Imaginário Erótico - Ana Batista

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART ARTES VISUAIS

TCC DE GRADUAÇÃO

IMAGINÁRIO ERÓTICO

ANA CARLA BATISTA CORRÊA

FLORIANÓPOLIS, 2013


ANA CARLA BATISTA CORRÊA

IMAGINÁRIO ERÓTICO

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Artes Visuais do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Artes Visuais. Orientador: Antonio Carlos Vargas Sant'Anna

FLORIANÓPOLIS 2013


ANA CARLA BATISTA CORRÊA

IMAGINÁRIO ERÓTICO

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Artes Visuais do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Artes Visuais. Banca Examinadora Orientador: _________________________________ Antonio Carlos Vargas Sant'Anna / Doutor Membro: _____________________________ Marta Lucia Pereira Martins / Doutora Membro: __________________________ Talita Gabriela Robles Esquivel / Mestre FLORIANÓPOLIS 2013


Dedico este aos meus pais, que sempre me apoiaram. Ao meu orientador Antonio Carlos Vargas Sant'Anna que tanto me guiou. À Natasha por toda ajuda, carinho e paciência. Aos meus amigos Raul, Maria, Maurício, Palilo, Elton e todos aqueles que me ajudaram em todo meu processo. E por fim, à todo aqueles que sentiram minha falta.


RESUMO

Este trabalho de conclusão apresenta uma reflexão sobre o imaginário e sobre o erótico e tudo aquilo que os permeia em alguma instância juntos. O trabalho apresenta não só uma pesquisa conceitual e filosófica sobre o imaginário erótico, mas também uma produção artística que demonstra os desdobramentos do pensamento sobre a pesquisa filosófica, quanto às influência contemporâneas que refletem em experimentos e propostas para se alcançar o imaginário erótico, a partir de obras que são “portas” propostas para levar o individuo ao seu imaginário erótico.

Palavras-chave: Erotismo, Imaginário


ABSTRACT

This conclusion work presents a reflection on the imaginary and the erotic and everything that permeates in some instance together. The study presents not only a research conceptual and philosophical about the erotic imagination, but also an artistic production demonstrating the ramifications of thinking about philosophical research as to influence contemporary reflecting on experiments and proposals to reach the erotic imagery from works that are "doors" proposals to bring the individual to your erotic imagination.

Keywords: Eroticism, Imaginary


SUMÁRIO 1

O ERÓTICO E O IMAGINÁRIO_____________________________________10

2

AS REPRESENTAÇÕES ERÓTICAS AO LONGO DO TEMPO____________ 35

3

O PROCESSO PARA O IMAGINÁRIO ERÓTICO______________________ 52

3.1 Desenhos incompletos do imaginário________________________________54 3.2 Pinturas desintegradas para o imaginário_____________________________ 60 3.3 Esculturas para o imaginário erótico_________________________________ 65 3.4 Máscara para imaginação_________________________________________ 72 BIBLIOGRAFIA _________________________________________________ 77


APRESENTAÇÃO

O interesse paralelo sobre o erotismo e sobre a imaginação instiga sobre o quão distinto pode ser a imaginação e os desejos dos seres. A imaginação ligada ao erotismo compõe um dos mais intrigantes mundos que há dentro do indivíduo, a imaginação e o erotismo é como o desejo e o pensar juntos, é a pulsão para criação e ao mesmo também a válvula de escape do mundo exterior. Aqui encontram-se, além do aparato filosófico, desdobramentos que aqui se encontram, em produção, refletem sobre essa pulsão do ser e propõe a todo momento que aquilo que lhe mostra deixe-o levar para o seu mundo imaginário, deixe-o carregar para aquilo que o remete e aquilo que o toca, “as portas” apenas abrem caminho para o imaginário, como uma proposta, o indivíduo diante de tais experimentos e propostas decidirá sobre o que há de seguir, sentir e refletir.



11 1 O IMAGINÁRIO E O ERÓTICO

O Erotismo, do grego ἔρως (éros), pela etimologia da palavra, significa: I. Amor sensual, físico. II. Caráter do que é sensual, a qualidade do que é erótico. III. Grande gosto pelas coisas referentes ao sexo, ao desejo sexual, ou a tendência a viver a excitação sexual. IV. A própria excitação sexual, ou uma manifestação explícita da sexualidade. V. Presença ou prevalência desse aspecto em obra artística, literária, cinematográfica etc. ¹ ¹ A palavra imaginário vem do latim imaginarĭus. A palavras imagem, imaginação e imaginário radicam do latim imago -ginis. A palavra imagem significa a representação de um objeto ou a reprodução mental de uma sensação na ausência da causa que a produziu. O imaginário vem: 1. adj que só existe na imaginação; 2. subs. conjunto de imagens, símbolos etc de um grupo social. ² Há imensos desdobramentos filosóficos acerca da imaginação e da consciência, constando assim que há uma multiplicidade de ideias que muitas vezes divergem e outras convergem. Porém não há como estabelecer uma verdade única ou um pensamento correto, todas as reflexões são válidas para a crítica e a reflexão pessoal sobre o indivíduo e sua "ideia" ou "percepção" sobre o imaginário e a imaginação.

"A verdadeira definição de cada coisa só compreende a exprime a natureza da coisa definida, de onde se segue esta observação, a saber, que nenhuma definição compreende e exprime um certo número de indivíduos..." SPINOZA, Baruch. Éthique, I, prop, VIII, sc. II, p. 27. (1677) (trad. Boulainvillers / tradução nossa)

A conceituação tanto do termo "Imaginário" quanto sobre o "Erotismo" podem se ramificar em vários significados, tendo uma multiplicidade de sentidos dependendo dos pontos de vista adotados. O

¹ ² DPLP apud Novo Dicionário Lello da Língua Portuguesa (Porto, Lello Editores) / Priberam, 2008.


12 estudo sobre o imaginário é, portanto, extenso e se multiplica sobre as filosofias de pensadores como

Sartre (1940), Le Goff (1994), Durand (1997), Deleuze (1989), Lacan, Bachelard, entre outros. Com esses vastos conceitos optamos nos aprofundar no pensamento de Sartre, estando ciente das divergencias dos multiplos conceitos. De uma forma simples, em um conceito comum, podemos pensar o imaginário como um processo de produção de ideias, imagens, visões de um coletivo de pessoas (a um Imaginário Social) ou de um indivíduo (a um Imaginário Pessoal) para expressar sua relação de alteridade com o mundo; e podemos ver o erotismo como uma manifestação, representativa ou não, subjetiva ou não, da sexualidade como uma forma, expressão física ou imaginária. Para Sartre (1940) a a ideia de imagem ligada a ideia de consciência. "O ato de imaginar... é um ato mágico. É uma encantação destinada a fazer aparecer o objeto pensado, a coisa desejada, para podermos nos apossar deles." A imaginação é uma capacidade mental que permite a representação de objetos através de suas qualidades que são transmitidas à mente através dos sentidos, segundo a concepção sartriana. Na filosofia tais qualidades transpostas em sentidos são chamadas de "qualidades secundárias" quando a ação do subconsciente pronuncia-se a ação da consciência. Quanto ao termo "Erotismo" muitas vezes trata-se de uma manifestação sexual e tem como base a sexualidade, porém não é somente a sexualidade que o ato sexual, mas de uma sexualidade que também aponta para um ideal que se funda na liberdade e na capacidade criadoras. O erotismo trata de um tema humano que envolve além do físico, a fantasia, a imaginação e o simbólico. Freud (1905) acrescenta que a proposta erótica de vida aponta que muito há de se descobrir sobre o amor e o erotismo. E diante disso é que buscamos decifrar os mecanismos que movem o erotismo, baseado na filosofia de Bataille, que busca no erotismo um amor, um desejo carnal e uma promessa de salvação, que parece desencadear o ato criativo. O erotismo vem de uma construção sociocultural, ligado às relações de poder e de experiência. A relação entre poder o e o erotismo só é entendida situando o erótico em relação a outros sistemas


13 que iremos examinar. Essa relação consiste num sistema diferente àqueles campos da sexualidade,

do desejo e do gênero. Segundo Richard Parker (1991): [...] precisamos entendê-lo [o erotismo] não apenas por si mesmo, mas como alternativa para esses outros sistemas. Se tanto gênero como sexualidade são definidos [...] pela diferenciação, distinção e hierarquia, o erótico subverte suas ordens. Destruindo as separações da vida diária nos fugazes momentos de desejo, prazer e paixão, o erótico oferece uma alternativa anárquica à ordem estabelecida do universo sexual: uma alternativa na qual a única regra absoluta é a transgressão das proibições. (Parker, R. G. Corpos, prazeres e paixões. p. 203)

E para analisarmos a ideia, imagem ou o imaginário que o indivíduo possui em relação ao erotismo, vamos nos remeter ao longo do texto a alguns dados cronológicos sobre as sociedades e a construção sociocultural e como essa imagem erótica, suas percepções e suas representações se formaram ao longo do tempo. Assim, vemos que, há séculos, os gregos se remetiam a palavra éros como uma referência à paixão ao amor e ao desejo sensual. Esse sentimento à palavra também era representado pelo deus Eros, e seu oposto por Thanatos, quais podem ser vistas entre os mitos de Eros e de Thanatos³. Já em português, o termo "erotismo" faz conotação de tudo o que se relaciona com a sexualidade, desde o ato sexual como fim carnal às suas projeções. O erotismo, no português, tende a vir junto à uma associação do termo líbido, que representa aquilo que provém da região libídica e não se dissocia do sexo e nem do amor.

³

Porém, além daquilo que conhecemos de comum à palavra, vamos observar os pontos filosóficos de Georges Bataille (1957) que considera o erotismo como uma experiência que permite ao indivíduo ir além de si mesmo, superando a descontinuidade que condena o ser, considerando assim, ³ Eros: o deus grego do amor, do desejo e da paixão. Tânatos ou Thanatos: o senhor da morte ou a personificação da morte.


14 o erotismo como aprovação da vida, como uma atividade que liga os indivíduos suprimindo limites.

Segundo Bataille, a questão sexual foi parasilada por dogmas culturais que aprisionaram a sexualidade ao fim único da reprodução, principalmente dogmas religioso. O erotismo surge, então, como uma forma de transgreção de tais barreiras impostas sem gerar o caos na probabilidade da ausência desses dogmas. O ato de caracterizar o erotismo seria, por tanto, em última exaltação a aparição de uma postura liberta e criativa colocando em risco as normas sociais e o próprio ser. Primeiramente Bataille distingue a atividade sexual como fim reprodutivo e a atividade erótica por serem de buscas psicológicas independentes. Bataille, em seus estudos sobre Sade, concluí que tais objetos de busca psicológicas independentes não são estranhos à morte. E isso causa um dado paradoxal sobre uma relação entre a excitação sexual e a morte. Tal relação, em cima de reflexões filosóficas, mostra ao longo das sociedades o desenvolvimento da sexualidade e sua relação com a morte em cima dos pensamentos e das percepções de cada época. Pode-se então, observar tais reflexões sob as sociedades, como, por exemplo a de Grécia Antiga e Roma: Viver à grega, tanto em Roma quanto na Grécia Antiga é, essencialmente, comer e beber em boa companhia. Tal expressão também (e primordialmente) significa estar em meio a grandes orgia. Não as orgias românticas byronianas retratadas por Álvaro de Azevedo em seu livro Noites na Taverna (1855), ou nos poemas do próprio Byron (1788-1824), mas sim orgias romanas onde os prazeres se tornam criadores de cenas obscuras entre a extrema miséria e a fome insaciável de prazer, o que vemos com muita frequência em representações do reinado do imperador romano Calígula⁴ e dos romances de marquês de Sade⁵, o que


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mais a frente podemos voltar a desenvolver tais fatores. Inicialmente, é nas comédias de Plauto⁶ em que encontramos descrições detalhadas sobre prostitutas no mundo antigo, sendo que tais peças dão boa imagem e criam um imaginário literário positivo à vida de prazeres.

