Amanda Costa
Um Nordeste em SĂŁo Paulo
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Costa,Amanda. Um Nordeste em São Paulo / Amanda Costa, 2017 72 p. : il. Orientadora: Maria Cristina Gobbi Monografia(Graduação) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,Bauru, 2017 1. Livro-reportagem. 2. Cultura popular. 3.Nordeste. 4. Identidade cultural. 5.São Paulo I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação.
À minha família, pelo apoio e incentivo de sempre, e a todos que, de alguma maneira, contribuiram para a concretização desse projeto.
SUMÁRIO A singularidade do Nordeste.................................................7 Destino: São Paulo...............................................................25 O progresso paulistano........................................................32 São Paulo: coração nordestino.............................................38 A cultura nordestina em São Paulo......................................43 Um Nordeste em São Paulo Sabor nordestino ..............................................................53 Temperão do Brás..............................................................55 .
O Cordel paulistano...........................................................57 Manoel das Artes...............................................................59 A baiana do acarajé............................................................60 A defensora dos nordestinos..............................................61 Seu Zé bolinha....................................................................63
Nordestinos Notáveis............................................................65 Gírias nordestinas........................................................67
Introdução
Realizar esse projeto é algo que passa pela minha mente há algum tempo, sem exagero dizer que desde o começo da minha graduação. Não é difícil entender o motivo, já que a idealização desse livro parte do fato de eu ser nordestina, nascida e criada em São Luís, capital do estado do Maranhão. Com 18 anos tive a oportunidade de mudar para São Paulo. Cheguei à capital paulista, em fevereiro de 2012, com a cabeça cheia de sonhos e pronta para encarar um novo momento em minha vida. Encantei-me de cara pela cidade. Era tudo muito novo, me assustava ver tantas coisas tão diferentes juntas, mas que formavam uma identidade única. São Paulo pareceu-me conflituosa e acolhedora ao mesmo tempo. Já se foram 5 anos desde que deixei o Maranhão. Parece pouco, mas foi tempo suficiente para muito aprendizado e amadurecimento pessoal. No início sofri bastante com a saudade e também com o preconceito, esse muitas vezes velado. Era meu sotaque, minhas preferências gastronômicas e as próprias roupas que eu usava. Tudo isso chegou a ser motivo de piada ou estranhamento, até mesmo para os primeiros amigos que fiz na capital. No começo, confesso, incomodava bastante. Lógico que para mim também era diferente a forma como os paulistanos falaram, o que
eram acostumados a comer e a forma como se vestiam. Não entendia o porquê dessa ideia de “superioridade” que pareciam ter. Hoje penso que o paulistano desenvolveu esse pensamento, de que seus costumes representam um padrão nacional, devido ao que a própria mídia de massa divulga. É um conceito completamente construído, infelizmente. Não podemos negar que existe uma discrepância na forma como o Nordeste e o Sudeste, principalmente São Paulo, são representados. Sem dúvidas, essas diferenças ajudam a perpetuar a ideia do “Nordeste inferior”, menos civilizado, miséravel. Mesmo assistindo à desvalorização da cultura popular nordestina, eu podia enxergar a mesma presente em São Paulo. Não era raro encontrar um nordestino em qualquer parte da cidade. Em muitos momentos parecia uma cidade de nordestinos fora do Nordeste. E de fato é. Muitos não sabem ou infelizmente não enxergam, mas o Nordeste está em São Paulo. A capital paulista foi erguida pela força dos inúmeros povos, entre eles, os migrantes nordestinos. Foram baianos,piauienses, cearenses,maranhenses,sergipanos,pernambucanos,alagoanos,rio-grandenses-do-norte e paraibanos que trabalharam para construir essa cidade. Foram pedreiros, trabalharam nas indústrias, foram vigilantes, empregadas domésticas e vendedores ambulantes. Hoje também são os advogados, médicos, engenheiros, professores, empresários, tudo com a mesma competência e humildade de sempre. Viemos para cá com o intuito de alcançar melhores condições de vida e trabalhamos muito para isso. Sem nossa força, São Paulo não seria a mesma, e digo isso com convicção. O meu objetivo com esse projeto não é falar apenas da cultura popular nordestina, mais que isso, pretendo apresentar a cultura do meu povo como parte integrante e de grande importância na construção do que conhecemos como São Paulo. Afinal, o que é São Paulo e o que significou para todos que aqui chegaram em busca de uma nova vida? São Paulo, sem dúvidas, significou os sonhos, as oportunidades e as conquistas de muitos. Amanda Costa, ludovicense de nascença e paulistana de coração.
A singularidade do Nordeste
O Nordeste é uma região ímpar. A cultura presente é rica e múltipla, formada pelo homem negro, indígena e branco. É possível enxergar a influência da cultura europeia dos colonizadores, da cultura indígena e da africana. Sem dúvidas, foi essa mistura que criou uma identidade única ao Nordeste. Conhecer a cultura popular nordestina, em parte, é conhecer um mundo completamente novo e cheio de pluralidades. Longe das generalizações comuns, o Nordeste é muito mais que a figura do “cabra da peste”, típica de Lampião. O Nordeste é Lampião e Maria Bonita sim, mas também é muito mais do que isso. Cada um dos estados que compõem essa região possuem uma particularidade, sendo isso que torna a região tão rica culturalmente. Composto por nove estados: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. A região ocupa a área de 1.561.177,8 km², total que corresponde a 18,26% do território nacional. É dividido em quatro sub-regiões: Zona da Mata, Agreste, Sertão e Meio-Norte. Cada uma das sub-regiões possui características próprias. A Zona da Mata fica localizada na faixa litorânea banhada pelo oceano Atlântico, envolve o litoral do Rio Grande do Norte ao sul da Bahia. Na Zona da Mata é onde há maior densidade demográfica e maior desenvolvimento infraestrutural, estão localizadas as principais cidades do Nordeste. A vegetação nativa é a Mata Atlântica.
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Fonte: IBGE, 2017
Mapa do Nordeste
O Agreste é a sub-região de transição entre a Zona da Mata e o Sertão, possui menor densidade demográfica e sofre com estiagens. A região atravessa o interior dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. A sub-região do Sertão é onde predomina o clima semiárido, localizada no centro do Nordeste, percorre quase todos os estados. Nesta localidade, os índices pluviométricos são baixos e irregulares, fato que provoca longos períodos de seca. A bacia do Rio São Francisco é a única fonte perene de água do Sertão.
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Por fim, o Meio-Norte encontra-se em uma faixa de transição entre a Amazônia e parte do sertão nordestino. Localizada entre os estados do Maranhão e parte do Piauí, pela proximidade com a Floresta Amazônica, a área é bastante úmida e apresenta altos índices pluviométricos. A população nordestina é a segunda maior do Brasil. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são 53.081.950 habitantes na região. Mesmo sendo uma área populosa, sua densidade demográfica é baixa, ou seja, a população não habita igualmente todos os espaços. Pelo menos 40% da população vive na sub-região da Zona da Mata. Os dados do IBGE mostram que as três maiores cidades nordestinas são Salvador, com 2 938 092 de habitantes, Fortaleza com,2 591 188 e Recife, com população de 1 617 183 habitantes.
Rio São Francisco Um dos mais importantes rios brasileiros, o São Francisco, ou como é carinhosamente chamado “Velho Chico”, tem seu curso d’água com cerca de 2.800 km de extensão. O rio São Francisco nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais e corta os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, regiões com diferentes características geográficas.
Mapa elaborado no Banco de Informações e Mapas dos Transportes da Secretária Executiva do Ministério dos Transportes
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Foto: Márcio Dantas/Agência Sergipe de Notícias
Foto: Divulgação/Ministério da Integração Nacional
O São Francisco possui grande importância para o desenvolvimento do Nordeste, já que dentro da sub-região do Sertão, é a única fonte constante de água. Na área do alto e médio rio estão instaladas indústrias e agroindústrias. Sistemas de irrigação possibilitam a produção de frutas e hortaliças. Já na região do baixo São Francisco, estão as comunidades ribeirinhas que sobrevivem a partir da agropecuária e da pesca, basicamente.
Muitas culturas dentro de uma A cultura popular nordestina é riquíssima. Cheia de particularidades, os costumes sofreram influência do europeu colonizador, do negro escravo e do índio nativo. Cada estado da região possui um aspecto que compõe a riqueza cultural nordestina. Como prova da disso, o Nordeste possui cinco dos treze monumentos nomeados como Patrimônio Cultural da Humanidade, título concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Compõe a lista dos Patrimônios Culturais da Humanidade localizados no Nordeste: Centros Históricos de Olinda, São Luís e Salvador, o Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí e a Praça São Francisco, em São Cristóvão, Sergipe.
Gastronomia Além das paisagens naturais exuberantes, o Nordeste também conta com uma gastronomia singular e diferente de qualquer outra no país. A miscigenação foi responsável pela multiplicidade de sabores na culinária nordestina, que conta com paladar exótico e marcante. São utilizados
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ingredientes de personalidade no preparo dos pratos, como a pimenta, o azeite de dendê, o coentro, o coco, entre outros. Cada estado do Nordeste possui pratos e técnicas de produção próprias, porém um dos pontos em comum na cozinha nordestina é o consumo de peixes e frutos do mar. Em resumo, a comida típica nordestina é uma comida “forte”, que “dá sustância”. As refeições são simples, porém energéticas e nutritivas, pois a ideia é que seria preciso energia para aguentar as longas jornadas de trabalho e o sol escaldante. Os costumes alimentares de um povo nos faz analisar inúmeros elementos, como os traços culturais, a geografia local e a situação socioeconômica. Sendo assim, no Nordeste a alimentação tem base simples, porém os temperos e condimentos utilizados tornam a maioria dos pratos exóticos e com sabor singular. A multiplicidade dos biomas da região é refletida na cozinha. Nos estados mais ao litoral, a alimentação é baseada no consumo de peixes e frutos do mar, como camarão e lagosta. Mais ao interior nordestino, encontramos vigor e rusticidade. Os pratos são à base de raízes, como a mandioca e carnes, como a de sol e seca. Além dos ingredientes típicos do agreste e da caatinga, a gastronomia do Nordeste possui no cardápio variedades de origem estrangeira, graças ao processo de colonização. O coco, por exemplo, é um ingrediente comum na região e foi trazido da Índia pelos colonizadores portugueses. Pratos típicos, como o Sarapatel e a Buchada são originários da culinária portuguesa. O azeite de dendê e a pimenta malagueta foram incorporados à culinária nordestina pelos africanos.
