MAIO | 2018
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expediente
Diretora Editorial Gabriela
Rocha Diretora de Viviane Bastos Editora de Texto Amanda Piva Editoras de Arte Amanda Piva e Flora Próspero Produção e Imagem Amanda Piva Colaboradores Vitor Fernandes e Kevelyn Oliveira Criação
Diretora de Operações Gabriela
Rocha Analista de Inteligência de Mercado Viviane Bastos Gerente de Operações Amanda Piva Gerente de Assinaturas de Publicidade Flora Próspero Gerente Financeira Amanda Piva Diretoras Executivas Flora Próspero e Viviane Bastos
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de São Paulo 1.000 exemplares Impressão: Imprima Paulista A revista Brisa é impressa em Papel Pólen soft 80g/m² Tiragem:
A revista BRISA, edição 1, ano 1, é uma publicação trimestral da Editora Brisa Ltda. É distribuída gratuitamente pelos Sesc’s e nos Centros Culturais de toda cidade de São Paulo. ILUSTRAÇÃO DA CAPA E PÁGINAS ILUSTRADAS:
Felipe Bedoya
AGRADECIMENTO
Vitor Fernantes e Kevelyn Oliveira
MISTO
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editorial
Escrevo em meados de Junho, num dia em que até o próprio Verão foi de férias, e não posso deixar de pensar que muitos dos leitores pegarão a revista já no seu destino de descanso, ou a meterão na bagagem para ler à sombra. A pensar neles, e na disposição diferente que todos temos quando podemos afastar-nos um pouco que seja da labuta quotidiana, vai esta edição cheia de artigos que esperamos os surpreendam e motivem para novas descobertas. Do caos urbano de São Paulo às experiências incríveis que ela oferece, na revista BRISA tem muito com que se entreter. BRISA.
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capa
ilustrado
sumário
o que você procura?
1 2
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bike em sp
10 salma jô
20 childsh gambino
30 o estilo
40
bike em sp
basquiat
11 12 salma jô
inteligência emocional
21 22 childsh gambino
childsh gambino
31 32 o estilo
a arte
41 42
ilustrado
3 basquiat
13 inteligência emocional
23 carambaia
33 a música
43
editorial
editorial
14 parque grรกfico
24 corpo estranho
34 zona de conforto
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revista flaneur
batekoo
15 16 egon schiele
david hockney
25 26 corpo estranho
corpo estranho
35 36 zona de conforto
lollapalooza
45 46
bike em sp
sumรกrio
5 6
4 revista flaneur
sumรกrio
bike em sp
7 8 batekoo
power paola
9 power paola
17 18 ilustrado
ilustrado
19 trivial
27 28 ilustrado
festival path
37 38 zines e fotografia
29 feira plana
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quarta capa
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MATÉRIA RODRIGUES FERNANDES FOTOGRAFIA RUSLAN BARDASH
A MAIORIA DOS CICLISTAS DE SÃO PAULO NÃO É BRANCA E DE CLASSE MÉDIA Diretor de ONG voltada a mobilidade aponta estigma que tenta fragilizar pauta ciclista. Pesquisa mostra que 46% dos usuários ganham até 2 salários e 51% são negros ou pardos.
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“DEFENDER CICLOVIA É COISA DE HOMEM BRANCO DE CLASSE MÉDIA, POBRE NÃO ANDA DE BICICLETA” “SÃO PAULO NUNCA VAI SER COMO AMSTERDAM, UMA CIDADE PARA CICLISTAS” “NINGUÉM USA AS CICLOVIAS” Essas são algumas das frases que Rene José Rodrigues Fernandes está cansado de ouvir. E que tenta, junto com a Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo, conhecida como Ciclocidade, refutar. Diretor da entidade e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas São Paulo, Fernandes assistiu este ano o número de ciclistas mortos subir 55%, e o prefeito João Doria congelar a ampliação da malha cicloviária da capital. Para ele, o grande culpado por estas tragédias não é apenas o motorista imprudente, mas também “quem possibilita e estimula o cenário de falta de segurança”, afirma, referindo-se ao que considera como retrocessos da política de mobilidade do tucano. “É preciso acalmar o trânsito, e não acelerar, como diz o slogan do prefeito”, diz em entrevista concedida ao EL PAÍS. Pergunta. Como avalia o primeiro ano da gestão de João Doria no tocante à mobilidade urbana? Resposta. É uma gestão bem fraca. Especificamente em relação à mobilidade ativa, muita fala e nenhuma ação. Na questão do aumento das mortes de ciclistas e do aumento do número de mortes nas marginais Tietê e Pinheiros, o prefeito João Dória e o presidente da CET, João Octaviano, têm um discurso que tira a responsabilidade da prefeitura e transfere para “o motorista imprudente”. É a meritocracia às avessas. P. Doria e vereadores de sua base aliada afirmam que muitas ciclovias são subutilizadas, e por isso devem ser removidas ou repensadas. Como você enxerga isso? R. Estamos em uma época na qual o aquecimento global é uma unanimidade científica. Centenas de países pelo mundo lutam para reduzir suas emissões antes que cidades litorâneas fiquem embaixo d’água. A grande questão para
os grandes centros urbanos é: como é que vam os tirar cada vez mais carros das ruas e fazer com que estas ciclovias, estes ônibus e os metrôs sejam cada vez mais usados e tenham, ao mesmo tempo, uma qualidade satisfatória. A gestão Doria fez uma coisa bem infeliz ao criar e sancionar uma lei que burocratiza a implantação de ciclofaixas. Por serem pinturas nas ruas, as ciclofaixas são baratas de serem implantadas e, se um traçado deve ser modificado, são as estruturas mais simples de serem mudadas. O prefeito e a base aliada conseguiram encarecer a principal e a mais barata ferramenta que tinha para conectar a rede cicloviária já existente, o que a tornaria cada vez mais útil. Isto joga contra o próprio argumento de eficiência de gestão, com qual Dória foi eleito. O poder público deveria se perguntar: faço as conexões essenciais na malha cicloviária para que ela melhore a sua eficácia ou me preocupo longamente em discutir trechos já implantados, dos quais a vasta maioria funciona bem? Este é o cerne da argumentação. P. O fato das ciclovias e ciclofaixas terem sido uma vitrine da gestão anterior pode acabar afastando Doria destas iniciativas? R. Embora não pareça a muitas pessoas, políticas cicloviárias ultrapassam gestões. As ciclofaixas de lazer, por exemplo, começaram no governo de Gilberto Kassab, que também reduziu velocidades nas ruas. O Doria pode pegar o que já está feito, que é muito bom, e melhorar. O planejamento já está pronto, há rubrica orçamentária, as pessoas de uma forma geral já estão se acostumando às bicicletas nas ruas e há canais estabelecidos de diálogo com a população, canais para diálogos técnicos, inclusive. Transformar a mobilidade ativa [que engloba ciclistas e pedestres] e o transporte público em bandeiras suas, e não o aumento de mortes nas marginais, é algo que seria fácil para ele fazer e ajudaria a reduzir seu nível de rejeição. P. Qual foi o maior avanço em políticas de mobilidade em bicicleta nas últimas gestões? R. Para a bicicleta, o maior avanço é a criação do que hoje chamamos de um sistema cicloviário, que abarca infraestrutura de ciclovias e ciclofaixas, bicicletários, os sistemas de bicicletas
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compartilhadas e as ciclofaixas de lazer. Facilitar a inserção da bicicleta como meio de transporte na cidade, contudo, não para por aí. Medidas de acalmamento de tráfego, como a redução das velocidades máximas nas vias urbanas e a fiscalização de infrações dos motoristas também são fundamentais. Hoje São Paulo possui um plano cicloviário que é, ao contrário do que muitos pensam, um planejamento extensivo, com metas a serem cumpridas até 2030. É no momento em que a bicicleta passa a ser amparada pelos marcos legais, como leis, decretos e normas, que ela vira um assunto sério. P. No trânsito de São Paulo, qual o maior inimigo do ciclista? R. Todas as nossas pesquisas apontam que o maior problema das pessoas ao usar bicicletas nas ruas é a
sensação de falta de segurança
relacionada a veículos motorizados. Embora ciclistas sintam literalmente no corpo a falta de segurança nas ruas e tendam a culpar aquele motorista que acabou de lhe dar uma fechada, seu principal inimigo é quem possibilita e estimula o cenário de falta de segurança. É aí que você entende o quão ruim é um slogan como o “Acelera São Paulo”, ainda mais quando acompanhado de bravatas sobre redução no número de multas, como vimos no primeiro semestre de 2017. Uma mensagem assim, vinda diretamente do prefeito da cidade, cria uma sensação de permissividade no trânsito que deveria ser desestimulada a todo custo. E isto cobra seu preço nas vítimas mais frágeis, em quem está fora da proteção de um veículo fechado. Não por acaso, este ano, vimos o aumento no número de
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mortes de pedestres e ciclistas. P. O que vem primeiro, o ciclista ou a ciclofaixa/ ciclovia? R. O exemplo de São Paulo é um clássico que se repetiu em muitas cidades. Primeiro há o ciclista invisível.
Ninguém vê estas pessoas no canto da rua,
com os sentidos à flor da pele para não serem fechadas por um carro, ônibus ou caminhão. Quando estes ciclistas invisíveis passam a se juntar há mobilizações para que passem a ser vistos. São bicicletadas, ou “massas críticas”, pelas ruas, parando o trânsito, chamando a atenção do poder público. Então surgem as primeiras iniciativas voltadas à bicicleta, que em um primeiro momento é vista apenas como uma forma de lazer. As ciclofaixas de finais de semana são o exemplo maior disto. Até aí, a participação da bicicleta diante de outros meios de transporte possui um limite. São proporcionalmente poucas as pessoas que arriscam a própria vida, sendo pioneiras em um cenário como este. Quando a coisa se torna mais complexa, com bicicletas públicas compartilhadas, malha cicloviária, acalmamento de tráfego, começa a existir um incentivo real para mais gente entrar nessa onda. P. Esse incentivo já existe, não? R. É o momento em que estamos agora. Se há poucos anos tínhamos um cenário habitável apenas por um grupo composto em sua vasta maioria de homens dispostos a enfrentar o trânsito, começamos agora a perceber os primeiros
vislumbres de que essa cultura de incentivar a bicicleta pode também abrir espaço para mulheres, adolescentes e até mesmo crianças, idosos e cadeirantes ocuparem as ruas. Ainda estamos no estágio inicial e há muito a ser feito para transformarmos uma realidade que ainda é adulta e masculina. Estamos no momento em que é necessária mais segurança no trânsito de um modo geral. Isto inclui ampliar a malha cicloviária para que haja mais ciclistas nas ruas. P. Para muita gente a defesa da ampliação da malha cicloviária é uma bandeira de pessoas brancas de classe média. Como enxerga essa crítica? R. Este estereótipo pode existir em parte da zona oeste da capital paulista, mas está longe de ser verdade para a cidade toda. A Ciclocidade fez uma extensa pesquisa de perfil de quem usa a bicicleta em São Paulo em 2015. Fizemos uma atualização desses dados agora, em 2017. Os dados ainda estão sendo analisados, mas já dá para ver algumas coisas interessantes. Falemos da questão da renda primeiro: se em 2015 38% dos ciclistas entrevistados ganhavam de zero a dois salários mínimos, este número sobe para 46% na atualização de 2017. O levantamento deste ano trouxe também a possibilidade de as pessoas entrevistadas se definirem quanto à cor, algo que não havia na pesquisa anterior. Embora 43% das e dos ciclistas se definam como brancos, outros 51% se definem como pardos ou negros, o que demonstra que estamos bem longe desse perfil que a pergunta aponta. Esta composição é muito semelhante à composição étnica e racial da sociedade brasileira como um todo, de acordo com o Censo do IBGE de 2010. P. O cicloativismo então não é uma bandeira de classe média?