Como declama um escravo indignado em “Miles Gloriosus”⁷, uma peça de Plauto: “Bebam dia e noite, vivam à grega, comprem mulheres, libertem-nas, engordem os parasitas!” ⁷ Notadamente a cultura grega influenciou fortemente a romana, assim como influênciou ao longo dos tempos muitas das culturas ocidentais, de vestuário à grandes espetáculos. Estes muito bem representados em Satíricon⁸, de Petrônio, sendo este – como o nome indica – uma sátira tanto aos costumes quanto a política da Roma Antiga, desenrolando em sua trama as aventuras de três homens: Encólpio, seu amante Ascilto, e seu servo Gitão, provocador de ciúmes e discussões.

O livro Satíricon trata de um triangulo sexual, e a trama acontece em uma ilha que onde acredita ser o que é o hoje o monte Circeu, que representa "Circe", uma sacerdotisa do deus Príapo, representado como um deus da Fertilidade, que é filho das divindades Dionísio e Afrodite, onde sua imagem é representada com um órgão genital ereto. Várias representações eróticas, como esta de Príapo, foram encontradas sobre as escavações em Pompéia. São inúmeras as descobertas sobre a representações da vida sexual e erótica no Império Romano feita graças às escavações em Pompéia e Herculano. Pompéia foi fundada pelos ⁴ Calígula, Caio Júlio César Augusto Germânico, 31 de agosto de 12 d.C. - 24 de janeiro de 41 d.C., foi o terceiro imperador romano, membro da dinastia júlio-claudiana. ⁵ Marquês de Sade, Donatien Alphonse François de Sade (2 de junho de 1740 – 2 de dezembro de 1814) aristocrata francês e escritor libertino. ⁶ Tito Mácio Plauto (Sarsina, cerca de 230 a.C. - 180 a.C.) foi um dramaturgo romano. ⁷ PLAUTO, Tito Mácio. Miles Gloriosus – 197 a.C. [The Project Gutenberg Ebook #16564] ⁸ Petrônio – Satíricon. 60 d.C. [The Project Gutenberg Ebook #5225]


16 gregos no séc. VIII a.C. e foi por muito tempo um importante porto comercial do Mediterrâneo. Em uma

história marcada por guerras, Pompéia foi dominada pelos etruscos, depois novamente pelos gregos e finalmente pelos romanos, que eram os dominantes na época da erupção. Aliás, quando houve a erupção, Pompéia ainda estava em obras, pois dezessete anos antes, no ano de 62 d.C., havia sido em parte destruída por um terremoto. Dentre os achados das escavações estão as Casas de Pompéia, onde encontramos a Casa de Vettii⁹. Na entrada da propriedade, apresenta-se Príapo descansando seu membro enorme na placa de uma escada. No lararium, altar sagrado para as oferendas aos deuses, eram pintados com muitas representações. Nas fontes do jardim, estátuas que em combinação refletem ricas cenas, particularmente a estátua de Príapo incluída nesse contexto.

Com as escavações foi vigente a aparição das diferenças e das semelhanças entre as obras eróticas Retratadas pelos Romanos e pelos Gregos, tais que se distingue pelos monumentos públicos. Essa comparação está clara no livro de Arnold Hauser, História Social da Literatura e da Arte, VI, O Império e o fim do Mundo Antigo (1951), em que tal cria e explica as diferenças que eram concebidas na Grécia Antiga entre Obra e Artista referentes à transição dos períodos da arte helenística para a arte romana. Entretanto, Hauser, ressalta também que dentro os retratos romanos havia distinções entre si, em que ficavam lado a lado os estilos da aristocracia Cristã, helenizante e idealista, outrora o estilo da classe média, flutuante e naturalista. Definindo de certa forma, os achados eróticos da escavação de Pompéia como retratos flutuantes e naturalistas. ¹⁰ Como citado anteriormente, Bataille (1957) faz a distição entre o ato sexual e o ato erótico, em que o erotismo se define por uma independência entre a oposição da reprodução (o ato sexual como fim) ao erotismo e ao gozo erótico. Bataille explica também sobre a descontinuidade dos seres e a continuidade, em que a Casa de Vetti: uma das mais célebres residências da antiga cidade romana de Pompéia.

¹ SALLES, Catherin. Les bas-fonds de l`Antiquité/XIII – Os prazeres ‘’à grega.


17 reprodução tem sentido de descontinuidade ou dissolução e a morte de continuidade. O paradoxo de

Sade entre o erotismo e a morte pode ser a base para representação da vida e da morte. A atividade sexual que tem a reprodução como fim colocaria, por tanto, em jogo os seres descontínuos. E a composição do jogo no erotismo é a dissolução das formas construídas. No qual, a descontinuidade parte por base do indivíduo que é "só", que nasce e morre só, e que entre um indivíduo e outro há um abismo, que muitas vezes é representado pela morte, que é atraída vertiginosamente; esse abismo, sendo uma descontinuidade - separa os seres por si sós, porém essa morte tem sentido de continuidade. Ela é a completude do abismo. Onde se um ser morrer o outro permanece vivo, independente da ligação de afinidades de tais indivíduos. Apesar do abismo e da morte como completude ligada ao erotismo, a filosofia que Bataille impõe em seu livro O Erotismo tenta aproximar ao máximo a vida de sua maneira mais íntima. E a distinção entre a reprodução e o erotismo, apesar da conspiração filosófica, mostra que o sentido fundamental da reprodução sexual não deixa de ser a chave do erotismo. De qualquer maneira a continuidade dos seres e a morte levam à fascinação que domina o erotismo. (Bataille, 1957, p.37) Segundo Bataille somos seres descontínuos, porém carregamos uma nostalgia da continuidade perdida, e essa nostalgia nos impulsiona sempre a uma busca pela continuidade. E essa busca pela continuidade perdida no erotismo pode acontecer de três formas, com um mesmo fim, em que ocorre uma busca por uma substituição da descontinuidade do ser por um sentimento profundo de continuidade. Essas formas podem ser denominadas como: o erotismo dos corpos, o erotismo dos corações e o erotismo do sagrado. De um modo geral, pode-se dizer que o erotismo dos corpos, segundo Bataille, dissimula a descontinuidade individual e é sempre um pouco no sentido do egoísmo cínico. Contudo Bataille afirma que erotismo dos corações é mais livre. Se ele, aparentemente se separa da materialidade do erotismo dos corpos, ele dela procede na medida em que é apenas um de seus aspectos estabilizado pela afeição recíproca dos amantes. Já o erotismo do sagrado, para tal, é


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dado na experiência mística. Nas ideias de Bataille aos seus citados três erotismos, vemos suas diferenças sendo que o erotismo dos corpos está em intersecção com erotismo dos coração, na qual os dois elementos estão separados porém há uma parte de intersecção que se juntam, e ambos são diferentes e afastados do erotismo sagrado. Sendo assim o erotismo dos corpos e o erotismo dos corações tem uma relação em alguns casos específicos, porém o erotismo sagrado não diz respeito a nenhum dos dois. Segundo Eliane Robert Moraes¹¹ em reflexão sobre a obra O erotismo de Bataille a motivação erótica seja pelo desejo carnal, pela paixão ou pela fé, causam uma perturbação interior do ser, independente das distinções, o movimento do erotismo acaba sempre ao mesmo fim. E esse fim tratase em passar antes pela violação dos corpos, de destruir a descontínuidade das individualidades, de dissolver as formas constituídas. Como diz Eliane Robert Moraes: Trata-se, em última instância, de ignorar a oposição entre os domínios de Eros e Thanatos, para acender o caos da continuidade: "o sentido último do erotismo é a fusão, a supressão do limite". ¹¹ Tal motivação erótica que se dá entre as três definições sobre o erotismo de Bataille pode ser interpretada como uma motivação do imaginário. Tanto o desejo carnal, a paixão e a fé se dão no mundo das ideias, no mundo da construção imaginária, da imaginação daquilo que se deseja sobre as reflexões do pensamento para o ato físico ou místico que envolve o erotismo. Isso pode se dar pela consciência do indivíduo diante de seus desejos eróticos para a criação de uma imagem desejada junto às sensações que ela possa desencadear. Sartre (1940) trata de experimentar fenomenologicamente ações da consciencia, assim como experimenta a fenômenologia da imagem. A princípio ele tenta expulsar os conteúdos da consciência, para tornar possivel captá-la em sua essência como puro-ato, esses conteúdos da consciência que Sartre tenta expulsar são: a sensação e a imagem.

Sendo a imagem um elemento psicológico

¹¹ MORAES, Eliane Robert. Traços de Eros. (p. 311 texto publicado em O Erotismo, Bataille, ed.2013) ¹² Martin Heidegger (26 de setembro, 1889 – 26 de maio, 1976) filósofo alemão criador do termo “in-derWelt-sein”.


