Noiva por uma noite

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Noiva por uma Noite Fiancée For One Night

Trish Morey

Paixões antigas nunca morrem... Leo Zamos conseguiu convencer Eve Carmichael, sua assistente virtual, a ir com ele a um jantar de negócios fingindo ser sua noiva. Mesmo sem a ter conhecido pessoalmente, ele acredita que tudo correrá bem se Eve demonstrar a mesma eficiência durante o evento. Mas ao vê-la percebe que estava enganado... Ela era bem mais interessante do que imaginava! Eve aceitou o convite para salvar seu emprego... Afinal, era mãe solteira. Mas o maior problema não seria acompanhar Leo. Seu receio era que ele finalmente se lembrasse dela... Digitalização: Projeto Revisoras Revisão: Cassia


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Tradução Fernando Lizardo Harlequin 2011 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: FIANCÉE FOR ONE NIGHT Copyright © 2011 by Trish Morey Originalmente publicado em 2011 por Mills & Boon Modern Romance Título original: SINS OF THE PAST Copyright © 2011 by Elizabeth Power Originalmente publicado em 2011 por Mills & Boon Modern Romance Arte final de capa: núcleo-i designers associados Editoração Eletrônica: ABREITS SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornal e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921 -380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ —20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br

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CAPÍTULO UM

Leo Zamos amava quando surgia um plano. Não que ele não conseguisse encontrar prazer em outras atividades mais corriqueiras. Ele era bem favorável a ter uma mulher nua em sua cama e, quanto mais despida ela estivesse, mais inclinado ele ficava àquilo; e vivia para a onda vertiginosa de pilotar seu "Maserati Granturismo S" em alta velocidade em torno das auto-estradas sinuosas de Passa dello Stelvio toda vez em que estava na Itália e tinha a oportunidade de fazê-lo. No entanto, nada podia superar o burburinho que vinha ao conceber um plano tão audacioso e que poderia nunca acontecer, e então se guiar pelas batalhas resultantes, manobras corporativas e em torno dos intermináveis obstáculos burocráticos rumo à conclusão definitiva... E seu sucesso inevitável. E agora ele estava no topo de seu sucesso mais audacioso até então. Tudo de que ele precisava era uma esposa. Leo saiu de seu jato particular rumo ao suave ar primaveril de Melbourne, recusando-se a deixar aquele único detalhe incômodo arruinar seu bom humor. Estava perto demais de prosperar na sua ação mais bem-sucedida para permitir que aquilo acontecesse. Ele aspirou profundamente o ar com cheiro de combustível e sentiu apenas o gosto do sucesso, quando desceu as escadas até o carro que o aguardava. A Culshaw Diamond Corporation, proprietária e produtora dos diamantes cor-de-rosa mais refinados do mundo e principal fonte de influência no mercado de diamantes, havia estado nas mãos de uma grande dinastia de diamantes Australiana durante tempo demais. Leo foi aquele que sentiu uma mudança na dinâmica daqueles que comandavam o ramo, detectando as finas rachaduras que começaram a aparecer na equipe administrativa dos irmãos Culshaw, embora nem mesmo ele tivesse previsto o escândalo subseqüente, as circunstâncias que deixaram os cargos dos irmãos na diretoria insustentáveis. Houve uma agitação de interesses de todos os cantos da Terra então, mas Leo ficou em primeiro lugar. Ele já havia apresentado Richard Alvarez, diretor da equipe interessada em comprar o negócio, ao velho Eric Culshaw, um homem intensamente reservado que havia sido intimidado pelo escândalo e que só desejava se recolher silenciosamente à obscuridade. Então agora, pela primeira vez em muito tempo em sua longa e previamente imaculada história, a Culshaw Diamond Corporation estava prestes a trocar de mãos; cortesia de Leo Zamos, corretor de bilionários. Dadas as circunstâncias, talvez ele devesse ter previsto essa última complicação. Mas, se Eric Culshaw, casado há quase cinqüenta anos com sua namorada de juventude, havia decretado que só negociaria com pessoas de valores e referências familiares impecáveis, e com Alvarez concordando em levar sua esposa a tiracolo, estava claro que Leo teria de encontrar uma esposa também. Meio irônico, na verdade, considerando que em todos esses anos ele havia evitado a instituição do casamento com sucesso considerável. As mulheres não cometiam o erro de 3


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pensar que havia algum grau de permanência no acordo quando tinham a oportunidade de cair nos braços ou na cama dele. Não por muito tempo, afinal. Mas arranjar uma esposa para uma noite só? Ele podia lidar com aquilo até certo ponto. O fato de precisar fazê-lo até oito da noite não era um problema de verdade. Evelyn logo encontraria alguém adequado. Afinal, não era como se ele realmente precisasse se casar. Uma noiva iria funcionar de forma suficiente, uma noiva encontrada depois de indubitáveis, longos anos de busca pela companheira "perfeita"... Eric Culshaw mal conseguia acreditar no fato de ninguém ter conseguido fisgá-lo, certo? Leo estava com o celular na mão quando assentiu para o motorista que o aguardava antes de adentrar a limusine lustrosa, grato por eles terem passado pela alfândega mais cedo, quando pousaram em Darwin para abastecer, e já delineando uma lista mental com os atributos necessários a uma mulher. Claramente, ele não queria apenas qualquer mulher. Ela precisa ser elegante, inteligente e charmosa. Com habilidade para manter uma conversa, embora não fosse essencial. Não iria ser necessariamente importante caso ela não conseguisse, contanto que fosse agradável aos olhos. Sem dúvida Evelyn estaria buscando dentre seus contatos, aparecendo com uma candidata adequada antes mesmo de desligar o telefone. Leo se permitiu dar um sorriso ligeiro e ouviu o ruído de um telefone tocando em algum lugar na cidade, enquanto seu motorista seguia tranqüilamente pelo fluxo interminável do tráfego vindo do aeroporto. Dispensar o escritório há dois anos tinha sido uma das melhores decisões que Leo já tomara. Agora, em vez de um escritório, tinha um jato que podia levá-lo a qualquer lugar no mundo, uma garagem na Itália para abrigar seu "Maserati", advogados e financistas contratados e uma assistente pessoal "virtual" que cuidava de tudo mais de que ele precisasse com uma eficiência arrebatadora. A mulher era um prodígio. Ele só podia aplaudir qualquer que fosse a crise de meiaidade que a tivesse levado a se mudar de um escritório físico para o mundo virtual. Não que ele soubesse a idade dela, pensando bem. Ele não sabia nenhuma daquelas coisas pessoais, nem precisava o que era parte do atrativo. Nada de desculpas para os atrasos no trabalho, nada de pistas sobre aniversários iminentes, ou perfumes favoritos, ou olhares provocantes de disponibilidade. Ele não precisava tolerar nada daquilo porque tinha Evelyn num e-mail e, dadas as referências que ela oferecera mais a qualificação e experiência que frisara em seu currículo, ela deveria ter pelo menos uns quarenta e poucos anos. Não era surpresa ela ter aberto mão da vida corrida. Trabalhando desse modo, ela seria capaz de tirar uma soneca no meio da tarde sempre que precisasse. A chamada caiu na secretária eletrônica e uma voz açucarada o convidou a deixar um recado, dando uma parada brusca nas auto-congratulações dele. Leo franziu a testa, pois não estava acostumado a se perguntar onde sua assistente pessoal poderia estar. Normalmente ele enviava um e-mail para Evelyn de onde quer que, estivesse e não precisava se preocupar com chamadas internacionais ou diferenças de fuso horário. Aquele sistema funcionava bem, tão bem na verdade que, na maioria das vezes, ela respondia ao e-mail quase imediatamente, mesmo quando Leo tinha certeza de que era 4