Sem esquecer que esta bandeira envolve ciclistas tão diversos R.
quanto os retratados na pesquisa, o cicloativismo possui historicamente sim envolvimento grande das classes média e média-alta. O que temos visto é que, para classes mais baixas outras pautas são prioritárias, como moradia, saúde, acesso à cidade. A pauta da mobilidade - não apenas a da bicicleta tende a vir depois destas. Deve ser mencionado, contudo, a importância de coletivos regionais como o Ciclo ZN, o Bike Zona Sul ou Bike
Zona Leste, por exemplo, que articulam e pautam cada vez mais as questões da bicicleta em áreas não centrais. Começa a existir uma
descentralização clara de quem segura esta bandeira.
P. Como integrar o ciclista morador das periferias paulistas nesta luta por melhoria na malha cicloviária? R. A Ciclocidade faz contagens de ciclistas em diversas regiões da cidade. Chegamos às 6h e vamos embora às 20h. Ficamos observando não apenas quantas bicicletas circulam em um local, mas de que modo circulam. Nas contagens de Heliópolis, na avenida Imperador e em Cidade Tiradentes começamos a notar um fluxo de ciclistas diferente do clássico movimento pendular de ida ao trabalho na região central pela manhã, e retorno no final da tarde. Vimos movimentos mais acentuados à tarde, evidenciando um uso mais regional daquelas vias. Na Cidade Tiradentes há um fluxo enorme de adolescentes usando uma ciclofaixa que mais do que ligar um terminal de ônibus a outro - como a Prefeitura gosta de justificar - liga várias escolas e um CEU a uma praça multiuso, com wi-fi público gratuito. Vimos diversos cadeirantes, que podem e devem usar a ciclofaixa, ocupando a rua. Ou seja, talvez a visão de que a malha cicloviária sirva apenas para ter o uso funcional de levar pessoas ao trabalho ou conectá-las a alguma estação de trem ou terminal de ônibus já esteja começando a se mostrar incompleta. A periferia faz todos esses usos da bicicleta e da pouca malha cicloviária que lhe é acessível: de trabalho a lazer, de intermodalidade e da interregionalidade. No momento
em que a bicicleta possibilita uma maior eficiência nos deslocamentos, seja como parte do trajeto para acessar um meio de transporte de alta capacidade, seja como uma forma de diminuir as distâncias dentro de sua própria região, mais pessoas passam a usá-la. Então, perceber essas possibilidades que a bicicleta traz seja talvez a porta de entrada para o diálogo. P. Mas para o morador de periferia que trabalha longe a bicicleta acaba sendo um meio de transporte mais difícil, não é? R. Já vemos alguns movimentos periféricos relacionados à pauta da bicicleta, mas talvez vejamos um grande florescimento desses movimentos no momento em que São Paulo efetivamente descentralizar seus postos de trabalho. Isso fará com que grande parte das pessoas da periferia não tenha que ficar de duas a quatro horas presa dentro de um trem ou de um ônibus para o seu principal deslocamento. Isso transformará o papel da bicicleta nessas regiões e, consequentemente, a forma como as pessoas percebem utilidade nela. Este grupo de pessoas terá, ainda, mais tempo para se dedicar à participação cívica. Aí sim veremos mais movimentos periféricos diversos que defendam a bicicleta como uma de suas pautas. P. Por que defender a ampliação da malha cicloviária e não corredores de ônibus e outros modais públicos? R. A prioridade deve vir primeiro para a mobilidade ativa - pedestres e bicicleta - e para o transporte coletivo. É por isso que temos atuado em uma coalizão mais ampla relacionada à mobilidade urbana. A licitação dos ônibus e terminais, por exemplo, dialoga diretamente com a eficácia e com a qualidade da intermodalidade que é oferecida à população. Seria falta de visão nossa não lutar, também, pela melhoria do transporte público junto
com entidades parceiras. Há outras dois pontos que merecem destaque. O primeiro é que, agora, por lei, os corredores de ônibus devem vir acompanhados de infraestrutura cicloviária. Ou seja, o assunto não nos interessa apenas porque também pegamos ônibus, junto com boa parte da população, mas porque implica em expansão do sistema cicloviário. Segundo, o sistema de bicicletas compartilhadas é, por definição, um sistema público e que está umbilicalmente ligado à redução do uso de automóveis em trajetos mais curtos - em especial, os que complementam os realizados por modos de alta ou altíssima capacidade, como o ônibus e o Metrô. P. Mulheres ciclistas são minoria dentro do universo da bicicleta. Por quê? Como atrair mais mulheres para o modal? R. Há vários fatores. A distribuição do tempo das mulheres, por exemplo, muitas vezes é mais complexa em comparação à dos homens, devido ao maior envolvimento em responsabilidades domésticas. Também existe o papel da família patriarcal como inibidora do uso da bicicleta a mulher não pode ou deve se locomover em um veículo “arriscado”. E além disso temos os processos de socialização na infância, que criam ambientes diferentes para homens e mulheres (o menino ganha a bicicleta, a menina ganha a boneca). Cada uma destas explicações sobre a disparidade entre homens e mulheres na participação no uso da bicicleta parece plausível. Acredito que o maior uso da bicicleta pelas mulheres passa, em primeiro lugar, por políticas que garantam igualdade de gêneros e combate ao patriarcalismo. Depois, devem vir as políticas cicloviárias pensadas também por mulheres, para mulheres, que abarquem uma resposta aos principais riscos.
P. Daniel Guth, ex-diretor do Ciclocidade, abriu mão do cargo após ser acusado de ter agredido uma integrante de um coletivo. Como a entidade lida com esse caso? R. A Ciclocidade, assim como acredito que seja a realidade de muitas outras organizações, não estava preparada de antemão para lidar com casos como este. Em respeito à transparência e à ética, imediatamente foi chamada uma Reunião Geral Extraordinária aberta e buscamos 1) proteger as vítimas, 2) darmos uma resposta enérgica e rápida à questão da violência e 3) conseguirmos a manutenção da governabilidade da Associação. Entendemos que a luta da Ciclocidade não é só pela maior inserção da bicicleta no ambiente urbano como modal de transporte em São Paulo. A luta da Ciclocidade é pela construção de uma cidade mais humana e isso passa impreterivelmente pela promoção da igualdade de gêneros e do combate ao machismo. Do ponto de vista institucional, já fizemos uma recomposição da diretoria, mas muito resta a ser feito. Temos um estatuto ultrapassado. A Associação precisa da sua reforma imediatamente, já prevendo o tratamento de casos como este e outros que não constam da primeira redação. P. Qual sua opinião com relação a usar ou não o capacete para pedalar pela cidade? Alguns dizem que o uso do capacete faz com que o motorista seja mais descuidado por acreditar que você está protegido... R. Deve usar capacete quem acha que deve usar capacete. Eu não uso, mas sou extremamente preocupado em ter iluminação sempre! Como política pública, uma eventual obrigatoriedade de usar o capacete implicaria em burocratizar um modo de transporte que é essencialmente simples e prático. Algo assim introduziria mais elementos e custos,
sem necessariamente trazer mais segurança. A eficácia de um capacete em um atropelamento é bastante questionada na literatura médica. Localidades que tentaram obrigar o uso de capacete, de um modo geral, viram um desestímulo ao uso da bicicleta. Há modos muito mais eficazes de garantir a segurança do ciclista, como reduzir velocidades, punir quem age colocando quem pedala e o pedestre em risco. Focar na questão “capacete ou não capacete” pode transferir para o indivíduo, sem qualquer base científica, uma responsabilidade sobre a segurança viária que é do poder público, como diz o próprio Código de Trânsito Brasileiro. P. O que você diria para alguém que pensa em começar a pedalar em São Paulo, mas não tem experiência? R. Eu diria para experimentar. O grande empecilho para quem começa a pedalar é compartilhar vias com carros, ônibus e outros veículos automotores. Experimente começar por ruas calmas, que levem até alguma infraestrutura cicloviária. Vale até pedalar alguns trechos pela calçada, claro que em baixa velocidade e sem colocar o pedestre em risco. São Paulo tem hoje aproximadamente 400 quilômetros de vias com ciclovias ou ciclofaixas e uma boa parcela desta malha ainda não está interligada. É natural que algumas pessoas tenham receio, mas só experimentando para saber como é. A eficácia de um capacete em um atropelamento é bastante questionada na literatura médica P. Quais seriam as medidas mais importantes em termos de mobilidade cicloviária que deveriam ser adotadas pela prefeitura? R. A medida mais importante é o respeito às leis. A Política Nacional de Mobilidade Urbana diz que uma diretriz é a “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”. O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo diz que a prefeitura deve “adotar medidas para redução de velocidade dos veículos automotores, visando garantir a segurança de pedestres e ciclistas”. No âmbito da Organização das Nações Unidas, o Brasil é signatário da Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011 - 2020, por meio da qual governos de todo o mundo se comprometeram a adotar novas medidas para diminuir pela metade os acidentes no trânsito, que matam cerca de 1,3 milhão de pessoas por ano. Isto significa levar a sério o planejamento cicloviário existente. Se fizerem isto, já está excelente.
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Basquiat
8 coisas que você precisa saber sobre o pintor antes de ver a exposição no CCBB
neoexpressionismo trouxe a pintura de volta. Os artistas começaram a pintar com pinceladas dotadas de energia, emoção e liberdade de criação.” 3. As obras dele misturam diferentes linguagens.
1. Basquiat fez parte de um movimento histórico numa NY caótica. “No final dos anos 1970, Nova York estava próxima de um colapso econômico. Isso possibilitou que toda uma geração de jovens se mudasse para a cidade tendo um custo de vida muito baixo. A moradia era de graça, por meio de ocupação de prédios ou sob pagamento de um aluguel muito barato. Criou-se assim um ambiente com uma liberdade muito grande para jovens talentosos dos EUA - e do mundo. Boa parte desses jovens se mudou para Manhattan - o que hoje seria impensável já que os preços de moradia são altíssimos. Eram pessoas de todas as áreas de criação: dança, música, poesia, escritores e pintores. E ela se encontravam nas ruas. Os artistas não tinham uma técnica determinada. Eles criavam de todas as formas. Muitos tinham bandas de música. O próprio Basquiat também formou uma banda chamada Gray, que tocava noise music. Ele tocava clarinete e se pautava também nos experimentos musicais de John Cage (artista norte-americano pioneiro na música aleatória e eletroacústica), nos
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quais os músicos tinham poucas instruções e cada um criava um ritmo, um som, sem muita conexão. Os artistas dessa geração tinham liberdade total de expressão. Tocavam música e ao mesmo tempo escreviam poesia e pintavam.” 2. A arte de Basquiat é dotada de assinatura própria. “Basquiat faz parte de uma geração cujo trabalho foi chamado por críticos de neoexpressionismo. Esse foi um momento de retorno à pintura; a figura do artista voltou a ser algo central nas obras, as emoções voltaram a transparecer nas telas. O final dos anos 60 e início dos anos 70 foram dominados por alguns movimentos como o minimalismo, arte conceitual e pop art. São todos momentos na arte em que a figura do artista era menos importante. A arte havia se distanciado da personalidade e da emoção dos artistas. A pintura tinha perdido muito da sua importância. Os artistas minimalistas, por exemplo, mandavam fazer suas obras para que a “mão” deles não aparecesse nas telas. Nesta época, a pintura foi declarada morta. A geração do
“A obra de Basquiat é um típico exemplo da geração de sample. Ele compôs os quadros com elementos que juntava – tanto imagens quanto palavras. Nas obras, ele usa as palavras mostrando que elas significam algo e também dá a elas a representação de imagens. Ele costura figuras, parte com planejamento, parte de forma poética. O método da colagem, que é também uma característica da arte do século 20, é muito presente na obra dele. Ele colava papéis, desenhos próprios e também xerox coloridos e pintava por cima. Ele tinha uma coleção de livros que consultava – tanto sobre História da arte quanto de outros temas. Existe um livro específico que teve um impacto muito grande sobre ele. Era um livro sobre anatomia (Anatomia de Gray, publicado em 1858 por Henry Gray), que ele ganhou de sua mãe quando tinha 7 anos, depois de sofrer um acidente de carro. Os desenhos do corpo humano que ele viu na publicação lhe causaram impacto, fazendo que ele inserisse anos depois essas imagens em suas obras. É importante dizer que os quadros de Basquiat por vezes não tem um centro. Ele trabalhava todos os cantos da tela. Na obra dele, as linguagens se misturam. É difícil dizer em que ponto o quadro vira um desenho e quando o desenho vira um quadro.” 4. Basquiat não era grafiteiro. “Ele não pode ser considerado como um artista grafiteiro. Isso é muito claro. Ele começou a carreira em 1977, 1978 junto com seu amigo Al Diaz. Eles pintavam rases enigmáticas - às vezes poéticas - nas paredes de Manhattan sob o pseudônimo SAMO (de same old shit ou mesma merda, em português). Apesar de serem feitas com spray, uma forma de expressão de arte de rua, elas [as intervenções] eram muito mais obras conceituais do que propriamente grafite. Ele também fez isso apenas durante um ano. Na exposição a gente mostra esse período através de algumas fotos tiradas na época. O que ele leva para a sua obra é esse aspecto do dinamismo do grafite, da forma inacabada que um grafite tem. Os quadros dele mantêm essa energia. Ele falava em entrevistas que sabia desenhar, mas que lutava contra isso. Ele fazia de propósito desenhos mal acabados. Porque ele achava que isso trazia uma energia mais interessante.”
