HISTÓRIAS DE CIDADES
F UNCH A L oi nestê areal magnífico que começou, há 567 anos, a história da ilha da Madeira. Estamos em Porto Santo e a própria praia se encarrega de nos dar a explicação do topónimo: marinheiros perdidos, famintos, desesperados já de voltar a ver terra, chegam até aqui. Os marinheiros puderam varar os barcos na areia amiga, acharam na ilha com c1ue sobreviver até que a tormenta passasse. A ilha surgda-Ihes como um milagre: era um porto santo. Chegaram aqui, à volta de L4L9, dois escudeiros do Infante D. Henrique. Chamava-se um João Gonçal-
t, ,,,,, .
.1il.i
:
ves e outro Tristão, simplesmente Tristão. O Gonçalves tinha uma alcunha: Zatco, por ser zarolho. VoÌtaram a Portugal e vieram depois com mais um companheiro: Bartolomeu Perestrelo. Foram eles os primeiros capitães. E aqui temos cl assunto para hoje: três histórias para contar. A dos Perestrelos, a dos Tristãos, a dos Zarcos.
r TREZENTOSMILREISPOR UMA ILHA Por volta de L425 os três navegadores chegaram com navios carregados de gente, sementes, aI-
faias. O rei de Portugal mandava povoar as duas ilhas. Era gente que ia para ficar. Contam as crónicas que os amigos ofereceram a Perestrelo, quando se despediam dele, uma gaiola com uma coelha. Ia grávida, e a ninhada nasceu durante a viagem. Toda a marinhagem achou de bom augúrio: a vida rompia ainda antes do desembarque! Talvez por ser estrangeiro, talvez por se dizer nobre, Perestrelo recebeu uma iltra completa: Porto Santo. A Madeira foi repartida entre os outros dois. Mas não tardou que Perestrelo descobrisse que ficara com a pior parte. A tradição diz que a ninhada de coelhos se reproduziu de tal forma que, ao fim de poucos anos, não havia em toda a ilha planta viva, e o italiano teve de se ir embora. É possível que a introdução dos roedores destruisse um equilíbrio ecológico e dificultasse a vida. Mas o verdadeiro inimigo não eram os coelhos, era a sede. Passam-se anos sem uma gota de chuva. Perestrelo não desanimou. Teimou anos, gastou tudo o que tinha até morrer na penúria. Tudo em vão. A viúva vendeu então a ilha por trezentos mil reis. O dinheiro serviu-lhe para paçtar a entrada de uma filha num convento de Lisboa, certamente por julgar que a moça já não casava. Afinaì casou. Com um jovem aventuÍeiro chamado Cristóvão Colombo. E aí começa um rosário de enigmas: como casou o ambicioso CoIombo com mulher sem dote? Ou quanto não valeriam para Colombo os papéis, mapas e segredos de Bartolomeu Perestrelo?
r
UM
NEGRI'ME
AO
LONGE
Daqui partiram os outros dois a tomar conta da sua ilha. Diz a crónica lendária que só se via um negrume ao longe e que os marinheiros tremiam de pavor. Para uns era o abismo em que acabava o mundo, para outros o referver do mar nas brasas do inferno. Mas Zarco transpôs a cortina da névoa, e depois já todos se riam do medo que tinham tido. Hoje compreendemos mal esta lenda. O perfil da ilha avista-se de Porto Santo, longínquo mas nÍtido. É possível que antes da destruição da floresta a concentração da tirbmidade alterasse esta luminosidade. Ou talvez o negrume seja apenas o equivale.Dte lendário do mistério e do mhdo da novidade. 59 {Êj
t.
