Historiografia sergipana

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A HISTORIOGRAFIA DE MARIA THETIS NUNES

Luiz Antonio Barreto


“Um principal contou a ele Padre uma história que eles têm por certa, para explicar-lhes sua origem. Dizendo que em tempo passado, acontecera que os seus por não querer ser bons contra eles se levantou um principal e lhes fez guerra, e depois, com muita ânsia, pegou um dardo e deu com ele em terra, e fez que se abrissem as fontes, e se afogassem todos, e que ele fez uma casa de folhas muito bem tapada, e aí se defendeu da da água, e depois de todos mortos, e a água passada, partiu, e assim começaram as gerações, que é coisa muito longa de contar. O que nisto disse acrescentando que, por isto, estão desnudos, e não têm nada, porque tudo se perdeu com a água. Ouvindo o Padre isto e compreendendo que tinham alguma notícia do dilúvio, mas corrupta, lhes explicou a verdade declarando-lhes a história do Gênese até chegar como Noé fez sua maldição a Cam, e porque fez burla dele, dizendo que eles descendiam deste Cam, e por isto andavam tão apartados das coisas e Deus.” Inácio de Tolosa in Carta de 7 de setembro de 1575, sobre a Catequese empreendida pelos padres jesuítas em Sergipe.


A Carta do Provincial Inácio de Tolosa é um tipo, conotado, de “certidão de nascimento” do povo que ocupava as terras de Sergipe, entre os rios Real e São Francisco. O fragmento variante do dilúvio bíblico, no entanto, contraria a posição da Igreja Católica, que atendendo aos dominicanos editara, em 1537, através do Papa Paulo III, Bula pela qual reconhecia os indígenas do Novo Mundo como “pertencentes à espécie humana e dispunham de alma como os seus colonizadores, ...devendo ser salvos...” Corria na Europa à época dos descobrimentos, que as raças humanas descendiam do dilúvio e dos três filhos de Noé: Jafé, Sem, e Cam, espalhados pela terra repovoada. No bojo daquele tipo religioso de conhecimento havia um conflito de muitos séculos, entre os cristãos e os povos de outros credos, notadamente os árabes, denominados, genericamente, de infiéis. Nas viagens das frotas de caravelas embarcavam, invariavelmente, nos portos de Espanha e Portugal, os “línguas”, judeus ou árabes, para cumprirem papel de intérpretes, na suposição de que as terras a serem descobertas eram povoadas pelos infiéis. Quando Cristovão de Barros fez guerra e derrotou a resistência indígena de Sergipe, em 1590, os louros da vitória tiveram tríplice urdidura: a política, a econômica e a religiosa. A política, com a denominação de São Cristovão, ao lugar do aquartelamento das tropas vencedores, em honra de Dom Cristovão de Moura, fidalgo espanhol que cumpria as funções de Vice Rei em Portugal, como preposto de Felipe, de Espanha; a econômica, com a distribuição de terras entre os combatentes e colonos que comprovassem dispor de cabedais, através de Cartas de Sesmarias; e a religiosa, com a invocação de Nossa Senhora da Vitória como Orago da nova cidade, a primeira de Sergipe. O urdimento político fixa, no contexto da História, o período de Portugal submisso a Espanha, estabelecendo uma relação, até hoje pouco estudada, entre o domínio espanhol e a conquista de Sergipe. O econômico impõe, praticamente, que as terras concedidas sejam utilizadas nas lavouras, principalmente da cana-de-açúcar, e nos criatórios de gado, dirigindo a produção debaixo de interesses que permaneceram imutáveis por séculos. O religioso evoca a luta de cristãos e mouros, em Lepanto, em 1571, quando D. João de Aústria, a frente de um grande exército derrota os sarracenos, dedicando o seu feito à Nossa Senhora da Vitória. Uma invocação mudada, mais tarde, também por influência dos integrantes da ordem de São Domingos, para Nossa Senhora do Rosário. A explicação é a de que enquanto os homens lutavam em Lepanto, as suas mulheres rezavam o Rosário de Nossa Senhora. Tais fatos, citados aqui como ilustração preambular, estão na base da História de Sergipe, e de forma clara ou oculta, com maior ou menor relevo, estão na bibliografia preliminar que cobrem os séculos, como fonte recorrente, a saber: Século XVI: Carta de Inácio de Tolosa, Provincial da Companhia de Jesus, datada da Bahia em 7 de setembro de 1575. Cópia manuscrita existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, em Portugal. Parte do documento está na História de Sergipe, de Felisbelo Freire. Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Souza, escrito em 1587. Última edição 1998, Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco. Códice de Sesmarias, depositado em cópia no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, reproduzido, com incorreções, como Apêndice da História de Sergipe, de Felisbelo Freire. Além da importância econômica das Cartas de Sesmarias, trata-se de uma escrita de época, um verdadeiro e especial código lingüístico, datado a partir de 1594. Século XVII: Livro que dá razão do Estado do Brasil, atribuído ao Sargento – Mor Diogo de Campos Moreno, escrito provavelmente em 1611. Sergipe está referenciado em capítulo próprio, da Capitania, e no capítulo referente ao rio São Francisco, com as primeiras informações pós conquista. Possivelmente do mesmo autor, e época, é o Roteiro de todos os sinais da costa do Brasil, reeditado em 1968, pelo Instituto Nacional do Livro.