5. Basquiat gozou de estrondoso sucesso durante sua curta vida.
7. A amizade com Andy Warhol foi algo crucial em sua carreira.
8. Assim como o uso (e abuso) de drogas.
“A obra do Jean-Michel Basquiat foi rapidamente reconhecida pelos colecionadores como algo de grande valor cultural, uma novidade. Com isso, ainda vivo, ele conseguiu vender obras por preços bem bons para a época. E depois da morte dele, os preços não pararam de subir. Os museus sempre têm uma certo atraso na aquisição de obras de artistas muito jovens. Basquiat morreu quando tinha apenas 27 anos. Aos 20 e poucos, ele já tinha um sucesso tremendo. Quando os museus começaram a se interessar pela obra dele, os preços já estavam proibitivos. Como consequência, não há hoje muitos museus com obras dele no mundo. Os mais importantes já têm — por doação ou por outros motivos. Mas as instituições não conseguem mais pagar os altos preços praticados.”
“Ele fez uma série de pinturas junto com Andy Warhol, uma colaboração bem interessante. Warhol e Basquiat se conheceram e automaticamente gostaram da energia e criatividade um do outro. E resolveram fazer quadros em conjunto. Fizeram mais de cem obras, boa parte de grande porte. Um pintava uma coisa e o outro pintava por cima. Normalmente, o Warhol fazia uma projeção pintada à mão de uma imagem - um cachorro ou uma cabeça, por exemplo. E isso também era uma novidade porque Warhol nessa época [início dos anos 1980] já não pintava mais. Ele usava o método de serigrafia, quem pintava eram os seus assistente. Basquait incentivou ele a voltar a pintar. Os dois foram importantes um para outro. Eles tinham uma forma muito particular de dialogar como artistas. E eles tinham também uma grande amizade, que foi muito importante para Basquiat, pois dava uma certa segurança para ele.”
“Uma coisa importante que vale ser ressaltada é a questão das drogas. Na época que Basquiat ficou em evidência havia liberdade tanto no que dizia respeito à criação quanto ao sexo e ao uso de drogas. Quase todo mundo do meio artístico nesse tempo usava drogas. Basquiat morreu de uma overdose. Ele não conseguiu controlar a ansiedade do uso. Andy Warhol também usava e foi uma pessoa importante na vida de dele porque dava conselhos para esse jovem artista. Warhol era uma das poucas pessoas que tinham um certo poder sobre Basquiat. Quando Warhol morreu, em 1987, Basquiat perdeu o chão.”
6. O fato de ser negro fez com que ele vivesse grandes contradições. “O fato de Basquiat ser negro influenciou bastante a carreira dele. Ele era um dos poucos artistas afro-americanos num mundo artístico que era predominantemente branco. Ele, desde o início, usou essa condição para homenagear músicos de jazz e atletas negros – duas áreas onde os negros tinham voz e recebiam admiração. Ele também usava essa condição de forma crítica. Era uma personalidade que tinha um sucesso considerável. Quando ia para a vernissage de uma exposição, ele era a estrela da noite. Mas quando saía da galeria, o táxi não parava para ele na rua porque ele era negro. Basquiat viveu muito essa contradição. E ele chamou a atenção em alguns de seus quadros para a falta de diversidade no mundo artístico e para os traumas sofridos pelos negros nos EUA.”
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REVISTA “FLANEUR” A POESIA DA RUA De Montreal a Moscou: para a revista impressa em inglês intitulada “Flaneur”, três jovens berlinenses viajam para metrópoles do mundo, com o intuito de retratar uma das ruas das cidades em questão em cooperação com artistas locais. 14
Um flâneur tem tempo. De olhos abertos, ele se deixa levar pelas ruas de uma metrópole, sem plano e sem destino. Um observador silencioso, para quem qualquer encontro é bem-vindo, já que está colhendo impressões. “Botânico da calçada” é como o poeta e dandy francês Charles Baudelaire descreveu essa pessoa que passeia descontraidamente, e que ele promoveu a tema literário do século 19. Segundo Baudelaire, um flâneur é no fundo um artista de alta sensibilidade. Segundo ele, esse “homem da multidão” deveria mergulhar nos aromas, ruídos e cores da cidade grande, para entendê-los de verdade. Os responsáveis pela revista Flaneur, escrita em inglês e fundada pela berlinense Ricarda Messner em 2013, também se inspiraram nessa ideia ensaística sobre o flanar. Cada uma das seis edições publicadas até agora dedica-se a uma rua de uma metrópole: a Rue Bernard, em Montreal, a Corso Vittorio Emmanuele II, em Roma, a Fokionos Negri, em Atenas, ou o Boulevard Ring, em Moscou. Fragments of a Street (Fragmentos de uma rua) é o subtítulo da revista, que apresenta retratos de moradores, passantes e proprietários de estabelecimentos comerciais, textos poéticos, séries de fotos, colagens, desenhos e narrativas literárias, compondo uma crônica multifacetada do cotidiano de uma metrópole. Em Montreal, por exemplo, um cabeleireiro conta que é uma espécie de terapeuta para seus clientes. Na rua Kantstrasse, em Berlim, a palavra é dada a um garçom do famoso Paris Bar. Um comerciante de mercadorias frescas de Leipzig, Kosmas, o dono de um bar em Atenas, e Kostya, um músico de Moscou – todos têm uma pequena aparição. Tudo isso numa revista impressa com uma estética visual única, concebida para cada edição pelo estúdio de design Yukiko. IDEIA E CONCEITO DA REVISTA: VER UMA RUA COM OUTROS OLHOS “Não queríamos apresentar as cidades do mesmo jeito que as revistas de turismo fazem, seguindo sempre o mesmo padrão”, afirma Ricarda Messner. Depois de estudar na Universidade das Artes de Berlim, ela se mudou para Nova York. De volta a Charlottenburg, em Berlim, Messner (nascida em 1990) viu o bairro do oeste da cidade com outros olhos – inclusive a pouco glamourosa rua Kantstrasse. Assim surgiu a ideia de dedicar uma revista inteira a esse minicosmo urbano. Com seus atuais chefes de redação – o compositor de trilhas sonoras para filmes e estudante de Filosofia Fabian Saul e a antiga jornalista londrina de moda Grashina Gabelmann – ela desenvolveu a concepção para um novo fomato impresso. Ele deveria ser aberto às mais diversas áreas temáticas – arte, fotografia, literatura, design e música, cotidiano – e narrar histórias subjetivas, que possam ser entendidas no mundo inteiro. Com um pequeno orçamento, os três produziram sua primeira edição, que contou com o apoio dos designers gráficos Michelle Philips e Johannes Conrad. Sem sua concepção visual, a revista não seria o que é: uma aventura ótica cheia de ideias originais. “Uma certa percepção tátil faz parte da
concepção”, diz Ricarda Messer. Papéis de diferentes densidades, o aroma das páginas – tudo isso contribui para uma experiência sensorial que um blog online ou um aplicativo não poderiam oferecer. “Nossa revista tem uma relação de tempo completamente diferente”, acrescenta Fabian Saul (nascido em 1987), “pode ser deixada de lado e redescoberta mais tarde dentro do armário.”
DOIS MESES NO LOCAL: HISTÓRIAS NOVAS FORA DOS CAMINHOS BATIDOS Diferente do que acontece em publicações jornalísticas, os redatores da revista Flaneur não estão submetidos à pressão da atualidade e também não fazem pesquisas preliminares. O lugar a que viajam – com o mínimo possível de concepções prévias – é definido através de contatos ou convites. Então Ricarda Messner, Fabian Saul e Grashina Gabelmann passam dois meses nessa cidade, flanam por suas ruas, conversam, conhecem escritores e artistas, que mais tarde contribuirão para a revista. “Surgem assim novas narrativas, que vão além da grande narrativa histórica”, declara Fabian Saul – e quer dizer: fora dos caminhos batidos. Na Rue Bernard, em Montreal, por exemplo, eles ficaram conhecendo a turma dos patinadores. Daí surgiu a ideia de transformar as patinadoras em super-heroínas de uma graphic novel: The Rolling Supernovas é uma revistinha de história em quadrinhos que vem junto com a revista, desenhada pelo artista canadense Mivil Deschênes. Uma cooperação típica para a concepção da Flaneur. Mas como é tomada a decisão a favor de uma determinada rua, de um determinado bairro? “Na maioria das vezes, trata-se de um lugar que não entendemos, sobre o qual temos perguntas”, declara Ricarda Messner. Em Leipzig, foi escolhida a rua Georg-SchwarzStrasse, que antigamente era famosa por suas casas noturnas e conhecida como a “Reeperbahn de Leipzig” (numa referência ao famoso distrito da luz vermelha de Hamburgo), e hoje é uma decadente rua fantasma, repleta de problemas sociais e de espaços abandonados. “Perguntaram-nos se não podíamos ter mostrado algo mais bonito de Leipzig”, diz Fabian Saul, “mas, para nós, o que importa não é vender um lugar.” O flanar também leva a vizinhanças soturnas: “a lugares onde não nos sentimos tão à vontade.” Atualmente a revista é publicada uma vez por ano – e sua tiragem aumenta: no início, eram 1.000 exemplares. A edição de Moscou, publicada no segundo semestre de 2016, já atingiu uma tiragem de 6.000 exemplares. Para a sétima edição, a equipe viaja em fevereiro para São Paulo, onde trabalhará – como já aconteceu em Montreal – em cooperação com o Goethe-Institut. “Há pouco, estive três dias por lá”, conta Ricarda Messner, “e fiquei completamente arrebatada.” Mas os flâneurs ainda não se decidiram por uma rua. Primeiro eles vão flanar um pouco.
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Dança, estética e resistência negra na Batekoo
Originada em 2014 em Salvador, a festa se firmou no cenário nacional como uma referência de enaltecimento da cultura jovem preta, periférica e LGBT no país.
