do Poço e confraternização de seus moradores é a missa dominical. Tradicional do bairro, a missa “é um momento onde todo mundo se encontra. O mais legal é que tem os dias de festa” (GONÇALVES, Luzilá. Os encantos do Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, 10 mar. 2012, JC online. Entrevista concedida a Manuella Antunes). O Poço reúne diversas iniciativas promotoras da cultura e inserção social. Proporciona espaço e atmosfera para que os seus moradores atuem em favor da sociedade apropriandose do lugar e inserindo a comunidade local a melhores condições e qualidade de vida. Ratificase a relação afetiva entre o homem e o seu lugar e seu consequente sentimento de pertencimento. A exemplo, existe uma biblioteca comunitária (2011) fundada por moradores do Poço da Panela, destinada às crianças carentes do bairro (Figuras 90-95). É uma organização voluntária que não busca interesses lucrativos, apenas ajuda aos que mais precisam. Vinculada à esta biblioteca está o Conservatório Pernambucano de Música (CPM), propiciando uma parceria entre o aprendizado da leitura e da arte. O destino se encarregou de juntar o Conservatório Pernambucano de Música (CPM) com a Biblioteca Comunitária do Poço da Panela, na Zona Norte do Recife. Dessa união, crianças que nunca tinham visto um violino, uma viola e um violoncelo descobriram o gosto pelas composições eruditas. A parceria teve início em 2014 e a escola funciona com 17 alunos nos turnos da tarde e da noite. (ALVES, Cleide. Crianças carentes aprendem música erudita no Poço da Panela. Jornal do Commercio, Recife, 03 jul. 2016, JC online)
Outro encontro ocorrido rotineiramente ao longo de um ano no bairro foi a Feira Livre do Poço, evento proporcionado também pelos moradores (Figuras 96-101). Mensalmente, durante o primeiro domingo de cada mês, moradores locais organizavam as ruas próximas à igreja com diversas barraquinhas de comida, arte, livros e abriam seus espaços para os olhares de transeuntes e visitantes da área. Realizada pela Associação dos Moradores e Amigos do Poço da Panela (Amapp), a feira tem como objetivo congregar os microempresários do bairro e arredores, criando um novo canal de comercialização de seus produtos. Além disso, foi promovido um curso sobre manipulação segura de alimentos para qualificar esse grupo, que se reveza nas barracas instaladas no espaço. (1ª Feira Livre do Poço da Panela tem programação até a noite deste domingo. Jornal do Commercio, Recife, 03 mar. 2016, JC Online)
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Figuras 90-95 da coluna da esquerda para a da direita: Biblioteca comunitรกria do Poรงo da Panela.
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Figuras 96-101: Feira Livre do Poรงo.
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Porém, o Poço não acolhe apenas os moradores de seus espaços. Abrange todos aqueles que o escolhe como divertimento, lazer, experiência. É o que demonstra a reportagem do Diário de Pernambuco sobre o projeto empreendido pela Prefeitura do Recife, Olha! Recife: No domingo, o projeto da Prefeitura do Recife, realizado pela Secretaria de Turismo e Lazer, oferecerá mais dois passeios, a pé e pedalando. Para os pedestres, o roteiro será dedicado ao Poço da Panela, conjunto arquitetônico que surgiu por volta do século 18, nas terras do Engenho Casa Forte, e que se avolumou após um surto de cólera que levou os recifenses mais abastados a procurarem as medicinais águas do rio. O roteiro contemplará a Estrada Real do Poço, o casario, a Igreja da Saúde e o baobá da Rua Marquês de Tamandaré. (Olha! Recife com passeio de catamarã será na noite deste sábado. Diário de Pernambuco, Recife, 16 dez. 2016, Diário Online)
Deste modo, todos aqueles interessados pela área, curiosos, envolvidos ou não, podem sentir-se parte daquela atmosfera, pertencer ao lugar e vivenciá-lo sempre que possível. O Poço da Panela é uma localização plural, acolhedora e afetiva a todos aqueles que despendem tempo à sua experiência.
*** O surgimento e a história do Poço tiveram início bastante peculiares e expandiram-se de modo sadio e heterogêneo. As terras que a princípio tiveram ocupação devido às proximidades com o rio de águas medicinais, desenvolveram-se e adquiriram uma atmosfera história única, especial. De vigários, fidalgos e lavadeiras à artistas, diversas gerações e apaixonados pela área. O Poço, que teve como primeiros habitantes fixos dois padres, depois as lavadeiras, os fidalgos, tem hoje os artistas que bebem em seus ares a sua classe mais representativa, revelando a sua alma, a de um lugar que por si só pudesse ser uma obra de arte. Vários são seus expoentes e sem querer citar os nomes, vale lembrar o mestre do Movimento Armorial Ariano Suassuna, e muitos outros agrupados no Ateliê do Poço à beira rio e no Mercúrio 108. (BARROS, 2002, p.147)
Conhecer a história do Poço da Panela reforça a sua intimidade com o tema abordado nesta pesquisa; revela a relação íntima com os envolvidos presente desde o seu surgimento, e seu fortalecimento ao longo dos anos. É um espaço agradável, acolhedor e querido pelos seus usuários. Detém diversas histórias sobre o Recife, sendo palco de importantes eventos e personalidades. Cresceu e desenvolveu-se com determinado destaque perante a cidade e sua população, porém, não perdeu sua simplicidade e aprazibilidade. Mesmo nos presentes dias, 103
o Poço persiste com sua essência poética e configura-se como um lugar amável, histórico, imerso em lembranças coletivas e/ou individuais, e preenchido por uma atmosfera lúdica e criativa.
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04 │Debruçando-se no Elo Afetivo 4.1 Abordagem Desenvolvida Após percorrer alguns caminhos no íntimo da relação afetiva entre o homem e o seu lugar de origem e adentrar os vieses da memória, que emerge o sentimento de pertencimento, e da fantasia, que corrobora com a imaginação, faz-se necessário rebater as asserções abordadas em um método investigativo que proporcione subsídios que validem tais suposições. Ao aprofundarmo-nos no texto de David Seamon, Phenomenological Contribution to Environmental Psychology (1982), percebemos um método de compreender a relação afetiva entre o homem e o espaço envolvente o qual foi fundamental na concepção de análise desta pesquisa. Seamon baseia-se na dialética da vivência humana no espaço para estruturar um indicativo de tensões de tais experiências (Figura 102). Ao propor essa representação gráfica, Seamon sugere que a compreensão da relação afetiva deveria surgir a partir da análise de alguma dessas dialéticas. Eventualmente, a fenomenologia do espaço deveria examinar cada uma dessas dialéticas em detalhes e identificar suas relações – por exemplo, como a qualidade do espaço natural se relaciona com o insideness (interioridade), ou como o senso do espaço da comunidade se relaciona com a regularidade e a variedade? Investigações desses tipos de relações condiciona a uma clara interpretação de espaços específicos e também proporciona ao estudante um melhor entendimento dos espaços em suas vidas. (SEAMON, 1982, p.134, tradução nossa)
Com base nessa proposição de Seamon, elegeu-se trabalhar com a dialética do insideness X outsideness, o que pode ser compreendido como “interioridade X exterioridade”. Esta dialética, já eleita pelo autor como a mais importante, visa compreender de que modo o externo, o qual entende-se como o espaço exterior, interfere, influencia o interno, assimilado como o ser humano, e vice-versa. (...) o tema-chave de interesse em uma consideração fenomenológica de lugar é um conjunto de relações intraestruturais das quais o mais importante, provavelmente, como Relph sugere, é a interioridade e a exterioridade. A dialética interior-exterior marca um núcleo essencial de experiência de lugar e tem relação com outras ligações intraestruturais, tais como home-alcance, regularidade-variedade, ambiente natural-humanofeito, e assim por diante. (SEAMON, 1982, p.134, tradução nossa)
Desta forma, conforme decidido a metodologia de análise por meio da dialética interioridade X exterioridade, inseriu-se as duas vertentes trabalhadas ao longo da pesquisa, a memória e a fantasia, como os caminhos de análise imersos nessa dialética. 107
Figura 102: Esquema de tensões dialéticas na estrutura fenomenológica do espaço.
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Por se tratar de um tema concernente à união entre as pessoas e os lugares urbanos, optouse por utilizar o percurso da pesquisa social, elucidando essa relação afetiva e algumas de suas consequências. Por meio da pesquisa social, duas vertentes podem valer-se de instrumento de análise, a pesquisa quantitativa e a qualitativa. Esses dois meios divergem quanto à sua apreensão de resultados. A abordagem quantitativa e a qualitativa não têm o mesmo campo de ação. A primeira obtém dados descritivos através de um método estatístico. Graças a um desconto sistemático, esta análise é mais objetiva, mais fiel e mais exata, visto que a observação é mais bem controlada. (...). A segunda corresponde a um procedimento mais intuitivo, mas também mais maleável e mais adaptável a índices não previstos, ou à evolução das hipóteses. Este tipo de análise deve ser então utilizado nas fases de lançamento das hipóteses, já que permite sugerir possíveis relações entre um índice da mensagem e uma ou diversas variáveis do locutor. (BARDIN, 2009, p.141)
Conforme Bardin explana acima, o viés da abordagem quantitativa sugere desfechos descritivos, objetivos que compõem estudos estatísticos; em contrapartida, o emprego da abordagem qualitativa visa inferir qualidades subjetivas, e por isso, condizentes a este presente trabalho. Desta forma, foi determinada a abordagem qualitativa para conduzir o comportamento metodológico desta pesquisa. “A análise qualitativa apresenta certas características particulares. É válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais” (BARDIN, 2009, p.141). Ao adotar o perfil qualitativo como análise metodológica do assunto, o intuito não se detém em apenas expor as diversas opiniões dos envolvidos na pesquisa, mas também, explorar as assertivas ditas pelos entrevistados como forma de dados expressivos quanto as questões levantadas, que podem ser um meio de resolução das mesmas. A finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão. (...). Em síntese, o objetivo da pesquisa qualitativa é apresentar uma amostra do espectro dos pontos de vista. (BAUER & GASKELL, 2008, p.68 e 70).