Relação dos Currais de Gado de Sergipe, apresentada por Domingos da Cruz Porto Carreiro, em exposição entregue ao Conde de Nassau e Alto Conselho sobre o povoamento de Sergipe e rio São Francisco. Documento manuscrito, sem data, mas encontrado entre papéis holandeses de 1642, arquivados no Instituto Arqueológico Pernambucano. História dos feitos recentemente praticados no Brasil, de Gaspar Barléus, livro de 1645, exaltando o Conde de Maurício de Nassau, que viveu em Pernambuco de 1637 a 1644, governando as terras conquistadas. Gaspar Barléus, que nunca esteve no Brasil, escreveu a sua História a partir de informações dos holandeses que viviam no Nordeste. Há, ainda, diversos documentos sobre as supostas minas de ouro e prata, dentre elas a de Itabaiana, em torno da qual cresceu o imaginário sergipano, levando as autoridades à nomeação de Dom Rodrigo Castelo Branco como Administrador Geral das minas de prata de Itabaiana e à edição do Regimento Geral das Minas do Brasil. Século XVIII: Relação e Notícias das Freguesias de Sergipe, corpus corográfico e estatístico, obedecendo a uma divisão eclesiástica de Sergipe, de 1757. Eram, então 7 Freguesias: Nossa Senhora da Vitória, Santo Antonio, Nossa Senhora da Piedade, Jesus, Maria, José e São Gonçalo, Nossa Senhora do Socorro, Santo Antonio e Almas, Nossa Senhora dos Campos, todas com seus informantes, que eram os vigários. Os padres atendiam, em verdade, a Ordem do Vice Rei Conde dos Arcos, datada de 6 de maio de 1757, aos Ouvidores das Comarcas, para que “Mandassem a todas as Câmaras das mesmas Comarcas fizesse cada uma delas uma relação dos lugares e povoações do seu Distrito, com os nomes e as distâncias, que há de umas às outras, praticando-se a mesma descrição dos rios, que pelas ditas povoações passam, individuando os seus nascimentos e os que são navegáveis e que em cada uma das Vilas se declararão a distância em léguas ou dias de jornada, que iam às outras vilas circunvizinhas.” As Relação e Notícias integram o acervo do Arquivo de Marinha e Ultramar de Portugal, no qual há farta documentação sergipana, cujo Catálogo foi organizado por Eduardo de Castro e Almeida, e, no que se refere as Freguesias, publicado no volume XXXI dos Anaes da Biblioteca Nacional, em 1909. Recentemente os documentos do Arquivo Ultramarino foram digitalizados, dentro do Projeto Resgate, do MinC/UFSE/Governo de Sergipe. Os textos citados foram precedidos pelas informações, resumidas, do padre Gonçalo Soares da Fonseca na sua Dissertações da História Eclesiástica no Brasil, que é de 1724. Relação dos Engenhos de Açúcar e outras informações sobre Sergipe, sua vida judiciária, aldeamentos indígenas, em 1759, pelo engenheiro José Antonio Caldas, no seu livro Notícia geral de toda esta Capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1759. Século XIX: Viagens e Observações de um brasileiro, que desejando ser útil à sua Pátria se dedicou a estudar os usos e costumes dos seus patrícios, nos três reinos da natureza, em vários lugares e sertões do Brasil, publicado no Rio de Janeiro em 1834, republicado na Bahia, na Revista do Instituto Geográfico e Histórico, em 1945, de autoria de Antonio Moniz de Souza, o primeiro dos autores sergipanos. Descobertas Curiosas, que nos Reinos Vegetal, Animal e Mineral, por sítios e sertões vários das brasílicas províncias: Bahia, Sergipe e Alagoas, do mesmo autor, datado de 1824, mas que permaneceu sem publicação até que saiu na mesma Revista, em 1946. Notícia Geográfica, Histórica e Descritiva desta Província, no jornal Correio Sergipense, editado em São Cristovão, do nº 3, de 13 de janeiro de 1847, ao nº 32, de 1º de maio do mesmo ano. Trata-se de uma reprodução, atualizada e anotada, do Dicionário Descritivo do Império do Brasil, editado em Paris, na França, em 1845, de autoria de J. C. R. de Milliet de Saint – Adolphe, traduzido por Caetano Lopes de Moura. Com o título de Dicionário da Província de Sergipe as informações sobre a terra sergipana foram reunidas pelos professores Francisco José Alves e Itamar Freitas, desta Universidade, e publicadas em 2001.