Salvador é a capital com a maior população negra do Brasil. Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE) de 2010, quase 80% da população soteropolitana se considera da cor preta ou parda. Além disso, a cidade é a que contém o maior número de descendentes de africanos no mundo fora da África, superando Nova York e Nova Jérsei, por exemplo. “Mesmo assim, a maior parte de eventos e da produção cultural alternativa — shows, etc — da cidade fica concentrada na mão de brancos ricos, que meio que se apropriam da cultura de origem africana em benefício próprio, e é consumida por uma galera branca”, explicou o
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produtor e DJ de 22 anos Maurício Sacramento. Foi justamente com o intuito de produzir uma festa de jovens negros periféricos, feita por negros e para negros, que ele e o também produtor Wesley Miranda, 24, resolveram criar a Batekoo. O começo da Batekoo pode ter se dado meio que pelo acaso: em dezembro de 2014, o Wesley tava fazendo aniversário e se mudando pra São Paulo, por isso quis dar uma festa de despedida. Pra ajudá-lo a organizar a comemoração, ele chamou o Maurício, que já tinha mais ou menos uma vontade de criar um projeto alternativo de música negra que tocasse muito funk, hip-hop, trap, kuduro, dancehall e outros ritmos
para “literalmente ‘bater o cu no chão’”, de acordo com Maurício, e feita exclusivamente por negros na periferia da cidade. “No final de 2014, o afropunk e essa onda de empoderamento estavam começando a bombar na internet. Pra promover a primeira edição da Batekoo, eu e uma amiga fizemos um teaser com toda uma estética ‘urbana’, junto com esse discurso social do movimento negro. E acabou que a festa bombou muito”, explicou Maurício. O produtor resolveu continuar sozinho produzindo a festa na capital baiana, até que em agosto de 2015 a festa ganhou a sua primeira edição em São Paulo, encabeçada pelo Wesley.
“Percebi que em São Paulo também tinha uma necessidade de se criar esse espaço de jovens negros-para-negros, apesar de a periferia daqui se dar de um jeito diferente da de Salvador”, disse Miranda, que começou a organizar as festas no centro da capital paulistana. “Por isso, chamei a Renata Prado, que é uma mina preta e periférica daqui pra me ajudar na produção e a entender essa demanda do jovem preto/a LGBT paulistano.” disse Miranda, que começou a organizar as festas no centro da capital paulistana. “Por isso, chamei a Renata Prado, que é uma mina preta e periférica daqui pra me ajudar na produção e a entender essa
Hoje em dia, além de Salvador e São Paulo, a festa acontece no Rio de Janeiro e em Brasília. “Apesar das peculiaridades regionais — por exemplo, em Salvador, a gente toca mais baianidades e kuduro. Aqui em São Paulo, rola mais dancehall e, no Rio de Janeiro, mais funk — É engraçado perceber que o conceito de exaltação da juventude negra underground se mantém em
todas as cidades,”, disse Wesley. “A ideia da festa foi se moldando ao mesmo tempo que eu e outros jovens negros fomos nos aproximando e vendo a necessidade de afirmar a nossa negritude, até chegar na Batekoo que a gente faz hoje: um lugar que, além de toda a questão estética preta, tenta ser livre de racismo, misoginia e LGBTfobia”, falou Maurício. A Batekoo se tornou tão popular no último ano que eles estrearam seu trio elétrico no último carnaval de São Paulo — recebendo em torno de 40 mil pessoas nos entornos do Largo do Paysandu — e parte da galera da produção das edições paulistanas da festa foi convidada para fazer a coreografia do clipe de “Farofei”, último single da Karol Conka, um dos ícones para os idealizadores da Batekoo. “A Karol Conka tem tudo a ver com a gente, em quesito de linguagem e imagem. Tanto que ela já fez show numa Batekoo em Salvador”, disse Wesley Miranda. “A questão da música ‘tombadora’, que ela bombou lá em 2014 com ‘Tombei’, e dos ritmos que ela trabalha no som dela também se encaixam em todo poder que a gente tenta reivindicar por meio dessa festa”. Outro rapper que também serve de inspiração para o evento é o Rico Dalasam, tanto pelo fato de ele ser negro e gay quanto pelas suas roupas e preferências de estilo nos clipes. “A MC Carol também é outra que a gente adora demais e tocamos muito nas festas. Além de ela ser gorda, preta e periférica, ela chega com um discurso super feminista e muito positivo para as mulheres, que são a maior parte (quase 70%) do nosso público.” Maurício acredita que a razão pela qual o público da Batekoo é majoritariamente feminino está no fato de que lá as mulheres negras se sentem seguras e livres para rebolar até o chão sem sofrerem de julgamentos ou assédio de homens héteros. “Acredito que essa dança seja muito libertadora pra elas, assim como é pra homens gays também. Na Batekoo, as minas podem dançar sem ninguém chamá-las de ‘vadias’. E os gays também batem o cu no chão sem medo de serem xingados de ‘afeminados’ —como se ser afeminado fosse algo ruim
Fotos: arquivo
demanda do jovem preto/a LGBT paulistano.”
—, ou coisa do gênero.” Além da dança, outro meio de empoderamento, tanto pras mulheres quanto pros homens na Batekoo, é a exaltação do cabelo afro, tanto que rola até uma “batalha de tranças” entre os frequentadores. “É um lugar pra gente exaltar a nossa imagem mesmo. Pra que a gente se sinta bonito e ‘normal’”, disse Wesley.
Apesar de saber que a festa é um momento passageiro, Wesley acredita que espaços alternativos como a Batekoo são fundamentais para jovens negros. “A gente sabe que, quando a festa acabar, tudo vai voltar ao normal. O racismo vai voltar, porque a sociedade continua a mesma. Mas acho que é necessária que haja esses espaços de exaltação da nossa autoestima, até porque é difícil fazer militância política com a autoestima baixa. E é interessante ver como a gente conseguiu transformar algo que começou como uma festa de despedida em um movimento estético/social”.
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PAOLA, LA PODEROSA
Nascida no Equador e criada na Colômbia, a cartunista latinoamericana faz sucesso pelo mundo com seus quadrinhos de traços delicados Power Paola é uma das cartunistas latinoamericanas do momento. Tanto pelo seu traço preciso e delicado, quanto pela visibilidade que vem ganhando pelo mundo. Em seu primeiro livro, “Vírus Tropical”, de 2011, ela contou sua própria história em capítulos com temas como família, dinheiro, religião, trabalho e amor. A graphic novel foi publicada na Colômbia, na Argentina, na Espanha, no Chile, na França, no Perú e vai ganhar edições em Portugal, Equador, Estados Unidos e Brasil - lançamento por aqui em agosto, pela Editora Nemo. Paola Andrea Gaviria nasceu em 1977 no Equador e foi criada na Colômbia. Quando sua mãe engravidou pela terceira vez do marido, um ex-sacerdote, eles achavam que o que crescia em seu ventre era um vírus tropical, pois havia ligado as trompas anos antes. A história do livro começa aí, com Paola ainda na barriga da mãe, e termina quando a caçula de três irmãs decide sair de casa e cuidar da própria vida, depois de uma adolescência cheia de conflitos familiares. Power Paola é ainda autora dos livros “Por dentro”, “Diario ano passado. Além disso, publica fotos de seus desenhos, pinturas e cadernos de viagem em seu Instagram, entre vários outros projetos que participa. De onde vem o nome Power Paola? Muitas coisas se coincidiram pra que eu escolhesse este nome. Eu tinha acabado de me graduar em Artes Plásticas em Medellín e fui selecionada pra participar de uma residência artística em Paris, onde vivia meu namorado. Tinha apenas uma semana em minha nova cidade, onde eu ainda me sentia sem casa, quando na festa de aniversário do meu namorado vi ele beijar outra menina. Fugi da festa, me perdi, peguei o metrô e enquanto eu chorava um senhor africano perguntou o meu nome e eu respondi: Paola. E ele me perguntava: Power? E eu insistia em Paola e ele em Power. Assim eu escrevi no bilhete do metrô Paola para que ele entendesse, e ele escreveu antes do meu nome: Power. Pra mim aquilo foi um sinal. No outro dia, pintei a minha mochila com Powerpaola e comprei um par de patins. Ali eu me dei conta de que eu poderia fazer o que eu quisesse na vida. Logo quando comecei a fazer quadrinhos percebi que este nome me ajudava a ser mais corajosa e me permitia contar o que eu tivesse vontade de contar.
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SALMA JÔ
Amanda Cavalcanti
Em conversa antes do Popload Festival, a vocalista da banda goiana fez um balanço das turnês e polêmicas de 2017 para o Carne Doce e a cena indie rock brasileira.
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Se 2016 foi um ano gigante para o Carne Doce, 2017 acrescentou alguns centímetros ao sucesso que a banda vem construindo do segundo álbum Princesa, lançado em agosto do ano passado. Com hits de nicho como “Artemísia” e “Falo”, a banda se apresentou por diversas capitais do Brasil ao longo do ano e fechou a trajetória de sucesso de 2017 com um show no Popload Festival — ao menos simbolicamente, já que eles fizeram um show surpresa na Casa do Mancha no dia seguinte e seguem se apresentando pelo sudeste e sul. Com o sol estralando no rosto em meio ao Memorial da América Latina no feriado de Independência da República, dia 15 de novembro, o Carne Doce abriu para nomes como Phoenix e PJ Harvey e teve suas letras acompanhadas em voz alta pela concentração do público que enfrentava a possível insolação na pista normal, distante do palco. No dia anterior, sentamos com a vocalista e peça central da banda Salma Jô nos bastidores do festival para falar sobre o balanço de 2017 — para o Carne Doce em particular, e para a cena indie rock brasileira em geral.
O Popload é, na verdade, um encerramento do ciclo de festivais em que a banda tocou ao longo do Brasil nesse ano: o Mada, em Natal, o Barulhinho, em Fortaleza, o Vaca Amarela e o Bananada, ambos na cidade natal da banda, Goiânia. O crescimento, tanto de ambos os festivais quanto de bandas conterrâneas ao Carne Doce, como o Boogarins, acompanham a mesma escalada gradual de aumento de público que o grupo vem angariando desde sua formação, em 2013, e que deu um salto com Princesa. Salma exemplifica a mudança de atitude e impacto da banda com suas três apresentações no Bananada: “Na primeira vez [em 2015] foi legal, na segunda vez foi ‘banda de casa faz bonito’, e na desse ano eu pensei chega, não quero esse negócio de banda de casa faz bonito. Eu quero superar, eu quero ser mais, eu quero ser uma das melhores bandas do festival. E aí eu foquei nesse sentido. Acho que a nossa performance foi uma das melhores mesmo.” O Mainstream
Salma acredita que, depois de quatro anos de trajetória, a banda está finalmente conseguindo se livrar do estigma de “rock goiano” e partindo para ser uma banda que contemple o “nacional”. No entanto, a ideia de sucesso — ou mesmo de mainstream — ainda é abstrata para o Carne Doce. “Eu acho que a gente tem umas barreiras no som pra chegar a ser mais popular. A gente segue uma fórmula meio rock’n’roll que está morrendo. Se você quer ser popular você vai virar mais BaianaSystem, vai investir
num som mais dançante, em alguma coisa que se comunica mais com o que a galera quer ouvir hoje”, fala Salma. “A gente não espera mais um grande salto e atingir milhares de pessoas e ficar gigante. Mas a gente tá aí, crescendo.”
atribui a frustração sentida pelos fãs, em parte, a conclusões precipitadas que eles tomaram por conhecer letras de Princesa.