Alguns ingredientes típicos do Nordeste Frutas: goiaba, caju, banana, manga, jaca, araça, mangaba, sapoti, cajá, graviola, cupuaçu e bacuri. Azeite de dendê: muito comum na Bahia, o azeite de cor alaranjada possui um sabor único e forte. Pimenta malagueta: foi trazida pelos negros africanos e é muito utilizada na cozinha baiana.
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Leite de coco: o leite é produzido a partir da carne branca do coco e é muito utilizado para incrementar pratos, como o bobó de camarão. Mandioca: é um dos ingredientes principais e mais versáteis da culinária nordestina. Da mandioca é extraído a carimã, a goma e a farinha. Do carimã pode ser produzido o pé-de-moleque, da goma é feita a tapioca e a farinha pode ser utilizada para preparar inúmeros pratos, como o pirão e a farofa. Queijo coalho: acompanhamento típico de muitos pratos, o queijo é produzido artesanalmente e pode ser encontrado, principalmente, nos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará. Carne bovina: é bastante consumida na região, principalmente a conhecida carne de sol e a carne seca. Milho: é consumido de várias maneiras e também é base para o preparo de bolos, pamonha, cuscuz, canjicas,mingau, sorvete, entre outras receitas. Feijão: são inúmeras as variedades de feijão consumidas no Nordeste. Entre as variedades estão: feijão fradinho, feijão branco, preto, verde, entre outros. Coentro: tempero típico do Nordeste, possui gosto forte e marcante.
Foto: Amanda Costa
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Peixes e frutos do mar: a grande faixa litorânea do Nordeste fornece uma vasta variedade de peixes, crustáceos e moluscos. São vários os pratos que são servidos à base de peixes, camarões, caranguejos e siris.
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Foto: Amanda Costa
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Alguns dos pratos típicos Baião de dois O nome desse famoso prato nordestino faz referência ao Baião, gênero musical que ficou nacionalmente conhecido com Luiz Gonzaga. O prato tem origem cearense e foi criado em épocas de dificuldades, quando a seca perdurava mais do que se esperava e só restava arroz, feijão e carne seca. O Baião de dois é feito com arroz, feijão, carne seca, queijo coalho e vinagrete. Buchada Esse típico prato Nordestino é para quem gosta de degustar sabores fortes e exóticos. A receita tem origem portuguesa e é feita com os miúdos do Bode, como rins, fígado e vísceras. As partes são cortadas, temperadas, aferventadas e cozidas em bolsas feitas a partir do estômago do animal. Vatapá O Vatapá é uma receita típica baiana, seu preparo inclui pão molhado (em água) ou farinha de rosca, fubá, amendoim, pimenta malagueta, cravo, leite de coco, castanha de caju, camarão e outros ingredientes. O prato é consumido como acompanhamento de frutos do mar, frango e é utilizado como recheio do famoso Acarajé. Acarajé O Acarajé é um prato tipicamente baiano, mas tem sua origem no Golfo de Benim, na África Ocidental. O quitute é feito a partir de uma massa de feijão-fradinho, cebola e sal. Após ser frito no azeite de dendê, o bolinho é recheado com vatapá e com um molho de camarão, pimenta e cebola. O Acarajé possui forte vinculo religioso, sendo considerada uma comida sagrada no Candomblé.
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Desde 2005, o ofício das Baianas do Acarajé passou a ser considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). . Carne de sol A carne de sol, também conhecida como carne de vento ou carne do sertão, é um produto típico do Nordeste. A iguaria é produzida a partir do método de salga. As peças de carne são salgadas e secadas em locais abertos e ventilados. A técnica forma uma capa protetora, mantendo a carne macia e com sabor marcante. Moqueca Esse famoso prato, que carrega raízes da cozinha africana e portuguesa, divide receitas entre típica cozinha nordestina, da Bahia, e a capixaba. A receita seguida na Bahia utiliza na preparação do prato produtos tipicamente nordestinos, como azeite de dendê, leite de coco e coentro. Tapioca Conhecida também como beiju, a tapioca tem origem indígena tupiguarani. A delícia é feita a partir da fécula extraída da mandioca, que ao ser espalhada em uma superfície aquecida se transforma em uma massa semelhante à uma panqueca. Os discos formados podem ser recheados de várias formas, com queijo, carne seca, frango e até opções doces. Dobradinha Prato de origem portuguesa, a Dobradinha é uma receita feita a partir do bucho de animais, em especial do boi. O preparo é realizado pelo longo cozimento com temperos marcantes, como pimenta e cheiro-verde. Sarapatel Iguaria de origem Portuguesa, o Sarapatel é um prato forte, feito com as vísceras de porco, carneiro ou bode e possui um caldo engrossado com o sangue coagulado do animal. É comum ser acompanhado por farinha e arroz.
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Baião de dois com queijo coalho
Acarajé Foto: Túlio Vidal
Foto: Divulgação/Restaurante Baiano de dois
Foto: Cassio Bayma
Foto: Divulgação/Restaurante Baiano de dois
Moqueca Arroz de frutos do mar
Carne de Sol com mandioca
Vatapá
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Foto: Magno Moraes
Foto: Amanda Costa
Arroz de cuxá O arroz de cuxá é um prato típico maranhense, tendo origem africana e portuguesa. O cuxá é um molho feito à base vinagreira (erva com sabor azedo, comum no Maranhão),camarão seco, farinha seca e pimenta de cheiro. Arroz Maria Isabel O arroz Maria Isabel foi criado no estado do Piauí e equivale a uma verdadeira refeição. A receita consiste em uma mistura de arroz com carne de sol, cebola, pimentão, alho, pimenta-do-reino, coentro e cebolinha. Bolo de rolo O bolo de rolo é um doce de origem portuguesa e muito típico no estado do Pernambuco. O bolo tem sua massa enrolada e em cada camada há uma porção de goiabada derretida, o que lembra um rocambole, porém existem diferenças no preparo. O bolo de rolo pernambucano é uma adaptação da receita “colchão de noiva”, um pão de ló recheado com nozes. Os portugueses trocaram o recheio de nozes por goiaba, fruta abundante na região. Em 2007, o bolo de rolo do Pernambuco passou a ser reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial, através da Lei Ordinária nº 379. Paçoca de carne seca A paçoca de carne seca é uma receita de origem indígena. Seu preparo é realizado pela mistura da farinha de mandioca com temperos e carne seca. A iguaria é consumida como acompanhamento de muitos pratos nordestinos. Galinha de Cabidela A Galinha de Cabidela, conhecida também como Galinha ao molho pardo, tem origem africana, especificamente da Angola. A receita consiste em um ensopado de frango incrementado com o sangue do animal. Esses são só alguns dos vários pratos típicos nordestinos. Aos que nunca experimentaram nenhuma dessas receitas, não sabem o que perdem!
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Foto: Lara Sanrana/Prefeitura de Olinda
Foto: Amanda Costa
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Religiosidade
O povo nordestino é um povo de uma fé religiosa inigualável. A influência direta dos portugueses, índios e negros africanos transformou o Nordeste em um caldeirão de crenças, cultos e religiões. O catolicismo é a religião predominante na região, porém aquelas de raízes africanas, como a Umbanda e o Candomblé também estão presentes no Nordeste. De acordo com o Censo Demográfico 2010, realizado pelo IBGE, 72,2% da população local se declara Católica Apostólica Romana. Enquanto isso, 16,4% se declara Evangélica; 0,8% Espírita e 0,2% Umbandista e Candomblecista. O sincretismo religioso é uma característica marcante das manifestações de fé que ocorrem no Nordeste. Durante todo o ano acontecem festas religiosas, que são verdadeiras festas populares em várias cidades nordestinas. Ocorrem romarias e peregrinações em Bom Jesus da Lapa (BA), Canindé (CE), Juazeiro do Norte (CE), Santa Cruz dos Milagres (PI) e várias outras cidades.
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Foto: Reprodução/Foto Reprodução
Foto: Reprodução/Foto Reprodução
Dentro da religião Católica, predominante na região, alguns personagens ajudam a caracterizar a religiosidade nordestina, como o Padre Cícero, (“Padim Ciço”), Frei Damião, Irmã Dulce,Padre Ibiapina e beata Maria Araújo.
Padroeiros do Nordeste
Nossa Senhora das Dores 15 de Setembro
Maranhão Nossa Senhora da Vitória 8 de Setembro
Ceará Piauí
São José 9 de Março
Nossa Senhora da Apresentação 21 de Novembro
Rio Grande do Norte Paraíba
Nossa Senhora das Neves 05 de Agosto
Penambuco Alagoas Sergipe
Nossa Senhora da Conceição 08 de Dezembro
Bahia Nossa Senhora da Conceição 08 de Dezembro
Dados: catolicos.vialumina.com.br Infográfico desenvolvido pela autora
Nossa Senhora da Conceição 08 de Dezembro
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Quando tratamos das religiões de origem africana, como Umbanda e Candomblé, o estado da Bahia é onde existem mais adeptos. Em Salvador fica localizado o mais antigo terreiro de Candomblé do Brasil, conhecido como Terreiro da Casa Branca, criado em 1830. Em 1984 foi considerado Patrimônio Histórico do Brasil pelo IPHAN. Em Janeiro ocorre, em Salvador, a lavagem das escadarias da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim. O festejo prova o sincretismo religioso entre a religião Católica e o Candomblé. É graças a força da religiosidade nordestina que é possível ultrapassar barreiras, promovendo a aproximação entre o Catolicismo e o Candomblé, por exemplo.