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madrugada na Austrália. Mas, ali na cidade dela, quando mal tinha dado 11 da manhã, com Evelyn sabendo de todos os horários de vôo dele, simplesmente esperava que ela fosse estar ali para atender seu chamado. — Aqui é o Leo — ele rosnou, depois que o telefone bipou para que fosse deixado um recado. No entanto, ele esperou, e continuou esperando, para ver se aquele anúncio faria sua assistente pessoal virtual atender de repente. Quando ficou claro que ninguém atenderia, ele suspirou, esfregou a testa com a outra mão e desembuchou a mensagem: — Ouça, eu preciso que você encontre uma mulher para mim, para esta noite... Obrigada por ligar. Leo xingou baixinho quando a secretária eletrônica cortou a mensagem. Pensando bem, havia um maldito motivo para ele normalmente enviar um e-mail, e não usar o telefone. Eve Carmichael deixou cair o terceiro pregador, assim como muitas calças estilo fuso, e resmungou em frustração enquanto se abaixava para recolher o item teimoso e acertar a última peça na fila do varal. Ela passou o dia inteiro ansiosa. A semana inteira, para ser mais exata. Desde que tinha ficado sabendo que ele estava vindo para Melbourne. Ela olhou para o sol fraco, desejando que sua roupa secasse antes que o clima notadamente inconstante de Melbourne mudasse de repente, e tremeu um calafrio que desceu por sua espinha e que não tinha nada a ver com o clima e tudo a ver com o fato de Leo Zamos estar chegando. E então ela olhou para o relógio de pulso e o calafrio lhe percorreu o corpo inteiro outra vez. Errado. Leo Zamos já está aqui. Não fazia diferença lembrar-se de que não existia sentido em ficar daquele jeito. Ela não tinha motivo, motivo nenhum, para se sentir apreensiva. Não era como se ele pedisse para ela conhecer seu avião. Na verdade, não era como se ele tivesse feito qualquer preparativo para encontrá-la. Logicamente, não havia motivos para fazê-lo: afinal, ela era sua assistente pessoal virtual. Ele a pagava para acompanhar os interesses dele através das maravilhas da internet, não para fazer tudo por ele. Além disso, simplesmente não havia tempo para ele a encaixar em sua agenda lotada, mesmo que tivesse algum motivo para tal. Ela sabia disso porque lhe enviara por email a atualização de sua agenda às seis horas daquela manhã, pouco antes de entrar no banho e descobrir que, dentre todos os dias, sua água quente havia escolhido hoje para dar problema, nem vinte e quatro horas depois que seu varal de roupas tinha arrebentado. Um sinal? Ela certamente esperava que não. Porque, caso fosse, não era nada bom. Não era surpresa que ela estivesse irritada. Droga. E então ela aprumou a espinha trêmula e seguiu de volta á casa, tentando afastar a ânsia irracional de fugir para uma floresta e dormir até Leo Zamos estar seguramente fora da cidade. Qual era o problema dela, afinal? Simples, a resposta veio logo em seguida, pegando-a tão de surpresa que Evelyn se esqueceu de abrir a porta dos fundos e quase colidiu contra ela. Você está com medo dele. 5


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Aquilo a fez parar por um instante. Congelou seus músculos e cimentou seus ossos com a convicção de alguém que tinha uma boa razão para temer. Ridículo, ela se repreendeu a mente rapidamente afastando tal possibilidade, o fôlego lhe escapando quando ela finalmente obrigou os dedos a fazerem força suficiente para girar a maçaneta da porta e entrar. Leo Zamos não era nada para ela senão a melhor fonte de pagamento por hora que já tivera. Ele era um vale-refeição, uma passagem para a renovação de seu bangalô da segunda metade do século XIX, do qual ela se referia afetuosamente como choupana, uma passagem para algo melhor na vida de forma rápida. Ela só não queria gastar todo o dinheiro da restauração em utensílios domésticos agora, antes de ao menos ter idéia do que precisaria quando surgissem os planos definitivos. Ela deu uma olhada nas tiras de tinta descascando das paredes da lavanderia e para a hera, que seu avô plantara a sessenta anos no bangalô, e que estava rastejando entre as rachaduras. E disse a si que deveria ser grata por haver o negócio de Leo, e não ficar uma pilha de nervos só porque ele estava na cidade. O acordo entre eles funcionava bem. Era tudo que importava. Era tudo no que precisava se concentrar. E não em alguma lembrança empoeirada que ela tentava afastar de todo jeito. Afinal, Leo Zamos certamente não estava perdendo tempo se lamuriando sobre ela. E em menos de quarenta e oito horas ele iria embora. Não havia absolutamente nada do que temer. E então ela abriu a porta da lavanderia e ouviu uma voz grave e profunda, que reconheceu imediatamente, pelo menos porque a voz instintivamente mexia com ela,... Encontre uma mulher para mim esta noite..., e a compostura que ela estava lutando para manter se despedaçou em um milhão de pedaços. Ela ficou parada ali, enraizada ao local, olhando para o telefone quando a ligação terminou, as emoções rivalizando pela supremacia dentro dela. Fúria. Ultraje. Descrença. Todos enredados no arame farpado que ferroava a pele dela e, no fundo, uma sensação que ela não podia, ou não queria nomear. Eve ignorou a impaciência incômoda. Seguiu diretamente para a fúria. Quem diabo Leo Zamos pensava que ele era? E o que ele pensava que ela era? Algum tipo de cafetina? Ela se movimentava rapidamente na pequena cozinha, juntando pratos e empilhando-os ruidosamente dentro da pia. Ah, sabia que ele tinha suas mulheres. Ela havia providenciado bugigangas da joalheria Tiffany e frascos de perfume suficientes para serem enviados á suas incontáveis Kristinas, Sabrinas e Audrinas nos últimos dois anos, e todos com a mesma mensagem final: Obrigado por sua companhia. Cuide-se. Leo Era sabido que ele mal podia sobreviver uma noite sem alguém para aquecer sua cama. Mas só porque ele estava na cidade natal dela não significava que poderia esperar que ela encontrasse uma mulher para ele. Foi sorte a secretária eletrônica interrompê-lo, ou ela poderia ter sido obrigada a pegar o fone e dizer exatamente o que ele poderia fazer com suas exigências. E aquele 6