19 analítico. E a fenômenologia dessa imagem estabelece-se em produzir imagens, refletir sobre tais

imagens, descrevê-las e tentar determinar e classificar seus traços distintivos e semelhantes. Uma vez estabelecida a consciência como puro ato, como espontaneidade sem conteudos inertes, Sartre propõe descreve-la no horizonte do in-der-Welt-sein, que vem do alemão e significa o "ser-no-mundo" ou "estar-no-mundo", em que se trata de uma substituição proposta pela filosofia de Heidegger¹ ² para termos como sujeito, objeto, consciência e mundo. Segundo Heidegger a divisão das coisas que se dá em um sujeito ou um objeto devem ser superados, como é descrito no conceito de intencionalidade na filosofia de Husserl e Bretano, ou seja, para ele “[...] toda consciência é consciência de alguma coisa” (Sartre, p.123) e “[...] a imagem é um certo tipo de consciência” (p.137), chega-se à conclusão de que “[...] A imagem é consciência de alguma coisa.” (p. 137). Em que no livro O imaginário, Sartre (1940), ao invés de compreender o imaginário como um estado da consciência, como era concebido pelas teorias psicológicas da época, o que significaria uma estrutura psíquica passiva, ele a apresenta como “um certo tipo de consciência”(p.19) Para Sartre, a consciencia da imagem e a consciência perceptiva é representada pela palavra Bewusstsein, do alemão que em tradução livre significa uma "certa consciência". Considerando assim que a percepção, segundo a terminologia, é uma "certa consciência" e a imagem mental ou objeto da imagem pertence a essa consciência. (Sartre, 1940, p. 18) A imagem mental se dá pelo fato que a imagem é uma relação, sendo que a consciência imaginante não é igualmente a consciência da imagem. Pela fenomenologia Sartre analisa que a consciência imaginante que se tem de uma pessoa não é a mesma consciência da imagem, pois tal pessoa é diretamente atingida, porém a atenção não é dirigida para uma imagem, mas sim para um objeto. E assim, objeto da imagem não é em si mesmo a imagem. A imagem é a organização sintética total. A palavra imagem designa nada mais do que a relação da consciência ao objeto. Sabemos que um objeto da mente é um objeto que só existe na imaginação, porém também sabemos que tal objeto no mundo real pode ser de alguma forma representado. Alguns desses objetos


20 podem se dar nas formas de conceitos literários, abstrações matématicas ou cenários fictícios. Outros

objetos, que podem ser chamados de objetos intencionais, podem se dar em pensamentos e sensações, mesmo que não sejam acerca de coisas reais. Na concepção de Sartre (1936), a imagem se relaciona com o objeto somente a partir de quatro formas: primeiramente “[...] pode colocar o objeto como inexistente, ou como ausente, ou como existente em outra parte; pode também neutralizar-se, isto é, não colocar seu objeto como existente.” (p.26). Uma característica da consciência imaginante é sua espontaneidade, pois ela constitui e afirma o objeto como imagem. Além disso, ela é “um ato de crença ou um ato posicional” (p.26). Existe na consciência imaginante uma intenção de, em primeiro lugar, criar um objeto imaginário a partir da percepção, e após inventá-lo, sustentar este objeto como imaginário: “[...] a imagem envolve um certo nada [...] dá seu objeto como não sendo.” Entretanto, segundo Sartre (1940), o os objetos só existem enquanto nós pensamos. E nos dois mundos, no imaginário e no real, suas constituições são dadas pelos mesmos objetos; apenas variam as interpretações e os agrupamentos desses objetos. O que vem a definir o mundo imaginário do mundo real é uma atitude da consciência. Tal atitude de consciência, que pode vir a ser uma consciência imaginante pode ser dita representativa no sentido de que vai buscar seu objeto terreno da percepção e de que visa os elementos sensíveis que a constituem. Ao mesmo tempo, tal consciência orienta-se em relação a ele como a consciência perceptiva em relação ao objeto percebido. Por outro lado ela é espontânea e criadora. Pode-se assim presumir uma correlação entre o imaginário e o real nos registros de mundo e consciência, considerando que a função psíquica da imaginação ou do imaginário se estabelece no ato de ultrapassar o real em direção à expansão da existência. Assim pode-se presumir que sem o imaginário o homem, por tanto, ficaria asfiaxiado pelo mundo, sem a possibilidade de ultrapassar a própria existência.


21 A consciência, a cada momento, motivada pelo real, escolhe se se transformará em

consciência realizante ou consciência imaginante, mas é importante saber que “toda situação concreta e real da consciência no mundo está impregnada de imaginário na medida em que se apresenta sempre como uma ultrapassagem do real.” (Sartre, p.243) Segundo Bataille (1957), existem três tipos de consciência pelos quais um mesmo objeto pode ser nos dado que são perceber, conceber e imaginar. Porém os objetos do mundo das imagens não poderiam de forma alguma existir no mundo da percepção; o objeto da percepção excede constantemente a consciência; o objeto da imagem é apenas a consciência que se tem dele. E através das variações da imagem que busca a matéria na percepção e através da imagem que se encontra entre os objetos do senso íntimo, podemos descrever e fixar duas grandes funções da consciência: a função "imagem" ou a imaginação. (Sartre, 1936, p.37) Segundo Sartre (1940) a relação do objeto à matéria é uma relação de possesão e tomar posse do objeto é concebê-lo por inteiro. Os objetos aspectamente “[...] são “presentificados” sob um aspecto totalizante.” (p.166) É por esta razão que Sartre concebe que a crença é um fato decisivo para que se forme uma consciência imaginante: “[...] Essa crença visa o objeto da imagem. [...] se formarmos sobre essa consciência imaginante uma segunda consciência ou consciência reflexiva, uma segunda espécie de crença aparecerá: a crença na existência da imagem”. (p.120) Tal crença é que Sartre denomina por “função psíquica” (p.128), pois há um movimento de tal ou da consciência imaginante em direção ao "objeto amado" que afirma um objeto como sendo imaginário. Na verdade a pessoa amada ou objeto amado não possui qualidades intrínsecas como amabilidade, simpatia e gentileza para que outra pessoa passe a amá-la, é o sentimento que, através de uma certa forma de consciência e de conhecimento que não é o intelectual, inaugura uma significação, um sentido afetivo que é dirigido para uma pessoa. Tais movimentos da consciência imaginante pode ser relacionados com os movimentos de vida, no qual tais movimentos se relacionam e moldar o ser, sua consciência e seu corpo. De uma


22 forma mais simples, pode-se entender que o movimento de consciência direciona as funções psíquicas

do ser, já os movimentos de vida constroem e descontroem o ser em si. O erotismo deve ser pensado como “o movimento do ser em nós próprios”, no sentido de transformarção: desconstrução e reconstrução de si (BATAILLE, 1957, p.32). Para o ato de desconstrução sobre o que está constituído é preciso muitas vezes negar a proibição e transgredir, fazer uma ato de transgressão, sendo a experiência fruto essêncial dessa transgressão. E essa transgressão significa uma ultrapassagem das noções que pressupõe a existência do ser, essa ultrapassagem dá ao erotismo um sentido de promessa de vida, que tal enquanto procura vencer a morte, acaba contornando-se e permitindo a co-existência tanto da vida quanto da morte. No seu conjunto, a vida é um imenso movimento composto pela reprodução e pela morte, é vida que não cessa de gerar, mas que não cessa também de destruir o que gera. A mobilidade, o movimento, a interdependência generativa, a oposição, a incompletude, o mover-se é como um revelador de identidades multáveis e da multiplicidade de identidades, a transitoriedade e a adaptabilidade do corpo enquanto tenta a resistência a sua própria natureza, enquanto cata vestígios de um passado do ser que o habita e já não é mais o mesmo. O movimento da vida é o molde do ser e do corpo, e o movimento de vida também é o molde do erotismo.¹ ⁷ O corpo é como uma Fanaa¹⁸, que do árabe é o termo para a ‘’aniquilação’’ do eu. O corpo é senão o local e moradia de dissolução do ego para mantê-lo fisicamente vivo e para realizar seus desejos psiquicos através da forma carnal. É também assim o lugar de produção de um objeto que nasce para ser exposto a uma destruição e recomposição daquilo que se molda a partir do primeiro segundo em que se é gerado, o corpo sofre, desde então, a exposições ao longo do tempo, seja por motivação amorosa, sexual, por ciclos sociais, por imposições culturais, por experiências históricas etc. A corporalidade do ser sofre, por tanto, não por ser individual, por ser só um, mas por ser múltiplo e ter de moldar-se de acordo com a moradia de um ego que se transforma e modifica a cada passo dado. O corpo é portanto, a mobilidade do próprio ‘ser’ enquanto vivo.


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Assim como vemos as palavras e Stuart Hall em Questões da identidade Cultural (1996)¹⁷ : O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos (...) Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (...) somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis (...)¹⁷ HALL, Stuart. Questões da Identidade Cultural. 1996. ¹⁷

Segundo Katia Canton¹⁹ o movimento é, portanto, uma condição coletiva entre os seres que permitem a multiplicidade e acumulo de identidades em sua existência. E assim ‘ser muitos em um’ para que o ego e o corpo deixe-se ser para escapar da descontinuidade, do isolamento social, cultural ou erótico e assim aceitar se desvendar para uma busca da continuidade, reconhecendo assim labirintos e caminhos no qual a relação da forma física e da composição intelectual que entra em composição com cada corpo. Em busca de um reconhecimento de uma imagem espelhada daquilo que se acha ser. A constituição da imagem, e também o reconhecimento de uma imagem, está diretamente relacionada ao saber e ao afeto, pois não existe consciência dissociada do afeto nem do saber, no entender de Sartre “[...] essa síntese afetivo-cognitiva [...] é nada mais que a estrutura profunda da imagem.” (Sartre, 1940, p.103) Por tanto, ao entender a imagem também, por vezes, é carregada de um valor sentimental, de uma relação e uma ligação à afetividade. Como dito anteriormente, são as atitudes da consciência que relacionam ao objeto real ou imaginário. Quando a consciência se revela por uma atitude imaginária, em relação a afetividade, segundo Sartre o retrato imaginado se apresenta como a presentificação de ¹⁷ HALL, Stuart. Questões da Identidade Cultural. 1996 ¹⁸ Fanaa é uma palavra da linguagem Urdu, de origem árabe, que significa aniquilação. ¹⁹ CANTON, Katia. Corpo Identidade e Erotismo. WMF - SP. 2009


24 um objeto ou ser amado, mesmo que esta apresentação seja refletida em uma ausência, está

apresentação está contida numa relação mágica. No entender de Sartre o ato de imaginar afirma que o ser amado pertence a dois tempos distintos: ao passado e ao presente ao mesmo tempo, é por tal que isto se forma uma relação é mágica, pois tal consciência sobre o imaginário do ser amado instaura uma coexistência de duas estruturas temporais. “O ato de imaginação [...] é um ato mágico. É um encantamento destinado a fazer aparecer o objeto no qual pensamos, a coisa que desejamos, de modo que dela possamos tomar posse.” (Sartre, p.165) Esse ato de imaginação do objeto ou do ser amado, pode nos remeter ao erotismo às três formas distintas de erotismo explicadas por Bataille (1957) - o dos corações, dos corpos e do sagrado -, é ao agente interiorizado que cada uma lhes interessam, levando em conta a veia mais íntima e sexual do erotismo. Como diz o autor que "O erotismo do homem difere da sexualidade animal justamente por colocar em questão a vida interior". Sabido as diferenças e os movimentos de alguns dos conceitos de erotismo baseado nas ideias filosóficas de Bataille, iremos explicar tais três elementos do erotismo: Quanto ao erotismo dos corações, pode existir oposições entre o amor erótico e o amor findado ao romantismo, observando a possibilidade do amor romântico ter se tornado, provavelmente, a principal associação do amor de carácter altruísta e que exalta a sensualidade. Sendo assim, poderemos deduzir que, sempre que se fala sobre erotismo, identificamos aquilo que é o desejo sexual e a sensualidade, ao passo que as denonimanações e apropriações cotidianas do amor veio a se prender aos sentimentos. No entanto, apesar de serem conceitos separados, não deixam de ser complementares em muitas casos. Como, por exemplo explica o Bataille, que em relacionamentos baseados em "amor", o erotismo também é encontrado, sendo que o amor sentimental se junta ao desejo carnal formando a paixão física. Este é o erotismo do coração em que "Toda operação do erotismo que atinge o ser no mais íntimo é aonde o coração desfalece." (p.41) e que também "se da de forma mais livre, se separa