Atlas do Império do Brasil, do Barão Homem de Melo, com textos do senador Cândido Mendes e mapas de Halfeld, editado no Rio de Janeiro, em 1860. Do mesmo ano, os relatos da visita do Imperador Pedro II ao rio São Francisco em 1859, e a Aracaju e outras cidades da Província de Sergipe. Apontamentos Históricos e Topográficos sobre a Província de Sergipe, de Antonio José da Silva Travassos, escrito em 1860 e publicado em 1875, no Rio de Janeiro, republicado em 1915, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Também do Comendador Travassos é o manuscrito, inédito, Memorial Histórico da Política da Província de Sergipe, elaborado em 1866, depositado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Os dois livros estão em preparo de edição, contando com a participação da professora Isabel Ladeira. Memória sobre a Capitania de Serzipe, de Dom Marcos Antonio de Souza, que viveu em Sergipe, como vigário na Freguesia de Jesus, Maria, José e São Gonçalo do Pé do Banco, hoje Siriri. Embora seja um texto de 1808, que retrata a transição entre a velha Capitania e a nova Província emancipada, sua primeira edição é de 1878, sendo ainda republicada em 1944, pelo Departamento Estadual de Estatística. História de Sergipe, de Felisbelo Freire, livro publicado no Rio de Janeiro em 1891, a primeira sistematização da história sergipana, desde os primeiros tempos da ocupação do território até 1875. Outros livros de Felisbelo Freire – História Constitucional da República, de 1894, e História Territorial do Brasil, 1º volume – Bahia, Sergipe, e Espírito Santo, de 1906, completam a grande História de Sergipe. A República em Sergipe, de Baltazar Góes, editado em 1891. Sergipe Republicano, de Manuel Curvelo de Mendonça, de 1896 Corografia do Estado de Sergipe, livro didático de 1897, de autoria do professor da Escola Normal Luiz Carlos da Silva Lisboa. Quadro Corográfico de Sergipe, igualmente didático, de Laudelino Freire, editado em 1898, com prefácio do Barão do Rio Branco. Laudelino Frere publicou, no mesmo ano, sua pequena História de Sergipe. Século XX: Sergipenses – Escritos Diversos, de Manoel dos Passos de Oliveira Teles, livro de 1903, consolidando textos corográficos, incluindo o de crítica ao livro do professor Luiz Carlos da Silva Lisboa. Meu Sergipe, de Elias Montalvão, editado em 1916 e adotado nas escolas sergipanas. A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias, de autoria de Ivo do Prado, edição de 1919 pode representar uma síntese de textos e de autores sobre a questão dos limites, temática essencial que rompeu o século e que permaneceu inspirando diversos autores, em defesa da integridade territorial, nos conflitos de fronteira com a Bahia. Álbum de Sergipe, de Clodomir Silva, edição comemorativa do Centenário da Emancipação Política de Sergipe, 1920, com amplas informações sobre Aracaju, as cidades e vilas de Sergipe, bem ilustrado com fotografias. Efemérides Sergipanas, de Epifânio Dória, publicadas ainda no início da década de 1920, no Jornal do Povo e no Sergipe Jornal. Dicionário Biobibliográfico Sergipano, de Armindo Guaraná, 1925. Sergipe em 1934, livro do Departamento Estadual de Estatística, que abre uma série de boas publicações, destacando-se Sergipe e seus municípios, organizado por José Carlos de Almeida. Aracaju: Contribuição à história da capital de Sergipe, de José Calasans, tese para a Cadeira de História do Brasil e de Sergipe, na Escola Normal Rui Barbosa, em 1942, com a qual são iniciados os estudos sobre a cidade fundada por Inácio Barbosa, que reuniu autores como Sebrão, sobrinho, Mário Cabral, Fernando Porto, dentre outros.