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seria um jeito certeiro de acabar com a entrada de uma renda que ela não teria como substituir tão cedo de jeito nenhum. Mas, então, ela realmente queria trabalhar com um homem que parecia achar ser perfeitamente aceitável pedir à assistente pessoal para lhe providenciar um brinquedinho de uma noite? Talvez ela devesse simplesmente telefonar para ele. Lembrar-lhe dos deveres que concordara em assumir. Exceto pelo fato de aquilo exigir que ela falasse diretamente com ele... Ah, pelo amor de Deus! Ela lidava com a correspondência dele o tempo todo, mesmo que por e-mail na maioria das vezes. Estava mesmo prestes a fraquejar diante do som da voz dele? A então a mensagem se repetia em sua cabeça e ela ouvia o peso da expectativa na pausa de Leo enquanto ele a aguardava atender, esperando que ela atendesse, antes de sua mensagem. "Ouça, preciso que você encontre uma mulher para mim para esta noite..." E desta vez o ultraje veio à tona em um tremor, que começou a desabrochar num calor que irradiou por seu peito e pelo estômago, formigando enquanto disparava pelos braços e pernas. Droga. Ela sacolejou as mãos como se para se livrar das sensações indesejadas, e voltou para lavar os pratos. Então nada havia mudado. Porque a voz dele tinha o mesmo efeito perturbador sobre ela desde a primeira vez em que o ouvira falar, há mais de três anos, em uma sala de reuniões com janelas de vidro panorâmicas acima do qüinquagésimo andar num prédio no centro comercial de Sidney. Ela se recordou do jeito como Leo saiu do elevador naquele dia, o ar se elevando em correntes elétricas ao redor dele de um jeito que fazia as cabeças girar em sua direção, fazendo mais de uma mulher tropeçar enquanto erguia a cabeça, em vez de olhar para onde estava indo. Ele parecia alheio ao impacto, caminhando pela sala como se fosse dono dela, temperando o ar com uma mistura de almíscar, madeira e perfume cítrico e irradiando uma confiança absoluta em si mesmo e em sua função. E não era de se admirar. Fosse pela força absoluta da personalidade dele ou pela intensa perspicácia para os negócios, ou talvez por causa da voz aveludada que levava todo mundo à submissão, ele tinha finalizado aquele acordo de forma bem-sucedida naquele dia, unindo um comprador impulsivo e um vendedor ainda hesitante, e fazendo ambos sorrirem como se cada um tivesse conseguido a melhor parte do negócio. Evelyn estava sentada no canto mais longe da sala, fazendo anotações para seu chefe advogado, enquanto outra parte de si parecia ocupada fazendo um inventário daquele sujeito, enquanto sua voz grave a agitava e originava todos os tipos de pensamentos indóceis que lhe tiravam a cabeça dos negócios. Havia alguma coisa que aquele homem não tinha? Doçura, ela concluiu, absorvendo os detalhes, os cabelos negros espessos, os olhos escuros como a noite, os ângulos fortes do maxilar e do nariz e os planos sombrios e reentrâncias do rosto. E então ela tirou os olhos do notebook para flagrá-lo encarando-a, os olhos dele se estreitando, avaliando-a enquanto o foco baixava, sem mover a cabeça, e ela sentia o olhar dele locá-la como se fossem suas mãos de dedos longos, indo pelo rosto e pescoço, até que, corada de vergonha, ela desviou os olhos antes de sentir o olhar de ele passear ainda mais 7


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para baixo. O restante da reunião passou como um borrão, e tudo de que ela conseguia se lembrar era que todas, ás vezes em que olhava para cima, parecia que ele estava ali, esperando para capturá-la com seu olhar fervilhante. E, quando Evelyn saiu para ajudar a providenciar o café e o encontrou no caminho de volta, sentiu o sangue quente em seu peito e o bolo no estômago quando ele sorriu para ela, e o deixou passar gentilmente pelo seu lado sem nada além de um esbarrão da mão dele em seu cotovelo, que quase fez os ossos dela derreterem. — Eu quero você — ele sussurrou, chocando-a com sua honestidade selvagem, deixando-a excitada com o recado. — Passe a noite comigo — ele convidou, e as palavras acertaram todos os lugares vazios e ávidos dentro dela, até mesmo as pequenas fissuras e esconderijos que Evelyn não sabia existirem até então. E ela, que nunca havia sido notada por ninguém com tanta intensidade, muito menos uma fonte de influência e perfeição masculina como aquele homem, fez a única coisa possível que poderia fazer. Ela disse "sim", talvez de forma um pouco afobada demais, um pouco fácil demais, então ele gemeu e a empurrou para uma sala amontoada com fileiras e fileiras de arquivos, já a sorvendo em seu beijo, uma das mãos sobre um seio, outra envolvendo a cintura enquanto ele a guiava para o canto mais distante da sala. Aturdida por causa do homem, aturdida por causa da lava quente de sensações surgindo dentro de si, Evelyn não fez nenhum movimento para impedi-lo, não cogitou a possibilidade de um flagra, e, quando ele estava com uma das mãos sob a blusa dela e as coxas rijas por entre as dela, a porta foi aberta e ambos pararam e esperaram por quem quer que esteja procurando uma fileira de arquivos, dando um assobio e deixando a sala. E ele puxou a blusa dela e tirou de seu rosto os cabelos que haviam se soltado do coque e perguntou seu nome antes de beijá-la mais uma vez. — Esta noite, Eve — ele disse, antes de ajeitar a gravata e ir embora. Xícaras se chocaram sob a espuma e bateram nas laterais da pequena pia, um som concreto que vinha de maneira tranqüilizadora agora. Esta era a realidade de Evelyn: um bangalô caindo os, pedaço que custaria uma fortuna para ser demolido e reconstruído, e que provavelmente exigiria mais capital ainda caso ela só decidisse reformá-lo, a fim de tentar preservar as características originais que valiam a pena ser salvas. Ela terminou de lavar os pratos e puxou a tampa do ralo, deixando a água esvair. Tinha compromissos agora. Deveres. Um olhar de relance no relógio de pulso lhe dizia que o dever mais importante estaria acordando a qualquer minuto. Será que a vida dela teria sido diferente caso ela tivesse passado aquela noite com Leo? Caso ele não tivesse dado um breve "adeus" quando saiu apressado para resolver alguma coisa no negócio bilionário que estava administrando em algum lugar pelo mundo? E se eles realmente tivessem terminado o que começaram naquela sala de arquivos? Considerando como ela havia sido incapaz de dizer "não" a ele naquele dia, talvez seu filho simplesmente tivesse nascido com a pele ainda mais morena, com o cabelo um pouco mais espesso? Não que Leo fosse cometer aquele tipo de erro, Eve tinha certeza. Não, era melhor que nada tivesse acontecido naquela noite. Ele não seria cliente dela 8


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agora, se fosse o caso. Além disso, ela sabia o que acontecia com as mulheres com quem Leo dormia. Podia viver sem um daqueles bilhetes sucintos de agradecimento, mesmo que viesse acompanhado de alguma jóia bonita. O cômodo escureceu e ela olhou pela janela a tempo de ver as primeiras gotas densas caírem das nuvens escuras que cortavam o céu e espatifarem contra o vidro. — Pensei que tivesse avisado para não chover — ela murmurou para o céu, já indo em direção à porta dos fundos e se esquecendo de Leo Zamos por um curto instante. Até que o telefone tocou outra vez.