25 do erotismo dos corpos pela materialidade e se torna estabilizado à vida pelo amor e afeição dos

amantes." (p.43) e "ao amante parece que só o ser amado o acrescenta a possibilidade de união sensual a de uma união dos corações". (p.43) A paixão dos amantes, segundo o Bataille (1957), introduz a simpatia "moral" ao dominio da fusão dos corpos entre si. "Mas para aquele que experimentar da paixão pode ter sentido mais violento do que o desejo do corpo. A felicidade pode ser assim comparada com o seu contrário, o sofrimento por conta da pertubação e desordem." Essa dissiparidade pode ser explicada pelo fato de que "há, para os amantes, mais chances de não poderem se encontrar por muito tempo do que de gozar de uma contemplação desvairada da continuidade íntima que os une" visto que a paixão cria promessas de felicidade, cria um âmbito de imaginação e de esperaças futuras, e que isso só vem a acontecer ou se tornar possível depois de um longo sofrimento. Segundo Bataille o erotismo do coração tem por fim a busca pela completude, que é também a busca pela continuidade e que, muitas vezes, acaba se revelando pela morte e as vezes acarreta em um sentimento de amargura e sofrimento. A busca do ser por sua completude é tomada pela paixão e quando não consegue possuir o seu ser amado, isso gera uma pertubação que pode levá-lo ao suicídio ou pode chegar a pensar em matar o ser amado. Assim, como diz Bataille em que "O que designa a paixão é o halo de morte" (p.44) e que "O movimento do amor levado ao extremo é o movimento de morte." (p.65) aonde "A vida é o acesso ao ser: se a vida é mortal, a continuidade do ser não o é.” e em que "A morte que sempre suprime a descontinuidade individual aparece cada vez mais que, profundamente, a continuidade se revela." (p.121) Essa busca do ser se remete muitas vezes à consciência que através de uma atitude imaginária a apresentação de um ser amado. Como dito anteriormente, Sartre (1940) afirma que o imaginário do ser amado pertence à dois tempos distintos: o passado e ao presente, o que cria um encantamento no caminho à busca do ser tomado pela paixão, fazendo do objeto imaginário amado uma concepção de desejo, de um modo que se possa tomar posse.


26 No movimento do amor a pessoa busca tornar-se o uno e o múltiplo ao mesmo tempo, a busca

pela continuidade e completure e a união desses corações é o milagre do amor erótico. Segundo Albertoni²², no amor erótico todo o universo de dois individuos se reduz a uma única pessoa e a transcende.

²²

Segundo Freud, uma das formas mais intensas de experimentar o prazer é pelo amor sexual, o que pode vir a tornar-se uma via modelo para a busca de felicidade do ser. Paradoxalmente, Freud afirma que “...nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor” ²³ Já, segundo Bataille, o fim dado ao milagre da continuidade no amor erótico seria a aprovação da vida até mesmo na morte, que para ele esse é o maior desafio - tanto no erotismo dos corações quanto no erotismo dos corpos. Esse desafio no erotismo dos corpos age de um modo carnal, que deixa de lado os sentimentos de paixão e amor. O erotismo dos corpos "reserva ou preserva a descontinuidade individual, que pode levar a um egoísmo cínico." (p.42) O erotismo dos corpos é uma violação do ser, uma violação do parceiro. "Toda operação erótica tem pro princípio uma destruição da estrutura do ser fechado que é parceiro do jogo no erotismo." (p.41) Essa destruição começa pela violação do ser fechado, a violação para a desordem e destruição. Sendo que a destruição e dissolução antecede a valorização do objeto proposta à destruição. E, segundo Bataille "o abalo pela desordem daquilo que é pletório é o sensível no erotismo." (p.129) E "a angústia gerada da desordem sexual está relacionada com a morte. Em que, essa angústia pode resultar numa violência de morte e numa violência sexual, nas quais tem duplo sentido: a violência dessa desordem, quando o ser que a experimente tem o conhecimento da morte, reabre nele o abismo que a morte lhe revelou". Porém, a atividade erótica nem sempre resulta num sentido de angústia, porém "essa fissura sendo aquilo que é proprio à sensualidade humana, é a fonte ²² Albertoni, Freud apud albertoni ²³ FREUD, Sigmund. 1996. p. 90


27

do prazer." A afirmação de Freud, segundo Albertoni²², é de que o prazer erótico é o maior dos prazeres e que a pessoa que encontra em outra um grande prazer erótico, procurará encontrá-la de novo, depois mais e mais vezes. Além de tal busca o ser erótico, segundo Freud (1905), quando o ser se sente desamparado, tenta agregar seus desejos ao mundo e passa a preferir seus relacionamentos emocionais com outros seres, investindo sua força em busca de satisfação. A princípio da violação e da destruição, segundo Bataille, o desnudamento seria o primeiro elemento de violação, remoção do ser fechado, uma ação na qual a nudez se opõe a descontinuidade do ser. "A nudez, portanto, seria um estado de comunicação, em que os corpos se abrem para a continuidade [...] É a busca pela abertura do descontínuo fechamento dos seres [...] Os corpos que se abrem e dão sentido a obscenidade, que significa a pertubação que desordena o estado dos corpos de descontinuidade [...] O desnudamento é senão um simulacro à gravidade da imolação (ou destruição real)"(p. 41). Segundo Bataille, a falta do elemento de violação na atividade erótica se desenrola numa dificuldade para atingir a plenitude. Nos romances de Marquês de Sade o assassinato constitui o ápice da excitação erótica. De acordo com Sade citado por Bataille, a vida descontínua imposta deve ser violada, perturbada e desordenada ao máximo no erotismo para a destruição do fechamento do ser. E que a negação dos parceiros é, segundo Sade, a peça fundamental do sistema da sensualidade dos corpos. "Se conduz à harmonia, o erotismo nega, a seus olhos, o movimento de violência e morte que é em princício. Na sua profundidade, a união sexual é um compromisso, um meio-termo entre a vida e a morte […] O erotismo revela enfim a violência [...] que é a imagem soberana do homem." (p. 194) Já A moral de Sade, por Maurice Blanchot²⁴, está fundada no primeiro fato da solidão absoluta, em que a natureza faz do homem nascer sozinho, e portanto, não existiria nenhuma espécie de relação entre um homem e outro. Segundo Bataille não existe essa relação além do conhecimento e da comunicação entre ambos, porém tais fatos não fazem com que a maior dor de outrem valha


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menos do que o próprio prazer.²⁴ Porém, segundo Albertoni (1986), o erotismo se dá com uma forma de conhecimento principalmente do corpo. Do dos corpos dos indivíduos que partilham entre si, do conhecimento adquirido através do corpo. O corpo do indivíduo torna-se um objeto erótico, quando há o desejo dos corpos para uma violação de seus seres. É esse desejo dos indivíduos que põe em movimento tal conhecimento. Os movimentos em volta do erotismo são marcados pelo desejo, que se dá com essência ao invés do objeto. Por tanto o desejo é considerado positivo em si mesmo e o objeto do desejo torna-se menos importante do que as sensações físicas que ele pode produzir. Na concepção de Bataille, "o objeto do desejo é diferente do erotismo, não é o erotismo inteiro, mas o erotismo passa por ele." (p.154) Vendo que o individuo interiorizado é um ser só e se comunica com outros indivíduos através das sensação e tais sensações representam objetos, em que segundo Bataille, se o objeto do desejo erótico é destruído ele para de ser assim que se pareça irredutível como objeto e seu ser em essência é posto em jogo. A sedução é, segundo Bataille, uma forma de violação do ser, em que ela apela o desejo da destruição daquilo que seduz. E segundo Bataille a "animalidade", ou exuberância sexual, é aquilo pelo que não se pode reduzir o ser a coisas ou objetos. A "humanidade", ao contrário, no que tem de específico, no tempo do trabalho, tende a fazer dos seres em objetos e coisas, às custas da exuberância sexual. No polo oposto ao espiritual, a exuberante sexualidade significa em nós a persistência da vida animal. Vemos assim, nas ideias de Bataille, que a oposição entre o amor sagrado ou divino e o amor carnal é de caráter pesado, e a aproximação de ambos associa a afastação da obscenidade. E a importância de tal obscenidade na atividade sexual cava um abismo que separa o misticismo religioso do erotismo. Levando em conta de que o erotismo sagrado pode ser explicado por uma busca de amor ²⁴A moral de Sade [apud Maurice Blanchot, Lautréamont et Sade, p. 200-221 (segundo X (p. 195:)]


29

muitas vezes por meio de um sacrifício. Pelo amor e sacrificação por um elemento sagrado. Bataille nos revela também que o erotismo esteve sempre presente na religião e nos "sistemas" de crenças. Este, pode chamar-se, do erotismo sagrado. Ou divino. Em concepção o erotismo sagrado pode ser explicado por uma busca de amor muitas vezes por meio de um sacrifício. Pelo amor por um elemento sagrado. No Ocidente, podemos entender essa busca como um amor por Deus, já no Oriente, se remete a uma busca similar, porém sem uma reprensetação de um Deus. Na antiguidade tanto ocidental quanto oriental a destituição/destruição/imolação que funda o erotismo era sensível o bastante para justificar a aproximação do ato de amor e do sacrifício. O erotismo sagrado concerne à fusão dos seus com um além da realidade imediata. Na antiguidade e ao longo do tempo o ato sexual foi representado pelo parceiro feminino como a vítima e o masculino como o sacrificador. Durante a consignação os parceiros perdem-se na continuidade estabelecidada pelo primeiro ato de destruição. Para Bataille no sacrifício não há o desnudamento, há a imolação da vítima. A destruição da vítima. O sacrifício do erotismo sagrado pode se dar muitas vezes em cultos religiosos, pagões de voodo, entre outros. E se o objeto do sacrifício não for um ser vivo, há a destruição desse objeto. A vítima é imolada, destruída. Essa base da interpretação do sacrifício religioso à ação erótica comparável. O sagrado dos sacrifícios primitivos é análogo ao divino das religiões. O erotismo sagrado tem em base a mesma significação ao erotismo divino. No qual há o amor por um elemento sagrado Esse elemento pode-se nomear, de acordo com historiadores, das religiões como o sagrado. O mundo profano e o mundo sagrado se compõem, sendo suas formas complementares. Segundo Bataille, o mundo profano é aquele dos interditos. O mundo sagrado se abre a transgressões limitadas. O sagrado é o mundo das festas, dos soberanos e dos deuses. Sendo que o sagrado é um objeto do interdito. O interdito que designa negatividade da coisa sagrada não tem apenas o poder de nos dar o plano de religião um sentido de pavor e temor. Esse sentido se transforma, no limite, em devoção: a adoração.