Maria Thetis Nunes tem uma bibliografia de mais de uma dezena de livros, complementada com uma grande série de artigos e de pequenos ensaios, publicados principalmente na Revista da UFS, no Caderno de Cultura do Estudante, na Momento, revista da Gazeta de Sergipe, na Revista da Academia Sergipana de Letras, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, dentre outras, produzida em 50 anos, com a qual revisita o repertório acumulado de cinco séculos de documentos, informações, dados, fontes da história. Ela fundou sua opção de cátedra com a consciência de que havia em Sergipe de 1945, um vácuo na produção intelectual de temática histórica, por conta da morte de Carvalho Lima Júnior, Clodomir Silva e Manoel dos Passos de Oliveira Teles. Não apenas estes bravos pesquisadores, mas outros mortos, como Felisbelo Freire, Ivo do Prado, Prado Sampaio, empobreceram a atividade investigativa e crítica sergipana, e faziam imensa falta.. Seu horizonte começava nas salas de aula do velho Ateneu, primeiro com Artur Fortes, o professor, o poeta, o líder, o homem amado pelas suas idéias, morto justamente em 1945, depois com José Calasans, professor e escritor múltiplo, que deu a Sergipe e a Bahia obras de notável contribuição para o esclarecimento dos fatos, na travessia daquilo que se sabia – o conhecimento anterior – para o que se passou a saber. A história, para uns arte, para outros ciência, em Maria Thetis Nunes tomou a feição dinâmica da continuidade, da seqüência das situações pelas quais passou e passa sempre a humanidade, aqui representada pela população multiétnica que desde o século XVI ocupa as terras sergipanas, entre os rios Real e São Francisco. Ao transpor as portas do Ateneu para apresentar-se como candidata a Cadeira de História, Maria Thetis Nunes refez a história. Estava ali uma mulher, nascida em Itabaiana, formada na Bahia, jovem, aos 22 anos, para expor sobre um povo estigmatizado, desconhecido em suas singularidades, a quem a humanidade e notadamente a civilização ocidental deviam uma contribuição inadiável. Em 7 capítulos, a candidata tratou do Islamismo, causas do seu aparecimento e propagação, do mundo ocidental e o aparecimento dos árabes, da literatura árabe e sua influência no mundo europeu oriental, da arte mulçumana e sua contribuição à arte ocidental, da filosofia árabe, sua contribuição à filosofia medieval, das ciências árabes. sua influência na Europa medieval, e da influência mulçumana no Brasil. Era, na verdade, o roteiro de uma viagem cultural ao mundo árabe. Os personagens que transitam na sua tese são artistas, intelectuais, poetas, filósofos, médicos, cientistas, políticos ilustres, que guardam fidelidade a uma visão do mundo. Os árabes, sua contribuição à civilização ocidental libertou, na história refeita, todo um povo, toda uma imensa e antiga cultura, que um dia pareceu sucumbirem pela força das armas, esmagadas pela submissão e pela conversão. Na sua tese, Maria Thetis Nunes se valeu dos fundamentos teóricos mais aceitos para recompor, na sua integralidade, a existência de um povo plural, despojado dos preconceitos e estigmas que a luta religiosa, num dia obscuro, promoveu. Maria Thetis Nunes talvez guardasse na lembrança dos tempos de menina, nas fraldas da grande serra, a representação do auto popular, do ciclo natalino, a Chegança. Nele, a nau da cristandade aborda o quartel da mourama, troca embaixadas, canta e dança, até dominar os mouros, obrigando-os a se postarem de joelhos, convertendo-os, obrigando-os a aceitarem a fé católica. A historiadora que nascia naquele Concurso do Ateneu não possuía, de nenhum modo, razões para repetir a velha hegemonia, ainda hoje em prática, como elemento de projeção nos embates políticos. Mas, com a sua tese a imaginação cedia lugar a ação, a literatura e a história poderiam caminhar juntas, mas cada uma com sua função. A professora, atravessando o corredor dos interesses, dividindo sua própria vitória com o contendor, o eminente Manoel Ribeiro, fez do magistério da Geografia e da História uma experiência original de vida. Trabalhou, dando aulas e dirigindo o próprio Ateneu, estudou e no ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros aprofundou seus conhecimentos, protegendo-os com a pátina da Nação e do nacionalismo e o compromisso do desenvolvimento, opções que marcariam a sua conduta, tanto no exterior, Adida Cultural na Argentina, dirigindo um Centro Cultural na cidade de Rosário, como no retorno para casa, para o velho Ateneu, na incorporação ao ensino superior na Faculdade Católica de Filosofia e da Universidade Federal de Sergipe, onde produziu, praticamente, sua obra de historiadora.