“Às vezes eu sinto até um remorso. Muita gente passou ter uma ideia idealizada de mim ou de Ampliando o caminho desse crescimento, o Car- como eu deveria ser ou me comportar e pensar ne Doce começou a compôr esse ano o seu ter- sobre vários assuntos diferentes [por causa das ceiro disco, que deve ser finalizado em 2018. A letras]”, fala. “Isso me deixou mais reclusa, mais trajetória confirma que a lenda do segundo disco introvertida e menos aberta pra essa militância é real: agora que já conquistaram e engajaram mais radical. Então eu não vou ser essa feminista, não vou ser nenhuma, foda-se. um público fiel, a banda Me deu menos vontade de estar se sente mais livre para junto [do movimento feminista] e fazer o que bem deseja “Às vezes eu sinto até de mobilizar.” — que, segundo Salma, um remorso. Muita é um som mais introsCom a explosão de comentários gente passou ter uma pectivo e triste. “Tenho sobre o assunto, o Twitter da notado isso em algumas ideia idealizada de cantora se tornou popular entre bandas. O Boogarins, mim ou de como eu os fãs por suas declarações conpor exemplo, ficou bem troversas. “Já recebi mensagens deveria ser ou me sombrio e mais triste. como ‘só escreve e canta, para de Eles tinham uma coisa comportar e pensar dar opinião’. Mas a minha opinião solar que no Lá Vem a sobre vários assuntos tá nas letras também. Eu adoro Morte já não tem, e pelo [o Twitter] porque você pode ser diferentes [por causa que eu estou vendo que perverso, mostrar o que você tem eles estão compondo das letras]” de ruim, de feio, de medíocre. No para o próximo disco Facebook eu sou outra pessoa, também não vai ser assim”, diz. “Eu sinto que no Instagram eu sou outra pessoa. Então muita de certa forma isso reflete como o Brasil e as gente se decepciona comigo por lá. Mas no pessoas estão meio desencantadas e de ressaca geral acho que tem muito menos hater do que politicamente. Muita gente reclama de uma falta gente que quer que você se dê bem e continue, de sentido e de muita ansiedade, mas ao mesmo e se desenvolva.” tempo de um tédio muito grande.” Salma também comenta que o entrosamento do grupo melhorou com as tantas apresentações ao vivo. As canções, que antes surgiam entre ela e o marido e guitarrista Macloys Aquino, agora nascem como composições da banda inteira. Representatividade
Mergulhado nessa temática melancólica, o novo rebento desvia da temática de Princesa, que, em momentos como “Artemísia”, “Falo” e “Cetapensâno”, gira em torno do feminino e do machismo que vem com ele. Com o assunto estando em voga mais do que nunca, a própria Salma admite que se sentiu obrigada, de alguma maneira, a tocar nessas questões. “[No disco] eu senti que estava falando mais de mim e dos meus sentimentos do que militando, mas ele foi bem propagado como ‘hino’, e isso meio que me forçou a ter uma representatividade que não era o que eu estava buscando ou querendo assumir.” O backlash não demorou a vir: durante a onda de acusações e denúncias de assédio de membros de bandas independentes que surgiu depois que a ex-namorada de um membro do Apanhador Só relatou suas experiências com machismo, o nome da Carne Doce apareceu em meio a tantos outros artistas. O membro envolvido no caso de abuso era um ex-integrante da banda, de sua primeira formação. Salma foi cobrada repetidamente sobre o assunto e
E pra 2018?
Num balanço final do ano, porém, Salma fica feliz que Princesa continue chegando bem para pessoas que ainda não o conheciam e conta que alguns dos grandes momentos de crescimento do Carne Doce aconteceram observando outras bandas tocarem durante esse ano de turnê. Como destaques, ela cita o Boogarins, o trio carioca Ventre e a Francisco el Hombre. Conversando com Mac e Aderson Maia (baixo), os dois tinham muitos elogios a fazer à performance ao vivo do quinteto cearense maquinas, com quem tocaram no festival Barulhinho em Fortaleza. “Ver outras bandas tocar e observar como eles lidam com o show, como eles se preparam, e a performance, isso às vezes é mais rico pra mim que o próprio som da banda”, fala Salma. “O disco.” Ainda sem nome, sem data prevista de lançamento e sequer com todas as músicas terminadas, o Carne Doce promete focar todas as energias do ano que vem em seu terceiro rebento. Mesmo sem a pretensão de um grande salto, a nossa aposta é que o grupo goiano se encontra prestes a quebrar o teto de sucesso que as bandas indies brasileiras conheceram e conquistar cada vez mais espectadores a um público que segue crescendo — como a própria Salma disse, o Carne Doce, agora, deixa de contemplar o “goiano” para contemplar o “nacional” e representá-lo.
Quatro vozes femininas que você precisa conhecer Luedji Luna
O batuque de candomblé que abre o clipe de “Um corpo no mundo” já dá o tom exato para explicar de onde vem Luedji Luna: de Salvador/Bahia. O vídeo que acompanha a canção também é paradigmático: em meio aos carros e pedestres do centro de São Paulo, ela aparece com as vestimentas da religião de matriz africana enquanto dança.
Bia Doxum
A paulistana Bia Doxum é a materialização da mulher na cena do rap: com dois álbuns lançados, o primeiro pelo selo Eixo Central Records e o segundo, pelo Periferia Invisível, as letras quase sempre falam de questões que envolvem a experiência de ser mulher, negra e periférica nas grandes cidades brasileiras.
Luísa Maita
O segredo do sucesso deve ser a mistura que faz entre samba e música eletrônica que consagrou Lero-Lero e que muitos críticos sentiram falta em Fio da Memória. Sua voz é mais suave e adocicada, lembrando a de Maria Rita. Em um de seus grandes hits, há uma inspiração perceptível de Jorge Ben.
Sabine Holler
Fundou a banda Jennifer Lo-Fi, tocou na banda feminina Ema Stoned e participou do Mawn, projeto de música eletrônica em Berlim, na Alemanha. Recentemente, uma resenha do site Miojo Indie a chamou de “misto de Björk, Fiona Apple e Julia Holter“.
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curso/ carreira
Especialista explica como é possível “reprogramar” seu cérebro para alcançar objetivos Fundador do Deep Learning Institute, Rubens Paes Barreto, explica como a inteligência emocional e os mapas mentais funcionam e de que maneira é possível reprogramá-los
Inteligência emocional. Se existe um tema cada vez mais falado tanto no ambiente corporativo quanto na vida pessoal, é este. De maneira geral, a inteligência emocional é, basicamente, a maneira como lidamos e gerenciamos as nossas emoções e a daqueles com quem nos relacionamos. Sócio fundador do Deep Learning Institute, instituto focado em transformação disruptiva, Rubens Paes Barreto explica que é preciso “reprogramar” o nosso cérebro para que possamos alcançar nossos objetivos e conta, além de que maneira isso é possível, como essa história começou. Rubens conta que é preciso ressaltar a resistência das pessoas em aceitar e conhecer algo novo e compreender que algo “recém-chegado” pode agregar de forma positiva a sua vida é, na verdade, uma forma de começar a trabalhar a inteligência emocional. “A inovação não se instalava [na época em que iniciou as pesquisas que resultariam no instituto] de acordo com o planejado por conta da resistência das pessoas ao novo. Os mapas mentais de cada uma das pessoas traziam consigo experiencias programadas que o novo gerava um desconforto muito forte”, explica. Com o tempo, a questão começou a ser estudada e abordada por pesquisadores tanto no Brasil quanto no mundo – em especial, nos Estados Unidos. Foi Amy Cudy, psicóloga social de Harvard, que começou a comprovar cientificamente que é possível reprogramar a mente das pessoas para aceitar o novo e ter inteligência emocional. “Nesse caso [fazer o novo acontecer] a inteligência emocional é coragem, ousadia, resiliência, persistência e paciência. Em 2007, chegamos à conclusão de que se levava sete anos para reprogramar as mentes das pessoas para a inovação. E hoje em dia isso se consegue em três meses”, explica.
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL APLICADA Mas como se aplica a inteligência emocional na sua vida? De que maneira se colocar isso em prática em todos os aspectos, não apenas no profissional? Rubens explica que, na verdade, o primeiro passo está antes de colocar em prática. “As pessoas precisam aprender sobre, ler sobre e fazer cursos. Depois, você precisa entender, assimilar o que você aprendeu
TOME ALGUM TEMPO PARA REFLETIR Você não precisa estar com pressa o tempo todo. Quando os tempos ficam difíceis, às vezes, tudo do que você precisa é de tempo para pausar e ponderar. Separe tempo para auto avaliação. Esse é o momento para se perguntar várias coisas que podem ajudar você na sua missão pessoal e no seu estado de mente.
SEJA CRIATIVO Esse ano, é hora de pensar diferente. Normalmente, desafios pesados precisam de soluções pouco tradicionais. Você só precisa chamar a sua criatividade e espírito de inovação. Olhe para as adversidades de forma diferente. Talvez não seja tão difícil quanto parece. Talvez seja a sua abordagem que faz as coisas parecerem tão difíceis. Comece com coisas simples, como uma transformação na sua garagem, ou um jeito diferente de fazer o que você faz todos os dias.
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e fazer com que aquilo seja aplicado. No momento em que você lê sobre inteligência emocional, você precisa ler e depois reprogramar o seu lado direito do cérebro, emocional, para que ele realmente entenda emocionalmente o que você aprendeu”, explica. Segundo o especialista, somente após essa imersão no aprendizado é que é possível aplicá-lo. “[Você] tem que pegar situações que estão acontecendo na sua vida e aplicar no seu dia a dia para que as coisas mudem”. Rubens conta a história de um de seus clientes que, com o objetivo de se desenvolver em sua carreira e alcançar um cargo de liderança, precisou aprender a enxergar os pontos que o impediam de avançar em direção às suas metas. Assim como o cliente de Rubens, nós, no nosso dia a dia, criamos histórias para justificar a dificuldade de conseguir seja o que for. Após trabalhar e reprogramar seus mapas mentais, o cliente de Rubens tornou-se responsável por uma equipe de doze pessoas em três meses. A mudança a partir do reconhecimento daquilo que impede você de alcançar seus objetivos é, segundo Rubens, rápida. “O que demora é a identificação do que precisa ser mudado. Mas em um muito pouco tempo se consegue reprogramar isso”, explica. “A nossa mente possui vários programas desajustados. O processo é identificar quais estão te incomodando e, então, ir tratando”. O especialista reforça: inteligência emocional e mapas mentais não se trata apenas da vida profissional. “O programa da nossa mente funciona para todas as áreas da nossa vida, seja para a conjugal, familiar, financeira, saúde”, conta. No entanto, não existe solução mágica, é preciso manter o foco no que foi feito e realizar uma “manutenção” constante. “O que se faz é colocar um programa em cima do programa antigo e você precisa trabalhar até que o programa novo supere muito esse programa antigo. O programa se torna um hábito, se torna natural e passa a existir sem exigir energia mental para isso”. Em resumo, alcançar os nossos objetivos, assim como a inteligência emocional em si, está em, fundamentalmente, conhecer a si mesmo e aos seus bloqueios e trabalhar em cima deles. O processo, apesar de rápido, pede atenção constante, afinal, um hábito requer certo tempo para ser mudado. Logo, é possível dizer que, talvez, o primeiro passo da inteligência emocional seja justamente ter paciência.
ACEITE QUE AS COISAS MUDAM Chega uma hora em que a melhor solução para superar desafios é aceitar que as coisas têm que mudar e se adaptar. Fazer o melhor de uma situação nem sempre significa fazer o máximo possível para controlar uma situação. Existem horas em que o melhor é simplesmente soltar as rédeas da situação e deixar que as coisas aconteçam.
PROCURE SUCESSO, MAS SEJA GUIADO PELA SUA FELICIDADE O sucesso não é tão recompensador quando você está infeliz. Você já viu isso antes: pessoas que desistiram de tudo para perseguir o sucesso e acabaram mais infelizes do que quando começaram. Sucesso e felicidade deveriam andar de mãos dadas se você quer estar satisfeito com a sua vida.