30 A femenologia das religiões mostra que a sexualidade humana é desde sempre significativa do

sagrado. O mundo sagrado só tardiamente tomou sentido unilateralmente elevado que tem para o religioso moderno, pois na Antiguidade clássica ainda tinha um sentido duvidoso. Aparente, diante das religões: para o cristão, o sagrado é forçosamente puro e o impuro está no profano; para o pagão, porém, o sagrado pode ser também o imundo. O pecado é de origem no interdito religioso e o interdito religioso do paganismo é precisamente o sagrado. (pg. 248) Sobre as ideias de Bataille, o tempo humano é repartido em tempo profano e tempo sagrado, o tempo profano sendo o tempo ordinário, do trabalho e do respeito aos interditos, e o tempo sagrado o da festa, ou seja, essencialmente o da transgressão dos interditos, e o tempo sagrado o da festa, ou seja, essencialmente o da transgressão dos interditos. No plano do erotismo, a festa é muitas vezes o tempo da licença sexual. No plano propriamente religioso, é em particular o tempo do sacrifício, que é a transgressão do interdito do assassinato. Já Freud em seu texto intitulado “A transitoriedade”²⁵, percebe o movimento do tempo como uma afirmação da vida, pois "é o que está vivo que se mexe" .²⁵ Nos estudos sobre Sade, Bataille comenta que os instintos denominados sádicos dão ao homem normal um meio de compreender racionalmente certas crueldades, enquanto a religião nunca é mais que a explicação de fato de uma aberração. Sade, assim, contribuiu para a consciência de que o homem toma à consciência de si: o termo sádico, de emprego universal, por si só é a prova contundente dessa contribuição, dando. A definição do sadismo, ao contrário, permitiu nos fatos religiosos outra coisa além de uma inexplicável bizarrice: são os instintos sexuais a que Sade deu seu nome que acabam por tornar compreensíveis os horrores sacrificiais, principalmente dentro da transcendentalidade do corpo e do misticismo religioso. Quanto ao misticismo religioso no erotismo sagrado, sabemos que haviam costumes ao longo tempo e até mesmo na Grécia antiga definiam-se como uma espécie de "prostituição da índole ² “Sobre a Transitoriedade”, de S. Freud (1916/1915). Retirado do vol XIV das Obras Completas – Ed. Imago. ²⁶ NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo. 1888


31 sagrada". Vemos primeiramente que as sociedades gregas e romanas tiveram grandes influências

sobre a sexualidade e o erotismo, percebemos em tais sociedades que não havia distinção entre os valores sexuais, políticos e econômicos dos valores religiosos. Tendo assim a religião, ou qualquer sincretismo não cético envolvidos sobre os valores morais do corpo. Tais valores formatsivos do caráter de um ser que são discutidos indiretamente, em parte, no livro Ecce Homo de Nietzsche²⁶, como no seu prólogo que diz: ‘’Não sou... Nenhum monstro moral – sou até mesmo uma natureza oposta à espécie de homem que até agora se venerou como virtuosa. (...) Sou um discípulo do filosofo Dionísio, preferiria antes ser um sátiro a ser um santo. (...) A humanidade foi despojada de seu valor, seu sentido, sua veracidade, na medida em que se forjou um mundo ideal... ‘’O mundo verdadeiro ’’ e ’’O mundo aparente’’ – leia-se: O mundo forjado e a realidade... A mentira do ideal foi até a agora a maldição sobre a realidade, através dela a humanidade tornou-se mendaz e falsa até seus instintos mais básicos – a ponto de adorar os valores inversos aos únicos que lhe garantiram o florescimento, o futuro, o elevado direito ao futuro. ’’ NIETZSCHE, Friedrich. Cf. Prólogo, Ecce Homo. 1888.

Tais valores se dão pela formação de uma ideologia pós-cristã, que moldou os pensamentos do certo e errado, do pecado e das injúrias. Porém na Roma Antiga, o pensamento cristão era escasso e não tinha dominação ainda. Por isso devemos levar em conta uma ideologia totalmente oposta para entender o porquê da não influência da religião sobre a sexualidade na Roma Antiga. E ainda, Nietzsche, comenta em parte sobre sua primeira dissertação do seu discurso em seu livro Genealogia da Moral (1887), um escrito polêmico, que é referente à psicologia do cristianismo: ‘’O nascimento do cristianismo do espírito do ressentimento, não, como se crê do ‘’espírito’’ – é um antimovimento em sua


32

essência, a grande revolta contra a dominação dos valores nobres.’’ (CATHERINE SALLES, 1982) Ou até mesmo a reflexão de Foucault um dos seus escritos de 1980 sobre a Sexualidade e a Solidão²⁷²⁷ em relação o que foi construído e imposto a grande maioria da sociedade ocidental:

‘’Atualmente, o que seria a verdade como dever em nossas sociedades cristãs? O cristianismo, como sabemos, é uma confissão. Isso significa que o cristianismo pertence a um tipo bem particular de religiões: aquelas que impõem aos que as que praticam obrigações de verdade. No cristianismo essas obrigações são numerosas. Há, por exemplo, a obrigação de sustentar como verdadeiras um conjunto de proposições que constituem o dogma, a obrigação de considerar certos livros como fonte permanente da verdade (...) E, além disso, cada um deve dizer essas coisas a outros, testemunhando assim contra a si próprio.’’ FOUCAULT, Michel. Sexualidade e Solidão. 1980.

Em tais fatos sobre Escavações de Pompéia vê-se claramente que a ideologia romana com sexualidade, economia, guerra e política não eram influenciáveis pela religião e a moral em esferas compartimentadas da vida. Essas atividades faziam parte de um conjunto maior de acontecimentos do cotidiano. Assim, com uma linha de pensamentos sobre a ética entre o cristianismo e questionamentos sobre a ética pós-cristã, podemos compreender também por esses pensamentos a formação da Roma Antiga, Grécia Antiga ou até mesmo a compreensão do mito de Acca Larentia²⁸, que é a deusa da fertilidade, que o nome ao literal é uma Loba, que vem do latim Lupa, nome que é apelidado a algumas profissionais do prazer. Há uma lenda acerca de tais etimologias em que um sacristão convida Hércules a um jogo de dados, onde o vencedor ganharia uma refeição e uma prostituta. Hercules vence e então o sacristão prepara uma bela refeição e tranca no santuário a cortesã mais famosa de ²⁷ FOUCAULT, Michel. Sexualidade e Solidão.1981


33

Roma, a deusa Acca Larentia.²⁸ Há também outros ritos religiosos dedicados a outros deuses mitológicos, como os cultos a Dionísio, que eram conhecidos como os Mistérios Dionisíacos que implicavam normalmente agentes tóxicos, na sua maior parte vinho, para induzir transes que erradicavam as inibições. O Culto de Dionísio assentava em rituais, porém existem poucas informações concretas sobre tais. Porém sabese que os ritos se centravam num tema de "morte" e "renascimento" e que a maior parte dos praticantes eram estrangeiros, foras-da-lei, escravos e, especialmente, mulheres. Acredita-se que eles entravam em transe e usavam música rítmica nos ritos. Havia também ritos sacrificiais à Dionísio, no qual as mulheres matavam cabras e cordeiros e após se alimentavam de suas carnes cruas. O Bacanal²⁹, do latim bacchanale, é o nome que se dava também na Roma Antiga aos rituais religiosos em homenagem a Baco ou Dionísio, deus do vinho, em ocasiões em que haviam um cerimonial sério e seguido por uma comemoração pública e festiva.²⁹

²⁹

Podemos divagar também sobre os conceitos da Ética de ‘’Presenteamento’’ na antiga Roma, onde surge uma dúvida entre a consideração de prostituição relacionada ao presenteamento de escravos entre os romanos, seja como forma de disputas ou como forma de pedir perdão. Pois de fato, era comum presentear "com escravos", principalmente escravas para fins sexuais, como uma forma de se redimir aos atos errôneos cometidos, ou por batalhas perdidas. Em consideração a tais fatos, supõe-se conceitos sobre uma "não prostituição direta". Já que escravos não possuíam seu corpo, não o vendiam por conta própria, e sim por mando de outro, que então, dá-se numa "prostituição indireta", uma comercialização indireta, sendo ela praticada por quem possuía o corpo. E assim, podemos ver pelas reflexões de Bataille que o corpo é uma coisa, é vil, subordinado, servil, a mesmo título que uma pedra ou um pedaço de madeira, só o espírito, cuja verdade é íntima, subjetiva, não pode ser reduzido a coisa. Ele é sagrado, permanecendo no corpo progano, que por sua ²⁸ Acca Larentia: cortesã que foi dada à hércules por um jogo de dados. ²⁹ Henrichs, Albert. "Greek Maenadism from Olympias to Messalina," Harvard Studies in Classical Philology, p.82, (1978)


34 vez, só se torna ele próprio sagrado no momento em que a morte revela o valor incomparável do

espírito. Assim como vemos nos ditos de Santo Agostinho, em relação à indispensável busca por prazeres dentro de uma sociedade, em que os romanos fazem da prostituição um componente essencial à ordem social ‘’Se banires as prostitutas da sociedade, levarás essa ao caos por causa da luxúria insatisfeita. ’’ Segundo Bataille, a orgia é um dos principais aspectos sagrados do erotismo. Em que o erotismo é a fusão, a supressão dos limites. Em tais representações é vidente a procura imediata pelo corpo, que faz da prostituição algo ligado diretamente à sociedade romana. Tal supressão dos limites é vista sobre o enfrentamento do homem à atividade sexual, em que se pode deparar com o homem e suas pulsões sexuais. Segundo, Bataille, ao mesmo tempo em que a pulsão possibilita a criação, o erotismo pressupõe a morte. Entretanto, isso não remete a morte biológica, mas sim a uma morte simbólica e momentânea. Essa morte de que se fala, é a morte onde um pouco do ser se perde para uma nova organização ser durante a fusão dos corpos. Os corpos descontínuos se fundem durante o ato sexual, que implicam em uma mistura de dor e prazer indispensável para o movimento da vida, ainda que seja simbólico e momentâneo tal movimento para a transformação, criação. Tal ato erótico, segundo Bataille, se compõe na necessidade do homem de se entregar ao erotismo e ao mesmo tempo de permitir se perder em fusão com o mundo.


35


36 2 AS REPRESENTAÇÕES ERÓTICAS AO LONGO DO TEMPO

As representações eróticas foram criadas por quase todas as civilizações, antigas, modernas e contemporâneas. Tais representações ao longo do tempo incluem pinturas, esculturas, fotografias, músicas, escritos e peças teatrais. Muitas culturas associaram o ato sexual com forças transcedentais, por tanto, muitas vezes as representações eróticas se fundem às religiões. As representações da arte erótica tem significados espirituais muito específicos principalmente nos países asiáticos, como na Índia, Nepal, Japão e China. Os gregos e os romanos produziram as representações eróticas muitas vezes como decorações e obras e arte, sendo a maioria delas fundidas às crenças religiosas e as práticas culturais de tais civilizações. As representações eróticas ao longo das civilizações, podem se dar como expressões artísticas ou documentárias, de modo que as expressões artísticas podem envolver na criação de uma imagem ou representação imaginária, sobre aquilo que se imagina sobre o erotismo, ou o imaginário erótico, muitas vezes isso se dá em formas literárias e plásticas, mas também pode se dar na forma documental como representação sob observações daquilo que se vê, geralmente dentro de documentos de registros e de representações plásticas por observações, que muitas vezes pode também se abster dentro de uma concepção imaginária que pode fugir da realidade representativa. O conceito de pornografia veio a existir após a era vitoriana, a sua concepção e definição contemporânea foi introduzida na década de 60 do século XIX, substituindo as antigas referências e significações sobre a prostituição. ¹

¹

A primeira definição moderna sobre a pornografia apareceu no Dicinário Webster ², em 1864, que se referia a "pintura licenciosa utilizada para decorar paredes e salas sagradas para orgias, bacanais, cujos exemplos existem em Pompéia." E tal foi o início de uma definição que se tem sobre ¹ ²

SIGEL, Lisa. 2002. Governing Pleasures.