Música e Dança A música popular nordestina é outro ramo memorável da rica cultura da região. O Nordeste é um verdadeiro celeiro musical com ritmos que conquistaram o país inteiro, como o Forró, Baião, o Frevo, Xaxado, Maracatu, Axé, Roda de samba, o Coco, entre outras. Forró Todo mundo sabe que o Forró não é famoso só no Nordeste. O ritmo, que contagiou o país inteiro, era na verdade era um baile que envolvia vários gêneros musicais, o Baião, Xote e Xaxado. Segundo o folclorista e estudioso de manifestações populares, Luís da Câmara Cascudo, o termo Forró tem origem na palavra “forrobodó”, de raiz africana, que significa baile popular, festança. A versão popular da origem da palavra Forró conta que o termo surgiu durante as construções das estradas de ferro nordestinas, no século XIX. Nesse tempo, os ingleses costumavam fazer festas, que quando abertas à população era colocado um aviso na entrada: “For all”. A variação na pronuncia do inglês fez surgir a palavra Forró. O Forró se tornou um fenômeno na década de 1950. Artistas como Luiz Gonzaga e Dominguinhos foram responsáveis pela divulgação do ritmo. A intensa migração nordestina para outras regiões do Brasil, principalmente o Sudeste, fez com que o forró passasse a ser conhecido nacionalmente.
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Baião O Baião é outro gênero musical muito comum no Nordeste. O ritmo mistura instrumentos, como a viola caipira, o triângulo, flauta doce e acordeão. O Baião trata da temática do cotidiano nordestino, das dificuldades, das alegrias e da cultura popular. A partir da segunda metade da década de 1940, o baião passou a ser um ritmo popular graças ao trabalho memorável de Luiz Gonzaga, também conhecido como rei do Baião, e o compositor Humberto Teixeira, o “doutor do baião”. Das composições mais conhecidas podemos destacar a eterna “Asa branca”, composta em 1947 por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Frevo De origem pernambucana, o Frevo é um ritmo musical e uma dança típica nordestina que surgiu no século XVI. Sua popularidade aumentou pelo fervor do carnaval da capital Recife. O Frevo é a mistura de elementos da capoeira, marcha e maxixe. O que mais impressiona é a rapidez e flexibilidade necessária para realizar os passos da dança. De início, o Frevo era somente um ritmo musical, apenas um desfile que acontecia pelas ruas do Recife. A famosa coreografia surgiu a partir da dinâmica agitada do ritmo. Assim, a música e a dança se identificaram em um processo de criatividade popular. A partir disso, o Frevo passou a ser cada vez mais conhecido e se tornou parte característica do Carnaval pernambucano. Em 2012, o Frevo foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Xaxado O Xaxado tem suas origens no sertão do Nordeste e faz referência a época do cangaço. O ritmo era dançado sempre que os cangaceiros conquistavam uma batalha, logo o Xaxado remete à alegria. Curiosamente, o nome “Xaxado” vem do som que as sandálias dos cangaceiros faziam ao tocar no solo sertanejo. Maracatu Mais que um ritmo e uma dança, o Maracatu é um ritual de sincretismo religioso entre a religião Católica e o Candomblé. A manifestação nasceu no estado do Pernambuco, especificamente nas cidades de Recife e Olinda, e
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tem raiz africana. O ritmo tem como característica o uso de instrumentos de de batida intensa e frenética. Axé Quando comparamos com os outros gêneros musicais típicos nordestinos, o Axé é relativamente novo. O ritmo nasceu na Bahia, nos anos 1980, durante o famoso carnaval de Salvador. O nome “Axé”, de origem africana, significa energia, força de presença. O gênero possui referências do Forró, Reggae, Merengue, Frevo, Maracatu e ritmos africanos. O Axé, sem dúvidas, é contagiante e famoso no país inteiro. Roda de Samba Surgida no recôncavo baiano, a Roda de Samba é resultado da mistura entre vários ritmos africanos. São mesclados poesia, dança, religiosidade e elementos lúdicos, criando um ritmo único e característico da cultura nordestina e brasileira.
Foto: Prefeitura de Olinda
Coco O Coco é mais um ritmo e dança típico do Nordeste. Originado no estado do Pernambuco, de influência africana e indígena, o Coco é representado durante festas populares nordestinas, como as festas juninas.
Frevo em Olinda (PE)
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Festas Juninas
Foto: Amanda Costa
As Festas Juninas são muito famosas no Brasil, mas é no Nordeste que elas possuem maior expressividade. Em junho, os cristãos católicos homenageiam Santo Antônio, São Paulo, São Pedro e São Marçal. A tradição foi trazida ao Brasil pelos portugueses durante o período colonial. Com o tempo, os elementos culturais europeus foram misturados às peculiaridades culturais características de cada região brasileira. No Nordeste há uma grande festa que dura o mês de junho inteiro e se estende até meados de julho. Uma tradição mantida e que anima os festejos nordestinos são os concursos de quadrilhas juninas. Além das famosas quadrilhas, a festa conta com apresentações de diversos grupos folclóricos, como Bumba Meu Boi, Xaxado, Dança do Coco, Cacuriá, entre outros. O Nordeste inteiro é reconhecido pelas festanças de junho, mas podemos destacar como principais cidades, pela grandiosidade e riqueza de detalhes: Aracajú (SE), Campina Grande (PB), Caruaru (PE), Mossoró (RN), Salvador (BA), São Luís (MA).
Grupo folcloríco nas Festa Juninas de São Luís (MA)
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Literatura
Foto: Amanda Costa
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Foto: Amanda Costa
A literatura regional nordestina é de grande significância dentro da formação cultural brasileira. Muitos dos maiores escritores brasileiros tiveram o Nordeste como berço de suas obras. O regionalismo, característica marcante da literatura nordestina, retrata problemas sociais e geográficos não só da região, como de todo o país. Autores como Jorge Amado, Nelson Rodrigues, João Cabral de Melo Neto, José de Alencar, Ariano Suassuna, Rachel de Queiroz, Gregório de Matos, Graciliano Ramos, Ferreira Gullar, Gonçalves Dias, Castro Alves e vários outros nomes elevam a representatividade da literatura nordestina no cenário nacional. Quando falamos em literatura nordestina, impossível não lembrar da famosa literatura de cordel, tipo de poesia popular, originalmente oral e trazida ao Nordeste pelos portugueses. Sua origem vem da Idade média, mais ou menos no século XVI, quando começou a ser popularizada a impressão dos relatos orais. O nome literatura de cordel faz referência à forma como os “folhetos” eram expostos para venda em Portugal, em cordas ou barbantes.
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Os primeiros cordéis foram trazidos ao Nordeste pelos colonizadores e, com algumas adaptações, foram incorporados à cultura nordestina. Os cordelistas recitam os versos de forma lenta e ao som da viola, os cordéis são em sua maioria ilustrados pelas famosas xilografias. Além do regionalismo nordestino, a literatura de cordel aborda vários outros temas, como: educação, cangaço e vida sertaneja, histórias com personagens do folclore popular nordestino, romance e entre outros. O cordel é considerado um veículo de comunicação popular de maior audiência, quer pela sua produção (que é o próprio povo que faz), quer por estar em vários locais e por trazer notícias e acontecimentos. A fim de reunir os grandes autores cordelistas, em 1988 foi criada a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com sede no Rio de Janeiro.
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Destino: São Paulo
Como pensar na história política e social da cidade de São Paulo sem considerar o impacto dos movimentos migratórios que ocorreram na cidade? Gente de todo país, de outros países, dos mais próximos e dos mais distantes, como o Japão, encontraram na capital paulista um caminho de novas oportunidades. O movimento migratório dos nordestinos para São Paulo é o ponto central deste livro. Que fatores teriam levado tantos nordestinos a enxergarem na capital um recomeço para suas vidas? Antes de qualquer coisa, é importante compreender os fluxos migratórios ocorridos no Brasil, a maioria devido às atividades econômicas que se destacavam em certos períodos históricos.
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Movimentos migratórios no Brasil
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Século XVI Criadores de gado que viviam no litoral nordestino migram para o sertão
Século XVI/ XVIII
Grande movimentação migratória rumo Minas Gerais devido à exploração aurífera
Século XIX A decadência da exploração do ouro levou um grande contingente populacional para as regiões de produção cafeeira em São Paulo e no Rio de Janeiro. Além do cultivo de café, ocorreram também fluxos migratórios nordestinos em busca de trabalho na extração de borracha na Amazônia.
Século XX Na primeira metade do século XX, graças a incentivos migratórios governamentais, nordestinos começaram a se dirigir para o oeste paulista a fim de trabalhar nas lavouras de café e algodão.
