PROVA FINAL PARA LICENCIATURA EM ARQUITECTURA
[Daedalus] Errâncias Pela Prática Lúdica Contemporânea
FAUP 2003/2004
BERNARDO AMARAL
Docente acompanhante: Camilo Rebelo Estágio realizado no período de Janeiro a Julho de 2003, sob a responsabilidade do Arqtº Vincent Parreira, Paris
ABSTRACT La fomule pour reverser le monde, nous ne llávons pas cherchée dans les livres, mais en errant Guy Debord
Sob o título Errâ Err ncias pela pr prática lúdica dica contempor contemporânea, apresento o resultado de um campo de investigação de natureza teórico - prática, aberto sob o nome de [ DAEDALUS ]. Num processo ambivalente e dialogante entre a linha e a palavra, [ DAEDALUS ] cose e disseca, destrói e estrutura, responde e questiona, numa plataforma operativa onde a palavra se faz e espaço e do espaço se redefine uma nova palavra. É um método experimental onde ao desenhar questões, se encontram espaços e desses espaços nascem respostas, mas dessas respostas nascem outras questões, outros espaços.... Qual fio de Adriana, que vai aparecendo e desaparecendo, pontualmente apontando pistas e direcções possíveis neste passeio errante, pretendo discorrer sobre a natureza e carácter dos seus espaços e habitantes, quer na dimensão estética como na dimensão simbólica. Explorando selvas e florestas de cores, reflexos e néons, embrenhando-me nesses mundos onde a vida social hoje toma lugar, deparei-me com uma arquitectura praticamente ausente, maquilhada de brilhos e pó de arroz, onde navegam estranhos seres de semblante absorto e aparentemente alienado. Pergunto-me de que forma é que a sociedade evoluiu para substituir um entretenimento jogado nas ruas, campos e feiras por contentores videovigiados, que pouco mais oferecem do que um intenso espectáculo letárgico. Na busca de uma resposta, procurei desconstruir e dissecar este tipo de espacialidade e de entretenimento, analisando em simultâneo o posicionamento da disciplina arquitectónica perante uma prática lúdica cada vez mais popular. Depois de estabelecido um território crítico e de identificados os principais mecanismos de construção deste tipo de espaços, parti na exploração de outros labirintos, territórios que me eram mais familiares e perante os quais reconhecia algumas afinidades afectivas. Percorri, então, os meandros dos jardins maneiristas, das paisagens oníricas surrealistas e das utopias situacionistas à procura de instrumentos que me permitissem configurar uma geografia lúdica que valorize outras experiências que não o espectáculo e a letargia. Encontrei no jogo e na sua expressão espacial paradigmática, o labirinto, os elementos fundadores de um discurso espacial que estimulam no sujeito a interacção, a participação e uma certa carga de erotismo. Foi seduzindo e deixando-me seduzir que fui reunindo e encorporando materiais de conhecimento para a construção não de uma utopia, nem de uma heterotopia, mas de um topos, um lugar, ponto de partida e de chegada para errâncias futuras.
INDICE Introdução
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Momento 01 Cartografia (d)Enunciativa 1.1 Da Estética da Máquina à Máquina da Estética 1 .A vertigem da metr metrópole: Shock e fantasmagoria – a estética da máquina 2. Um banquete de espect espectáculos ou o bombardeamento de signos 3. Imersão na hiper-realidade 4. Metamorfoses da imagem 5. Indigest Indigestão ou Esquizofrenia 6. M Máquina de Estética - Efeitos Espaciais
12 16 19 20 22 26
1.2 A Evasão Ao Espectáculo 1. Síntese: ííntese: Mediação, produção e hibridização do Real 2. Mundos Possíveis ííveis 3. Mundos de Substituição 4. Mundos Híbridos ííbridos ou Aumentados
31 32 33 34
Momento 02 Cartografia Especulativa 2.1. Homo Ludens 1. Definição, o, caracter caracterííísticas sticas e valor simbólico do jogo 39 2. Taxinomia 41 3. Novos territórios do jogo 45 4. O princípio íípio lúdico e sua interpretação na composição o art artííística stica e arquitectónica 49 2.2. Espaço De Jogo: O Labirinto 1. Origem, história e simbologia do labirinto A civilização minóica e o labirinto cretense Simbologia e significação
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2. Morfologia e Tipologia O labirinto cretense ou unicursivo O labirinto multicursivo centrado ou arborescente O labirinto multicursivo policêntrico, reticular ou rizomático
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3. O corpo e o labirinto Relações Categorização fenomenológica Evasão do labirinto: regra e transgressão
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6. O labirinto e jogo Afinidades O jogo como labirinto
67
7. Sensibilidade e ordem labir labiríííntica ntica na composição espacial
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Variações es da ordem labir labirííntica íntica 1. Repetição e diferença – rede e momentos 2. Aglomeração, colagem e superposição 3. Indiferenciação entre interior e exterior 4. Mutabilidade e transfiguração Considerações Finais
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Dicionário de sinónimos
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Bibliografia e referências
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ANEXO : RELATÓRIO DAEDALUS 3.1. Conceitos do Jogo 1. Introdução 2. Caracteres do espaço lúdico contemporâneo O Voyeur O Aventureiro O Cibernauta 3.2. Espaços do Jogo 1. Matriz 2. Pontes Espaciais 3. Cabinas 4. Ilhas Idílicas 3.3. Papéis e regras do Jogo 1. O Perfomer 2. O Transformador 3. O Público 3.4. Daedalus Berlim 1. O Palast der Republick 2. Intervenção 3.5. Desenhos
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INTRODUÇÃO
Através do desenvolvimento deste trabalho, pretendi agarrar uma série de elementos que nadavam dispersos pelo meu Imaginário. Elementos que fui colhendo ao longo do meu tempo de estudante, de origens e configurações diversas, mas que intuitivamente foram lentamente formando um corpo intenso, mas todavia amorfo. A Prova Final de Licenciatura em Arquitectura, surgiu então como uma oportunidade de mergulhar nesse mundo de afinidades afectivas e trazer à tona essas figuras, para finalmente poder trabalhá-las e moldá-las num corpo visível. Através desse corpo que agora fixo e apresento, pretendo assim identificar o meu próprio eu, a forma como me posiciono perante a o mundo, á luz da linguagem espacial e arquitectónica. O Projecto Daedalus, lançado no quadro de um seminário de projecto na TU Berlim, surgiu assim como um cenário ideal para poder brincar e experimentar com temas que até então permaneciam encerrados numa caixa de Pandora. Tendo como desafio propor um programa lúdico para um espaço de Berlim, encontrei então a oportunidade para explorar um tema que desde sempre me fascinou, o labirinto e a exploração espacial. Deixei-me então embriagar por imagens de jardins maneiristas, pelas paisagens oníricas dos surrealistas e pelas babilónias situacionistas. Viver em Berlim, permitiu-me respirar um ambiente artístico e experimental, descobrindo igualmente o mundo fascinante da arte digital e Realidade Aumentada. Foi por entre todos estes fluxos de intensidades que nasceu e cresceu o projecto Daedalus, um espaço-jogo, labiríntico, que pretende fundir diferentes experiências lúdicas do Real. Um videojogo num espaço físico, com jogadores locais e jogadores em rede. Simultaneamente, para além de fundir o espaço real com o espaço virtual, o edifício onde o jogo toma lugar é também um imenso espectáculo para quem o observa. Ao desenvolver este projecto, abri todo um novo campo de investigação projectual e teórico, procurando levar mais além as implicações do jogo e do labirinto na prática disciplinar arquitectónica. Apercebi-me que a arquitectura poderia integrar um pensamento lúdico e labiríntico, à semelhança dos projectos realizados pela arte e arquitectura maneiristas. Foi na tentativa de encontrar esse tipo de sensibilidade projectual, que decidi reactivar uma série de temas que permaneciam suspensos no projecto Daedalus, fazendo deles objecto de trabalho da Prova Final. Paralelamente ao desenvolvimento do trabalho e à medida que este foi crescendo, fui redefinindo alguns aspectos do desenho de Daedalus. No entanto, dado a forma como a prova foi avançando e sentindo a necessidade de fixar verbalmente uma série de inquietações, optei por concretizar o corpo teórico, deixando em suspenso a prática projectual para um posterior desenvolvimento mais aprofundado. Foi, no entanto, sempre à procura de instrumentos de operatividade projectual que o trabalho foi desenvolvido.
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Concentrando-me sobre estruturas lúdicas e labirínticas, a própria estrutura narrativa destas errâ err ncias, reflecte um sistema aberto e multisignificante, conjugando três camadas de leitura. Temos então o corpo de texto como narrativa principal, junto da qual correm paralelamente um corpo de imagens, alegóricas ou ilustrativas e um corpo textual secundário de notas e comentários. Respeitando a organização geral do ensaio, assumindo a dispersão de temas que este engloba, considerei dois momentos fundamentais, aos quais denominei cartografias. Através do meu percurso errático, num primeiro momento tento cartografar denúncias e enunciados, isto é, elementos de análise que contribuíram para a construção de um corpo crítico. Este consta essencialmente da relação do homem com o lazer ao longo do século XX, e o tipo de espaços em que este toma lugar. Procurei também cartografar, a forma como este tipo de espacialidade é configurada e a sua influência no discurso arquitectónico. O segundo momento, ao qual apelido de cartografia especulativa, tem uma estrutura mais livre e pessoal, pois trata da procura de definir um corpo especulativo, orientador de uma possível estratégia projectual, considerando como referência o projecto Daedalus. Será então neste momento que me debruçarei sobre os segredos por detrás do jogo e do labirinto, visando a sua aplicabilidade na composição artística e arquitectónica.
MOMENTO 01 > CARTOGRAFIA (D)ENUNCIATIVA
>fig.4 Still do filme O Homem da Máquina de Filmar de Dziga Vertov
1.1. DA ESTÉTICA DA MÁQUINA À MÁQUINA DA ESTÉTICA
Couriers “They were offred the choice between becoming kings or courirers of the kings. the way children would, they all wanted to be couriers.Therefore there are only couriers who hurry about the world, shouting to each other - since there are no kings messages have become meaningless. They would like to put an end to this miserable service of theirs but they dare not because of their oaths of service� Franz Kafka
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1.A vertigem da metr metrópole: Shock e fantasmagoria – a estética da máquina 1
Baudelaire, Charles, “O pintor da vida moderna”, Vega 2004, pág. 21
>fig.2 Still do filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin 2
superior no sentido progressista. A noção de progresso carrega em si a realização de uma superação contínua de um meio material. A superação da sociedade tecnológica face às adversidades da natureza e a superação do indivíduo face ao seu status social ou económico .
>fig.3 Unidade de produção fabril no início do século, em Inglaterra
3
O individualismo e o conforto pessoal, surgem como elementos de compensação do isolamento provocado pela consciência de se ser e de se estar dependente de um todo, de uma multidão; um mecanismo automatizado do qual dificilmente se pode escapar. 4 Benjamin, Walter Sobre algunos temas en Baudelaire, op.cit., cap.VII, p.20
“A modernidade é o transitório, o fugitivo e o contigente; a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imut imutável.”1 Charles Baudelaire Através da Revolução Industrial assistimos á entrada de um novo estádio da modernidade, instrumentalizando tecnologias de produção massiva e standartizada em prol de uma visão positivista da construção de uma civilização superior2. A tentativa de dominar e domesticar a natureza recorrendo exclusivamente à técnica e à razão encontrará nesta época os seus feitos mais brilhantes. Possuídos pelo espírito progressista, multidões de camponeses deixam as suas terras, rumando às grandes cidades à procura de uma participação laboral na indústria emergente. Esta garantia-lhes no mínimo a entrada de uma nova ordem sócio-laboral, delegando a responsabilidade individual sobre a produção, para se integrarem enquanto peças de uma grande máquina produtiva. Esta especialização das tarefas ou a mecanização da experiência laboral, assegura-lhes um salário fixo, libertando-se assim da instabilidade da vida agrícola por conta própria ou do servilismo e exploração a que estavam sujeitos enquanto trabalhadores agrícolas por conta de outrém. Todo este processo, motorizado pelo desejo de melhorar continuamente a qualidade de vida pessoal ou familiar, provocará um crescimento desproporcionado dos principais meios urbanos e a instalação uma grande classe de consumidores: o proletariado e a classe média. Denominada pela seu amorfismo e indiferenciação de massas, são estas as responsáveis pela circulação contínua do fluxo de bens, pois consomem em igual ou maior medida do que o que produzem. Quase simultaneamente surge a Indústria de Entretenimento, especializada em criar formas de diversão para esse grande mercado de trabalhadores/consumidores; meios de evasão e mecanismos de compensação do mundo mecanizado que integram durante o seu horário laboral. Será através da obra de Walter Benjamin que tentaremos perceber e enunciar as principais características deste novo meio urbano, como ponto de partida para a leitura da construção de novas espacialidades orientadas para o lazer do grande público. Assiste-se, então. ao nascimento das massas como identidade e mercado, e da multid o como organismo de comportamento homogeneizado, mecanizado. Estes multidã serão os elementos identificadores das principais alterações nas relações sociais e formas de viver no espaço das grandes cidades. Nasce, por consequência, o individualismo3, provocado pela inserção do indivíduo num meio todo ele formatado e massificado. Será esta maquiavélica relação entre o isolamento do indivíduo na multidão e o individualismo provocado pelo conforto e pelo consumo que Benjamin tenta ilustrar recorrendo à seguinte citação de Paul Valery, verificando que o conforto, enquanto mecanismo de compensação é também ele alienante.4 ” O habitante das grandes cidades remete para um estado de selvajaria, ou seja para um estado de isolamento. A sensação de estar necessariamente em relação com os outros, antes estimulada continuamente pela necessidade, é apagada gradualmente pelo subtil funcionamento do mecanismo social. A cada aperfeiçoamento deste mecanismo, determinados modos de comportamento e de sentir vvão sendo eliminados.”
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>fig.4 Still do filme O Homem da Máquina de Filmar de Dziga Vertov 5
Shockerlebniss , em Alemão no original
>fig.5 Still do filme O Homem da Máquina de Filmar de Dziga Vertov 6
Poderemos interpretar o flanêur na metrópole, como o precedente do passageiro dos não-lugares, estudado quase 150 anos mais tarde por Augé no famoso ensaio “Não-lugares: Para uma antropologia da sobremodernidade”.
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É através da leitura da obra do poeta francês Charles Baudelaire, que Benjamin irá identificar e enunciar alguns dos principais conceitos de interpretação da modernidade, nomeadamente a vertigem do indivíduo na multidão através dos olhos do flâ fl neur e a noção experiência-choque 5 provocada como reacção do aparelho cognitivo ao excesso de estímulos sensoriais. Baudelaire foi o primeiro escritor a fazer da grande cidade, matéria exclusiva de inspiração criativa. Vagueando e explorando as ruas, arcadas comerciais e becos da imensa Paris, o poeta francês vai imprimindo nos seus textos, a sensibilidade de um homem solitário imerso num mundo carregado de tensões, velocidades e desigualdades. Na personagem do flanêur ur e no seu comportamento, encontramos o prazer pelo anonimato e pela solidão do homem que se embrenha, deambulante na multidão. Através dele sentimos o seu olhar esgazeado perante uma cidade que encerra um mundo em rápida transformação física e social. O tempo do flanêur ur6 é o tempo da novidade, do instante, do efémero e transitório. O seu espaço, também ele efémero, é um espaço de passagem e contemplação, de luzes e fluxos, reflexos e brilhos, um labirinto sensitivo em permanente ebulição. É também um espaço-paisagem, de grandes e vastas superfícies, mas denso e repleto de multidão. É a sobre a noção de shock e os seus efeitos alienantes nos subterrâneos da inconsciência que Benjamin se deterá para melhor perceber os efeitos dos mecanismos de sedução da máquina capitalista nas massas consumistas. “Baudelaire colocou o shock no centro da sua tarefa art artíística” ística”7. Na sua prosa poética, Baudelaire, procura uma linguagem nervosa e veloz, que manifeste o estado de espirito do indivíduo na cidade moderna, uma poesia sem rimas, em prosa e fragmentos.8
7
Ibid., op.cit. cap. IV, p.9 Numa dedicatória escrita, aquando da publicação de Spleen de Paris, o autor confessa: “Quem de nós, não sonhou, em dias de ambição, com o milagre de uma prosa poética, sem ritmo nem rima, suficientemente dúctil e nervosa, para saber adaptar-se aos movimentos líricos da alma, ás ondulações do sonho, aos sobressaltos da consciência?... Da frequência das cidades enormes, dos crescimento das suas inumeráveis relações, nasce sobretudo este ideal obsessionante.” Ibid., op.cit. cap. IV, p.10 9 O termo Erfahrung aproximase da noção clássica de experiência, enquanto que Erlebnis remete para uma experiência potenciada sensorialmente, única e efémera, uma vivência ou que também entender, na linguagem comum por evento ou acontecimento 10 Ibid., op.cit. cap. IV, p.9 8
Benjamin irá distinguir dois termos que designam duas formas de experiência, para melhor caracterizar o que se entende por shock. Se Erfahrung remete para a experiência em bruto, sem apelo da consciência, já o termo Erlebnis, remete para uma sequência de acontecimentos cujo desenrolar é conscientemente vivido.9 “Quanto maior é a parte do shock nas experiências isoladas, mais deve a consciência manter-se alerta para a defesa no que toca aos est estííímulos; mulos; quanto maior é o êxito ê com que se desempenha, e por conseguinte quanto menos est estííímulos mulos penetram na experiência, mais este se aproxima do conceito de Erlebnis, ou experiência vivida.”10 A experiência do shock, exige um constante recurso aos estímulos multisensoriais, sendo intensamente absorvida em instantes cada vez mais curtos. Este tipo de vivência do espaço é provocada pela abundância de publicidade no espaço público e nos jornais, pela intensificação do tráfego automóvel e pela supressão espacio-temporal, mediada por tecnologias emergentes como o telefone e a fotografia. A vivência frenética de um presente perpétuo, uma vivência suspensa em instantes. A experiência da imagem shock e o contacto com as multidão da grande cidade são, para Baudelaire, definidores da espacialidade que descreve e da linguagem literária que explora. A conjugação destes dois fenómenos, a integração numa multidão maquínica com o bombardeamento de shocks na percepção do real, é metaforicamente interpretada como uma metamorfose do ser e dos comportamentos num organismo-máquina, emissor e receptor sincopado e alienado de fluxos de signos. “Movimentar-se atravéss do tr trânsito, significa para o indiv indivíííduo duo uma serie de shocks e
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colisões. Em cruzamentos perigosos, impulsos nervosos, iguais aos de uma bateria
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Ibid., op.cit. cap. VII, p.20
eléctrica, correm atravéss dele em rrápida sucessão. Baudelaire fala de um homem que se conecta à multidã multid o como que num reservatório de energia eléctrica. Circunscrevendo a experiência do shock, ele apelida este homem de “caleidoscópio sem consciência”.11
>fig.6 Still do filme O Homem da Máquina de Filmar de Dziga Vertov 12
entendendo-se por estetização um processo de sobrevalorização do produto pela imagem (e consequente efeito shock) em detrimento do conteúdo ou significado.
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Cruz, Maria Teresa, posfácio a O pintor da vida moderna(1863) de Charles Baudelaire, Vega 2004, p. 72
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Em “ Paris, la capitale du XIX siecle”, Walter Bejamin, dá-nos uma visão dessa nova espacialidade moderna, desenhada para as massas; para o consumo e lazer; Benjamin descreve as arcadas comerciais, exposições internacionais e feiras populares como mostruários da civilização, do novo; da nova sociedade industrializada. Ver Benjamin, Walter Paris, la capitale du XIX siecle, B. Grandville ou les expositios universelles(1939), pp.9-10 15 Ibid., op.cit., p.9 16 Ibid., op.cit., p.10
Associado à experiência do shock está a noção da estetização da produção dos bens de consumo.12 Este aplica-se a toda a forma de produção massificada, incluindo a indústria de entretenimento e a indústria cultural. A estetização da experiência e a vivência do shock, induzem o consumidor a um estado de alienação, recorrendo aos seus impulsos mais primitivos e inconscientes, usando a ilusão e o desejo como eixos orientadores das suas acções. Benjamin interpretará como consequência da cultura do choque e do estético, a dissolução e nivelamento da experiência, a perda da reciprocidade do olhar, ou nas palavras do autor a perda da aura.13 O aparecimento de museus e feiras internacionais no advento da modernidade anunciam a aceleração da História e o acesso mediatizado e fetichizado ao exótico e longínquo. A novidade torna-se por si e em si, objecto de culto e peregrinação. Estes espaços de lazer, que surgem para a diversão da massa operária e burguesa, ilustram bem a forma como a industria do lazer se apropria dos mecanismos de alienação e mecanização da multidão para transformá-los em objecto de contemplação e entretenimento.14 Os novos “centros de peregrinação de mercadoria- fetiche”15, idealizam o valor comercial das mercadorias, criando uma moldura que coloca o seu valor utilitário em segundo plano. Estes objectos de puro desejo visual, delicadamente dispostos em montras e mostruários, impedem que o consumidor as toque, dando assim “acesso a uma fantasmagoria, onde o homem penetra para se distrair”16. Esta noção de fantasmagoria, parece-me fundamental, para perceber de que forma é que o indivíduo consumidor se irá relacionar daí em diante com o objecto e com a imagem; e principalmente a forma como toda a sua percepção da real começará a ser estruturada pelo desejo e imagem, embrenhado naturalmente num mundo de fantasmagorias e ilusões.
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ruas comerciais cobertas, denominadas por Benjamin de Passages, serão construídas e desenvolvidas profusamente em Paris entre 1822 e 1835
> fig.7 fotografia de Eugène Atget sobre vitrina parisiense do início do século XX
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Movimento Moderno
>fig.8 pormenor da Maison de Verre projectada por Pierre Charreau 19
Benjamin, Walter, A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica
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Será através desta arquitectura de ferro e vidro, de grandes vãos e superfícies, ela mesmo uma grande vitrine fantasmagórica, que o espaço social começa a ser cada vez mais interiorizado, tal é o caso das arcadas parisinas17, das grandes galerias comerciais, mercados, salões de exposição e gares de transportes. Encontramos já nos inícios do séc. XIX o prenúncio para o fenómeno arquitectónico que caracterizará a cidade séc.XX: a interiorização e privatização do espaço público (tal é o caso dos centros comerciais). É apenas no período de entre-guerras que surge uma vanguarda arquitectónica, que fundará toda uma nova gramática formal e construtiva, inspirada nas especialidades abertas e despojadas dos equipamentos industriais e comerciais. Surgem o Movimento Moderno na Europa e Estados Unidos e o Construtivismo Russo na procurando valorizar o edifício como dispositivo maquínico, higienizado e funcional, uma meta-linguagem utópica e progressista que adeque a arquitectura ao Homem do seu tempo. As palavras-chave serão máquina, assemblage, standartização, modulação e funcionalismo, rebatendo os valores da arquitectura de beauxarts como o ornamento, a História, o original e o sublime. Marcados pelo espírito progressista socializante, os arquitectos do M.M.18, desenvolveram principalmente programas residenciais e públicos, procurando redefinir as bases essenciais da nova cidade moderna. Nesse sentido, a sua relação com a indústria de lazer e sociedade de consumo da época é crítica, mas de uma certa negligência, preferindo lançar a sua visão utópica e comunitária do futuro e resolver os inúmeros problemas sociais e habitacionais da metrópole industrializada. Não se encontram, por isso muitos exemplos de contributos da arquitectura do M.M. na arquitectura de lazer paras as grandes massas. Na sua perseguição de uma sociedade ideal, comunitária, a linguagem modernista afasta-se gradualmente da cultura popular urbana, embriagada pelos artifícios do poder capitalista e inserida numa lógica populista; uma discurso adverso aos seus propósitos visionários. Será esta uma das principais razões para o seu derrubamento, a incapacidade de construir valores sociais que o povo assimilasse, preterindo a comunidade face ao indivíduo, e a imagem face ao conteúdo. O aparecimento e desenvolvimento de meios de reprodutibilidade técnica19, como o cinema ou a fotografia, irão abalar o conceito de obra de arte e a seu valor de originalidade, carregando todo um código semântico baseado no poder hipnótico da imagem. Uma imagem, sem aura, mas carregada de shock e hiper-realidade, instrumento de persuasão de excelência do poder capitalista, antecedendo o conceito de espect culo descrito por Guy Debord e pela Internacional Situacionista. espectá
>fig.9 Interior da Maison de Verre projectada por Pierre Charreau
1>fig.10 Interior da Maison Ozenfat, projectada por Le Corbusier
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2. Um banquete de espect espectáculos ou o bombardeamento de signos
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Debord, Guy A sociedade do Espectáculo(1967), Mobilis in Mobile, Lisboa, 1991
Serão os mecanismos de diversão orientados para as massas e as suas consequências alienantes no indivíduo, que Guy Debord procurará descrever em A Sociedade do Espect Espectáculo.20 A sociedade do espect espectáculo, publicado pela primeira vez em 1967, tornou-se num dos textos mais divulgados e citados no movimento estudantil de Maio de 68 e em outros círculos de contestação política de esquerda, permanecendo até aos dias de hoje uma obra de referência na interpretação crítica da contemporaneidade.
> fig.11 cartaz situacionista 21
as estrelas de cinema de Hollywood, a idolatria a cantores de rock, etc... 22 espaços de comércio, lazer e de socialização
23
mais uma vez a transição de Erfahrung para Erlebnis
> fig.12
24
25
Ibid.,op.cit., p.9
Debord considera 2 fases do capital (Ibid., p. 15) 1. definição da realização humana a uma degradação do ser em ter 2. deslizar generalizado do ter em parecer No seguimento desta classificação poderemos interpretar uma 3ª fase como a realização do parecer em ser 26 “Enquanto parte da sociedade, ele [espectáculo] é expressamente o sector que concentra todo o olhar e toda a consciência. Pelo próprio facto deste sector ser separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; e a unificação que realiza não é outra coisa senão uma linguagem oficial da separação generalizada.”, Ibid., op.cit, p.10 27 Ibid., op.cit, p.12
Por esta data, já o poder capitalista se encontra bastante mais desenvolvido, principalmente nos Estados Unidos da América, usufruindo dos despojos da 2ª Grande Guerra na Europa. Também os dispositivos de estetização e provocadores de experiência-choque ganharam uma presença quase ubíqua, através dos mass media como a televisão e o cinema, a proliferação da publicidade em todo o tipo de suportes públicos e privados e da massificação do culto ao irreal e fantasmagórico21. Surgem nos Estados Unidos, cidades-ficção como a Disneylândia e Las Vegas e as grandes superfícies fechadas multifuncionais22, os shopping-malls, que cedo invadem a Europa. Redigido algures entre o ensaio e o manifesto, neste texto Debord desconstrói os processos de produção e controle do novo proletariado; cada vez mais baseado no consumo da imagem e representação, distanciando progressivamente o indivíduo da experiência de vida23. A este instrumento de controle das massas, ubiquamente integrado no quotidiano e provocador de alienação do indivíduo, Debord chamará de espect culo. espectá “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação o de espect espectáculos. Tudo o que era directa24 mente vivido se afastou numa representação.” Poderemos entender o espectá espect culo como uma escalação do processo de estetização do real, sugerido na obra de Benjamin, e por conseguinte como a linguagem e instrumento de um 2º grau do sistema capitalista; ou seja o capital feito espectáculo.25 Mas, o espectá espect culo não se resume apenas a uma mera representação, ele torna-se num elemento unificador, nivelando a profundidade e especificidade do que representa para ser facilmente apreendido por um público alargado. Através deste processo, o espectá espect culo realiza aquilo a que se pode chamar de massificação do significado, originando o que Benjamin se referia como perda de aura do objecto. Esta unificação concentra-se na produção exclusiva da aparência, em detrimento de todos os outros valores de significação26. Para Debord, o espectá espect culo, enquanto elemento mediador do real e do social, substitui, assim, a própria ordem do real, num “mundo realmente reinvertido”, em que “o verdadeiro é um momento do falso.”27 A linguagem do espectáculo, tautológica, pois não quer chegar a outra coisa senão a si própria, é o motor de uma economia de produção e consumo de imagens-objectos; não sendo mais “ do que a economia desenvolvendo-se a si pr própria. É o reflexo
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Ibid., op.cit, p.14
> fig.13 intervenção da artista norteamericana Barbara Kruger
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síndroma de esquizofrenia caracterizada pelo estado de inércia motriz e psíquica que alterna com estados de excitação 30 “A alienação do espectador em proveito do objecto contemplado (que é o resultado da sua própria actividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espectáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já nãos são seus, mas de outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em nenhum lado, porque o espectáculo está em toda a parte.”, Ibid., op.cit, p.21 31 The Smithsons, Van Eyck, Bakema, Giancarlo de Carlo, Candilis, Jossic , Woods
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fiel da produção das coisas, e a objectivação infiel dos produtores”28, realizando simultaneamente o seu sustento e justificação. Poderemos dizer então, que o sistema económico actual se estrutura e sustem através produção e projecção de um real social e cultural (ou vários), que se constrói cada vez mais à velocidade da imagem (do fotograma ou do neurotransmissor) e cada vez menos à velocidade do homem (do passo ou do batimento cardíaco). Semelhante ao que Benjamin chamou de experiência vivida do shock, a linguagem do espect espectáculo, bombardeando sincopadamnete signos e imagens, produz no indivíduo um estado próximo da hipnose ou da catatonia29, resultado de um excesso de informação processado pelo aparelho preceptivo.30 Explorado pelo sistema económico capitalista, a mediação da experiência do real através da imagem, torna-se num bem de consumo sedutor e viciante, agarrando o espectador dentro de um mecanismo de compensação através da realização virtual de experiências não concretizadas, mas imaginadas. A espectacularizão da experiência e de todos os domínios da produção capitalista, começa por se instalar nos inícios dos anos 50, disseminado-se massivamente numa escalação progressiva até aos dias de hoje. E é logo no início dos anos 50, que o discurso do M.M. se esgota, impotente e ofuscado pelo acumular de espect culos em seu redor. Alguns arquitectos, como aqueles que formaram o grupo pectá TeamX31 tentam quebrar a rigidez linguística do Movimento Moderno e torná-la mais flexível a uma série de valores negligenciados pela sua universalidade abstracta, recuperando o contextualismo, o vernáculo, o humanismo e o diálogo directo com as comunidades, criando mecanismos de participação e auto-construção. Aproximando-se mais da população, os renovadores do M.M., não deixarão de manter uma visão socializante e poética da realidade, mantendo-se relativamente assépticos aos contágios da cultura capitalista de massas. Como agentes críticos da sociedade de consumo, talvez a obra do artista situacionista Constant Nieuwenhuis, New Babylon e dos ingleses Archigram sejam as mais
> fig.14 desenho dos arquitectos Ingleses Archigram
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entenda-se por utopia, a projecção de um ideal social num tempo e lugar imaginário
> fig.15 maquete de New Babylon, Babylon, do artista situacionista Constant 33
entenda-se por distopia a hiperbolização de uma realidade social num tempo e lugar distorcidos 34
cibernética é a ciência que estuda os mecanismos de comunicação e de controle nas máquinas e nos seres vivos 35 Projecto de 1961 que inspirará esteticamente o projecto do Centro Georges Pompidou, construído 15 anos mais tarde 36 Antiarquitectura no sentido de que o arquitecto não projecta uma visão formal e estética num espaço, assumindo-se mais como programador de dispositivos espaciais, libertando os aspectos estéticos ao usufruto dos usuários.