CAPÍTULO DOIS

Ela ficou parada ali, uma das mãos na maçaneta, a atenção voltada para a chuva contínua aumentando sobre o telhado inclinado, e ainda assim Eve não fez nenhum movimento em direção ao varal, deixando o telefone tocar até a secretária eletrônica interromper, convidando quem ligava a deixar uma mensagem. — Evelyn, é o Leo. Redundante, de fato. O fluxo de calor sob a pele dela dizia quem era, e ela foi obrigada a admitir que até mesmo quando ele soava meio aborrecido ainda tinha a voz mais fantástica do mundo. — Eu mandei um e-mail para você — Leo continuou —, ou metade de um e-mail, mas isso é urgente e eu realmente preciso falar com você. Se estiver em casa, pode atender? O aborrecimento percorreu a espinha dela. É claro que era urgente. Ou, sem dúvida, parecia urgente para Leo Zamos. Uma noite sem uma mulher para entretê-lo? Provavelmente era impensável. — Droga, Evelyn! São onze da manhã de uma sexta-feira. Onde diabos você está? E ela percebeu que rezar para a secretária eletrônica interrompê-lo não iria render benefício algum, já que ele simplesmente ligaria de volta, mais nervoso da próxima vez. Ela pegou o gancho. — Não sabia que eu deveria cumprir horário comercial. — Evelyn, graças a Deus — ele disse, demorada e irritadamente, e ela quase conseguiu imaginar a outra mão dele passando pelos cabelos ondulados em frustração. — Onde diabos você esteve? Eu tentei ligar mais cedo. — Eu sei. Eu ouvi. — Você ouviu? Então por que não atendeu? Ou pelo menos me ligou de volta? — Porque eu imaginei que você fosse um tanto capaz de procurar sozinho o que quer nas Páginas Amarelas. Houve uma pausa pesada e ela ouviu o ronco de motores a diesel e um zunido de tráfego, e supôs que ele ainda estivesse a caminho do hotel. 9


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— O que isto quer dizer? — Quero dizer que farei todo tipo de trabalho firmado em contrato. Cuidarei da sua correspondência e administrarei sua agenda, sem problema. Agendarei suas reuniões, editarei os textos para você e até mesmo darei o fora na sua última namorada com alguma bugiganga cara, porém basicamente sem significado, mas não espere que eu aja como algum tipo de cafetina. Até onde me recordo este serviço não estava dentre aqueles que aceitei fornecer. Desta vez a pausa foi tão longa que ela achou que a ligação tivesse caído. — Tem algo de errado com você? Deus, tudo estava errado! Eve tinha utensílios domésticos para substituir que iriam sugar todo o dinheiro de suas economias, seu estômago estava sacolejando tanto que ela não conseguia pensar direito, e agora precisava encontrar uma parceira de cama para aquele sujeito. — Foi você quem deixou um recado na minha secretária, lembra-se, pedindo para eu lhe arranjar uma mulher para esta noite. Ela ouviu um xingamento sendo sussurrado. — E você pensou que eu queria que você encontrasse alguém para ir para a cama comigo. — O que mais eu deveria pensar? — Você não acha que sou perfeitamente capaz de encontrar minhas próprias companhias? — Eu esperaria algo assim, considerando que... — Ela colocou uma das mãos sobre a testa e mordeu sua língua teimosa. Ai, Deus, o que ela estava pensando, brigando com um cliente, especialmente quando aquele cliente era quase o único oferecendo renda à sua vida e ao futuro que ela planejava? Mas o que mais ela poderia fazer? Era difícil pensar logicamente com aquela dor de estômago e aquele emaranhado de arame a espetando. — Considerando o quê, exatamente? — ele respondeu de pronto. — Considerando a quantidade de "bugigangas caras, porém basicamente sem significado" que pedi para você enviar? Ela deu um suspiro profundo, calmante, expirou lentamente e amaldiçoou quaisquer que fossem as tendências masoquistas que a fizeram pegar o telefone, para começar, quando teria sido bem mais produtivo resgatar a roupa no varal em vez de se arriscar a perder o melhor cliente que ela provavelmente teria. — Desculpe-me. É óbvio que entendi sua mensagem errado. O que quer que eu faça por você? — Simples. — A voz suave fluía pela linha, agora que ela estava tão claramente de volta à tarefa. — Eu só preciso que você encontre uma esposa para mim. — Você está falando sério? Até então aquela ligação não estava sendo como ele previra. Não tinha só a ver com o sobressalto dela com a conclusão errada sobre o telefonema anterior que o incomodava, ou a desaprovação óbvia a respeito dos hábitos sexuais dele. A maioria das assistentes pessoais que ele conhecera não era pudica assim, tão abertamente; na verdade, a maioria que ele havia encontrado ficou ocupada demais tentando dormir com ele, contudo havia algo mais que não se encaixava naquela assistente pessoal indignada. Ela não soava do 10


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jeito que ele esperava. Reconhecidamente, ele não possuía prática alguma com aquela faixa etária, mas, desde quando mulheres de meia-idade, na verdade qualquer mulher, perguntava ao seu empregador se ele estava falando sério? — Eu pediria se não estivesse falando sério? E eu preciso dela á tempo para o jantar com o Culshaw esta noite. E ela provavelmente não vai precisar ser uma esposa de mentirinha... Uma noiva de mentirinha seria suficiente. Houve um silêncio do outro lado da linha quando o carro se aproximou da Western Gate Bridge, e por um instante ele quase se distraiu com a vista dos prédios que se expandiam pelo centro comercial de Melbourne à esquerda e com o porto de Melbourne à direita. Até perceber que eles estariam no hotel em Southbank em questão de minutos e que precisava acelerar as coisas. — Evelyn? — Estou aqui. Embora não tão certa de que tenha compreendido. Ele suspirou. O que era tão difícil de entender? — Culshaw sente-se inseguro com o acordo. Quer ter certeza de que está lidando com pessoas de família sólida e, dadas as circunstâncias, talvez eu não deva culpá-lo. Culshaw e Alvarez estarão levando suas esposas para o jantar esta noite, e eu não quero fazer nada para deixar Culshaw mais nervoso aparecendo sozinho, não quando estamos tão perto de fechar o negócio. Então eu quero que você aumente o número de pessoas no jantar para seis e encontre alguém que possa se passar por minha noiva durante uma noite. — Eu posso certamente avisar ao hotel sobre o serviço para seis — ela disse, soando como se tivesse a intenção de continuar antes que houvesse silêncio outra vez e ele pressentisse um "mas" chegando. — Bem? — ele perguntou prontamente, exaurido pelo prazo e por sua paciência. — Consigo entender o que você está tentando fazer. — Ela cuspiu as palavras num rompante. — Mas levar uma noiva de mentira é realmente sábio? Quero dizer, e se Culshaw descobrir? Vai parecer o quê? As palavras irritaram os sentidos e o âmago dele. É claro que era um risco, mas, agora, com Culshaw se sentindo tão vulnerável, aparecer sozinho também era arriscado. — Escolha a mulher certa — ele disse —, e isto não será um problema. É apenas por uma noite, afinal. Você está com acesso ao e-mail. Enviei para você uma idéia do que estou procurando. — Olhe Sr. Zamos... — Leo. — Certo, então, Leo, eu vejo que entendi errado antes, mas encontrar alguém para fingir, ser sua noiva não é exatamente parte do serviço que ofereço. — Não? Então vamos tornar isto parte dele. — Não é tão simples assim. — Com certeza é. Encontre uma escola de atores ou algo assim. Diga para quem quer que você encontre que pretendo pagar um valor acima da média. Já recebeu aquele e-mail. — Estou abrindo agora — ela disse com um ar de resignação, o sotaque suavizado por um indício de doçura forte. Leo concluiu que gostava. Ociosamente, ele imaginava que tipo de boca emitia aquelas palavras. — Encantadora — ela lia a lista de características que 11