Pós-Guerra Com o fim da Segunda Guerra, o desenvolvimento industrial nos grandes centros urbanos, a decadência e estagnação econômica das regiões Norte e Nordeste foram fatores que contribuíram para a elevação dos números de migrantes nordistas e nordestinos para o Sudeste, em especial para a cidade de São Paulo. Infográfico desenvolvido pela autora
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Diante dos vários fenômenos migratórios que ocorreram no país ao longo dos séculos, percebemos que todos se deram a partir do momento que um contingente populacional de uma região resolvia buscar novas perspectivas de vida em outro local considerado próspero. A migração nordestina para o Sudeste, em especial para São Paulo, ocorrida a partir do século XX, pode ser explicada não somente por fatores econômicos, como também sociais e políticos. O contexto social, econômico e político do Nordeste, durante a primeira metade do século do XX, é de uma vida sofrida e com poucas perspectivas de melhorias. Na primeira metade do século XX e até meados dos anos 1970, o Nordeste ainda possuía uma economia agrária, uma grande classe latifundiária e uma absurda concentração de terra. Fora isso, os regimes e locais de trabalho eram precários e a região era completamente esquecida. Os pequenos proprietários de terras não conseguiam sobreviver às grandes propriedades, não havia menor possibilidade de melhorias no cultivo das terras, nem assistência ou qualquer tipo de incentivo governamental. Além de todos os problemas político-sociais, o Nordeste ainda passava pelas constantes secas que assolaram a região e impediam o desenvolvimento dos plantios. As estiagens, ocorridas em 1951 e 1958, foram as mais difíceis e criaram um fator adicional de motivação ao êxodo da população. De início sem incentivos sociais, políticos e econômicos, milhares de nordestinos decidiram migrar em busca de melhores condições de vida. O caminho era longo, alguns não sobreviviam até o destino final, mas a força, a persistência e fé nordestina eram as maiores ferramentas colocadas na bagagem. A explosão migratória de nordestinos para São Paulo se deu por inúmeros fatores. O primeiro deles foi a polêmica política de controle de imigração defendida no governo Getúlio Vargas. Em 1934 foi aprovada a Lei de cotas. O governo Vargas foi marcado por políticas nacionalistas e populistas. O governante pretendia, com suas políticas, valorizar e promover a mão de obra nacional, assim como o desenvolvimento interno brasileiro, deveria empregar o nativo, em uma “aparente” oposição ao imigrante estrangeiro que chevaga ao país. Segundo o texto constitucional da Lei de cotas, só poderiam migrar para
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o Brasil, por ano, 2% do total de imigrantes de cada nacionalidade, que chegaram ao território brasileiro nos últimos 50 anos. De início apenas os portugueses foram excluídos desse novo regime de imigração. Contudo, em 1939, a política de cotas para imigrantes portugueses passou a ser também estabelecida. Além dessa lei, outros fatores foram responsáveis pela queda da imigração externa, como: a instabilidade política trazida pela Revolução Constitucionalista em 1932, o advento da Segunda Guerra Mundial, facilidades na migração interna dentro da Europa pós-guerra e a implantação da ditatura militar no Brasil. Com a diminuição da imigração externa, políticas governamentais, com foco nas migrações internas, começaram a incentivar movimentos migratórios de contingentes populacionais do Norte e Nordeste para o Sudeste, especialmente, São Paulo. Os migrantes nordestinos, que passavam pela extrema estagnação econômica em suas regiões, vinham em busca de empregos e melhores condições de vida. Os números de migrantes passaram a crescer exponencialmente devido políticas de incentivo empregadas pelo governo do estado de São Paulo. Em 1935, o governador Dr. Armando Salles de Oliveira enxergou o fluxo migratório da população nacional para São Paulo como uma forma de suprir as necessidades de mão de obra nas lavouras de café. Diante disso, a iniciativa do governo foi regularizar e organizar a migração. Portanto, foi criado o Departamento de Imigração e Colonização (DIC). O governo paulista passou a trazer migrantes por um sistema de contratos realizados por intermédio de firmas particulares. As contrações de trabalhadores eram fechadas pelas companhias terceirizadas e por meio de subvenções aos empregados, como o pagamento de passagens e auxílio em dinheiro para adultos e crianças. As firmas particulares de capitação de trabalhadores começaram a atuar nas regiões Nordeste e no norte de Minas Gerais. Em 1939, o então DIC foi restruturado e criada a Inspetoria de Trabalhadores Migrantes (ITM). O novo departamento tinha a finalidade de substituir o trabalho das empresas de captação de trabalhadores. A partir de então, terminais ferroviários passaram a ser fiscalizados por funcionários do ITM, com o objetivo de organizar a captação de trabalhadores, os procedimentos de embarque e a viagem até São Paulo.
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Como resultado dos processos de contratação adotados pelo governo de São Paulo, a entrada de migrantes no estado aumentou de forma maciça. Em 1939 já era registrado o número de 100.000 migrantes por ano. O crescimento no número de migrantes em São Paulo só cessou durante a Segunda Guerra Mundial, período em que os fluxos migratórios no Brasil passaram a atender a região da Amazônia para a exploração da borracha. Isso ocorreu, especialmente, entre 1942 e 1947, porém em 1947 já era possível acompanhar um novo avanço migratório. Foram muitos os incentivos e facilidades que fizeram os migrantes em especial, os nordestinos, virem para São Paulo. Porém, o acesso até a capital paulista ainda era precário, o transporte ferroviário era a principal forma dos nordestinos chegarem até a cidade. As condições da viagem, pode se imaginar, péssimas, vagões lotados e total precariedade nas instalações. Assim, a melhoria do sistema rodoviária no Brasil foi um elemento a mais de incentivo. Um exemplo foi a inauguração da rodovia Rio-Bahia em 1949, que foi responsável pela diminuição das dificuldades do deslocamento entre o Nordeste e Sudeste do país. A importância da construção da rodovia pode ser comprovada com os seguintes dados: em 1950 apenas 12% dos migrantes nordestinos chegavam a São Paulo por via rodoviária, em 1952 esse número cresceu para 34%.2 Além disso, devemos ressaltar também que com as construções de novas rodovias que ligavam o país, houve um incremento na produção de veículos automotivos, principalmente caminhões e ônibus. Contudo, o transporte por trem ainda era largamente utilizado. E a chegada do “trem baiano” era cena cotidiana na estação Roosevelt no bairro do Brás, por essa época. Os caminhões que realizavam o transporte de mercadorias do Sudeste para o Nordeste do país voltavam trazendo inúmeros migrantes. A viagem era feita em péssima situação, os indivíduos eram transportadas sobre tabuas montadas, improvisadamente, na carroceria dos caminhões. A viagem demorava de 10, 15 e até 20 dias intermináveis. Os conhecidos caminhões “paus de arara” foram às primeiras opções de deslocamento rodoviário. Por serem mais baratos, esse tipo de transporte ficou famoso e se tornou símbolo da migração nordestina para a capital paulista.
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Foto: agência Brasil
Foto: Reprodução/Foto Reprodução
Os caminhões “Pau de Arara”
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Dados da migração nordestina Infográfico desenvolvido pela autora
São Paulo recebeu, entre 1950 e 1960, cerca de 1 milhão de imigrantes, o que representou 60% de seu crescimento populacional. 3
Em 1970, o censo demográfico apontou que 70% da população economicamente ativa de São Paulo havia passado por algum processo migratório. 4
De acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2011 cerca de 45% das pessoas que vivem na região da Grande São Paulo são naturais de outras regiões do país.
De acordo com dados do Censo 2010 (IBGE), os nordestinos em São Paulo representam 15% do total da população paulistana. Atualmente 1.704.683 habitantes da capital tem origem nordestina. Porém, é importante ressaltar que esses números são referentes às informações captadas oficialmente pelo IBGE, logo esses dados são possivelmente maiores.
Ainda segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), dos 45% da população migrante vivendo na região da Grande São Paulo, 11% são baianos.
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O progresso paulistano
Ao chegar a capital paulista pós-Segunda Guerra, os milhares de migrantes nordestinos encontraram um mercado de trabalho dinâmico e em expansão. O presente desenvolvimento industrial na região metropolitana de São Paulo exigia maciça mão de obra. Para imaginar a proporção da expansão, em 1956 o total da força de trabalho existente na Grande São Paulo era de 900 mil trabalhadores, desses 500 mil estavam empregados somente na capital. Além do grande número de oportunidades de emprego nas indústrias, os migrantes nordestinos também encontravam vagas nas mais diversas áreas de atuação como, por exemplo, no setor de serviços. Ou seja, as perspectivas para o migrante na capital paulista eram muitas e variadas.
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Foto: saopauloantiga.com.br
Foto: saopauloantiga.com.br
Foto: saopauloantiga.com.br
Vista áerea do centro de São Paulo em 1959
Construção do MASP no início da década de 1960
Foto: saopauloantiga.com.br
A movimentação na Avenida São João nos anos 1950
Vale do Anhangabaú na década de 1950
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Nos primeiros 50 anos do século XX, São Paulo passou de “metrópole do café” para a “metrópole industrial”. Essa mudança ocorreu diante da influência de alguns acontecimentos de ordem global, que recaíram diretamente na organização estrutural da cidade. A crise dos anos 1930 fez com que São Paulo repensasse o modelo de economia agroexportador e começasse a compreender a necessidade da industrialização, como forma de promover realmente o desenvolvimento. Além disso, os desdobramentos decorrentes da Primeira Guerra Mundial, a Europa em crise, a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 e, por fim, a Segunda Guerra Mundial foram fatores que impulsionaram fortemente a transformação da capital paulista. Esses fatores fizeram com que o preço e a importação de café caísse em ritmo acelerado, o mercado externo entrou em recessão e, assim, os prejuízos fizeram a produção seguir o mesmo caminho. Com esse cenário, São Paulo diminuiu a exportação de café e teve que investir na industrialização para obter utensílios de necessidade básica. Nessa época, a capital paulista já tinha consolidado sua posição como maior metrópole da América Latina. Em 1870, a população era de 31 mil habitantes, em 1950, esse número havia pulado para 2 milhões. O progresso, sem dúvidas, fazia parte da cidade, e não foi atoa, a vinda de migrantes de várias partes do país e do mundo. Mas, nem tudo eram flores para quem chegava. Para o migrante nordestino, foco dessa publicação, as dificuldades estavam, em grande parte, na falta de qualificação necessária para alcançar melhores oportunidades no mercado de trabalho e, claro, a adaptação aos aspectos culturais distintos. Exemplos disso, é o grande número de homens que foram dirigidos para serviços na construção civil, serviços gerais e braçais. Já a mulher, ficou encarregada de realizar serviços domésticos, trabalhando na casa de famílias, cozinhando ou lavando roupa para fora. Ao chegarem aqui o cenário de oportunidades e progresso foi encontrado por muito migrantes nordestinos, porém, com o tempo, o inchaço populacional da São Paulo e o crescimento acelerado promoveram vertiginosos problemas de infraestrutura urbana. Os migrantes nordestinos passaram a ser culpados e mal vistos pela população paulistana, com o argumento conservador de serem o motivo da “poluição” em todos os níveis (moradias, violência, manifestações culturais, sobrecarga aos serviços públicos, etc), ou seja, por aumetarem o típico “caos” da cidade.