Dicionário Webster


37

às imagens explícitamente sexuais em geral. Já quando as grandes escavações de Pompéia foram realizadas na década de 60 do século XIX, grande parte da arte erótica romana veio à luz, o que tornou-se de grande impacto a civilização vitoriana da época. Os vitorianos esforçaram-se para esconder tais representações por muito tempo, algumas representações e objetos foram trancadas em um museu secreto em Nápoles. ³ A primeira lei Inglesa (e mundial) que criminalizou a pornografia foi promulgada com a aprovação do Ato de Publicação Obscênica de 1857.³ Apesar de tais repressões ocasionais, as representações de temas eróticos tem sido comuns há milênios. ⁴ As primeiras representações eróticas foram feitas em

demasiadas

sociedades.

Primeiramente

no

Paleolítico e no Mesolítico⁵ encontramos os exemplos mais antigos sobreviventes das representações eróticas como

pinturas

rupestres

e

esculturas.

Tais

representações são comuns na aparições de animais, cenas de caça e dos orgão reprodutores humanos, que acredita-se ser os símbolos da fertilidade. No Paleolítico alguns artefatos e pinturas retratam seres humanos nus com característica sexuais exageradas, como a figura de vênus. Na arte rupestre foi descoberto recentemente na Inglaterra, imagens que incluem alguns símbolos que podem ser versões estilizadas dos orgãos sexuais femininos. Em 2005, foi descoberto uma estátua, de aproximadamente 7.200 anos de idade, de uma representação masculina debruçada que insinua um intercurso sexual com uma estueta ³

Chris Rodley, Dev Varma, Kate Williams III (Directors) Pornography: The Secret History of Civilization (DVD). ⁴ Beck, Marianna (maio de 2003). "The Roots of Western Pornography: Victorian Obsessions and Fin-deSiècle Predilections" . Libido, The Journal of Sex and Sensibility ⁵ Paleolítico: 2,5 milhões a 10.000 a.C. / Mesolítico: 10.000 a 5.000 a.C.


38 feminina que foi encontrada próxima à forma masculina, arqueólogos deduzem que tais estatuetas

estavam juntas e as denominam como a "a mais antiga estátua pornográfica" e a estatueta masculina como "a mais antiga estátua erótica masculina" e foi chamada de Adonis von Zschernitz. E como não há qualquer evidência comprovada, especula-se que tais artefatos poderiam ter significados espitiruais e serem utilizados em rituais religiosos, provavelmente relacionados com rituais sobre a fertilidade. ⁶

Na

antiga

civilização Egípcia, foi encontrado um artefato do período Ramesside, 1292-1075 a.C., chamado Papíro Erótico de Turim, o qual foi apelidado como uma "revista masculina" e é constituído por representações explícitas de atos de sexuais. Na Grécia antiga, os gregos costumavam pintar cenas sexuais principalmente sob cerâmicas, os quais algumas representações refletem nas mais antigas

retratações

homossexuais.

A arte grega reflete simplesmente as cenas da vida cotidiana e principalmente a vida sexual. É comum ver falos e representações eróticas esculpidas em locais de culto, como nos templos de Dionísio. O ideal masculino grego tinha um pênis pequeno, tal estética também fora adotada mais tarde pelos romanos.

⁶ Pickrell, John (August 18, 2004). "Unprecedented Ice Age Cave Art Discovered in UK"


39 Enquanto na antiga Roma, vemos inúmeras descobertas sobre a representações da vida

sexual e erótica no Império Romano feita graças às escavações em Pompéia e Herculano. Em Pompéia, imagens falos e testículos eram gravados nas calçadas para ajudar os visitantes na busca de locais de prostituição e entretenimento. Assim como também existiam moedas com representações eróticas, não há comprovações pela utilidade de tal moeda, porém estima-se que tais eram usadas pelos Lupanares, bordeis romanos. Pompéia foi fundada pelos gregos no séc. VIII a.C. e foi por muito tempo um importante porto comercial do Mediterrâneo. Em uma história marcada por guerras, Pompéia foi dominada pelos etruscos, depois novamente pelos gregos e finalmente pelos romanos, que eram os dominantes na época da erupção. Aliás, quando houve a erupção, Pompéia ainda estava em obras, pois dezessete anos antes, no ano de 62 d.C., havia sido em parte destruída por um terremoto.⁷

Dentre os achados das escavações estão as Casas de Pompéia, onde encontramos a Casa de Vettii. Na entrada da propriedade, apresenta-se Príapo descansando seu membro enorme na placa de uma escada. No lararium, lares de gênios eram pintados em representação. Nas fontes do jardim, estátuas que em combinação refletem ricas cenas, particularmente a estátua de Príapo incluída nesse ⁷ Catherine Salles/Les bas-fonds de l`Antiquité/XIII – Os prazeres ‘’à grega ⁸ HOYLE, Rafael. Checan, Essay on Erotic Elements in Peruvian Art. 1965


40

contexto. ⁷

Com as escavações foi vigente a aparição das diferenças e das semelhanças entre as obras eróticas Retratadas pelos Romanos e pelos Gregos, tais que se distingue pelos monumentos públicos. Essa comparação está clara no livro de Arnold Hauser, História Social da Arte e da Cultura, VI, O Império e o fim do Mundo Antigo, em que tal cria e explica as diferenças que eram concebidas na Grécia Antiga entre Obra e Artista referentes à transição dos períodos da arte helenística para a arte romana. Entretanto, Hauser (ANO), ressalta também que dentro os retratos romanos havia distinções entre si, em que ficavam lado a lado os estilos da aristocracia Cristã, helenizante e idealista, outrora o estilo da classe média, flutuante e naturalista. Definindo de certa forma, os achados eróticos da escavação de Pompéia como retratos flutuantes e naturalistas. ⁷ Os povos antigos da civilização Moche do Peru, tinham muito em sua cêramica típica cenas explícitas de sexo esculpidas. As finalidades das cerâmicas no entanto, era muito diferente do que o de outras culturas primitivas.⁸ A cultura Mochica acreditava que o mundo dos mortos era exatamente o oposto do mundo dos vivos. Portanto a civilização Moche preparava as cerâmicas para o funeral ofertas, eram vasos que mostravam atos sexuais, como masturbação, sexo oral e sexo anal

que

simbólicamente

representam

o

sexo

sem

a

"reprodução sexual", e esperavam que, no mundo dos mortos, eles assumissem o seu significado oposto, resultando em fertilidade.

Já no Oriente houve uma longa tradição de pintura erótica no Oriente. Países como Japão, ⁸The British Journal of Aesthetics 1966


41 China, Índia, Pérsia e outras terras produziram grandes quantidades de arte celebrando as cenas do

amor. As obras eróticas retratam o amor entre homens e mulheres assim como o amor homossexual. Um dos mais famosos manuais antigos sobre o sexo era o Kama Sutra, escrito por Vatsyayana na Índia durante os primeiros séculos d.C. O propósito do Kama Sutra, feito pela religião hindu, foi para o desenvolvimento sexual de seus seguidores como uma sublimação da sexualidade. ⁹

Outro notável livro sobre representações da sexualidade humana é O Jardim Perfumado escrito pelo xeique Muhammad Al-Nafzawi no século XV, em Túnis, capital da Tunísia, antiga Dinastia Haféssida. ⁹ No Japão, a produção de desenhos eróticos remonta ao final do 1º milénio, e pensava-se que era para consumo exclusivo da corte. Porém a função primeira

destes

desenhos

era,

obviamente,

a

estimulação visual, mas também era utilizados para ensinar os jovens a comportarem-se em questões de sexo, desde os preliminares até à higiene. A arte erótica no japão encontrou o seu maior florescimento no meio das xilogravuras. O estilo é conhecido como shunga e alguns

de

seus

praticantes

clássicos

como

os

gravuristas Harun e Utamaro, produziram um grande número de obras. Os pergaminhos pintados à mão também foram muito populares. O estilo shunga surgiu no século XIII e ficou muito popular apesar de algumas tentativas ocasionais para reprimi-los, como a proibição ⁹

Rawson, Phillip S. (1968). arte erótica do oriente, o tema sexual na pintura oriental e escultura . New York: Putnam. p. 380


42 dos livros eróticos conhecidos como kōshokubon, proibidas pelo shogunato Tokugawa, que consistia

numa ditadura feudal no Japão, em 1722. Mas o estilo shunga só deixou de ser produzido e popularizado no século XIX, durante a invenção da fotografia. ⁹ ’ ¹⁰

¹⁰

Na China e no Japão, erotismo desempenhou um papel de destaque no desenvolvimento de livros do gênero romance. Na China do século XVI, existe o romance explícito Jin Ping Mei, porém o livro foi suprimido como pornografia durante a maior parte de sua história, e substituído na lista dos clássicos romanticos.¹¹ Já na europa as representações eróticas se deram também em manuscritos e livros medievais durante o iluminismo, as maiorias dos desenhos apareciam nas margens como elementos decorativos, segundo o documentário Pornography: The Secret History of Civilization alguns estudiosos presupõem que os desenhos nas margens dos livros eram uma espécie de advertência moral, mas a representação de sacerdotes e outros altos funcionários envolvidos em atos sexuais sugere as origens políticas também. No século XVI, o italiano e gravurista Marcantoni Raimongi fizeram o livro erótico chamado "Os modos" (1524), que consistia em ilustrações de 16 posições sexuais inspiradas pelas pinturas eróticas de Giulio Romano, durante a renascença italiana, que causou um escândalo e depois o gravurista foi preso pelo Papa Clemente VII, que mandou destruir todas as cópias das ilustrações. ¹² No século XVII, começou a circular muitos exemplares da literatura erótica, impressos principalmente em Amsterdam e veículados para outros países europeus. Dentre as obras impressas, está L'Ecole des Files que se trata de um diálogo ilustrado entre duas mulheres, de 16 anos, e seu primo com discussões explícitas sobre sexo, o livro é uma obra francesa de 1655 que foi considerado ¹⁰Pai, Mary N, PhD (2001). "Shunga" ¹¹ Roy, David Tod (1993). The Plum no Vaso de Ouro ou, Chin P'ing Mei: The Gathering, Volume I ¹² Levinson, Jay A. (ed.);. Konrad Oberhuber (1973)Primeiras gravuras Italianos da Galeria Nacional de Arte. Washington, DC: National Gallery of Art. Pp 526-27.