Para desenvolver este método, é preciso, primeiramente, definir qual será o público destinado a participar deste trabalho. Faz-se necessária a categorização dos participantes, intuindo grupos que possuam entre os envolvidos, determinadas afinidades e/ou semelhanças. “A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (BARDIN, 2009, p.145). 109
Para definir essa categorização, é preciso analisar quem serão os envolvidos, de acordo com a sua aproximação quanto ao tema da pesquisa, e após este passo, reconhecer características similares entre eles, formando desta forma, as categorias. “As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso de análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão das características comuns destes elementos” (BARDIN, 2009, p.145). Quando em fase de definição dos entrevistados, na pesquisa qualitativa, é mais comumente utilizado o termo “seleção” que propriamente “amostragem”. Isto, Bauer & Gaskell revelam em Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um manual prático, que ocorre porque (...) a amostragem carrega, inevitavelmente, conotações dos levantamentos e pesquisa de opinião onde, a partir de uma amostra estatística sistemática da população, os resultados podem ser generalizados dentro de limites específicos de confiabilidade. Na pesquisa qualitativa, a seleção dos entrevistados não pode seguir os procedimentos da pesquisa quantitativa por um bom número de razões. (BAUER & GASKELL, 2008, p.67)
Entretanto, após abordar um limitado número de entrevistados, percebe-se que há determinados pontos de vistas que se repetem no meio social, e que podem servir de parâmetros para caminhos de resoluções quanto a investigação proposta. Mas do mesmo modo, acontece normalmente que existe um número relativamente limitado de pontos de vista, ou posições, sobre um tópico dentro de um meio social especifico. Por conseguinte, o pesquisador necessitará levar em consideração como este meio social pode ser segmentado com relação ao tema. (BAUER & GASKELL, 2008, p.68)
De modo que este presente trabalho aborda questões relativas à memória e à fantasia, pontos mais orgânicos que taxonômicos foram tratados. Foi preciso, desta forma, inferir uma categorização em que fosse viável a aplicação de tais questionamentos, e com isso, organizar um grupo de entrevistados que possuíssem em comum uma vivência no lugar, um passado, uma categoria pertinente ao tema. Uma alternativa para se pensar sobre segmentação é empregar grupos ‘naturais’, em vez de grupos estatísticos, ou taxonômicos. Nos grupos naturais, as pessoas interagem conjuntamente; elas podem partilhar um passado comum, ou ter um projeto futuro comum. Elas podem também ler os mesmos veículos de comunicação e ter interesses e valores mais ou menos semelhantes. Neste sentido, grupos naturais formam um meio social. (BAUER & GASKELL, 2008, p.69)
Por se tratar de pesquisa qualitativa, o número de pesquisados torna-se reduzido, quando em comparação com a pesquisa quantitativa. Por conseguinte, é preciso, por parte do pesquisador, conformar uma seleção criteriosa de acordo com os valores e/ou tema o qual 110
se debruça. “Aqui, devido ao fato de o número de entrevistados ser necessariamente pequeno, o pesquisador deve usar a sua imaginação social cientifica para montar a seleção dos respondentes” (BAUER & GASKELL, 2008, p.70). Relativo à quantidade de entrevistados, Bauer & Gaskell (2008), apontam para um montante variável entre 15 e 25 entrevistas individuais. Isto porque, após o exercício aplicado a um determinado número de pessoas, alguns pontos tornam-se constantes, latentes nas respostas, o que conforma um certo censo social às problemáticas de ordem coletiva. (...) permanecendo todas as coisas iguais, mais entrevistas não melhoram necessariamente a qualidade, ou levam a uma compreensão mais detalhada. (...) há um número limitado de interpelações, ou versões, da realidade. Embora as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, as representações de tais experiências não surgem das mentes individuais; em alguma medida, elas são o resultado de processos sociais. (BAUER & GASKELL, 2008, p.71)
Para fins operacionais deste trabalho, foram realizadas 15 entrevistas para compor o quadro de análises da pesquisa. Este número foi selecionado consoante com as circunstâncias que este trabalho de graduação conferiu à pesquisadora, tendo em vista os prazos e a própria temática de caráter introdutório. A critério de conformação do grupo, foi utilizado o tempo de moradia no bairro, assumindo um limite mínimo de 10 anos. Seria possível admitir diferentes grupos de investigação para análise do tema abordado na pesquisa, abrangendo opções como usuários do espaço rotineiramente, ou comerciantes, ou até mesmo turistas, pois todos podem construir ao longo das experiências, caráteres da memória e/ou da fantasia, vivenciando pertencimento ao lugar ou a imaginação. Em contrapartida, para produzir em tempo hábil um trabalho consistente, optou-se por trabalhar com apenas uma categoria de entrevistados, de forma que o produto apresentado pudesse provir de análises mais cautelosas. Quanto a seleção das questões, optou-se por conformar um questionário de duas partes; primeiramente, perguntas pertinentes às informações básicas dos entrevistados, com finalidade organizacional do grupo e reconhecimento dos integrantes. Em algumas circunstâncias, a pesquisa pode assumir um procedimento por fases. Neste caso, a primeira fase pode empregar um delineamento de amostra baseado em todas as informações acessíveis anteriores à investigação do tema. Tendo avaliado as informações desta fase, a segunda fase pode, então, enfocar categorias específicas de entrevistados que pareçam ser particularmente interessantes. (BAUER & GASKELL, 2008, p.70) 111
Posteriormente, foram introduzidas questões relativas ao tema abordado na pesquisa, que exprimissem o que se busca responder com este trabalho, de forma a facilitar o entendimento por parte dos entrevistados, devido a heterogeneidade educacional dos indivíduos concernentes ao grupo. Tratar o material é codificá-lo. A codificação corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos dados em bruto do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão; susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto, que podem servir de índices (...) (BARDIN, 2009, p.129, itálico do autor)
Entre os métodos disponíveis na pesquisa qualitativa como por exemplo, os grupos focais1, os mapas mentais2, a fotopintura3 ou as entrevistas individuais, optou-se pela última opção aqui listada, pois, a entrevista individual foi percebida como a alternativa mais viável quanto ao andamento da pesquisa em relação ao tempo disponível e quanto ao alcance dos resultados pretendidos. A entrevista individual era o método mais rápido e eficaz quanto a apreensão dos resultados que se desejava; isto porque, possuía acesso às memórias e fantasias individuais dos envolvidos, sem a possibilidade da interferência de terceiros, e posteriormente, caberia à pesquisadora o reconhecimento dos pontos congruentes em cada discurso. Segundo Bauer & Gaskell, “A entrevista individual ou de profundidade é uma conversação que dura normalmente entre uma hora e uma hora e meia” (2008, p.82). Por meio da entrevista individual, foi possível acessar o entendimento do objeto de estudo por cada integrante do grupo, bem como suas memórias e fantasias. Ao ter contato com essas duas vertentes de pesquisa proposta neste trabalho, coube à pesquisadora convergir os pontos similares em cada entrevista, consolidando traços de memórias e/ou fantasias coletivas. A entrevista individual tem o objetivo de “valorizar e tratar da forma mais automática possível a informação textual original, sem transformação nem codificação, nem redução a priori da informação de base” (BARDIN, 2009, p.180, itálico do autor). Para definir quais seriam as questões pertinentes aos pontos discutidos no trabalho, foi primeiro admitido que estas deveriam ser acessíveis a quaisquer voluntários que se
Grupo focal é “um debate aberto e acessível a todos: os assuntos em questão são de interesse comum; as diferenças de status entre os participantes não são levadas em consideração; e o debate se fundamenta em uma discussão racional”. (BAUER&GASKELL, 2008, p.79) 2 Mapas mentais são representações de um espaço mencionado pelo pesquisador e elaboradas pelo entrevistado por meio de desenhos, imagens. 3 Fotopintura é “uma técnica criada pelo fotógrafo francês André Adolphe Eugène Disdéri por volta de 1863 e se tornou muito popular no Nordeste do Brasil para a recuperação de retratos que nem sempre revelavam uma situação real mas aquela desejada pelo retrato (Itaucultural apud VERAS, 2014, p.185) 1
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propusessem responder, visto que, como mencionado anteriormente, o critério adotado para a formação do grupo respalda-se no tempo de moradia no bairro. Posteriormente, admitiuse, tendo como base as vertentes de análise da memória e da fantasia, pressupostos encontrados na leitura do livro Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som, para conceber as perguntas. Foram elegidas, com o critério de viabilidade de melhor compreensão e maior domínio nas análises decorridas, 03 perguntas que embasassem de forma indireta o que se propunha obter. Segundo o livro de Bauer & Gaskell (2008), havia categorias as quais as perguntas poderiam provir, não sendo estas necessariamente obrigadas a serem seguidas. Para realização deste trabalho foram eleitas: “Convidando para fazer descrições: O que vem à mente quando você pensa em ...? ” (BAUER&GASKELL, 2008, p.83, itálico nosso), a qual convergiu para o seguinte questionamento: Qual lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Esta primeira pergunta, possuía como intento, averiguar memórias afetivas com o bairro, promovendo resultados concernentes ao pertencimento, a primeira vertente apontada neste trabalho. A segunda esfera de opção sugerida no livro e adotada para este trabalho foi: “Projeções: Que tipo de pessoa você acha que gostaria de X? ” (BAUER&GASKELL, 2008, p.84, itálico nosso), a qual contribuiu para a formatação da seguinte pergunta: Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Esta pergunta possuía a intenção de investigar tantos os possíveis elos afetivos gerados pela memória, quanto pela fantasia, atuando no intento de ambas as vertentes de análise. A terceira e última questão foi elaborada também segundo categorias pressupostas pelo livro de Bauer & Gaskell (2008), assim como as anteriores, entretanto, foi concebida por meio da leitura e compreensão do já mencionado texto de Jeremy Wells, Phenomenology of Age Value in the Built Environment. A questão se fundamenta por meio da seguinte sugestão por parte do livro de Bauer & Gaskell “E levando as coisas adiante: Poderia me dizer algo sobre...? O que faz você sentir-se assim? E isso é importante para você? Como é isso? ” (BAUER & GASKELL, 2008, p.83, itálico nosso) e do questionamento feito por Wells, “E se a história imaginária de um lugar - através da experiência da fantasia espontânea - aumentar o apego pessoal a um lugar? ” (WELLS, 2011, p.14, tradução nossa), convergindo para a elaboração da seguinte questão: Ao adentrar o Poço da Panela, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Essa proposta buscou identificar os possíveis laços existentes entre o homem e o lugar pelo viés da fantasia, que proporcionava por consequência, o aflorar da imaginação. É importante ressaltar que o questionário elaborado 113
para a realização das entrevistas encontra-se disponível no final deste trabalho, em forma de apêndice A. 4.2 Caminhos da Memória e da Fantasia O processo de inserção dos moradores e/ou envolvidos com o espaço histórico pode proporcionar resultados benéficos para o meio urbano. Ao considerar a intimidade proveniente da experiência humana, a conservação alcança níveis não somente relacionados às características físicas, autenticidade, estilo construtivo, como também o apreço e sentimento que possam vir a existir no lugar. Segundo Jeremy Wells, (...) o que aconteceria se entendêssemos como as partes interessadas realmente percebem o que significa ‘histórico’ e depois escrevemos as perguntas da pesquisa a partir dessa perspectiva? Em seguida, os resultados quantitativos poderiam ser melhor interpretados. Essas abordagens de métodos mistos podem ser muito poderosas porque oferecem tanto generalização quanto compreensão. (WELLS, 2015, p.05, tradução nossa)
Embora esta pesquisa não tenha percorrido o caminho de um método misto, enfocando-se apenas na compreensão dos aspectos subjetivos correlacionados com a experiência humana nos espaços e suas consequências, não desvalida a importância de uma atuação mista nos espaços históricos, proporcionando um maior e mais consistente comprometimento com a conservação e perpetuação desses espaços ao longo dos tempos e das futuras gerações. Concernente à temática abordada por esta pesquisa, ao optar pela dialética entre a interioridade X exterioridade, a análise metodológica firma-se nos alicerces da experiência humana, por meio de sua imersão no lugar a qual pertencem. “Interioridade existencial é uma situação de imersão inconsciente no lugar; é a experiência de lugar que a maioria das pessoas conhece quando estão em sua própria comunidade ou região” (SEAMON, 1982, p.133, tradução nossa). Desta forma, torna-se viável o uso da memória e da fantasia como instrumentos de investigação. Segundo Bachelard, “(...) a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz” (2008, p.26). De forma análoga e paralela, foi visto ao longo do trabalho que o espaço urbano pode configurar-se também como um ambiente acolhedor, aprazível, protetor do homem, assim como a descrição da casa supracitada. “(...) ao devaneio pertencem valores que marcam o homem em sua profundidade” (BACHELARD, 2008, p.26). Ao referir-se no espaço de modo geral, seja ele de moradia individual, como a casa, ou coletiva, como o urbano, é possível intentar que estes espaços convergem em seu íntimo os valores 114
pertinentes a experiência humana, valores estes restringidos neste estudo, à memória e à fantasia. O primeiro valor apontado ao longo da pesquisa, a memória, é de singular importância para o ser humano. São por meio dos traços da memória, alimentados pela história e vice-versa, que as sociedades fortificam seu passado e constituem seu presente e seu futuro. “A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro” (LE GOFF, 2006, p.471). Este fortalecimento da sociedade, sua memória e sua história, não se findam como componentes da vertente subjetiva, da afetividade de sua população, mas também se caracterizam como instrumento de poder social, da consolidação e empoderamento de seus habitantes como nação, como pertencentes ao lugar. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento de poder. São as sociedades cuja memória social é sobretudo oral ou que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita que melhor permitem compreender esta luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória. (LE GOFF, 2006, p.470)
O segundo valor é referente à fantasia espontânea, a qual Wells descreve como “(...) essencial para o apego emocional a lugares históricos” (WELLS, 2011, p.01, tradução nossa). Essencial pois, diante deste fenômeno, o experienciador pode criar livremente e adquirir memórias que não possuam, necessariamente, conexão com a realidade vivida no ambiente. “(...) a fantasia espontânea envolve a criação de memórias e significados que nunca existiram anteriormente” (WELLS, 2011, p.15, tradução nossa). As memórias e significados pertinentes à citação anterior, são decorrentes das experiências individuais e ocorrem naturalmente, não provindo de um processo lógico ou racional do cérebro humano. Desta forma, torna-se inviável qualquer tentativa de analisar racionalmente tais fantasias, pois, elas podem não possuir um fundo verídico. (WELLS, 2011). Esta pesquisa prosseguiu no caminho da fantasia espontânea, pois, identificou neste fenômeno um valorável significado na vivência humana, “transcendente da descoberta, da magia, da novidade e do mistério” (WELLS, 2011, p.15, tradução nossa). 4.2.1 Sobreposições Afetivas Ao trabalhar com as entrevistas individuais foi possível apreender o tratamento singular dado ao bairro por cada entrevistado, por meio dos vieses da memória e da fantasia. No entanto, foi preciso sistematizar as informações coletadas por meio das conversas em dados 115
que convergissem o caminho proposto. Para tanto, adotou-se o procedimento utilizado pela arquiteta Júlia da Rocha Pereira, em sua dissertação de mestrado intitulada Sobrepondo Valores: A Construção do Território de Igarassu –PE. Neste trabalho, a autora trata as informações reunidas em uma matriz-síntese, a qual envolve as transcrições mais relevantes para a análise em comunhão com os valores os quais ela visa investigar. “Para a sistematização dos dados contidos (...), adotou-se a elaboração de uma matriz com as seguintes categorias: atributos físico-materiais, atributos imateriais, indicativo de significado, contexto de significado, valor, autor, data, e referência” (PEREIRA, 2012, p.89 e 90, itálico do autor). Conforme o cunho investigativo o qual esta presente pesquisa inclina-se, foi necessário fazer uma adaptação da matriz-síntese, restringindo-a às vertentes da fantasia e da memória. Por conseguinte, as categorias listadas conformaram-se em: Elementos lembrados, em alusão aos atributos físico-materiais e imateriais referenciados na pesquisa modelo, representados neste trabalho pelos elementos da paisagem lembrados ao remeterem suas vivências no bairro; indicativo de significado, conforme foi constatado na pesquisa de referência como instrumento de análise e também assumido neste trabalho com o mesmo intento; autor, titulando os participantes das entrevistas; contexto de significado, também encontrado no trabalho de referência, como dispositivo de análise e contextualização dos tópicos explorados; a categoria vertente de análise, relativa neste trabalho à categoria valor do modelo extraído, data e a referência, que caracterizam os elementos expostos. É fundamental ressaltar a intenção de tais categorias, a fim de melhor contextualizar o modo operacional desta análise a todos que se dedicam a leitura. A categoria indicativo de significado, diz respeito às “transcrições literais dos significados atribuídos a tais aspectos” (PEREIRA, 2012, p.90). Desta forma, conforma-se por meio de trechos extraídos das entrevistas realizadas para embasar os caráteres da memória e/ou da fantasia quanto às análises. Concernente à categoria contexto de significado, o seu critério baseia-se “com o objetivo de abrigar a interpretação fruto da pesquisa acerca do que foi escrito sobre cada atributo, o que justifica a categorização dos valores” (PEREIRA, 2012, p.90). O qual infere-se que esta categoria expõe a interpretação do pesquisador, quanto a leitura e apreensão do conteúdo adquirido pela entrevista e transcrito na matriz e justifica a sua classificação. Optou-se por transmutar o título valor pelo vertente, devido o menor grau de complexidade dado à pesquisa. Ao utilizar-se do termo valor, a autora aludia aos valores determinados pela Carta de Burra (1999), segmento de análise a qual ela tomou partido. Em consequência dos termos adotados para análise desta pesquisa terem sido conformados por meio da observação 116
de algumas resultantes das experiências dos envolvidos no espaço, e não seguindo qualquer critério postulado oficialmente em estudos específicos, optou-se pela substituição. Para melhor compreensão dos resultados obtidos, gerou-se duas matrizes-síntese, uma destinada à memória e a outra à fantasia. Esta decisão proporcionou maior clareza quanto aos elementos lembrados por cada categoria, elencando-os em comunhão com as transcrições que o mencionam. As matrizes-sínteses encontram-se no apêndice D do volume. Em sequência, após a realização das entrevistas com os moradores, foram feitas as transcrições das mesmas, as quais também se encontram disponíveis no verso deste volume, em forma de apêndice C, e a seleção dos trechos pertinentes às categorizações propostas neste trabalho. Conforme o título deste trabalho prevê, o produto elaborado por meio da identificação e apreensão das entrevistas conforma sobreposições afetivas nos elementos urbanos pertinentes às lembranças atreladas à memória e à fantasia. Deste modo, como meio de elucidação dos resultados obtidos foram selecionadas citações concernentes às vertentes abordadas nesta pesquisa, ratificando e ilustrando importantes condicionantes no tocante à conservação dos ambientes históricos. 4.2.1.1Memória e Fantasia Por meio de determinados trechos é possível inferir o sentimento de pertencimento eminente das experiências dos moradores no bairro. Por certo, a Igreja de Nossa Senhora da Saúde (Figura 103) contempla diversas memórias e lembranças dos moradores no espaço. O pertencimento pode emergir desde as memórias da infância, como relata o entrevistado 01, quando diz que Eu me lembro muito do pátio da igreja quando eu era menino e brincava bastante com meus colegas por lá... (...)A igreja para mim é o símbolo do Poço. Foi lá que vivi os melhores momentos da minha vida (...). Enfim, minhas lembranças e minhas histórias pertencem a esse local. Sou de lá. (Entrevistado 01, 47 anos) 117
Figura 103: Igreja de Nª Sª Saúde. Obra de Clarissa Garcia.