>fig.16 desenho de Cedric Price do Fun Palace 37
Ver também o Potteries Thinkbelt de 1964, o Inter-Action Centre de 1971 ou o Generator Project de 1976 38 Entenda-se por Sociedade de Informação, o termo que define a sociedade actual, caracterizada pela sobrevalorização do poder da Informação face à matéria e conhecimento
39
Cf. Augé, Marc A Guerra dos Sonhos, Celta Editora, Oeiras 1998
18
paradigmáticas. Mas se New Babylon é uma fantasia utopista32, plataforma de experimentação das teorias situacionistas, em que se prospecta uma sociedade lúdica liberta da passividade do espectáculo e em permanente exercício de recriação do seu meio ambiente; já os projectos dos Archigram utilizam uma linguagem distópica33 em que a arquitectura se assume fantasiosamente enquanto objecto de consumo. Assumindo uma linha de acção e de representação próxima da Pop Art, os Archigram desenham projectos para uma sociedade de entretenimento e de consumo, jogando ironicamente com o poder da imagem e de uma arquitectura icónica. Inspirando-se na ficção científica, na obra sinergética de Buckminster Fuller e nas teorias de Rayner Banham, desenvolvem uma linguagem altamente tecnológica e megaestrutural, antecipando o estilo high-tech, que surgirá em Inglaterra a partir dos anos 70/80. Cedric Price é outra figura, que embora tenha uma obra reduzida, marcará a História da Arquitectura pela sua atitude projectual inovadora. Bebendo de tudo o que é alta tecnologia, sobretudo da cibernética34, mas assumindo uma interpretação lúdica da arquitectura, desenvolve um edifí edifício-interface ício-interface, onde são os usuários que moldam e transformam a espacialidade física e ambiental no seu interior. No Fun Palace35, desenhado a pedido da actriz inglesa Joan Litlewood, estamos no limiar da antiarquitectura36, um dispositivo espacial, como uma imensa teia de palco, em que os usuários participam como perfomers na transformação do espaço, recorrendo a luzes, projecções de imagens e a unidades espaciais móveis (através de gruas e carris) e acopláveis. A transformação do ambiente através da tecnologia e a livre participação lúdica dos habitantes nesse processo aproxima o Fun Palace, das propostas situacionistas preconizadas em New Babylon. Não tendo recolhido fundos para a sua construção, Cedric Price continuará a desenvolver uma obra baseada no conceito de uma arquitectura como interface espacial entre o Homem e o meio, tendo como instrumentos de base a interactividade, flexibilidade e indeterminação37. Infelizmente, envolvida numa certa marginalidade, só passado 50 anos é que o valor do seu trabalho começa a ser reconhecido e estudado como exemplo pioneiro de uma arquitectura adequada à Sociedade de Informação.38 Paralelamente a este discurso crítico e visionário, a população continua a intoxicarse de imagens e espectáculos, frequentando casinos, parques temáticos e centros comerciais. Este tipo de espaços tornam-se cada vez mais nos palcos de socialização da sociedade de consumo. Interiores e desligados do espaço urbano, estas bolhas de imanência39, desenvolvem uma linguagem arquitectónica e visual própria, baseada no excesso, na ficção, na alegoria e no sublime. Será o autor americano Robert Venturi, o responsável por transportar esta linguagem para o seio do discurso arquitectónico académico, originando, por sua vez a emergência de um novo estilo: o pós-modernismo. Em Learning from Las Vegas, publicado em 1977, Venturi analisa com um grupo de colaboradores e alunos, as principais características de uma cidade vocacionada e desenhada para o entretenimento, a verdadeira cidade-espectá cidade-espect culo: Las Vegas. Toda a arquitectura da cidade é suportada no símbolo, bombardeando signos luminosos para persuadir os passeantes a entrar nos sumptuosos palácios do jogo. É toda uma linguagem baseada no desejo e no inconsciente, na ilusão e simulação de se ser algo mais, ou simplesmente alguém. O ornamento é recuperado como alegoria e símbolo, as cores, sons e
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dos quais os jogos de casino são a promessa mais sedutora e ameaçadora
19
máquinas espalham-se por toda uma paisagem empilhada de simulacros. Neste Kindergarten dos adultos, onde se vendem sonhos e ilusões40 o Falso e o kitsh assumem-se como elementos estruturais desta outra realidade. Uma realidade mais sedutora que a própria realidade, uma realidade em excesso, uma hiper-realidade.
> fig.17 o strip de Las Vegas em 1977
3. Imersão na hiper-realidade
41
Eco, Umberto “Viagem na Irrealidade Quotidiana”[1983] , Difel 1986 42 Designação de Umberto Eco para o que o sociólogo francês Jean Baudrillard posteriormente estudará como Simulacro
43
Ibid., op.cit., p. 11
44
o castelo de William Randolh Hearst, retratado por Orson Welles no filme Citizen Kane 45
Veremos, mais adiante, que o Falso Absoluto, tendo nascido nos Estados Unidos da América, não caracteriza apenas aspectos da sensibilidade de um povo, mas de todo um sistema económico-cultural (tardocapitalista, seguindo a interpretação de Frederic Jameson) que acabará por se disseminar por grande parte do mundo. 46 Ibid., op.cit., p. 31 47 Ibid., op.cit., p. 40 48 Walt Disney foi o criador dos primeiros desenhos animados da História, com o famoso Rato Mickey. O sucesso da sua vasta obra, expandiu-se rapidamente a todo o tipo de suportes mediáticos, construindo um império económico mundial, baseado
O termo hiper-realidade foi inicialmente utilizado por Umberto Eco, num ensaio de 1975 “Viagens na Hiper-realidade”41, em que deambulando por diversos espaços da sociedade americana, disserta sobre aquilo a que chama o Falso Absoluto:42 “Eis a razão desta nossa viagem na hiper-realidade, à procura dos casos em que a imaginação americana quer a coisa verdadeira e para o conseguir deve realizar o falso absoluto; e onde as fronteiras entre o jogo e a ilusão se confundem, o museu de arte é contaminado pela tenda das maravilhas, e a mentira é gozada numa situação de «plenitude « », de «horror horror vacui vacui».”43 O ensaísta italiano percorre os museus, onde experimenta a História anacronicamente compactada e exposta em Ícones multisensoriais, como que souvenirs empilhados numa loja turística. Visita a arquitectura de palácios de milionários americanos44, “cenografias” pomposas onde vários estilos da história da arquitectura se embrenham numa des-composição eclética. Esta manipulação promíscua e fetichista de “emblemas” da História, revela, uma sensibilidade estética característica de um povo de ex-colonos europeus45, obcecados pela rápida formação e experiência de uma identidade própria, construída, porém, de fragmentos de outras culturas seculares: “(... )noutros lugares, pelo contr contrário, o desejo espasmódico do Quase Verdadeiro nasce apenas como reacção o nevr nevrótica ao vazio de recordações, o Falso Absoluto é filho da consciência infeliz do presente sem espessura”.46 É na busca desse “Falso Absoluto”, que Umberto Eco se passeia pelas cidades “absolutamente falsas”47, como a Disneylândia, na Califórnia e a Disneyworld na Florida; consideradas pelo autor como a “quinta-essência da ideologia consumista”. Nestes mundos fantásticos criados por Walt Disney48, Eco serve-se da considerações de
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na fundação de uma mitologia própria. O império Disney é o exemplo americano do megacorporativismo capitalista e multimediático, expandindo o seu investimento, não apenas aos fabulosos parques temáticos, mas à construção de cidades, como Celebration, onde o ideal de vida Disney é comercializado 49 Ibid., op.cit., p. 42 50 Ibid., op.cit., p. 45
>fig.18 autómato no filme Westworld 51
como diria Debord Ibid., op.cit., p. 47 53 através do microfones de sorridentes funcionários uniformizados: «por aqui se faz favor, agora suba, agora espere ali, etc..» 52
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Louis Marin, ao classificar a Disneylândia como «utopia degenerada», ou seja «uma ideologia realizada em forma de mito»49. Aqui o autor descobre-se imerso num grande teatro do fantástico, distante e claramente demarcado da realidade quotidiana. Uma cidade-brinquedo, à escala 1:1, habitada por máquinas lúdicas e autómatos mais reais que a própria realidade: “Dá-se conta que são autómatos, mas fica-se atónito com a sua veracidade. E, de facto, a técnica «audioanimatró audioanimatr nica» constituía audioanimatró íía um dos maiores motivos de orgulho de Walt Disney, que finalmente tinha conseguido realizar o seu sonho, reconstruir um mundo de fantasia mais verdadeiro do que a verdade, quebrar a parede da segunda dimensão, realizar não o filme, que é ilusão, mas o teatro total”50 Eco, apercebe-se, não só do poder persuasivo da hiper-realidade, mas fundamentalmente do seu carácter imersivo, quebrando a tela do écran, fazendo o espectador participar, por sinestesia total, no interior do próprio espectáculo. Embora multisensorial e absorvente, a experiência lúdica no mundo da Disney promove a passividade total, alienante da subjectividade51, onde “os seus visitantes devem aceitar viver aí como os seus autómatos”52, conduzidos e controlados sucessivamente sobre as fases sucessivas de cada passo a tomar.53 Ao deambular pela paisagens hiper-realistas americanas, Umberto Eco identifica uma série de características estruturadoras de uma espacialidade e experiência lúdica cada vez mais presente no tecido cultural tardocapitalista. Poderemos interpretar a espacialidade hiper-realista como um espectá espect culo ubíquo, em que é simulada a participação do espectador enquanto actor de um mundo fictício; uma trip alucinogénica numa dimensão evasiva. Estamos perante o consumo de um lazer passivo e alienado, embriagado e imerso na experiência multisensorial do “simulacro feito carne”.
>fig.19 escultura de WaltDisney e da sua criação mais popular, o Rato Mickey, á entrada da Disneyworld
4. Metamorfoses da imagem “Na Natureza nada se inventa, tudo se transforma” Lavoisier
>fig.20 escultura-simulacro do artista Duane Hanson 54
Baudrillard, Jean Simulacro e Simulações (1981), Relógio d’ Água, Lisboa, 1991 55 referindo-se à cultura tardocapitalista
56
Ibid., op. cit., p.13
Caberá ao sociólogo francês Jean Baudrillard, o estudo aprofundado deste fenómeno, principalmente através do livro, publicado, em 1981 “Simulacros e Simulação”.54 Tentando entender uma sociedade55 cada vez mais formatada pelo poder alegórico da imagem, circulando massivamente e ilimitadamente por todo o tipo de canais públicos e domésticos (televisão e Internet), o autor francês irá estabelecer uma categorização do real, através da definição de vários graus de simulacro. Para Baudrillard o real terá cada vez mais dificuldades em se produzir, numa época em que o hiper-real, o simulacro, se autonomiza do modelo, ganhando uma dinâmica e expressividade própria. Se a imagem-representação mantém um “poder dialéctico, mediação visível íível e inteligível íível do real”, em “que um signo possa remeter para a profundidade do sentido”, já a imagem-simulacro “parte da negação radical do signo como valor, parte do signo como reversão o e aniquilamento de toda a refer referência”56, ou seja iconiza-se e reclamase real. Por outras palavras, a imagem-representação é um signo que nos remete para um modelo, uma referência do real, e como tal nós absorvemo-la claramente
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a hipérbole é “uma figura de estilo que consiste no exagero da expressão, ampliando a verdadeira dimensão das coisas” in Diccionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2003 58 cada vez mais damos mais valor aquilo que vemos na televisão, no cinema , na televisão, no museu, na Internet nos livros e imprensa, considerando isso como cultura; a experiência do real tem cada vez menos valor no tecido cultural de uma sociedade; tudo é mediado, tudo é simulacro
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como representativa. A imagem-simulação, de tanto e tão bem simular, torna-se real hiperbolizando-o57, ou seja hiper-real, abandonando qualquer relação com o seu modelo de referência, ganhando um valor e significação próprios. A indiferenciação entre imagem e objecto ou entre ficção e realidade torna-se cada vez mais comum, numa sociedade insatisfeita, submissa ao consumo de sonhos e ilusões.58Os massmedia, presentes e sagrados em qualquer lar, serão os principais magos prestigiadores responsáveis pelo culto à imagem-simulacro e ao fictício. Numa tentativa de desconstruir estes mecanismos de prestidigitação, Baudrillard identifica quatro graus de imagem, no que se refere ao seu grau de intimidade com o real.
59
Ibid., op. cit. p.13. É o caso da representação fiel ao modelo, como uma fotografia ou desenho 60 Ibid., op. cit. p.13 O fachadismo ma arquitectura, quando a fachada tem uma imagem urbana, que não reproduz, mas mascara e deforma a realidade do edifício. Estou-me a lembrar de recuperações de fachadas em centros históricos mas cujo interior permanece degradado. 61 Ibid., op. cit. p.13. É o caso de reconstruções integrais de edifícios ou lugares históricos que já não existem 62 Ibid., op. cit. p.13 Verifica-se com frequência em casinos de Las Vegas, simulações da cidade de Veneza ou da Torre Eiffel em Paris. Em Portugal, podemos considerar o Portugal dos Pequeninos, em Coimbra dentro desta categoria
A primeira categoria é a imagem representativa de uma realidade profunda, ou seja “uma boa apar aparência - a representação do domínio íínio do sacramento”.59 A segunda categoria refere-se à imagem que mascara e deforma uma realidade profunda”, “uma má aparê apar ncia - do domínio íínio nio do malef malefíício ício”60. Se estas duas categorias ainda dissimulam uma realidade, estando ainda no domínio da representação, as duas próximas entram já no domínio do simulacro, pois dissimulam um real ausente: A terceira categoria é a da imagem que “mascara a ausência de realidade profunda”, ou seja “finge finge ser uma apar aparência - é do domínio íínio do sortilégio61”; enquanto o último estádio da imagem, pertence àquela que “não tem relação com qualquer realidade: ela é o seu pr próprio simulacro puro”, isto é, “já “j não é do domínio íínio nio da apar aparê ência, 62 mas da simulação” . Imagens - representação de 1º e 2º grau
Imagens - simulacro de 3º e 4º grau
>fig.22 diagrama de relações dos 4 graus de imagem definidos por Baudrillard
>fig.21 Venetian Resort Hote Hotell em Las Vegas, simulacro da arquitectura veneziana 63
entenda-se por Máquina Capitalista, o poder ubíquo e invisível (inominável) de megacorporações alocalizadas que dominam e sustêm a economia de mercado global tardocapitalista. 64 provocada pela maior fácil mobilidade de pessoas e bens, pela deslocalização, internacionalização e corporativização do poder industrial e pela facilidade de transmissão e recepção de signos pela rádio, televisão e Internet.
Para o autor, a simulação é um processo de produção do real, cada vez mais integrado no nosso quotidiano, extensamente disseminado, através dos mass media e todo o tipo de dispositivos de sedução lançados pela Má M quina Capitalista63. Se o berço do hiper-real, é o sistema económico-cultural americano, a verdade, é que através de processos de globalização,64a hiper-realidade se alastra hoje por todo o Mundo. O conceito de simulacro, definido por Baudrillard, surgirá como elemento estruturador da interpretação da produção cultural da sociedade tardocapitalista, não só em posteriores ensaios do autor, mas para todo um grupo de pensadores que se debruçarão sobre o fenómeno.
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5. Indigest Indigestão ou Esquizofrenia 65
e com menor impacto os seus renovadores como o Team X, entre outros; bem como a Internacional Situacionista
>fig.23 Hotel Luxor, Las Vegas 66
nomeadamente o do poder capitalista, em geral esteticamente conservador e tradicionalista, bem como das massas, mais facilmente seduzidas pelo imediato e pelo familiar do que pelo elemento de ruptura e provocador da arte e arq. de intervenção ou de vanguarda 67 será dificíl de legitimar este limite cronológico, devendo ser entendido como referencial; sob outras leituras a pós-modernidade estende-se até aos dias de hoje
>fig.24 Piazza d’Italia, Arqtº Charles Moore, New Orleans, 1976-79 68
Lyotard, Jean-François, A Condição Pós-moderna, (1979), Gradiva, Lisboa, 1989
69
Carrilho, Manuel Maria, A Pósmodernidade como Condição, Jornal dos Arquitectos nº208, Novembro/Dezembro 2002
Depois de o Movimento Moderno65tentar desenvolver um discurso crítico usando a arquitectura como instrumento de acção e de realização de um ideal social, grande parte da classe arquitectónica rende-se à evidência do poder capitalista. De repente vê-se despojada de discurso, de ideais e de uma meta-linguagem semântica. Desorientada, abraça por um lado a cultura popular da sociedade de consumo, cada vez mais intoxicada pelo espectáculo e pelo lazer, e por outro lado tenta recuperar desesperadamente alguns valores simbólicos clássicos da composição arquitectónica, numa possível tentativa de aproximar a linguagem simbólica da arquitectura a um imaginário colectivo mais abrangente66. Dentro deste contexto a espacialidade dos parques temáticos como a Disneylândia, dos casinos de Las Vegas ou dos centros comerciais, ou seja a hiperespacialidade, comentada por Eco e Baudrillard, servirão de modelo bastardo à arquitectura de finais anos 70 e até finais de 8067. É a partir de inícios de 80, que a produção cultural se assume cada vez mais submissa ao poder governante, perdendo toda a linguagem utópica e contestatária que a caracterizou nas décadas de 60 e 70. Entramos pois na 3ª idade do capitalismo, aquela em a ubiquidade do seu poder tudo integra, todo o tipo de produção, aceitando todo o tipo de linguagens e contradições como parte integrada do seu sistema de circulação comercial. Mesmo os críticos ou contestatários deste sistema, são transformados em símbolos comerciáveis sob a forma de slogans, bandeiras ou t-shirts. A fronteira entre realidade e ficção, entre imagem e objecto encontra-se finalmente diluída. Produtores, consumidores e bens, todos imagem, todos objecto, todos comerciáveis, todos integrados na condição pós-moderna. O termo pós-moderno foi equacionado pela primeira vez num texto do sociólogo francês Lyotard de 197968 e servirá de etiqueta nominal para a pluralidade de linguagens e estilos da produção cultural dos anos 80, bem como para descrever uma condição económica assente num poder megacorporativista, multinacional e invisível; um poder económico superior a grande parte dos estados do planeta. Lyotard não vê a pós-modernidade como um estilo, um movimento ou uma linguagem, mas sim como uma condição de um sistema de produção cultural incrédulo das grandes narrativas que caracterizavam a modernidade; o esboroar das metalinguagens num grande vazio de fragmentos assignificantes e simultaneamente multisignificantes. A condição pós-moderna é, segundo Manuel Maria Carrilho, “um crescente e global processo de deslegitimação”69, integrando todo o tipo de incertezas e manifestações intelectuais, científicas e estéticas num todo produtor de ausência de sentido. Se por um lado esta condição, própria de um período de transição, pode servir como plataforma de experimentação criativa, por outro lado toda e qualquer manifestação manter-se-á transitória e etérea, pela incontornável impossibilidade da sua legitimação, ou seja fixação. Neste sentido poderemos interpretar as manifestações culturais pós-modernas como multisignificantes, hiper-reais e hiperficcionais, apresentando estruturas semânticas labirínticas, ahierárquicas e fugitivas. Na arquitectura, a condição pós-moderna conhece um profícuo, quase promíscuo, campo de experimentação, mas tornando igualmente impossível a sua legitimação. Verificam-
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>fig.24 Michael Graves
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se, no entanto, alguns traços caracterizadores da espacialidade pós-modernista, especialmente através da sua intimidade com a indústria de entretenimento e enquanto representação do poder capitalista. Será através da leitura do ensaio do americano Frederic Jameson “Pós-modernismo, ou a lógica cultural do capitalismo tardio”, escrito em 1986, que tentaremos entender as relações do espaço pós-modernista num contexto económico-cultural.70
70
Jameson, Frederic The cultural logic of late capitalism (1986), in Rethinking Architecture, Routledge, Londres, 1997, pp. 238-247 71
exclusiva de um discurso académico e intelectual 72 Este fenómeno de quebra ou talvez de fusão, entre uma cultura de elite e a cultura de massas anuncia o surgir de um novo tipo de sociedade, geralmente apelidada de “sociedade pós-industrial”, mas também de sociedade de consumo, sociedade dos media, informacional, electrónica, high-tech, entre outras. Todas estas teorias sociológicas que tentam interpretar esta nova configuração social, convergem na demonstração de esta já não responder às leis do capitalismo clássico, nomeadamente na primazia da produção industrial e na omnipresença da luta de classes. Jameson adopta a tese do economista Ernest Mandel, segundo a qual esta nova formação social corresponde a um 3º terceiro estádio na evolução do capital, demonstrando ser este o momento de mais pura expressão, se comparado aos que os precederam. Ibid., p.239 73 Ibid., p.239 74 Ibid., p.240 Numa época em que o poder privado domina financeiramente a máquina de estado, grande parte do espaço público e social produzido hoje em dia, está submetido às leis do poder capitalista. Assistimos já à privatização do espaço público, como é o caso da Praça Sony em Lisboa ou de Potsdamer Platz em Berlim. 75 O autor foca neste ponto um aspecto que lhe parece evidente; nomeadamente que toda esta cultura pós-moderna e global, de origem americana, é a expressão interna e superestrutural de uma nova vaga de domínio militar e económico dos Estados Unidos pelo mundo: neste sentido, o reverso desta cultura é sangue, tortura, morte e terror, Ibid., p.241 76 associada à crise na historicidade está o que Jameson chama de pastichização. O pastiche é, tal como a paródia, a imitação de um peculiar ou lírico estilo idiossincrático; o vestir uma máscara linguística, o discurso numa língua morta. Esta situação determina o que os Historiadores de arte denominam de “historicismo”, nomeadamente a canibalização a de todos os estilos do passado; o jogo de aleatórias alusões estilísticas, e em termos gerais aquilo a crescente primazia do neo. Esta omnipresença do pastiche não é incompatível com um certo
O pós-modernismo na arquitectura chegará logicamente a um nível de uma estética populista, como o manifesto venturiano sugere; interpretada como uma crítica implacável ao alto modernismo arquitectónico e ao chamado Estilo Internacional. Não pretendendo avaliar a retórica populista, é merecido, no mínimo, salientar o seguinte fenómeno: a dissolução da fronteira entre a alta cultura71 e a cultura de massas, e o aparecimento de novos tipos de formas e textos da mesma industria cultural denunciada pelos ideólogos do moderno72. É o fascínio pela paisagem “degradada” do kitsh, séries de TV e Reader’s Digest, da publicidade e motéis, dos filmes serie B, da chamada paraliteratura ou romance de cordel, dos policiais e ficção científica, entre outros, material incorporado na própria substância do trabalho criativo73. As condições socioeconómicas, que acompanham o emergir do pós-modernismo, conduzem o autor, a analisar o pós-modernismo como uma dominante cultural, subordinada a diversos vectores, e não como um estilo, como Lyotard já sugerira. Segundo Jameson, a produção estética tornou-se, em termos gerais, parte integrante do bem produtivo/produzido: a urgência económica de produzir freneticamente novidades, novas tendências, etc.. assume uma função estrutural essencial, posicionando-se a favor da inovação estética e experimentação. Estas necessidades económicas encontram reconhecimento nas variadas formas de apoio institucional para as novas artes, como fundações, empresas e outras formas de patronato.74 De todas as artes, a arquitectura, é pela sua natureza contratual, aquela mantém uma dependência mais próxima do campo económico; não sendo por isso surpreendente que o surgimento da arquitectura pós-modernista esteja baseado no mecenato de corporativas multinacionais, cuja expansão e crescimento é contemporâneo do desabrochar desta arquitectura.75 Frederic Jameson abordará de seguida alguns dos aspectos constitutivos do pós-modernismo: uma nova superficialidade, que tem a sua extensão na teoria contemporânea e em uma toda nova cultura da imagem e do simulacro; um consequente enfraquecimento da historicidade76, tanto na nossa relação com a história pública, como nas novas formas de temporalidade privada, cuja estrutura “esquizofr nica”77 determinará novos tipos de sintaxe ou de relações sintagmáticas nas zofré artes temporais; todo um novo tipo de campo emocional ou “intensidades”, que pode ser resumido a um regresso a velhas teorias do sublime; e por fim as profundas relações constitutivas de tudo isto com uma a alta tecnologia, representativa de um novo sistema económico mundial78. Considerando que é na arquitectura que a pós-modernidade tem uma influência mais representativa, Jameson analisa a sua espacialidade, nomeadamente o Westin Bonaventure Hotel, desenhado pelo arquitecto e empresário John Portman, se-
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humor, contudo também não é inocente de uma certa paixão: é pelo menos compatível com a adição- com um todo e historicamente original apetite dos consumidores por um mundo transformado em imagens de si próprio, pseudo-eventos e espectáculos. Para tais objectos reserva-se a concepção platónica de simulacrum, a cópia idêntica, do qual nenhum original existiu. A cultura do simulacro vem ao de cima numa sociedade onde todo o valor de troca é generalizado ao ponto de a própria memória do valor de uso ser apagada. 77 Esquizofrenia (segundo J. Lacan) como modelo estético e interpretativo: Lacan descreve a esquizofrenia como uma ruptura da cadeia de significantes, que constituem um sentido. Com a quebra da cadeia de significantes o esquizofrénico está reduzido a uma experiência de puro material significante, ou seja, uma série de puros e arrelacionados presentes no tempo. 78 Ibid., pp. 241-242. O estilo high-tech e os grandes arranhacéus, são hoje, em dia, símbolos do poder privado. 79 Ibid., p.242 Os comentários de Jameson, relativamente à arquitectura pós-modernista assemelham-se aos de Benjamin ao ler a cidade moderna, nomeadamente a incapacidade de percepcionarmosuma espacilidade hiperestimulante sensorialmente
>fig.25 Centro Georges Pompidou, Paris, Renzo Riano e Richard Rogers, 1971-77
24
gundo ele paradigmático de uma série de características espaciais que caracterizam uma mutação o do pr próprio espaço construído í . Segundo o autor este caso é problemáído tico e sintomático de uma mutação espacial, não acompanhada ainda pela equivalente mutação no sujeito. Nós não desenvolvemos ainda as ferramentas preceptivas que equivalem este “hiperespaço”, por estamos ainda habituados ao tipo de espaço do alto modernismo. Como muita da actual produção cultural, também a nova arquitectura surge como um imperativo ao crescimento de novos órgãos, à expansão do nosso campo sensível e à encarnação de novas, ainda inimagináveis, possivelmente impossíveis, dimensões79. Um dos aspectos mais interessantes do pós-modernismo é, para o autor, a defesa de uma retórica populista integrada no quotidiano, ao contrário da imposição heróica, universalista e utopicizante do moderno. E neste aspecto o edifício de Portman responde aparentemente aos seus desígnios retóricos: é realmente um edifício bastante popular, visitado com entusiasmo por locais e turistas. No entanto, começando por analisar a entrada no hotel, verifica-se uma configuração espacial, que nada vai buscar à típica e característica entrada de hotel. No fundo existem 3 entradas, sendo duas delas a níveis diferentes e conduzindo de forma indirecta e pouco clara ao lobby. O autor crê, que com um certo número de outras características, edifícios pós-modernistas como o Beaubourg em Paris, o Eaton Centre em Toronto e o Bonaventure, aspiram a um espaço total, a um mundo completo, uma espécie de miniatura de cidade; entretanto a este espaço total corresponde também uma nova prática colectiva, um novo modo de como os indivíduos se movem e se congregam, algo como a prática de um novo e historicamente original tipo de hipermultidão80. É neste sentido que as entradas edifício se multiplicam e conduzem ate ao interior, tentando quebrar a relação do edifício com o espaço publico exterior, tentando tornar-se independente da cidade que o envolve. Este diagnóstico é confirmado, segundo o autor, pelo o uso de vidro reflector como pele do edifício, cuja função é interpretada como um elemento de repulsa da cidade81. A pele de vidro tem também um papel de dissociação do Bonaventure do seu entorno; por mais que se tente ver o interior do hotel, vemos apenas uma imagem distorcida do circundante.82
80
Ibid, p.243 tendo como analogia os óculos escuros, que impedem de ver os olhos do interlocutor, ganhando consequentemente uma certa agressividade e poder sobre o Outro 82 Ibid, p.243 81
> fig.26 uma das entradas exteriores ao Westin Bonaventure Hotel
> fig.27 o efeito relector do vidro
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>fig 28 acessos verticais 83
Ibid, p.244
>fig 29 lounge 84
Ibid, p.245
Considerando agora as escadas e os elevadores, estes são desenhados pelo arquitecto como “grandes esculturas cinéticas”, tendo de ser vistas como algo mais significante que as suas meras funções e componentes mecânicos. No Bonaventure Hotel, as escadas e elevadores, alem de substituírem o movimento, são acima de tudo, novos sinais reflexivos e emblemas do próprio movimento, sendo uma máquina de transporte que se torna no significador alegórico do velho passeio ou promenade, que já não temos o direito de o fazer por nossa conta; e isto é a intensificação dialéctica da autoreferencialidade de toda a cultura moderna, que tende para se virar para si mesma e designar a sua própria produção cultural como o seu conteúdo83. Ao descrever o átrio, o autor revela a imponência de um grande espaço vazio de 6 pisos, centrado por um lago e circundado de colunas, elevadores e balcões, configuração de proporções e geometria tal, que dificulta a leitura do espaço total. Para Jameson uma pessoa está imersa neste hiperespaço de forma total; propondo que a supressão de profundidade que se verifica na pintura e literatura pós-modernista tenha como equivalente formal na arquitectura esta imersão sensacional no novo medium. Continuando a descrever o átrio central, o autor descreve ainda a descida dramática, a chegada a um espaço hiperconfuso e de difícil orientação, onde se perdem as coordenadas espaciais e reina a desorientação. Jameson termina o ensaio, confirmando assim a disjunção entre o corpo e o meio envolvente do hiperespaço pós-modernista, interpretando-a como símbolo e analogia de um dilema ainda mais grave que é a dificuldade de as nossas mentes, pelo menos para já, cartografarem a grande, global, multinacional e descentrada rede comunicacional, na qual nos encontramos apanhados enquanto sujeitos individuais.84
>fig 30
85
Uma cidade dentro da cidade era o famoso slogan de promoção do Amoreiras Shopping 86 mais uma vez o Shockerlebniss
25
>fig 31
Embora alguns críticos interpretem a arquitectura pós-modernista como uma linguagem arquitectónica, esta não deverá ser lida como um estilo ou corrente, mas sim como o produto de uma condição económico-cultural. Neste sentido, mais do que os seus códigos semânticos, que são variados, é o tipo de espacialidade que encerra que a caracteriza como tal. Evocando a influência ilegítima í ítima da espacialidade lúdica de massas, como os casinos ou centros comerciais, uma das suas principais características é a construção de espaços centrífugos e hipersensoriais, catalisando todo o espaço público para o seu interior. São portanto, bolhas de imanência, como já sugerindo anteriormente, miniaturas de cidade85, onde todo um novo palco social é encenado. À semelhança dos casinos, como forma de persuasão a arquitectura pós-modernista brinca livremente com todo o tipo de símbolos e alegorias, cativando os seus visitantes num espectáculo ofuscante. A obra de autores como Michael Graves, Robert Venturi, Frank Gehry ou Renzo Piano, apresenta entre si poucos traços formais em comum, podendo ser, no entanto, lida à luz de uma espacialidade pós-moderna. Usando linguagens e discursos diferentes, uns mais populistas que outros, dependendo do público-alvo, a arquitectura pós-moderna é baseada quase exclusivamente no seu poder de sedução e de representação, prestando serviço a todo o tipo de poder institucionalizado.