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ele providenciara, e ele ficou espantado. "Surpreendentemente argumentativa" seria o melhor jeito de descrever sua assistente pessoal virtual agora. — Inteligente. Dotada de classe. — Ela ponderava outra vez. Definitivamente era inteligente, considerando o calibre do trabalho que fazia para ele. Dotada de classe? Talvez sim, já que trabalhava como uma assistente pessoal durante muitos anos. Não era uma profissão na qual você podia se apresentar de modo inferior ao "impecavelmente elegante". — E eu pensei em mais uma coisa. — Ai, Deus. Certo, talvez o charme não fosse seu ponto forte, mas, contanto que ela lhe arrumasse a noiva de mentirinha perfeita, ele iria deixar isso passar por enquanto. — Você pode precisar passar algum conhecimento para ela sobre Culshaw e Alvarez. Apenas as informações gerais, sem detalhes. Mas seria bom se ela não fosse completamente ignorante sobre os envolvidos e soubesse o que eles fazem, e que possa pelo menos manter uma conversa. E, é claro, ela vai precisar saber algo a meu respeito também. Você sabe o tipo de coisa que... E então de repente ocorreu a ele o que o estava incomodando. Ela disse coisas como, "Você está falando sério?", e, "Deus", com uma voz envolta em doçura, e aquilo colocava a idade dela num patamar anos mais jovem do que ele esperava. Um lampejo de inspiração disse a ele que, se ela fosse mesmo mais jovem, talvez sua busca pela falsa noiva perfeita j á tivesse terminado... — Quantos anos você tem, Evelyn? — Perdão? — Eu supunha que você fosse uma mulher de meia-idade, mas você não soa como tal. Na verdade, parece bem mais nova. Então, quantos anos você tem? — Isso é realmente relevante agora? — Poderia ser. — Considerando o jeito como ela estava se resguardando, Leo estava bastante certo de que sua pergunta era desnecessária. Num palpite, ele diria que não tinha mais que vinte e cinco anos. Era perfeito, na verdade. Tão perfeito que ele estava convencido de que aquela idéia poderia ter lhe ocorrido mais cedo, caso ele não tivesse presumido que sua assistente pessoal virtual fosse uns bons dez anos, mais velha. — Porque seria estranho se minha noiva tivesse idade suficiente para ser minha mãe. Houve um silêncio do outro lado, um silêncio tão repleto de suspeitas que o fone quase caiu. — Não estou entendendo. — É bem simples — ele disse o sangue crepitando mais uma vez juntamente ao burburinho de um plano surgindo lindamente. — Você vai fazer alguma coisa hoje à noite? — Não. Leo... Sr. Zamos, não! — Aquilo não podia estar acontecendo. De jeito nenhum ela iria jantar com Leo Zamos e fingir ser a noiva dele. De jeito nenhum! — Excelente — ela o ouviu dizer em meio à névoa de pânico. — Meu motorista vai buscá-la às sete horas. — Não! Quero dizer, sim. Estou ocupada. Quero dizer, não. Não posso ir. — Por quê? Existe um Sr. Carmichael com quem eu precise negociar? — Não, mas... 12


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— Então, qual é o problema? Ela fechou os olhos de maneira bem apertada. Ela tentava encontrar as palavras para negar, palavra que ele pudesse entender, até perceber que não precisava justificar sua posição, não precisava explicar que tinha uma criança a considerar ou que não desejava vê-lo, ou que a idéia simplesmente era desconfortável para ela. Ela simplesmente precisava dizer "não". — Eu não tenho que fazer isto. E nem você, no que diz respeito ao assunto. O Sr. Culshaw sabe que você acabou de vir voando do exterior. Será que ele vai mesmo esperar que você exiba sua noiva em um jantar de trabalho? — Mas é por isso que é tão perfeito, Evelyn. Minha noiva é australiana e já está aqui. O que poderia ser melhor? Ela balançou a cabeça. — Não vai funcionar. Não posso. Isto é trapaça e vai dar errado, e em grande estilo. — Evelyn — ele disse ritmicamente —, pode e vai funcionar. Se você deixar. — Sr. Zamos... — Uma noite, Evelyn. Apenas um jantar. — Mas isso não é honesto. Ambos estaríamos mentindo. — Eu prefiro pensar nisso como uma oferta de seguro em que a segurança é necessária. E, se Culshaw necessita de segurança antes de finalizar seu acordo, quem sou eu para negar isso a ele? Mas fingindo que estamos noivos? — Eu não sei. — Olhe, eu não tenho tempo para isso agora. Vamos direto ao ponto. Esse jantar é importante para mim, Evelyn. Eu não preciso dizer-lhe o quanto. O que você acha de valer como algumas horas de trabalho? — Não tem a ver com dinheiro! — Pela minha experiência, sempre tem a ver com dinheiro. Que tal dez mil? Ela engasgou, pensando na nova secadora de roupas, no novo serviço de água quente e no custo dos encanadores, assim como na possibilidade de não precisar fazer uso dás suas economias. E, por último, mas não menos importante, se a Srta. Willis, sua vizinha de porta, pudesse cuidar de seu filho esta noite... — Você está certa — ele disse. — Vamos negociar vinte mil. Isso seria o suficiente? O estômago de Eve revirava, mesmo enquanto ela sentia os olhos se arregalando em resposta à tentação. — Vinte mil dólares — ela repetia mecanicamente — por uma noite. — Eu disse a você que era importante para mim. Você acha que é o suficiente para fazê-la jantar comigo? Se vinte mil eram o suficiente? Não importava se o tom dele era de zombaria. Mas, para alguém que tinha desejado passar a noite com ele por nada, a idéia de que ele pagaria tanto a arrebatava. Será que essa noite realmente significava tanto para ele? Será que realmente havia tanta coisa assim em jogo? De fato, a idéia era tão bizarra, ridícula e impossível que poderia funcionar. E, honestamente, quais seriam as chances de ele a reconhecer? Tinha sido há quase três anos e em uma cidade diferente e, tirando os olhares ardorosos, eles mal se comunicaram 13