Como também por meio da vivência diária, das histórias construídas ao longo dos anos no espaço. É o que comenta o entrevistado 11, ao dizer que “(...) ali a gente sente que o espaço é nosso, não é de ninguém, e é da gente ao mesmo tempo, entendeu? A gente sente que pertence a gente (...)” (Entrevistado 11, 50 anos), referindo-se ao pátio da igreja como ponto de encontro. Assim também é visto na entrevista concedida pelo entrevistado 13, quando diz que (...) além de histórico, esse bairro é meu. Foi ali que eu cresci, sabe? Foi ali que me criei, foi naquele pátio que eu me tornei gente, assistindo as missas, brincando com as meninas... Pra mim, se alguém disser assim: onde é que você mora? Eu vou dizer, assim, eu moro na rua Macedo...não tem sentido... aí você diz assim: não tem a igrejinha de nossa senhora da Saúde? Então, a minha rua fica em frente a igrejinha. Pronto! Veja se ela não é o centro do bairro e da minha vida. (Entrevistado 13, 73 anos)
É singular perceber o quanto os espaços urbanos podem identificar o homem que o habita, tornando-se peça fundamental em sua existência. O caráter identitário do pátio e da Igreja correspondem ao apreço e feição que os moradores nutrem por ele. É possível apreender o pertencimento que os moradores possuem com os elementos, ratificando a importância da conservação dos mesmos, promovendo deste modo, as memórias de sua gente, coletivas ou individuais e a unicidade do espaço e de seus moradores. Em contrapartida, não somente de caráteres da memória está conformada a imagem da Igreja e o seu pátio. Este elemento também foi mencionado quanto a sua influência imaginativa em seus moradores. É o que se pode inferir por meio da entrevista 10 (24 anos) quando o participante narra que “É possível chegar na praça da frente da igreja e lembrar das estórias Gilbertianas do ‘Recife assombrado’”. A vertente da fantasia também encontra-se bastante presente na Igreja, elemento agregador do bairro e diretamente responsável pelo seu surgimento, convergindo em seu espaço diversos momentos históricos, lendas, vivências. Outro elemento lembrado ao penetrar na intimidade das memórias de seus moradores foi a ambiência do Poço (Figura 104). Ao debruçar-se nas entrevistas, foi possível inferir o afeto, a aproximação e encantamento que os moradores experienciam no lugar. Segundo o entrevistado 02 (33 anos), “(...) desde que conheci, me encantei com o lugar, com o bairro, e fui adentrando, me aproximando, me deixando levar...aqui é a minha casa”. Por vezes, a atmosfera lúdica e histórica do Poço, converge numa aproximação íntima e sincera,
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desempenhando o elo afetivo do morador com o local. “(...) é o lugar da minha infância (...). Então, é o elo afetivo né? Da minha infância e da minha vivência. (...) aquilo ali para mim me choca, mas de uma forma positiva, porque eu me lembro da minha infância e da minha andada por lá” (Entrevistado 03, 70 anos). Esse elo adquiri, por vezes, um caráter existencial, onde o espaço torna-se extensão do ser e há uma reciprocidade. “(...) todo o bairro é coisa boa, maravilhosa. Eu amo esse lugar. Eu vivo aqui! (...)aqui é o meu lugar” (Entrevistado 06, 77 anos). Esta passagem ratifica
Figura 104: Ambiência do Poço. Obra de Clarissa Garcia.
o que foi escrito anteriormente, ao longo do primeiro capítulo onde, Tuan afirma que “Os pertences de uma pessoa são uma extensão de sua personalidade” (1980, p.114). (...) eu gostaria que (...)que meus netos pudessem viver isso também, esse pertencimento, esse acolhimento, essa atmosfera. (...). Porque ele (Poço) é a história, em algum momento aquilo, ou você passou por ali, ou você viveu alguma coisa naquela rua, muito difícil você não se reportar a algo que foi importante para você, já que isso faz parte do nosso dia a dia. (Entrevistado 11, 50 anos)
Conforme o entrevistado 11, é por meio da experiência dos espaços, que suas memórias se eternizam no ambiente e o sentimento de pertencimento emerge. Esta é, segundo o participante, uma característica pertinente ao local e é fundamental ser propagada para as futuras gerações. Esse caráter acolhedor, afetivo, de pertencimento aos espaços históricos pode elucidar um percurso que venha a auxiliar na conservação dos mesmos. Assim como a ambiência do Poço é um elemento pertinente à memória de seus moradores, verifica-se que o mesmo permeia também o campo da fantasia. Conforme entrevistas, a ambiência do bairro proporciona uma alusão a outros tempos, a criação de lendas e estórias e abrange as mentes férteis que por ali caminham. Muitas vezes, mentes criativas, de artistas que se envolvem pela atmosfera plural e que ali se inspiram para conceber suas obras, é o que se verifica, à exemplo, na entrevista de número 09, quando o participante diz que “Mas de uma certa forma sim, eu pinto histórias que aqui existiram, ao menos na minha imaginação existiram, e o Poço me dá toda essa imaginação, toda essa fantasia, o Poço me inspira (...)”. 119
O Poço tornou-se um lugar mágico, lúdico para os seus moradores, muito em função de sua ambiência, o que ratifica a sua importância quanto a conservação desse elemento. O aspecto antigo, preservado, penetra pela imaginação dos moradores e os tornam mais próximos. Segundo entrevistado 02 (33 anos), Não há como negar que o bairro, por ser histórico, traz a magia de outros tempos e se o Poço não fosse assim, não teria a mesma graça. É um lado especial. Com certeza me lembra antepassados. Eu conseguiria até mesmo imaginar, os escravos conseguindo fugir, sendo acudidos por dona Olegarinha... andar na Estrada Real do Poço é como se você tivesse voltando ao passado...
É pelo caminhar nas ruas históricas, preenchidas de memórias, estórias, lendas que muitos moradores, a exemplo do supracitado, permite-se voltar no tempo, sentir-se em períodos antigos, relembrar momentos históricos contados de geração em geração, enfim, fantasiar pela atmosfera lúdica do bairro. É o que se pode apreender também, dentre tantos relatos, o do entrevistado 08, quando diz que Minha vida é um imaginário, e muito graças ao Poço da Panela. Esse lugar fértil, esse lugar encantador, não há como não se deixar levar pelas histórias e encantos do Poço. Então, sim, eu já imaginei, imagino e imaginarei até o fim dos meus dias, várias estórias que eu crio.
Essa ambiência é também, por vezes, alvo do apreço e afeição dos moradores. Não somente a memória traz esse amor pelo lugar, como também pela fantasia é possível sentir-se apegado, pertencente ao espaço. Conforme a entrevista 12 (53 anos), Sim, eu viajo nessas histórias. Inclusive eu li dois livros que tem histórias do século XIX, né? Do Poço. Então eu fico vendo assim essas histórias né? Eu olho para as ruas e vejo. (...) aliás, eu tinha perdido a minha sensação de pertencimento ao local, até uma certa idade. Porque eu fui morar na Europa e fiquei sentindo muita falta do Brasil, quando eu voltei, eu não senti mais enraizada no Brasil, perdi. Eu não era mais de lugar nenhum, eu era desenraizada. E quando eu passei a morar no Poço, nessa casa aqui, eu passei a me sentir pertencendo ao bairro, ao lugar. É como se fosse assim, um acolhimento de família ne?
A entrevista 14 também ratifica esse amor vivido no Poço pelos seus moradores por meio da fantasia: “Sim, né? Por causa do histórico né? (...). Eu me sinto dentro de um conto, uma lenda e eu amo isso. É uma das coisas mais lindas do meu Poço. (...) eu sou daqui e daqui só saio quando morrer. Eu não vou encontrar um lugar melhor do que esse para morar”. Em composição na ambiência, tão referenciada pelos moradores do Poço, seja pela vertente da memória ou da fantasia, outro elemento foi lembrando pelos entrevistados, segundo o
120
viés da fantasia, o casario (Figura 105). De acordo com o entrevistado 06, o casario visto no Poço permite o devaneio, o sonho, ativa a imaginação: Olhe... quando eu caminho, eu vou por essas ruas aí, fico olhando esses casarões... fico sem saber o que pensar. Vou por essa quadra aí, dou umas voltinhas, e isso me leva a outro momento, como se eu não tivesse mais vivendo àquela hora do dia (...).
O casario do Poço remete a tempos antigos, interfere nas emoções de seus moradores, é o que se percebe por meio da leitura
da
entrevista
11,
quando diz que “(...) a parte arquitetônica é visual, e o visual, ele exatamente ativa o nosso imaginário, ele faz você ter emoções... (...) ver os Figura 105: Casario. Obra de Clarissa Garcia.
casarões e não sonhar com outros tempos, imaginá-los, não sentir algum tipo de
emoção, né? ”. É perceptível, por meio do viés da fantasia, o forte simbolismo do casario para a ambiência do Poço e o estreitamento da relação entre o morador e seu espaço. A intimidade com o lugar também provém dessa característica, possibilitando um caminho de ratificação de sua conservação. O sentimento de pertencimento e afetividade são características também intrínsecas à Estrada Real do Poço (Figura 106), outro elemento lembrado por uma parte dos entrevistados. Alguns moradores guarnecem memórias vividas no local, pertinentes de suas experiências no espaço, sua história com o bairro. É o que se apreende das palavras do entrevistado 05, ao dizer que Onde eu moro. A pracinha e a estrada real do Poço. (...)aqui estavam as minhas histórias, minhas memórias. (...). Agora a minha vida, a minha realidade também está marcada no Poço, também faz parte dela e eu também faço parte daqui. Isso me faz amar ainda mais esse lugar. (Entrevistado 05, 83 anos)
Este trecho supracitado faz menção à abordagem tratada no capítulo 01, no tocante aos laços afetivos provenientes da relação humana com o lugar, o qual este último torna-se, segundo Tuan “(...) manifestações (...) do amor humano por lugar ou topofilia” (1980, p.106).