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As tranformações de São Paulo
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Rua Augusta nos anos 1960
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Rua Augusta em 2012
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Vale do AnhangabaĂş em 1961
Foto: saopauloantiga.com.br
Vale do AnhangabaĂş em 2013
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O nordestino, infelizmente, passou a ser visto de maneira seletiva e intolerante. Triste pensar nessa realidade quando analisamos que, contemporaneamente ao crescimento do número de migrantes nordestinos, São Paulo passou também por um exorbitante aumento de suas riquezas. O migrante não é enxergado como parte fundamental do desenvolvimento, mais do que isso, foi a força motora do progresso paulistano. Em meio às inúmeras oportunidades de trabalho, os migrantes nordestinos foram dirigidos às posições de “menor relevância social”, porém de grande importância diante do contexto desenvolvimentista da cidade. Fora a discriminação por origem criada pelo total distanciamento existente entre as regiões do Brasil, o “boom” no fluxo de migrantes nordestinos em São Paulo fez com que fossem construídos estereótipos acerca da cultura desse povo. As inúmeras distinções entre os nordestinos passavam a ser irrelevantes, a multiplicidade cultural existente em cada um dos 9 estados do Nordeste foram, muitas vezes, reduzidos a uma unidade só. Expressões como “baianos”, “nortistas” e “de Minas para cima é Bahia”, provam o distanciamento e, de certa forma, desdenho da origem e da cultura nordestina. Havia, por parte dos migrantes, a tentativa de enfatizar as diferenças de cada um, porém ao mesmo tempo, a sociedade local insistia na homogenização cultural. O expoente crescimento da cidade, consequentemente guiado pelo trabalho dos milhares de migrantes, fez com que fosse desenvolvido um “regionalismo de superioridade” por parte da população paulistana. Afinal, de uma forma ou de outra, por meio dos esforços de quem fosse, São Paulo era vista pelo restante do país como uma cidade símbolo da modernidade e reduto do progresso trazidos pela urbanização. E assim, parte do grupo, que ainda hoje constrói o progresso da capital, fica “ilhado” em algumas regiões da cidade. Áreas conhecidas como “periferia paulista” (mesmo localizadas no centro), vistas como local de pobreza, exclusão social e marginalização cultural.
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São Paulo: coração nordestino
A transmissão da cultura popular nordestina ocorreu pela oralidade. Ao chegar a São Paulo, o migrante encontrou um referencial cultural completamente distinto do seu. Diante dessa nova realidade, a adaptação do migrante nordestino na capital paulista é marcada pela reelaboração de seus referenciais culturais. Ou seja, o nordestino recém-chegado a São Paulo era obrigado a absorver aspectos característicos da cidade e, ainda assim, manter seus traços culturais típicos. Essa atividade não era fácil, já que a própria “cultura nordestina” era vista de maneira marginalizada pelos próprios paulistanos. A cidade grande, sem dúvidas, ameaçava transformar os traços culturais nordestinos mais marcantes. Os migrantes trouxeram na bagagem seus símbolos, ritos, mitos, costumes populares e todo o seu universo particular. Foi a dificuldade de lidar com esse choque cultural que incentivou muitos nordestinos, que chegavam a São Paulo, a terem a vontade de “juntar um dinheirinho” e voltar a sua terra natal. Para promover uma adaptação mais rápida, o migrante resgatava forças nas lembranças da família e na companhia dos amigos conterrâneos. Havia uma relação de cumplicidade entre os nordestinos recém-chegados e os já adaptados à cidade.
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Ocorria uma ajuda mútua, uma relação de empatia e de solidariedade. Era fácil localizar os migrantes, devido aos pontos de encontro que eles criaram como referência. A Praça da Sé, por exemplo, ponto de muita importância na capital paulista, passou a ser local de encontro aos domingos. Passaram a acontecer manifestações nordestinas, festas, atrações culturais,etc. A fim de sobreviver ao amontoado de informações e influências vindas da mistura das várias culturas que compõem a população paulistana, o migrante nordestino enxergou na manutenção de costumes simples, uma maneira de ajudar na adaptação na cidade grande e na saudade da terra natal. Com a finalidade de se adaptar a nova morada, enaltecer as tradições foi uma alternativa. As mercadorias típicas do Nordeste, como carne seca, carne de sol, queijo caolho e entre outras, passaram a ser facilmente encontradas em mercados e feiras, ficando conhecidas como as famosas “casas do Norte.” No bairro do Brás existem inúmeras, ainda hoje. Além da alimentação, o povo nordestino não deixou de lado a sua música. O Forró, o Baião, sem dúvidas, são ritmos trazidos pelo Nordeste e que conquistaram o país inteiro. Não demorou muito para que esses gêneros musicais começassem a tocar nas rádios de São Paulo. A Rádio Record de São Paulo, por exemplo, passou a transmitir o programa “No mundo do Baião” já anos 1950. O programa conquistou não só os nordestinos, como também os próprios paulistanos. A partir disso, começaram a surgir pontos de encontro da comunidade nordestina. Casas de Forró, restaurantes, mercados especializados em produtos típicos e, mais recentemente, o Centro de Tradições Nordestinas (CTN), fundado em 1991, local onde é possível encontrar a cultura popular do Nordeste brasileiro presente em São Paulo. A religiosidade popular, com certeza, é um valor latente na cultura nordestina, e foi trazida à capital paulista como uma forma de dar força e manter a fé dos migrantes que chegavam. As festas religiosas populares e as romarias típicas do Nordeste, mesmo que longe, ainda estavam presentes na memória do nordestino. As famosas quermesses, que acontecem em São Paulo durante o período junino, são marcadas pela influência dos festejos do Nordeste. Ações como, o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), criado em 1986,
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ajudaram na manutenção de costumes religiosos nordestinos, além de auxiliarem na organização e articulação dos migrantes em geral. A SPM é um serviço de apoio que tem como objetivo a defesa e auxílio aos migrantes, acolhendo, ajudado na luta pela terra, lutando contra a exploração de trabalho, contra o preconceito por origem e promovendo a cultura popular de cada grupo. É visível, ao olhar atento, a relevância cultural dos migrantes nordestinos em São Paulo. Ao chegarem e encararem traços culturais completamente diferentes, esse povo criou uma formar de manter e, porque não, fincar suas raízes culturais na cidade. A exposição do paulistano às peculiaridades culturais do nordestino e o migrante exposto à cultura tradicional paulistana gerou, com o tempo, um envolvimento que terminou por moldar uma identidade única. Fato que aconteceu em São Paulo. Esse processo de construção da identidade paulistana foi desenvolvido a partir da intensa interação cultural entre os inúmeros povos que migraram para a capital. Mesmo com tantas influências culturais originadas de todo o país e do mundo, a cidade foi capaz de reformular todos os aspectos culturais inseridos e criar uma única identidade. A identidade cultural de São Paulo foi desenvolvida a partir de construções simbólicas, que contemplam as várias culturas aqui recebidas e incorporadas ao contexto social da cidade, mesmo com certa resistência. É uma hibridização,em muitos aspectos, da vida social cotidiana da capital.
O respeito aos imigrantes nordestinos A construção de certo “etnocentrismo paulistano” pela própria mídia, pelas propagandas e slogans contribuíram para a criação da ideia de que os nordestinos eram seres ignorantes, sem instrução e de cultura marginalizada. Este fato era ainda reforçado pela forma como os migrantes chegaram à “cidade grande”. A maioria com pouco grau de instrução, muitos analfabetos e totalmente perdidos diante do caos “desenvolvimentista” de São Paulo. O preconceito e a desvalorização do povo nordestino, até os dias de hoje, é uma triste realidade. No entanto, o respeito e a valorização cultural dos migrantes nordestinos em São Paulo é lei. Foram criadas organizações visando promover medidas que auxiliem e valorizem os nordestinos residentes na capital.
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Pelos direitos dos migrantes nordestinos
O Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Nordestina (COPANE) foi instituído pela Lei 12.061 em 13 de março 2006. O Conselho tem como objetivo principal desenvolver e articular ações políticas que interessam à comunidade nordestina em São Paulo.
Foto: Amanda Costa
Francis Bezerra, fundadora e presidente da ANESP.
Nas paredes da Anesp, o reconhecimento do trabalho de Francis Bezerra
Foto:Divulgação/COPANE
A Associação dos Nordestinos do Estado de São Paulo (ANESP) foi criada em 1984, pela maranhense Francis Bezerra. Francis chegou a São Paulo fugida das tristes condições que se encontrava no Nordeste. Em São Paulo, formou-se em direito e é Jornalista. A maranhense nunca se contentou com a forma como os nordestinos eram e são, até hoje, tratados em São Paulo. O preconceito e a desvalorização cultural foram os principais motivos para a criação da ANESP. A ANESP, órgão independente, tem como objetivo principal a valorização da cultura popular nordestina, a defesa dos direitos do migrante, o combate à discriminação por origem e a prestação de auxílio à comunidade nordestina que vive na capital paulista.
Foto: Arquivo Pessoal
A fim de garantir os direitos dos migrantes nordestinos em São Paulo e articular discussões de projetos que beneficiem essa comunidade, foram criadas as instituições: ANESP e COPANE.
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Além disso, fica a cargo do COPANE o papel de interlocutor entre a comunidade nordestina, seus movimentos sociais e o estado. Dessa forma, o Conselho se preocupa com o enfrentamento de atitudes discriminatórias e valorização da importância da comunidade nordestina para o desenvolvimento de São Paulo e do país.
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A cultura nordestina em São Paulo
Conheça cinco lugares, entre os muitos, que transpiram cultura nordestina em São Paulo
Bairro do Brás O Brás, na capital paulista, é um dos bairros mais tradicionais e que carrega aspectos importantes da história de São Paulo. Localizado na região central da cidade, o Brás tem seu surgimento datado no século XVIII e tem ligação com a figura do português José Brás. Segundo registros, José Brás era proprietário de uma chácara na região e construiu a igreja do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos. Aos poucos, aos redores da construção, teria se desenvolvido o conhecido bairro do Brás. Em de meados do século XIX, as plantações de café alavancaram o processo de urbanização de São Paulo. A Estação do Brás foi inaugurada em 1867 e, então, a região passou a receber muitos trabalhadores vindos de fora da cidade. Devido aos terrenos baratos, grande parte dos trabalhadores que chegavam acabavam fixando residência no bairro.