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Egon Schiele revolucionou o modo de ver a pintura figurativa Quem foi Egon Schiele? Em seus primeiros anos vivendo com seu pai, mãe e duas irmãs em um cruzamento ferroviário na pequena cidade austríaca de Tulln, Schiele mostrou um talento para desenhar evidente em desenhos intrincados de trens e suas armadilhas. Mas foi uma tragédia pessoal que o impulsionou, de uma vez por todas, a uma vida dedicada à sua prática artística, acompanhada por um ego sempre balonado. Seu pai, que freqüentava bordéis em sua juventude (como era habitual para os homens austríacos da época), foi tornado primeiro louco, depois morreu em 1905 a partir da sífilis de doenças sexualmente transmissíveis. Sua psicose e morte afetaram profundamente o Schiele de 19 anos, mas simultaneamente desbloquearam uma feroz curiosidade em torno da sexualidade, da mortalidade e do funcionamento interno da mente humana no jovem artista. Schiele continuaria a canalizar essas preocupações para seu trabalho, que foi fomentado pela animada comunidade criativa em Viena – e em particular, seu mentor Gustav Klimt – na virada do século. Seu interesse pelo sofrimento humano e pela sexualidade foi exacerbado por um período de várias semanas na cadeia, incitado por uma repressão à sua arte erótica, e seu tempo no exército austríaco de 1915 até sua morte durante a Primeira Guerra Mundial. As pinturas e os desenhos que resultaram, durante os oito curtos anos de sua carreira madura, foram pioneiros na abordagem da pintura figurativa onde os traumas psicológicos e as fixações de seus sujeitos se tornaram evidentes na presença física: corpos contorcidos, pele machucada, gestos eróticos e andróginos Características faciais. Embora a habilidade de Schiele fosse inata, ela floresceu exponencialmente quando se mudou para Viena em 1906, logo após a morte de seu pai, para estudar na prestigiada Academia de Belas Artes da cidade. (Os registros mostram que Schiele ganhou um lugar na universidade sobre outro candidato – com o nome de Adolf Hitler – naquele ano.) Embora não fosse tanto as lições rígidas da Academia que o motivaram a melhorar, mas o animado boémio da cidade – Uma cena influenciada por pessoas como o psicanalista Sigmund Freud e o corajoso pintor Klimt – que estava em desacordo com a autoridade intensamente moralista da época. A abordagem sonhadora e semi-abstrata de Klimt para a figuração, em particular, foi antagonizada pelo establishment acadêmico vienense como “perigosa”. Em 1907, Schiele e Klimt se familiarizaram. O artista mais velho levou o jovem sob sua asa, apresentando-o não só ao seu círculo de artistas, reunidos no movimento secessionista de Viena, mas também a colecionadores e críticos influentes. Foi então que Schiele começou a se rebelar na Academia, inspirando um professor, Christian Griepenkerl, a abrir fogo na jovem brilhante com o uivo ressonante: “Você! Você! Depois de deixar a escola em 1909, ele fundou o Neuekunstgruppe com seus amigos da escola de arte – incluindo Oskar Kokoschka, Max Oppenheimer e Paris Von Gütersloh – e foi Schiele quem escreveu seu manifesto, motivado Por Klimt própria revolta do estabelecimento. O corpo de trabalho que Schiele deixou para trás após a sua morte da gripe espanhola em 1918 foi extremamente influente. Não só colocou as bases para o movimento expressionista vienense (cristalizado no manifesto que ele escreveu para Neuekunstgruppe), mas também empacotou uma abordagem expressiva da pintura representacional em escala internacional, se espalhou até mesmo durante sua curta vida em exposições em toda a Europa.
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As fotomontagens com polaróides de David Hockney Revista ZUM
O artista britânico David Hockney, um dos mais importantes da segunda metade do século passado, completa 80 anos em 2017 com algumas retrospectivas importantes ao redor do mundo. Uma delas acontece em Los Angeles, no Museu Getty, e destaca obras relevantes de Hockney, que trabalhou com diferentes técnicas ao longo de sua carreira, de pintura e desenhos a gravuras e fotografias. A exposição Feliz aniversário, Mr. Hockney está dividida em duas partes: Autorretratos e Fotografias. A galeria dedicada aos autorretratos apresenta uma seleção de desenhos e fotografias dos últimos 50 anos do artista. Estes trabalhos revelam a evolução dos interesses e explorações visuais de Hockney, de pinturas feitas aos 17 anos quando ainda era um estudante de belas artes até estudos feitos em iPad em 2012. Na segunda galeria, o foco são os trabalhos fotográficos de Hockney dos anos 80, quando investigava possibilidades de capturar uma sensação de tempo e de sua própria presença na fotografia. Desde os anos 60, Hockney usou a fotografia para registrar sua família, amigos e viagens, que serviriam de base para novos estudos e pinturas. Mas foi só a partir dos anos 80 e do uso de uma câmera Polaroid SX-70 que o artista começou a experimentar com composições e fotocolagens de maneira mais radical e inovadora. Trabalhos como Pearblossom Hwy, composto por dezenas de polaróides de uma estrada no deserto californiano de Antelope revelam uma maneira singular de buscar uma “terceira dimensão” e fugir de um único ponto de vista para uma imagem, numa forte influência do cubismo do início do século 20. Hockney realizou tais experiências com polaróides com elementos do seu dia, como a varanda de sua casa, uma mesa de trabalho e retratos de amigos. Breve História Hockney nasceu em Bradford, na Inglaterra em 1937 e educado primeiramente na Escola Primária de Wellington. Mais tarde ele foi para o Bradford Grammar School, Bradford College of Art e o Royal College of Art, em Londres, onde conheceu RB Kitaj. Enquanto ainda era estudante no Royal College of Art, Hockney foi apresentado na exposição de jovens contemporâneos, ao lado de Peter Blake, que anunciou a chegada da Pop Art britânica. Em 1963, Hockney visitou Nova York, fazendo contato com Andy Warhol. Uma visita mais tarde para Califórnia, onde viveu por muitos anos. Em 1967, ganhou o Prêmio John Moores com a pintura “Peter Getting Out Of Nick’s Pool”.
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TRIVIAL
Por Juan Narowé, Bruno Rios e Ricardo Reis
Trivial é consequência, rua vasta, 3 caminhos, encruzilhada, elo firme, breu. Trivial é um livro de Bruno Rios, Narowe e Ricardo Reis desenvolvido durante a residência da Feira Plana, idealizada por Bia Bittencourt, em uma parceria com Cosac Naify, Meli-Melo Press e Ipsis Gráfica. Os três artistas mineiros imergiram na cidade de São Paulo e produziram todo o material da publicação num processo intenso de experimentação durante o período da residência. “Fato é que caminhávamos por ali, sem saber ao certo se de longe éramos um, se de perto éramos caminho. Fato que éramos ali.” Coincidência, encontro, desobediência e arruaça. Os artistas que fizeram o que queriam, que não fizeram escondido. Me convidavam a evocar todo dia o que eu nem lembrava mais existir e me fizeram ver e estabelecer novas regras. Foi uma linha que permeou e amarrou meses de asfixia de processo criativo urgente e raro. Foi uma aventura compartilhada de uma eminente catástrofe que se transformou numa admiração e amizade, um nó na linha bem dado. Não são meninos, não foi sorte, não foi estudo, foi exato. Foi bebida e comida, medo e choro, banho e cama, acerto atrás de acerto e talvez algo que nunca caiba num maço de papel. Para mim, o Trivial nasceu no fundo do afeto e admiração mútua entre os trabalhos dos três. Depois, a gente pensou que o desenho, como linguagem, e a vontade de experimentação gráfica fosse um outro elo que desse margem à exploração livre de outros temas; de todo modo, a gente optou por um olhar atento ao entorno e, por isso, às coisas que a cidade guardava.
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QUEM RAIOS É
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Músico já fazia clipes enigmáticos bem antes de “This Is America”
Esta semana o mundo da música balançou com o lançamento de uma faixa e um clipe: “This Is America”, novo single do Childish Gambino. A novidade dominou manchetes e conversas, e por mais que o nome do músico esteja sempre pipocando por aí, e já tenha arrecadado algumas indicações ao Grammy, tem muita gente que ainda não sabe; quem raios é Childish Gambino?
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Começando pelo mais fácil, Childish Gambino é o nome artístico de Donald Glover, ator conhecido por seus papeis em Community, Atlanta, e no futuro Han Solo: Uma Aventura Star Wars, onde interpretará a versão jovem de Lando Carlissian. Muito antes de ser um dos nomes mais aclamados da TV e da música, Glover, que nasceu na Califórnia, era um estudante na NYU, quando chegou ao radar de Tina Fey e foi contratado para escrever para a série 30 Rock. Depois de três temporadas como roteirista, em 2009 Glover passou a atuar em Community, onde ficou por cinco temporadas, e saiu em 2014. Depois de alguns filmes, em 2016 Glover criou a série Atlanta, onde escreve, ocasionalmente dirige, produz e atua. Mas a carreira de Donald Glover nas telas não é o tema principal quando se fala de Childish Gambino. Tratado quase como uma outra personalidade, a faceta musical de Glover teve início em 2002, ano em que gravou a mixtape The Younger I Get, que hoje é criticada pelo próprio compositor. Mas foi em 2008 que Glover começou a produzir e compôr sob o nome Childish Gambino, apelido criado a partir de uma ferramenta online que gera nomes inspirados no grupo Wu-Tang Clan. Em entrevista ao Laist na época, Glover explicou que começou a usar o nome diferente para se afastar da carreira como comediante: “Eu não gostaria que as pessoas achassem que as músicas eram uma piada, mas elas acharam isso mesmo assim”. Childish Gambino se tornou uma personalidade à parte, sob a qual o músico começou a lançar mixtapes: Sick Boi (2008), Poindexter (2009) e dois EPs intitulados I Am Just A Rapper, de 2010, foram o início da deslanchada musical de Gambino, que começou a ser aclamado musicalmente em 2010, com a mixtape Culdesac. O lançamento marcou a parceria
hegou ao radar de Tina Fey e foi contratado para escrever para a série 30 Rock. Depois de três temporadas como roteirista, em 2009 Glover passou a atuar em Community do rapper com o compositor Ludwig Göransson, quem conheceu durante as gravações de Community e se tornaria seu produtor em todos os lançamentos até hoje. A parceria com Göransson elevou a sonoridade de Gambino, que marcou sucessos com o seu primeiro EP - intitulado simplesmente EP – trazendo o seu primeiro single mais conhecido de modo geral, “Freaks and Geeks”, que ganhou um aclamado clipe dirigido por Dan Eckman. Pouco tempo depois, ainda em 2011, Gambino lançou o seu primeiro álbum, Camp, que chegou a posição 11 na Billboard 200. O disco foi o primeiro lançamento do rapper em uma grande gravadora, e começou a gerar uma energia enigmática ao redor do artista, principalmente pelo aclamado clipe de “Bonfire”, também dirigido por Eckman. O intenso vídeo foi rondado de discussões e teorias sobre seu significado, quase tanto quanto o recente “This Is America”. O consenso geral ao redor de “Bonfire” é que Gambino representa um fantasma que é forçado a reviver sua morte toda vez que sua história é recontada em acampamentos: Na promoção de seu segundo álbum, Childish Gambino se aprofundou ainda mais em uma jornada misteriosa. Com o lançamento de um curta, Clapping for the Wrong Reasons, dirigido por Hiro Murai, e a divulgação de roteiro de filme como “aquecimento” para o álbum Because The Internet, Gambino abriu a deixa
para ainda mais teorias por trás de seus vídeos, e conexões entre seu primeiro e segundo álbum. Because The Internet rendeu mais vídeos aclamados, com destaque para “3005”, o primeiro clipe musical em parceria com Murai, que chamou atenção principalmente pelas interpretações por trás de sua simplicidade visual. A teoria maior é que o apodrecimento do urso que acompanha o rapper em uma roda gigante representa a morte da inocência de Gambino: O disco chegou à 7ª posição na Billboard, ganhou uma indicação de melhor álbum de rap no Grammy e contou também com grandes clipes de Murai para “Sweatpants” e “Telegraph Ave (“Oakland” By Lloyd)”. Uma nova mixtape lançada em 2014, rendeu também o ótimo clipe de “Somber”. Em 2015, Gambino começou a dar dicas de seu trabalho sob este nome chegaria ao fim, falando em entrevista ao Today Show: “Childish Gambino é um período de minha vida artística, e sinto que Childish Gambino é um período que deve chegar a um fim. Eu gosto de fins”. Neste ponto de sua carreira, Gambino já tinha colocado toda uma base de fãs à procura de significados e revirando sua videografia, e não
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foi por pouco. Um artigo na DJ Booth descreveu bem o mistério por trás do artista: “os fãs de Gambino já estão em um território que beira as teorias de conspiração, mas seus vídeos têm um fator em comum, que serve quase como um tema geral. Em cada um deles, há uma sensação falsa de normalidade, onde o ordinário é apenas temporal até que o paranormal se revele”. O seu terceiro e último álbum, Awaken, My Love, lançado em dezembro de 2016, representou uma grande ruptura com sua sonoridade antiga, e foca no canto de Gambino, ao invés de rap. Com influências mais abrangentes, de funkadelic, soul e R&B, o disco chegou a 5ª posição e ganhou cinco indicações no Grammy, levando para casa o prêmio de melhor performance tradicional de R&B por “Redbone”. Awaken, My Love marcou também uma estratégia diferente de lançamento, acompanhada com um app de realidade virtual, e nenhum vídeo clipe. No fim de 2017, Childish Gambino anunciou uma futura aposentadoria de seu trabalho musical, dizendo que o próximo álbum seria o seu último. Assustando fãs de modo geral, o rapper deu poucas notícias sobre seu futuro e se manteve enigmático por muito tempo, até o começo deste mês, quando apresentou o Saturday
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Night Live e tocou duas músicas novas. No mesmo dia, “This Is America” chegou ao YouTube e causou um rebuliço na internet, atingindo quase 13 milhões de visualizações em 24 horas. O rebuliço em torno do clipe e suas simbologias dominou as redes, e seus fãs continuam analisando minunciosamente cada um de seus aspectos (veja aqui os significados escondidos de “This Is America”). Agora, fãs antigos e recém convertidos aguardam notícias para um próximo lançamento, possivelmente seu último. Seja qual for a sua opinião sobre a música de Gambino, seu talento para criar discussões e dar o pontapé em debates mais do que necessários é inegável, e evidencia uma sede do público por significados maiores. Gambino está em uma crescente jornada, se tornando um dos nomes mais influentes da música, e criando novos patamares para o peso de símbolos e novos formatos de protesto. Como um artista misterioso, porém, resta saber se o mundo ainda tem muito a receber por parte do músico, ou se seu futuro reserva revoluções de nome e estilo. Como o DJ Booth bem descreveu, Gambino é hoje “um herói esquisito nos salvando do tédio ordinário. Ele não é mais um ator que se tornou rapper, ele é um artista atingindo o pico de sua criatividade”.