121
Este elemento foi também lembrado por sua pertinência na vertente da fantasia. Segundo o entrevistado 02 (33 anos), “(...) quando você entra no bairro pela Estrada Real do Poço, você já começa a se sentir em outros tempos, em um tempo passado (...)”. Isso infere um fluir na imaginação, uma volta à tempos Figura 106: Estrada Real do Poço. Obra de Clarissa Garcia.
antigos, a momentos talvez não vividos mas criados no imaginário humano. Por
meio dessa afetividade, desses sentimentos emergentes pelo lugar habitado, vivido, experienciado, pela ativação da imaginação devido à sua historicidade é possível inferir caminhos potencialmente favoráveis à conservação desses espaços históricos. Outro elemento numerosamente citado pelos entrevistados e figura importante na vivência e memória dos moradores foi a Bodega do Seu Vital (Figura 107). Vinculado às lembranças rotineiras, à familiaridade, ao sentimento de acolhimento e afeto, a Bodega do Seu Vital estabelece uma íntima relação com os seus usuários. É o que se verifica ao longo das entrevistas de número 12 e número 09, as quais ao passo que àquela diz que “(...) se eu tiver que deixar uma chave para o meu filho vir e pegar, eu deixo em seu Vital, todo mundo tem uma confiança bem assim em seu Vital, então é uma relação bem, bem família” (Entrevistado 12, 53 anos), essa informa que (...) bar do seu Vital. (...)porque é aqui no seu Vital que a minha vida acontece. (...). Por que é o lugar que eu mais gosto (choro), frequento lugares do mundo todo, e nada é igual... aqui eu tenho uma família que é difícil você encontrar (choro). Eu amo esse lugar e sou daqui (...). (Entrevistado 09, 55 anos)
Esse caráter de pertencimento, identificado na citação acima, é, como visto nos capítulos anteriores, proveniente das experiências vividas 122
Figura 107: Bodega do Seu Vital. Obra de Clarissa Garcia.
no lugar, e por consequência, suas memórias, suas histórias e a afetividade que se estabelece com o tempo. São aspectos bastantes relevantes que podem vir a contribuir na trajetória da conservação dos espaços históricos. Segundo foi visto ao longo do primeiro capítulo, Bachelard aborda esse caráter de pertencimento ao mencionar que “todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa. (...) em suma, na mais interminável das dialéticas, o ser abrigado sensibiliza os limites do seu abrigo” (2008, p.25). Assim é possível verificar, no decorrer da entrevista 07, que a Bodega do Seu Vital configurase como um lar para muitos usuários, sensibilizando o seu limite de espaço urbano. “O bar do seu Vital também. Tudo se resolve aqui, a minha vida é aqui, eu tô em casa” (Entrevistado 07, 50 anos). Elemento marcante na paisagem do Poço, característico por ser palco de passagens históricas eternizadas e honrosas para os moradores do lugar, a Casa de José Mariano e D. Olegarinha (Figura 108) também é alvo de memórias afetuosas por parte de alguns moradores. É o que se apreende ao tomar conhecimento da entrevista 08 (69 anos): “(...)a casa de José Mariano e D. Olegarinha. (...). Por que é um símbolo, histórico, que eu tive a felicidade de morar defronte a ele. (...). Ou seja, faz parte das minhas memórias do Poço. (...) é de onde eu
pertenço”.
Este
elemento,
devido sua importância histórica e social, já usufrui de respaldo quanto a sua conservação, adquirindo, nesta análise, outro viés quanto sua relevância social, a memória e o afeto por seus moradores.
123
Figura 108: Casa de José Mariano ao fundo. Obra de Clarissa Garcia.
Um elemento característico do bairro lembrado por um morador por meio das lembranças e da afetividade é o Chão em Pedra Rachão (Figura 109). De acordo com o entrevistado 10, o elemento
promove
tanta
afetuosidade que foi inserido em sua residência. “Claro que esse elemento está ligado às minhas emoções e vivências. Por exemplo, na minha casa tem uma pequena rua de entrada que nós fizemos nesse material.
É
morno,
traz
conforto” (Entrevistado 10, 24 anos). Desta
Figura 109: Chão em Pedra Rachão. Obra de Clarissa Garcia.
forma, o chão em pedra rachão está eternizado em suas lembranças, tanto do espaço urbano e do bairro, quanto de sua residência, possuindo uma relação íntima com o morador.
*** É possível perceber como as memórias e fantasias dos moradores estão intimamente atreladas aos elementos do espaço urbano do bairro e de sua ambiência, de um modo geral. Considerar tais características na conservação dos espaços históricos pode promover um processo mais rico e próximo das pessoas que usufruem o ambiente, que se identificam, pertencem e amam esse lugar. 4.2.2 Cartograma de Sobreposições Afetivas Com o intuito de ilustrar os resultados obtidos e expostos acima, ao longo do trabalho, optou-se pela elaboração de um cartograma-síntese que expusesse os elementos citados e suas sobreposições afetivas da memória e da fantasia. Este cartograma configura-se por meio de uma enumeração dos elementos lembrados, em sequência às citações contidas no texto, que estão representados pelas imagens evidenciadas acima, provenientes da artista plástica Clarissa Garcia que gentilmente cedeu suas obras para composição das ilustrações. Sobrepostos à localização de tais elementos no cartograma, encontram-se números também presentes nas imagens supracitadas com cores distintas, estas simbolizando os caráteres da memória, em azul, da fantasia, em amarelo e ambos quando encontram-se vinculados ao elemento, em vermelho, expressando quais vieses foram 124
identificados por meio das análises das entrevistas e elucidando, desta forma, a sintetização do objetivo deste trabalho.
Cartograma 01/01: Sobreposições Afetivas 125
126
127
128
│Conclusão Como foi possível apreender ao longo deste trabalho, a experiência do homem em seu espaço é primordial para sua existência terrena. Por meio da vivência, o ser humano estabelece uma intimidade que vincula os elos afetivos concebidos com o seu lugar de origem, identificandoo, caracterizando-o e tornando-o pertencente ao meio. Ao longo do primeiro capítulo, percebeu-se o quão essencial e afetiva pode ser a relação pertinente ao homem em seu espaço, e sua importância para o enraizamento e zelo daquele neste. O espaço urbano conforma em sua extensão sua essência como lugar e as diversas percepções de quem ali se encontra. Os sentimentos de amor e pertencimento conformam-se de tal domínio e vitalidade para o homem ao vivenciar o meio em que se encontra que deveria ser tratado como elementos fundamentais ao vivenciar os espaços. Por meio da experiência no lugar é possível estabelecer vínculos de afeto, proteção e pertencimento ao local e tais consequências engrandecem a vivência e o comprometimento da população com o local, bem como seu envolvimento na conservação de seus espaços. Foi possível averiguar que os caminhos da conservação, recentemente, já admitem a inserção da população pertencente ao local em suas discussões, desde o Manifesto de Amsterdã (1975) a qual precisa o termo da Conservação Integrada até as cartas mais recentes (Burra, etc). Esta inserção abrange vieses até então não pautados, proporcionando um resultado mais abrangente e sólido. Por meio da inserção dos usuários quanto às questões relativas à conservação dos espaços históricos, diferentes vieses puderam ser considerados, condizentes com a experiência do homem no espaço, sintetizados nesse trabalho pela memória e pela fantasia. Foi possível consolidar uma defesa acerca de caminhos subjetivos presentes nas discussões da conservação dos espaços históricos por intermédio das leituras e apropriações dos conteúdos explorados por autores como Bachelard, no âmbito da memória, e de Jeremy Wells, na esfera da fantasia. Ao estabelecermos o respaldo teórico, voltamo-nos para a malha urbana recifense, local de realização desta pesquisa, e elegemos o bairro do Poço da Panela como o instrumento de análise dessas vertentes abordadas.
129
O bairro histórico recifense abrange por entre suas vias e espaços, a história da cidade, importantes fatos sócio-políticos e o carinho e afetividade de seus moradores, conformandose assim, como um válido representante do debate proporcionado ao longo do texto. Foi demonstrado que desde o seu desenvolvimento, a intimidade e envolvimento com os seus moradores foi de fundamental importância para a caracterização de sua ambiência e perpetuação de sua essência ao longo dos anos. Apesar de sua conservação ter sido conduzida apenas por parâmetros objetivos, concernentes dos estudos proporcionados pelos experts no assunto, ainda assim é possível perceber a aproximação, o acolhimento dos moradores pelo lugar e seus elos afetivos. Por tais motivos supracitados, o Poço da Panela foi escolhido para investigar possíveis caminhos que venham a contribuir com a conservação dos espaços históricos por meio de duas vertentes subjetivas, a memória e a fantasia. Foi realizada a metodologia de análise no local, visando a apreensão dos caráteres subjetivos quanto à atmosfera histórica do Poço. Ao trabalhar com as entrevistas individuais e analisar as informações coletadas, foi perceptível a pluralidade de sentimentos, memórias e afeto existentes no ambiente, e como estes se sobrepõem aos principais elementos conservados ao longo dos anos, ratificando a importância da conservação e perpetuação da ambiência histórica do bairro para os seus moradores. Tais sobreposições afetivas corroboram para a ratificação de uma busca por caminhos os quais os caráteres subjetivos dos envolvidos com o lugar, promovidos pela experiência dos mesmos e sua relação afetiva possam vir a contribuir para a conservação de espaços históricos mais consistentes, plurais e significativos para todos os seres envolvidos e que venham a experienciar o lugar.
130
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ZEPH – Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural
│Lista de Cartograma Cartograma 01/01 – Mapa de Sobreposições Afetivas
│Lista de Figuras Capa do trabalho: Casa rosa no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Capítulo 01: Abertura: Casa verde no Poço da Panela, 2017. Fonte: A autora, 2017. Figura 01: Demonstrações de afeto no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 02: Demonstrações de afeto em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 03: Demonstrações de afeto no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 04: Demonstrações de afeto em Bruxelas. Fonte: A autora, 2014. Figura 05: Demonstrações de afeto em Bruxelas. Fonte: A autora, 2014. Figura 06: Demonstrações de afeto em Barcelona. Fonte: A autora, 2015. Figura 07: Demonstrações de afeto em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 08: Demonstrações de afeto em Perúgia. Fonte: A autora, 2015. Figura 09: Demonstrações de afeto em Veneza. Fonte: A autora, 2014. Figura 10: Demonstrações de afeto em Roma. Fonte: A autora, 2015. Figura 11: Demonstrações de afeto em Roma. Fonte: A autora, 2015. Figura 12: Demonstrações de afeto na Cracóvia. Fonte: A autora, 2015. Figura 13: Ambiências de acolhimento e proteção em Milão. Fonte: A autora, 2015. Figura 14: Ambiências de acolhimento e proteção em Veneza. Fonte: A autora, 2014. 136
Figura 15: Ambiências de acolhimento e proteção em Bruges. Fonte: A autora, 2014. Figura 16: Ambiências de acolhimento e proteção em Roma. Fonte: A autora, 2015. Figura 17: Ambiências de acolhimento e proteção em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 18: Ambiências de acolhimento e proteção em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 19: Cenas de pertencimento ao local no Marco Zero. Fonte: A autora, 2016. Figura 20: Cenas de pertencimento ao local em Varsóvia. Fonte: A autora, 2015. Figura 21: Cenas de pertencimento ao local em São Paulo. Fonte: A autora, 2016. Figura 22: Cenas de pertencimento ao local no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2014. Figura 23: Cenas de pertencimento ao local em Milão. Fonte: A autora, 2015. Figura 24: Cenas de pertencimento ao local em Milão. Fonte: A autora, 2015. Figura 25: Cenas de pertencimento ao local em Bruges. Fonte: A autora, 2014. Figura 26: Cenas de pertencimento ao local no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 27: Cenas de pertencimento ao local na Breslávia. Fonte: A autora, 2016. Figura 28: Cenas de pertencimento ao local no Rio de Janeiro. Fonte: A autora, 2016. Figura 29: Cenas de pertencimento ao local em São Paulo. Fonte: A autora, 2016. Figura 30: Cenas de pertencimento ao local em São Paulo. Fonte: A autora, 2016.
Capítulo 02: Abertura: Casa amarela no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 31: Vivência em espaços históricos no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 32: Vivência em espaços históricos na Cracóvia. Fonte: A autora, 2015. Figura 33: Vivência em espaços históricos em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 34: Vivência em espaços históricos em Bruges. Fonte: A autora, 2014. Figura 35: Vivência em espaços históricos em Monza. Fonte: A autora, 2015. Figura 36: Vivência em espaços históricos no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. 137
Figura 37: Vivência em espaços históricos em Milão. Fonte: A autora, 2015. Figura 38: Vivência em espaços históricos em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 39: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Veneza. Fonte: A autora, 2014. Figura 40: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Roma. Fonte: A autora, 2015. Figura 41: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 42: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 43: Espaços históricos pertinentes à fantasia no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 44: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Roma. Fonte: A autora, 2015. Figura 45: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Milão. Fonte: A autora, 2015. Figura 46: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Verona. Fonte: A autora, 2015. Figura 47: Espaços históricos pertinentes à fantasia em Bruges. Fonte: A autora, 2014. Figura 48: Espaços históricos pertinentes à fantasia no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 49: Espaços históricos pertinentes à fantasia na Cracóvia. Fonte: A autora, 2015. Figura 50: Espaços históricos pertinentes à fantasia no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017.
Capítulo 03: Abertura: Casa azul no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figuras 51-66: Ambiência no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura
67:
Mapa
da
delimitação
atual
do
Poço
da
Panela.
Fonte:
<http://www2.recife.pe.gov.br/wp-content/uploads/PO%C3%87O.jpg> Acesso em: 10 jun. 2017. Figura
68:
Mapa
do
zoneamento
especial
da
cidade
do
Recife.
Fonte:
<http://www.recife.pe.gov.br/ESIG/documentos/mapas/cadlog/Zoneamento/817050.p df> Acesso em: 10 jun. 2017. 138
Figura
69:
Mapa
da
cidade
Maurícia
em
1639.
Fonte:
<http://files.labtopope.webnode.com/2000004547269573674/Mapa_Cidade_Mauricia_R ECIFE_Pernambuco_1639_1.jpg> Acesso em: 30 mar. 2017. Figura
70:
Mapa
da
cidade
Maurícia
em
1639.