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Foto: Amanda Costa
A partir da década de 1940, a região começou a receber muitos migrantes do Nordeste. Com o tempo, foram abertas inúmeras lojas especializadas em artigos nordestinos. As conhecidas “casas do Norte”.
Temperão do Brás, casa do Norte localizada no Brás
Foto: Raul Zito/G1
Durante muitos anos, o Brás, em especial a região do Largo da Concórdia, foi o principal reduto comercial e cultural de São Paulo. Ocorriam eventos nas praças, peças culturais no teatro Colombo, ou seja, o bairro era sinônimo de movimentação para os moradores da cidade.
Monumento do Migrante Nordestino, Largo da Concórdia no Brás.
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O desenvolvimento industrial de São Paulo, o crescimento da cidade, em meados dos anos 1970, e a construção da Estação Brás do metrô modificou a paisagem do bairro. A área de predominância residencial deu lugar a uma região de comércio popular, principalmente de confecções. Atualmente, o Brás é um dos maiores polos comerciais da América do Sul e posto de trabalho de muitos nordestinos que migraram para a cidade. Conhecer o Brás é conhecer a história de São Paulo!
Centro de Tradições Nordestinas (CTN)
Placa de entrada do Centro de Tradições Nordestinas
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
O Centro de Tradições Nordestinas, conhecido como CTN é, sem dúvidas, um pedacinho do Nordeste em São Paulo. Inaugurado em 1991 e idealizado pelo empresário paulistano José de Abreu, o CTN é referência quando falamos em cultura, entretenimento e culinária do Nordeste. O centro conta com 27 mil km², onde estão instalados dez restaurantes e nove quiosques que servem comida genuinamente nordestina. Além disso, há uma ampla área onde ocorrem shows e a charmosa Vila do Forró, espaço inspirado nos sobrados da cidade pernambucana de Olinda.
Feira de artesanato
Monumento na entrada do CTN
Praça do Forró
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
Igreja da Imaculada Conceição
Praça do Forró inspirada nos sobrados de Olinda
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Foto: Amanda Costa
O ambiente ainda conta com a Igreja da Imaculada Conceição, construída em homenagem a Frei Damião e inaugurada em 1998. Ao visitar a igreja, é possível conhecer o Memorial Padre Cícero, personagem representante da fé nordestina.
Igreja da Imaculada Conceição
Mensalmente, o CTN atrai mais de 80 mil pessoas, nordestinas ou não. O espaço é sinônimo de diversão e arrasta multidões, principalmente aos finais de semana. Frequentemente, ocorrem shows de famosos grupos musicais do Nordeste, e todos os domingos acontece uma feira de artesanato, que reforça a diversidade cultural do nordestino. Além de todo o esforço para retratar e valorizar a cultura, o Centro de Tradições ainda possui grande preocupação em relação à questão social. A partir disso, em 2003, o CTN recebeu do Ministério da Justiça o reconhecimento de Organização de Sociedade Civil de Interesse Público. Em 2016, o Centro completou 25 anos de existência e de comprometimento com a comunidade nordestina em São Paulo. Durante todo o ano foi realizada uma programação especial em comemoração, com shows, danças típicas, culinária local, exposições, feiras de artesanato, etc. Visitar o CTN é como estar no Nordeste!
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Endereço: Rua. Jacofer, número 615 Bairro do Limão, São Paulo – SP Fone: (11) 3488-9400 http://www.ctn.org.br/
Bairro de São Miguel Paulista
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
São Miguel Paulista é um distrito localizado na zona leste da cidade de São Paulo. O núcleo de formação inicial da região é a Capela dos Índios, igreja do século XVI com o objetivo de aldear os indígenas locais. A capela foi construída na Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, também conhecida como Praça do Forró. O bairro de São Miguel passou por sucessivas transformações no século passado, quando o distrito experimentou um significativo crescimento populacional. Até a década de 1930, o bairro contava apenas com 8 mil habitantes, número que chegou a 380 mil no começo do século XXI. O expressivo aumento da população da região começou a ocorrer com a chegada da Companhia Nitro Química, implantada em 1935.
Foto: Amanda Costa
Produtos nordestinos no Mercado de São Miguel Paulista
Foto: Amanda Costa
Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra (Praça do Forró)
Estação da CPTM de São Miguel Paulista
Avenida Nordestina em São Miguel Paulista
Muro da Cia Nitro Química em São Miguel
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Foto: Amanda Costa
Companhia Nitro Química instalada em São Miguel Paulista
A partir da inauguração da Companhia, muitos migrantes que chegavam à estação de trem de São Miguel acabaram sendo empregados na empresa. Dessa forma, foram contratados muitos funcionários do Nordeste, fato que atraiu mais migrantes para a região. Logo, com a quantidade de nordestinos, o local se tornou um pequeno pedaço do Nordeste na cidade. Os costumes, o modo de vida, a culinária e outros aspectos da cultura popular foram incorporados ao dia a dia de São Miguel Paulista. Devido aos baixos preços dos aluguéis, o bairro passou a ser residência de muitos migrantes, não apenas nordestinos, como de várias outras regiões. Por esse motivo, o distrito desenvolveu características multiculturais. Atualmente, o bairro possui um centro comercial movimentado e estabelecimentos dos mais diversos tipos. Para quem visita São Miguel pela primeira vez, é facilmente possível confundir o local com uma verdadeira cidade nordestina. Vale muito a visita!
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Estação da Luz
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
Foto: Rubens Chiri
A Estação da Luz foi projetada pelo arquiteto inglês Charles Henry Driver e construída entre 1895 e 1900. Um verdadeiro cartão postal da cidade, a Estação ligava Santos a Jundiaí e foi idealizada pelo conhecido Barão de Mauá e por empresários ingleses. Inaugurada em 1 de março de 1901, foi responsável por desenvolver a região e facilitar o crescimento de indústrias e dos próprios bairros da redondeza, como o Bom Retiro e o Brás. Além disso, a existência da Estação tornou mais fácil o transporte de mercadorias e passageiros, sendo um símbolo para o ciclo do café e um referencial para toda cidade de São Paulo. Quem chegava à capital paulista, desembarcava na imponente Estação da Luz, esta foi porta de entrada de milhares de migrantes, sobretudo, os nordestinos. Antes da existência da rodovia Rio-Bahia, os viajantes utilizavam, prioritariamente, as estradas de ferro. A Estação da Luz era a primeira visão dos migrantes que aqui chegavam, sua imponência e construção marcante impressionam.
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Com toda sua arquitetura ao estilo neoclássico, conhecer a Estação da Luz é como voltar ao passado e imaginar a época das grandes estações ferroviárias. Além de tudo, no prédio fica localizado o Museu da Língua Portuguesa, inaugurado em 20 de março de 2006. Conhecer a Estação da Luz e o Museu da Língua Portuguesa é uma verdadeira aula de história!
Incêndios na Estação da Luz Em 6 de novembro de 1946, a Estação foi parcialmente destruída por um incêndio. O fogo comprometeu a fachada da avenida Tiradentes, destruiu completamente arquivos e a torre principal foi tomada por uma densa fumaça. Na época, a causa do incêndio foi apontada como criminosa e ligada a interesses políticos. A reconstrução levou cinco anos e foi bancada pelo governo do estado. O incêndio de 1946 não foi o único ocorrido no centenário prédio. Em 21 de dezembro de 2015, um novo incêndio atingiu também o Museu da Língua Portuguesa, que teve seu acervo preservado graças à utilização de dispositivos eletrônicos para armazenar os dados.
Endereço: Praça da Luz, 1, Luz, São Paulo - SP Fone: 0800 55 0121 http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/
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Sala de exposição permanente do Museu da Imigração
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
Museu da Imigração
Sala de exposição que reconstroí a instalação da Hospedaria dos Imigrantes
O Museu da Imigração de São Paulo, localizado no bairro da Mooca, é uma instituição pública que visa promover a preservação e memória documental dos movimentos migratórios dos mais diversos povos para São Paulo. Entre os séculos XIX e XX, imigrantes de mais de setenta países chegaram ao Brasil com um sonho comum: melhorar suas condições de vida. O prédio que hoje comporta o Museu da Imigração era a antiga Hospedaria dos Imigrantes. Inaugurada em 1887, a hospedaria era o principal abrigo dos viajantes recém-chegados na cidade. Entre 1887 e 1978, passaram por lá mais de 2,5 milhões de pessoas que traziam na bagagem muitos sonhos e imensas expectativas de uma vida melhor. Além dos imigrantes estrangeiros, a hospedaria sempre recebeu migrantes vindos de outros estados do país, porém em número bem menor. O espaço era um abrigo seguro e amigo para se adaptar à cidade grande. A visita ao museu é praticamente uma aula da história da formação do povo paulista, como também do povo brasileiro. Podemos enxergar as influências que recebemos e como construirmos a nossa própria identidade. Existem diversas exposições, algumas temporárias e a principal: “MIGRAR: EXPERIÊNCIAS, MEMÓRIAS E IDENTIDADES”, que trás um grande acervo da história das migrações como um todo. Em oito módulos, passa pelos primeiros fluxos migratórios saindo da África, passando pela
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colonização brasileira até chegar aos dias atuais. Durante toda a exposição, o visitante conhece visualmente como eram os aposentos da famosa Hospedaria dos Imigrantes e pode imaginar o dia a dia dos povos que aqui chegaram.
Foto: Amanda Costa
Entrada da exposição “Migrar: Experiências, Memórias e Identidades
Painel de exposição do Bairro da Mooca
Foto: Amanda Costa
Uma das salas multimídia da exposição principal
Foto: Amanda Costa
Foto: Amanda Costa
Vale muito a visita ao museu!
