Assédio moral no ambiente de trabalho

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Assédio moral no ambiente de trabalho

O bulling, mobbing, ou psicoterror laboral sob a ótica jurídica CLAUDIA DE SANTANA*

O tema assédio moral é revestido de particularidades e tem ganhado destaque, principalmente, neste contexto de crise, em que o trabalhador é obrigado a suportar pressões e cobranças cada vez maiores, diante do temor do desemprego, sujeitando-se a um ambiente de trabalho muitas vezes nefasto para sua saúde. O assédio moral, bulling, mobbing, ou psicoterror no trabalho, como causador de lesões, físicas e psíquicas, deve ser combatido e penalizado. Contudo, até o momento, não foi elaborada uma lei específica para tratar essa anomalia social de âmbito nacional. Entretanto, mesmo diante da ausência de lei específica, o Judiciário brasileiro tem se mostrado eficaz, e a jurisprudência retrata que o assédio moral, quando constatado, está sendo reconhecido como ato nocivo contra a dignidade do empregado, havendo uma série de julgados na Justiça do Trabalho condenando os empregadores a pagar indenizações decorrentes da violência moral reiteradamente praticada no ambiente de trabalho. Não raro, o assédio moral é tema de jornais e telejornais. No entanto, o que é assédio moral? Assédio moral não é apenas uma violação da intimidade do trabalhador, não é um ato impensado, praticado isoladamente contra alguém em seu ambiente de trabalho, não é um grito ou uma agressão, física ou verbal, praticada isoladamente – é algo pior e mais degradante do que tudo isso. CONCEITO Segundo Sergio Pinto Martins, o assédio moral corresponde à conduta ilícita do empregador ou qualquer preposto, tanto por ação quanto por omissão, podendo ser promovida por dolo ou culpa, de modo repetitivo e prolongado ao longo do tempo, geralmente de natureza psicológica, que acarreta ofensa direta à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador que é perseguido por alguém. O empregador fica exposto a situações humilhantes e constrangedoras durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções (MARTINS, 2014, p.17). Para Jorge Luiz de Oliveira da Silva, o assédio moral, ao contrário do que relata Sergio Pinto Martins, pode ocorrer tanto dentro como fora do ambiente de trabalho, conceituando o jurista que o assédio moral consiste na submissão do trabalhador a situações humilhantes, vexaminosas e constrangedoras, de maneira reiterada e prolongada, durante a jornada de trabalho, ou mesmo fora dela, mas sempre em razão das funções exercidas pela vítima (SILVA, 2012, p.34). Paulo Eduardo Vieira de Oliveira sustenta que, genericamente, o assédio moral pode ser identificado como comportamento de um indivíduo ou de um grupo que visa à destruição psicossomática de outro indivíduo ou outro grupo, mediante pretensões reiteradas destinadas a obter, à força, qualquer coisa contra a sua vontade (OLIVEIRA, 2013, p.14). Nos dizeres de Ana Carolina Godoy Tercioti, o assédio moral seria o ataque ao brio, à vergonha de determinada pessoa, e, para o Direito, significaria constranger a pessoa no ambiente de trabalho, com intuito de perversidade; desbancá-la, minar sua autoestima, atentando-se contra a sua dignidade e personalidade, para que a vítima venha a se sentir tão mal, a ponto de querer desistir do emprego (TERCIOTI, 2011, p.17-18).


