O crime ambiental da Samarco em Mariana, MG, não é um caso isolado da imprudência das mineradoras com os ecossistemas e da violação dos direitos das comunidades por parte de grandes empresas. Em diversos locais do Brasil, empresas extrativistas poluem rios, destroem ecossistemas, transformam regiões antes pacatas em centros de violência e de prostituição, se adonam de nascentes colocando em risco o abastecimento de água de cidades inteiras. No segundo Quartas Temáticas - moBiliZando para a tRansfoRmaçãO na ciDade, fomos fundo nesse assunto, refletindo sobre as posturas das mineradoras e de como este modelo de produção sustenta o consumismo das grandes centros urbanos.
Você consegue se imaginar vivendo sem itens produzidos com ferro? Conseguiria viver sem carro, por exemplo? Teria que haver um remanejo do cotidiano, mas seria possível, certo? E sem água, consegue imaginar? Impossível, né! No documentário Minas D'água, que abriu nosso encontro, Danilo Siqueira, diretor do filme, expõe a denúncia das comunidades sobre a situação de calamidade pública que Minas Gerais se encontra devido aos danos da mineração, principalmente na região da Serra da Gandarela. Esta serra é a última intacta no Quadrilátero Ferrífero (pelos movimentos sociais, chamado de “Quadrilátero Aquífero”, devido a enorme presença de água no local. Onde há ferro, há água), em que empresas querem construir um complexo semelhante ao de Carajás, no Pará, a apenas 10 quilômetros de Belo Horizonte. A exploração desta Serra, segundo Danilo, pode comprometer o abastecimento de água da capital mineira no prazo de 15 anos. As nascentes da Serra da Gandarela são responsáveis por 60% do abastecimento de Belo Horizonte e por 41% da região metropolitana. A chegada das mineradoras nas comunidades é propagandeada com promessas de empregos e aquecimento da economia. Em alguns casos, como em Belo Monte, prometeu-se escolas, hospitais. Para começo de conversa, Bruna Engel, participante do Quartas Temáticas, ressalta que serviços públicos são obrigação do estado e não responsabilidade de empresas privadas.
Com a mina,, os municípios se transformam, mas não de acordo com as promessas. O que realmente acontece é um crescimento vertiginoso da população em locais antes pacatos. E aí junto vem a violência, o aumento do custo de vida, a prostituição infantil. “O que as mineradoras fizeram com Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, é horripilante. Era um lugar maravilhoso, inclusive histórico, em que as pessoas dormiam de janela aberta e após a mina é muito violento”, contou Daniel Siqueira. A compensação ambiental por parte das mineradoras também foi tema da conversa – assunto que foi tocado pela Lúcia Ortiz no primeiro Quartas Temáticas, sobre a Cop21 e a financeirização da natureza, em novembro. Segundo Letícia Paranhos, do Amigxs da Terral, a lógica da compensação ambiental, em alguns casos, prejudica o manejo das florestas por parte das comunidades tradicionais, que historicamente preservam estes ecossistemas. Além disso, a compensação ambiental também restringe a transmissão e o uso de saberes tradicionais, como o das ervas medicinais. “Tu não tem mais direito de pescar, de viver daquela terra. Aí aqueles que sempre protegeram historicamente vão ser os criminalizados pelo dano ambiental. Como o indígena que corta uma árvore e é acusado de interferir na compensação ambiental”, relata Letícia.
Luciana de Mello compartilhou um fato de quando trabalhava em uma empresa de engenharia para exemplificar como se dá as facilitações do setor público para as empresas privadas de mineração. “A gente era pressionado a bater bandeira na Dom Pedro a favor de um candidato de situação. Eu e mais três falamos que não íamos bater bandeira por ninguém. Depois que a eleição terminou, saiu uma reportagem de página central do jornal com as doações de empresas para as campanhas. A empresa que eu trabalhava doou para os dois candidatos. E é assim o jogo”.
Doações de para campanhas - Eleição 2014
O pior é que esta facilitação já não diz mais respeito somente a áreas privilegiadas, com a presença de metais. Algumas grande empresas, como é o caso, segundo o Danilo, da Nestle, já se apropriam do que está abaixo da terra, compram o subsolo, adquirem nascentes. “O subsolo já está mapeado, já tem dono, e o uso é direito das mineradoras. Por mais que o cara tenha a fazenda ali, o subsolo já não é dele. E o pior é que estas empresas estão comprando todos os mananciais de água. Segundo o dono dessas empresas, a água não deveria ser um direito público e sim um bem privado. Esse é o pensamento e é isso que está comprando os governos , os comitês, e aí vai, legislando a favor deles.
“A própria palavra ‘Desenvolvimento’ já diz tudo. Des-envolver. É te desagregar do envolvimento”. O alumínio, o ferro e diversas outros materiais extraídos da natureza se transformam em bens de consumo do dia a dia, como celulares, eletrodomésticos, carros. Segundo Bruna, Danilo e Luciana, justamente este consumismo diário que devemos desconstruir para quebrar a lógica extrativista. Será que precisamos de tudo o que compramos? De tudo que consumimos? Para Danilo, continuamos perpetuando o mesmo modelo extrativista colonial em que antes ia tudo para Portugal para pagar a dívida com a Inglaterra, hoje vai tudo para a China, que tem a maior jazida de minério de ferro do mundo, mas fica só especulando, comprando minério de todo o mundo. Armazenando ou produzindo esses produtos efêmeros, que aumenta o consumismo. “Junto com o alumínio, se exporta cultura, se exporta força de trabalho”, diz Bruna. Danilo ainda ressalta: “Podemos viver sem ferro, deixar de fabricar carros? A gente pode viver sem carro se isso for uma questão de vida ou morte. E o que a gente não vê é que já estamos nesse nível”. Nos dois primeiros encontros do Quartas Temáticas, falamos sobre a financeirização da natureza e as violações de direitos provocados pelas mineradoras. Logo teremos outro encontro. Para saber mais informações e sugerir temáticas, nos acompanhe pelas redes sociais.
Fonte: “Quem é quem na discussão do novo código de mineração”, 2014.
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