Painéis de exposição dos bairros da Mooca e do Brás
Endereço: R. Visc. de Parnaíba, 1316 - Mooca, São Paulo - SP Fone: (11) 2692-1866 http://museudaimigracao.org.br/
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Um Nordeste em São Paulo
O povo que compõe e ajudou a construir São Paulo
Foto: Amanda Costa
Sabor nordestino
Dona Cleide, 38 anos, cearense, sócio proprietária do restaurante Sabor Nordestino
Dona Cleide dos Santos é uma cearense que vem de Pereiro, pequena cidade de 16 mil habitantes no interior do Ceará, a 342 km da capital Fortaleza. Simpática que só ela, Dona Cleide não abre mão de conversar sobre sua terra natal, seus costumes e suas lembranças. Cearense de nascença e paulistana de coração, desembarcou há 20 anos em São Paulo. Foram tempos difíceis, tinha acabado de perder seus pais no Ceará e veio até a capital paulista em busca de oportunidades.
Anos de trabalho até realizar o seu maior sonho, ter seu próprio negócio. A oportunidade veio quando dona Cleide menos esperava. Seu cunhado comprou um pequeno restaurante localizado no Mercado de São Miguel
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Foto: Amanda Costa
Paulista. A cearense virou sócia e implantou um cardápio nordestino que faz sucesso até hoje. Já são cinco anos coordenando os temperos que perfumam o salão do restaurante “Tempero Nordestino”. Quando questionada sobre o significado de São Paulo em sua vida, Dona Cleide não hesita em dizer:
Faixada do restaurante Sabor Nordestino localizado no mercado de São Miguel Paulista
São Paulo é oportunidade. Fui muito bem acolhida aqui e sou muito grata por isso. Aqui cresci, realizei sonhos, casei e construí minha família.
A comida “forte” e com tempero inconfundível faz sucesso na região. Dona Cleide, como boa nordestina, continua a sonhar e agradecer sempre. A propósito, o Baião de Dois da Dona Cleide é de comer rezando!
Ao contrário do que falam, o nordestino é focado, quer trabalhar. Não somos preguiçosos como dizem. Dona Cleide
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Foto: Amanda Costa
Temperão do Brás
Seu Souza, cearense, proprietário do Temperão do Brás.
Seu Souza, como é conhecido e gosta de ser chamado, é um homem orgulhoso de sua terra e que representa bem a coragem do nordestino. Esse cearense, nascido na pequena cidade de Beberibe, interior do Ceará, veio tentar a vida na capital paulista há 30 anos. Seu Souza desembarcou em São Paulo em 1977, com apenas 15 anos de idade. Ao chegar à cidade, recebeu auxílio de seus irmãos mais velhos, mas logo arrumou emprego e foi morar em uma pensão próxima à Estação da Luz.
Trabalhou de tudo, foi garçom, vendeu roupas, relógios e o que surgisse de oportunidade de trabalho, ele aceitava. Nordestino é um pouco isso, quando tem pouco estudo, ele não sabe a especialidade do que ele vai fazer em São Paulo, ele faz um pouco de tudo. É o Bombril! Seu Souza
Foi vendendo joias, mesmo após diversos assaltos, que Seu Souza conseguiu juntar um “dinheirinho” e alugar seu primeiro apartamento. Viver na pensão era difícil, fui assaltado muitas vezes. Quando eu saía, tinha de levar tudo comigo. Seu Souza
O trabalho sempre foi uma constante e uma forma de alcançar seus objetivos. Ter de trabalhar muito não era problema. Desde que chegou a São Paulo, o cearense sonhava em ter seu próprio negócio. Sonho que logo viraria realidade. Aos 23 anos, o jovem corajoso juntou dinheiro e comprou sua primeira casa do Norte, loja conhecida por vender produtos típicos das regiões Norte e Nordeste. Sua simpatia, garra e vontade de trabalhar fizeram do
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Foto: Amanda Costa
negócio um tremendo sucesso. Atualmente, Seu Souza é dono de quatro lojas e distribuí produtos nordestinos por toda região da Grande São Paulo. Uma das lojas é localizadas no Brás, conhecida como “Temperão do Brás.” Segundo o cearense, para ser nordestino em São Paulo é preciso ter coragem. É “dar a cara a tapa” e, como ele mesmo diz, é respeitar a todos e se adaptar ao que vier.
Eu passava sempre em frente a uma “casinha do Norte“ e ficava olhando, imaginando o dia que teria meu próprio negócio. Seu Souza
Loja “Temperão do Brás” localizada no Bairro do Brás
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Foto: Amanda Costa
O Cordel paulistano
Cordelista Cacá Lopes expondo seus cordéis no Centro de Tradições Nordestinas (CTN)
Meu nome é Cacá Lopes. Nasci em Araripina. Sou da terra de Nabuco, Pernambuco me fascina. Vim ao mundo nas quebradas da região nordestina. Sou poeta cantador, sim senhor. Sou brasileiro, cantor, compositor, cordelista e violeiro. Sigo espalhando versos no chão do Brasil inteiro.
Foto: Amanda Costa
E foi desse jeito, com muitas rimas e simpatia, que Cacá Lopes apresentou-se. Encontrei o simpático cordelista no Centro de Tradições Nordestinas (CTN), em São Paulo. Cacá, como prefere ser chamado, é mais um nordestino que fez da capital paulista seu lar. Há 32 anos na cidade, o artista trabalha com cordel e defende como principal função do seu trabalho a manutenção e divulgação da cultura popular nordestina. Há 17 anos, Cacá desenvolve o projeto “Música e Cordel nas escolas", que une a música e o cordel como ferramenta pedagógica na rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Os assuntos abordados em seus cordéis permeiam diversos temas, como: educação sexual, política, drogas, violência urbana, entre outros. Sua produção é distribuída aos alunos da rede pública do estado e utilizada como forma divertida de debater assuntos tão importantes. O trabalho de Cacá Lopes é, com certeza, muito importante para a valorização da cultura popular nordestina. O cordel é uma das formas mais genuínas de produção literária do Nordeste. O artista, com mais de 30 anos de carreira, trás a São Paulo parte da cultura nordestina a partir de seus versos, rimas e Exposição de Cordéis no Centro de Tradições Nordestinas (CTN) melodia. Foi um prazer imenso conhecer de perto!
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Bullying - Uma tortura social Através desse Cordel Chamamos sua atenção. Para debater o tema Mais forte que um vulcão. O famigerado Bullying E a sua devastação. O inglês, a língua usada Para poder descrever. O ato de violência Que não para de crescer. Tortura psicológica E física que faz doer. Existe o Bullying direto E o indireto é conhecido Como agressão social Dessa forma é dividido. Por homens e por mulheres Esse jogo é bem nutrido. O Bullying é praticado Por meio da violência. Intencional repetida Usando de truculência, Em grupo ou mesmo sozinho Sem pensar na consequência. Aquilo que é diferente Dos padrões é reprimido, É sujeito à exclusão Por um ato dolorido. É, quem foge do trivial Covardemente agredido.
Foto: Divulgação
Cacá Lopes
Contato: Cacá Lopes poeta@cacalopes.com.br Página no Facebook: poetacalopes
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Foto: Amanda Costa
Manoel das Artes
No viaduto Santa Efigênia, seu Manoel das Artes expõe e vende suas esculturas
Manoel das Artes, como ele mesmo apresentou-se, é mais uma das figuras que encontrei por aqui, no centro da cidade, no Viaduto Santa Efigênia. Seu Manoel vem de Imperatriz, interior do Maranhão e mora em São Paulo há 30 anos. Entre idas e vindas, fixou residência na capital paulista e hoje não pensa em voltar para o Maranhão. Vive de seu artesanato, esculturas feitas com de caroços de mangas secos.
A inspiração de sua arte é sua infância humilde no Nordeste e seu cotidiano na cidade grande. Seu Manoel se dedica integralmente às suas esculturas e participa de inúmeras feiras e exposições espalhadas por São Paulo. Em sua vida na capital, o artista já passou por muitas situações de preconceito por conta de sua origem. Realidade vivida, infelizmente, por muitos migrantes nordestinos em São Paulo. Para o maranhense, o importante é não dar lugar ao preconceito e sim enfrentá-lo com humildade. Quando questionado sobre o significado de São Paulo, Seu Manoel não economiza elogios: Foto: Amanda Costa
São Paulo para mim é sem palavras, faz parte do meu coração. É uma faculdade de vida! Ótimo papo e ótimas lições com seu Manoel! Esculturas confeccionadas com caroços de mangas
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Foto: Amanda Costa
A baiana do acarajé
Há 38 anos em São Paulo, dona Valdelice construiu sua casa vendendo seus acarajés
Andando pelo bairro de São Miguel Paulista encontrei a dona Valdelice. Essa baiana de Itabuna monta sua barraquinha todos os sábados na Praça do Forró e vende os deliciosos acarajés da Bahia. Vive na capital paulista há 38 anos, veio em busca de emprego e novas oportunidades. Há 30 anos, dona Valdelice tem licença da prefeitura para vender seu acarajé. Foi assim, dia após dia de trabalho, que a baiana construiu sua casa em São Paulo e criou seus filhos. Tudo com o dinheiro dos acarajés.
Dona Valdelice sonha em voltar para Itabuna, mas apenas para uma visita. Segundo ela, não conseguiria mais se acostumar com a calmaria de sua terra natal e sentiria falta da intensidade paulistana. Quando questionada sobre o preconceito contra os nordestinos na capital paulista, dona Valdelice argumenta: Sem a gente não tinha São Paulo. E sobre os acarajés: de comer rezando!
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Foto: Amanda Costa
A defensora dos nordestinos
Francis Bezerra na ANESP (Associação dos Nordestinos do Estado de São Paulo)
Conheci dona Francis Bezerra na Associação dos Nordestinos do Estado de São Paulo (ANESP). Atenciosa, a senhora apresentou-me seu trabalho na associação e conversamos bastante sobre a situação do migrante nordestino na capital paulista. Dona Francis é maranhense, nascida em Bacabal. Veio para São Paulo em agosto de 1970, fugida de um casamento conturbado e trazendo seus dois filhos no braço. Foram três dias de viagem até desembarcar na Estação da Luz, trazendo como bagagem muita coragem e muitos sonhos.