Tomando A Educação como espelho da história, os Intelectuais como representação simbólica da cultura sergipana engajada, e Sergipe como foco geopolítico, Maria Thetis Nunes debruçou-se sobre as fontes documentais, os jornais, os livros, os manuscritos, as fotografias, as biografias, toda aquela bibliografia anterior, e mais o que estava por ser descoberto, encontrado, lido e interpretado, e foi entregando à disposição dos leitores, obras que tomo a liberdade de agrupálas assim: Refazendo a História – Os Árabes, sua contribuição à civilização ocidental, 1945, 2ª edição em 2002. A Educação como espelho da história – Ensino Secundário e sociedade brasileira, 1962, reeditado em 1999; A Política educacional de Pombal e sua repercussão no Brasil, 1983; História da Educação em Sergipe, 1984; A Educação na Colonia: os Jesuítas, 1997. Os intelectuais como representação simbólica da cultura sergipana engajada – Silvio Romero e Manoel Bonfim. Pioneiros de uma ideologia, 1976, em parte refazendo o artigo Manoel Bonfim: pioneiro de uma ideologia nacional, publicado no mesmo ano na Revista Momento; Manoel Luiz Azevedo d’ Araújo, educador da Ilustração, 1984; Carvalho Lima Júnior, 1986; Felisbelo Freire, o historiador, 1987; João Ribeiro o intelectual de múltiplos facetamentos, 1988; Tobias Barreto e a renovação do pensamento brasileiro, 1989; A contribuição de Felisbelo Freire a historiografia brasileira, 1996; O sergipano Gilberto Amado, 1997; Alberto Carvalho é, primordialmente, um artista, 1998, além de outros. Sergipe como foco geopolítico – Sergipe no Processo de Independência do Brasil, 1973; Ocupação territorial da Vila de Itabaiana: a disputa entre lavradores e criadores, 1976; O Ciclo do Gado em Sergipe, 1978; História de Sergipe a partir de 1820, 1978, escrito a partir do texto de aula na Universidade de Brasília, sobre a participação sergipana no processo da Independência do Brasil, estuda o período de validade da Carta Régia de 8 de julho, os conflitos dos anos seguintes; Qual o significado do 24 de outubro?, 1978; Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo histórico ultramarino, 1981; As culturas de subsistências em Sergipe; a farinha de mandioca, 1987; Fundamentos econômicos da Literatura Sergipana, 1989; Insurreição de Santo Amaro das Brotas, 1992; O Poder Legislativo e a sociedade sergipana, 1994; A contribuição da Imprensa à História da Província de Sergipe, 1994; As Câmaras Municipais, sua atuação na Capitania de Sergipe D’El Rey, 1995; Sergipe Colonial I, 1996, continuação da História de Sergipe a partir de 1920, tratando dos fatos e personagens das primeiras décadas da Emancipação da Província, a formação e a cisão da classe dominante sergipana. A publicação contém um Anexo de documentos, dos quais podem ser destacados a Relação abreviada da Cidade de Sergipe D’El Rey, povoações, vilas, Freguesias e suas denominações pertencentes à mesma Cidade e sua Comarca, de José Teixeira da Mata Bacelar, de 1817, e a Notícia Topográfica da Província de Sergipe, redigida no ano de 1826, pelo padre Inácio Antonio Dormundo; A Totalidade na História, um dos raros textos especificamente teórico, na linha de George Lucáks, 1997; O bicentenário do baiano Antonio Pereira Rebouças, sua passagem pela Província de Sergipe, 1998; A importância dos Arquivos Judiciários para a preservação da memória nacional, 1998; Aspectos históricos da cidade de São Cristovão, 1999; Sergipe Colonial II, 1999, apesar da divergência do título é uma continuação sistemática, dos estudos da História de Sergipe, focando mais amplamente o recorte do seu interesse, produzindo um quadro ampliado em todas as direções; Catálogo de Documentos avulsos da Capitania de Sergipe (com Lourival Santana), 1999; Catálogo de documentos avulsos da Capitania de Sergipe (com o professor Lourival Santana), resultado do Inventário feito em 1981, que serviu de guia para o Projeto Resgate. . Por qualquer um dos textos, por qualquer dos eixos temáticos, a obra de Maria Thetis Nunes arredonda a visão da história de Sergipe e parecerá isenta das conotações presentes em outros autores, como Antonio José da Silva Travassos, Felisbelo Freire, Clodomir Silva, que alternaram as