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naquele dia, e ela duvidava que ele ao menos se lembrasse do seu nome, quanto mais da sua aparência. E ele já havia conhecido milhares de mulheres em milhares de cidades diferentes, todas lindas, muitas com quem sem dúvida havia dormido. E desde então ela deixara os cabelos, antes tingidos, mais perto do discreto tom natural, e seu corpo havia mudado com a gravidez. Agora ela possuía curvas que não estavam ali antes e talvez não ficassem ali quando ela voltasse a trabalhar naquele escritório altamente elegante e competitivo. Um dos perigos de trabalhar em casa, ela refletiu, era não ter de manter a aparência. Um estrondo veio do quarto do bebê, seguido por um gritinho e gorgolejos de prazer, e ela se virou. Sam estava, acordado e ocupado jogando os brinquedos para fora, do berço. Aquilo significava que ela possuía cerca de trinta segundos antes de ele ficar de pé e exigir sair da prisão do jeito que conhecia melhor. O jeito barulhento. — Há um monte de coisas que preciso ajeitar — ela falou ansiosa para desligar o telefone antes de Sam decidir colocar o lugar abaixo aos berros. — Posso ligar para você em alguns minutos para confirmar? — É claro — ele disse, com aquela voz aveludada que parecia estar penetrando nela. — Ligue para mim. Contanto que seja um "sim". Leo enfiou o celular no bolso quando o carro parou suavemente do lado de fora do hotel. Um porteiro tocou o chapéu com a mão enluvada enquanto abria a porta, reverenciando em boas-vindas. — Estávamos esperando-o, Sr. Zamos. — Ele lhe entregou um envelope rosa fininho que tinha seu nome e o número do seu quarto. — Sua suíte está pronta, caso deseje subir diretamente. — Excelente — ele disse, assentindo em agradecimento enquanto entrava no hotel e seguia em direção aos elevadores, se sentindo mais e mais confiante a cada minuto. Como será que Evelyn era? Ele se perguntava enquanto o elevador subia silenciosamente. Será que ele tinha errado em não insistir para ela enviar uma foto para deixá-lo seguro? As portas do elevador se abriram no vigésimo quarto andar, dando para uma janela com uma vista da cidade que se estendia ao mar, e o ar tinha um leve perfume de flor de gengibre. Em vez de pegar seus pertences, ele ficou prestação atenção à vista. Aquele cheiro que Leo Zamos sentiu assim que entrou era do sucesso, sucesso que fazia seu sangue ferver enquanto ele seguia para a suíte. Deus, como ele amava quando um plano surgia!

CAPÍTULO TRÊS

Eve fazia alguma idéia de como a Cinderela devia ter se sentido a caminho do baile. Há meia hora ela deixara seu velho mundo para trás, a casa caindo aos pedaços, os 14


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eletrodomésticos quebrados e comida de bebê, e agora, estava enfiada em um vestido sedoso rumo a um mundo com o qual ela havia apenas sonhado. Será que a Cinderela tinha ficado igualmente apavorada a caminho do baile? Não que a história dela fosse algum tipo de conto de fadas. Para começar, não havia uma fada madrinha que pudesse transformá-la em alguma princesa em um instante com um toque da varinha mágica. Em vez disso, Eve tinha passado á tarde em meio a uma confusão de arrumações, quase enlouquecendo em salões, butiques e lojas de utensílios domésticos, arrumando potes de iogurte e macarrão para Sam entre um compromisso o outro para que a Srta. Willis não precisasse se preocupar em providenciar a comida dele. Não houvera tempo para refletir, para se sentar e realmente pensar no que ela estava fazendo ou por que ao menos estava fazendo aquilo. Mas ali, sentada sozinha recostada contra o forro macio de uma limusine, ela não tinha distração, não tinha escapatória de se fazer as perguntas que exigiam respostas. Por que ela estava fazendo aquilo? Por que ela havia concordado em ser a noiva de mentira de Leo, quando todos os seus instintos diziam que aquilo era errado? Por que ela não insistira em dizer "não"? Claro, havia o dinheiro. Ela não podia se considerar uma mercenária exatamente, mas estava motivada diante do pensamento de juntar dinheiro suficiente para cuidar da reforma e de Sam. Que outro motivo poderia haver? Porque você é curiosa. Ridículo. Ela afastou aquela sugestão, determinada a se concentrar na vista. Porém, a voz perturbadora e incômoda na cabeça dela se recusava a ser cativada ou silenciada pela vista. Quer ver se ele tem o mesmo impacto sobre você que ele tinha há três anos. Quer saber se não é só a voz dele que lhe dá frio no estômago. Quer saber se ele vai olhá-la daquele jeito outra vez, com os olhos cheios de desejo e necessidade fervilhante. Não, não e não! Ela se encolheu de maneira inquieta contra o couro do banco, ajustando o cinto de segurança para que não ficasse tão apertado sobre seu peito e ela pudesse respirar com mais facilidade. A última coisa da qual ela precisava esses dias era de um desejo obscuro e fervilhante. Eve tinha responsabilidades agora. Uma criança para sustentar. E era exatamente por esse motivo que ela estava indo até lá esta noite, ela reconheceu, se prendendo a essa idéia com fervor. Estava garantindo o sustento ao filho. Afinal, se não o fizesse, quem o faria? Com certeza não o pai dele. Deus, o que diabos ela estava pensando ao concordar com isso? E então eles chegaram ao hotel. O motorista fez o retorno e parou o carro. Ele lhe entregou um cartão magnético quando o porteiro se aproximou para abrir a porta. — O Sr. Zamos disse que vai se atrasar e que era para você entrar. — Ela deu um sorriso em agradecimento quando ele disse o número do quarto, rezando para conseguir se lembrar dele enquanto o porteiro dava as boas-vindas ao hotel. Suspirou profundamente. E então ela entrou pelas portas automáticas e quase deu meia-volta e seguiu 15


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diretamente de volta para fora outra vez. Ai, Deus, ela pensou, agarrando o xale em torno de si enquanto a porta do elevador se abria, dando para o andar escolhido, o cartão magnético apertado entre os dedos. É agora. Uma noite, ela dizia a si, era só uma noite. Um início de noite, ela se corrigiu apenas um jantar. Porque em apenas algumas poucas horas ela estaria em casa e a vida poderia voltar ao normal, e ela voltaria a ser uma mãe que trabalha em casa vestindo moletom. O que diabos ela estava fazendo? Como poderia ter tanta certeza de que Leo não a reconheceria? E como poderia suportar, caso ele a reconhecesse? A vergonha de saber como ela agira, como algum tipo de libertina. Como poderia continuar trabalhando para Leo se ele a reconhecesse? Porque ela não era daquele jeito. Não normalmente. Um primeiro encontro poderia terminar com um beijo caso fosse bem-sucedido, o conceito de uma noite apenas era a coisa mais distante no pensamento dela, porém algo em Leo a despiu de sua cautela usual, tornando-a precipitada, querendo tudo e querendo naquele instante. Ela não poderia suportar caso ele a reconhecesse. Não conseguiria suportar as conseqüências ou a humilhação subseqüente. Será que ele acabaria com o contrato? Ou será que ele esperaria continuar de onde parou? Ela estremeceu o coração palpitante batendo alto demais para aquele local elegante, silencioso. As portas do elevador emitiram o sinal sonoro suavemente detrás dela e Eve olhou em volta quando um casal saiu do elevador, obrigando-a a mover os pés e os pensamentos para mais perto da porta do quarto de Leo. E então ela olhou para o cartão magnético em sua mão úmida e percebeu que o segurou tão apertadamente que ele deixou marca e linhas brancas fortes em seus dedos. Entrar, quando aquele era o último lugar onde ela gostaria de estar? Pouco provável. Ela bateu à porta suavemente. Talvez o motorista estivesse errado. Talvez Leo nem mesmo estivesse ali... . Não houve resposta, mesmo após uma segunda batida; então, dando um suspiro encorajador, ela deslizou o cartão pela leitora. Houve um zumbido, um clique, e uma luz verde piscou para ela de forma animadora. A porta se abriu para uma sala ampla decorada em tons cor de creme e caramelo. — Olá — ela arriscou suavemente, fechando a porta de leve, sem ousar se aventurar além da entrada, exceto pelo desejo de admirar o cômodo e sua mobília elegante. Ao longo da enorme parede angulada havia um sofá com poltronas em torno de uma mesinha baixa de centro, enquanto, do lado oposto, uma cômoda imensa sustentava uma pesada televisão de tela plana. Havia um laptop aberto sobre uma escrivaninha em frente à janela. Ela ouviu o som de alguém conversando através da porta ao lado. Leo, se aquele arrepio ao longo da espinha dela servia como algum tipo de indicativo. E então a voz ficou menos vaga e mais alta, e ela o ouviu dizer: — Estou com as imagens aqui. Espere um pouco... Um segundo depois, ele adentrou o quarto sem muito além de uma olhadela na direção de Eve, toda a concentração dele sobre o laptop, que acendeu com apenas um toque, enquanto toda a concentração dela estava sobre ele, vestindo nada mais do que um 16