Eu fiz cara ou coroa para decidir se vinha para São Paulo ou Rio de Janeiro. Se desse cara eu ia para o Rio de Janeiro, se desse coroa para São Paulo. Deu coroa! Francis Bezerra
Ao chegar a São Paulo, Dona Francis foi assaltada e, nas suas primeiras três noites na cidade, teve de dormir na rua com seus filhos. Sua primeira moradia foi um quarto de pensão em Santo Amaro, local onde a guerreira nordestina começou a reconstruir sua vida. Em mais de 40 anos vivendo em São Paulo, dona Francis Bezerra teve uma trajetória brilhante, lutou e luta até hoje pelo fim da discriminação por origem e pelo respeito ao migrante nordestino na capital paulista. Um de seus mais importantes feitos foi a criação da ANESP, órgão independente que promove a valorização, defende os direitos e presta orientações à comunidade nordestina na cidade. Além da ANESP, dona Francis fundou também o Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Nordestina (COPANE), órgão de administração da sociedade civil e governamental, que atua na elaboração e na articulação de ações políticas que beneficiem os migrantes nordestinos.
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Nós não somos cachaça, sarapatel e dança. Nós somos muito mais que isso. Francis Bezerra
Além de seu trabalho frente à ANESP, dona Francis Bezerra ainda estudou Direito, trabalhou como Jornalista e publicou mais de 30 livros. Prestativa, presenteou-me com um exemplar do seu 32º livro, “A força do Nordeste”. Eu vejo São Paulo como uma mãe parideira, ela abre os braços, recebe todo mundo. Francis Bezerra
Com a ANESP, dona Francis Bezerra desenvolveu a exposição “Memória Cultural Nordestina”. A exposição, realizada em 2016, apurou mais de 80 nomes de nordestinos e selecionou 20 representantes importantes que fizeram história na cultura, música, literatura, teatro, no direito, entre outras áreas nos últimos 100 anos. Entre alguns dos nomes estão: Assis Chateaubriand, José Abelardo Barbosa de Medeiros (o famoso Chacrinha), Luiz Gonzaga, Joãozinho Trinta, Chico Anísio, Patativa do Assaré, Raul Seixas, Jorge Amado, Dominguinhos, Elba Ramalho, Gal Costa e várias outras personalidades importantes.
Foto: Amanda Costa
Dona Francis personifica bem a força da mulher nordestina, foi inspirador conhecê-la!
Reconhecimento pelo trabalho de Francis Bezerra a frente da ANESP
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Foto: Amanda Costa
Seu Zé bolinha
Seu Zé bolinha, paraibano que vive em São Paulo há mais de 30 anos
Difícil não se divertir ao conversar com seu João Silva, ou melhor, como é conhecido, seu Zé bolinha. Esse carismático nordestino, natural da Serraria, interior da Paraíba, veio para São Paulo há 33 anos. Antes de chegar à capital paulista, seu Zé passou por Goiás e Minas, onde trabalhou em fazendas e lutou pelo seu sustento e de seus pais e irmãos. Guerreiro, o nordestino deixou a família na Paraíba com apenas 18 anos, em 1958.
Sem muito pensar, seu João saiu do Nordeste e seguiu com os famosos caminhões “pau de arara” rumo ao sonho de uma vida melhor. Trouxe na bagagem a vontade de trabalhar, a fé, cinco rapaduras e um quilo e meio de jabá. Tirei a camisa, minha mãe passou uma água (...). Meu pai correu em uma budega, comprou 5 rapaduras, 1,5kg de jabá e botou dentro do saco de pano. Seu João
Era preciso coragem para deixar família, amigos e seguir em busca de novas oportunidades. Seu João trabalhou em várias funções em fazendas espalhadas pelos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Goiás e Minas Gerais. Em 1984, já casado e com filhos, resolveu arriscar sua sorte em São Paulo. Ao chegar à capital paulista logo arranjou emprego, trabalhou como faxineiro e zelador em prédios residências. Sua alegria e vontade de trabalhar sempre conquistaram as pessoas ao seu redor. Seu Zé sempre foi muito querido e considera ter vindo para São Paulo uma das melhores decisões da sua vida. Com dois anos na capital, o paraibano voltou ao Nordeste para buscar sua família. Vieram filha e netos com ele. Já são 25 anos desde a última
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visita de seu João à terra natal. Segundo ele, sente falta, mas São Paulo lhe acolheu e foi aqui que conseguiu realizar muitos de seus sonhos ao lado da família. São Paulo foi uma decisão acertada!
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Nordestinos notáveis
Luiz Gonzaga (Exu, Pernambuco) Caetano Veloso (Santo Amaro, Bahia) Dominguinhos (Garanhuns, Pernambuco) Humberto Teixeira (Iguatu, Ceará) Raul Seixas (Salvador, Bahia) Gal Costa (Salvador, Bahia) Maria Bethânia (Santo Amaro, Bahia) Geraldo Azevedo (Petrolina, Pernambuco) Geraldo Vandré (João Pessoa, Paraíba) Zé Ramalho (Brejo da Cruz, Paraíba) Bezerra da Silva (Recife, Pernambuco) Elba Ramalho (Conceição, Paraíba) Alcione (São Luís, Maranhão) Zeca Baleiro (Arari, Maranhão)
Cantor e compositor Luiz Gonzaga
Foto:Agência Estado
Música
Foto: Chico Albuquerque - Acervo IMS
São muitos e em várias áreas. Trazem na trajetória de vida um pouco da cultura nordestina.
Caetano Veloso e Maria Bethânia
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Literatura
Foto:Agência Estado
Nelson Rodrigues (Recife, Pernambuco) Renato Aragão (Sobral, Ceará) José Wilker (Juazeiro do Norte, Ceará) José Abelardo Barbosa de Medeiros/ Chacrinha (Surubim, Pernambuco) Chico Anysio (Maranguape, Ceará) Tom Cavalcante (Fortaleza, Ceará) Marco Nanini (Recife, Pernambuco) Aguinaldo Silva (Carpina, Pernambuco)
Manuel Bandeira
Chico Anysio
Foto:Agência Estado
Teatro/Televisão
Foto: Domínio público
Jorge Alencar (Fortaleza, Ceará) Jorge Amado (Itabuna, Bahia) Rachel de Queiroz (Fortaleza, Ceará) Augusto dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, Paraíba) Ariano Suassuna (João Pessoa, Paraíba) Patativa do Assaré (Assaré, Ceará) Manuel Bandeira (Recife, Pernambuco) Castro Alves (Castro Alves, Bahia)
Estudiosos
Paulo Freire (Recife, Pernambuco) Gilberto Freyre (Recife, Pernambuco) Milton Santos (Brotas de Macaúbas, Bahia)
Gilberto Freyre
Líderes
Foto:Agência Brasil
Padre Cícero (Crato, Ceará) Ruy Barbosa (Salvador, Bahia) Assis Chateaubriand (Umbuzeiro, Paraíba) José Sarney (Pinheiro, Maranhão) Luiz Inácio Lula da Silva (Caétes, Pernambuco) Ex-presidente Lula
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Gírias nordestinas Conheça um pouco desse vocabulário arretado
Arretado: legal, bacana Amostrado: pessoa que gosta de chamar atenção, de aparecer Batoré: pessoa baixinha Bulir: mexer em algo ou em alguém Boca de siri: boca fechada, ficar sem falar Borimbora: vamos embora Cagado: uma pessoa que tem sorte Cambitos: pernas finas Cascudo: tapa na cabeça De jeito maneira: de jeito nenhum Diabéisso: o que é isso? ou que diabo é isso? Dor de veado: dor abdominal, dor desviada Égua: interjeição usada para reação de surpresa, espanto Empanzinado: cheio de comida Encarnar: perseguir algo ou alguém Eu acho é pouco: expressão que significa desprezo, escárnio Fuleiro: alguém cara de pau, sem vergonha ou algo de má qualidade
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Gaiato: alguém engraçado, que faz piada com tudo Galeto: frango assado Gazear: faltar aula ou algum outro compromisso por diversão Inhaca: cheiro ruim Inteirar: completar Invocado: alguém com raiva de algo Jabá: charque, carne seca Jerimum: abóbora Lapa: algo grande Lasqueira: confusão, desordem Leseira: preguiça, falta de disposição Macaxeira: mandioca Matraca: pessoa que não para de falar Muriçoca: mosquito, pernilongo Não vale o que o gato enterra: expressão usada para dizer que alguém não vale nada, mau-caráter Nas carreiras: na pressa Obrar: defecar Oxente: interjeição usada para expressão espanto, surpresa Pai d’egua: algo ou alguém grande, forte Paia: chato, ruim Pisa: surra Quem com porco se mistura farelo come: expressão usada para dizer que a pessoa acaba adquirindo hábitos de quem anda Ruma: porção de coisas Rapapé: confusão, briga Se oriente: expressão que significa tomar jeito, tomar vergonha Seboso: sujo Sossegar o facho: acalmar, sossegar Tá com a bexiga: agitado Tiquim: um pouco Triscar: toca Venta: cara, face Xexeiro: mal pagador, caloteiro Xotar: expulsar Zoada: barulho
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Notas BEZERRA, F. A força do Nordeste. São Paulo: ANESP – ASSOCIAÇÃO DOS NORDESTINOS NO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007. 190p. 1
BOSCO, S. H.; JORDÃO NETO, A. Migrações: estudo especial sobre as migrações internas para o Estado de São Paulo e seus efeitos. São Paulo: Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, 1967. 1-40p. 2
BOSCO, S. H.; JORDÃO NETO, A. Migrações: estudo especial sobre as migrações internas para o Estado de São Paulo e seus efeitos. São Paulo: Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, 1967. 1-40p. 3
FONTES, P. Um nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista, 1945/1966. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008. 436p. 4
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“Um Nordeste em São Paulo” é resultado de um trabalho de pesquisa que tem como principal objetivo promover a valorização da cultura nordestina na construção da identidade cultural paulistana. Com sua cultura singular, os nordestinos chegaram a São Paulo trazendo na bagagem sonhos, força e a vontade de crescer na vida. São Paulo, sem dúvidas, significou os sonhos, as oportunidades e as conquistas para grande parte dos cearenses,piauienses, baianos,maranhenses,sergipanos,pernambucanos,rio-grandenses-do-norte, alagoanos e paraibanos que por aqui chegaram.