suas atividades intelectuais com a militância política. Em Maria Thetis Nunes a história de Sergipe ganha uma intérprete que faz da análise crítica o suporte validador do método. Nas suas páginas Sergipe, a terra, a economia, a vida social da capital e das demais cidades, as atividades lúdicas e intelectuais, os vultos da cultura compõem um quadro dialético, em pleno movimento. Não sem razão que ela se vale de Plekhanov para repetir que “A organização social encontra-se em equilíbrio instável, onde as forças produtivas sociais estão em crescimento. Labriola assinala com razão que exatamente esta instabilidade, bem como os movimentos sociais e as lutas de classe sociais por ela engendrados, preservam os homens da paralização intelctual.” A síntese de sua contribuição como historiadora pode ser avaliada na Súmula da História de Sergipe, de 1999, que vale que seja reproduzida, neste dia de homenagens. É um enunciado de Ementas, numeradas: 1. Criação da Capitania da Bahia de Todos os Santos por D. João III, a qual se estendia de Itapoã ao rio São Francisco, em que se encontrava incluído o território de Sergipe. 2. Fracasso da tentativa de colonização da Capitania da Bahia de Todos os Santos com a morte do seu donatário Francisco Pereira Coutinho. O território sergipano permaneceu à margem da colonização portuguesa. ocasionando a chegada dos piratas franceses, atraídos pela abundância do pau-brasil em seu litoral. Contaram eles com a colaboração dos Tupinambás, indígenas da região. 3. Em 1575, Luiz de Brito, Governador geral da região norte do Brasil vai tentar a colonização do território entre os rios Real e São Francisco. Inicialmente, a tarefa confiada aos Jesuítas Gaspar Lourenço e João Salonio foi bem sucedida, sendo lançado os fundamentos da colonização nas três aldeias indígenas após serem vencidos os caciques Serigi, Surubi e Aperipê. 4. Nenhuma tentativa de colonização foi feita após essa, voltando os franceses à terra sergipana. O desenvolvimento da colônia passou a exigir a comunicação, por terra, entre Bahia e Pernambuco, sendo imprescindível a colonização de Sergipe. Coube a Cristovão de Barros, em 1590, já na época do domínio espanhol, o início da definitiva colonização de Sergipe, ao vencer Beapeba, chefe indígena e fundar a cidade de São Cristovão. 5. Foram distribuídas sesmarias e a colonização sergipana se processou no sentido sul-norte, escudada na criação de gado. “Antes de ser lavrador, o sergipano foi pastor.” Só no início do século XVII surgiram os primeiros engenhos, sendo importante os vales dos rios Real, Vaza-Barrís, Sergipe, Cotinguiba e São Francisco. 6. Contribui para a exploração do interior sergipano, a lenda das Minas de Prata da Serra de Itabaiana, à qual está ligado o nome de Belchior Dias Moréia (1619). 7. A invasão holandesa interrompeu o progresso sergipano. Os rebanhos foram dizimados, São Cristovão incendiada, os habitantes dispersos. 8. Após a expulsão dos holandeses, na segunda metade do século XVII, se