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5. M Máquina de Estética - Efeitos Espaciais “The cosmetic is the new cosmic….” Rem Koolhaas
> fig.32 Times Square, Nova Iorque.Espaço público privatizado pela Disney 87
termo freudiano para designar o Inconsciente. É no ID que se processam as nossas pulsões mais primitivas, como o desejo e a raiva. É também no ID que se processam os sonhos. 88 uma economia sustentada e orientada para a libido. Entendase por libido a energia psíquica associada às pulsões vitais, que para Freud está particularmente associado ao desejo sexual, embora possa ser entendido neste contexto segundo a visão de Jung, que a entende como energia psíquica ou desejo, independentemente do objecto. Uma economia libidinal é uma economia que explora e vive dos desejos e pulsões vitais do indivíduo. 89 o historicismo, o desconstrutivismo, o minimalismo, o blobmorfismo, entre outras
>fig.33 Museu Guggenheim, Bilbao
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e que ultrapassa os valores que sempre legitimaram a prática arquitectónica, nomeadamente, a solidez construtiva, a capacidade de um edifício resistir ao tempo, a integração semântica num contexto local, 91 princípios desde sempre estruturadores da prática arquitectónica, resumidos pela fórmula vitruviana: firmitas, utilitas, venustas, solidez construtiva, utilidade programática e conforto estético 92 Tematização é um termo utilizado por Michael Sorkin no artigo The theming the city in Lotus n.109, para designar um sintoma retórico, fruto da privatização do espaço público. Sorkin verifica o recurso à tematização como forma de valorizar simbolicamente determinados espaços
Como vimos, a condição pós-moderna carrega consigo uma produção cultural estetizada, apoiada na imagem e no simulacro, superficial mas sensitivamente hiperestimulante, ao ponto de desafiar no indivíduo a sua capacidade cognitiva de percepção86. Associada a esta produção, promovida pela Má M quina Capitalista, estão uma série de mecanismos que penetram no inconsciente do indivíduo, explorando o desejo, o sonho e a ilusão, viciando o consumidor numa infinita e insaciável sede de estímulos. A este mecanismos é que se dedicam o marketing e a publicidade, recorrendo ao poder de sugestão e a mensagens subliminares, signos que atingem directamente o nosso ID87, sem serem filtrados pela razão, ou seja dos quais não tomamos consciência. Nesse sentido a Má M quina Capitalista é uma Má M quina de Ilusões, alimentada num circuito integrado de permanente produção e consumo de hiperrealidades; uma rede de fluxos libidinais em que todos estamos mergulhados. Poderemos interpretar este fenómeno, esta manipulação consciente do inconsciente, como a consolidação de uma economia libidinal88. Praticamente toda a produção cultural, nomeadamente quando orientada para um grande público, está sujeita às leis do mercado libidinal, inclusive a produção espacial, desde a arquitectura mais corrente à suposta arquitectura de autor. Na impossibilidade de conseguir legitimar uma meta-linguagem, quanto muito desenvolvendo determinadas tendências linguísticas89, a arquitectura agarra-se agora à experimentação de efeitos, quer sejam espaciais, materiais, ambientais ou meramente visuais. À semelhança da indústria cinematográfica, em que aliada ao poder privado e capitalista as grandes superproduções possibilitam um desfilar opulento de efeitos especiais, também a arquitectura quando ao serviço do poder privado e orientada para o grande público desenvolve uma espacialidade sustentada exclusivamente nos seus efeitos espaciais. Podemos encontrá-la no seu estado mais bruto em centros comerciais, casinos e todo o tipo de estruturas de entretenimento para as massas; ou de forma mais depurada em edifícios que pelo seu desenho procurem ser representativos de uma política cultural baseada no ícon e na imagem. É o caso do Museu Guggenheim de Bilbao, do arqtº Frank Gehry, ou da Casa da Música no Porto, do arqtº Rem Koolhaas. Independentemente da qualidade espacial deste tipo de intervenções e da utilidade do programa que oferecem, estes projectos têm a priori, que cumprir sobretudo um programa ainda mais ambicioso90, nomeadamente a construção de um ícon, de um logo espacial. Nestes casos, o arquitecto perde quase a sua relação com a matéria, estando mais próximo de um cenógrafo ou orquestrador de ambientes e sensações do que de um organizador de espaços. Se do programa arquitectónico clássico prevalecia o exercício equilibrista entre a estrutura, programa e forma91 à luz de uma meta-linguagem interpretativa, o palco de entretenimento contemporâneo, especificamente quando dirigido a grandes públicos, é cada vez mais uma experiência autocontida, centrífuga e imersiva; recriando todo um novo mundo de efeitos espaciais, distinto e paralelo ao real quotidiano. É a interiorização e compactação do espaço social urbano em contentores tematizados92 de experiências sensitivas.
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de lazer. É o caso paradigmático dos parques temáticos, cada um explorando um universo ficcional diferente ou dos casinos de Las Vegas, em que cada hotel tem um tema de referência diferente, as termas romanas, os meandros de Veneza ou o Egipto dos Faraós. O mesmo tipo de estratégia é aplicado no desenho espacial de centros comerciais, como por exemplo a simulação da baixa do Porto no Via Catarina ou a referência à Indústria Nortenha, com as suas Máquinas expostas no Norteshopping. O fenómeno não seria tão grave se restringisse a esses espaços. Sorkin verifica o alastramento do desenho tematizado a bairros e cidades residenciais. É o caso de condomínios fechados desenhados para determinados estilos de vida, como para comunidades gay, comunidades yuppie ou para comunidades de reformados endinheirados. A empresa Walt Disney é pioneira em estratégias de tematização, aplicando os seus conhecimentos adquiridos nos parques temáticos para desenvolver cidades privatizadas. É o caso de Celebration, nos Estados Unidos, a cidade Disney, onde os seus habitantes têm de aceitar viver segundo o estilo de vida Disney, incluindo horas de recolha à noite e a selecção da sua casa num catalógo de habitações de estilos revivalistas predefinido. Sobre este assunto recomenda-se igualmente o livro editado por Sorkin Variations on a Theme Park Hill and Wang, Nova Iorque, 1992 93
AAVV, Project on the City 2: Harvard Design School Guide to Shopping, Taschen , Colónia, 2001 94 1. conjunto de técnicas de promoção de venda de um produto através da sua apresentação, disposição nos de venda e meios de distribuição 2. propaganda não declarada feita através de referência a um produto, serviço ou marca durante um programa de televisão ou de rádio, um espectáculo, em peças de vestuário, etc. in Diccionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2003 95 Ibid.., pp. 408-422 , publicado igualmente em Content, por OMA-AMO, Taschen Verlag, Colónia, 2004, pp. 162-171 96 acordo contratual no qual uma parte cede a outra o direito de uso da sua marca ou patente, associado ao direito de comercialização de bens e serviços numa determinada área e, eventualmente, também o direito de uso de tecnologias desenvolvidas pela primeira mediante remuneração directa ou indirecta in Diccionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2003
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Em “Project on the City 2: Harvard Design School Guide to Shopping”93, um grupo de estudo de Harvard, sob a orientação de Rem Koolhaas, compila uma série de análises e ensaios sobre o fenómeno da indústria do entretenimento e respectivas manifestações arquitectónicas.
> fig 34 centro comercial
Entre o “entertainment design” e o “corporate design”, o fenómeno responde a uma manifesta e submissa vassalagem às leis do mercado e do merchandising94, colaborando de forma integrada com todos os campos da produção cultural, num prolífico e apoteótico expressionismo do denominado capitalismo tardio. Neste volume, no único texto publicado por Koolhaas95, o autor ilustra, no seu estilo marcadamente irónico e alegórico, as principais características daquilo que designa por Junkspace, terminologia que dá nome ao ensaio. Percorrendo os meandros de aeroportos, centros comerciais, hotéis, casinos, centros de congressos, museus, etc.., o autor vai observando e dissecando ao longo do texto a retórica estratégica e sedutora deste tipo de espaço virológico, ubíquo e viciante. A terminologia utilizada por Koolhaas para denominar este tipo de espacialidade, encerra, em si, pelo menos 3 sentidos que se complementam na descrição do fenómeno. O termo inglês Junk significa literalmente tralha, resíduo, objectos sem valor ou utilidade. Junkspace remete então, desde logo, para uma espacialidade residual e inútil, sem espessura nem conteúdo, supérflua. Mas Junkspace recorda-nos também o termo americano junkfood, que designa comida “descartá “descart vel” de concepção industrial e massificada, que apesar das suas qualidades gustativas duvidosas destaca-se pelo seu consumo rápido e intenso. A Junkfood prolifera em aeroportos, centros de negócios, centros comerciais; em todo o tipo de espaços de circulação de massas. Associado a estratégias de frenchising 96 e revelando-se um fenómeno de popularidade em todo o mundo tardocapitalista, não deixa de ser no fundo, comida-simulacro. Junkspace, é neste sentido, uma extensão das características da junkfood; um espaço de concepção e consumo rápido e intenso, de qualidades hápticas duvidosas, mas por isso recheado de ornamentações e artifícios apelativos. Orientado para o consumo de massa, o Junkspace, é concebido pelos melhores especialistas da re-
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entenda-se merchandising
Embora utiliza o termo Junk, como alegoria a substâncias ou elementos viciantes, deveremos considerá-lo para além das substâncias químicas. Considerando o ensaio de Terence McKeena O Pão dos Deuses, verificamos que toda a História e evolução da Humanidade foi marcada e determinada pelo consumo de substâncias intoxicantes e alteradoras da consciência, desde as plantas psicoactivas, passando pelo ópio, álcool, café, tabaco até às novas drogas sintéticas, como determinados medicamentos e drogas recreativas. No final, McKeena faz uma breve alusão à televisão como um meio de intoxicação e controle político da população. Sabemos hoje, que diversos estudos científicos corrobam esta posição, analisando os efeitos hipnóticos sobre as ondas cerebrais que a visualização da televisão e da navegação na Internet provocam no indivíduo, potenciado através do exercício do zapping. Esta está relacionada não com o conteúdo, mas com a forma rápida como lemos imagens, que caminham directamente para o nosso inconsciente, posicionando o ser num estado vulnerável próximo da hipnose. Neste estado hipnótico cria-se uma espécie de catarse, que nos impela a estarmos viciosamente horas seguidas a consumirmos imagens atrás de imagens, sem chegarmos a tomar consciência do seu conteúdo. Devemos considerar ainda, que perante um emissor, que apenas pretende instigar o instinto consumista, utilizando-se das mais recentes descobertas sobre o inconsciente humano e o comportamento de massas, o conteúdo do que consumimos é configurado de forma a viciar o espectador. Poderemos alargar esta hipótese e interpretá-la á luz de toda produção cultural, ao serviço da Máquina Capitalista, inclusive a produção de espaço, a arquitectura.
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tórica de tendências, e estruturado segundo as leis da psicologia comportamental do marketing. É o rendimento final da artes do espaço às artes do mercado97, verificando-se o que os ingleses Archigram já desde os anos 60 andavam a anunciar – a arquitectura como objecto de consumo. Com a Junkfood, assim como no Junkspace, nunca se sabe muito bem o que se está comer ou a experimentar, mas sim aquilo aparenta ou representa, induzindo pela sugestão visual a sensação de prazer. Dentro deste contexto nunca se é um verdadeiro cliente da Junkfood, mas mais propriamente um viciado, seduzido pela imagem e simulacro, seguindo o princípio do comodismo e do prazer imediato, encontrando-se por fim imerso num grave processo psicometabólico de habituação, á semelhança do junky, enganchado ou agarrado. Através desta interpretação, chegámos ao 3º sentido, que a terminologia Junkspace engloba: o espaço-droga, o espaço adictivo; que vicia. Junk, além de significar tralha, é um termo do slang para denominar um tipo de droga altamente viciante, geralmente referente à heroína, ou a drogas de efeitos e consequências similares (todo o tipo de opiáceos)98.Neste sentido na terminologia Junkspace estão incluídas as suas principais linhas definidoras: um espaço instável, em constante mutação, definido pelos sazonais updates estéticos, make-ups; um espaço artificial e intoxicante, mas que citando o slogan que Fernando Pessoa compôs para Coca-Cola: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
>figs. 35 e 36 fotografias de Andreas Gursky
> fig. 37 Still do filme Videodrome de David Cronenberg
1.2 A EVASテグ AO ESPECTテ,ULO
“ O significado de contemporaneidade surge inequivocamente associado à noção da busca dos “mundos” desconhecidos dentro ou fora de nós, a uma noção de sobrememória, de mistura virulógica; a uma noção de urgência de sair de um beco sem saída íída e ao mesmo tempo de aí entrar.” entrar Dinis Guarda1
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1. Síntese: ííntese: Mediação, produção e hibridização do real 1
Dinis Guarda in “Entre o linear e o subterrâneo-o rizoma-mundos estéticos de Chris Marker” para revista Número 04
Desde a sua origem a humanidade sempre viveu entre várias dimensões do real. Realidades ficcionalizadas, imaginárias ou oníricas que complementam e interpretam a sua relação com o mundo. Verificamos que nas sociedades arcaicas, estas realidades se manifestam sobre a forma de rituais, originando o que hoje interpretaríamos como manifestações artísticas: cantares, dançares, indumentárias, narrativas, pinturas e construções. Cada cultura desenvolve então todo um mundo estético-simbólico, que caracterizará a forma como se posiciona perante o cosmos. Se nas sociedades arcaicas encontramos uma linguagem muito próxima da linguagem simbólica e irracional do mundo onírico, a invenção da escrita veio estruturar e institucionalizar todo esse fluir imaginário: surgem as mitologias e todo um mundo cantado, dançado e musicado é fixado e sintetizado em narrativas escritas. À passagem da palavra oral para a palavra escrita, corresponde o nascimento das primeiras grandes cidades e à institucionalização do poder e de diversas áreas de conhecimento. O Real Imaginário que agregava socialmente uma comunidade, partilhando do mesmo mundo estético-simbólico, é agora institucionalizado enquanto religião e manipulado pelos orgãos de poder como mecanismo de regulação moral das massas que habitam a urbe. As religiões monoteístas, como Cristianismo e o Islamismo vêm reforçar este caminho, transpondo os mitos para evangelhos e os rituais para liturgias. Ao fixarem os comportamentos e costumes, este tipo de religião veio também separar o indivíduo da relação íntima que mantinha com o sagrado, regulamentando a sua liberdade natural de expressão dos seus impulsos simbólico-alegóricos. O indivíduo já não interpreta criativamente a sua relação com o mundo, limita-se a seguir uma doutrina. Mas se até aos séculos XVI, XVII sobrevive uma visão mágico-simbólica mediadora da realidade, a entrada na Idade Moderna marcará definitivamente a ruptura das manifestações criativas de uma ordem cosmológica. O Racionalismo irá compartimentar a experiência do mundo em áreas de conhecimento e de produção. A Contra-Reforma, aliada ao poder capitalista, então emergente, irão tornar a experiência sagrada do real numa espécie de consumo de um real sagrado. Entramos, com o Barroco, no domínio exclusivo da produção de imagens, de estética, da produção de um real. O indivíduo agora desiste de se posicionar perante uma ordem global e cosmológica da experiência, limita-se a embriagar-se com o consumo do que lhe é mais apelativo. Vimos, no capítulo anterior, a forma como a Revolução Industrial veio acentuar este processo de ruptura do indivíduo na sua relação com o meio. Se o Real Imaginário, já não é produzido em comunidade, mas consumido em massa, a Indústria Cultural veio oferecer aquilo que o indivíduo entretanto perdeu enquanto experiência, a cultura. Considerando a necessidade imanente ao homem de vivenciar Realidades Imaginárias, poderemos interpretar a produção da Indústria Cultural como a produção de mundos, de ficções, de realidades alternativas e fantásticas, cujo consumo massificado é potenciado pela especialização e mecanização da realidade laboral a que o indivíduo está sujeito. Faltam-lhe sonhos, fantasias, lendas, símbolos, magias, mundos de escape e de prazer, que a Indústria Cultural providenciará como objectos de consumo imediato.
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A Arquitectura, será talvez, a disciplina com maior capacidade de transformar a experiência estética e simbólica do real, sintetizando espacialmente várias áreas de conhecimento. Verificamos a forma como a Arquitectura se manifesta, quando associada à Indústria Cultural e de Entretenimento. Se esta propõe Mundos Imaginários, a Arquitectura constrói-os. Neste sentido, proponho, como síntese do capítulo anterior, a leitura da produção arquitectónica à luz de estratégias de Construção do Real. Identificando a construção de Mundos Possíveis í íveis a uma linguagem do espectá espect culo, à construção de Mundos de Substituição corresponderá a pós-modernidade e a linguagem espacial hiper-realista. Por fim, para sairmos deste imenso espectáculo, em que nos encontramos emaranhados, proponho uma terceira leitura na construção de espacialidades lúdicas, ao que designo de Mundos Híbridos ou Aumentados. Será esta terceira estratégia projectual, que estimulou a pesquisa que apresento no próximo capítulo, nomeadamente sobre o jogo e o labirinto. 2. Mundos possíveis í íveis Por Mundos Possíveis, entendo uma experiência lúdica baseada na linguagem do espect espectáculo. A construção de mundos fantásticos e sedutores, perante o qual o consumidor se rende hipnotizado. Explorado massivamente na primeira metade do século XX através do cinema, da televisão e pela estetização da experiência, a linguagem de espect espectáculo apresenta um mundo imaginário, o qual o espectador contempla passivamente, reconhecendo neste um mundo fictício, mas apelativo. Uma característica fundamental na construção de Mundos Possíveis é a clara fronteira entre ficção e realidade. Na continuidade do espírito romântico de finais do séc.XIX, na primeira metade do século XX assistimos a toda uma cultura que explora e vive de ideais e utopias. Este espírito idealista irá desenvolver sistemas político-simbólicos, que desencadearão em regimes políticos marxistas, por um lado, e fascistas por outro. Também a Indústria Cultural irá explorar conteúdos que exprimem a procura do indivíduo por ideais; ideais de beleza, ideais de sociedade, ideais de vida. Será através do cinema, da televisão, da propaganda política e da publicidade que este Mundos Possíveis í íveis serão difundidos. Estes podem ser enquadrados, segundo a teoria das imagens de Baudrillard, em simulacros de 2º grau e eventualmente de 3º grau; ou seja mundos que apresentam uma visão melhorada ou estetizada da realidade ou mundos que simulam uma realidade aparente, mas que não existe. >fig.38 fotomontagem de Superstudio, escritório de arquitectura italiano associado à arquitectura radicalle
Embora dissociados dos mecanismos de persuasão capitalistas, ou seja sem assimilarem uma linguagem do espectáculo, surgem na primeira metade do século XX alguns movimentos arquitectónicos, que legitimam a sua procura de renovação semântica em ideais sociais. É o caso do expressionismo alemão, associado aos ideais socialistas da República de Weimar, do Futurismo, ligado ao Fascismo Italiano, do Construtivismo Russo como expressão do regime leninista e finalmente do Movimento Moderno como expressão espacial de uma sociedade universal, progressista e mecanizada. Embora Mundos Possíveis í íveis sejam ainda hoje construídos, principalmente explorados pelos mass media; a partir dos anos 70, com a pós-modernidade os metadis-
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> fig.39 fotomontagem da artisita Mariko Mori
cursos utópicos e idealistas dissolvem-se, abrindo lugar para uma cultura do simulacro e do hiper-real. 3. Mundos de Substituição " Como nos novíssimos filmes de horror, não há distanciação, não se assiste ao horror alheio, está-se dentro do horror por sinestesia total, e se houver um terramoto, a sala cinematográfica também deve tremer" Umberto Eco 2
de Ersatzwelt
>fig.40 Environment Bubble, Reyner Banham
3 lugares hiperbolizados ou hiper-reais 4 esta estratégia é evidente em centros comerciais e até condomínios residenciais, videovigiados. Jameson alerta-nos para esta estratégia de alienação urbana na sua análise ao HoTel Westin Bonaventure
Chamo Mundos de Substituição2 a Realidades Imaginárias construídas através de uma linguagem de simulacro. Nestes Mundos, o sujeito já não procura esgazearse com realidades possíveis, procura viver realidades impossíveis, simuladas. É o caso dos parques temáticos, como a Disneylândia ou os Casinos de Las Vegas, ao que Eco, Baudrillard e Jameson apelidam de hiper-realidades. Estamos perante simulacros de 4º grau, ou seja simulações de realidades ficcionais. Os Mundos de Substituição convidam o consumidor a entrar e participar do seu mundo fantástico, oferecendo uma verdadeira realidade paralela ao quotidiano. Aqui tudo funciona bem, tudo é belo e higiénico, todo o local é ubiquamente videovigiado, impedindo qualquer tipo de crimes ou distúrbios à ordem. Ao contrário dos Mundos Possíveis, nos Mundos de Substituição a fronteira entre realidade e ficção desaparece, o sujeito outrora espectador é agora uma espécie de actor passivo, um figurante entre figurantes, imerso neste mundo virtual. Nestas hipertopias3 a estratégia de persuasão já não passa pela visualização de imagens, mas pela imersão multisensorial dentro das imagens. Para acentuar este sentido de imersão em mundos paralelos, os mundos de substituição afastam-se geograficamente dos meios urbanos ou fecham-se fisicamente para estes4. Podemos interpretar então os Mundos de Substituição como experiências multisensoriais, onde a fronteira e ruptura com a realidade se pretende total. Não há por isso uma experiência, que aumenta, densifica ou distorce a nossa leitura do real, mas que a substitui, neutralizando-a; mantendo a fronteira entre os dois meios, hermeticamente cerrada. Este fenómeno tende a alastrar-se em todos os campos e suportes da produção
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fig.41 fotomontagem da artisita Mariko Mori
cultural de massas tardocapitalista, por ser o processo mais eficaz, de persuadir e agarrar o sujeito numa passividade contemplativa, e viciante, sendo facilmente manipulado a consumir voluptuosa-e-compulsivamente. Os Mundos de Substituição são também a resposta mais radical à ânsia insaciável do homem tardomoderno pela experiência última; pela celebração e fruição de um mundo de evasão, onde a materialização de todos os desejos é compactada (género kit de alegria) e extrapolada (até à uma implosão interminável). 4. Mundos Híbridos ííbridos ou Aumentados The theater is closed/ There is no place else to go/ The theater is closed Cut word lines/ Cut music lines Smash the control images/ Smash the control machine. William S. Burroughs Vimos como nos dois casos anteriores, que a construção do Real se baseia na realização de Mundos de Escape, de fuga. Esta constatação, leva-nos a assumir que o indivíduo vive num permanente estado de insatisfação, trabalhando como uma máquina durante a semana, para poder embriagar-se em formas de escape ao fimde-semana. Estimular este tipo de produção cultural só pode conduzir o indivíduo a afastar-se cada vez mais de si próprio e do seu posicionamento perante o mundo, vivendo sob uma espécie de estado de letargia. Sob o nome de Mundos Híbridos ííbridos ou Aumentados, procuro delinear uma estratégia deconstrução do Real que desperte a participação activa e criativa do indivíduo na experiência de Realidades Imaginárias. Através da participação e interacção subjectiva na construção do Real, pretende-se recuperar a simbiose perdida entre o Mundo Imaginário e o Mundo Quotidiano, daí o termo de Mundos Híbridos ííbridos ou Aumentados. Nesse sentido, pensei em substituir a produção e o consumo de objectos de entretenimento por dispositivos lúdicos, em que o sujeito participe activamente como um actor jogador. Através do jogo, pretende-se recuperar também uma certa ideia de ritual colectivo, de interacção numa comunidade através da qual é projectado e realizado o conjunto de subjectividades participantes. Falamos, portanto de espacialidades que estimulem e vivam do poder criativo e interactivo dos seus habitantes. De certa maneira, podemos observar o reinsurgimento deste tipo de ludismo pelos meandros do ciberespaço. Para aí entrarmos, não basta pararmos e observar o espectáculo, a participação e interacção são mecanismos essenciais para aí sabermos
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>fig.42 fotomontagem de Superstudio
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os denominados MUDs, comunidades de jogadores que constroem através da interpretação de um papel social, mundos fantásticos, com arquitecturas e bestiários próprios.