f.' !{n i
HISTÓRIASDE CTDADES
r
A HISTÓRIA
DE TRISTÃO
Na divisão coube a Tristão a parte a que correspondia o ancoradouro do Machico, a Zarco a parte cuja primeira sede Íoi a Câmara de Lobos. Suponho que também então Tristão juìgou ter ficado com o melhor. O Machico é um porto natural magnífico e o terminal de um grande vale de terra fértil, cuja agricultura devia parecer fácil. Sobre o nome discute-se muito e diz-se que ele se reÌaciona com uma história de amantes que fugiram de Inglaterra para França e que, atirados para o mar pela tempestade, aqui vieram dar. Apesar de condições tão favoráveis, o Machico não teve futuro. As coisas correram mal logo desde os primeiros tempos. Tristão instaIou-se, teve uma ninhada de filhos (quatro filhos e oito filhas) e deparou com esse problema que se punha aos fidalgos da Madeira: como casar as raparigas? Zarco encarou a questão de modo decidido: escreveu ao rei e encomendou quatro maridos fidalgos. Tristão convidava para casa os visitantes, esperâva que as coisas se resolvessem por si. E foi isso o que o perdeu. Passou na Madeira um tal Diogo Barradas, homem novo que se dizia fidalgo, e Tristão deu-lhe hospitaIi$ade no Machico. Namorou-se-Ihe üe uma filha chamada Catarina e foi às do cabo, mas não era coisa de casar. O velho pai, afrontado, 60
amputou cruelmente o convidado (isto é, coÍtou-Ihe os órgãos genitais) e depois mandou pôr-Ihe algemas nas mãos, mas com tal brutalidade que os ferros cortaram os tendões e o homem ficou paralÍtico. Ora isto exorbitava das competências do capitão donatário. Tinha muitos poderes, mas não o de vida e de morte ou o de talhamento de membro. Tristão foi chamado a Portugal, condenado em degredo para S. Tomé, e Ìá se compôs pagando uma indemnízação ao Barradas. Mas à Madeira nunca mais voìtou. Morreu no Algarve, e o seu túmulo está numa capela ao fundo da catedral de Siìves. Nessa altura já tinha apelido: não era só Tristão; era o Tristão da IIha. Mas a ausência do donatário foi fatal à terra nascente. Os descendentes foram mais dados às aventuras galantes que à dureza do arroteamento. O Machico depressa foi ultrapassado pelo Funchal-
r
ACAVER N A E O A P E L I D O
João Gonçalves continuou a explorar a costa e parou aqui, neste Iugar em que nos encontramos. Havia uma enorme caverna na rocha. Os marinheiros remaram até lá, e viram que estava cheia de Iobos marinhos, que os navegadores se divertiram a exterminar à lançada. Ao lugar chamou João Gonçalves, a câmara dos lobos (câÍh+ra tiIl'}j.a então o significado de
casa, dependência fechada). E passou a assinar, com zombeteiro orgulho, João Gonçalves Zarco da Câmara de Lobos. Este apelido faz pensar que foi aqui que o navegador teve uma primeira e duradoura instalação, antes de mudar para o Funchal. O certo é que a tradição liga a primeira moradia de Zarco não com a Câmara de Lobos, mas com um lugar do Funchal onde hoje está a Ermida de Santa Catanna.
r D. coNsTANçA? NÃO. APENAS COLOMBO Por alguma razão o Zarco veio instalar-se aqui. A tradição diz que foi aqui a primeira casa. Foi daqui que mandou atear o incêndio. Contam os mais antigos escritores que a floresta era tão cerrada que não havia força humana que pudesse desbravá-Ia. Tinha de se escolher entre a mata e o homem. O navegador mandou então pegar o fogo e durante dois dias e duas noites esperou, metido na ág:ua do mar com a mulher e os filhos, que a força do incêndio passasse. Não acho a Ìenda crível. Zarco dispunha de barcos e, se ateasse fogo em terra, acolhia-se às embarcações. Mas a ienda exprime de modo poderoso o heroísmo desses primeiros anos de arroteamento. Ouando a floresta dá lugar ao canavial de açúcar e as exportações começam, Zarco pode construir
FUNCHAL
uma moradia melhor, e vai mais para o interior da ilha. Mas então intervém a mulher, Constança Rodrigues: o lugar onde viveu anos, onde pariu os filhos, é para recordar para sempre. E sobre aqueÌe chão mandou construir esta ermida em honra de Santa Catarina, padroeira dos navegantes perdidos sobre as águas do mar. É pois este o mais antrgo monumento da Madeira. O mais antigo de todo o Novo Mundo. Junto da capela está hoje uma estátua de bronze. Da capitã D. Constança, certamente. Não, não é. De algum dos seus Íilhos, que )tanto se notabilizaram? Talvez seja e isso sim, devia sê-lo da mãe madeirense, primeiras mães portuguesas que curtiram exíIios e saudades, privações, misérias, e criaram os filhos que fizeram da ilha o magníÍico exemplo de civilização que hoje é? Não. E Colombo. Mais uma estátua a Colombo.