Fonte:
<http://files.labtopope.webnode.com/20000044109c150ab7d/Mapa%20Recife%20e%20 Cidade%20Mauricia_Pernambuco_1639.jpg> Acesso em: 30 mar. 2017. Figura 71: Mapa da delimitação urbana do Recife em 1870. Fonte: Arquivo Público Estadual. Acesso em: 30 mai. 2017. Figura 72: Ilustração da Igreja de Nossa Senhora da Saúde em 1951. Fonte: PEREIRA DA COSTA, 1951, p.526. Acesso em: 13 abr. 2016. Figura 73: Igreja de Nossa Senhora da Saúde em 2017. Fonte: A autora, 2017. Figura
74:
Paisagem
do
bairro
em
1847.
Fonte:
<http://divulgapernambuco.webnode.com.br/galeria-de-fotos/imagens-antigas/> Acesso em: 13 abr. 2016. Figura
75:
Paisagem
do
bairro
em
1940.
Fonte:
<http://www.imgrum.org/media/1255593949844332038_1904906654> Acesso em: 13 abr. 2016. Figura 76: Poço que deu origem ao nome do bairro. Fonte: BARROS, 2002, p.100. Acesso em: 13 abr. 2016. Figura 77: Maxambomba que passava pelo Poço. Fonte: BARROS, 2002, p.119. Acesso em: 13 abr. 2016. Figura 78: Mapa da expansão urbana e linhas de transporte do Recife em 1906. Fonte: <http://files.labtopope.com.br/200000436c145bc23ee/Mapa%20Recife%20Linha%20de %20Bondes%20Tra%C3%A7%C3%A3o%20Animal%201906%20a%201914.jpg> Acesso em: 20 mai. 2016. Figura
79:
Mapa
linhas
de
bondes
eletrificados
entre
1914-1960.
Fonte:
<http://files.labtopope.com.br/2000004372218c23131/Mapa%20Recife%20Linha%20de %20Bondes%20Eletrificado%201914%20a%201960.jpg> Acesso em: 20 mai. 2016.
139
Figura
80:
Mapa
linhas
de
transportes
entre
1960-2001.
Fonte:
<http://files.labtopope.com.br/2000004399268093606/Mapa%20Recife%20Linha%20de %20Trolleybus%201960%20a%202001.jpg>Acesso em: 20 mai. 2016. Figura 81: Mapa da cidade do Recife em 1932. Fonte: Arquivo Público Estadual. Acesso em: 30 mai. 2017. Figura 82: Região político-administrativa 3 referente à localização do Poço da Panela. Fonte: < http://www2.recife.pe.gov.br/servico/sobre-rpa-3>Acesso em: 30 mai. 2017. Figura 83: Mapa da forma tentacular no Recife em 1943. Fonte: PONTUAL, 2001, p.59. Acesso em: 02 jun. 2017. Figura 84: Mapa da setorização espacial do Zoneamento Especial do Recife com a localização do
Poço
da
Panela
circulada
em
amarelo.
Fonte:
<http://www.fundaj.gov.br/geral/observanordeste/livro%20MUR/livro_mur.pdf> Acesso em: 20 abr. 2017. Figuras
85-89:
Bloco
carnavalesco
“Os
Barba”.
Fonte:
<http://vivointensamenteascoisasmaissimples.blogspot.com.br/2013/02/bloco-dosbarba.html> Acesso em: 05 jun. 2017. Figura
90:
Biblioteca
Comunitária
do
Poço
da
Panela.
Fonte:
<https://imaginariosdias.wordpress.com/tag/biblioteca/> Acesso em: 10 jun. 2017. Figura
91:
Biblioteca
Comunitária
do
Poço
da
Panela.
Fonte:
<http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2016/08/07/biblioteca-dopoco-da-panela-faz-campanha-em-busca-de-padrinhos-247551.php> Acesso em: 10 jun. 2017. Figura
92:
Biblioteca
Comunitária
do
Poço
da
Panela.
Fonte:
<http://www.estuario.com.br/2014/04/30/biblioteca-comunitaria-do-poco-da-panelacomemora-tres-anos/> Acesso em: 10 jun. 2017. Figura 93: Biblioteca Comunitária do Poço da Panela. Fonte: <http://poraqui.news/casaforte/biblioteca-do-poco-faz-6-anos-com-programacao-alem-da-leitura-pros-pequenos/> Acesso em: 10 jun. 2017.
140
Figura 94: Biblioteca Comunitária do Poço da Panela. Fonte: < http://poraqui.news/casaforte/biblioteca-do-poco-faz-6-anos-com-programacao-alem-da-leitura-pros-pequenos/> Acesso em: 10 jun. 2017. Figura
95:
Biblioteca
Comunitária
do
Poço
da
Panela.
Fonte:
<http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2016/08/07/biblioteca-dopoco-da-panela-faz-campanha-em-busca-de-padrinhos-247551.php> Acesso em: 10 jun. 2017. Figuras
96-101:
Feira
Livre
do
Poço.
Fonte:
<https://www.facebook.com/feiralivredopoco/> Acesso em: 08 jun. 2017. Capítulo 4: Abertura: Casa bege no Poço da Panela. Fonte: A autora, 2017. Figura 102: Esquema de tensões dialéticas na estrutura fenomenológica do espaço. Fonte: David Seamon, 1982, p.134. Figura 103: Igreja de Nossa Senhora da Saúde. Fonte: Acervo Pessoal de Clarissa Garcia, 2016. Figura 104: Ambiência do Poço. Fonte: Acervo Pessoal de Clarissa Garcia, 2016. Figura 105: Casario. Fonte: Acervo Pessoal de Clarissa Garcia, 2016. Figura 106: Estrada Real do Poço. Fonte: Acervo Pessoal de Clarissa Garcia, 2016. Figura 107: Bodega do Seu Vital. Fonte: Acervo Pessoal de Clarissa Garcia, 2016. Figura 108: Casa de José Mariano ao fundo. Fonte: Acervo Pessoal de Clarissa Garcia, 2016. Figura 109: Chão em Pedra Rachão. Fonte: Acervo Pessoal de Clarissa Garcia, 2016.
141
142
143
│Apêndice A – Questionário da Entrevista
ENTREVISTA PESQUISA RELAÇÃO AFETIVA PARTE 1: IDENTIFICAÇÃO 1. Nome do entrevistado: ______________________________________________ 2. Profissão: ________________________________________________________ 3. Idade: ___________________________________________________________ 4. Onde mora: _______________________________________________________ 5. Escolaridade: ______________________________________________________ 6. Local de Aplicação da entrevista: _______________________________________ 7. Data da entrevista: __________________________________________________ 8. Telefone para contato: _______________________________________________ 9. Tempo de moradia no bairro: __________________________________________
PARTE 2: QUESTIONÁRIO 01 - Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que?
02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que?
03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço?
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│Apêndice B – Lista de Entrevistados
Entrevista 01 Advogado, 47 anos. Morador a 47 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 12 de maio de 2017, em seu local de trabalho, localizado no Poço da Panela. Entrevista 02 Produtor cultural e social, 33 anos. Morador a 11 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 18 de maio de 2017, na Associação do Moradores e Amigos do Poço da Panela (AMAPP). Entrevista 03 Arquiteto, 70 anos. Morador entre 20 e 25 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 19 de maio de 2017, no Centro de Artes e Comunicação, Cidade Universitária, UFPE. Entrevista 04 Antiquária, 45 anos. Moradora a 11 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 16 de maio de 2017, em seu local de trabalho, localizado no Poço da Panela. Entrevista 05 Dona de casa, 83 anos. Moradora a 52 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 13 de maio de 2017, em sua residência, no Poço da Panela. Entrevista 06 Comerciante, 77 anos. 145
Morador a 51 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 13 de maio de 2017, no bar do seu Vital, no Poço da Panela. Entrevista 07 Motorista, 50 anos. Morador a 25 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 13 de maio de 2017, no bar do seu Vital, no Poço da Panela. Entrevista 08 Jornalista, 69 anos. Morador a 25 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 13 de maio de 2017, no bar do seu Vital, no Poço da Panela. Entrevista 09 Artista Plástico, 55 anos. Morador a 20 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 13 de maio de 2017, no bar do seu Vital, no Poço da Panela. Entrevista 10 Estudante, 24 anos. Morador a 24 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 15 de maio de 2017, no Centro de Artes e Comunicação, Cidade Universitária, UFPE. Entrevista 11 Advogada, 50 anos. Moradora a 42 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 13 de maio de 2017, em sua residência, no Poço da Panela. Entrevista 12 Antropóloga e Artista plástica, 53 anos. Moradora a 30 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 20 de maio de 2017, em sua residência, no Poço da Panela.
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Entrevista 13 Professora, 73 anos. Moradora a 73 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 20 de maio de 2017, em sua residência, no Poço da Panela. Entrevista 14 Agricultor, 61 anos. Morador a 29 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 20 de maio de 2017, em sua residência, no Poço da Panela. Entrevista 15 Administrador, 25 anos. Morador a 25 anos no bairro. Entrevista concedida no dia 23 de maio de 2017, no Café São Braz, Av. Visconde de Suassuna, 140, Santo Amaro.
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│Apêndice C – Entrevistas ENTREVISTA 01 Advogado, 47 anos. Morador a 42 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 12 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Eu me lembro muito do pátio da igreja quando eu era menino e brincava bastante com meus colegas por lá... jogávamos bola, peão, todas essas brincadeiras de infância. A igreja para mim é o símbolo do Poço. Foi lá que vivi os melhores momentos da minha vida, é lá que retém as minhas melhores memórias. Eu me casei nessa igreja, eu me batizei nessa igreja, meus filhos se batizaram nessa igreja, meus amigos, muitos deles, são dessa época de brincadeiras da igreja. Enfim, minhas lembranças e minhas histórias pertencem a esse local. Sou de lá. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? As ruas do Poço. Ah, por ser um ambiente bucólico, por ser antigo, eu adoro... coisas antigas né? A história, enfim... Junta um monte de coisa né? As memórias, a infância, junta aquelas ruas do Poço ali, que eu acho agradáveis, calmas, tranquilas. Eu conservaria TUDO no Poço. (risos). No Poço tudo, eu conservaria tudo, não tiraria nada. Porque eu acho que o Poço é uma história, né? Faz parte da história do Recife, é... só para você ter uma ideia, meu convite de casamento foi uma gravura da igreja do Poço, do largo ali da igreja do Poço, datado de 1600 e alguma coisa... então era a igreja, uma fazenda... eu acho que era uma fazenda ou um engenho, alguma coisa assim... não sei... enfim eu acho que ele faz parte da história da cidade do Recife e acho que não há motivo para que a gente queira moderniza-lo, pelo contrário, acho que estamos perdendo a conexão com outros bairros históricos tão importantes para a história da cidade. O Poço é o Poço porque ele é do jeito que é. Se você muda, ele deixa de ser o Poço. Passa a ser só mais um bairro do Recife, contemporâneo, né? Enfim... 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço?
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Não, na verdade sei que tem muita história vivida aqui, mas não é isso que me faz gostar daqui. Gosto daqui pelo estilo bucólico do bairro e da arquitetura antiga que tem aqui. É claro, por ter crescido aqui. Cheguei aqui com 05 anos, ou seja, estou aqui há 42 anos.
149
ENTREVISTA 02 Produtor cultural e social, 33 anos. Morador a 11 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 18 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? A igreja de Nossa Senhora da Saúde e na verdade, não só a igreja, como também os casarões que estão ali perto, né? E o porquê, por mais pela questão da arquitetura, e pela história que envolve o Poço da Panela, e a fuga dos escravos, naquela época, o estabelecimento da escravatura, quer dizer, tem a estátua de Jose Mariano lá... então eu tenho mais uma identificação com o Poço por conta da história e essa arquitetura do Poço, para mim traz muito essa... essa simbologia, é muito simbólico no Poço. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Eu iria conservar? No Poço? O seu patrimônio cultural, e principalmente esse lado com o ambiente, essa questão de ser um bairro bucólico, tem um sossego e uma boa moradia, uma moradia de qualidade, uma vida maravilhosa, e eu acho que seria um prazer viver isso, os nossos netos... 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? É.. eu acho que a minha primeira resposta remete muito a isso né? Eu acho que em outra vida eu já morei aqui nesse lugar (risos). Nada é por acaso nessa vida né? Todos temos uma missão... assumi a presidência da Associação dos Moradores, né? E nem nasci aqui, eu sou do Janga, mas desde que conheci, me encantei com o lugar, com o bairro, e fui adentrando, me aproximando, me deixando levar...aqui é a minha casa. Assim, quando você entra no bairro pela Estrada Real do Poço, você já começa a se sentir em outros tempos, em um tempo passado, e juntamente, com as lembranças que eu tenho daqui, torna esse bairro mágico, maravilhoso, único. Não há como negar que o bairro, por ser histórico, traz a magia de outros tempos e se o Poço não fosse assim, não teria a mesma graça. É um lado especial. Com certeza me lembra antepassados. Eu conseguiria até mesmo imaginar, os escravos conseguindo fugir, sendo acudidos por dona Olegarnha....andar na estrada Real do Poço é como se você tivesse voltando ao passado... quando você entra aqui, você não sente que está nesse Recife, mas em outro de outros tempos...bucólico.. você o pessoal sentado na calçada, conversando e tudo.. de fato ele... o Poço em si, traz a história da cidade no século passado. 150
E é isso que faz criar um carinho, não só eu, mas acredito que todos que entram no Poço da Panela, tem essa percepção e se apaixonam exatamente por essa sensação. (Risos).