navegar e socializar ludicamente. Neste momento, o ciberespaço está povoado de comunidades virtuais, plataformas lúdicas multijogadores e mundos paralelos em permanente transformação5. São portanto mecanismos despertados recentemente, mas que legitimam a sua aplicação na construção do espaço real. Neste sentido surge termo Realidade Aumentada para designar dispositivos que fundem dados digitais do espaço virtual com dados materiais do espaço físico. Se o objectivo é transportar conceitos como o jogo e a interacção para a prática arquitectónica, surge naturalmente a figura do labirinto como a estrutura espacial que melhor interpreta a experiência lúdica. Será através do estudo das características e propriedades do jogo e da estrutura labirintíca, que pretendo identificar elementos operativos, simbólicos, técnicos e estéticos, que me orientem para o desenvolvimento projectual de Mundos Híbridos í íbridos . Mundos Possíveis
Mundos de Substituição (Ersatzwelte (Ersatzwelte)
Domínio do espectáculo Limite entre ficção e real
Domínio da hiper-realidade Dissolução do limite entre ficção e real Imersão e participação passiva num mundo de ficção ou simulação Sedução pela imersão - hipertopia (lugar que existe ou aparenta existir em todo o lado, ubíquo) Sujeito enquanto “actor figurante” Interacção solitária com o meio Simulacro de 3ª ou 4ª grau
Domínio do lúdico Interacção e hibridização entre ficção e realidade Imersão, participação activa e construção de um mundo híbrido entre a ficção e a realidade Sedução pela hibridizaçãoludotopias
Meios de difusão: parques temáticos, Expos,museus, cinema ou teatro interactivo
Meios de difusão: telemóveis e sistemas GPRS, Internet, museus e feiras de arte (experiências de arte digital), e espaços públicos urbanos
Contemplação da encenação de narrativas, fantasias Sedução pela utopia (lugar que não existe) Sujeito enquanto espectador (hipnotizado) Simulacro de 2º ou 3º grau Meios de difusão: televisão, cinema, paineis publicitários
Mundos Híbridos ou Aumentados
Sujeito enquanto “actor jogador” Interacção multipessoal (em comunidade) com o meio
> fig. 43 diagrama comparativo das principais características das 3 estratégias de contrução do Real
MOMENTO 02 > CARTOGRAFIA ESPECULATIVA
>fig. 44 Marcel Duchamp jogando xadrez diante do Grand Verre
2.1 HOMO LUDENS
“ A vida deve ser vivida como um jogo, jogando certos jogos, fazendo sacrif sacrifíícios, ícios, cantando e dançando, ando, e assim o homem poder poderá conquistar o favor dos deuses e defender-se de seus inimigos, triunfando no combate”, assim “os homens viver viverão de acordo com a natureza, pois sob muitos aspectos eles são como fantoches, e só possuem uma pequena parte da verdade.” Platão in Leis 803-4
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1. Definição, o, caracter caracterííísticas sticas e valor simbólico 1
Huizinga, Johan Homo Ludens : O jogo como elemento da cultura (1958), Editora Perspectiva, São Paulo, 2001 2 Não querendo fazer desta nomenclatura uma condição universal, o autor menciona ainda a relatividade dos termos Hommo Sapiens e Hommo Faber. Se o raciocínio é exclusivo do homem, esta não é condição por excelência definidora da nossa espécie, visto sabermos hoje que a razão é apenas um aspecto entre outros na definição do nosso comportamento e identidade. Quanto ao fabrico de objectos, que remeterá para a expressão Homo Faber, esta é segundo o autor pouco apropriada, pois pode servir para designar um grande número de animais. 3 daí insistir para o subtítulo “o jogo como elemento da cultura” e não “na cultura” ibid., in Prefácio
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exceptuando quando este constitui uma função cultural reconhecida, como no culto ou ritual
5
Ibid., op. cit., p.11 dado o facto de o jogo ser improdutivo e abstracto do real quotidiano, há quem o considere como uma actividade meramente supérflua, desconhecendo o seu papel estrutural na organização da vida social e psicológica do indivíduo. 7 igualmente complementar do nosso quotidiano e de certa forma semelhante enquanto dimensão paralela 8 quer seja um tabuleiro de xadrez, um campo de basquete ou o cenário de uma peça teatral 6
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Ibid., op. cit., p.13
10
Ibid., p. 14
11
Ibid., p.13
Embora tão presente no quotidiano do ser humano ao longo de toda a História, o jogo só recentemente foi objecto de estudo quanto à sua natureza e significado no quadro cultural. A principal obra de referência, e a primeira a debruçar-se exclusivamente sobre este tema, data de 1938 e foi escrita pelo antropólogo holandês Johan Huizinga sob o título “Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura”1. Neste trabalho o autor defende a ideia, algo controversa para a altura, do jogo como elemento indispensável a qualquer actividade humana, condição inerente à génese e evolução da Humanidade. Verificando a existência da actividade lúdica no reino animal, Huizinga interpreta o jogo como algo anterior à própria cultura, admitindo a cultura como tendo sido formada e construída a partir do jogo e não o oposto. É neste contexto que o autor propõe o neologismo Homo Ludens2, termo que justificará a leitura das actividades humanas à luz da praxis lúdica. Alertando para o simplismo de se considerar toda e qualquer actividade humana uma actividade lúdica, o objectivo do estudo de Huizinga centra-se em determinar até que ponto a própria cultura possui um carácter lúdico.3 Independentemente da variedade de formas de manifestação cultural do jogo, há determinadas características que nos permitem identificá-lo enquanto tal: Como primeira característica Huizinga identifica o facto do jogo ser livre, ou seja, uma actividade voluntária, em que se participa por vontade própria e não por dever ou obrigação4. Este perderia imediatamente a sua natureza de diversão e prazer a partir do momento em que fosse imposto. Associado à liberdade da actividade lúdica, o autor identifica uma segunda característica, reconhecendo o jogo como “uma evasão o da vida “real” para uma esfera tempor temporária de actividade com orientação 5 pr pria” . O jogo é então um intervalo na nossa vida quotidiano, capaz de absorver pró inteiramente o jogador. Poderemos, neste sentido interpretar o jogo como uma dimensão própria, paralela à vida “real”, o que não invalida a sua importância6, mas a acentua pela complementaridade. Como forma de mediação, o jogo complementa e amplia o “real” quotidiano, respondendo a uma necessidade básica animal comparável á do sono e do sonho7. Enquanto dimensão paralela à da vida “comum”, o jogo encerra, então, uma delimitação o espacio-temporal pr própria, estabelecida previamente pelo “tempo de jogo” e pelo “campo” onde este se desenrola8, estabelecendo a sua 3ª característica. Só no interior de fronteiras bem definidas é que o jogo pode tomar lugar, ultrapassando essas fronteiras quebra-se a sua ordem implícita. É exactamente este aspecto, o facto de que “o jogo cria ordem e é ordem”9, que Huizinga identifica como uma quarta característica. À manutenção desta ordem está implicado não só a permanência incondicional no interior dos seus limites espaciotemporais, mas também o cumprimento zeloso das regras e convenções que a definem. Quebrar as regras do jogo, equivale a quebrar a “bolha” de ilusão (ilusão provém do latim in ludere significa literalmente em jogo10) que o envolve e o mantém vivo. Huizinga considera que o jogo lança sobre nós um “feitiço”11, tal á a sua capacidade de absorção e de “ilusionismo”. Durante este estado “enfeitiçado”, o autor reconhece como essencial a tensão que este provoca no jogador, que percorre todo o jogo desde o início e termina apenas com a sua conclusão. Essa tensão
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Huizinga remete para a etimologia da palavra play em Inglês ou Spiel em alemão, que significam simultaneamente jogo (jogo num sentido mais livre, em português mais próximo de brincar ou brincadeira, enquanto que para jogo no sentido mais institucionalizado os Ingleses usam a palavra game) e representação, interpretação, Ibid., pp. 37-50 13 Ibid., pp. 217-236
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psíquica í íquica assume então um papel estrutural para manter viva e dinâmica a ordem que o jogo estabelece. Dependendo da natureza do jogo, este é definido por regras e convenções, seja recorrendo à regulamentação (como no caso do xadrez ou do futebol) ou à ficcionalização (como no caso do teatro ou do faz-de-conta das crianças), embora em muitos casos coexistam ambos simbioticamente (como nos videojogos). Considerando essencialmente actividades lúdicas centradas na competição (agôn) e na representação dramática12, o autor analisará detalhadamente o valor simbólico deste nas culturas primitivas e pré-modernas (até ao séc. XVIII), verificando com amargura e alguma nostalgia a decadência da simbolização e significação do jogo a partir da Idade Moderna,13 agravando-se até à contemporaneidade. O jogo adquire nas sociedades primitivas um valor simbólico de culto ou ritual, enquanto representação dramática ou figuração imaginária de uma realidade desejada. Nesta primeira fase da evolução humana, o jogo confundia-se com o culto, funcionando como ritual de passagem ou de integração social. Intensamente
14
o Carnaval enquanto celebração da vida e do excesso que comemora o fim das plantações e que antecede o período de sacrifício e de jejum da Quaresma e o Magusto como celebração associada ao consumo do vinho produzido e que “prepara” o indivíduo para a rigidez do Inverno
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jogo de palavras utilizado por Neil Leach referente ao poder anestético da estetização do real, focando a prática arquitectónica. Cf. Leach, Neil La an-estética de la arquitectura, Editorial Gustavo Gil,Barcelona,2001
relacionado com o sagrado, tanto o jogo como a festa, funcionam nas sociedades primitivas como momentos de suspensão do quotidiano, em que se celebra a relação do indivíduo com uma ordem universal ou cosmológica. Tal é o caso nas sociedades cristãs do Carnaval ou do Magusto, representando através das suas festas, jogos e costumes; momentos específicos do ano em clara harmonia com a ordem simbólica da natureza e da liturgia.14 O insurgimento do pensamento racionalista e positivista a partir do sec. XVIII vêem alterar a visão cosmológica e sagrada da realidade, retirando por consequência a simbologia sagrada ao jogo. Este permanecerá como elemento de socialização, simbolizando o tempo ocioso das classes dominantes e intelectuais num primeiro momento e posteriormente com o advento da Revolução Industrial, como forma de ocupação do tempo livre da massa trabalhadora. As actividades lúdicas perdem o seu carácter livre e desprendido, institucionalizando-se e profissionalizando-se. Simultaneamente, através da fotografia e da publicidade, a imagem ganha um poder cada vez mais cativante, destituindo gradualmente o elemento lúdico da experiência do real, para ser substituindo por um entretimento (an)estético15.
> fiig. 45 passagem coberta em Las Vegas
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2. Taxinomia
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Callois, Roger “Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem” (1958) Cotovia, Lisboa, 1990
17
Ibid., pp. 31-47
Apenas 20 anos mais tarde é que o ensaio de Huizinga encontra as suas repercussões profícuas no campo científico. Refiro-me à obra de Roger Caillois “Os jogos e os homens”16, escrito em 1958, e podendo ser considerado como uma interpretação crítica de Homo Ludens, onde aprofunda e actualiza as observações do autor holandês, nomeadamente ao propor um modelo taxonómico da actividade lúdica. Caillois identifica então o jogo em quatro categorias17 fundamentais, tendo em conta a sua natureza; acrescentando às manifestações lúdicas competitivas (agôn) e interpretativas (mimicry) enunciadas por Huizinga, outras duas: os jogos determinados pelo acaso (alea) e os jogos provocadores de uma sensação de vertigem (ilinx). Agôn – Competição Sob este nome, consideram-se todo o tipo de jogos competitivos, em que a destreza dos participantes num determinado domínio é posta à prova num cenário de igualdade ideal de circunstâncias. “Trata-se sempre de uma rivalidade, que se baseia numa única qualidade(rapidez,
>fig. 46 a maratona, desporto olímpico retratado num vaso grego 18 19
Ibid., op. cit, p.34 Ibid., op. cit, p.35
>fig.47 Roleta 20
De certa forma, este tipo de actividade lúdica, surge como uma insolente zombaria do mérito pessoal, reconhecido no agôn. 21 Ibid, op. cit., p. 37
>fig. 48 jogadores de cartas
resistência, vigor, memória, habilidade, engenho, etc.) exercendo-se em limites definidos e sem nenhum auxiliar exterior, de tal forma que o vencedor apareça como sendo o melhor, numa determinada categoria de proezas.”18 Todo o tipo de desporto, por exemplo, é considerado uma manifestação agonística í ística do jogo. Para cada um dos concorrentes, o interesse do jogo, é ver reconhecida a sua destreza em determinado campo. Neste sentido, o agôn, “apresenta-se como forma pura de manifestação de mérito pessoal.”19 Alea – Acaso Nesta categoria inclui-se todo o género de jogo baseado, não na destreza pessoal (como no agôn), mas sim na sorte ou acaso. Neste tipo de jogos, o jogador concorre contra o destino, man-tendo-se passivo, confiando apenas na sorte. Ao contrário do agôn, nos jogos de sorte não é avaliada a destreza ou mérito do jogador, visto estes não dependerem do treino, perseverança ou disciplina do participante para que seja bem sucedido. O único interesse deste tipo de jogos, reside na arbitrariedade do acaso e no elevado risco habitualmente envolvido, nomeadamente monetário. Confiando apenas na sua sorte, um jogador poderá ganhar mais numa jogada, do que um desportista a vida inteira20. Se “o agôn reivindica responsabilidade individual, a alea a demissão de vontade, uma entrega ao destino.”21 Desta categoria são exemplo os jogos de dados, a roleta, o bingo, a lotaria, o cara ou coroa, etc.. Há que considerar também jogos, onde o agôn e alea surgem combinados. Tal é o caso de jogos de cartas como o bridge ou o poker e jogos de tabuleiro como o gamão, onde a destreza e técnica do jogador são importantes, mas não exclusivamente determinantes, pois cada jogada está sujeita a uma certa aleatoriedade introduzida pelo lance de dados ou pela sequência aleatória do baralho de cartas. Todo o tipo de actividade lúdica, que envolva incerteza de resultado, como é o caso também dos desportos (agôn), está sujeito a apostas, logo uma modalidade paralela de alea, que convém não confundir com a natureza do jogo envolvido.
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22
Ibid., op. cit., p. 39
>fig. 49 o faz-de conta nas crianças
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Embora traduzindo atitudes opostas, agôn e alea, partilham a tentativa de criar situações de igualdade entre os jogadores, que a realidade muitas vezes impossibilita. Implica que todos possam aceder às mesmas oportunidades de provar o seu valor, seja através da competitividade, seja ao concorrer ao benefício da sorte proporcionado pelos jogos alea. Através do jogo, cria-se uma nova ordem, paralela ao “real quotidiano”, onde cada um tem uma nova voz e uma nova identidade. ”De uma ou de outra maneira, evadimo-nos do mundo, fazendo-o outro. Também pode haver evasão quando se faz de outro. É a isso que corresponde a mimicry.”22 Mimicry – Simulacro Esta classe lúdica, identifica todo o tipo de jogo que envolva a encarnação de um personagem ilusório e respectivo comportamento, tendo como objectivo jogar a crer, fazer crer a si próprio e/ou aos outros, que é outra pessoa. De facto, como referido anteriormente, a origem da palavra ilusão deriva de “in lusio” ou “in ludere”, ou seja “em jogo”. A aceitação de uma ilusão equivale então à entrada do sujeito num ou “em jogo”. A mímica e o disfarce surgem como comportamentos essenciais desta categoria. Intensamente presente nas brincadeiras das crianças- o faz-de-conta - expandese até à vida adulta. Podemos encontrá-lo hoje nas festas de Carnaval, ou no travestismo, onde através do disfarce, o homem joga com a ordem habitual da realidade, transformando-a e representando-a. A representação teatral e dramática, em todas as suas vertentes (tragédia, comédia, ilusionismo, interpretação musical, entre outras), faz parte desta classe de jogo.
>fig. 50 a interpretação do xamã 23
espectáculos agonísticos no caso do desporto ou mimicry no caso do teatro, cinema ou música 24 Ibid., op. cit., pp. 42-43 25 Este fenómeno, profusamente explorado pela indústria do espectáculo e dos massmedia, é o grau primitivo do que se poderá denominar de experiência lúdica voyeurística, tema que abordaremos posteriormente 26 liberdade, convenção, suspensão do real, limitação espacio-temporal
27
ilinx significa em grego “turbilhão de águas”, derivando de ilingos - “vertigem” 28 Ibid., op. cit., p. 43
29
dança centrífuga em progressão de velocidade até atingir um estado de transe 30 lançam-se de 20 ou 30 metros de altura, suspensos por uma corda no pé, rodopiando no ar – o antecedente do bungee jumping 31 nalgumas culturas acompanhado da ingestão de substâncias psicoactivas 32 como a queda livre, o rafting, a escalada, entre outros
Roger Callois considera ainda o efeito mimicry, em situações específicas de espectáculos23, em que o espectador se identifica temporariamente com o actor ou perfomer, que se torna automaticamente num ídolo ou vedeta24. Nesse processo de identificação com um atleta ou actor, o espectador está a imitar, a pôr-se no seu lugar, entrando num jogo, encarado por Caillois como uma versão particular da mimicry, através de um processo de delegação25. De todas as características definidoras do lúdico26, a mimicry apenas exclui uma, nomeadamente a regulamentação. A única regra deste jogo consiste para o actor em fascinar o espectador, evitando a recusa da ilusão, e para o espectador em aceitar a ilusão sem recusar os artifícios utilizados (máscara, cenário, etc..), entrando nesta outra dimensão do real. Ilinx - Vertigem Finalmente consideram-se sob esta denominação27, o tipo de jogos que “assentam na busca da vertigem”28 e que procuram atingir um estado de transe ou estonteamento através da alteração do estado físico e preceptivo da realidade. Como exemplo remoto deste tipo de jogo, temos as brincadeiras das crianças, quando rodopiam até ao estonteamento, ou quando se lançam em vertiginosas velocidades no escorrega e no baloiço. Encontramos também este tipo de jogo sob a forma de ritual em sociedades pré-modernas, como por exemplo nos dervixes dançarinos29ou nos voladores mexicanos30 , estando também, frequentemente associado a rituais e práticas xamanísticas, onde através do estado de transe provocado pela vertigem da música e da dança31, o feiticeiro “sai do seu corpo”. Hoje em dia, podemos encontrar manifestações ilinx, em grande parte dos desportos “radicais”32, em que o movimento ou velocidades atingidas induzem
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“ hormona segregada pela medula supra-renal, cuja acção fisiológica se assemelha à excitação do sistema simpático” in Dicionário Porto Editora
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um certo tipo de pânico e vertigem no corpo do participante, experimentando uma sensação de risco, logo atingindo um estado alto de adrenalina33; bem como em determinado tipo de danças34, mas principalmente como atracções de feiras populares e parques temáticos35. Este tipo de entretenimento, onde a desorientação dos sentidos é experimentada de forma tão brusca e estimula uma elevada produção de adrenalina, coloca-nos não só mentalmente, mas também fisicamente num estado evasivo da realidade, um estado de êxtase, intenso, curto e instantâneo, exemplar do tipo experiência lúdica em crescente procura na contemporaneidade.
>fig.51 dança-ritual dervixe 34
o vira, a tarantella, a valsa ou o tango 35 Tendo como antecedentes, o escorrega, o baloiço ou o carrossel, a partir do finais do século XIX, com as primeiras feiras populares (Luna Park (1903) e Dreamland(1904) em Coney island, Nova Iorque, EUA), surgem inúmeras máquinas estonteantes, indutoras de pânico e vertigem, tendo na montanha russa um exemplo paradigmático
>fig. 51 feira popular Dreamland em Coney Island, Nova Iorque 36
Rosa, Jorge Martins “No Reino da Ilusão”, Edições Vega, Lisboa, 2000, pp. 49-55
37
Caillois, Roger Os jogos e os Homens, pp. 47-57
>fig.52 o jogo da macaca
Outro aspecto importante e merecedor de referência, já mencionado por Huizinga, é a tensão psíquica í íquica e/ou sensação de euforia provocadas pelo jogo. Estes dois elementos alternados ou combinados36, manifestam-se em qualquer tipo de jogo e é através dessa tensão por resolver, que este ganha intensidade, quer para os participantes, como para os espectadores. Poderemos considerar essa tensão psíquica, como o elemento que mantém suspenso o mundo de ilusão criado pelo jogo, que apenas se quebra, quando este termina. O principal motor provocador dessa tensão, reside inevitavelmente na indeterminação e incerteza do resultado durante todo o desenrolar do jogo, estando este permanentemente sujeito a flutuações de performance e oferecendo até ao momento da sua conclusão a hipótese que o imprevisível ível aconteça. ível Independentemente desta categorização, os jogos podem ser ainda interpretados em dois pólos antagónicos de modos de jogar37. Num dos extremos reina um tipo de diversão caracterizado pela turbulência, improviso e despreocupada expansão, ao que o Callois chamará de paidia. Num outro pólo encontramos uma prática lúdica, onde essa exuberância alegre e impensada é disciplinada, com objectivos concretos, subordinada a regras que dificultam e criam obstáculos à realização do objectivo desejado; domínio a que o autor chamará de ludus. E é através do ludus e do seu carácter regulamentado, que o jogo adquire aquilo que o autor chama de existência institucional ou canónica, fazendo a partir desse momento parte da sua natureza de cultura. O autor identifica a paidia como manifestações lúdicas características dos primeiros anos de infância, onde apenas reina alegria e exuberância em
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se excluirmos a mimicry, enquanto profissão integrante de uma indústria de espectáculo, altura em que se institucionaliza e se aproxima claramente do ludus
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determinadas brincadeiras, sem existirem regras ou objectivos definidos. Com o crescimento do indivíduo, a paidia vai se progressivamente complexizando em ludus, surgindo a disciplina, a competitividade e a destreza. O ludus encontra-se mais presente em actividades agonísticas í ísticas e de alea, estando o ilinx e a mimicry38 associados à despreocupação e exuberância da paidia. É ainda de considerar a associação que Callois faz das classes de jogo, relativamente à distinção entre a sociedade arcaica e a sociedade moderna. E neste sentido, assim, como no crescimento do indivíduo, também nas sociedades humanas assistimos a um processo de transição de jogos de natureza paidia em sociedades primitivas para jogos de natureza ludus em sociedades mais complexas, nomeadamente com o nascimento da cidade e das instituições. Para o autor a parelha mimicry e ilinx, identifica as duas categorias de jogos mais presentes nas sociedades arcaicas, os dois tipos de jogo igualmente mais directamente associados com uma experiência lúdica paidia, encarnando um forte carácter ritual e religioso, representativo e dramático; ao passo que as classes agôn e alea, caracterizam o tipo de sociedade moderna; competitiva e mecanicista onde
> fig. 53 dragão, máscara chinesa
39
Rosa, Jorge Martins “No Reino da Ilusão”, Edições Vega, Lisboa, 2000, p. 57 40 Ibid., op. cit., p.59
41
principalmente a partir do Iluminismo
42
Rosa, Jorge Martins, op .cit p.65, citando T. Adorno Esta é provocada pela mecanização e especialização existente na jornada laboral.. À falta de uma formação e actividade profissional abrangente e eclética, o tempo livre surge para o trabalhador como um horror vacui – o tédio. 44 Ver Momento 01 43
> fig. 54 Dreamland, parque de diversões
predomina o racionalismo face à visão mágico-simbólica da realidade. Nas sociedades pré-modernas o jogo assume-se, juntamente com a festa e o sagrado, como um dos três pilares da coesão e organização social39, devendo “ser entendido como um elemento de um ritual, quase sempre equivalente à festa, muitas vezes a ela associado, algumas coincidindo com ela”40. Enquanto rito, forma de mediação entre o sagrando e o profano, o jogo tinha um papel estruturador de uma ordem cosmológica do mundo, que com a modernidade se diluiu. Progressivamente e ainda numa primeira fase da Idade Moderna41, este começa a ocupar um papel meramente recreativo, de diversão das classes dominantes. Perde então a sua relação com o sagrado, autonomizando-se enquanto modalidade do ócio, e, numa outra dimensão, mantendo-se intacto como paidia, reservado enquanto actividade pedagógica exclusiva das crianças. Mas o jogo sofrerá ainda uma maior metamorfose com a entrada da Revolução Industrial e as respectivas transformações na estrutura social que esta arrasta. A especialização e mecanização da vida profissional veio introduzir como contraponto à repartição do horário laboral a noção de tempo livre. Ao contrário do ócio das classes dominantes, para a grande classe trabalhadora “o tempo não foi sempre livre, tornou-se livre”42, instaurando a necessidade de o ocupar para combater o vazio e o tédio provocado pela sua ausência de sentido43. É neste momento que surge a Indústria do Lazer, oferecendo às massas, inúmeras formas de diversão e de entretenimento, explorando-as como mecanismos de compensação da actividade mecanizada e impessoal a que se dedicam grande parte do tempo. Orientada para um grande público, a cultura como produto sofre um processo de nivelamento de especificidades, processo ao qual denominamos de massificação e que originará o que Debord intitulou de cultura de espectá espect culo.44 Igualmente subjugado à Indústria do Entretenimento, o jogo depois de perder a sua relação com o sagrado perde gradualmente a sua relevância enquanto actividade livre e improdutiva, profissionalizando-se e organizando-se como mais uma forma de espectáculo de massas.
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45
Caillois, Roger Os jogos e os Homens, pp. 143-152 46 Ibid., op. cit., p. 143
> fig. 55 o poder sedutor da imagem televisiva 47
hoje em dia, esse fenómeno é explorado descaradamente nos reality-shows....
> fig. 56 imagem de reality show 48
Ibid., op. cit., p. 145 Do Inglês fanatic, fanático. Fanatismo que pode ser por vezes extremo, provocando reacções radicais como o homicídio ou o suicídio. 49
50
Ibid., op. cit., p. 149
45
Este fenómeno será traduzido socialmente pelo culto à vedeta, à estrela ou ao campeão, massivamente explorado pelo cinema, televisão e imprensa, sendo identificada por Roger Caillois como um processo de delegação:45 “A delegação é uma forma degradada e diluída íída da mimicry, a única passível íível de prosperar num mundo presidido pelos princípios íípios do mérito e da sorte, associados.”46 A vedeta e o campeão representam a vitória e o sucesso, realizações a que todos aspiram, mas que só alguns “eleitos” atingem. Através da delegação , as massas identificam-se e imaginam-se no lugar dos seus ídolos, acompanhando mais a sua vida pessoal e menos a sua vida profissional, procurando conhecer todos os seus segredos e intimidades47. Neste sentido, a delegação não deixa de ser uma actividade lúdica da categoria da mimicry, uma simulação ou representação passiva de uma outra dimensão do real. Caillois acrescenta-lhe ainda o papel que esta representa enquanto mecanismo de manipulação e alienação próprio do espectá espect culo: “esta identificação superficial e vaga, ainda que permanente, tenaz e universal constitui uma das peças de compensação o essenciais da sociedade democr democrática”48 As vedetas e os campeões são assim veículos de mediação e transferência para a realização de objectivos imaginários e desejados. A situação atinge por vezes proporções sintomáticas do fanatismo, em que os fans49 imitam ou seguem os hábitos e o visual do ídolo. Enquanto mecanismo de compensação a delegação torna-se muitas vezes numa habituação, construindo no sujeito o que o autor reconhece como uma “segunda natureza”. No entanto, não é sem algum descrédito e nostalgia, que Caillois reconhece o carácter superficial desta massificada modalidade do lúdico tão presente na nossa sociedade: “...a mimicry surge difusa e adulterada. Privada da máscara, scara, jjá não conduz à possessão ou hipnose, mas sim à mais vvã das ilusões...”50 3. Novos territórios do jogo
51
Interfaces de visualização gráficos como o GUI (Graphical User Interface), desenvolvido pela Apple Macintosh em... e interfaces de introdução de dados como o teclado, o rato e aplicado à utilização lúdica o joystick.
> fig. 57 Pad , interface de introdução de dados, usado nos jogos de computador 52
Espaço de processamento de dados digitais, ou o espaço no qual e através do qual se procede à mediação digital do real.
O desenvolvimento e popularização das Tecnologias de Informação, nomeadamente do computador pessoal e respectivos interfaces51 vieram permitir a fundação de um novo terreno e suporte da actividade lúdica: o espaço virtual52. Ao contrário de outros dispositivos electrónicos de mediação do real, como a televisão ou o cinema, que como vimos promovem uma relação passiva e contemplativa do sujeito face ao objecto, o espaço virtual exige do usuário a sua participação e interacção, introduzindo, interpretando e processando dados constantemente. A caixinha mágica de imagens que nos apresentava outros mundos é lentamente substituída por uma caixa mágica de ferramentas que nos permite construir mundos pessoais ou comunitários, interagindo com e dentro deles. É nesse sentido, que o computador veio alterar significativamente a experiência lúdica, entretanto degradada desde a Revolução Industrial num crescente processo de espectacularização, e do que Caillois denominou de delegação. Através dos jogos de computador a prática lúdica ganha um novo vigor, recuperando duas importantes características estruturais: a participação no jogo pela
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53
Recrear (de recreativo) e recriar (criar de novo) provêem da mesma palavra latina recreare
54
Rosa, Jorge Martins “No Reino da Ilusão”, Edições Vega, Lisboa, 2000, p. 61-62
55
alter-ego é um termo da piscologia freudiana para denominar o outro eu, o eu idealizado pelo sujeito, mas que não se manifesta no espaço real. O espaço virtual, principalmente quando conectado em rede, veio permitir a exploração dos alteregos individuais.
46
interacção recriativa53 e no que toca à mimicry, a encarnação e representação activa de personagens. A esse respeito, Jorge Martins Rosa propõe a afinação do conceito de mimicry em três variantes. A primeira variante corresponde à mimicry no seu estado puro, associada essencialmente a festividades e rituais em sociedades pré-modernas, como referido na capítulo anterior. Como segunda manifestação, Rosa apoia-se na noção e terminologia utilizada por Caillois, considerando o fenómeno da delegação enquanto manifestação adulterada da mimicry. O autor acrescenta-lhe o termo passiva, para acentuar a sua natureza e diferenciá-la do que ele considera um outro fenómeno de delegação associada por Rosa aos videojogos como uma delegação activa54. De facto, no caso dos videojogos, o jogador executa as suas acções e jogadas num espaço virtual, delegadas através de um personagem igualmente fictício, também designado de avatar. O avatar do jogador poderá conhecer diversas formas, fantásticas ou humanas, com sexo e idade diferenciadas. Esta personagem, aquele que o jogador constrói ou escolhe para se representar no campo de jogo irá corresponder ao seu alter-ego55, personificando virtualmente características com as quais se identifica ou gostaria de se identificar.