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short preto de seda que apresentava nada mais do que uma concessão passageira à modéstia. Ele era um Deus, das pontas dos cabelos despenteados úmidos até embaixo, passando pelos ombros largos musculosos que flexionava enquanto ele passeava a mão pelo teclado, passando pela pele morena que brilhava sob a luz, até a divisão rija dos quadris que afilava para pernas musculosas. — Eu ligo de volta — ele disse ao telefone, sem tirar os olhos dela, sem fazer qualquer tentativa de sair do quarto ou de se cobrir. — Algo está acontecendo aqui. Ela arriscou uma olhada, bem para aquele lugar, e imediatamente desejou não tê-lo feito, porque, quando o olhou de volta, os olhos dele cintilaram conscientemente, os cantos formando vincos, como se ele soubesse exatamente o que ela fazia e para onde olhava. — Evelyn? Ele esperava por uma resposta, mas, naquele exato instante, a língua dela estava colada ao céu de boca, o vestido suavemente assentado ao corpo parecia apertado demais de repente, limitador demais, e o homem em frente a ela era grande demais e obviamente viril demais. E despido demais. O fato de ele não ter feito menção para se cobrir apenas serviu para deixá-la ainda mais inquieta. Ele deu um passo para mais perto dela. — Você é Evelyn Carmichael? Ela deu um passo atrás. — Você estava esperando outra pessoa? — Não. Ninguém mais... Exceto por... — Exceto pelo quê? — Com certeza absoluta eu não estava esperando alguém como você. Ela ficou tonta, desajustada mentalmente e despreparada, e não havia absolutamente nenhuma dúvida na cabeça dela sobre o que deveria fazer em seguida, nenhuma indecisão. Ela se virou uma das mãos procurando a maçaneta, as unhas arranhando a madeira. — Claramente você não está pronto — ela disse, sem fôlego e desesperadamente em pânico para escapar. — Vou esperar lá fora. Mas ela mal tinha apertado alguns centímetros da porta quando a mão dele surgiu e a fechou. — Não precisa fugir. Não precisava? Quem ele tentava enganar? E o fato de aquele homem seminu estar a poucos centímetros dela preenchendo o ar que ela respirava com uma mistura quase fatal de sabonete, perfume cítrico e testosterona pura e natural? Um homem com quem ela estivera preparada para passar a noite certa vez, uma noite perdida com a qual ela fantasiara desde então. Um homem que estava tão perto que ela conseguia sentir o hálito quente dele soprando na ponta de seus cabelos, enviando calafrios de calor pelo seu pescoço. De qual outro motivo uma garota precisava para fugir? — Fique. Sirva-se de algo no frigobar enquanto eu me visto no quarto ao lado. Prometo que não vou demorar muito. — Obrigada — ela sussurrou suavemente, não muito certa se o estava agradecendo pela oferta da bebida ou pelo fato de ele ter a intenção de vestir algumas poupas. 17


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Ela realmente poderia beber para valer agora, refletiu ainda trêmula enquanto abria a porta do frigobar, presumindo que a garganta não estivesse tão fechada que não conseguisse engolir. Então, mais uma vez, hoje seria uma ótima noite para não beber álcool, e não apenas porque ela provavelmente andava intolerante a ele ultimamente, mas porque beber algo com qualidades anestésicas na presença daquele homem seria uma idéia muito, muito ruim. Especialmente considerando que ela já parecia meio intoxicada apenas por estar na presença dele. Fiel à sua palavra, ele já estava retornando ao cômodo no momento em que ela escolheu a bebida, usando uma calça preta que se encaixava perfeitamente naquelas pernas poderosas e uma camisa branca abotoada sobre o peito largo. — Encontrou alguma coisa? — ele perguntou, enquanto ela lhe dava espaço e ele pegava uma cerveja no frigobar. — Sim, obrigada — ela disse, girando a tampa da garrafa de água mineral e pegando um copo, ainda aniquilada pela presença dele. — É um prazer conhecê-la, Evelyn Carmichael, minha assistente virtual. Devo dizer que estou satisfeito por descobrir que você é um tanto real, e não tão virtual, afinal. — E então ele balançou a cabeça lentamente e Eve perdeu o fôlego diante do pensamento aterrorizado. Ele sabe! Salvo pelo sorriso estranho que ele deu. — Por que eu sempre imaginei que você fosse de meia-idade? E ela soltou o ar dos pulmões, tão aliviada que até mesmo conseguiu dar um sorriso. — Ainda não, graças a Deus. — Mas seus diplomas... Seu currículo tem mais de um quilômetro de comprimento. O que você fez se formou na escola quando tinha dez anos? — Eu tinha dezessete anos. Fiz minha graduação na metade do tempo. Tive sorte suficiente ao conseguir alguns bons contatos e fui recrutada para alguns bons clientes. Ele estreitou os olhos outra vez e ela quase conseguia ver as engrenagens rodando dentro da cabeça dele. — Certamente é o sonho de toda assistente pessoal. O que a fez largar tudo aquilo e trabalhar por conta própria? Deve ter sido um risco enorme. — Ah, você sabe... — ela disse as mãos alvoroçadas em torno do copo. — Essas coisas. Eu fiquei trabalhando em escritório durante muito tempo e... — E? E fiquei grávida de um dos consultores interestatais da empresa... Ela deu de ombros. — Era hora de mudar. Ele se inclinou para frente e ergueu a cerveja em direção a ela, fazendo um brinde. — Bem, a perda dos escritórios é o meu ganho. É um prazer conhecê-la finalmente depois de todo esse tempo, Evelyn. Você não sabe o quanto é prazeroso. Eles brindaram o copo dela contra a garrafa de Leo, os olhos insondáveis dele sem abandonar os dela nem por um instante. — A você — ela murmurou, dando um gole na água efervescente, necessitando da frieza contra sua pele aquecida, tentada a segurar o copo contra as bochechas que queimavam. 18