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FOTOGRAFIA ROBINSON BARBOSA
Matheusa, ou Theusinha, cursava o terceiro período do curso de artes visuais da UERJ e estava fazendo um curso na Escola de Artes do Parque Lage
Gabe e Matheusa Passareli Simões Vieira costumavam dizer desde a adolescência uma frase que resumiria seus destinos: “de Rio Bonito para o mundo”. “A gente sempre soube que ia sair de Rio Bonito”, conta Gabe, prestes a completar 23 anos, sobre um dia deixar a cidade natal, no interior do Rio de Janeiro, e ir viver na capital do Estado. “Falávamos isso porque nosso desejo era buscar experiências. A vida tá no encontro com a diferença, em produzir algo novo desse encontro com o estranho.” As irmãs negras, filhas de uma frentista e de um despachante de ônibus (funcionário que organiza a chegada e a saída dos veículos dos terminais), conseguiram deixar a cidade de 55 mil habitantes. Primeiro foi Gabe, a mais velha, que, em 2013, entrou no curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2015, Matheusa também passou no vestibular e conseguiu uma vaga no curso de Artes Visuais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Nesses dois anos morando juntas no Rio, tornaram-se figuras conhecidas na cidade em que escolheram viver. Eram influenciadoras digitais e ativistas de identidade de gênero nas redes sociais. As duas, que nasceram Gabriel e Matheus, se apresentavam como “bichas travestis” ou “transexuais não-binárias”, que não se identificam com o gênero masculino, nem o feminino. “É um lugar de intersecção entre ser homem e mulher. É uma questão mais de comportamento, de acabar com o ‘ele’ e ‘ela’, do que de mudança de sexo”, diz Gabe Passareli à BBC Brasil. Na madrugada do último dia 29, Matheusa, ou Theusinha, como os amigos a chamavam, desapareceu após ir a uma festa no bairro Encantado, perto da favela Morro do 18, em Água Santa, na zona norte do Rio. Na segunda, 7, Gabe avisou aos amigos que a Polícia Civil carioca confirmou que Matheusa havia sido executada. “Seu corpo, também segundo informações da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), foi queimado e poucas são as possibilidades de encontrarmos alguma materialidade, além das milhares que a Matheusa deixou em vida e que muito servirão para que possamos
ressignificar a realidade brutal que estamos vivendo”, postou a irmã no Facebook.
Júri de traficantes Matheusa, segundo a irmã, tinha começado a fazer tatuagens com uma técnica chamada “handpoked”, usando apenas agulha e tinta, sem máquina. Horas antes de ser morta, ela foi ao bairro do Encantado, na Zona Norte do Rio, para tatuar uma amiga que comemorava aniversário naquele dia. Testemunhas relataram que ela se sentiu mal e deixou a festa falando coisas desconexas. No caminho, ainda segundo relatos, ela tirou a roupa. De acordo com a delegada Ellen Souto, da
“Eu jamais na minha vida imaginei que sofreria algo desse tipo, de tamanha violência” Desabafa Gabe sobre a morte de Matheusa. Delegacia de Paradeiros, Matheusa foi parar no Morro do 18, a dois quilômetros da festa onde estava. Em entrevista ao telejornal “RJ TV”, Souto afirmou que a estudante estava nua quando um grupo de traficantes resolveu submetê-la a um julgamento informal. Em meio à situação, Matheusa parecia alheia e seguia dizendo frases desconexas. De acordo com a polícia, a reação de Matheusa teria precipitado a execução por parte dos traficantes. “A Matheusa não se drogou voluntariamente (na festa). Isso foi algo que todas as pessoas que foram dar testemunho afirmaram. Mas que involuntariamente isso poderia ter sido uma questão. Podem ter colocado algo na bebida dela”, afirma Gabe. Segundo ela, a irmã também não tinha histórico de doença psiquiátrica. “Ela nunca foi diagnosticada com surto psiquiátrico. Que ela estava em situação de crise e grande estresse ali (na festa), é fato. Alguma coisa aconteceu na festa, houve algum tipo de gatilho (para ela se com-
portar da maneira relatada).” “Eu jamais na minha vida imaginei que sofreria algo desse tipo, de tamanha violência”, desabafa Gabe.
Bicha travesti Gabe diz que, até o dia da morte de Matheusa, nenhuma das duas havia sofrido violência física ou ameaças. A tensão, no entanto, fazia parte da vida das irmãs desde crianças, segundo Gabe, por elas não “se encaixarem no que as pessoas entedem como corpos de menino e de menina”. Na adolescência, as duas contaram uma para a outra que eram gays - primeiro foi a mais velha e, depois, Matheusa. Um tempo depois, começaram a questionar o conceito de gênero, vendo que não se encaixavam em apenas um deles, passaram se identificar como “bichas travestis” e a adotar um visual fluido, cheio de referências femininas. “Nunca sofremos agressão física, mas o olhar mata também, a violência verbal, o modo como alguém se aproxima de um outro corpo também mata. Sofremos sempre vários tipos de violência”, afirma Gabe. Matheusa usava sua arte para questionar principalmente os conceitos de gênero e de raça - gostava de dizer que era uma “bicha preta”. Ela participava de dois coletivos performáticos LGBTs: o Seus Putos, formado na UERJ, que se define como um grupo “de ações estético-políticas e práticas teóricas de crítica às instituições de opressão e aos padrões normativos”, e o Xica Manicongo, movimento de arte, cultura, militância e ativismo. A estudante adotou a performance como uma de suas principais maneiras de expressão artística no início da faculdade de artes visuais. Recentemente, havia participado de uma na feira SP-Arte, em São Paulo. Matheusa estava iniciando uma pesquisa sobre “performance e linguagem queer” em um curso de formação artística da tradicional Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), no Rio. Theusinha havia sido selecionada como aluna-bolsista da escola.
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Sexo, gênero,
LGBTfobia e direitos humanos
sexualidade e
Embora afirme não querer culpar ninguém ou fazer especulações sobre as investigações em andamento, Gabe diz que o assassinato da irmã é um atentado aos direitos humanos e que pode ter sido motivado por ódio à população LGBT e por racismo.
identidade são coisas diferentes e podem variar num espectro bastante amplo.
Um relatório do Grupo Gay da Bahia, que há 38 anos produz estatísticas sobre assassinatos de trans e gays no Brasil, registrou 445 homicídios desse tipo em 2017, um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Os dados corroboram outros relatórios de entidades internacionais como a Transgender Europe, que apontam o Brasil como o campeão mundial de assassinatos de transexuais e travestis.
Entenda:
identidade de gênero Ainda hoje persiste a ideia de que só podemos ser “homem” ou “mulher”. Mas essas são apenas duas categorias, e há uma variação enorme entre elas, que pode ser entendida como “queer”
Por meio da assessoria de imprensa da Polícia Civil do Rio, a delegada Souto disse à BBC Brasil que não descarta qualquer motivação na execução de Matheusa, porque as investigações ainda não foram concluídas.
expressão A forma como nos comportamos é influênciada pelo que sempre foi considerado “feminino” e “masculino”, mas essas características são mais fluidas do que parecem
sexo Nem mesmo os órgãos sexuais do ser humano, extensivamente estudados pela biologia, são tão binários assim
orientação sexual Nascer com determinado órgão sexual e identificar-se com certo gênero não define por quem nos sentimos atraídos
foto: Robinson Barbosa
Gabe conta que a relação da irmã com a arte começou ainda na infância, em Rio Bonito, muito estimulada pela mãe. “A gente tinha nosso próprio bloco de Carnaval, fazíamos nossas coisas com liberdade e assim fomos sendo criados. E tudo foi encaixando num processo muito natural, fluido”, conta. “A gente não acredita que a arte esteja desvinculada da vida. A Matheusa sempre dizia que na arte era necessário extrapolar sempre o quadro.” Antes entrar para a EAV, Matheusa havia feito um curso para ser arte-educadora e chegou a trabalhar por um período no Museu do Amanhã. A estudante tentava sobreviver com uma bolsa de R$ 500 que recebia da universidade, mas o dinheiro não era suficiente. Na última foto que postou no Instagram, pedia ajuda para encontrar um quarto para morar - ela e a irmã viviam com uma família em Vila Isabel.
Passarela A moda também era uma das coisas de que gostava e com a qual se expressava. Recentemente, passou a fazer parte de uma agência de modelos chamada Squad, que se apresenta como representante de pessoas “fora do padrão”. Em janeiro, Matheusa pisou na passarela da semana de moda paulistana Casa dos Criadores, exibindo uma roupa do estilista Fernando Cozendey. Entrou na passarela segura de si, usando um vestido preto transparente com uma tanga fio-dental visível por baixo - e uma plateia grande assistindo. Ela mais uma vez mostrava que tinha saído de Rio Bonito para o mundo. Ela também participava de uma rede chamada Jacaré Moda, que trabalha potencializando a periferia do Rio por meio da moda.