> figs. 58, 59 e 60 cibernautas e respectivos avatares
Este novo elemento lúdico, a delegação activa, irá ultrapassar o campo dos videojogos, tornando- se num dispositivo de socialização com a instalação e difusão da Internet. Desde o seu aparecimento mais massificado em meados dos
> fig. 61 Lan party, 56
O ciberespaço é a geografia digital de informação que corre em redes informáticas
anos 90, a Internet rapidamente se assume como um dos meios mais populares de comunicação (e-mails e FTPs) e de socialização, através de canais de conversação e fóruns. O indivíduo agora socializa com pessoas de todo o mundo, todas assumindo uma identidade mascarada, imaginária. Sente-se desta forma mais à vontade numa primeira abordagem social, liberto da intimidação que a imagem hoje carrega com todos os preconceitos a ela associados. Este mundo fictício, no fundo uma forma de jogo social, permite-lhe explorar traços da sua personalidade que no real quotidiano não têm oportunidade de se manifestarem, desdobrando-se no ciberespaço56 em múltiplos alter-egos ou avatares. Esta forma activa de delegação verifica-se também nos videojogos. Num primeiro momento, os videojogos estabeleciam uma interacção biunívoca, ou seja em dois sentidos (homem-computador/computador-homem). A possibilidade de ter
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inspirados nos Role Playing Games, como o Dungeos & Dragons, os MUDs são plataformas multijogadores, cujo interesse é o desempenho de um personagem num complexo sistema social, cultural, político. No fundo, os MUDs são mundos paralelos que vivem da interacção dos seus participantes. São por isso sistemas abertos e indeterminados, crescendo e desenvolvendo-se, simulando o crescimento de uma sociedade real. 58 É o caso do jogo Sims on line, em que cada personagem simula viver num mundo semelhante ao nosso. Cada jogador tem de arranjar emprego, comprar casa, desenvolver amizades e relações amorosas. Sendo um jogo em rede, os jogadores interagem entre eles, desenvolvendo relações reais num mundo virtual. 59 O Project Entropia é um MUD, um mundo fantástico, igualmente ficcional com monstros e combates. Distingue-se de outros por ter um sistema económico próprio. Os jogadores precisam de ganhar dinheiro para comprar armas. Para isso têm de trabalhar para outro jogador, numa loja ou café. Considerando que os jogadores podem trocar dinheiro real na moeda de câmbio deste mundo virtual, há jogadores que ganham dinheiro real, à custa da exploração do sistema económico do jogo.
os computadores conectados em rede, seja uma rede restrita, seja a Internet, permitiu desenvolver plataformas lúdicas multi-jogadores. Aqui a interacção torna-se interpessoal, em que pessoas de todo o mundo participam e interagem partilhando um cenário virtual comum. Neste sentido, o jogador deixa de ter uma máquina como adversário, a máquina torna-se apenas na plataforma que cria a matriz lúdica e regula as condições de jogo entre vários indivíduos. Dependendo da natureza dos jogos, há casos57 em que os jogadores constróem o próprio mundo que habitam, podendo definir o seu ecossistema, arquitectura, etc.., a personalidade e vida social do personagem que encarnam58. Aplicados a plataformas multi-jogadores, verificamse verdadeiras comunidades virtuais, mundos paralelos ao nosso, nalguns casos desenvolvendo uma economia própria59.
> fig. 62 Project Entropia
> fig. 63 Sims on Line
60
Este tipo de dispositivo, que permite uma prática lúdica interpessoal, irá introduzir uma dimensão humana, que os videojogos não tinham, sendo responsável pelo sua rápida popularização e crescimento a partir de meados dos anos 90. Os espaço virtual em rede60 é agora um grande palco de representação, um grande jogo, em
quer em plataformas multijogadores quer em canais de conversação 61 dentro da Internet assume-se o Inglês como Idioma universal 62 estou-me a lembrar de determinados meios em que o indivíduo não pode manifestar livremente determinadas opiniões ou comportamentos como em ditaduras políticas, religiosas, em meios sociais conservadores ou em situações de reclusa..
que todos encarnam um papel ou personagem. As características da mimicry, antes perdidas na sua forma degrada e passiva, ganham uma nova vida e sentido. Milhões de pessoas em todo mundo estão conectadas em rede, partilhando e trocando informações, jogando e representando, socializando, ultrapassando condicionantes físicas como a posição geográfica, a etnia ou idioma de origem61, a posição social, a imagem física, a idade ou mesmo situações de controle exterior, como a censura política, familiar, religiosa e social62. Mas independentemente do seu carácter interpretativo ou dramático no que toca à sua natureza de interacção, os jogos de computador também podem ser classificados no que diz respeito à sua concepção. Sendo difícil a taxinomia absoluta dos videojogos, considera-se a sua classificação em géneros, entendendo o género como algo não dependente de categorias fixas , mas sim de práticas que o formam e alteram continuamente.
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Ibid., pp. 93-116 64 Se os primeiros dois, os jogos de arcade e de aventura exigem uma interacção baseada na descoberta e aprendizagem, a os jogos de simulação e o role-play acrescentam-lhe a manipulação, enquanto que nos jogos de estratégia e wargames permitem ainda o teste.
> fig. 64 Pong, um dos primeiros jogos de computador
> fig. 65 Sims, simulação de uma cidade 65
Ibid., p.110
> fig. 66 Tetris
> fig. 67 Super Mario
> fig. 67 Quake
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Jorge Martins Rosa63 irá servir-se de dois estudos distintos na abordagem do problema. David Myers aborda a classificação dos videojogos, considerando os seus materiais textuais, a estrutura de intriga e os padrões de interacção. Apoiandose nos 6 géneros definidos na revistas da especialidade, arcade, aventura, simulação, role-play, wargame e estratégia, verifica-se nesta ordem uma crescente complexização dos padrões de interacção.64 Mas será a classificação dos autores Alain e Frederic Le Diberdier que nos permitirá ter uma referência mais operativa quando posteriormente abordarmos questões relacionadas com a temática. Estes autores consideram três grandes “ilhas”, correspondendo cada uma delas a uma forma de jogar. Temos então uma primeira “ilha” denominada de Adaptações, referindo-se a imitações e adaptações para a plataforma informática de formas de jogo que existiam antes de os videojogos surgirem. Dentro desta ilha enquadram-se os subgéneros dos jogos de raciocínio í , de sociedade e de aventura. ínio A segunda grande “ilha” é a dos Simuladores, mais popular, dado o grau de interactividade e de representação gráfica hiper-realista. Os autores subdividiram esta classe em sistemas complexos, a que correspondem jogos de estratégia (acção reflectida e pensada), simuladores de desporto, de meios civis de transporte e de veículos íículos militares, embora entre estes dois últimos subgéneros a diferença seja pouco ou nada relevante. Por fim, a terceira ilha, mais irregular, mas também mais povoada, comporta os chamados jogos Arcade. A origem deste tipo de jogos, reside , para Jorge Martins Rosa, nas diversões de feiras populares65; mas enquanto que as adaptações são tentativas de reproduzir jogos pré-existentes num novo meio, já no caso dos Arcades se verifica uma enorme afinidade entre este género de ludismo e o suporte digital, desenvolvendo através deste uma natureza própria. A principal característica deste tipo de jogo reside na rápida interacção entre máquina e utilizador, apoiandose na coordenação olho/mão, ou seja em impulsos reflexivos. Esta “ilha” será dominada então por jogos de reflexos, podendo ter uma configuração mais pura e abstracta em jogos como o Tetris ou estar subordinada a determinadas temáticas, nomeadamente subgéneros como jogos de destreza e velocidade (como o International Tennis), jogos de plataforma,( como o Super Mario Bros) e ainda os populares Shoot’em Up (Counterstrike) e Beat’em All (Street Fighter Fighter), basicamente jogos de “tiro ao alvo” e de “porrada”. Há sempre que considerar algumas reservas na classificação de videojogos em géneros, nomeadamente a de manter uma leitura aberta, permeável e dinâmica da taxinomia, aceitando a existência de “pontes” entre ilhas e subgéneros, ou seja fenómenos de hibridização. É o caso de jogos como o Unreal Tournament ou o Doom, que dentro de uma matriz Shoot’em Up (ilha Arcades), englobam situações em que o jogador tem de definir estratégias de acção (ilha das Adaptações) ou simular a condução de um veículo para se deslocar (ilha dos Simuladores). A Indústria lúdica dos jogos de computador, tornou-se no espaço de 20 anos na indústria com maior popularidade e florescimento económico no campo do entretenimento. A arquitectura e produção de determinados videojogos engloba orçamentos comparáveis aos de superproduções de Hollywood, anunciando assim a predominância deste tipo de actividade lúdica nas gerações mais novas. A palavra-chave e que marca a viragem de atitude na forma de encarar o lazer
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Realidade Aumentada é termo técnico utilizado para designar tecnologias que sobrepõem ou hibridizam dados físicos do mundo real com dados digitais do mundo virtual. È o caso por exemplo de programas que nos permitem observar no computador imagens vídeo em tempo real de um lugar e alterar, por exemplo as cores da fachada ou a música de fundo. Outro tipo de aplicação existente são capacetes com visores, que além de vermos o espaço real, sobrepõem informação digital no campo de visão, como por exemplo o mapa da cidade ou as coordenadas geográficas. A Realidade Aumentada é um fenómeno emergente e bastante recente, vendo já algumas aplicações na arquitectura. No ensaio The Poetics of Augmented Space:Learning from Prada, Lev Manovich interpreta projectos dos NOX, como o pavilhão H20 e de Rem Koolhaas, como os dispositivos de exposição das lojas Prada (desenhados em colaboração com a firma Kramdesign) como exemplos recentes de arquitecturas que integram tecnologias de RA. 67 A empresa portuguesa Ydreams, desenvolveu um jogo RA, baseado na tecnologia móvel da rede celular Vodafone. Undercover é o primeiro jogo de estratégia multijogador para telefones móveis. A posição real do jogador é a principal ferramenta para o cumprimento de diversas missões. É um enredo virtual, fazendo do jogador um agente secreto num mundo devastado pelo terrorismo e guerras biológicas, tendo como campo de jogo o mundo real. Temos também o exemplo do recentemente lançado Human Pac-Man, desenvolvido pela empresa de Singapura Mixedmedia Lab. É uma adaptação da tradicional Pacman, usando os meandros da urbe como labirinto. Existem 4 jogadores, dois jogadores no espaço físico, o Pacman e o Ghost, em que um tem de apanhar o outro, e os respectivos ajudantes sentados ao computador. Estes dois vão acompanhando o jogo e dando informações.
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é interactividade e conectividade, ao contrário da passividade, esgazeamento e esvazeamento de consciências das gerações anteriores, sobretudo marcadas pelo poder da televisão. Começa-se a verificar então a utilização de dispositivos interactivos em ambientes recreativos e pedagógicos, como nas escolas e museus. Mesmo a própria Indústria televisiva correrá o risco de perder terreno e popularidade se nos próximos anos não aderir a um modelo interactivo, actualmente em fase de desenvolvimento. Mas se a interactividade e conectividade vêm alterar a forma como percebemos e nos encaramos perante o mundo, despoletando uma atitude lúdica e participativa, esta não se esgota no espaço virtual ou em dispositivos electrónicos. A Realidade Aumentada66, fundindo e hibridizando o real com o virtual, poderá trazer aplicações inovadoras, inclusive no campo disciplinar da arquitectura, integrando dispositivos próprios do mundo digital no espaço real, seja no espaço urbano como no espaço doméstico. Apoiando-se em sistemas móveis de comunicação como o telemóvel e de sistemas de posicionamento, como o GPS, empresas como a Ydreams ou a Mix Media Lab estão a trabalhar e a explorar soluções em que fazem da cidade real o cenário físico dos seus jogos67.
> fig. 68 e 69 dispositivos utilizados em jogos de Realidade Aumentada
4. O princípio íípio lúdico e sua interpretação na composição o art artííística stica e arquitectónica Como forma de síntese ao que neste capítulo foi considerado sobre o jogo, pareceu-me fundamental definir resumidamente instrumentos de interpretação e de produção que possam servir o campo disciplinar artístico e arquitectónico. Nesse sentido procurei interpretar algumas manifestações da História da Arte e da Arquitectura à luz do que podemos designar como princípio íípio lúdico. Pretende-se desta forma identificar algumas formas e maneiras de desenvolver situações lúdicas, como referência a uma possível prática projectual que pretenda encarnar uma visão lúdica e dinâmica da realidade. Entenda-se por princípio lúdico, qualquer tipo de dispositivo imagético ou espacial, que convide o sujeito a participar e interagir numa certa forma de ilusão e de jogo, desafiando a sua destreza (física ou intelectual - agôn), o seu imaginário e capacidade de simulação - mimicry ou a experiência de vertigem e de desorientação (ilinx). Não incluo como constituinte deste princípio a classe alea ou a experiência da aleatoriedade e do azar; a não ser que associado às características enunciadas.
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68 Existe no princípio do sublime uma participação do sujeito com o meio ou objecto, recorrendo por vezes à desorientação como no princípio lúdico, mas não se verificando, porém, uma interacção dinâmica entre os dois; muito pelo contrário, o princípio do sublime explora no sujeito a sua capacidade de ficar estupefacto e hipnotizado, imóvel perante o espaço ou objecto em questão. A denominação de um princípio subliminal surge apenas como referencia a um mote compositivo, que poderá ser superficialmente confundido com o anterior, mas cujas divergências devem ficar bem esclarecidas.
69
Checa e Morán apontam para a década de 1630. Cf. CHECA, Fernando e MORÁN, José Miguel El Barroco Ediciones Istmo, Madrid, 1994, p. 18
70
Idid., p.18
> fig. 70 máquina lúdica de Salomon de Caus
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Independentemente dos jogos propriamente ditos, definidos e institucionalizados, poderemos encontrar um princípio lúdico, com maior ou menor presença, em diversas manifestações de natureza artística ou arquitectónica. Considero como característica específica do princípio íípio lúdico, o estímulo à participação activa (cognitiva ou física); ou seja uma experiência interactiva; que peça pelo sujeito, que lhe apresente um desafio. Através deste processo, o princípio íípio lúdico estabelece uma ordem própria, nem sempre imediatamente descodificável (incerteza - tensão), mas que convida o sujeito a um estado temporário de imersão, a mundo ilusório (inlusio, inludere). A participação activa do sujeito, encarnando por vezes um outro papel neste mundo fictício, é o que distingue o princípio lúdico do que chamarei princípio íípio pio do espect espectá áculo ou do sublime. Embora partilhe com este algumas características estruturais, como a imersão e o apelo aos sentidos, o princípio íípio do sublime convida o sujeito a entrar num mundo fictício, recorrendo frequentemente à hiperbolização e a imagens persuasivas, mas em que a sua participação é passiva, tornando-se num espectador esgazeado. O espectáculo, o mundo em que entrou, é de tal ordem sublime, que transporta o sujeito a uma letargia contemplativa. 68 O princípio íípio lúdico e o princípio íípio do sublime são duas chaves interpretativas de determinadas manifestações artísticas e arquitectónicas, considerando-lhes porém um valor relativo e não universal. Estes dois princípios não são antagónicos e não se verificam em toda a história da arte, manifestando-se pontualmente com maior ou menor presença em determinadas épocas ou correntes. A transição da arte maneirista para a arte barroca, poderá ser considerada, em termos gerais, ilustrativa de uma passagem de uma visão lúdica da arte para uma visão artística mais representativa ou subliminal. O Maneirismo manifesta-se essencialmente na sequência do primeiro Renascimento quatrocentista, durante todo o séc. XVI e até meados do séc. XVII.69 Interiorizando os instrumentos operativos do Renascimento, principalmente a perspectiva e a representação geométrica, os maneiristas irão explorar a maneira como percepcionamos o espaço, jogando com distorção sensitiva entre o espaço aparente e o espaço construído. O cerne do espírito lúdico presente na arquitectura maneirista reside na promiscuidade empírica entre uma visão artística e uma visão científica da realidade, que com o pragmatismo do espírito moderno se viria a perder. Será na construção dos espaços lúdicos para classe senhorial que o maneirismo se afirma de forma mais livre e fantasiosa, mais especificamente nos jardins. O tratado de Salomon de Caus Les Raisons des Forces Mouvantes, de 1624, denuncia uma visão da Natureza e da mecânica de chave científica, mas de uma ciência aplicada a um princípio lúdico, alheia a qualquer pragmatismo.70 O Hortus Palatinus em Heidelberg é um exemplo da aplicação da tratadística de Caus, um jardim mágico e maravilhoso, povoado de aparelhos lúdicos, como autómatos mecânicos ou orgãos musicais hidráulicos. A visão de Salomon de Caus vai beber influências aos tratados de Robert Fludd (De Naturae Simiae, 1618) ou do jesuíta Athanasius Kircher, onde é explorado um conceito mágico-simbólico da realidade, integrando a prática científica numa ordem cosmológica do real. Esta postura de raíz neoplatónica de conceber a realidade em termos de magia, considerando a arte e a ciência como meios de acesso a essa realidade, era
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> fig. 71 aspecto de Parco Pratolino, de Bernardo Bountalenti
> fig. 72 gruta artificial com jogos de água, de Salomon de Caus, projectado para Hortus Palatinus
> fig. 73 visão hermética do mundo, gravura de Robert Fludd 71 72
Idid., p.20 idid., pp. 65-72
> fig. 74 má máquina lú lúdica de Salomon de Caus 73
A Contra-reforma marcará a transição do Maneirismo para o Barroco. O Barroco desenvolve uma linguagem imagética e excessiva, instrumento e representação do poder da Igreja face à aristocracia.
> fig. 75 aspecto do jardim de Vila d’Este de Pirro Ligorio
defendida por autores como Giordano Bruno ou Parcelso, em clara oposição à postura moderna e racionalista de Galileu Galilei.71 É este ambiente simultaneamente lúdico/festivo e mágico/esotérico que caracteriza o jardim maneirista. Labirintos, grutas artificiais, mecanismos lúdicos, monstros e divindades pagãs habitavam estes jardins secretos e misteriosos da aristocracia quintecentista72. Podemos encontrar exemplos deste tipo de espacialidade lúdica maneirista, de carácter artificioso e hermético, nos jardins desenhados por Bernardo Buontalenti (Parco Pratolino), Pirro Ligorio (Vila Lante, Vila d’Este e Vila Bomarzo) ou Salomon de Caus (Hortus Palatinus-Heidelberg). Com o Barroco e o posteriormente o Iluminismo, o princípio lúdico desvanecese, desenvolvendo uma linguagem baseada no poder contemplativo e ofuscante da imagem, seguindo claramente o princípio íípio do sublime. Aqui entra o domínio da sensação e do espectáculo, mantendo-se o carácter imersivo e por vezes desorientador, mas perdendo-se o estímulo da participação e interacção, favorecendo a estética de uma imagem representacional dos órgãos de poder soberanos73.
> fig. 76 aspecto do jardim de Bommarzo de Pirro Ligorio
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> fig. 77 colagem de Raoul Haussman 74
Subjacente à descontextualização e construção de outras ordens do real está associada a teoria freudiana do “estranhamente familiar”. Publicado em 1919, neste texto, Freud expõe a sensação que se têm ao percepcionar um elemento familiar num contexto diferente do habitual. O estranhamente familiar ou insólito, foi largamente explorado pelos Surrealistas, através de autores como Salvador Dali, Max Ernst ou Hans Bellmer. A obra do austríaco Friedrickh Kiesler é a única que tentará interpretar arquitectonicamente estes conceitos.
> fig. 78 obect trouvé de Marcel Duchamp
> fig. 79 boneca de Hans Bellmer
> fig. 80 quadro de Magritte
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Na primeira metade do século XX, podemos encontrar nalgumas correntes de vanguarda artística, um princípio íípio lúdico subjacente à procura de renovar o papel e a linguagem da arte na sua relação com a História e a sociedade. Movimentos como o Dadaísmo ou o Surrealismo quebram o sentido tradicional da arte como uma linguagem figurativa e representativa da realidade, para jogarem com elementos fragmentados e díspares do real de forma descontextualizada, e assim explorarem a arte como um jogo de construção de outras ordens do real74. Associada a esta atitude lúdica, está também a vontade de estes artistas se libertarem de uma série de valores relacionados com a representação figurativa e com o ideal de belo ou sublime. O belo, se existir, é um juízo de valor que pertence ao leitor subjectivo da obra e não é a obra que representa um ideal de beleza do autor. Esta atitude aproxima-se então do maneirismo, no sentido em que enfatiza e joga com a maneira como a obra será lida. Nesse sentido, e numa tentativa de explorar novos códigos semânticos, a obra torna-se mais abstracta, por vezes conceptual outras vezes simbólica, a manifestação lúdica e dinâmica de uma realidade que o leitor terá de interpretar e descodificar. Os Dadaístas, por exemplo, irão explorar a livre associação de elementos retirados de origens diversas, como dos jornais ou da publicidade, usando a colagem ou a fotomontagem como técnica plástica. Surge também o object-trouvé como matéria de inspiração ou composição artística, objectos encontrados pelos artistas e que inseridos noutro contexto ganham uma outra significação. Os Surrealistas, por sua vez, apoiam-se nas descobertas de Sigmund Freud sobre o sonho e o inconsciente, para explorarem a realidade onírica, os desejos reprimidos, o erotismo; procurando recriar uma ordem libidinal e onírica í írica da realidade. É através destes movimentos de vanguarda do início do século, que surgem as instalações, em que o artista dispõe uma série de elementos num espaço específico, criando um ambiente, usando a linguagem lúdica da arte para criar um lugar que vive e manifesta uma outra ordem do real. Surgem também as performances ou happenings, onde o artista assume o papel de actor e interpreta para uma audiência determinados movimentos, acções, igualmente no sentido de provocar a construção de um espaço dramático, recorrendo à participação, por vezes à interacção do público; um espaço lúdico, próximo do ritual, da mimicry em estado puro. Este tipo de manifestações artística, a instalação e a performance, embora tendo sido pontualmente exploradas no início do século, ganharão maior expressão a partir da década de 50 através de Yves Klein ou do movimento Fluxus.
> fig. 81 instalação de Marcel Duchamp
> fig. 82 performance de Yves Klein
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Autor entre outros textos de A Sociedade do Espectáculo, obra comentada no primeiro momento deste trabalho
> fig. 83 planta de New Babylon 76
Aplicando a Teoria da Deriva, os Situacionistas passeavam pela cidade, deixando-se perder por locais inóspitos, à procura da leitura de uma outra cidade oculta, uma espécie de cité-trouvé. Os mapas psicogeográficos são a tentativa de representar graficamente, a cidade como experiência e não como forma, cartografando a intensidade de determinados momentos e situações, identificados subjectivamente. 77 Inspirada pela Teoria dos Momentos de Henri Levefbre, onde o espaço é interpretado segundo eventos ou momentos de experiência, a situação construída é definida no primeiro número do jornal da IS como “um momento da vida, concreta - e deliberadamente construído pela organização colectiva de um ambiente unitário e um jogo de eventos?”
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Em finais dos anos 50 surge uma organização de artistas e intelectuais, que utilizarão a arte, como forma de combate subversivo ao regime capitalista. A Internacional Situacionista, liderada por Guy Debord75, nasce em 1957 e durará até 1972, resultando da união de três agrupamentos de artistas em dissidência com a arte: o Comité Psicogeográfico de Londres, a Internacional Letrista e o Movimento para uma Bauhaus Imaginista. Este movimento tentará levar a prática lúdica dadaísta e surrealista mais longe, procurando integrar a arte no quotidiano, entendendo a arte como uma forma de estar e viver, do ser humano se exprimir, e não como um exercício exclusivo de um determinado círculo cultural. Esta formulação é inspirada na leitura do livro já mencionado de Huizinga, interpretando-a no sentido de fazer da arte e da vida um grande jogo, tentando formular uma sociedade, em que o indivíduo interage socialmente e politicamente pelo exercício da prática lúdica. Através do desenvolvimento de cartografias psicogeográficas da cidade76 e da formulação de um urbanismo unitário, baseado na construção de situações77, os Situacionistas criticam ferozmente o urbanismo modernista, zonificado, mecanicista e inumano. O projecto New Babylon do artista plástico situacionista Constant, será a tentativa de materializar uma cidade para uma comunidade liberta do sistema capitalista e orientada para a ludicidade. Inspirado pelos acampamentos ciganos, Constant irá propor uma cidade de crescimento espontâneo, construída pelos seus habitantes, que por ela derivam nomadicamente, transformando e (re)criando os ambientes que habitam. Quer pelas propostas utópicas de Constant, quer pelos exercícios de deriva, desvio e desorientação, para os Situacionistas a cidade é uma enorme plataforma lúdica, espaço condutor e catalisador de desejos e receios de uma sociedade orientada para o prazer do jogo, do erotismo e do nomadismo errático. O princípio íípio lúdico adquire nos Situacionistas uma força estruturadora de todo o seu discurso político e artístico. Na arquitectura, apesar das propostas utópicas de Constant, a tentativa de adoptar um princípio lúdico na construção de espaços, permanece tímida e pontual. Será a obra de Cedric Price78 a única a integrá-lo de forma operativa num dispositivo espacial. À semelhança da New Babylon de Constant, no projecto Fun Palace, os utentes do edifício manipulam dispositivos transformadores do ambiente e da configuração do espaço. O edifício é um enorme jogo, um enorme mecanismo, desenhado e determinado pelo usufruto lúdico dos seus utentes.
> fig. 84 e 86 aspectos da maquete de New Babylon 78
e paralelamente, sob um registo mais gráfico e panfletário, a obra de uns Archigram, Superstudio e Archizoom
> fig. 87 Fun Palace de Cedric Price
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formado em arquitectura, Matta-Clark desenvolve uma prática crítica e intervencionista, explorando o conceito por ele criado de Anarchitecture (Anarchy + Architecture).Matta Clark intervinha em edificações abandonadas ou neutrais, que passavam normalmente desapercebidas. Entre 1974 e 1978, data da sua morte, Matta-Clark desenvolve aí uma série de trabalhos como Splitting, em que explora as capacidades expressiva desses edifícios ao cortá-los literalmente em secções, ou abrindo buracos que atravessam o construído, como que dissecando cadáveres arquitectónicos. 80 À semelhança de Matta-Clark, também a obra do artista americano Dan Graham reflecte questões de índole espacial e arquitectónica, desenvolvendo jogos de auto-percepção do sujeito no espaço. Numa primeira fase Graham explora o sinal vídeo, em conjunção com vidros unireflexivos (translúcidos de uma lado e reflectores do outro), numa clara alusão crítica à profusão de sistemas de videovigilância.. Desta forma, nas suas instalações, transforma muitas vezes o sujeito que observa ou vigia, num sujeito igualmente observado e vigiado por outros participantes, invertendo os papéis audiencia/performer para performer/audiencia. Posteriormente Graham irá explorar as capacidades reflexivas do vidro, jogando com a forma e geometria de pequenos pavilhões, procurando criar situações percepcionais ambíguas entre os limites de interior e exterior. Tendo tido recentemente uma retrospectiva no Museu de Serralves, podemos encontrar um dos seus pavilhões no jardim deste museu no Porto. 81 Igualmente proveniente do meio artístico, Vito Acconci, dedica-se há cerca de 15 anos a projectos e instalações arquitectónicas no meio urbano. Com um forte carácter lúdico e descomprometido, Acconci introduz o sentido crítico e irónico próprio da sua prática artística no campo disciplinar arquitectónico. 82 Destes autores, na sua maior parte formados em arquitectura, destaca-se uma obra experimental que procura redefinir os limites da intervenção arquitectónica, explorando tecnologias de Realidade Aumentada como mecanismo de configurar o espaço; na minha opinião meios igualmente legítimos que os tradicionais, permitindo o desenvolvimento de uma estética digital em fusão com uma estética material. 83 Também os arquitectos novaiorquinos Diller+Scofidio exploram através da prática artística, nomeadamente em instalações multimédia, um discurso experimental que será aplicado na construção dos seus edifícios, como o Blur, na Expo 02 em Neuchattel ou o EyeBeam, em Nova Iorque
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No campo artístico, é principalmente entre as décadas de 50 e 70 que se afirma um tipo de prática experimental, que explora ludicamente vários tipos de suportes e linguagens. Artistas como Gordon Matta-Clark79, Dan Graham80 ou Vito Acconci81, integram na sua obra um discurso que explora o espaço arquitectónico e a sua percepção. Descomprometida de uma relação contratual com o poder, da qual a arquitectura subsiste como instrumento de representação, este tipo de prática experimental e crítica do espaço, começará a ter mais influência no campo disciplinar arquitectónico a partir de inícios dos anos 90.
> figs. 88, 89 e 90 Dan Graham
O reinsurgimento de um princípio lúdico na configuração da experiência espacial, deve muito ao desenvolvimento de Tecnologias de Informação e da exploração de dispositivos de interacção e conectividade em rede. Artistas e arquitectos multimédia como Rafael Lozano-Hemmer, Christian Möller, Rude Architects ou os Chaos Computer Club82 enunciam intervenções no espaço urbano, configuradas pela participação de utentes na Internet. Entramos já no domínio da Realidade Aumentada e no vasto campo de potencialidades que esta oferece para a integração de um princípio lúdico na disciplina arquitectónica contemporânea. Recentemente podemos encontrar exemplos na obra dos NOX ou dos Diller + Scoffidio83 de uma abordagem projectual que integra dispositivos lúdicos de manipulação e interacção digital homem/espaço na configuração formal e programática do edifício.