vai recompondo a vida sergipana com o retorno da expansão da pecuária, o desenvolvimento das culturas de subsistência e a fixação das missões de Carmelitas, Franciscanos e Jesuítas. 9. Em 1696, Sergipe adquire autonomia judiciária com a criação da Ouvidoria de Sergipe, sendo, em seguida, criadas as primeiras vilas. 10. No século XVIII, cresceu o número de engenhos, e nos fins do século começou, pelo agreste, a expansão do algodão. Foi muito tumultuada a vida de Sergipe; problemas de limites com a Bahia, luta entre Ouvidores e Capitães – Mores, prepotência dos senhores de terra. 11. Datado de 1808, há um documento importante da realidade sergipana do começo do século XIX: Memória sobre a Capitania de Serzipe, do bispo Dom Marcos Antonio de Souza, que fora vigário da Freguesia de Pé do Banco (Siriri). Alcançava, na época, a população de Sergipe 72.236 habitantes, sendo 20.300 brancos, 19.954 pretos, 1.440 índios e 30.452 de raças combinadas (mestiços). Existiam 7 vilas: Santa Luzia, Tomar (Geru), Santo Amaro das Brotas, Propriá, Lagarto, Itabaiana. Sobressaiam-se as povoações de Laranjeiras e Estancia. 12. Em 8 de julho de 1820, a Carta Régia de D. João VI elevava Sergipe à categoria de Capitania independente da Bahia, nomeando, nesse mesmo mês, presidente o brigadeiro Carlos César Burlamaque. 13. Burlamaque tomou posse no começo de 1821, só governando um mês, sendo deposto por tropas vindas da Bahia, às quais se aliaram muitos senhores de terra de Sergipe. Seguiu-se um período de lutas em que se confundem a luta pela emancipação política sergipana e a luta pela independência do Brasil. 14. Em 5 de dezembro de 1822, D. Pedro I foi aclamado Imperador, festivamente, pelos sergipanos, sendo nomeado, em novembro do ano seguinte, o primeiro presidente, o brigadeiro Manoel Fernandes da Silveira, que enfrentou sérios problemas com a classe dominante da Província. 15. A Abdicação de D. Pedro I, em abril de 1831, foi festivamente recebida em São Cristovão, reflexo do forte sentimento antilusitano desenvolvido durante as lutas da independência. 16. O Ato Adicional (1834) trouxe à Província de Sergipe maior autonomia administrativa com a instalação da Assembléia Legislativa Provincial. Os presidentes eram nomeados pelo Imperador. 17. Em 1836, Sergipe viveu dias de agitação com a Revolução de Santo Amaro, que se estendeu por outras vilas. Nelas se definiriam os partidos, Liberal e Conservador, que dominariam a vida política sergipana durante o Império. 18. Em 1832 se afirmava a imprensa em Sergipe, com a circulação do primeiro jornal, o Recopilador Sergipano, em Estancia, fundado pelo Monsenhor Antonio Fernandes da Silveira (1832-1834).


19. Os presidentes se sucediam, pouco permanecendo à frente da administração, enfrentando o poder da classe dominante dos senhores de terra, que controlavam a Assembléia Legislativa, as Câmaras Municipais e mantinham a Guarda Nacional, criada por Feijó em 1832. 20. A indústria açucareira era suporte econômico de Sergipe. Dependendo do comércio externo, as oscilações do preço do açúcar repercutiam na vida da Província. Na década de 1860, o algodão tomou impulso, alastrando-se o impulso pelo agreste, fazendo surgir prósperos núcleos urbanos. Em 1884, com o funcionamento da Fábrica Sergipe Industrial, começou a indústria textil em Sergipe. 21. Em 1855, Inácio Joaquim Barbosa (1853-1855) transferiu a capital da velha cidade de São Cristovão para o povoado de Santo Antonio do Aracaju, dentro da geopolítica da època, em que o eixo político deveria coincidir com o eixo econômico. 22. As idéias abolicionistas ecoaram, em Sergipe, destacando-se a Cabana do Pai Tomás, sociedade emancipadora que funcionou em Aracaju, e os jornais O Libertador e o Descrido, fundados por Francisco José Alves. Entre os amancipacionistas destacou-se a poetisa e professora Etelvina Amália de Siqueira. 23. Só em 1888, foi fundado em Sergipe o Partido Republicano, na cidade de Laranjeiras, destcacando-se entre os propagadores das idéias republicanas, Felisbelo Freire, Carvalho Lima Júnior, Baltazar de Goes, Josino Menezes, Manoel Curvelo de Mendonça e os jovens oficiais de Exército e da Marinha, José de Siqueira Menezes e Amintas José Jorge. 24. A Proclamação da República foi recebida festivamente em Sergipe, assumindo o Governo, provisoriamente, uma Junta Governativa, que o passou no mês seguintes ao presidente nomeado por Deodoro, o historiador Felisbelo Freire. 25. O advento da República não alterou a estrutura socio-política de Sergipe. Os monarquistas aderiram ao novo regime alijando do Poder os setores médios que se haviam batido pelo seu triunfo. Em decorrência da promulgação, em maio de 1892, da primeira Constituição sergipana, foi eleito o primeiro presidente constitucional, o capitão de exército José Calasans. Este não concluiu o mandato, deposto por um movimento revolucionário liderado pelo coronel Manoel Prisciliano de Oliveira Valadão, fato que fez surgir os partidos conhecidos com nomes pejorativos de Pebas e Cabaús. 26. Voltaram ao comando político do Estado as oligarquias com os mesmos métodos políticos de outrora. Em 1906, a revolta liderada por Fausto Cardoso, tumultuou o Governo de Guilherme de Campos, terminando com a morte do poeta e tribuno popular. No fim do ano, era assassinado no Rio de Janeiro, o Monsenhor Olímpio Campos, mentor da política sergipana, por um filho e sobrinho de Fausto Cardoso, que lhe atribuíam sua morte em praça pública em agosto.