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um dos princípios da pornografia francesa.¹³ Durante o Iluminismo, muitos pensadores franceses começaram a explorar a pornografia como uma forma de sátira e crítica social. A pornografia era subversiva à comentários sociais, muitas vezes conta a Igreja Católica. As ilustrações eróticas foram consideradas muitas vezes anti-clericais, os quais consistiam na presença de padres, monges e freiras e tornou-se uma tradição da literatura erótica na França até o século XX.¹³ ¹⁴

¹³

Durante a Revolução Francesa, a pornografia e a literatura erótica tornou-se um comentário político, como exemplo, Marie Antoinette foi por muito tempo alvo de fantasias envolvendo orgias e outros atos sexuais. Durante a Revolução Francesa também foram impressas as famosas obras de Marquês de Sade. E quanto ao erotismo na literatura, um dos seus principais e mais famosos precursores do século XVIII é Marquês de Sade, quem foi condenado por desenvolver em público atos de libertinagem e por complementar os seus interesses sexuais com reações violentas. As obras de Sade eram freqüentemente acompanhados de ilustrações e serviam como comentários políticos para tal. ¹⁵ Em 1839, Louis-Jacques-Mandé Daguerre apresentou o primeiro processo viável de fotografia. Ao contrário dos métodos anteriores, o processo de Daguerre chamado de daguerreótipo mostrou uma qualidade impressionante de detalhes sob a fotografia que não diminuíram com o tempo. A nova tecnologia não passou despercebido por artistas ávidos como uma nova forma de retratar o corpo nu feminino. Logo após fotos nuas começaram a ser comercializadas como auxiliares para pintores, os quais utilizavam da fotografia como um auxilio para o realismo da forma do corpo humano. No entanto, ¹³ Beck, Marianna (Dezembro de 2003). Libido, The Journal of Sex and Sensibility (ed.): " As Raízes da pornografia ocidental: O Iluminismo francês leva em Sex " ¹⁴Beck, Marianna (fevereiro de 2003). "As Raízes da Pornografia Ocidental: a Revolução Francesa ea disseminação de Pornografia politicamente motivada" ¹⁵Beck, Marianna (Marco de 2003). "As Raízes da Pornografia Ocidental: o Marquês de Paródia torcida de Sade da vida" ¹⁶ Marshall, Peter . "fotografia Nude, 1840-1920, Part 1: The Body"


44 o realismo de uma fotografia em frente do idealismo de uma pintura eram inerentemente eróticas. Na

livro fotografia Nude, 1840-1920 ¹⁶ Peter Marshall observa:

"No clima moral vigente na época da invenção da fotografia, a fotografia só sancionado oficialmente do corpo era para a produção de estudos artísticos. Muitos dos exemplos sobreviventes de daguerreótipos não eram claramente no gênero, com uma sensualidade que implica que eles foram concebidos como imagens eróticas ou pornográficas" Marshall, Peter. ¹⁶

A principal dificuldade dos daguerreótipos foi que eles só poderiam ser reproduzidos ao fotografar uma imagem original, pois não usava-se negativo. E também os primeiros daguerreótipos teve tempos de exposição de 3 a 15 minutos, tornando-se uma dificuldade grandiosa para a fotografia de retratos.³ Em 1838, a estereoscopia foi inventada e tornouse extremamente popular para daguerreótipos, incluindo para imagens eróticas. Esta tecnologia produziu um tipo imagem tridimensional que se adequou perfeitamente com as imagens eróticas. ¹⁷ Em 1841, William Fox Talbot patenteou o calótipo, o primeiro processo negativo que possibilitou a realização de várias cópias. ¹⁸ Esta invenção permitiu produzir um número quase ilimitado de cópias a partir de um negativo de vidro. Além disso, a redução do tempo de exposição possível um mercado de massa genuína para imagens eróticas. ¹⁷ As tradições pornográficas na Grã-Bretanha tiveram ¹⁷Wheatstone, Charles (21 de Junho de 1838). Philosophical Transactions, da Royal Society de Londres (Royal Society of London) 128 : 371-394. ¹⁸ Schaaf, Larry (1999). "O Processo do Calótipo"


45 três elementos principais: fotografias franceses, gravuras eróticas e os materiais impressos. A

capacidade de reproduzir fotografias em massa promoveu o surgimento de um novo comércio, a pornografia comerciante. Muitos desses comerciantes usavam postais para enviar cartões de fotos para seus assinantes. Assim, o desenvolvimento de um sistema de postais facilitou o início do comércio de pornografia. A aparência inicial de postais ilustrados levantou algumas questões legais. Os postais ilustrados eram permitidos e incentivavam muitas pessoas a enviar imagens para outros países e a disponibilidade legal das imagens dos cartões ao país não garantiam que o cartão fosse considerado "adequado" no país de destino, ou nos países intermediários que o cartão teria que passar. Alguns países se recusaram a lidar com cartão que contêm referências sexuais ou imagens de nudez total ou parcial. Muitos cartões postais franceses foram produzidos com mulheres nuas em poses eróticas. Estes foram vendidos como cartões postais, mas cujo objetivo principal não era para o envio pelo correio, porque teria sido banido. Como resposta a essa repressão, as fotos nuas começaram a se comercializadas em revistas eróticas, uma das principais revistas mensais era chamada "La Beauté" que muitos artistas compravam para observar as poses. No início do século XX houve muitas melhorias significativas para as câmeras fotográficas, como a invenção de 1913, a lente de 35 milímetros de Oskar Barnack da empresa Ernst Leitz, e também a Ur-Leica que foi uma câmera compacta baseada na idéia de reduzir o formato de negativos e ampliando-los mais tarde, depois de terem sido expostos. Estes dispositivos pequenos e portáteis fizeram que a fotografia do nu em parques isolados e outros locais semi-públicos acontecesse mais fácilmente, e representou um grande avanço para a fotografia erótica. Artistas como EJ Bellocq, no início do século XX, fizeram suas imagens com as novas tecnologias da fotografia. EJ Bellocq é lembrado por seus retratos realistas-se de prostitutas em ambientes domésticos. ¹⁹ Outra fotografa da época é Julian Mandel, que se tornou conhecida nos anos 20's e 30's pelas suas fotografias das formas femininas. ¹⁹ Outro fotógrafo do nu notável das duas


46 primeiras décadas do século XX foi Arundel Holmes Nicholls, seu trabalho é artisticamente composto e

muitas vezes dándo um brilho iridescente às suas figuras. ¹⁹

¹⁹

Durante a Segunda Guerra Mundial, as fotografias de pin-up se popularizaram. Diferente das fotografias eróticas de épocas anteriores, em que os temas eram geralmente anônimos, uma série de atrizes começaram a posar para as fotografias

pin-up,

que

foi

ao

longo

da

popularização

promovidas como símbolos sexuais.²⁰ As fotografias pin-up inicialmente tinham ênfase nas pernas, nas saias curtas, mas nos anos 50's essas fotos começaram a mostrar outras partes do corpo, como os seios nus.²⁰ A fotografia erótica logo tornouse intimamente associado com ele e ganha cada vez mais atenção do público. Logo revistas foram criados para todos os gostos e fetiches, graças ao baixo custo de produção da época. Nos anos 70's , diante das manifestações do feminismo e da igualdade de gênero revistas como a Cleo começaram a incluír no mercado revistas de nu masculino também. ²⁰ A difusão da Internet nos anos 90's e crescente liberalização social, trouxe uma nova perspectiva e renovação para a fotografia erótica. Começaram a surgir várias publicações impressas e on-line, assim como um grande número de sites online de fotografia erótica. ²⁰

²⁰

Jean-Jacques Courtine²² lembra que tanto as práticas quanto as representações do corpo na sociedade de consumo de massa são atravessadas por “estratégias multiformes daregulação dos fluxos, das matérias, das energias a incorporar, a canalizar, a eliminar.”

¹⁹Marshall, Peter . "101 Nudez: Um Guia de para Iniciantes Fotografia Nude, Parte 3: Modelos Encontrar" ²⁰ Gabor, Mark (27 de fevereiro de 1984). The Illustrated History of women magazine ²² Jean Jaques Coutine


47 Apesar da fotografia e dos avanços tecnologias, a arte erótica não deixou de ser desdobrada e

recriada de varias outras formas como na pintura, no desenho, na escultura, na música. O Fetiche arte, ou a arte fetichista se tornou muito clássica nos anos 40's 50's e 60's pelos artistas como Eric Stanton e Gene Bilbrew, antes disso, é vigente o fetichismo como BDSM e práticas como bondage em obras de muitos artistas, como Man Ray na década de 1920. Dos anos 40's aos anos 90's há uma imensa lista de artistas que trabalharam sobre a temática fetichista, entre os principais nomes estão Robert Bishop, Alberto Vargas, Robert Mapplethorpe, Helmut Newton, Georges Pichard, Guido Crepax e Hans Bellmer. Durante os últimos séculos, a sociedade ampliou a sua visão do que pode ser considerado como arte e vários novos estilos desenvolvidos durante o século 19. Isto deu artistas de hoje uma ampla variedade de gêneros de que para desdobrar e trabalhar, inclusive genêros eróticos como: BDSM, fantasia, pinup, horror, fetish, hentai, e muitos outros gêneros com elementos eróticos. A aceitação e popularidade da arte erótica levou o gênero comum da cultura pop e criou muitos ícones famosos, como os artistas Roy Stuart, Frank Frazetta, Eric Kroll, John Kacere, Allen Jones, Luis Royo, Chris Achilleos, Clyde Caldwell e artistas que trabalham com a sexualidade, erotismo em relação ao corpo como Nan Goldin, Marina


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Abramovic, Louise Bourgeois entre outros. Em questão tais artistas que trabalham com a arte erótica e tantos outros artistas que trabalham com a relação do corpo sob a realidade artística, diante do texto "Corpo Identidade e Erotismo" de Katia Canton ²¹ é notável o questionamento do ‘’ser coletivo’’, do Mitsein, que do alemão significa o ‘’ser com’’, o oposto do ser sozinho. O ser relativo é o sujeito, o objeto em si, o simbolismo da carne pela sociedade, o ser que enquanto uno e isolado não releva significância ao coletivo.

²¹

Porém, segundo Katia Canton ²¹, a partir do momento que esse ser isolado se envolve e se multiplica, ele reflete à sociedade e a exposição de si mesmo, e muitas vezes também como um objeto de idealização, o corpo como o ideal de consumo na sociedade, tanto físico quanto psico. O ser como um objeto de idealização e o corpo como ideal de consumo é questão em que o artista foge ‘contra a corrente’, sai de um ideal para mostrar aquilo que não é visto ou que foi banalizado. É a contramão da idealização de um corpo que muda a cada percepção de mundo que o ronda.²¹ É esse corpo relativo, do corpo ritualizado e inverso que é visto nos 60 e 70 nas obras de Marina Abromovic, que leva um debate sobre questão do corpo em relação à dor e a sexualidade. ²¹

²¹CANTON, Katia. Corpo Identidade e Erotismo. WMF - SP. 2009


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O corpo e o erotismo, em relação ao coletivo leva muitas vezes também a ironia do corpo do artista à sexualidade e ao meio de tabus não mais existentes na sociedade, que podem causar a quebra da identidade e a morte do ‘imperativo sexual’. E é que, por exemplo, mostra Louise Bourgeois], em suas obras, uma sexualidade repulsiva. Sexualidade repulsiva que também é encontrado em Nan Goldin, e seus retrados do sub mundo nova-iorquino, suas experiências de vida que mostra a repulsão e ao mesmo tempo a normalidade daquilo que não se é experimentado a maior parte da sociedade, trás também a uma visão do conceito de Sublimação, onde na teoria psicanalítica tal seria o mecanismo pelo qual a pulsão sexual é momentânea.²¹ Diante da representações eróticas, a evolução histórica dessas representações e dos desobramentos que refletem no mundo contemporâneo em relação ao corpo e à sexualidade, constatamos que o termo "erotismo" também é a exaltação do amor físico no âmbito artístico.