taÌ era a ostentação com que se apresentava na côrte. Foi ele que mandou ao Papa um presente que deu brado no seu tempo: era todo o conjunto dos cardeais do Sacro Colégio modelados em açúcar cristalizado, pintados de púrpura e de ouro e em tamanho natural. Contava-se que o Papa, surpreendido, teria exclamado: Simão? Mas quem é este rei, que eu não conheço? Julgo que ainda hoje se pode admirar no Funchal um retrato de Simão o Magnífico. O fidalgo que se vê em primeiro plano, de joelhos não é senão ele. No outro painel, à esquerda, estão as mulheres da família e um rancho de filhas. Era o tal problema das muitas filhas para casar. Olha-se para o quadro e compreende-se imediatamente que, com famílias assim, a população cresceu depressa. A Madeira era um berço no mar
r o crcl,o Do AçÚGAR
I
O açúcar era então uma especiaria cara e a Madeira foi, durante alguns anos, o principal fornecedor da Europa. Isso explica que os capitães do Funchal depressa acumulassem grandes fortunas. Zarco quis que o filho mais velho fosse João, como ele. Mas assinou sempre João Gonçalves da Câmara, sem a indiscreta referência aos Iobos. O neto foi Simão. ChamavamIhe em Lisboa, Simão o Magnifico,
Este quadro foi pintado na FIandres e pago a peso de açúcar. Este, e todos os outros da magníÍica colecção do Museu de Arte Sacra do Funchal. Vale a pena vir vê-Ios. A esta obra-prima ficou ligada uma lenda comovente. É S. Joaquim e Santa Ana. Mas o povo diz que não. É Henrique Alemão e sua mulher Senhorinha Anes. E quem era Henrique Alemão? Nem mais, nem menos que o rei Ladisìau IIISfilho
UMALENDACOMOVENTE
do rei da Polónia e ele próprio rei da Hungria, que as histórias dizem que morreu na grande batalha de Varna às mãos dos Turcos. Mas a tradição madeirense diz que não: escapou com vida, mas veio esconder a vergonha da derrota aqui na Madeira, onde casou. Era senhor da Madalena do Mar, e morreu afogado quando se dirigia para Iá, ido do Funchal. Um grande penedo caiu do Cabo Girão e afundou-Ihe o barco e o segredo.
I
O ASSAI,TO
DOS
coRsÁRros Esta cruz processional foi oferecida pelo rei D. Manuel à Sé do Funchal, e ficou ligada ao assaÌto dos corsários de 1566. EIes procuraÌam-na por toda a parte e não a encontraram, porque os frades a tinham enterrado debaixo dos cadáveres das vítimas da agressão. De manhã os sinos tocaram a rebate: aproximava-se ao longe uma esquadra com três navios de alto bordo e mais oito outras embarca'ções. Os soldados correram aos fortes e o condestável da artilhariaqueria disparar: Afundo-os um a I um, clamava. Mas o meirinho, que ali estava a representar o giovernador, não deixava fazer fog6.r-._ O rei de Portugal e a Ilha da Mâdeira não recebem as visitas a tirc.Wgmos salvas de boas vindas. Iüàs, riQogr$Qovisitas, são corsário,s sêm o artilheiro'.'.Deb4ffirra*teimava 61 s t- l
ru 1.,.:
HISTÓRIASDE CIDADES
pressa se viu a verdade: eram mil e duzentos corsários que desembarcaram matàndo e pegando o fogo a tudo o que encontravam. O primeiro a morrer foi o meirinho que não deixara disparar, porque saltou das muraÌhas do baluarte e morreu da queda. E durante dias os corsários franceses saquearam tudo, fizeram centenas de mortos e, quando partiram, o Funchal parecia uma cidade extinta. incendiada e deserta.