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ENTREVISTA 03 Arquiteto, 70 anos. Morador entre 20 e 25 anos no bairro. Entrevista concedida no Centro de Artes e Comunicação, CAC, Cidade Universitária, UFPE, no dia 19 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Poço da Panela... é o lugar da minha infância, que eu gostava muito, onde tem a igreja, onde tem o casario e o rio. A igreja porque tinha uma relação muito grande com a minha tia avó, que estava sempre em conflito com o padre, que dizia que o padre ficou com uma propriedade que era da família e ela tinha uma ação na justiça, né? Mas não era só por isso, eu achava interessante as histórias que ela contava do Poço, e que ela contava que os vizinhos falavam, havia uma interação muito grande entre ela e os vizinhos. Apesar dela ser casada com um alemão, que reclamava muito que nós, as crianças, falavam muito, gritavam muito e que aquele local era de tranquilidade, não era de grito. (risos) é muito interessante isso, né? Mas ela festejava muito. Tinha uma festa de Cosme e Damião que davam doces para as crianças. Então as crianças invadiam a casa dela, e era um momento muito interessante né? Porque era assim, um momento rico de alegria, de grito, de vai pra lá, vem pra cá, não só dentro de casa como na frente, o que me parece é, tem uma calçada mais alta que a rua, naquele tempo era assim, o chão da rua, que não era calçado, era terra batida, e a calçada mais alta, onde as crianças ficavam lá... e também tinha um casarão na esquina, naquela época era pintada em vermelho escuro, grená, não sei... e tinha sido o avô dela, minha tia-avó não sei se era verdade ou era invenção dela, mas ela disse isso, que isso formava um ambiente muito interessante. Na época eu ainda morava em Garanhuns e meu pai me trazia para visitar, né? Com a minha mãe, ela era da família da minha mãe, e ficava conversando e muitas estórias, e ela não ia a igreja, porque ela não gostava do padre, mas ela pedia para a gente ir (risos), e conhecia os vizinhos e se falava tudo, e o Poço era considerado, era conhecido e chamado como arrabalde, não é? Um lugar distante na cidade. Morar no Poço era morar em um arrabalde, que era quase morar em uma fazenda, ou em um lugar muito distante do centro da cidade, era considerado muito longe, como se fosse um interior do Recife... Então, é o elo afetivo né? Da minha infância e da minha vivência. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Sem dúvida, todo o casario que tem lá, sem dúvida. E a igreja. Ah, e também um monumento que tem lá, que eu acho que é mais contemporâneo, não é? Um monumento na frente da 152
igreja, acho que é o busto de José Mariano, uma coisa mais contemporânea, eu conservaria, e a relação com o rio, a relação com o verde, com a paisagem. Eu acho que o casario e essa relação com a paisagem, são umas das coisas mais lindas, porque na entrada, naquele tempo não era nem calçada, mas aquela entrada com as arvores né? Era muito, muito interessante. Eu me lembrei agora, de uma foto que tem no Hiper Bompreço que é muito interessante, muito antiga, colada na frente dos caixas, e tem várias fotos, entre elas tem uma do Poço que quando eu olho eu me lembro da tia Iracema, porque a casa dela é bem pertinho dali, e aquilo ali para mim me choca, mas de uma forma positiva, porque eu me lembro da minha infância e da minha andada por lá. É uma grande imagem que deveria ser recuperada ne? É uma grande imagem, linda. Dê uma olhada. Vale a pena. Na minha infância, eu gostava muito de ir ao Poço, isso me marcou muito, e foi o que me fez gostar muito da arquitetura mais antiga de Recife, as igrejas.... meu pai me levava para ver as igrejas, não é? São Pedro dos Clérigos, Nossa Senhora do Carmo, não é? Santo Antônio, Conceição dos Militares... Capela Dourada.. então nós fazíamos esse circuito não é? Dia de domingo a gente passeava, ele fazia esse circuito, porque era aberto não, é? Maravilhoso... 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? O Poço me lembrava fazendas, porque na época eu morava em Garanhuns, né? E as vezes meu pai em algumas fazendas, porque ele comprava café e vendia aos exportadores, levava para os Estados Unidos, o café.. e ele visitava muitas, assim, muitas fazendas, e algumas fazendas tinha muitas casinhas. Algumas soluções que eu achava muito bonito, principalmente aquelas casinhas tinham umas portas e janelas de dois “rulos”, você abre a parte de cima e fica a janela e fecha..., e algumas soluções de arquitetura, eu gostava muito de ver aquelas soluções, como as pessoas teciam as peneiras, como faziam as coisas assim, muito artesanal, e quando eu chegava no Poço eu achava aquilo muito parecido, só que mais sofisticado, né? Pois já tinha a questão urbana. Não esquecer que Garanhuns não é sertão, mas é Agreste, não é? E a arquitetura é um pouquinho diferente daqui, não é? Então, isso que me lembrava muito, eu gostava, gostava mais do que ir para a praia! (risos)
153
ENTREVISTA 04 Antiquária, 45 anos. Moradora a 11 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 16 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Quando a gente pensa no Poço da Panela...A gente lembra...é que são tantos lugares bonitos aqui, e tantas lembranças que a gente tem que parar para pensar direitinho qual é a melhor! (risos) Ah.. eu penso nessa Rua Real do Poço, que é muito linda... porque os casarios antigos são lindos.. são muito lindos de se andar e se ver. A gente anda olhando para cima, para as árvores... é muito bonito. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Olha... eu gosto das casas daqui... das árvores... da paisagem...porque faz parte da história, sem falar que é muito lindo, né? 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Sim, tenho essa sensação assim, de ficar imaginando a história, e incrível que ainda existem pessoas que continuam com os mesmos hábitos antigos, um dia desse mesmo eu passei e vi esse casarão aqui que toma um quarteirão enorme, aqui, que é de uma família tradicional aqui... ai o pessoal na varanda, e o pessoal servindo... e eu fiquei boquiaberta aqui, porque eu nunca imaginei que isso ainda acontecia... sei que pode parecer estranho, mas vendo isso eu comecei a imaginar como era o Poço antigamente... me vi em outros tempos, imaginando os casarões cheios de pessoas, ricos e pobres, as roupas dos lugares... muito legal! E você fica imaginando assim, tão grande né (casarão)? Como eles conseguem preservar, porque, hoje em dia ninguém liga muito para a conservação né? Ao menos aqui no Recife, e isso é tão triste, a gente tá perdendo a nossa história, a nossa cultura, as pessoas só pensam em prédios, prédios, prédios, e bairros assim como o Poço, que devem existir outros por aqui, né? O do Recife, acho que Santo Antônio era, né? Estão sendo esquecidos.... Mas eu acho muito lindo! Muito lindo mesmo! Queria o meu Recife de outros tempos de volta! Para que eu pudesse sentir a minha história.
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ENTREVISTA 05 Dona de casa, 83 anos. Moradora a 52 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 13 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Onde eu moro. A pracinha e a estrada real do Poço. Eu não podia ter escolhido lugar melhor para morar. Porque quando eu vi a construção dessas casas, eu me apaixonei por essas casas, por esse lugar, e tive sorte que quando noivei, essa casa estava para vender. Então eu comprei correndo, porque eu tinha que ficar aqui mesmo, porque minha irmã morava aqui perto, a irmã do meu marido também morava aqui perto, nós ficamos procurando casa para minha sogra, o irmão dele morava aqui, quer dizer, toda a minha família já morava aqui, e aqui estavam as minhas histórias, minhas memórias. E ainda tinha três tias e um tio meu que moravam aqui. Quer dizer, era a família toda por aqui. O meu terraço também. Porque eu aqui eu vejo todas as pessoas que eu amo, e elas me alegram e me livram da solidão, entende? Aqui eu não tenho solidão, estou em contato com o meu bairro. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Eu conservaria as residências daqui, porque meus filhos nasceram aqui, os amigos deles também são daqui, brincavam nas ruas, por entre os casarões e a igreja, e eu acho isso muito importante! Eu adoro os meus vizinhos. Gosto de todos eles. Aqui eu tenho tantas amizades! Eu amo tanto esse lugar! Você não faz ideia! Nós nos reuníamos em todas as casas. Cada dia era uma confraternização em uma casa diferente. É tao gostoso sentir essa harmonia. É aquela maravilha. Primeiro a gente reza, depois a gente bate um papo e depois come um lanchinho. 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Aaaah... no meu tempo eram tantas estórias que nos contavam (risos). Nós conhecíamos não somente lendas do Poço, mas do Recife inteiro, em outros bairros, em especial o bairro do Recife. Se lhe contasse tudo hoje, você não sairia mais daqui (risos). Mas atualmente, já estou muito velha para isso... o que me vem mais a mente agora, são as minhas próprias histórias que construí aqui, sabe? Agora a minha vida, a minha realidade também está marcada no Poço, também faz parte dela e eu também faço parte daqui. Isso me faz amar ainda mais esse lugar. 155
ENTREVISTA 06 Comerciante, 77 anos. Morador a 51 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 13 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Minha jovem, o lugar do Poço da Panela, que é o símbolo para mim? Eu não posso dar outra resposta, a não ser, a minha casa! Porque eu comprei ela com muito sacrifício, e até hoje eu ganho o pão nela. Ou seja, uma das minhas histórias e um monte de minhas lembranças. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Rapaz... para mim, todo o bairro! Para mim, todo o bairro é coisa boa, maravilhosa. Eu amo esse lugar. Eu vivo aqui! Eu como aqui, eu durmo aqui, eu trabalho aqui, aqui é o meu lugar. Eu só saio daqui para um lugar: Juazeiro. Todo ano em outubro eu vou para lá, visitar meu padre Cícero, no mais, fico por aqui mesmo. Há 33 anos que só saio do Poço para ir a Juazeiro. Eu gostaria de conservar a paz, a calma, viu? E o ambiente, o ambiente é muito importante! 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Olhe... quando eu caminho, eu vou por essas ruas aí, fico olhando esses casarões... fico sem saber o que pensar. Vou por essa quadra aí, dou umas voltinhas, e isso me leva a outro momento, como se eu não tivesse mais vivendo àquela hora do dia, sabe? Isso me acalma, é como se eu me desligasse dos problemas. É... acho que os casarões, e a igreja, né? Tudo isso me faz ‘me’ sair do que eu tô vivendo, e me leva a outro mundo.
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ENTREVISTA 07 Motorista, 50 anos. Morador a 25 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 13 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? A igreja. Porque é o mais famoso, né? E o Poço da Panela é conhecido pela igreja, para todo mundo é como se fosse a referência, né? E é aqui, na frente do seu Vital que eu fico todos os dias, então eu tenho essa vista né? (risos). Aqui que eu bebo, aqui que eu me reúno com os meus amigos, aqui que tem as minhas histórias (risos), e são muitas (risos). Todo dia, de manhã, a gente tem que vir para cá, eu, Samarone, como se fosse religioso (risos). Aí, vem todo mundo né? Vem eu, vem ele de manhã, e a obrigação, a parada é aqui de manhã (bar do seu Vital). Diariamente, de frente para a igreja... a gente vem, toma um cafezinho, alguém quando quer deixar algum recado já deixa com o seu Vital, (dá um exemplo de recado), aqui é comunitário né? É como seu Walter diz, aqui é o Senado. O bar do seu Vital também (risos). Tudo se resolve aqui, a minha vida é aqui, eu tô em casa. Aqui foi fundado “Os Barba”, a sede comunitária também, a reunião daqui é mais para beber (risos), mas ainda assim sai muita coisa boa daqui (risos). Aqui a gente discute muito, é bem legal daqui. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Rapaz, o que eu conservaria no Poço, né? Eram os casarões, entendeu? E, porque? Porque é uma referência né? Como a gente diz, aqui é um interior dentro de uma cidade. Porque você vê aqui que é difícil um menino ir para a rua aqui, os meninos vão para a rua, os meninos brincam, quando a gente vê os meninos tão empinando papagaio, jogando bola, peão, coisa que a gente não vê, menino que mora em apartamento, entendeu? A gente conserva, a gente faz o seguinte: quando a gente faz uma festa para a biblioteca, aí a gente faz né? Tira as crianças, aí as brincadeiras são brincadeiras de como antigamente né? O puxa-puxa da corda, corrida de saco, quebra-panela, entendeu? A gente só faz coisas de antigamente, a gente só faz nesse estilo, entendeu? Que eles nem sabem, muitas vezes eles nem sabem como é, e ai a gente explica, eles ficam tudo doido. 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? 157
Assim... bebendo né? Bebendo eu vejo tudo, eu imagino tudo (risos). Não, brincadeiras à parte, quando eu tô aqui no seu Vital, e me sento, olho para essa beleza toda que é esse largo do Poço, tomando minha cervejinha, não tem como não fazer uma viagem no tempo, imaginar, conversar coisas com os amigos sobre isso, o Poço tem essa magia, né? Eu amo esse lugar, isso é só mais uma qualidade de tantas outras que o Poço tem (risos).
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ENTREVISTA 08 Jornalista, 69 anos. Morador a 25 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 13 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Eu acho que é a casa de José Mariano e D. Olegarinha. Me desculpe não falar da igreja do Poço da Panela, mas para mim o mais representativo do Poço é a casa de D. Olegarinha. Porque é um símbolo, histórico, que eu tive a felicidade de morar defronte a ele. Que eu ainda estou morando e que sempre morarei. Ou seja, faz parte das minhas memórias do Poço. E a minha casa, minha casa é o meu dia de chegada, de saída, certo? De descanso... é de onde eu pertenço. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Bom eu gostaria muito que eles ocupassem a minha casa e morassem aqui. Que é o que vai acontecer. Ah, porquê é daqui que eu vim, daqui que eu me criei, e eu gostaria que eles tivessem a oportunidade de viver aqui no Poço também. Minha casa é tombada pelo patrimônio e eu não vou abandoná-la, sabe? 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Minha vida é um imaginário, e muito graças ao Poço da Panela. Esse lugar fértil, esse lugar encantador, não há como não se deixar levar pelas histórias e encantos do Poço. Então, sim, eu já imaginei, imagino e imaginarei até o fim dos meus dias, várias estórias que eu crio. Em muitas delas, eu também participo (risos).