> fig. 91 Vectorial Elevation de Rafael Lozano-Hemmer
> fig. 93 interior de Eyebeam, proposto por Diller+Scofidio
> fig. 92 Blinkenlichts de Chaos Computer Club
> fig. 94 corte diagramático dos circuitos electrónicos no projecto Eyebeam
> fig. 95 Liebeslabyrinth de Vries, labirinto do amor
2.2 ESPAÇO DE JOGO: O LABIRINTO
“O labirinto é a problemática tica da troca local dos sinais suficientes para dar coer coerência ao todo” Pierre Rosenstiehl
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1. Origem, história e simbologia do labirinto
1
in Dicionário Porto Editora 2003
2 Kern, Hermann Labyrinthe, Prestel Verlag, 1999, p.17
> fig. 96 duplo machado minóico, labrys
A palavra labirinto tem hoje um significado alargado, denominando, em termos gerais uma “estrutura (ou edifício) composta por vários caminhos, interligados, tornando difícil encontrar a única saída”1, sendo em termos figurativos sinónimo de “confusão ou enredo”. Basicamente um espaço labiríntico é um espaço onde reina a desorientação, ou para ser mais preciso, uma estrutura espacial fechada regida por códigos que ultrapassam a forma clássica (cartesiana) de interpretar o espaço e o seu sentido. A etimologia da palavra labirinto está ainda por definir, embora alguns autores apontem2 para a possibilidade, de esta devir do termo grego labrys (duplo machado) e do pos-fixo préhelénico inthos, que significará possivelmente lugar ou casa de. Sabendo que o duplo machado era o símbolo do reinado de Minos na cidade de Cnossos em Creta, poderemos interpretar o termo labyrinthos como “a casa do duplo machado”, remetendo directamente para o palácio cretense de Cnossos. Embora não provada, esta hipótese permite-nos prever a idade da palavra, remontando, pelo menos à Idade do Bronze Médio (entre 2000-1600 a.C.), época da construção dos palácios minóicos ie da consolidação de Cnossos como a primeira grande cidade do Egeu. A civilização minóica e o labirinto cretense
3
embora me foque nas culturas minóica e micénica, há que mencionar igualmente a cultura troiana, desenvolvida no território da Anatólia, tendo como grandes urbes Troia, Samos ou Mileto.
> fig. 97 megaron micénico
> fig. 98 planta do palá palácio minó minóico de Myrto
Entre 3000 e 1000 a.C., o Mar Egeu será o berço das duas primeiras grandes culturas europeias3: a cultura micénica, localizada no actual território continental grego, representada por cidades como Atenas, Esparta, Corinto, Micenas ou Delfos, e a cultura minoíca, que se desenvolve no arquipélago das Cíclades e essencialmente concentrada na ilha de Creta. Tendo nascido e terminado quase paralelamente e partilhado o mesmo espaço marítimo, a arquitectura destas duas culturas é de natureza praticamente antagónica. Curiosamente, enquanto que a civilização micénica desenvolve uma arquitectura composta na articulação de volumes puros e monolíticos, os megaron, a arquitectura minóica caracteriza-se desde os seus primórdios pelo oposto, desenvolvendo estruturas espaciais complexas, orgânicas e fragmentadas; melhor dizendo labirínticas. A abstracção geométrica e depurada da arquitectura micénica está orientada para a monumentalidade e representação formal, com volumes puros e fechados, linguagem essa que terá uma influência determinante na linguagem arquitectónica grega. Por outro lado, a estrutura e articulação espacial construída pela civilização minóica, é de matriz evolutiva e aberta, aglomerando inúmeros espaços em grandes massas de construção. Mas se uma arquitectura labiríntica pode ser encontrada igualmente na arquitectura árabe, como nos kashbahs, o facto é que os cretenses a exploram em todo tipo de programa espacial, desde a habitação até ao palácio. Mais interessante ainda é verificar que o labirinto encarna para esta civilização uma simbologia estruturante e identificadora da sua cultura, como podemos constatar através das inscrições das moedas de Cnossos ou em placas de barro (espirais, labirintos, meandros..). Vimos também que a própria etimologia da palavra labirinto terá tido origem nesta ilha e veremos adiante que estará também relacionada com uma dança-ritual do mesmo
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nome. Será também nesta ilha que se desenvolve a figura canónica do labirinto unicursivo de 7 voltas e que terá lugar a famosa história de Teseu e do Minotauro encarcerado no famoso labirinto construído por Daedalus. Estamos perante uma civilização que faz do labirinto a sua cultura espacial, figurativa e sagrada, possivelmente uma perante cosmologia-labirinto. > fig. 99 gravura do labirinto cretense 4
Hermann Kern estudará essencialmente labirintos unicursivos, especialmente nas suas manifestações gráfico-simbólicas, literárias e de funções coreográficas, considerando os labirintos espaciais bifurcados sob outra designação e exteriores ao seu campo de investigação
5
Ibid., p.23
> fig. 100 Troaie Lusus 6
Ibid., pp. 99-112 possivelmente de entrada na puberdade e vida sexual ou na sociedade civil 8 Ibid., pp. 391-415 7
> fig. 101 alinhamento de pedras Trojaburg
> fig. 102 planta do Palá Palácio de Cnossos 9
Ibid., pp. 49-67
> fig. 103 aspecto da reconstrução do Palácio de Cnossos
O historiador Hermann Kern estudará o labirinto cretense, considerando ser esta a sua manifestação figurativa mais antiga. Na sua formulação canónica4, este é unicursivo, ou seja não apresenta bifurcações, é fechado para o exterior, tendo apenas uma entrada e desenvolve-se pendularmente em 7 voltas até um espaço central. Esta figura aparece já nas moedas de Cnossos, em forma circular ou quadrangular, a partir do 5º século a.C.. Mantém-se, no entanto, debaixo da dúvida, a relação directa desta figura com uma edificação, apesar de a palavra labyrinthos aparecer em fontes escritas associada a espaços ou edificações geradoras de desorientação, pelo menos desde o tardo-helenismo É interessante salientar a hipótese de Hermann Kern para a origem da figura do labirinto cretense. Esta terá tido inicialmente funções coreográficas5, fixando graficamente no chão as pistas de movimentação de uma dança do mesmo nome Labyrinthos, estando também associada nalgumas gravuras a uma dança guerreira da época, denominado de Troaie Lusus, executada a pé ou a cavalo e seguindo igualmente os movimentos marcados pelo labirinto de 7 voltas.6 Esta estranha dança- labyrinthos, provavelmente de carácter ritual iniciático7, poderá ser comparável às danças nórdicas, designadas de Trojaburgs, cujos vestígios (alinhamentos de pedras em forma de labirinto cretense) se encontram ainda hoje na Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia, Inglaterra e Alemanha8e que estarão na origens das conhecidas danças de Maio. Embora haja vestígios do antigo palácio de Cnossos, cuja reconstrução de Sir Arthur Evans aponta para uma organização espacial complexa e “labírintica”, não se encontraram indícios desta época de uma edificação com a planta da figura canónica cretense, o suposto labirinto que Daedalus terá construído para encarcerar o minotauro e de onde Teseus escapou graças ao fio de novelo da sua amada Ariana. Para o autor alemão, o labirinto cretense terá sido apenas a marcação no terreno dos movimentos da dança do mesmo nome, eventualmente criada e desenhada por Daedalus no pavimento do Palácio de Cnossos. Poderá ser também interpretada como uma dança ritual representativa do episódio protagonizado por Teseu, sabendo-se da existência desta para além do reinado de Minos, nomeadamente em Atenas, de onde Teseu era originário e igualmente noutras cidades micénicas.9 Não havendo vestígios históricos que provem a existência de tal edifício, ou mesmo do dito Minotauro e da mitologia associada, sabemos porém que a figura labirinto cretense era um signo identificador do poder político e económico minóico (gravado nas moedas de Cnossos), possivelmente da própria cultura; uma figura com forte carga simbólica, estruturante da vida social e religiosa dos cretenses.
> fig. 104 moedas de Cnossos
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Simbologia e significação
> fig. 105 labirinto hindu, derivado do modelo cretense
Será a figura canónica do labirinto cretense, estudada por Hermann Kern, que conhecerá uma maior manifestação como valor simbólico, espalhando-se pelos 5 continentes em várias civilizações e culturas pré-modernas. Esta carrega consigo a imagem de um percurso tortuoso e solitário que é necessário atravessar para atingir o centro. O centro adquire também, em diversas culturas, o valor simbólico da ordem, da união entre sagrado e profano, entre o humano e o divino ou da transmutação. O labirinto surge então como uma mediação tortuosa entre dois estados, entre o caos e a ordem, o profano e o sagrado, a vida e a morte. Sendo representado, como vimos, por rituais dançados, como a dança de Teseu ou dança dos grous, encontram-se nos Trojaburgs nórdicos ou até em danças chinesas (como o passo de Yu) paralelos de danças labirínticas que representam um ritual de passagem. Como ritual inici iniciático, em que só os eleitos após passarem pela prova do tortuoso percurso desorientador terão o privilégio de chegar ao centro escondido, o labirinto será utilizado como símbolo e prova de acesso a ordens secretas como a maçonaria e outras confrarias de construtores. Nesse sentido, o labirinto surge marcado no pavimento de catedrais góticas, simbolizando simultaneamente a assinatura da confraria dos construtores e o percurso peregrinatório à Terra Santa. O crente que não conseguia fazer a peregrinação real percorria em imaginação o labirinto até chegar ao centro, aos lugares santos. Fazia o trajecto de joelhos, percorrendo, por exemplo os 200 metros do labirinto de Chartres.
> fig. 106 as peregrinações virtuais no labirinto de Chartres
> fig. 107 grafitti encontrado sob a entrada de uma casa romana, em Pompéia
>fig. 108 ritual iniciático
10
O Inconsciente ou ID é , segundo a teoria freudiana, um dos três elementos constituintes da personalidade, juntamente com o Ego e o Superego. É neste que reside a pulsão libidinal e as pulsões vitais que orientam os nossos impulsos mais animais. É também no ID que se esconde o misterioso Mundo Onírico
O labirinto era igualmente símbolo de um sistema de defesa, guardando no seu centro algo de precioso ou sagrado. Será por isso usado como sistema militar para proteger cidades, túmulos ou tesouros de intrusos e estranhos (como no caso dos túmulos reais egípcios). Só conhecendo os planos do labirinto é que é possível aceder ao oculto. Nesse sentido é utilizado como figura simbólica de espantaespíritos í íritos em diversas civilizações. É o caso dos mosaicos á porta de entrada de casas romanas ou do guarda-fogo, colocado no meio da passagem central dos templos chineses. O labirinto protege assim o centro, a casa, o templo ou o próprio indivíduo, da entrada de espíritos malignos. No campo místico, o valor simbólico do labirinto está associado à ascese e transmutação espritual, representando o caminho tortuoso e cheio de provações que o asceta terá de superar, descendo ao interior de si próprio e regressando expurgado para atingir a transcendência ou consciência superior. O mundo material é visto como um labirinto de ilusões e tentações, procurando seduzir e desviar o asceta do seu destino iluminado. O sentido do oculto e da descida ao interior de si próprio será analisado por Sigmund Freud no início do sec. XX, desenvolvendo teorias sobre o inconsciente10 e o mundo onírico subterrâneo que albergamos. Este mundo paralelo, de linguagem simbólica será explorado pelo cientista recorrendo à hipnose e à psicanálise. Através destas descobertas, Freud põe em causa o papel determinante que se atribuía à razão no processo cognitivo humano, desvendando todo um mundo labiríntico e oculto que se desenrola paralelamente durante o nosso sono e que se
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manifestará inconscientemente no nosso estado de vigília. Se com o Iluminismo e o Racionalismo, o labirinto tinha perdido o seu valor simbólico, destruturado do seu poder mágico e oculto, passado 200 anos este é recuperado como símbolo do Inconsciente Humano e do Mundo Onírico. Será principalmente através do Movimento Surrealista que o labirinto se reinsurge como simbologia e estrutura de composição criativa. > fig. 109 desenho do surrealista André Masson
11
a dupla espiral e a suástica - duas espirais duplas sobrepostas em cruz
> fig. 110 meandro e suástica 12
Mäander ou Flächenmäander Veremos adiante, que embora não devam ser confundidos com o labirinto clássico, poderemos eventualmente enquadrar os meandros em topologias labirínticas de 3º categoria (estruturas rizomáticas ou em rede). 13
2. Morfologia e Tipologia Como antecedentes do labirinto podem ser identificadas formas a que poderemos chamar de protolabirintos. Tal é o caso da espiral e suas variações11, que apesar de ter em comum o percurso centrípeto e a clausura dos movimentos, distingue-se do labirinto por ser um percurso contínuo e não pendular, além de não ser uma forma fechada para o exterior. Os denominados meandros12, representados com frequência na cerâmica helénica, partilham com o labirinto o princípio íípio do desvio, apresentando geometrias lineares tortuosas e complexas, distinguindo-se deste por não apresentarem qualquer centro e não serem também necessariamente fechados para o exterior13. Tipológicamente, podemos interpretar o labirinto em 3 categorias: O labirinto cretense ou unicursivo
> fig. 111 labirinto unicursivo
14
a figura do labirinto cretense pode ser encontrada em toda a Europa, incluindo Escandinávia, Índia, Afeganistão, Indonésia (Java e Sumatra) e na América do Norte 15 o labirinto representado no pavimento da Catedral Chartres em França tem 11 16 redondo ou quadrado, sectorizado ou contínuo
Constituído por um único caminho, que conduz a um centro, não apresenta bifurcações, nem cul-de-sacs. O seu princípio compositivo e provocador de desorientação, baseia-se na quantidade de voltas e reviravoltas necessárias até atingir o centro. Depois de atingido é necessário percorrer o mesmo caminho no sentido inverso. Tem como forma canónica, o labirinto cretense de 7 voltas, profusamente divulgado pelas culturas grega e romana, tendo sido adoptado e aculturado por diferentes povos e religiões.14 A partir desta forma, conhecem-se várias derivações, nomeadamente no que toca ao numero de corredores15 e ao desenho.16
> fig. 112 variações do labirinto unicursivo cretense
Para autores como Hermann Kern, defendendo uma perspectiva histórica e etnológica, só este tipo de estruturas são legitimamente herdeiras da designação labirinto. Esta posição pode ser aceite, se considerarmos o labirinto enquanto figura e símbolo num contexto cultural; tal não é caso se o labirinto for analisado enquanto estrutura espacial. Neste campo deveremos considerar principalmente o labirinto como uma estrutura provocadora de desorientação, povoada de caminhos errantes que desviam o percorrente do seu norte. Para labirintólogos como Pierre Rosenstiehl ou Abraham Moles, o labirinto deve ter pelo menos um bívio ou bifurcação para ser considerado enquanto tal. Denomino então este tipo de estruturas como labirintos multicursivos, os quais podem ser subclassificados em dois tipos: topologias em árvore e topologias em rede.
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O labirinto multicursivo centrado ou arborescente
> fig. 113 maze, jardim inglês multicursivo 17
Rosenstiehl estabelece dois teoremas identificadores deste tipo de topologias: o primeiro teorema diz que numa estrutura em árvore todo o caminho impedido que percorre um corredor uma primeira vez, percorre-o uma segunda vez em sentido oposto e, no total, um número par de vezes alternando um e outro sentido e o segundo teorema postula que uma árvore tem sempre mais um corredor que o total das encruzilhadas (que é o corredor que leva ao centro ou saída, já que nenhum dos permitem lá chegar) in Rosenstiehl, Pierre Labirinto, Enciclopédia Einaudi, volume 13 Lógica Combinatória, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1998, pp. 18 Ibid., op.cit., p. 251
Ao contrário da caso anterior, este tipo de estruturas apresenta bifurcações e culde-sacs, ou seja múltiplos caminhos. Podemos considerar labirintos multicursivos de uma solução ou em árvore, quando apenas um dos caminhos conduz ao centro ou saída; e labirintos de n+1 soluções ou em rede, em que vários percursos chegarão ao lugar pretendido. A relação do número de encruzilhadas com o número de corredores determina a complexidade de resolução do mesmo, ou seja o grau de desorientação. Pierre Rosenstiehl classifica labirintos em topologia de árvore17, quando este não comporta ciclos. Segundo o autor um ciclo é “formado por corredores sucessivos que percorridos uma só vez, permitem ao viajante reencontrar os pr próprios passos”18. A metáfora da árvore ilustra bem as topologias sem ciclos, em que todos os caminhos crescem como ramificações, partindo de um tronco comum. Os caminhos desviantes não se conectam entre si, crescendo de forma derivativa, comportando uma ordem ciclomática nula. Bastará conectar dois caminhos de uma estrutura arborescente e completamos então um ciclo, estando agora perante uma estrutura de ordem ciclomática 1.
labirinto de ordem ciclomática 0
labirinto de ordem ciclomática 2 labirinto de ordem ciclomática 9
> fig. 114 diagramas em grafos de labirintos em árvore ou em rede
O labirinto multicursivo policêntrico, reticular ou rizomático
19
a qual pode ser representada como uma árvore à qual se acrescentam corredores de circulação 20 interpretado e reconstruído por Flinders Petrie em 1911, recorrendo a fontes literárias e vestígios arqueológicos.
> fig. 115 labirinto de Harawa, no egipto 21
Ibid.,op. cit., p. 260 Moles, Abraham, Psychologie des labyrinths in http://www. ifrance.com/micropsy/espace/ chapitre%20VII.htm 23 Ibid., op. cit., p.3 24 ver Castells, Manuel “A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. Volume I: A Sociedade em Rede” (2000), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002 25 ver Deleuze, Gilles+Guattari, Felix Mil Platôs, vol. 1, Editora 34, 22
As estruturas em rede são exemplos de topologias carregada de ciclos19. Este é o caso do Palácio de Cnossos, que com as suas várias conexões, tem um número ciclomático de várias dezenas. Dentro desta tipologia, o labirinto de Harawa, em Krokodipolis, no Egipto 20, é talvez dos maiores labirintos construídos da História com um número ciclomático de várias centenas. Para o matemático, “o papel psicológico do ciclo no labirinto é importante”, pois “socialmente, o ciclo amalgama a circulação de uma rede de troca, enquanto as partes arborescentes da rede geram segregação.” 21 Dentro desta categoria A. Moles propõe ainda a distinção entre labirintos simples e labirintos múltiplos22. Nos labirintos simples, todas as vias estão conectadas a um trajecto optimal, indicando na sua estrutura uma hierarquia reconhecível. No caso dos labirintos múltiplos, esta hierarquia desvanece-se, sendo descritos por Moles como “a condensação num mesmo espaço geométrico trico de vvários labirintos parciais, 23 cada um com a sua entrada e saída” í ída” . Deveremos considerar então labirintos multicursivos simples ou fechados, em que só alguns nós têm propriedades conectivas, muitas vezes com limites exteriores fechados; e a derivação para labirintos multicursivos abertos, em que existem múltiplos pontos de entrada e de saída, considerando que qualquer nó é multiconectável. Este tipo de estruturas tem uma natureza aberta e evolutiva, aproximando-se da noção de rede ou de rizoma. Estas topologias multiconectáveis, policêntricas e relativamente a-hierárquicas tornaram-se para autores como Manuel Castells24 ou Deleuze e Guattari25 num modelo de interpretação da actual Sociedade da Informação.
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São Paulo, 1996 ou “Rhizom” Merve Verlag, Berlim, 1997 26 ver Revista de Comunicação e Linguagens, n. extra, “A cultura
das redes”, Relógio d’Água, 2002 27 como é o caso dos bairros de lata e das favelas na periferia das cidades e de campos de
> fig. 116 rizoma
refugiados em terrenos fronteiriços 28 o rizoma é a raiz dos tubérculos, subterrânea , multiconectável e policêntrica, surge como modelo estrutural alternativo à raiz das árvores, que deriva de um tronco comum e não estabelece conexões com outros ramos da raiz 29 O modelo rizomático explorado pelos autores na própria estrutura do livro que escreveram, descontínuo, disjuntivo e heterógeneo. Deleuze e Guatari estabelecem então 6 princípios caracterizadores do rizoma. O primeiro e segundo princípios são a conexão e a heterogeneidade, considerando que qualquer ponto do rizoma pode e deve ser conectado a qualquer outro ponto. Através da conectividade desenvolve-se uma realidade heterogénea. Como terceiro princípio, os autores defendem a multiplicidade. A multiplicidade é a expressão da natureza, e só através da indiferenciação e a-hierarquização do rizoma é que ela se pode verdadeiramente realizar. O quarto princípio postulado é o da ruptura a-significante, defendendo, à maneira dos dadaístas ou surrealistas, modelos cognitivos que cortem com estruturas significantes, desterritoralizando-as e assim poder conjugá-las e hibridizá-las noutros contextos. Por fim surgem os princípios da cartografia e decalcomania, sugerindo a cartografia como um meio de produzir conexões e relações entre campos distintos, permitindo assim a criação de novas realidades. Por outro lado a decalcomania surge como modelo arborescente de reproduzir uma realidade como ela é, sem nada acrescentar ou transformar. Ver Deleuze, Gilles+Guattari, Felix Mil Platôs, vol. 1, Editora 34, São Paulo, 1996, pp. 11 - 37 30 ver Les labyrinthes de l‘Information, jornal Le Monde, 9 de Novembro 1995, p.18 ou www.synec-doc.be/doc/attali. htm
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Se na modernidade, a rede multicursiva apresenta ainda uma estrutura policêntrica com diversos graus de hierarquia, com a Sociedade da Informação, também denominada de Sociedade de Redes26, esta torna-se cada vez mais extensa, complexa e descentralizada nomeadamente através do desenvolvimento de meios de transporte e de comunicação que permitiram o estabelecimento de redes de circulação de bens e de informação a nível global. Podemos encontrar este tipo de estrutura na cartografia das conexões feitas pela Internet ou telemóveis, nas redes de transportes e de circulação, no sistema nervoso central e nos processadores de computador, ou ainda nos formigueiros e sociedades humanas espontâneas27. É neste contexto que os pensadores Deleuze e Guattari se referem ao rizoma28, como modelo de construção e interpretação da realidade contemporânea. Descrita em 1976, na introdução ao livro “Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia”, a estrutura rizomática é explorada como alternativa ao modelo cognitivo moderno, linear, dedutivo, contínuo e centralizado, tendo como figura estrutural a raiz fasciculada29. Da mesma forma Jacques Attali30 irá assumir, pelas mesmas razões, o labirinto como modelo de referência da contemporaneidade e emergente para o futuro próximo; reconhecendo perante o reinsurgimento de uma prática social e cognitiva nomádica, a necessidade do regresso a um “pensamento labiríntico”, fundado na intuição e na memória.
> fig. 117 representação cartográfica de ligações na Internet
> fig. 118 rede neuronal
3. O corpo e o labirinto Relações O labirinto representa a estrutura espacial que mais pede pelo corpo, não apenas em termos físicos, mas também em termos psíquicos. Caracterizando-se, essencialmente pela complexidade dos seus percursos e conexões, o espaço labiríntico tem como princípios espaciais a desorientação e a clausura. Estes dois princípios fundamentais provocam no percorrente estados de desejo e ansiedade alternados com os de desespero e frustração. Todo o percurso labiríntico é solitário e desgastante, bem como enigmático e delirante, estimulando todos os nossos sentidos - capacidades físicas (motoras e preceptivas) e psíquicas (racionais e intuitivas)- numa coreografia combinada. Dentro do labirinto apelamos em simultâneo ao corpo, mente e espírito, utilizando o nosso organismo total como única matéria e instrumento para a sobrevivência. Tentei, assim, enunciar resumidamente algumas da características que definem a íntima relação da experiência corpórea com a experiência espacial no labirinto.
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Como já referido no capítulo anterior, o percurso labiríntico simboliza, através da desorientação e da reorientação, um ritual de passagem, em que o sujeito morre de um estado e renasce num outro estado; ou seja necessita de destruir ou esquecer determinados códigos semânticos, para renovar-se e ascender a um estado superior onde impera um sistema semântico distinto. O caso particular dos ritos iniciáticos de determinadas seitas secretas como a francomaçonaria é um exemplo contemporâneo desta simbologia.