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53 3 PROCESSO PARA O IMAGINÁRIO ERÓTICO

Mostro aqui a minha reflexão sobre os conceitos de imaginário e do erotismo, dentre as minhas influências pela arte contemporânea e pelos conceitos bataillianos e sartrianos, uma produção que reflete não como uma representação, mas sim uma forma para alcançar a proposta do imaginário erótico. Reflexão no qual proponho imagens, experimentos e objetos que são "portas", "portas" que se abrem e levam a algum lugar, portas que instigam e levam o pensar de cada ser para o seu imaginário. Esse imaginário não é definido, cada ser deixa-se levar para o âmago que o instiga. A proposta é abrir portas para o ser deixar-se levar pelo seu imaginário, essencialmente o seu imaginário erótico. O qual dentro de cada ser funciona de uma maneira diferente, tanto pode ser instigado pelas imagens, quanto pelo sentir, quanto pelo simbólico ou pela falta assim como pode não ser instigado. As multiplas possibilidades não são controláveis, aquilo que se propõe pode vir a instigar de alguma forma ou não. O interesse e o processo dentre o erotismo e o imaginário iniciam-se além das leituras bataillianas e sartrianas, surgem a partir pensamentos que viram desenhos, rascunhos que acabam se desdobrando em pinturas e esculturas. O processo também se desenvolve em paralelo com a ideia do sentir, de bloquear um sentido para poder provocar o imaginário sobre ele. Os desenhos incompletos fazem parte da raiz que veio a se ramificar mais tarde. Os desenhos que são estimulados pelo imaginário, no qual percebo tanto a linha quanto a falta da mesma. E também vejo que é essa falta é o que completa sobra aquilo que está na imaginação.


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55 3.1 QUAL É A FALTA QUE TE COMPLETA?

A série “Qual é a falta que te completa?” para o imaginário foi instigada a partir de uma ação na qual seguiu-se na ideia de "pensar aquilo que instiga" e transformá-lo em linhas, porém é perceptível a falta da completude, a falta do pensar, porém vê-se que aquilo que não se completa em material,

Ana Batista. Desenhos incompletos para o imaginário 1/5. Nanquim sob papel. 2013


56 completa-se no imaginário, a imaginação dá conta de completar as linhas e a falta. Essa experiência resulta em uma primeira proposta para o imaginário erótico, no qual a experiência sugere que a falta da completude no desenho seja complementado pela imaginação. Há também uma grande referência a ser feita, sobre a influência do trabalho do artista Sul Africano Von Brandis, que também vejo como o imaginário erótico, como uma porta para a imaginação, no qual em seu trabalho Interiores Obscenos, que foi feita por manipulação digital, é visível a constante falta como a completude do olhar para a imaginação.

Von Brandis, 2008, Interiores Obscenos Logo após os experimentos em desenho, após as linhas incompletas, surgiram desdobramentos de imagens que estão na mente, porém estão sempre em mutação, pois pela ideia sartriana aquilo que se imagina está sempre em constante modificação, aquilo que se imagina por algum segundo, já não é mais aquilo que há de se imaginar em outra instância. Tal desdobramento surge como propostas de rascunhos e estudos para uma posterior pintura. Vê-se a partir desse desdobramento não só a presença da linha que continua presente, mas também algo que está em desintegração, o desenho que além de incompleto, parece estar em constante mutação, sua linha se desintegra em formas e sombras, como se a imagem estivesse derretendo em consequência daquilo que é mutável na mente.


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Ana Batista. Experimentos / Desenhos para o imaginรกrio. Nanquim e grafite sob papel. 2013.


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Ana Batista. Experimentos / Desenhos para o imaginรกrio. Nanquim e grafite sob papel. 2013.


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Ana Batista. Experimentos / Desenhos para o imaginรกrio. Nanquim e grafite sob papel. 2013.


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61 3.2 PARA ONDE LEVA AQUILO QUE TE DESINTEGRA? Pinturas desintegradas para o imaginário

O desdobramento que surge da mudança do lápis para a tinta, segue no mesmo pensamento sobre aquilo que é mutável, sobre a constante modificação, sobre a desintegração e sobre a falta que se complementa no olhar para o imaginário. O pensar sobre aquilo que é mutável, torna não só o imaginário como uma construção em modificação, mas também o erotismo que se se envolve ao imaginário em constante mudança sobre aquilo que se imagina e que se deseja. As portas para o imaginário continuam abertas, e tento esclarecer novamente que tanto em meus desenhos, quanto minhas pinturas, em momento algum as classifico como a obra feita e pronta ou a imagem daquilo que se chama de imaginário erotico sobre a própria tinta; as pinturas são, como portas que se abrem, portas para a percepção, que são a obra aquilo que se imagina. Tal percepção que se tem sobre essas portas é que se dá aquilo que desejo mostrar, a percepção individual sobre a sua consciência erótica; e, não, como imagem da consciência erótica ou uma imagem que leva a observação, mas sim uma imagem fragmentada que serve como porta para a percepção daquilo que lhe falta. E assim, essa fragmentação, completa-se pela percepção individual. E essa percepção é a obra, sendo assim, a obra está no imaginário e não na tinta ou no quadro. *

*Legenda das imagens a seguir: (1) Para onde leva aquilo que te desintegra? 1/3 Acrílico sobre tela. 1,5m x 1,5m. Ana Batista p. 62 (2) Para onde leva aquilo que te desintegra? 2/3 Acrílico sobre tela. 1,5m x 1,5m. Ana Batista p.63 (3) Para onde leva aquilo que te desintegra? 3/3 Acrílico sobre tela. 1,5m x 1,5m. Ana Batista p.64


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66 3.2 O QUE COMPLETA A FALTA? Esculturas para o imaginário

A escultura surge como o maior desdobramento da pintura, em sua unidade, seu conceito sobre a mutação e desintegração assim como a falta e completude do olhar para imaginação, continuam dentro da poética que se cria e se desenvolve. A porta continua com a mesma proposta de abertura, o que vem a ser mutável é o próprio processo, que torna-se longo e cria desdobramentos sobre si mesmo durante sua criação.

(Detalhes da escultura) O que completa a Falta? Gesso Paris, Resina, Verniz, Spray 120cm x 30cm x 10cm Ana Batista. 2013.


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PROCESSO A escultura foi feita em longos passos, primeiramente foi feito um molde em Alginato sobre meu próprio corpo, após um tempo, foi retirado, mentido úmido e preenchido de Gesso Paris, após esse processo, veio o processo de polimento da peça, lixar, recontruir e retirar. Após algumas semanas de trabalho foi feito a parte que desintegra com resina, a qual escorre pelo corpo, logo após foi finalizado, pintado, polido e envernizado. A falta que me refiro às esculturas também me encontro nas esculturas Gaylord Ho, artista que me influenciou em suas formas e curvas para criação de meu trabalho.

Esquemática para escultura

Gaylord Ho, Embrace


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70 3.3 O QUE ESTÁ INTRINSECO NO IMAGINÁRIO?

Em unidade, trabalho a escultura com um conceito paralelo que do olhar para imaginação, trata-se agora do pensar, a poética se envolve agora sobre o que é possivel ver dentro daquilo que desenvolve na própria mente, que é representada por tal escultura. O veios e as trincas demonstram o quão instríseco está aquilo que se pensa e que muitas vezes não é possivel explicar. A porta se abre de outra maneira, não mais na falta, mas sim naquilo que intriga sobre o que está dentro do pensar de cada ser. O que me instiga a criação sobre o imaginário erótico é pensar sobre o que cada indivíduo poderia imaginar. Esse refletir e pensar muitas vezes se dá como uma auto-reflexão sobre aquilo que se vê, mas torna-se intrigante quando não se tem certeza sobre aquilo que o olhar lhe diz. O processo: A escultura foi feita em longos passos, primeiramente foi feito um molde de gesso, logo após foi feito o positivo de resina com alguns objetos dentro, alguns minutos após o endurecimento foi jogado a cabeça em água fria, para provocar algumas trincas sobre os objetos. Após os processos, foi lixado e feito polimento da peça.

Esquema para processo

O que está intrinseco no imaginário? Resina, Vibrador Magenta e Bolinhas tailândesas. 2013 25cm 17cm x 17 Ana Batista


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73 3.4 EXPERIMENTO IV Máscara para imaginação

O desenvolvimento da máscara para a imaginação vem com um conceito paralelo que do olhar para a percepção e abertura daquilo que se propõe, trata-se do inverso, trata-se de bloquear a percepção do olhar para a imaginação, a poética se envolve agora sobre o que é possivel se imaginar dentro daquilo que desenvolve na própria mente. A porta se abre de outra maneira, não mais a imagem, mas sim o objeto que o cega. Porém não falo aqui das máscaras que rodeiam o ser, mas sim as máscaras que permeiam e transformam aquele que a coloca dentro de um mundo imaginário. São máscaras influênciadas pela cultura fetichista, que propões que após colocadas, sob o ato sexual ou não, fazem da imaginação do ser florescer, em um mundo erótico ou em qualquer outro mundo perceptivo dentro de seus sentidos. Máscaras das quais não se pode enxergar, para que assim possa imaginar aquilo que o rodeia, dentro das sensações, que levam da indiferença aos desejos carnais e inconscientes. As máscaras são experimentos para provocar o fantasioso, a imaginação e o erótico dentro do indivíduo.

Experimento VI Couro Sintético, Metal, Linha Ana Batista. 2013


74 PROCESSO

As mascaras foram desenhadas e planejadas tanto no papel quanto na plataforma 3D para se ter uma melhor visualização da forma. Logo após foi utlizidado couro sintético e metal para a criação da máscara.

Rascunho para Experimento IV Protótipo em 3D

As principais influências para criação das máscaras para o imaginário foram os trabalhos de Bob Basset e Lygia Clark.

Bob Basset, Máscaras Steampunk, 2012

Lygia Clark, Máscaras Sensoriais, 1967


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PÓSFACIO

Por fim, a reflexão e o processo artístico aprensentados aqui, sobre o imaginário e sobre o erótico, vem de um interesse paralelo, primeiramente o interesse pelo erotismo, mas em outra instância houve também o interesse sobre o imaginário e aquilo que instiga sobre o quão distinto pode ser a imaginação dos seres. A imaginação ligada ao erotismo compõe um dos mais intrigantes mundos que há dentro do indivíduo, a imaginação e o erotismo é como o desejo e o pensar juntos, é a pulsão para criação e ao mesmo também a válvula de escape do mundo exterior. Os desdobramentos que aqui se encontram, em produção, refletem sobre essa pulsão do ser e propõe a todo momento que aquilo que lhe mostra deixe-o levar para o seu mundo imaginário, “as portas” apenas abrem caminho para o imaginário, como uma proposta. Propostas das quais são entituladas por questões propositalmente para se levar o ser a um questionamento sobre o seu imaginário.


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BIBLIOGRAFIA

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