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ENTREVISTA 09 Artista Plástico, 55 anos. Morador a 20 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 13 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? A praça da capela onde tem a igreja, onde tem a estátua de José Mariano e o bar do seu Vital (risos). Por que é histórico, porque é o Poço (no caso da igreja), e porque é aqui no seu Vital que a minha vida acontece. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Eu acho que a amizade, a tranquilidade e a paz. Por que é o lugar que eu mais gosto (choro), frequento lugares do mundo todo, e nada é igual... aqui eu tenho uma família que é difícil você encontrar (choro). Eu amo esse lugar e sou daqui e dessa gente para sempre. 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Rapaz.... Não... eu sou muito cético, sabe? Essas histórias contadas, lendas, isso tudo eu não acredito... Mas de uma certa forma sim, eu pinto histórias que aqui existiram, ao menos na minha imaginação existiram, e o Poço me dá toda essa imaginação, toda essa fantasia, o Poço me inspira nos meus trabalhos, eu acho isso lindo.
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ENTREVISTA 10 Estudante, 24 anos. Morador a 24 anos no bairro. Entrevista concedida no Centro de Artes e Comunicação, CAC, Cidade Universitária, UFPE, no dia 15 de maio de 2017. 01 - Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? O chão de pedras robustas e irregulares. Aquilo não se vê mais em Recife, só em lugares caracterizadamente históricos, como na ladeira da misericórdia em Olinda. Claro que esse elemento está ligado às minhas emoções e vivências. Por exemplo, na minha casa tem uma pequena rua de subida que nós fizemos nesse material. É morno, traz conforto. Como segundo elemento, eu cito o casario, e mais especificamente um casarão cinza com um jardim na frente, bem na Real do poço. Em terceiro, um outro casarão vermelho e branco. Por último, a capela. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Eu conservaria a arquitetura, o piso, as árvores, e as ruas que dão pro rio. Me recordo de uma vez me deparei com uma rua que dava na margem do Capibaribe. Ali eu parei, e me admirei com o Capibaribe serpenteando Recife. Houve esforço, entretanto, pois não existem condições favoráveis para esse tipo de contemplação. Gostaria que minhas gerações sucessoras tivessem contato com o Recife que conta o tempo pelos seus atributos de valor paisagístico e artísticos. 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Sim. Eu posso lhe dizer numa escala 1 a 10, que de 10 vezes que caminhava pelas ruas, 9 foram para derivar. E essa inclinação a querer derivar ali é justamente pela sensação que o bairro passa, o que me faz dizer para as pessoas que ali tem nobreza, bucolismo, e que deveria ser citado como o bairro nobre mais íntegro do Recife. Sim, tenho um carinho por aquele lugar, gratuito, descoberto. É possível chegar na praça da frente da igreja e lembrar das histórias Gilbertianas do “Recife assombrado”. O Recife é uma cidade energeticamente carregada, e o poço também conta essa história, também transmite essa energia, uma pena não poder ser percebida por todos, física e sensitivamente.
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ENTREVISTA 11 Advogada, 50 anos. Moradora a 30 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 13 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Eu acho que é a igreja de Nossa Senhora da Saúde, porque eu acho que ela representa esse espaço colonial, ela reporta a história do Poço, né? Os casarões, né? Também fazem parte, então o Poço é majestoso, então ele relembra exatamente esse espaço bucólico, sabe? A praça que fica de frente para o Pátio... é aqui tem várias pracinhas, certo? Tem um espaço que eu gosto muito, que ela não é propriamente uma praça, mas que a gente tá tratando ela como uma pracinha, que é a beira rio. Que fica na Antônio Vitrúvio, que tem uma escultura, que não me lembro quem é o escultor, que tem uma árvore enorme ali, e tem uns banquinhos também... ali você vê o rio e o verde, e como eu gosto muito de natureza, eu vou muito ali e ali me relaxa... eu fico admirando o lugar, e imaginando outros tempos, outros momentos, como era a vida no Poço anos, ou até séculos, atrás. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Eu gosto muito do largo da igreja, de frente para o bar do seu Vital, ali eu me reúno com meus amigos, com conhecidos do Poço, com a comunidade, porque ali é um ponto de encontro mesmo, e por que ali a gente sente que o espaço é nosso, não é de ninguém, e é da gente ao mesmo tempo, entendeu? A gente sente que pertence a gente, então, eu gostaria que a ambiência do Poço fosse preservada, que meus netos pudessem viver isso também, esse pertencimento, esse acolhimento, essa atmosfera. 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Eu acredito que a parte arquitetônica é visual, e o visual, ele exatamente ativa o nosso imaginário, ele faz você ter emoções... E isso é muito individual e é impossível, quem conhece o Poço, que já ouviu falar um pouco do Poço, ver os casarões e não sonhar com outros tempos, imaginá-los, não sentir algum tipo de emoção, né? Porque ele (Poço) é a história, em algum momento aquilo, ou você passou por ali, ou você viveu alguma coisa naquela rua, muito difícil você não se reportar a algo que foi importante para você, já que isso faz parte do nosso dia a dia. 162
ENTREVISTA 12 Antropóloga e Artista Plástica, 53 anos. Moradora a 30 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 20 de maio de 2017.
01 - Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? A bodega do Vital, porque é o lugar de encontro das pessoas, é onde a gente fica sabendo de todas as fofocas do bairro, não é? (risos) e, é, por exemplo, se eu tiver que deixar uma chave para o meu filho vir e pegar, eu deixo em seu Vital, todo mundo tem uma confiança bem assim em seu Vital, então é uma relação bem, bem família. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Esse patrimônio arquitetônico, ne? Histórico, e a natureza que vem sendo cada vez mais destruída, ne? É um calor danado, e antigamente não era assim. O calor vem aumentando ano a ano, sabe? Tá pior.. não sei se é global, mas aqui, tá se criando ilhas de calor, sabe? No final da minha rua construíram já quatro condomínios, e era o sitio Doninas ali, então era muita árvore, e eles foram ali derrubando, derrubando, derrubando, e agora já ao tem quase árvore. E eles colocam o nome dos prédios, sítios das mangueiras, por exemplo, não tem uma mangueira, não tem uma árvore, só palmeira que não faz sombra. Então estão acabando com a natureza que é uma das características do Poço, ser um clima mais ameno. 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Sim, eu viajo nessas histórias. Inclusive eu li dois livros que tem histórias do século XIX, né? Do Poço. Então eu fico vendo assim essas histórias né? Eu olho para as ruas e vejo. Tem Tollenare, que foi um escritor francês que esteve aqui em 1817, descreve cenas e acontecimentos no Poço, e tem é... um livro de Mario Sette, Os Azevedos do Poço, você já viu? É lindo, é uma viagem, né? É maravilhoso. Claro totalmente, aliás, eu tinha perdido a minha sensação de pertencimento ao local, até uma certa idade. Porque eu fui morar na Europa e fiquei sentindo muita falta do Brasil, quando eu voltei, eu não senti mais enraizada no Brasil, perdi. Eu não era mais de lugar nenhum, eu era desenraizada. E quando eu passei a morar no Poço, nessa casa aqui, eu passei a me sentir pertencendo ao bairro, ao lugar. É como se fosse assim, um acolhimento de família ne? Aqui todo mundo se conhece, se olha, se respeita... Eu tenho muito, muito, muito amor pelo Poço. Por isso tudo. É um local que 163
tem ainda relações humanas próximas, afetivos, é bonito, tem muito verde, eu me sinto muito bem aqui! É como se fosse uma ilha dentro da selva de pedra da cidade.
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ENTREVISTA 13 Professora, 73 anos. Moradora a 73 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 20 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? A igreja de Nossa Senhora da Saúde. Porque foi uma das primeiras a serem, é..., datadas ne? Assim, por exemplo, ela é de 1774, entendeu? Aqui é muito histórico, aqui era tudo usina, entendeu? Aqui era dona Olegarinha que pintava os escravos, pintava eles todinhos de giz, aí pegava os escravos, vestiam eles de mulher pra fugir. E também, por que além de histórico, esse bairro é meu. Foi ali que eu cresci, sabe? Foi ali que me criei, foi naquele pátio que eu me tornei gente, assistindo as missas, brincando com as meninas... Pra mim, se alguém disser assim: onde é que você mora? Eu vou dizer, assim, eu moro na rua Macedo...não tem sentido... aí você diz assim: não tem a igrejinha de nossa senhora da Saúde? Então, a minha rua fica em frente a igrejinha. Pronto! Veja se ela não é o centro do bairro e da minha vida. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? As árvores. Porque você pode observar que o mundo tá ficando muito vazio. É vazio de tudo, vazio de amor, vazio de ... de sentimento, de sentir as pessoas, de olhar o próximo, não é mesmo? Você anda pelas ruas assustada, porque, eu como idosa, as vezes fico pensando, meu Deus, porque? E aqui no Poço não, eu me sinto dentro de casa, me sinto segura, e eu sei que a atmosfera do Poço me abraça, e isso se deve muito as árvores, as pessoas. O Poço é como minha família. 03 - Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Minha filha, aqui tem um bocado de história sabe? Histórias de bem antes, olhe... a mim mesma, sabe o que acontece? O sentimento de privilégio de morar no Poço da Panela e poder viver num bairro cheio de histórias, minhas e dos outros. Eu gosto de imaginar as minhas próprias histórias sabe? As histórias que não vivi por entre as ruas do Poço. E lembrar as histórias que vivi também. Aqui eu me casei, aqui eu me criei, aqui eu cresci, aqui eu tive meus filhos, é muita história, não é não? (risos) Isso é fundamental. Isso aqui é maravilhoso, isso aqui é o interior de Recife, entendeu? Ressalvo Olinda, Olinda tem lugares fantásticos, sabe? Mas, como o meu Poço da Panela não tem não. (risos) eu tenho um amor infinito pelo Poço. 165
ENTREVISTA 14 Agricultor, 61 anos. Morador a 29 anos no bairro. Entrevista concedida no Poço da Panela, no dia 20 de maio de 2017. 01 - Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? A igreja, né? Nossa Senhora da Saúde, é onde eu moro né? Rapaz, por que eu cheguei aqui em 82, eu encontrei primeiro a igreja né? Por causa de ser histórica né? Aí veio em minha mente, né? A minha memória, Poço da Panela, né? (risos) 02 - Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? Os casarões, né? As casas históricas, né? Porque aí é que está a história né? (risos) 03 - Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Sim, né? Por causa do histórico né? A história é magnífica, né? Com essa rua de pedra, e essas casas, e todo mistério do bairro né? Eu me sinto dentro de um conto, uma lenda e eu amo isso. É uma das coisas mais lindas do meu Poço. Eu tenho muito amor por esse lugar, porque eu tive sorte de morar no lugar que eu moro, dele ter me acolhido quando eu saí de Araripina, eu sou daqui e daqui só saio quando morrer. Eu não vou encontrar um lugar melhor do que esse para morar.
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ENTREVISTA 15 Administrador, 25 anos. Morador a 25 anos no bairro. Entrevista concedida no Café São Braz, Santo Amaro, no dia 23 de maio de 2017. 01 – Qual o lugar no Poço você se lembra ao pensar no bairro? Por que? Na praça que conhecemos por “Praça da Nordeste Segurança”. Para mim é a parte mais bonita do Poço. Não sei se você sabe qual é. É que um dos donos da Nordeste segurança morava em frente à praça e sempre tinha um segurança de lá, por isso a referência. 02 – Quais coisas no Poço você conservaria para os seus netos? Por que? A pavimentação, as casas antigas e a preservação da proibição de construção de prédios (ao menos dos muito altos). Acho que mantendo-se esses pontos que exponho acima o bairro permanecerá com a originalidade pela qual conhecemos. 03 – Ao adentrar o Poço, você já imaginou histórias/estórias de outras épocas (fictícias ou não) nesse lugar? Isso aumenta o seu apego ao Poço? Certamente. Me vem à mente entrar em um local histórico, entende? Onde já viveram senhores de engenho, e demais personagens desse contexto histórico. É como desconectarse do resto da cidade e entrar num ambiente com clima de “cidade de interior”. Tenho sorte de morar aqui. Adoro morar no Poço.
167
│Apêndice D - Memória
Matriz Síntese – Memória Elementos
Indicativo de
Lembrados
Significado
Autor
Contexto de
Vertente Data Fonte/Referência
Significado
Eu me lembro muito do pátio da igreja quando eu era menino e brincava bastante com meus colegas por lá...
Entrevistado 01
igreja
Memória
2017
infância,
Entrevista cedida em 12/05/2017
momentos
(...)A igreja para mim é
Pátio e
Lembranças de
vividos,
o símbolo do Poço. Foi
sentimento de
lá que vivi os melhores momentos da minha
pertencimento
vida (...). Enfim, minhas
(vertente da
lembranças e minhas
memória)
histórias pertencem a esse local. Sou de lá. A igreja. (...). E é aqui, na frente do seu Vital que eu fico todos os
Entrevistado Momentos vividos 07
dias, então eu tenho
Memória
2017
cotidianamente,
Entrevista cedida em 13/05/2017
histórias vividas
essa vista né? (risos).