Dos conceitos apresentados, vemos que há uma divergência quanto ao espaço no qual pode ser identificado o fenômeno, mas temos que, em todos eles, há uma vertente comum, no que tange à prática da conduta caracterizadora do assédio moral. A conduta que caracteriza o assédio moral, na maioria dos casos, acaba sendo consequência do abuso do poder diretivo do empregador ou superior hierárquico, de forma deliberada, com a finalidade de anular a vítima, afastando-a do mundo do trabalho a qualquer custo, isolando, humilhando, impondo o empregado a situações vexatórias, de forma periódica, ao longo de um período de tempo. São práticas humilhantes, progressivas, repetidas, que vão desde o isolamento, da desqualificação profissional, até a exposição constante na vítima ao ridículo em seu próprio ambiente de trabalho e aos olhos dos demais empregados, ocasionando, em muitos casos, a destruição psicológica da vítima e a ruptura da relação de trabalho pela aposentadoria precoce e até mesmo pela demissão. O dano decorrente dos atos que caracterizam o assédio moral é evidente de sua própria descrição e, por atingir a personalidade, varia sua extensão de pessoa para pessoa – isso porque a mesma conduta pode gerar efeitos diversos, dependendo da pessoa para a qual é direcionada. Contudo, é oportuno salientar que tamanha é a gravidade dos danos provocados na vítima, que o assédio moral pode até mesmo levar ao suicídio – ou “bullicídio”, como é denominado o suicídio nesses casos. "A CONDUTA QUE CARACTERIZA O ASSÉDIO MORAL, NA MAIORIA DOS CASOS, ACABA SENDO CONSEQUÊNCIA DO ABUSO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR OU SUPERIOR HIERÁRQUICO..." O psicoterror não é um fato novo e sua incidência, muitas vezes, começa de modo sutil, caracterizando-se por gozações e mentiras leves, que vão se prolongando e progredindo com o passar do tempo, tornando-se prejudicial à qualidade de vida e à produtividade da vítima. O trabalhador, quando começa a ser assediado, normalmente, não leva a sério as provocações, nada fazendo para cessar a conduta praticada pelo agressor, o que leva ao prolongamento do dano.

CRISE No Brasil, é crescente o número de casos de assédio moral no trabalho. Em uma pesquisa, um dos primeiros estudos sobre o tema em nosso país, realizada pela professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Margarida Barreto, médica do trabalho, foram entrevistados 2.072 trabalhadores de 97 empresas no período de 1996 a 2000, e 870 destas pessoas, sendo 494 mulheres e 376 homens, declararam a sujeição a condutas que caracterizam assédio moral; 41,98% declararam ter sofrido algum tipo de violência no ambiente de trabalho (GUEDES apud BARRETO, 2003, p.30). A desvalorização do ser humano em detrimento da busca exacerbada pela alta produtividade, pelo crescimento do capital e pela imposição de metas cada vez mais inatingíveis, acrescido da forma como muitas empresas têm estabelecido os elos de seus empregados e da falta de fiscalização da qualidade do ambiente de trabalho fazem emergir um ambiente cada vez mais propício à incidência de práticas que caracterizam o assédio moral no trabalho. Na maioria dos casos, a vítima é isolada do grupo pelo agressor, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada e desacreditada perante seus colegas de trabalho e seu ofício. Em muitos casos, os próprios colegas de trabalho da vítima, por medo de represálias, ou por identificar que podem obter alguma vantagem diante da situação, acabam adotando a conduta do agressor, agravando ainda mais o dano decorrente do assédio moral. O assédio moral consiste na promoção de condutas hostis, como tratar o indivíduo com rigor excessivo, confiar ao empregado tarefas inúteis, metas inalcançáveis, tarefas abaixo da sua capacidade profissional, fazer críticas de modo hostil em público, divulgar para os outros


colegas assuntos pessoais ou alguma doença, zombaria, exposição ao ridículo, isolamento, inatividade forçada, medir o tempo de banheiro, dentre outras. Salienta-se que característica comum das condutas que caracterizam o assédio moral é a total falta de respeito para com o trabalhador, com o objetivo de difamar a vítima. Um dos métodos mais utilizados para destruir a vítima é a desqualificação profissional. Aqui, o perverso objetiva atingir a capacidade profissional do obreiro, e isso pode ser observado em práticas que ofendem o direito de isonomia, de tratamento igualitário, como rebaixamento de função, discriminação salarial, sobrecarga de trabalho, esvaziamento das funções e exigência de serviços superiores às forças do trabalhador. Frequentemente, o assédio moral está associado ao abuso do poder de direção do empregador, estando presente nas relações em que há subordinação, em que o superior age de forma autoritária, desumana e antiética para com os seus subordinados, impondo um ambiente de trabalho hostil e prejudicial à saúde psíquica, provocando a degradação das condições de trabalho, a redução da produtividade e da qualidade de vida da vítima; porém, o assédio moral pode ocorrer de modos diversos. PARA LER Em obra prefaciada pelo renomado Amauri Mascaro Nascimento, a autora Sônia Mascaro Nascimento apresenta o assédio moral no Direito Comparado, destacando-o de outras formas de constrangimento no trabalho, além de esmiuçar a base jurídica do assédio moral no Brasil. Ademais, ela expõe medidas preventivas e repressoras do assédio moral, incluindo temas atinentes à prova processual e à valoração do dano decorrente da má prática.