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“Eu acho que quando fala de direitos humanos estamos falando de diferenças de personalidades, gênero, raça, sexualidade, capacidade. Não acho que o que aconteceu com o Matheus (ela chama a irmã tanto pelo nome de batismo quanto pelo adotado mais tarde) se configure apenas na questão da LGBTfobia. Envolve racismo, muitas coisas” e não pode ser tratado na superficialidade. “Tiraram o maior direito dela, que era o de viver. Então, espero que sejam criados espaços para falar de direitos humanos”, diz ela, que espera que os criminosos sejam punidos. “O que aconteceu com o Matheus é mais um exemplo de que as violências sobre muitos corpos ainda estão acontecendo. E muitos corpos acabam sendo mais mortos dos que outros. Mas a gente não pode naturalizar o sofrimento. Eu não vou permitir que essa dor vire paralisia. Luto é verbo e eu continuo lutando.” A irmã de Matheusa também diz que não tolerará qualquer tipo de comentário que pretenda questionar o comportamento dela ou tentar fazer algum tipo de associação ao crime como causa de sua morte. “Se isso vier a acontecer, essas pessoas serão responsabilizadas. Afinal, crime de ódio também é crime.” Para Gabe, os assassinatos de Matheusa e Marielle Franco, no intervalo de dois meses no Rio, dialogam de uma certa maneira. “Se eu puder fazer uma interseção entre esses assassinatos é: por que figuras tão representativas na nossa atualidade continuam morrendo? Imagina a quantidade de mortos que nem chegam até a gente”, diz. “E tanto o corpo da Matheusa quanto o da Marielle são de negros. Mortes como essas só fazem a manutenção da escravidão e a tentantiva de extermínio do povo negro.”
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O que é sua zona de conforto?
Muitos pensam que a zona de conforto está composta por todas aquelas situações agradáveis que nos rodeiam e que trazem prazer à vida. A verdade é que não é assim. A zona de conforto é composta por todas as situações, boas e más, às quais estamos acostumados e que descrevem nossa rotina. Essa rotina nos evita questionar, pensar, tomar decisões. Esse é o único conforto que procuramos: o de nos movermos por inércia. A zona de conforto é como essa bolha na qual nos resguardamos para que tudo siga igual. Ainda que nos queixamos e acreditemos que está insuportável, seguimos assim por medo, e isso facilmente se converterá em hábito. O preço é muito alto. Não sair da zona de conforto é praticamente renunciar à vida, ao crescimento. Seguimos aí, vegetando, enquanto os anos passam e nossa vida se empobrece cada vez mais. Neste artigo trazemos dez boas razões para que você faça algo importante para si mesmo: saia da sua zona de conforto.
Descobrirá potencialidades que não conhecia Não é uma frase de slogan de autoajuda. Na verdade, é surpreendente tudo o que chegamos a descobrir sobre nós mesmos quando nos atrevemos a fazer algo fora do habitual, quando decidimos ir atrás de algum objetivo que acreditávamos que não seríamos capazes de alcançar. Cada ser humano possui muitas habilidades e destrezas que estão adormecidas, esperando a ocasião certa para se manifestarem. Na rotina se impõe a lei do menor esforço, pois precisamos que seja assim. Apenas as situações excepcionais exigem o melhor de nós mesmos, e é aí que descobrimos que podemos fazer muito mais do que acreditávamos que conseguiríamos.
Conseguirá ser mais flexível Quando você instala um único ponto de vista sem se dar conta, deixa de perceber muitos ângulos da realidade, talvez mais proveitosos ou interessantes. Sair da zona de conforto permite aproximar-se de novas formas de olhar e de ver sua vida. Isso se traduz em uma maior flexibilidade em suas apreciações e em seu modo de viver. Em outras palavras: você se tornará mais adaptável, e uma maior capacidade de adaptação traduz-se em mais habilidade para solucionar qualquer situação difícil.
Irá adquirir maior confiança no que você é Quando você descobre que a única coisa que faltava era tomar a decisão e que, na verdade, você é capaz de fazer muito mais do que acreditava, imediatamente aumenta a confiança que você tem em si mesmo, e assim começará a realizar tudo aquilo de que, a princípio, tinha medo. A insegurança alimenta-se precisamente da não tentativa. Se você deixa de pensar tanto e age, mais cedo ou mais tarde você se dará conta de que na verdade pode ir muito além do que imaginava e sentirá mais apreço por quem realmente é.
Eliminará muitos medos Os maiores medos nascem da indecisão e da inércia. O medo cria seu próprio círculo vicioso: como você tem medo, então não tentará e ficará onde está. Como você não tenta, o medo se instala e cresce. Na maioria das vezes, para não dizer em todos os casos, o simples fato de agir dissipa o medo. De maneira geral, o temor vai se diluindo a medida que você avança. A única coisa difícil é começar: se você agir, notará que muitos desses temores desaparecerão.
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Sentirá que sua vida é mais emocionante marinheiro em seu barco Atrever-se é algo que imprime uma sensação de aventura e desafio a sua vida. As rotinas levam a uma sensibilidade muito plana, em que tudo é previsível e, desta maneira, frequentemente chato. A mudança bagunça o mundo emocional, trazendo sensações muito agradáveis como a capacidade de se surpreender, a curiosidade e o desejo de descobrir.
Aumentará sua criatividade e inteligência Até os grandes gênios têm sua inteligência estagnada quando não são oferecidos estímulos permanentes. A inteligência é como um músculo que precisa se exercitar para funcionar bem. A rotina apenas exige um uso mínimo de suas capacidades intelectuais. O mesmo acontece com a criatividade. Só as situações novas provocam novas respostas e novas soluções. Sair da zona de conforto é dar vez a sua criatividade e a sua inteligência para que elas se manifestem.
Aumentará sua vontade de viver Quando a vida deixa de ser uma eterna repetição do mesmo, ela se torna muito mais interessante e digna de ser vivida. Se você se sente mais feliz consigo mesmo e pouco a pouco descobre que é capaz de fazer muito mais do que imaginava, seguramente vai aumentar o apreço por sua vida.
Desenvolverá uma melhor maneira de relacionar-se com os demais Para poder ter boas relações com os outros, primeiro devemos ter uma boa relação com nós mesmos. Se você não está confortável com que é, com o que faz, dificilmente poderá ser capaz de valorizar as coisas boas das pessoas que o rodeiam. Sair da zona de conforto, descobrir-se, vencer medos e sentir-se mais feliz por viver é algo que ajudará a melhorar a relação com os demais. Você notará que os conflitos diminuirão e que você passará a ter uma maior capacidade para ver o lado bom das pessoas.
Experimentará mais intensamente o aqui e agora Experimentar o aqui e agora é uma forma de plenitude. Quando os esforços, a atenção e o entusiasmo concentram-se no momento atual, é porque esse momento é um tempo de realização pessoal. Sair da zona de conforto não te deixa espaço para outra coisa que não seja atender ao presente. Você vai precisar de toda a sua atenção e todo o seu empenho para superar essa nova situação que se estende diante de você.
Se tornará mais independente Ao acrescentar a confiança a suas próprias possibilidades, você vai sentir que precisará dos outros de uma maneira diferente. Os outros são um complemento maravilhoso do seu ser, não suas muletas nem seus refúgios. Ser independente, às vezes, fortalece e te dá mais confiança em quem você é, te faz sentir com mais força o valor da liberdade.
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Zines e fotografia: uma história de resistência em tempos digitais Rony Maltz
Alistair Woods Ressaca tropical (Ubu, 2016) é um livro contido por fora, que não chama a atenção de quem passa o olho pela prateleira de Fotografia das livrarias. A capa e as guardas são cinzentas, sem imagens; finas rajadas diagonais, em alto relevo pelo tratamento em verniz, convidam a uma aproximação pelo tato. Ao abrir, o miolo se multiplica feito massa folheada, com páginas avulsas e pequenos livretos inseridos entre cada par, misturando textos e fotografias de texturas e épocas diversas, construindo uma narrativa por estratos. Notas de um diário anônimo resgatado do lixo, que se estendem de 1973 a 1977, são intercaladas por imagens de quatro fontes distintas: vistas aéreas do Recife em preto e branco da coleção do fotógrafo Alcir Lacerda; fotos em negativo colorido de um acervo amador; imagens de arquivo da Fundação Joaquim Nabuco; e fotos de prédios modernistas dilapidados feitas por Jonathas em 2008. A sucessão de recomeços tem
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o efeito cumulativo de pôr em cheque qualquer ilusão em mudanças duradouras; criam um círculo vicioso em que “tudo muda para permanecer como está”. A edição não cronológica dos textos contribui para esse efeito, muitas vezes apresentando novidades com prazo de validade expirado: novos romances cujo fim já estava anunciado páginas atrás. As fotos de arquivos são indícios de uma cidade que não existe mais, transformada pelas reformas urbanísticas e por outras forças imprevistas – obras do acaso, que sempre entra pelas frestas –, como uma grande enchente tropical. Se as tomadas gerais em preto e branco põem em evidência a topografia do espaço urbano, revelando a arquitetura da cidade, as fotografias coloridas nos aproximam dos personagens, em geral jovens felizes congelados em momentos fugazes. Por onde andará a morena flagrada com a boca enfiada numa suculenta melancia? Como terá emergido o
rapaz de sunga vermelha de seu eterno mergulho na piscina? E os casais que se beijam há quarenta anos, quanto tempo terão durado? Os snapshots do acervo amador refletem o papel central da fotografia como prática social burguesa na segunda metade do século 20. Como em um álbum de família, as identidades e os laços de afeto entre os indivíduos são forjados e reforçados por uma crônica benevolente de suas vidas. A tirar por essas fotos, ela consistia em uma sucessão de encontros fortuitos e momentos de lazer, interrompidos ocasionalmente por pequenas surpresas e acidentes – sinais de que o acaso nunca pode ser totalmente controlado. A montagem do livro é engenhosa, mas sistemática: logo somos absorvidos pelo ritmo de rotina que se estabelece do início ao fim. As imagens aparecem sempre de duas formas: sangradas na página dupla ou nos encartes posicionados na metade superior do volume. Já o textos vêm sempre em páginas amarelas de menor gramatura, na metade de baixo da lâmina, em uma fonte que simula a estética de máquinas de escrever (os diários originais foram escritos a lápis). Não sabemos quem é o autor do diário, mas podemos deduzir que é jovem (em idade de vestibular), educado (“Encontrei-me com Rosa Maria… depois de tudo seu orgulho fê-la mostrar-se indiferente”), que precisa trabalhar porém tem tempo para o lazer. Gosta de passear na praia e ir ao cinema (Papillon, drama americano de Franklin J. Schaffner baseado na autobiografia de um prisioneiro, recebe comovida nota), torce para o Náutico, fuma um baseado eventualmente, tem muitos amigos (mas não menciona a família), acredita em Deus. Suas motivações giram em torno da saúde, trabalho e sexo, não nesta ordem. Ele está quase sempre começando ou terminando um novo relacionamento; iniciando ou terminando em um novo emprego ou processo de seleção – como é tão comum na juventude. Este caráter contemporâneo do zine, bem como de outras publicações impressas, foi ressaltada no relatório do Nieman Lab, da Universidade de Harvard, em que profissionais de mídia do mundo inteiro compartilham suas previsões para o jornalismo no ano seguinte. Em 2018, para Kawandeep Virdee, colaborador do site Medium, “a mídia digital vai refletir cada vez mais qualidades que fazem do impresso um ótimo veículo”. Em um mundo cada vez mais virtual e dominado pelos algoritmos, o prognóstico surpreende. A virtualização crescente das nossas rotinas não substituiu completamente o desejo pela fisicalidade. E a internet não caminha necessariamente para maior liberdade e autonomia, como se sonhou nos anos 1990. Nesse cenário de pasteurização da experiência contemporânea, o zine é uma alternativa possível e, talvez, um devaneio necessário.
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BIKE EM SP
PÁG. 8
Rodrigues Fernandes PÁG. 12
BASQUIAT
Amauri Terto
PÁG. 16
BATEKOO
Beatriz Moura
CORPO ESTRANHO
PÁG. 34
Lígia Mesquita
ZINES E FOTOGRAFIA PÁG. 47
Julia Sabbaga
PÁG. 30
PÁG. 20
SALMA JÔ
Amanda Cavalcanti
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CHILDSH GAMBINO
Julia Sabbaga