(vertente da
(...)aqui que tem as
memória)
minhas histórias (risos), e são muitas (risos). (...) ali a gente sente que o espaço é nosso, não é
Entrevistado
Sentimento de
de ninguém, e é da
11
pertencimento
gente ao mesmo tempo, entendeu? A gente sente que pertence a gente (...)
Memória
2017
em 13/05/2017
(vertente da memória)
(...) além de histórico, esse bairro é meu. Foi ali que eu cresci, sabe? Foi ali que me criei, foi naquele pátio que eu me
Memória 168
Entrevista cedida
2017
Pátio e
tornei gente, assistindo
Entrevistado
Sentimento de
Entrevista cedida
Igreja
as missas, brincando
13
pertencimento,
em 20/05/2017
com as meninas... Pra
história enraizada
mim, se alguém disser
no lugar (vertentes
assim: onde é que você
da memória)
mora? Eu vou dizer, assim, eu moro na rua Macedo...não tem sentido... ai você diz assim: não tem a igrejinha de nossa senhora da Saúde? Então, a minha rua fica em frente a igrejinha. Pronto! Veja se ela não é o centro do bairro e da minha vida. A igreja (...). Rapaz, por que eu cheguei aqui em
Entrevistado
Lembranças de
82, eu encontrei
14
momentos vividos
primeiro a igreja né? (...). A minha memória, Poço da Panela, né? Junta um monte de coisa Entrevistado
Ambiência do Poço
né? As memórias, a 01 infância, junta aquelas ruas do Poço ali, que eu acho agradáveis, calmas, tranquilas.
Memória
2017
Entrevista cedida em 20/05/2017
(vertente da memória) Lembranças de momentos vividos no local (vertente da memória)
Eu
conservaria TUDO no Poço.
169
Memória
2017
Entrevista cedida em 12/05/2017
Ambiência do Poço
Ambiência do Poço
(...) desde que conheci, me encantei com o lugar, com o bairro, e
Entrevistado
Sentimento de
02
pertencimento
fui adentrando, me
Memória
2017
Entrevista cedida em 18/05/2017
(vertente da
aproximando, me
memória)
deixando levar...aqui é a minha casa. (...) é o lugar da minha infância (...). Então, é o elo afetivo né? Da
Entrevistado
minha infância e da
03
minha vivência. (...) aquilo ali para mim me
Lembranças de infância (vertente da memória)
choca, mas de uma forma positiva, porque 170
Memória
2017
Entrevista cedida em 19/05/2017
eu me lembro da minha infância e da minha andada por lá. (...) são tantos lugares bonitos aqui, e tantas
Entrevistado
Lembranças de
lembranças que a gente
04
vivências no local
tem que parar para
Memória
2017
Entrevista cedida em 16/05/2017
(vertente da
pensar direitinho qual é
memória)
a melhor! (...) todo o bairro é coisa
Sentimento de
boa, maravilhosa. Eu
Entrevistado
pertencimento e
amo esse lugar. Eu vivo
06
afeto pelo lugar
aqui! (...)aqui é o meu
Memória
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
(vertente da
lugar.
memória)
(...) eu gostaria que (...)que meus netos pudessem viver isso
Entrevistado
Sentimento de
também, esse
11
pertencimento ao
pertencimento, esse
Memória
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
lugar,
acolhimento, essa
acolhimento,
atmosfera. (...). Porque
lembranças vividas
ele (Poço) é a história, em algum momento
(vertentes da
aquilo, ou você passou
memória)
por ali, ou você viveu alguma coisa naquela rua, muito difícil você não se reportar a algo que foi importante para você, já que isso faz parte do nosso dia a dia. (...) as ruas que dão pro rio. Me recordo de uma
Entrevistado
Lembranças
vez me deparei com
10
vividas no local
uma rua que dava na margem do Capibaribe.
(vertente da memória) 171
Memória
2017
Entrevista cedida em 16/05/2017
Ali eu parei, e me admirei com o Capibaribe serpenteando Recife (...). Onde eu moro. A pracinha e a estrada real
Entrevistado
Sentimento de
Praça e
do Poço. (...)aqui
05
pertencimento e
Estrada
estavam as minhas
Real do Poço
Memória
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
afeto ao lugar
histórias, minhas
(vertentes da
memórias. (...). Agora a
memória)
minha vida, a minha realidade também está marcada no Poço, também faz parte dela e eu também faço parte daqui. Isso me faz amar ainda mais esse lugar. Na praça que conhecemos por “Praça
Entrevistado
Lembranças de
da Nordeste
15
tempos vividos
Segurança”. (...) morava
Memória
2017
Entrevista cedida em 23/05/2017
(vertente da
em frente à praça e
memória)
sempre tinha um segurança de lá, por isso a referência. (...) minha casa! Porque eu comprei ela com
Entrevistado
História e
muito sacrifício, e até
06
lembranças vividas
hoje eu ganho o pão nela. Ou seja, uma das minhas histórias e um monte de minhas
Bodega do
nesse local (vertente da memória)
lembranças.
Vital
172
Memória
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
O bar do seu Vital também. Tudo se
Entrevistado
Sentimento de
resolve aqui, a minha
07
pertencimento
vida é aqui, eu tô em
Memória
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
(vertente da
casa.
memória)
(...) bar do seu Vital. (...)porque é aqui no seu Vital que a minha vida acontece. (...).Por que é o lugar que eu mais gosto (choro), frequento
Entrevistado
Vivência,
09
momentos,
Memória
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
familiaridade,
lugares do mundo todo,
pertencimento
e nada é igual... aqui eu tenho uma família que é
(vertentes da
difícil você encontrar
memória)
(choro). Eu amo esse lugar e sou daqui (...). (...) se eu tiver que
Sentimentos de
deixar uma chave para o
Entrevistado
familiaridade,
meu filho vir e pegar, eu
12
acolhimento
deixo em seu Vital, todo
Memória
2017
Entrevista cedida em 20/05/2017
(vertentes da
mundo tem uma
memória)
confiança bem assim em seu Vital, então é uma relação bem, bem família. (...)a casa de José
Casa de
Mariano e D.
José
Olegarinha. (...). Por que
Entrevistado
Sentimento de
Mariano
é um símbolo, histórico,
08
pertencimento,
que eu tive a felicidade de morar defronte a ele. (...). Ou seja, faz parte das minhas memórias
símbolo histórico (vertente da memória)
do Poço. (...) é de onde eu pertenço. 173
Memória
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
Claro que esse elemento
Chão em
está ligado às minhas
Entrevistado
Vivências,
pedra
emoções e vivências.
10
lembranças e afeto
rachão
Por exemplo, na minha casa tem uma pequena rua de entrada que nós
(vertentes da memória)
fizemos nesse material. É morno, traz conforto.
174
Memória
2017
Entrevista cedida em 16/05/2017
Matriz Síntese – Fantasia Elementos
Indicativo de Significado
Autor
Lembrados
Contexto de
Vertente Data Fonte/Referência
Significado Não há como negar que o bairro, por ser histórico, traz a magia de outros tempos e se o Poço não fosse assim, não teria a mesma graça. É um lado especial. Com certeza me lembra antepassados. Eu conseguiria até
Ambiência do Poço
mesmo
imaginar,
os
escravos
Historicidade, Entrevistado
mistério e
02
imaginação
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 18/05/2017
(vertente da
conseguindo fugir, sendo acudidos
fantasia)
por dona Olegarinha... andar na Estrada Real do Poço é como se você tivesse voltando ao passado... (...)no meu tempo eram tantas estórias que nos contavam (risos).
Entrevistado
Lendas e
Nós conhecíamos não somente
05
estórias
lendas do Poço, mas do Recife
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
antigas no
inteiro (...).
lugar (vertente da fantasia)
Minha vida é um imaginário, e
Fluir da
muito graças ao Poço da Panela.
imaginação
Esse lugar fértil, esse lugar
Entrevistado
graças a
encantador, não há como não se
08
ambiência do
deixar levar pelas histórias e
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
lugar (vertente
encantos do Poço. Então, sim, eu já
da fantasia)
imaginei, imagino e imaginarei até o fim dos meus dias, várias estórias
Ambiência do Poço
que eu crio. Mas de uma certa forma sim, eu pinto histórias que aqui existiram,
Inspiração,
ao menos na minha imaginação
Entrevistado
criatividade,
existiram, e o Poço me dá toda essa
09
imaginação
imaginação, toda essa fantasia, o
(vertentes da
Poço me inspira (...).
fantasia) 175
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
Sim. Eu posso lhe dizer numa escala 1 a 10, que de 10 vezes que
Entrevistado
Inspiração
caminhava pelas ruas, 9 foram para
10
pela
derivar. E essa inclinação a querer
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 16/05/2017
atmosfera,
derivar ali é justamente pela
fluir da
sensação que o bairro passa (...)
imaginação (vertentes da fantasia)
Sim, eu viajo nessas histórias. Inclusive eu li dois livros que tem histórias do século XIX, né? Do Poço. Então eu fico vendo assim essas histórias né? Eu olho para as ruas e vejo. (...) aliás, eu tinha perdido a minha sensação de
Ambiência do Poço
pertencimento ao local, até uma
Entrevistado
Fluir da
12
imaginação,
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 20/05/2017
apego ao lugar
certa idade. Porque eu fui morar na Europa e fiquei sentindo muita falta
pelo
do Brasil, quando eu voltei, eu não
pertencimento
senti mais enraizada no Brasil,
(vertentes da
perdi. Eu não era mais de lugar
fantasia)
nenhum, eu era desenraizada. E quando eu passei a morar no Poço, nessa casa aqui, eu passei a me sentir pertencendo ao bairro, ao lugar. É como se fosse assim, um acolhimento de família ne? Minha filha, aqui tem um bocado de história sabe? Histórias de bem antes (...). Eu gosto de imaginar as minhas próprias histórias sabe? As histórias que não vivi por entre as
Ambiência
ruas do Poço. E lembrar as histórias
do Poço
que vivi também. (...)eu tenho um
Entrevistado Sentimento de 13
apego ao lugar, histórias e estórias no lugar, fluir da
amor infinito pelo Poço.
imaginação 176
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 20/05/2017
(vertentes da fantasia) Sim, né? Por causa do histórico né? (...). Eu me sinto dentro de um conto, uma lenda e eu amo isso. É
Entrevistado
Sensação de
uma das coisas mais lindas do meu
14
fantasia, de
Poço. (...) eu sou daqui e daqui só
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 20/05/2017
sonho,
saio quando morrer. Eu não vou
imaginação,
encontrar um lugar melhor do que
apego ao lugar
esse para morar.
pelo pertencimento (vertentes da fantasia)
Certamente. Me vem à mente entrar em um local histórico, entende? Onde já viveram senhores de
Entrevistado
Fluir da
engenho, e demais personagens
15
imaginação de
desse contexto histórico. (...).
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 23/05/2017
estórias
Tenho sorte de morar aqui. Adoro
(vertente da
morar no Poço.
fantasia)
O Poço me lembrava fazendas, porque na época eu morava em
Entrevistado
Imagens e
Garanhuns, né? (...)ele visitava
03
lembranças de
muitas, assim, muitas fazendas, e
Casario
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 19/05/2017
outros lugares
algumas fazendas tinha muitas
no Poço
casinhas. (...)quando eu chegava no
(vertente da
Poço eu achava aquilo muito
fantasia)
parecido (...). Sim, tenho essa sensação assim, de ficar imaginando a história, e incrível que ainda existem pessoas que continuam com os mesmos hábitos antigos (...) sei que pode
Entrevistado Imaginação de 04
histórias fictícias por
parecer estranho, mas vendo isso eu
meio do
comecei a imaginar como era o 177
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 16/05/2017
Poço antigamente... me vi em
casario
outros tempos, imaginando os
(vertente da
casarões cheios de pessoas, ricos e
fantasia)
pobres, as roupas dos lugares... muito legal! Olhe... quando eu caminho, eu vou
Casario
por essas ruas aí, fico olhando esses
Entrevistado
Transposição
casarões... fico sem saber o que
06
imaginária de
pensar. Vou por essa quadra aí, dou
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
lugar (vertente
umas voltinhas, e isso me leva a
da fantasia)
outro momento, como se eu não tivesse mais vivendo àquela hora do dia (...). (...) a parte arquitetônica é visual, e o visual, ele exatamente ativa o
Entrevistado
Fluir do
nosso imaginário, ele faz você ter
11
imaginário
emoções... (...) ver os casarões e não
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
(vertente da
sonhar com outros tempos,
fantasia)
imaginá-los, não sentir algum tipo de emoção, né? (...) quando você entra no bairro pela
Estrada Real do Poço
Estrada Real do Poço, você já Entrevistado Sentimento de começa a se sentir em outros 02 voltar ao tempos, em um tempo passado (...).
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 18/05/2017
passado (vertente da fantasia)
Bebendo eu vejo tudo, eu imagino tudo (risos). Não, brincadeiras à parte, quando eu tô aqui no seu Vital, e me sento, olho para essa beleza toda que é esse largo do
Pátio e Igreja
Poço, tomando minha cervejinha,
Entrevistado
Fluir da
07
imaginação no lugar (vertente
não tem como não fazer uma
da fantasia)
viagem no tempo, imaginar, conversar coisas com os amigos
178
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 13/05/2017
sobre isso, o Poço tem essa magia, né? É possível chegar na praça da frente
Lendas e
da igreja e lembrar das estórias
Entrevistado
estórias
Gilbertianas do “Recife
10
antigas
assombrado”.
lembradas no lugar (vertente da fantasia)
179
Fantasia
2017
Entrevista cedida em 16/05/2017