r O CICLO DO VINHO O vinho já então era tanto que os assaltantes só puderam levar uma parte; ao resto despejaram-no nas ruas, onde correu em regatos até ao mar. Nascia essa grande riqueza que foi o vinho da Madeira. Contam-se histórias, mais ou menos lendárias. Diz-se que Shakespeare faz o seu Falstaaf dizer gue vendia a alma por uma perna de capão e um copo de Madeira (de facto, fala só em copo de malvasia). E diz-se que, quando o Duque de Clarence foi co4;!enad.o à morte por conspiraq. cor Eia a coroa, Ihe permitÍra* ."lt colher o género de morte e ele op: tou por morrer afogado numa.grar!. oz
de cuba de vinho da Madeira. Mas já não é lenda, mas documento assinado com o punho do marechal WeÌlesÌey, duque de Wellington, a ração de Madeira a gue cada ofÍcial de Sua Majestade Britânica tinha direito: quinze garrafas em cada m ês . O valor comercial do vinho e a importância da ilha como escala de navegação depressa despertaram o interesse inglês. Encontramo-nos num Ìugar que evidencia a influência britânica na ilha: a sala de um opulento mercador de vinhos, por volta de 1850. A influência inglesa chegou ao ponto de, na vóspera do Natal do ano de 1807, chegar aqui uma esquadra que trazia a bordo o majorgeneral W.C. Beresford, que intimou o governador a transÍerir a soberania da ilha para a Coroa britânica; o seu argumento era que a Madeira estava ameaçada pelos navios de Napoleão, e a esquadra inglesa não se podia bater para defender uma iÌha estrangeira: curíosa interpretação dos deveres da aliançal A influência inglesa na Madeira dura todo o século XVIII e só decresce quando no século XIX as pragas da filoxera e do oidium vêm destruir os vinhedos e arruinar o comércio do vinho.
r
GENTE OUE OI'E VEM
VAI,
GENTE
Passado o ciclo do vinho, a Madeira passou a viver principalmente da giente. Da giente que vem, da gente que vai. Ouem vem são os turistas, quem vai são os emigranO turismo é antigro na Madeira, e está ag'ora numa base de reanimação. Mas há a face sombria da emigração. Desta ilha se pode dizer o que o padre António Vieira disse de Portugaì'. Um palmo de terïa paÍa nascer, o mundo ìnteiro para morÍer CalcuÌa-se em um miÌhão o número actual dos madeirenses; mas só a quarta parte encontra um lugar aqui. Os outros andam por ionge, pela Venezuela, sobretudo pela África do Sul. Oue futuro para essa gente? A emigração nunca foi futuro para ninguém. Mas acredito que o Homem da Madeira, que ao longo destes cinco sécuìos soube sempre encontrar a solução nova, audaciosa, de acordo com a força dos tempos, será também agora capaz de encontrar as fórmulas que permitam a todos os madeirenses viverem na sua lerra. E será essa - uma Madeira onde todos caibam - a Terra Prometida do futuro. r
,*gr
GlSlmcil a methorquatidade europeiaagoraem Portugal.
SACOS MULTI.USO
Para a protecçáoe transportede alimentos,peças de vestuárioe outros objectos que se queiramprotegerdo pó ou da humidade. ALUMíNIOEM ROLO São impermeáveise têm fecho de capuz Especialmente concebidoparaconseruar Um livrocom 48 páginas, incorporado. todos os alimentosdentroe fora do ilustrado,contendo métodos frigoríÍicomantendoa sua texturanatural. práticos,conselhose receitaspara SACOS ESPECIAISPARA CONGELAR você poder conseryare congelar Excelenteoara cozinhare decorar. Para uma congelaçâosegurade todosos melhore com mais economia. líquidos Envie4 tiras picotadasdas embala- alimentoscrus ou cozinhados, rápida ou sólidos. Permitem descongelaçáo para: G[$[mnGll sens PELíCULAEM ROLO directamentedo congeladorpara PANQIIEP. Apartado28 Elásticae aderentea qualquersuperfície. 'banho rqaria". &r 2701 AMADORACODEX Permiteguardaros alimentos dentroe fora Eiiquetas impressase atilhos Ediçáolimitada para de recipientesao abrigoda contaminação estanque. embalagem OÍerta válida para o Continenle atmosféricae da humidade. Nòvidademuito prática. e BeoiõesAutónomas