TÍTULO ORIGINAL: Assédio Moral AUTORA: Sônia Mascaro Nascimento EDITORA: Saraiva EDIÇÃO: 2a edição LANÇAMENTO: 2011 PÁGINAS: 217

Na sua forma vertical decrescente, mais comum, ele decorre das relações nas quais há hierarquia, poder, autoridade, predominando o terrorismo psicológico praticado pelo superior hierárquico em face de seu subalterno. Essa forma se dá quando o subordinado é agredido pelo empregador ou superior hierárquico, sendo levado a acreditar que deve suportar todas as imposições para não ser despedido ou prejudicado. "O FENÔMENO MANIFESTA-SE NA SUA FORMA HORIZONTAL, QUANDO COLEGAS DO MESMO GRAU NA ESCALA HIERÁRQUICA DA VÍTIMA, EM DETERMINADAS SITUAÇÕES, ASSUMEM COMPORTAMENTOS QUE CONFIGURAM O ASSÉDIO MORAL." COMPORTAMENTO O fenômeno manifesta-se na sua forma horizontal, quando colegas do mesmo grau na escala hierárquica da vítima, em determinadas situações, assumem comportamentos que configuram o assédio moral. Pode ser verificada quando um empregado de má índole passa a hostilizar um desafeto, com a finalidade de excluí-lo do grupo, forçando-o a desligarse da empresa. Aqui, via regra, o chefe não intervém, salvo se comprometer algum aspecto da empresa, permitindo a permanência do ambiente adverso à saúde de seus empregados. O assédio moral vertical também pode ocorrer no sentido ascendente. Nesta modalidade, a conduta assediadora parte de um ou mais subordinados contra o superior hierárquico. Essa modalidade é rara, mas pode ocorrer, por exemplo, quando um novo chefe assume o cargo e passa a sofrer assédio de seus subordinados, o que pode acontecer pelo fato de o novo chefe não agradar um grupo de subordinados, por ter idade inferior aos demais, ou por não ser considerado qualificado o suficiente para assumir a posição de chefia, passando a sofrer as ofensas que caracterizam o assédio


moral. O assédio pode ser configurado também na forma mista, ocorrendo quando a vítima é agredida tanto pelos colegas (mesmo grau hierárquico) como pelo empregador ou preposto e até mesmo por subordinados seus. Segundo Claudio Roberto Carneiro de Castro, o assédio moral pode ser praticado até mesmo por terceiro não vinculado à hierarquia empresarial (CASTRO, 2012, p.140). São sujeitos do assédio moral no trabalho, de modo geral, o agressor e a vítima. Na sua forma mais frequente: o agressor, geralmente é o chefe, que, abusando do poder disciplinar e de direção, passa a assediar a vítima por meio de atos, gestos, palavras, condutas negativas e antiéticas; a vítima, comumente, é um empregado subordinado, de boa índole, com baixa estima e bons princípios, o qual, com medo de perder seu meio de sustento, tenta tolerar tal situação. REFERÊNCIAS Assédio moral e sexual no trabalho. Brasília: MTE, ASCOM, 2009. BARROS, Alice Monteiro de. Curso

Existem também na relação a figura dos espectadores, ou seja, do grupo que assiste ao processo de destruição da vítima e nada faz, por medo de sofrer alguma punição, por concordar com o agressor, ou ainda por achar que obterá algum tipo de vantagem com isso.

de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp1286466/RS, Recurso Especial 2011/0058560-5. Rel. Min. Eliana Calmon, 2a Turma, data de julgamento 2/9/2013, data de publicação DJe 18/9/2013. CASTRO, Claudio Roberto Carneiro de. O que você precisa saber sobre assédio moral nas relações de emprego. São Paulo: LTr, 2012. GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. MARTINS, Sergio Pinto. Assédio moral no emprego. São Paulo: Atlas, 2014. ______. Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2005. MENEZES. Cláudio Armando Couce de. Assédio moral e seus efeitos jurídicos. Síntese Trabalhista Administrativa e Previdenciária. Porto Alegre, ano 15, n. 169, p. 140-150, jul. 2003. OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira