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Desorientação A desorientação corresponde basicamente a um estado físico ou psíquico de perda de sentido, encontrando-se o sujeito à deriva, sem referências ou signos que possa identificar dentro de um sistema semântico (ou sistema de significação). Como vimos anteriormente, o estado de desorientação é explorado como actividade lúdica na classe dos jogos de vertigem ou ilinx. O espaço labiríntico tem como princípio e propósito compositivo a provocação de desorientação espacial, estando associado enquanto ritual a uma prova de destreza à capacidade de superar a sensação de pânico e desamparo induzida pela desorientação. Neste sentido o percurso labiríntico pode ser considerado uma situação particular de uma actividade âgon, associada a um espaço ilinx.31 Clausura e Alienação – Imersão O percurso no labirinto é solitário e alienante, provocado pela condição de desorientação e de clausura. Dentro do labirinto abre-se uma nova dimensão espacio-temporal, construída com base na memória dos momentos passados desde a sua entrada, a cartografia cognitiva. São estes momentos, aliados à consciência da solidão e do desgaste físico do corpo, que marcam a noção espacio-temporal de um espaço completamente cerrado para o exterior. A alienação em relação a qualquer outro tipo de realidade, converge o percorrente para uma intensa experiência interior com o meio directo que o envolve. Interactividade Uma das características essenciais da experiência lúdica, e por conseguinte do percurso labiríntico é a condição de permanente interactividade entre o sujeito e o seu meio. Através da experiência interactiva com o espaço, completamente adversa à experiência passiva do espectador, o sujeito toma consciência da sua existência corpórea total, numa dialéctica pendular, saindo e entrando de si próprio. Sensorial Em nenhum outro tipo de espaço, estamos tão receptivos a todo tipo de estímulos sensoriais, podendo ser elementos da chave que procuramos para decifrar o enigma..... O labirinto é por isso um espaço extremamente sensório, onde a consciência do corpo subjectivo adquire a sua expressão máxima na sua relação com o meio. Por esta razão o labirinto é para autores como Bernard Tschumi, ou A.Moles, o arquétipo arquitectónico da experiência espacial Desejo e Erotismo “A solução do mistério é sempre inferior ao pr próprio mistério. O mistério é que tem a ver directamente com o divino; a solução com um truque de prestidigitador.” J. L. Borges in Aleph
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este apenas imaginado e idealizado, não tendo sido ainda visualizado ou penetrado
Além de apresentar um desafio à mente e aos sentidos, o labirinto também pode ser interpretado como a figura espacial da sedução ou erotismo, no sentido em que joga com o seu percorrente, ocultando e revelando alternadamente o caminho para o espaço desejado32. O facto de nunca lermos a totalidade do espaço faz do labirinto um espaço semi – oculto, tornando o seu percurso uma permanente e interminável descoberta. Através desta condição de semi-ocultação, o labirinto provoca uma tensão de erotismo e fascínio. O “centro” do labirinto, real ou
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o qual para Freud representa a descida do eu consciente ao encontro do seu inconsciente. Neste contexto, o labirinto adquire o valor simbólico do oculto e irracional dentro de nós; do mundo inconsciente e onírico que fabricamos e habitamos diariamente e que com a Idade Moderna sofre uma ruptura de significado total. Influenciados pelos estudos sobre o inconsciente de S. Freud e do papel estrutural que este tem na nossa percepção do real, surge um movimento de artistas plásticos e escritores no início do séc. XX, que procurarão descer ao seu inconsciente e recuperar a ligação perdida entre o mundo dos sonhos e o mundo da vigília, fazendo desta experiência a matéria-prima das suas criações artísticas – os surrealistas. 34 Moles, Abraham e Rohmer, Elisabeth “Labyrinthes du Vécu: l’espace: matiére d’actions”, Librairie des Meridiens, Paris, 1982
> fig. 119 cartoon sobre a cidade enquanto espaço labiríntico 35
Moles, Abraham e Rohmer, Elisabeth “Psychologie de l’espace”, Ed. Casterman, Paris 1972 36
Moles, Abraham e Rohmer, Elisabeth “Labyrinthes du Vécu: l’espace: matiére d’actions”, Librairie des Meridiens, Paris, 1982, pp. 82 - 94
37
Ibid., pp. 81 - 82
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simbólico, é aquilo que esperamos encontrar, algo desejado33; inatingível sem a realização do dito percurso pelo labirinto. A relação do oculto com o nosso corpo remete-nos directamente para o desejo e para a pulsão libidinal, residente no ID, o nosso Inconsciente. Categorização fenomenológica O sociólogo e fenomenologista Abraham Moles e a psicóloga Elisabeth Rohmer, exploram no livro “Labyrinthes du V Vécu”34 as características fenomenológicas do labirinto enquanto figura arquetípica da experiência espacial. Segundo o autor é a complexidade do labirinto, que conduz o indivíduo à errância, desorientado por ter um conhecimento fragmentado e visualmente limitado do espaço. É recorrendo à memória e ao mapeamento cognitivo que o percorrente do labirinto se pode orientar, estabelecendo constantemente uma correlação espacial entre o seu passado e o seu devir motor. Moles estudará as propriedades de estruturas labirínticas, que se manifestam no nosso quotidiano, considerando que a experiência espacial da cidade contemporânea é caracterizada pela deriva do indivíduo em diversos labirintos, como ruas, galerias, centros comerciais, etc.. Defende ainda, no seguimento de trabalhos anteriores35, um arte espacial baseada na estética informacional, ou seja baseada no conceito de que a percepção espacial se organiza numa sequência de micro-eventos, de ambientes carregados de estímulos sensoriais variados. Neste sentido, a estrutura labiríntica surge como a estrutura de referencia na construção de paisagens de micro-eventos, considerando não apenas as suas propriedades topográficas, mas igualmente enquanto estrutura organizadora da difusão de estímulos sensoriais variados, como símbolos, textos, imagens, sons, cheiros, etc.. Pela intensa relação que o labirinto estabelece entre uma percepção sensitiva e um devir cinético, dinâmico, a arte dos labirintos é uma arte sensorio-motora, arquétipo espacial do desenvolvimento de uma arte espacial mais rica e humana, háptica, estimulante e lúdica.36 No que toca à espacialidade da estrutura labiríntica, Moles identifica 5 categorias dimensionais37. O primeiro caso é o terreno vago, o deserto ou mar alto, um labirinto unidimensional, constituído apenas pelo plano horizontal, em que o vazio, a ausência de quaisquer outras referências coloca o percorrente numa situação de deriva. O labirinto mais comum é bidimensional, definido apenas pelo plano horizontal e vertical. É o caso de meandros urbanos, florestas, ou os jogos de feiras e jardins. Temos em segundo lugar labirintos tridimensionais, constituídos por vários pisos, unidos através de escadas, rampas, duplas alturas, adicionando assim um nível mais de complexidade. É o tipo de estrutura que encontramos em centros comerciais, hotéis, edifícios de escritórios. Incluindo a dimensão temporal como um elemento igualmente provocador de desorientação, Moles considera os labirintos bidimensionais, onde determinados acessos ou barreiras são definidos por intervalos temporais, logo tridimensionais. Da mesma forma podemos aplicar a dimensão temporal a estruturas com vários pisos, definido assim a quarta categoria, os labirintos de quatro dimensões. Segundo o autor, a complexidade deste último, projecta o percorrente numa vertigem
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existencial. Podemos encontrar exemplos destes dois casos, em edifícios cujas portas de acesso estão limitadas a determinadas horas de abertura. 38
Ibid., pp. 76 - 81
> fig. 120 uma vitrine como labirinto extrínseco
> fig. 121 Still do filme Playtime de Jacques Tati
> fig. 122 Still do filme Playtime de Jacques Tati
Considerando a categorização preceptiva de estruturas labirínticas38, Moles distingue à partida labirintos intrí intrínsecos ínsecos de extrí extrínsecos ínsecos. Denomina labirintos intrínsecos intrí ínsecos a estruturas topológicas, cujos elementos de composição não tenham outra qualidade preceptiva para além da sua qualidade de barreira, ao contrário de labirintos extr extríínsecos ínsecos ou estéticos, onde os muros e paredes são igualmente fonte e suporte de matéria sensorial de outra natureza, como uma estante de supermercado ou os quadros expostos nas galerias de um museu. Ainda relativamente ás qualidades hápticas dos labirintos, Moles distingue três situações. O labirinto onde temos a visão global do conjunto, apenas percorrível com o olhar ou com uma caneta, como é o caso dos labirintos gráficos e lúdicos. O labirinto de corredores com barreiras impossíveis de atravessar com o corpo ou com o olhar. No caso de ser intrínseco a situação do percorrente é comparável à de um cego, em que o olhar não contribui para decifrar a topologia do espaço. Neste situação, domina a vontade de o percorrente querer ir mais além, estimulando a capacidade motriz através da sede exploratória de descobrir o oculto, o não desvendado. Por fim, os conjuntos labirínticos com barreiras visualmente transparentes ou semitransparentes, como estantes de supermercados ou canteiros de jardins. Neste caso o domínio visual ultrapassa o domínio motor imediato, pois o oculto, o que está mais além, é anteriormente percorrido com o olhar, antes de ser percorrido com o corpo. Se considerarmos que o desejo é antecipação de um futuro que transgride o presente, então este tipo de labirintos, são bastante estimulantes e apelativos, pois estimulam o desejo através da visualização do imediatamente inatingível. Neste sentido o labirinto pode ser considerado como um arquétipo do desejo, estimulando simultaneamente a vontade de trangressão. Pensando na possibilidade de transgressão, Abraham Moles identifica ainda o semilabirinto, um sistema topológico de corredores em que as barreiras são apenas parcialmente impenetráveis; ou seja serão penetráveis através de um esforço por parte do ser, esforço que ultrapasse os limites normais sua consciência clara. São, por exemplo, labirintos com barreiras transponíveis, como muros baixos aos quais podemos subir ou elementos vegetais, que com algum esforço podem ser destruídos. Este é um caso, que estimula um comportamento transgressivo, implicando uma certa forma de agressividade contra as condições existentes. Poderemos considerar no mito dedaliano e na simbologia do labirinto um arquétipo da transgressão, através da formação de uma mitologia espacial do Imaginário, do Desejo.
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Evasão do labirinto: regra e transgressão 39
segundo a mitologia grega, o labirinto de Creta foi construído pelo arquitecto Daedalus, a pedido de Minos, rei de Cnossos. Neste espaço, Minos encerrou o Minotauro, o fruto adúltero da sua mulher Persefone com um touro branco enviado por Poseidon. Meio homem, meio touro, o Minotauro exigia todos os anos o sacrifício de 7 rapazes e 7 raparigas virgens. Quando o semideus Teseu chegou à ilha, a filha de Minos, Ariana, apaixona-se, tencionando partir com Teseu. Minos promete a Teseu a mão da sua bela filha, se este entrasse no labirinto e matasse o Minotauro. Não querendo perder a companhia de sua filha, Minos encontrou uma solução adequada, sabendo que do labirinto ninguém conseguiria escapar. Quando Ariana soube dos planos do pai, implorou a Daedalus que lhe ajudasse, visto não querer que o amado se perdesse eternamente nos meandros do labirinto. Daedalus, afirmando não ter os planos deste, piscou-lhe o olho ao olhar para a máquina de tecer que Ariana tinha no quarto. Assim Teseu entrou no labirinto, desenrolando um fio de lã, que lhe serviu de guia para sair, depois de ter morto o monstro. Teseu partiu com Ariana e Minos ficou irado, culpando Daedalus pelo sucedido e encarcerando-o dentro da própria construção. 40 entregue à aleatoriedade seria praticamente impossível de se escapar
Na mitologia associada ao labirinto de Creta39 podemos ler duas formas distintas de sair do labirinto. Teseu resolve-o no plano horizontal, percorrendo o labirinto desenrolando atrás de si o fio dado por Adriane, marcando desta forma o percurso efectuado. É uma solução “engenhosa”, racional, uma regra encontrada para a problemática deste labirinto, sugerida, segundo se diz, por Daedalus a pedido de Adriane.
> fig. 123 Teseu e o Minotauro
> fig. 124 Daedalus e Ícaro
E é o mesmo Daedalus, arquitecto do labirinto, que quando se encontra encarcerado dentro da própria obra com o seu filho Ícaro, oferece uma solução que pode ser considerada o paradigma da solução transgressiva. Conhecendo bem a complexidade da obra que desenhou, Daedalus não se escapa do labirinto percorrendo-o40, mas voando. Sendo este a céu aberto Daedalus constrói dois pares de asas com penas caídas dos pássaros, galhos de arbustos e cera. Escapando pela ascensão, Daedalus e Ícaro transgridem a problemática do labirinto, voando para longe das suas muralhas, elevando-se sobre o caos e a complexidade. Mas se consideramos o labirinto rizomático, multidimensional e multiconectável como o meio de suporte da Sociedade de Informação, torna-se então necessário uma outra atitude, que não a evasiva ou transgressora; este deixa de ser um jogo a superar ou decifrar, encarnando agora a estrutura espacial em que nós nos movemos e navegamos, num constante processo de territorialização e desterritorialização. Temos de aprender a domesticá-lo e fazer do labirinto o nosso habitat natural; pois não há evasão possível senão a letargia e alienação. Autores como Pierre Levy ou Vitorino Ramos procuram ler o fenómeno à luz de estudos sobre as organizações sociais e espaciais de insectos como as formigas, que numa constante troca de sinais locais desenvolveram uma forma de inteligência colectiva em rede. Será através deste tipo de estrutura cognitiva, emergente já na World Wide Web, que a Sociedade da Informação tende a evoluir, deixando
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Les labyrinthes de l‘Information, jornal Le Monde, 9 de Novembro 1995, p.18 ou www.synec-doc.be/doc/attali. htm 42 Deleuze, Gilles+Guattari, Felix Mil Platôs, vol. 1, Editora 34, São Paulo, 1996, pp. 11 - 37
para trás a estrutura cognitiva linear, hierárquica e arborescente do pensamento racionalista. Jacques Attali41 e Deleuze e Guattari42, alertam-nos para a necessidade de desenvolvermos uma estrutura cognitiva rizomática, recuperando capacidades subestimadas pelo pensamento racionalista, ao sobrevalorizar a memória local e asignificante face à memória global e a intuição face à dedução.
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4. O labirinto e jogo Afinidades Podemos encontrar entre o jogo e o labirinto uma série características comuns, que nos permitem interpretar o labirinto como arquétipo espacial da actividade lúdica. Este pode ser enquadrado pelo menos em duas categorias do jogo: como espacialidade desorientadora e vertiginosa assume um carácter lúdico ilinx, sendo nesse sentido explorado como atracção dos jardins maneiristas e em feiras populares; e enquanto ritual ou prova, o labirinto testa a destreza e capacidades de quem o percorre, sendo por isso simultaneamente uma actividade agonística í ística . No fundo, é um dos raros casos em que a ilinx surge associada ao âgon, podendo tender mais para o gozo da vertigem ou para um teste à destreza física e cognitiva, dependendo da sua complexidade e significação cultural. Se consideramos as características que definem a prática lúdica, verificamos que também podem ser aplicadas ao labirinto. De igual forma que o jogo, também o percurso no labirinto é uma actividade livre e voluntária. A segunda característica do jogo é a sua delimitação espacio-temporal, característica igualmente essencial para definir o labirinto. A regulamentação de que o jogo é dependente, poderá ser interpretada pela regra oculta que estrutura as barreiras físicas do labirinto; de qualquer maneira este é um espaço regulamentado. Por fim o labirinto cria, à semelhança do jogo, uma ordem própria, paralela ao real. Se considerarmos ainda a tensão psíquica de que o jogo vive, provocada pela sua natureza incerta e imprevisível, verificamos que o labirinto reproduz espacialmente todas as principais características do lúdico. O jogo como labirinto
> fig. 125 dança Labyrinthos
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como figura e símbolo, o labirinto é representado nos pavimentos de vilas romanas ou catedrais cristãs, não se conhecendo, no entanto actividades lúdicas associadas a estas representações gráficas. 44 Este tipo de labirintos adquire a designação maze em Inglês (maze = confusão, desorientação ou espanto) e de Irrgarten em Alemão (Irre + Garten = desorientado, perdido + jardim). Construídos a céu aberto com elementos vegetais como barreiras (bucho) e fechados para o exterior com uma única entrada, albergavam frequentemente no
A origem do labirinto cretense reside num esquema de movimentos coreográficos de uma dança ritual pagã. Com uma forte carga simbólico-religiosa associada, verificamos que a origem do labirinto é de natureza lúdica. A dança labyrinthos em Creta, a dança do grou em Delos, os Trojaburg nos países nórdicos, já mencionados anteriormente, estão na origem de actividades lúdicas que associam a representação (mimicry) a movimentos pendulares e desorientadores causadores de vertigem (ilinx). Poderemos, então, interpretar estes rituais como possíveis antecedentes de outras danças como o vira, a tarantella, a valsa ou o tango. Se o labirinto, enquanto actividade lúdica, esteve sempre associado a rituais em que este é representado através da dança e do canto; é apenas a partir do sec. XVI,43 que desassociado do seu valor cultual, é recuperado enquanto jogo espacial. Integrados nos vastos jardins da aristocracia quintecentista e seiscentista, o labirinto surge como elemento de atracção lúdica; alegoria à mitologia grega e ao paganismo, e simultaneamente à errância e ao encontro. Adquirindo já uma estrutura topológica multicursiva, os “Jardins de Err Errância”44 maneiristas e barrocos serão objecto de inúmeros desenhos e variações publicados em tratados de arquitectura e de paisagismo (ou de jardinagem, se quisermos usar a expressão da época). No caso dos jardins maneiristas, o labirinto integra-se num sistema paisagístico
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seu centro uma pequena torre ou pavilhão denominado de Casa de Daedalus, o qual além de servir de ponto de referência ao percorrente do labirinto lhe permite, uma vez chegado ao destino, aí subir e observar a planta do jardim; percebendo, através de uma vista aérea, o percurso que fez e as encruzilhadas que errou. Como tema de composição ornamental e /ou de atracção lúdico-recreativa do jardim, o labirinto multicursivo será objecto de múltiplos desenhos e tratados até meados do século XIX. Sofrendo variações na sua natureza tipológica, este começa a aceitar múltiplos centros de hierarquias diferenciadas e mais que um ponto de entrada e saída.
> fig. 126 labirinto com Casa de Daedalus no centro
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interpretado através de uma narrativa unificadora de carácter mitológico e simbólicoreligiosa. Tal é o caso da obra de Pirro Ligorio e de Salomon de Caus nos jardins de Heidelberg o Hortus Paltinus ou os de Vila Lante, Vila d’Este e Bomarzzo e ou das propostas não construídas de Athanasius Kircher. Nestes jardins, o labirinto não é só um dos elementos que pontua o jardim, mas todo o jardim tem por matriz uma topologia labiríntica, pontuado por máquinas, autómatos, monstros, cataratas, etc.. Como já referido anteriormente, todo o jardim é uma paisagem lúdica, um mundo fantástico, integrando paisagem, arquitectura e ficção de forma primorosa. Não querendo com esta afirmação desprestigiar a qualidade arquitectónica do jardim maneirista, poderemos interpretá-lo como um antecedente dos parques temáticos fantásticos como a Disneylândia. O mesmo não podemos afirmar para o jardim barroco. Usando igualmente o labirinto como mote compositivo, este perde o seu carácter lúdico, imersivo e fantástico, instrumentalizando a paisagem e a arquitectura numa atitude mais representacional. O labirinto surge como elemento de atracção mais visível do que percorrível, integrado numa paisagem de plataformas ou parterres de vegetação rasante. É o caso do jardim de Versalhes ou das Tulherias, em França, onde vários labirintos se sucedem como padrões gráficos de um tabuleiro.
> fig. 127 labirinto gráfico barroco
45
Entre os quais se encontram interessantes exemplos portugueses estudados por Anna Hatherly em “A casa das Musas”, Editorial Estampa
> fig. 128 jardim de Vila d’Este
É exactamente enquanto representação gráfica que o labirinto conhecerá uma nova dimensão lúdica a partir dos séc. XVI e XVII. Explorado enquanto enigma ou charada figurativa ou textual, este tipo de exercícios,45 originarão os jogos de tabuleiro de matriz labiríntica, como Jogo do Ganso. Com a invenção da tipografia e da imprensa este tipo de jogos e charadas (como labirintos gráficos, e palavras cruzadas) sofrem uma divulgação massificada, passando a fazer parte da última página de qualquer jornal diário. > fig. 129 palavras cruzadas
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Embora o visitante percorra um espaço misterioso, lúdico e labiríntico, este não toma qualquer partido nos passos que toma, sendo conduzido mecanicamente em massa a bordo de um vagão, limitando-se a percepcionar o espaço como um espectáculo em que está imerso.
Após os “devaneios” maneiristas, o labirinto só voltará a surgir enquanto jogo espacial, a partir do séc. XX, nomeadamente como atracção lúdica de feiras populares e parques temáticos. À semelhança de outros aparelhos e jogos que povoam este grandes recintos de entretenimento, o labirinto surge como um jogo provocador de desorientação e vertigem (na categoria do ilinx). Tal é o caso da Casa dos Espelhos, onde as superfícies espelhadas sugerem espacialidades infinitas e multidireccionais e de uma forma adulterada o caso do comboio fantasma.46
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> fig. 130 Pacman
> fig. 131 Donkey Kong 47
embora o primeiro jogo com visualização 3d é o Star Raiders de 1979
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Manifestando-se de forma intensa, embora pontual, nos jogos infantis, nos jardins maneiristas e nas diversões de feiras populares, o labirinto assumirá um papel fulcral e estruturador como cenário narrativo e espacial dos jogos de computador. Como cenário e estrutura espacial, surge logo nos primeiros arcades, nomeadamente em jogos como o Pac Man (1980) ou Donkey Kong (1982). Nesta primeira fase, durante a década de 80, a estrutura labiríntica é explorada apenas bidimensionalmente , seja em planta, como no Pac Man ou em corte, como no Donkey Kong ou no Super Mario Bros (1990). O desenvolvimento de motores gráficos 3D vem alterar significativamente a experiência lúdica espacial dos jogos de computador. É então a partir de inícios dos anos 90 que surgem os primeiros jogos, onde o labirinto é vivido e percorrido tridimensionalmente47, como o Doom (1993) ou o Quake (1996), em o jogador deixa de associar ao labirinto uma representação gráfica abstracta para nele entrar e o habitar. Esta diferença é significativa, pois se no primeiro caso, o jogador tem uma vista “superior” do campo de jogo, movendose nele como que “controlando peças num tabuleiro”, já no segundo caso ele vivencia a experiência espacial de “uma das peças do tabuleiro”, perdendo a visão de conjunto que tinha, em prol de uma leitura espacial fragmentada e incerta, própria do percurso labiríntico. Alguns jogos, dada a complexidade do espaço e do enredo, permitem ao usuário utilizar mais que uma perspectiva do jogo, podendo alternar entre a visão aérea e carto-gráfica em 2D ou a simulação da visão encarnada no avatar em 3D.
> fig. 132 Unreal Tournament
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Rosa, Jorge Martins No reino da Ilusão, pp. 113 - 116 49 nomeadamente os shoot’em up e jogos de plataforma
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e nalgumas variações híbridas entre aventura e shoot’em up ou aventura e estratégia
> fig. 133 Wolfenstein
Associado ao espaço errante, que garante ao jogo a tensão psíquica de que vive, surge com os videojogos um dispositivo específico que os caracterizará – a progressão espacial.48Como sabemos, praticamente todos os jogos de computador apresentam vários níveis de dificuldade. No caso dos jogos de arcade49 e de aventura, a associação da transposição de nível a uma transposição de espacialidade é evidente. Terminando um nível, “progredimos” para outro, onde nos deparamos num cenário espacial distinto. Desta forma, o jogador pode permanecer horas seguidas errando de ambiente em ambiente, á medida que vai concluindo as diversas etapas. A alteridade, variedade e qualidade gráfica dos cenários existentes é um dos meios de cativar o jogador, para além do mero princípio agonístico í ístico (de ultrapassar níveis de dificuldade); explorando através do jogo o prazer individual de errar, explorar e descobrir. A vontade de saber o que está “para além de”, essa sede exploratória acaba por se tornar no verdadeiro leit motiv dos jogos de aventura e de plataforma50 , numa altura em que o potencial gráfico destes nos transporta para verdadeiros mundos de imersão. Jogos como o Wolfenstein 3D ou o Doom são verdadeiras obras-primas no desenvolvimento de arquitecturas, dentro das quais, o jogador por muitos espaços que percorra, dificilmente chega a desvendar todos os espaços que existam. Há sempre compartimentos secretos, portas invisíveis que nos conduzem para ambientes oníricos ou painéis deslizantes onde se escondem armas especiais e tesouros religiosamente guardados. Não será por acaso que umas das empresas melhor sucedidas no desenho de jogos de computador se denomine ID, numa clara alusão ao mundo inconsciente definido por Freud. Nos seus jogos, como o Doom ou o Quake, a relação entre a tensão do jogo e a topologia labiríntica, associada á carga erótica de desvendar o oculto e à
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representação de ambientes “estranhamente familiares” ou insólitos absorve o jogador num mundo fantástico e emocionante, provocando simultaneamente temor e fascínio.
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um hipertexto, é um texto construído com hiperligações, ou seja, determinadas palavras dentro do texto, permitem-nos aceder instantaneamente a outros textos. 52 Multi User Dungeons, designação actual para plataformas multijogadores, cujo mundo é definido através participação e interacção dos seus habitantes.
Para além do cenário espacial, onde nos movemos, também podemos considerar a estrutura narrativa de alguns videojogos como labiríntica, nomeadamente rizomática. Derivado da noção de hipertexto51, surge o termo hiperficção para designar tramas narrativas onde o leitor ou jogador poderá desenvolver dentro de uma matriz, diversas estórias diferentes, consoante as opções que for tomando. É o caso de jogos como o Dungeons & Dragons, bastante populares na década de 80 e 90, em que a trama narrativa se cria e desenrola, segundo as jogadas de cada participante. Estamos perante estruturas hiperficcionais, indeterminadas e evolutivas, logo rizomáticas, que influenciarão o desenvolvimento dos chamados MUDs52 em plataformas virtuais.
> fig. 134 Anarchy Online
> fig. 135 Project Entropia
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5. Sensibilidade e ordem labir labiríííntica ntica na composição espacial “H um tipo de apreciação espacial, que nos faz invejar os pássaros “Há ssaros no seu voo. H Há ainda outro tipo, que nos faz recordar o abrigo enclausurado da nossa origem. A arquitectura falhar falhará, se negligenciar um ou outro tipo (prover para Cliban, significa prover para Ariel também). A claridade labir labiríííntica ntica canta os dois.”
Aldo van Eyck
Depois de enunciadas as diferentes topologias e interpretadas as principais características do espaço labiríntico, resta-me o desafio de tentar identificar uma possível ordem espacial em arquitecturas de sensibilidade labir labirííntica íntica. Podemos encontrar uma sensibilidade labir labirííntica íntica em diversas obras ao longo da História, sejam, por exemplo, as gravuras de Piranesi, os Merzbau de Kurt Schwitters, as megaestruturas dos Team X, algumas peças de Siza Vieira e os recentes exercícios arquitectónicos em torno da linguagem desconstrutivista e de superfícies não orientáveis.
> fig. 136 Merzbau de Kurt Schwitters 53
Rodrigues, Jacinto Álvaro Siza: Obra e Método, Livraria Civilização Editora, Porto 1992, op. cit., p.34
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Louis, Pierre André Le labyrinthe et le mégaron l’architecture et ses deux natures, Mardaga Editeur, Sprimont, 2003
Para alguns autores, a história da arquitectura pode ser lida à luz de uma polaridade entre o caos e a ordem, manifestando-se espacialmente entre a racionalidade abstracta e o emocional concreto. Jacinto Rodrigues recorda-nos a mitologia grega para ilustrar esse dualismo: “o Minotauro genésico e criador (instinto e emoção) e Dédalo- a lógica operativa do arquitecto construtor; o labirinto mediatiza e estabelece a relação ambivalente do caótico. Eros-Minotauro com «Thanatos »- ordem e poder do rei Minos.”53 Perante a perspectiva moderna e nietzschiana de uma dicotomia entre a razão e a emoção, entre o espírito dionísiaco í ísiaco (criador, empírico e embriagado) e o espírito apolíneo apolí íneo (racionalista, metódico e controlado), parece-me interessante encontrar o labirinto como seu elemento mediador. De facto, e como referido anteriormente, no labirinto coexistem duas categorias lúdicas de natureza antagónica: a ilinx ou vertigem, associada à embriaguez, à vertigem e ao transe, estados incarnados pelo espírito dionisíaco í íaco e o agôn, actividade lúdica caracterizada pela disciplina, método e competitividade, próprias de um espírito apolí apolíneo íneo. Será então através do labirinto que se realiza o equilíbrio entre a razão e a emoção, entre a arte e o engenho, legitimando assim o seu criador Daedalus como o primeiro arquitecto da História. Porém, apesar de a natureza da arquitectura se basear na mediação dos contrários, fundindo e hibridizando o génio criativo com o rigor matemático, na busca de características que definam a sensibilidade labir labirííntica íntica ao longo da sua História, é raro encontrar leituras que não sejam meramente dicotómicas. É o caso do ensaio de Pierre André Louis “Le labyrinthe et le mégaron”54, utilizando os dois sistemas espaciais pré-helénicos, o minóico e o micénico como referência a uma natureza bipolar da forma arquitectónica. Como chave interpretativa, a arquitectura e urbanismo megarorianos apresentam, em termos gerais, composições autónomas, estáticas, finitas, abstractas e rígidas; e em oposição a arquitectura e urbanismo de natureza labiríntica manifesta-se de forma heteronómica, dinâmica, extensível, orgânica e viva. Associando a arquitectura megaron à representação do poder (monumentalismo) e à expressão de um espírito racionalista e esteta, esta encontrará a sua expressão formal na arquitectura grega, no primeiro Renascimento, no Iluminismo e no Neoclacissismo. Enquanto que a arquitectura de expressão labiríntica manifesta-se em períodos históricos de transição como a Idade Média e o
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funcionalismo/organicismo, purismo/expressionismo, minimalismo/desconstrutivismo
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Barroco. Já no século XX podemos observar diversas flutuações e correntes opostas coexistentes55, muitas vezes originando linguagens híbridas. Considerando a natureza da arquitectura labiríntica bastante mais subtil do que uma mera dicotomia formal entre ordem e caos, regular e irregular, estático e dinâmico, simples e complexo, tentarei, de forma sucinta, interpretar algumas estratégias de desenho nas construção da ordem labiríntica: Variações es da ordem labir labirííntica íntica O elemento definidor de uma espacialidade labiríntica é essencialmente a sua capacidade de provocar desorientação e inquietação. Simultaneamente, encarnando o princípio lúdico, o espaço labiríntico goza de um certo poder de fascinação, estimulando no indivíduo sensações ambíguas e indeterminadas. Para a leitura de uma sensibilidade espacial labiríntica na arquitectura, apoieime principalmente na forma como os limites espaciais são configurados física- e visualmente, entendendo o grau ou tipo de desorientação dependente da maneira como estes são percepcionados.
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O rei da Babilónia, orgulhoso do magnífico labirinto que construíra, disputou um dos seus hóspedes, um rei árabe, convidando-o a aí entrar, onde este vagueou humilhado e confuso até implorar socorro divino e encontrar por fim a saída. Antes de regressar ao seu país, o rei Árabe prometeu ao Rei da Babilónia, que um dia lhe mostraria um labirinto melhor. Passado algum tempo, irado, regressa à Babilónia com os seus homens fazendo daquele que o humilhara seu prisioneiro. Levando-o para o deserto aí o abandona, onde este morrerá de fome e sede. Antes de o deixar entregue ao vazio, rei árabe proclamou: “Ó rei do tempo e da substância e símbolo do século: na Babilónia quiseste perder-me num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso achou por bem que eu te mostre, onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que te impeçam os passos” in “O Aleph”, Editorial Estampa, 1988, “Os dois Reis e os Dois labirintos”, pp. 141-144 57 o excesso de limites, quando não permite distinguir valores hierarquicamente, torna-se também numa repetição cíclica das mesmas imagens, impedindo-nos de traçar linhas ou direccções 58 como as do Templo de Amun em Karnak ou de Hatsepsut em Deir el Bahari
1. Repetição e diferença – rede e momentos Numa das estórias de Jorge Luis Borges56, são confrontadas duas noções de labirinto. Uma delas, uma construção magnífica í , cheia de portas, corredores e ífica escadas, um labirinto caracte-rizado pela multiplicidade repetitiva de limites - o excesso. O outro labirinto, a inexistência absoluta de construção, o deserto, senda esta noção caracterizada pela ausência total de limites – o vazio. Poderemos dizer que ambos os conceitos são expressões radicais de uma mesma expressão labiríntica – o ciclo; a noção de se caminhar perpetuamente em círculo, provocada pela ausência de referências que nos permitam cartografar momentos e traçar direcções. O deserto ou o mar alto são lugares, onde nos encontramos à deriva, e onde a ilha ou o oásis surgem como pontos de referência e de reencontro enquanto elemento de uma ordem relacional. Da mesma maneira poderemos considerar a clareira, como um momento de excepção numa floresta povoada de árvores. Se no deserto e no mar alto, a desorientação é provocada pelo vazio, já no caso da floresta, este é definida pela repetição múltipla e matricial (igualmente distribuída) de um elemento de composição, a árvore. Desta forma, podemos considerar, que todo o tipo de estruturas espaciais, definidas pela repetição múltipla e ambivalente de um ou mais elementos compositivos provoca uma leitura a-hierárquica do espaço, logo deriva e desorientação57.