27. Sucederam a Guilherme de Campos os presidentes Rodrigues Dória, Siqueira Menezes, Olivera Valadão, Pereira Lobo, Graccho Cardoso e Manoel Dantas. 28. O Governo de Graccho Cardoso (1922-1926) foi marcado pelas manifestações do tenentismo, explodidas nos levantes de 1924 e 1926, lideradas pelo tenente Augusto Maynard Gomes. 29. Poucos dias antes de terminar o quatriênio, em outubro de 1930, Manoel Dantas foi forçado a abandonar o Governo com a chegada, em território sergipano, das tropas vitoriosas comandadas por Juarez Távora. 30. Após breves governos provisórios, em dezembro do mesmo ano de 1930, como Interventor nomeado por Getúlio Vargas, assumia o Governo de Sergipe Augusto Maynard Gomes. 31. A Assembléia Constituinte Legislativa instalada em maio de 1935, em decorrência das eleições do ano anterior, elegeu como Governador o Dr. Eronídes de Carvalho, sendo Maynard derrotado. A partir de 1937 e da instalação do Estado Novo, Eronídes de Carvalho, que o havia apoiado, tornou-se Interventor até 1941, quando foi substituído pelo Capitão Milton Azevedo. 32. Em 1942, Maynard voltou ao Governo de Sergipe, nele permanecendo até 29 de novembro de 1945, quando Getúlio foi deposto. Seu Governo coincidiu com a entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial, ocorrendo nas costas de Sergipe o torpedeamento de nossos navios mercantes, fato que provocou agitação em Aracaju. 33. Após os Governos de Hunald Cardoso, como presidente do Tribunal de Justiça, e do Interventor Antonio Freitas Brandão, a eleição processada levou a assumir o Governo do Estado, em março de 1947, o Dr. José Rollemberg Leite (1947-1951). Os quatriênios seguintes foram ocupados por Arnaldo Rollemberg Garcez, Leandro Maciel, Luiz Garcia e Seixas Dória, deposto pela Revolução de 1964.

Vamireh Chacon no seu Luz do Norte põe o nome de Maria Thetis Nunes entre aqueles que ele considera descendentes da Escola do Recife, movimento culturalista liderado por Tobias Barreto. Sem negar outros enquadramentos, ela própria, aqui e ali, tem se definido como humanista. Certamente que não no sentido de recentrar a cultura moderna na cultura antiga, como queria Petrarca e outros vultos do Renascimento, mas no sentido da ação especificamente humana do saber, exigindo do homem que tome consciência disso, como os filósofos conceberam o humanismo, acima de todas as ambigüidades. Citando Thomas Mann, Maria Thetis Nunes considera o humanismo uma “disposição intelectual, um estado de espírito, que implica justiça, tolerância, serenidade.” No seu Discurso de Posse na Cadeira 39 da Academia Sergipana de Letras, em 6 de abril de 1983, a professora faz sua profissão de fé:


“Creio na marcha da História, no Devenir, no advento de um mundo mais justo e mais humano. Apesar de ter vivido parte da minha vida sob dois regimes ditatoriais, cultuo a liberdade. “Também estou com os que lutam defendendo a cultura ancestral, dilacerada em nome da civilização cristã ocidental, como fazem os povos da África negra ou da Ásia tropical. “E nesse desfilar constante de gerações em que, como professora, estou envolvida, encontro o rejuvenescimento espiritual que domina as marcas físicas deixadas pelos anos. Renovação que advém do esforço de entender os jovens, suas inquietações, seus problemas ante o mundo que somos responsáveis por lhes oferecer. Renovação, também, que brota da angústia de encontrar respostas para explicar-lhes a realidade vigente, permitindo o reencontro da esperança perdida dos que se tornaram céticos em face de tanta mistificação com que, por tanto tempo, se vem tentando justificar os erros e os fracassos da nossa civilização. “Assim tem sido minha atitude diante da vida. Assim tenho caminhado, impulsionada pela luta e pela esperança.” Aqui estamos, pois, perante a história, diante da mestra e da sua obra, para reverenciar sua participação intelectual. Uma mestra em tempo integral e dedicação exclusiva, a traçar com seus textos os cenários da história de Sergipe.


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