PREJUÍZOS Do ponto de vista econômico, convém dizer que o assédio moral, por causar a degradação das condições de trabalho, provoca a diminuição da produtividade, uma vez que insatisfeito e sem estímulo, o empregado perde o ânimo, a vontade de pertencer àquela organização e, assim, caracterizada a conduta, o entendimento atual de nossos tribunais atribui a responsabilidade pelo dano ao empregador, gerando prejuízo pecuniário. No que concerne ao fator humano, os efeitos do assédio moral praticado no ambiente laboral são terríveis, pois não se limitam apenas ao aspecto psíquico, emocional e econômico, mas também atingem o organismo físico, sob a forma dos mais variados tipos de transtornos psicossomáticos, e as consequências são devastadoras, podendo afetar a vida íntima, pessoal, familiar e socioeconômica do assediado. É oportuno salientar que, apensar da gravidade da conduta, não há casos em nossos tribunais que reconheçam a existência de justa causa para dispensa do empregado que comprovadamente pratica ou praticou o mobbing.

de. Assédio moral no trabalho: Caracterização e consequências. São Paulo: LTr, 2013. SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio moral no ambiente de trabalho. 2. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2012. TERCIOTI, Ana Carolina Godoy. Assédio moral no trabalho: Danos causados ao trabalhador e medidas preventivas. São Paulo: LTr, 2011.

Convém destacar que o assédio moral não está restrito aos ambientes privados de trabalho, sendo também constatada a sua existência no serviço público, tendo como servidores públicos tanto a vítima quanto o assediador. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar Recurso Especial 2011/0058560-5, que contemplava a matéria assédio moral, por unanimidade, seguiu o voto apresentado pela relatora, ministra Eliana Calmon, segundo o qual o assédio moral, mais do que


provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é campanha de terror psicológico pela rejeição e, quando evidenciado o dolo, enquadra-se em ofensa aos princípios da administração pública, enquadrando-se a conduta no ilícito previsto no Artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, em razão de o terror psicológico praticado deliberadamente pelo servidor configurar evidente abuso de poder e desvio de finalidade, além de afrontar a impessoalidade. Do exposto, temos que o assédio moral no ambiente de trabalho é extremamente nocivo à saúde do trabalhador e gera prejuízo econômico ao empregador, pode ocorrer nas relações de trabalho do setor publico e privado, de formas diversas, e sua prática atenta contra direitos constitucionalmente protegidos, dentre eles os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho. No setor público, a conduta pode caracterizar ato de improbidade administrativa e, no setor privado, o dano decorrente da comprovação da ocorrência da conduta recai integralmente sobre o empregador. A principal consequência jurídica do assédio moral, sem sombra de dúvidas, é a responsabilidade por dano moral, tendo em vista que sua ocorrência se dá por práticas vexatórias, humilhantes, que desestabilizam o trabalhador enquanto ser humano e que se trata de direito personalíssimo. Verificamos que, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça salientou entendimento de que o servidor público que pratica assédio moral incorre em ato de improbidade administrativa, previsto no Artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, por entender que a conduta exercida configura evidente abuso de poder, desvio de finalidade e afronta o princípio da impessoalidade. Com o objetivo de esclarecer e informar a população quanto ao tema, o Ministério do Trabalho e Emprego lançou, em 2009, uma cartilha especificamente sobre assédio moral e assédio sexual; contudo, os números de ações judiciais que têm por objeto o assédio moral revelam a necessidade de adotarem-se novas medidas sobre o assunto. CONSIDERAÇÕES Pelo exposto, temos que, mesmo a legislação brasileira não prevendo expressamente o assédio moral, nossos tribunais não estão se eximindo da questão, reconhecendo a prática da conduta e condenado os responsáveis; que o empregador deve estar atento para constatar e adotar medidas com o objetivo de coibir o assédio moral dentro do ambiente laboral, em decorrência da influência negativa na produção e do prejuízo que pode acarretar a imputação da penalidade pela prática do delito contra um de seus empregados; e que nós, advogados e profissionais da área jurídica, podemos atuar de forma mais ativa no combate e na prevenção ao assédio moral. *CLAUDIA DE SANTANA é especialista em Direito do Trabalho, professora e advogada com atuação no Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UFAM.


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