> fig. 137 Cubic Space Division, gravura de M.C. Escher
> fig. 138 sala do Purgatório do projecto Danteum de Guiseppe Terragni
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A arquitectura irá explorar a retícula para desenvolver este tipo de espacialidade, de certa forma dinâmica, jogando com momentos de excepção, para pontuar lugares de encontro ou de paragem. As salas hipóstilas egípcias58e sistemas de catacumbas subterrâneos, bem como as gravuras das prisões de Piranesi, e alguns desenhos de M.C. Escher ilustram bem a aplicação deste tipo de estratégia na construção de espaços de sensibilidade labir labirííntica íntica. 2. Aglomeração, colagem e superposição A impossibilidade de discernir os limites de um espaço pode também ser provocada pelo excesso de elementos diferenciados. Perante uma paisagem saturada de elementos de excepção, sobrecarregada de símbolos e de direcções, torna-se igualmente difícil estabelecer uma hierarquia orientadora. Algumas gravuras de Piranesi ilustram bem este tipo de espacialidade, que pela sobrecarga de elementos de referência se torna labiríntica. É caso das gravuras Campo de Marzio, em que num local histórico de Roma, Piranesi faz uma colagem e sobreposição em planta de uma série de edifícios públicos de excepção. É impossível estabelecer valores de alteridade, aparentando um kashbah onde todos os volumes se agregam numa grande massa construída. Desta forma Piranesi joga com o valor do monumento e a sua relação no tecido urbano.
> fig. 139 Antiquitá Antiquit Romana, gravura de Piranesi
> fig. 140 Projecto de Michael Graves
> fig. 142 projecto para o parque de La Vilette de Bernard Tschumi 60
“[W]e don’t want architecture to exclude everything that is disquieting. We want architecture to have more ... Architecture should be cavernous, fiery, smooth, hard, angular, brutal, round, delicate, colorful, obscene, voluptuous, dreamy, alluring, repelling, wet, dry and throbbing.” (Himmelblau 1988: 95)
> fig. 141 Campo di Marzi de Piranesi
É através da colagem, da aglomeração e da sobreposição que a linguagem arquitectónica irá explorar espacialidades excessivas, multidireccionais e multisignificantes. Se o Barroco utiliza esses instrumentos, definindo contudo uma ordem unificadora, normalmente orientada verticalmente através de elementos abobadados, já a arquitectura pós-modernista e desconstrutivista servem-se da sobreposição e da aglomeração de uma maneira praticamente a-hierárquica. O pósmodernismo irá recorrer essencialmente à colagem e aglomeração de elementos construtivos alegóricos e simbólicos, desenvolvendo uma linguagem espacial multisignificante e multisensitiva. A obra de Michael Graves, Charles Moore ou de Ricardo Boffil caracteriza bem uma abordagem pela colagem e aglomeração. Por outro lado, os desconstrutivistas, na sequência da arquitectura pós-modernista, irão desenvolver uma linguagem igualmente excessiva, mas apoiando-se nas propriedades geométricas dos elementos construtivos, despojando-se da atitude alegórica dos seus antecessores. Neste sentido, irão utilizar a sobreposição como instrumento compositivo, programático e formal, procurando encontrar geometrias híbridas, inquietantes e estranhas. É o caso da obra de Rem Koolhaas, de Bernard Tschumi, de Coop Himmleblau60 ou de Peter Eisenmann.
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Em ambas as correntes, a proliferação de elementos excepcionais, justapostos ou sobrepostos, é utilizada de forma premeditada como busca formal e experimental de direcções, exprimindo assim, um tempo em que os metadiscursos estão terminados e a pluralidade de linguagens artísticas se dissemina de forma fluída e rizomática. 3. Indiferenciação entre interior e exterior Depois de identificarmos situações que exploram a incapacidade de reconhecer e assimilar limites espaciais, tentarei definir situações que exploram a natureza material desses limites, jogando com a sua indefinição. Neste caso, os limites são claramente reconhecidos, a sua natureza é que permanece ambígua, nebulosa ou fluída, dificultando a percepção de reconhecermos se estamos no interior ou exterior destes. Esta condição ambígua provoca igualmente desorientação e estranheza, podendo ser igualmente considerada como labiríntica. Este tipo de instrumento compositivo é frequentemente explorado, recorrendo a materiais translúcidos e reflectivos, como o vidro ou a efeitos de dissimulação e camuflagem, como a matéria vegetal ou o vapor de água.
> fig. 143 pavilhão de Barcelona de Mies van der Rohe
> fig. 144 Fundação Cartier de Jean Nouvel
A arquitectura do Movimento Moderno, ao libertar a fachada da sua carga estrutural, usará as propriedades do vidro para explorar efeitos de continuidade e ambiguidade entre interior e exterior. A obra de Mies van der Rohe é neste contexto determinante, sendo o Pavilhão de Barcelona, a obra construída do autor que provavelmente explora de forma mais intensa a dissolução e ambiguidade dos limites materiais. A partir do Movimento do Moderno, o vidro tornou-se num dos elementos construtivos mais populares na arquitectura, conhecendo até hoje diversas aplicações no desenvolvimento de efeitos de translucidez, opacidade e reflexividade. A obra do artista Dan Graham é um testemunho crítico interessante dos diversos efeitos ilusórios que o vidro pode provocar na percepção do espaço. Mas serão autores como Jean Nouvel, que procuram desenvolver uma linguagem arquitectónica baseada no conceito de desmaterialização, que irão recorrer a artifícios materiais que exploram a fusão e dissolução, a transparência e imaterialidade, o desaparecimento e a reflexão ou a ocultação. É o exemplo da Fundação Cartier, em Paris, onde Nouvel joga com a duplicação de limites transparentes, ou do recente projecto dos Diller+Scoffidio para a Expo 02, The Cloud, em que o edifício se encontra imerso numa verdadeira neblina, artificialmente produzida máquinas de vapor de água.
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> fig. 145 garrafa de Klein
> fig. 146 Endless House de Friedrich Kiesler
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Outra forma de explorar a indefinição do valor dos limites, baseia-se nos estudos topológicos sobre superfícies não orientáveis. Estas apresentam a propriedade de serem ciclicamente contínuas e transformáveis, sem terem interior e exterior definidos, ou seja não são orientáveis. É o caso da espiral de Moebius ou da garrafa de Klein. Embora nos anos 60, Friedrich Kiesler, tenha já experimentado as potencialidades deste tipo de geometria na arquitectura, nomeadamente na Endless House; só recentemente, graças aos avanços tecnológicos em programas de desenho e modelação por computador, é que a geometria topológica tem sido fonte de inspiração para a renovação do repertório formal arquitectónico. A Moebius House dos Un Studio, a Torus House de Preston Scott Cohen, mas principalmente o Terminal de Yokohama dos FOA, são exemplos construídos de edificações, cujos limites se exprimem fisicamente ambíguos, deformados, fluídos, e contínuos.
> fig. 147 escultura de Max Bill
> fig. 148 Moebius House de Un Studio
> fig. 150 cinta de Moebius
> fig. 151 e 152 Terminal de Yokohama dos FOA
> fig. 149 Torus House de Preston Scott Cohen
4. Mutabilidade e transfiguração “Architecture has indeed become recombinant, as has culture and identity, but recombination soon leads to mutation, mother of monsters and angels. Reality will be much more alien than we expect.” Marcos Novak Transarchitectures
61
Natali, Vincenzo “Cube”, Canadá, 1999
> fig. 153 Cube de Vicenzo Natali
Por fim resta-me enunciar aquela que eu considero como a quarta forma de provocar desorientação, a permanente mutabilidade ou transfiguração dos limites. No filme The Cube, de Vicenzo Natali,61 7 personagens vêem-se subitamente imersos num gigantesco labirinto matricial, uma enorme estrutura cúbica, subdividida em vários compartimentos espaciais, igualmente cúbicos. Todo o filme se baseia nas tentativas destes personagens, desvendarem pouco a pouco, a chave para a saída. Após terem conseguido calcular as dimensões dos limites do edifício, e definir as suas coordenadas relativas ao perímetro, quando pensavam terem atingido a saída, verificam que esta não se encontrava onde todos os cálculos indicavam. Veêm posteriormente a descobrir, que a sala que dá acesso á saída, se desloca a determinados intervalos de tempo, percorrendo todo o perímetro do edifício. Bastava que os 7 personagens se mantivessem na sala onde começaram, e esperar que esta completasse o seu ciclo de mobilidade, para que acedessem finalmente à saída.
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62
Casa Schröder- Schräder, Utrecht, 1924 63 Edifício plurifamiliar em Fukuoka, Japão, 1989-91 e galeria de arte em Nova Iorque 64
Neste contexto interessa-me mencionar a obra do artista alemão Gregor Schneider. Este autor faz da sua obra, as constantes alterações que vais fazendo na casa onde vive. Ao longo de vários anos, Schneider explora a espacialidade do seu habitat e a capacidade de o transformar constantemente, criando e destruíndo divisões, pintando, raspando, abrindo e fechando vãos, etc..
Este filme, ilustra bem, a desorientação que limites móveis ou em constante transfiguração podem provocar. O marketing utiliza esta estratégia em lojas, supermercados, alterando ciclicamente a disposição dos produtos de forma a obrigar o cliente, a percorrer desorientado por zonas que não procura e assim estimular o consumo de produtos que aparentemente não necessita. No caso do desenho de centros comerciais a situação é semelhante, mas aplicada á disposição das escadas rolantes. Estas estão colocadas separadamente em pontos estratégicos, alterando ciclicamente o seu sentido, de forma a que o peão tenha de percorrer a quase totalidade das lojas para descer de um piso a outro. Neste tipo de situação, a configuração dos limites está submissa a um compromisso temporal, sendo por isso limites efémeros, mutáveis e relativamente indefinidos. Alguns arquitectos, como Gerrit Ritveld62 ou Steven Holl63 exploraram dispositivos móveis de configuração espacial, permitindo configurar um mesmo espaço pelo menos de duas formas diferentes. Mas talvez tenham sido as utopias de Constant ou a arquitectura cibernética de Cedric Price, que melhor exploram as potencialidades de desenvolver espacialidades indeterminadas, sujeitas ao livre arbítrio dos seus utentes. Nestes dois casos, o edifício ou a cidade, são sempre obras inacabadas, verdadeiros work in progress, que catalisam e materializam espacialmente, os usos e os desejos de um ou vários usuários num determinado momento64. Nestes labirintos de fluxos, a cidade ou edifício é um jogo, e desorientação só ocorre a quem nele não participa.
> fig. 154 secção do projecto Fun Palace de Cedric Price
>figs.155-57 Casa Ur, intervenções do artista Gregor Schneider
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> figs. 158 e 159 galeria de arte no Soho de Steven Holl e Acconci Studio
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Mas para além dos limites poderem mudar de forma, devemos considerar também que estes se podem transfigurar, ou seja mudar de figura, podendo induzir, de igual maneira, confusão e desorientação no indivíduo. É também uma estratégia utilizada pelo marketing, alterando ciclicamente as cores, formas e símbolos dos espaços comerciais. Através desta estratégia, garantem que os clientes não se irão cansar dos produtos que compram, que embora sejam praticamente os mesmos, vão sendo constantemente reciclados em termos de imagem. Na arquitectura, só recentemente é que este tipo de situação está a ser explorada, nomeadamente associada a materiais reactivos ou inteligentes. Com o desenvolvimento de dispositivos de interactividade em tempo real, estão a sair no mercado materiais, que reagem cromaticamente, graficamente ou mesmo fisicamente a qualquer tipo de estímulos exteriores. Neste campo, procura-se desenvolver um conceito lúdico de uma arquitectura sensível, que como um organismo manifesta visualmente (output) determinado tipo de variações dos dados (input) que a configuram. Penso ser este o caminho que permitirá a construção de uma estética informacional, espacialidades interactivas e conectadas em rede, definidas por uma matéria híbrida entre o real e virtual, corpos sensíveis que exprimem a condição fluída e reticular da Sociedade da Informação. É o caso de experiências como a Torre dos Ventos e a Mediateca de Sendai de Toyo Ito, a Hipersuperfície dos Decoi, e de grande parte da obra dos NOX ou de Kas Osterhuis. > fig. 160 Hypersurface dos Decoi
> fig. 161 4 metamorfoses da Torre dos Ventos de Toyo Ito
> fig. 162 e 163 2 metamorfose de D-Tower dos Nox
> fig. 164 aspectos do interior reactivo do Pavilhão Pavilh H20 dos Nox
>fig.165 Still do filme Alphaville de Jean Luc Godard
CONSIDERAÇÕES FINAIS
The highest purpose is to have no purpose at all. This puts one in accord with nature, in her manner of operation� John Cage
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Será talvez demasiado precipitado avançar com notas conclusivas, numa fase em que me encontro ainda em pleno exercício de digestão do material recolhido ao longo destas errâ err ncias. Tendo reunido material no sentido de o aplicar num corpo projectual, os frutos deste trabalho só começarão a fazer-se visíveis a posteriori , mediados pela tremura da mão e pela inquietação da linha. Posso, no entanto, afirmar que algo em mim mudou no que respeita à forma como entendo e principalmente naquilo que procuro na arquitectura. Talvez não propriamente uma mudança, diria quase como uma clarificação de postura, princípio e intenções pessoais. Identifiquei alguns vícios e deixei-os, libertando espaço para o desenvolvimento de um corpo mais sólido. Percebi que a arquitectura pode ser muito mais do que um mero exercício formal e estético em torno de questões espaciais e programáticas. Como prática pode ser entendida sobretudo como uma linguagem de programação, organizadora de eventos, estímulos e espaços. Liberta de filiações estéticas ou estilísticas, a arquitectura poderá aceitar e encarar a beleza da sua nudez, para finalmente assumir uma postura mais relacional e menos exposicional. Nesse sentido, estou agora, mais próximo de encarar a arquitectura como uma espécie de dispositivo interface. Neutral enquanto afirmação, mas rica enquanto mediação, uma arquitectura que viva da interacção e participação dos seus habitantes, corpo - labirinto que recebe e provoca, que seduz e é seduzido.
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> fig.166 imagem do filme Hackers
DADOS DE APOIO
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Microdiccionário Daedalus de algum vocabulário utilizado (in Diccionário da Língua Portuguesa Porto Editora 2003) adicto A adj. 1 dedicado; 2 inclinado; 3 adjunto; 4 dependente B s.m .MEDICINA indivíduo dependente de uma droga (Do lat. addictu-, «dedicado») alegoria s.f. 1 representação de uma realidade abstracta através de uma relidade concreta, por meio de analogias, metáforas, imagens e comparações,; representação simbólica; 2 obra de arte que representa uma ideia abstracta; 3 expressão verbal ou plástica de uma coisa, com o fim de que as palavras ou imagens usadas sugiram outra coisa; 4 concretização por meio de imagens, pessoas e figuras de ideias ou entidades abstractas (Do gr. allegorí allegoría, ía, pelo lat. allegorí allegoríaía-, «id.») Arcádia s.f. planalto da Grécia em que poesia se tornou símbolo da simplicidade pastoril (Do lat. Arcadia-, «Arcádia», top. região do Peloponeso) aventura s.f. 1 acção arriscada, perigosa ou fora do comum; 2 acontecimento extraordinário ou imprevisto; 3 acaso; sorte; 4 perigo; 5 ligação amorosa passageira (Do lat. vulg. adventura, «coisas que estão para vir», pelo fr. aventure, «aventura») aventureiro A s.m. 1 aquele que procura a aventura; 2 aquele que vive de expedientes 3 [ant.] cavaleiro andante B adj. 1 que procura a aventura; 2 temerário; 3 incerto; arriscado (De aventura + -eiro) avatar s.m. 1 RELIGIÃO (hinduísmo) materialização de um ser divino; 2 [fig.] transformação, metamorfose; 3 INFORMÁTICA (Internet) representação gráfica de um utilizador numa comunidade virtual(Do sânscr. avatá avat ra, «descida», pelo fr.avatar avatar «metamorfose») ciberespaço s.m. INFORMÁTICA espaço virtual constituído por informação que circula nas redes de computadores e telecomunicações (Do ing. cyberspace) cibernauta s.2gén. INFORMÁTICA pessoa que utiliza a Internet regularmente; infonauta cibernética s.f. 1 ciência e técnica do funcionamento e do controlo dos comandos electromagnéticos e das transmissões electrónicas nas máquinas de calcular e nos autómatos modernos; 2 estudo das conexões nervosas nos organismos vivos ou nos grupos humanos; 3 ciência que estuda os mecanismos de comunicação e de controle nas máquinas e nos seres vivos (Do gr.kybernetiké, «a arte de governar») ciborgue s.m. ser humano fictício cujas funções fisiológicas vitais são comandadas por meio de dispositivos mecânicos (Do ing. cyborg, «id.«) criptografia s.f. escrita codificada ou cifrada por meio de abreviaturas ou sinais convencionais (Do gr. kryptós, «secreto» + graphé,«escrita»+-ia) criptograma s.m. 1 escrito em cifra; 2 representação de sentido oculto (Do gr. kryptós, «secreto» + gramma,«escrita») dedáleo adj. 1 relativo a dédalo; 2 engenhoso; hábil; 3 complicado; intrincado; labiríntico; 4 artificioso (Do lat. daedaleu-, «de Dédalo», antr.) dédalo s.m. 1 lugar em que os caminhos estão dispostos de modo que é fácil alguém perder-se; labirinto; 2 coisa intrincada (Do gr. Daídalos í ídalos , mitol. «Dédalo», arquitecto, construtor do labirinto de Creta pelo lat. Daedalu,«id.») deambular v.intr.1 vaguear 2 passear (Do lat. deambulare, «passear») deambulatório A adj.1 relativo a passeio; 2 [fig.] erradio; desnorteado B s.m.1 nave de igreja que rodeia o coro e o altar mor; > charola ; 2 galeria coberta para nela se passear (Do lat. deambulatoriu-, «galeria») diagrama s.m.1 representção gráfica das relações entre as partes de um todo; 2 representação gráfica das
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variações de determinado fenónemo; 3 MÚSICA quadro que mostra a extensão máxima de toda a variedade de sons do sistema musical; 4 bosquejo, delineamento (Do gr. diá di gramma, «desenho», pelo lat. diagramma, «traçado; desenho») dispositivo A adj. que encerra disposição, ordem ou preceito B s.m. 1 mecanismo ou arranjo adaptado para determinado fim 2 MILITAR disposição, no terreno, das fracções em que uma unidade militar se articula, de acordo com a sua utilização prevista (Do lat disposîtu-, î îtu-, part.pass.de disponêre, «dispôr; distribuir» +-ivo) distopia s.f. lugar imaginário onde tudo é negativo (Do ing. dystopia, «id.») diversão s.f.1 acto ou efeito de divergir; 2 mudança de direcção; 3 desvio; 4 [fig.] distracção; 5 recreio; 6 MILITAR operação de objectivo limitado destinado a, durante o ataque, iludir o inimigo, desviando a sua atençaõ e as suas forças doa atque principal; 7 finta (Do lat. med. diversione-, «id.». de divertere, «desviar, distrair») entretenimento s.m.1 acto ou efeito de entreter ou entreter-se; 2 aquilo que serve para distrair ou para ajudar a passar o tempo; 3 divertimento; passatempo; 4 conjunto de actividades e espetáculos relacionados com áreas do teatro, cinema, música, televisão; 5 retardamento propositado; 6 engano;logro; 7 disfarce (Do cast. entretenimiento,«id.») entreter A v.tr 1 interessar ou divertir; 2 demorar com promessas, esperanças, etc; 3 iludir B v.refl. 1 ocupar-se por distracção; 2 divertir-se; 3 deter-se; ficar parado 4 demorar-se (Do cast. entretener, «id.») entropia s.f. 1 FISICA (termodinâmica) função que define o estado de desordem num sistema; 2 valor que permite avaliar esse estado de desordem e que vai aumentando à medida que este evolui para um estado de desíquilibrio; 3 medida de perda de informção num sinal ou dao transmitido (Do gr. entropé, «mudança, volta», pelo fr. entropie, «entropia») errar A v.tr. 1 enganar-se em; 2 cometer erro em; 3 não acertar em B v.intr. 1 cometer erro; 2 enganar-se 3 agir de forma incorrecta ou pouco adequada; 4 vaguear; movimentar-se sem destino fixo (Do lat. errare, «id.») espectáculo s.m. 1 tudo o que atrai o nosso olhar e a nossa atenção; cena 2 contemplação; 3 representação teatral; 4 diversão; 5 [pop.] escândalo; dar ~ provocar escândalo (Do lat. spetaculu, «id.») espectador adj.,s.m. que ou quem assiste a um espectáculo; testemunha (Do lat. spectatore, «id.») evento s.m.1 acontecimento; 2 sucesso; êxito; 5 espiráculo (do lat. eventu-, «acontecimento») experiência s.f. 1 acto ou efeito de experimentar; 2 conhecimento por meio dos sentidos de uma determinada realidade; 3 conhecimento de uma realidade provocada, no propósito de saber algo, particularmente o valor de uma hipótese científica; experimentação 4 conhecido obtido pela prática de uma actividade ou pela vivência; 5 prova; ensaio; tentativa; à ~ para ver se é adequado (Do lat. experimentî experimentîa îa, «id.») fenónemo s.m.1 tudo o que a nossa consciência ou os nossos sentidos podem apreender; 2 tudo o que modifica os corpos 3 FILOSOFIA (Kant) tudo o que é objecto de experiência possível, isto é, tudo o que aparece no tempo e no espaço e que manifesta as relações determinadas pelas categorias; 4 acontecimento raro ou extraordinário; 5 pessoa, animal ou objecto que são considerados fora do vulgar (Do gr. phainómenom, «coisa que aparece», pelo lat. phaenomenom, «coisa que causa sensação») flanar v.intr. passear ociosamente, laurear; flainar (Do fr. flaner, «andar sem destino» herói s.m 1 indivíduo que se destaca por um acto de extraodinária coragem, valentia, força de carácter, ou outra qualidade considerada notável; 2 aquele que é admirado por qualquer motivo, constituindo o centro das atenções; 3 CINEMA LITERATURA protagonista; 4 MITOLOGIA personagem nascida de um ser divino e outro mortal (do gr.héros, «chefe», pelo lat.heroe-, «heroi, homem célebre») híbrido A adj. 1 BIOLOGIA (ser)proveniente do cruzamento de indivíduos de espécies distintas, ou também, para alguns autores, de raças ou de variedades (subespécies) distintas; 2 GRAMÁTICA 1 (termo) formado por elementos de línguas diferentes; 3 que resulta da junção de coisas diferentes B s.m. planta, animal ou palavra híbrida (Do gr. hybris, «injúria», pelo lat. hybrida-, «bastardo; híbrido)
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interactividade s.f.1 comunicação recíproca 2possibilidade de interacção entre indivíduos ou elementos de um sistema; 3 INFORMÁTICA grau de intervenção do utilizador no sistema informático através da introdução de dados e comandos (De inter-+actividade, ou do ing. interactive,«id.») interface s.f.1 dispositivo de ligação entre dois sistemas; 2 elemento de ligação de dois ou mais componentes de um sistema; 3 INFORMÁTICA modalidade gráfica de apresentação dos dados e das funções de um programa (De inter- + face, pelo ing. interface) ilusão s.f. 1 crença ou ideia falsa; 2 erro de apreciação; 3 erro de percepção que consiste em fazer uma interpretação visual dos factos que não coincide com a realidade; 4 fraude, logro (Do lat. illusione-, «id.») imerso adj. 1 mergulhado; imergido; 2 [fig.] absorto, concentrado (Do lat. immersu-, «id.», part.pass. de immergere, «mergulhar; imergir» hiperespaço s.m. MATEMÁTICA designação convencional de conjunto munido de estrutura semelhante à do espaço ordinário (estrutura vectorial ou métrica) com número de dimensões superior a três (De hiper + espaço) hiperficção s.f. INFORMÁTICA narrativa desenvolvida segundo uma estrutura de labirinto, assente na noção de hipertexto, ou texto a tres dimensões no hiperespaço, em que a intervenção do leitor determina um percurso de leitura único que não esgota a totalidade dos percursos possíveis no campo de leitura (Do ing. hyperfiction, «id.») labirinto s.m.1 estrutura composta por vários caminhos, interligados, tornando difícil encontrar a única saída; dédalo; 2 edifício cujas divisões são tão confusamente dispostas que tornam dificíl a quem esteja dentro dele encontrar a saída; 3 [fig.] confusaõ; enredo; 4 [fig.] enleio; situação embaraçosa 5 ANATOMIA conjunto das cavidades que constituem o ouvido interno (vestíbulo, canais semicirculares e caracol 6 ANATOMIA região superior do rim onde se localizam os corpúsculos e parte dos tubos uriníferos 7 LITERATURA composição poética, frequente na literatura barroca, que pode ser lida em qualquer direcção 8 PSICOLOGIA dispositivo experimental para estudar a aprendizagem e as suas condições (Do gr. labyrinyhos, «id.», pelo lat. labyrinthu-, «id.») lazer s.m. vagar; ócio; descanso; repouso(do lat. licere, «ser permitido») lúdico adj. relativo a jogos ou divertimentos; recreativo (Do lat. ludicru-,«que diverte;recreativo») massificar v.tr. influenciar, orientar e uniformizar, através dos meios de comunicação destinados ao grande público (mass media) no sentido que convenha, a conduta do maior número possível de indivíduos (De massa + -ficar -ficar) mass media s.m.pl.conjunto de técnicas de difusão de mensagens (culturais, informativas ou publicitárias)destinadas ao grande público, tais como a televisão, a rádio, a imprensa, o cartaz, meios de comunicação social (Do ing. mass media) palimpsesto s.m. 1 pergaminho cujo manuscrito os copistas medievais raspavam para sobre ele escreverem de novo, mas do qual se tem conseguido, em parte, fazer reaparecer os carácteres primitivos 2 [fig.] texto que existe sobre outro texto (Do gr. palimpsestos, «raspado de novo», pelo lat. palimpsestu-, «id.») palíndromo adj., s.m.palavra ou designativo da palavra, número ou frase cuja a leitura é a mesma, quer se faça da esquerda para a direita, quer da direita para a esquerda; capicua (Do gr. palindromos, «que corre para trás») performance s.f 1 actuação; desempenho; 2 realização; 3 proeza; 4 (ARTES) manifestação artística assente numa encenção que pode combinar dança, música, meios audiovisuais; 5 LINGUÍSTICA manifestação da competência linguística de um falante (Do ing. performance, «id.») performer s.m. 1 executante; intérprete; 2 artista cuja actuação combina várias artes, como o teatro, a dança, a música, etc. (Do ing. performer, «id.») realidade s.f. 1 qualidade do que é real; 2 o que existe de facto; 3 certeza; 4 veracidade; INFORMÁTICA ~virtual realidade artificial que introduz o utilizador num espaço de três dimensões criado pelo computador(De real+i-+dade)
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recrear A v.tr. 1 alegrar; 2 interessar e divertir; entreter; 3 causar prazer a B v.refl. 1 brincar; folgar 2 divertir-se; 3 deleitar-se (Do lat. recreare, «id.») recriar v.tr. 1 tornar a criar; 2 reconstituir (Do lat. recreare, «fazer brotar de novo») representar A v.tr. 1 tornar presente; 2 patentear 3 revelar; 4 reproduzir a imagem de; 5 expor por escrito ou verbalmente; 6 significar; 7 simbolizar; 8 ser procurado ou agente de; 9 pôr em cena; 10 fazer o papel de B v.intr. 1 dirigir uma petição; 2 desempenhar funções de actor C v.refl.1 apresentar-se; figurar-se; 2 imaginar-se (Do lat. repraesentare, «id.») sensação s.f. 1 facto psicofisiológico provocado pela excitação de um orgão sensorial; 2 intuição sensível de uma qualidade de um objecto; 3 interpretação, feita pelos orgãos nervosos do sistema central, de uma excitação produzida pelo meio exterior; 4 grande impressão causada por acontecimento excepcional; 5 sensibilidade (Do lat.med. sensatione-,«id.») show s.m.1 espetáculo; 2 [fig.,coloq] divertimento; 3 [fig.,coloq] atitude ou comportamento ostensivo; 4 [fig.,coloq] exibicionismo (Do ing.«mostrar;exibir;expor») simulação s.f. 1 acto ou efeito de simular; 2 fingimento; 3 disfarce; 4 diferença entre a vontade e a declaração, estabelecida por acordo entre as partes; 5 manifestação voluntária, na maior parte dos casos com finalidade utilitária, de perturbações que se assemelham mais ou menos aos sintomas de uma doença; 6 MATEMÁTICA representação de um sistema ou de um processo por um modelo estatístico com que se trabalha, como se tratasse desse sistema ou processo, para investigar os seus efeitos(Do lat. simulatione-, «id.») simulacro s.m. 1 imagem; 2 cópia ou reprodução imperfeita; 3 semelhança; 4 aparência sem realidade; 5 acção simulada(Do lat. simulacru-,«id,») utopia s.f. 1. projecto de governo que, a ser exequível, asseguraria a felicidade geral; 2 projecto imaginário, irreal (Do gr. oû, «não» + topos, «lugar», pelo lat. Utopîa-, î «lugar que não existe») îa-, virtual adj.2gén. 1 susceptível de se exercer ou realizar; possível 2 que existe em potência;potencial; 3 INFORMÁTICA simulado por programa(s) de computador; 4 FÍSICA diz-se, em óptica, das imagens sempre direitas, obtidas por reflexão (nos espelhos) ou por refracção (nos dioptros), que não são formadas pelos raios reflectidos ou refractados(conforme os casos), mas pelos respectivos prolongamentos, e que, por este motivo, não podem ser directamente projectadas (Do lat.escol. virtuale-,«id») voyeur s.m.pessoa que sente prazer na observação, às escondidas, de cenas íntimas ou eróticas levadas a efeito por outras pessoas (Do fr. Voyeur, «id.») voyeurismo s.m .PATOLOGIA tendência para observar, às escondidas, cenas íntimas ou eróticas levadas a efeito por outras pessoas, com fim de obter prazer sexual (Do fr. voyeurisme)
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