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Nada havia mudado, ela pensava enquanto a água gelada deslizava por sua garganta. Leo Zamos ainda era o mesmo. Intenso, poderoso e tão perigoso quanto o pecado. E não era nenhum consolo saber daquilo depois de tudo que ela havia passado nos últimos anos, de tudo que aprendera. Ela tinha ficado muito afetada e vulnerável. Não era consolo nenhum. Ela era perfeita. Absolutamente perfeita. Ele deu um gole na cerveja e refletiu sobre a lista de qualidades que ele queria numa noiva de mentira enquanto observava a mulher sentada do lado oposto, se esforçando para parecer à vontade enquanto ela se empoleirava estranhamente na beirada do sofá, pegando o copo e então o colocando sobre a mesa, se esquecendo de beber antes de pegá-lo outra vez e passar pelo mesmo ritual nervoso, para então pedir licença para usar o toalete. Qual era o problema dela? Não era como se ele fosse um completo estranho, afinal. Talvez ela estivesse assustada com o jeito como a noite poderia acabar. Agora, era uma idéia... Ele desconsiderou a idéia tão rapidamente quanto ela veio. Ela era a assistente pessoal dele, afinal, mesmo que virtual, e regras eram regras. Mas pelo menos ele sabia que não teria de passar a noite se obrigando a sorrir para uma mulher na qual n ão estava interessado. Ele achava fácil sorrir para ela agora, enquanto ela retornava do toalete, evitando os olhos dele recatadamente. Ela era perigosamente, surpreendentemente perfeita, dos cabelos cor de mel e caramelo às pontas das unhas pintadas dos pés dentro das sandálias. E pensar que ele imaginara uma mulher de meia-idade tirando sonequinhas como uma vovó! O quanto um homem poderia estar errado? Ele não teria problema nenhum em simular interesse por aquela mulher, problema nenhum. Leo ficou de pé, impedindo-a antes que ela pudesse se sentar, os olhos dela se arregalando enquanto ele se aproximava e bloqueava a rota rumo à poltrona, de modo que ela foi forçada a parar e, mesmo de salto alto, erguer a cabeça para olhá-lo. Não havia chance de escapar. Ah, não. Aquela pequena assistente pessoal virtual elegante e inteligente não iria a lugar algum ainda. Não antes de Leo convencer Culshaw de que não tinha nada a temer ao negociar com ele, e provar que era um homem de família sólida. O que significava que ele simplesmente tinha de convencer Evelyn de que não precisava temê-lo. — Estamos atrasados? — ela perguntou, soando sem fôlego e impaciente. — É hora de ir? — Ainda não. O jantar está marcado para as oito horas na suíte presidencial. — Talvez eu devesse checar com a equipe se está tudo certo com o jantar — ela sugeriu. — Apenas lembrá-los que é uma recepção para seis pessoas agora... — Evelyn, está tudo sob controle. Além disso, tem uma coisa mais importante que você deveria estar fazendo agora. — Ele tocou a ponta de um dedo, apenas um dedo, no ombro dela, e ela deu um pulo e se encolheu. — E o que poderia ser? — ela perguntou, sem ar, tremendo e tentando mascarar o susto fingindo interesse pela gravura mais próxima na parede. — Você é perfeita — ele disse, erguendo uma das mãos para ajeitar uma mecha do cabelo dela que havia se soltado e a sentindo tremer quando seus dedos lhe acariciaram o 19


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pescoço. — Eu não poderia ter pedido por uma falsa noiva melhor. Precisamos apenas acertar nossas histórias, caso alguém nos pergunte como nos conhecemos. Eu estava pensando que faria sentido deixar as coisas o mais perto possível da verdade. Que você trabalhava como minha assistente pessoal e uma coisa levou a outra. — Acho que sim. — E que estamos juntos há, o quê, dois anos? Exceto pelo fato de não nos vermos com freqüência porque estou sempre viajando e você mora na Austrália. — Faz sentido. — Faz total sentido. E explica por que queremos esperar antes de acertar o compromisso definitivo. — Casamento. — Ela assentiu — Estamos indo com calma. — Exatamente — ele disse, tentando deslizar um braço em torno dos ombros dela, sentindo-a tremer perante o contato. — Queremos ter certeza absoluta, o que é complicado porque só conseguimos nos encontrar algumas vezes por ano. — Certo. Entendi. — Excelente. — Ele se virou em direção a Eve. Colocou um dedo sob seu queixo e o ergueu para que ela não tivesse escolha senão encará-lo. — Mas tem uma coisa que você não entendeu. — Sabia que havia um "porém" vindo aí — ela disse, e ele teria rido, mas ela estava tão nervosa, tão no limite, e ele não queria assustá-la. Não quando ela era tão importante para ele. — Esta é simples — ele disse. — Tudo que você tem de fazer é relaxar comigo. — Estou perfeitamente relaxada — ela disse rigidamente, soando mais como uma bibliotecária afetada do que como qualquer tipo de amante. — Está, quando meu toque mais leve — ele correu um dedo pelo braço dela e ela tremeu e se encolheu — claramente a deixa desconfortável? — É um jantar — ela disse, de forma defensiva. — Por que você precisaria me tocar? — Porque qualquer sujeito viril, especialmente um que tem a intenção de se casar com você e que não tem chance de encontrá-la com tanta freqüência, gostaria de tocá-la em todos os momentos possíveis, todos os dias. — Ah. — "Ah" mesmo. Você está vendo meu problema. — Então, o que você sugere? Os olhos dela estavam arregalados e luminosos, e mesmo de perto ele não conseguia ver se eram simplesmente azuis ou verde, mas sim dotados de toda a miríade das cores do mar misturadas, o verde vibrante onde a água beijava a areia, o azul-safira das águas profundas e tudo o mais entre eles. — Acho que a prática normalmente leva à perfeição. Ela engoliu, e ele prosseguiu com o movimento pelo pescoço esbelto dela. — Você quer praticar me tocar? — E quero que você pratique não pular de susto sempre que eu fizer isto. — Eu... Eu vou tentar — ela disse os olhos ficando embaçados, e ele duvidava de que ela ao menos percebesse que já estava se inclinando para o toque dele. Ele sorria enquanto erguia o queixo dela com a outra mão, o polegar acariciando a 20


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linha do maxilar. — Viu, não é tão difícil assim. Ela piscou, parecendo confusa. — Eu entendo. Eu... Eu ficarei bem. Mas ele não tinha a intenção de terminar a lição ainda. Não quando havia tanto desejo e uma aluna obediente. — Excelente — ele disse, erguendo mais o queixo dela. — E agora só falta mais uma coisa. — Falta? — ela sussurrou. — É claro — ele disse novamente a puxando para mais perto, os olhos sobre os lábios dela outra vez. — Só precisamos tirar aquele primeiro beijo estranho do nosso caminho.

CAPÍTULO QUATRO

Ela mal teve tempo de tomar fôlego, mal teve tempo de pensar antes de os lábios dele roçarem os dela, tão leves no toque, tão devastadores no impacto que ela tremeu contra o corpo dele, grata pela sua solidez e por sua força. E a sensação dos braços fortes em torno dela, o corpo rijo colado ao dela, era quase demais para compreender, quase demais para absorver. Ela abriu os olhos, sem fôlego, surpresa e se perguntando o que havia acabado de acontecer. — Excelente — ele disse, de forma intensa. — Isso deve funcionar. Espere aqui. Tenho algo para você. — Ele se virou e desapareceu para o outro cômodo. Ela se apoiou na cômoda atrás de si, colocou as mãos no rosto e tentou não pensar no jeito como correspondera ao beijo dele exatamente como fizera da primeira vez. Dopada de desejo, despudorada em sua resposta a ele. Eve mal tinha recuperado o fôlego quando Leo retornou, com uma gravata frouxa em torno do colarinho, um casaco pendurado no braço e uma expressão que ela não conseguia ler. Não a satisfação presunçosa que ela esperava, mas algo que parecia quase desconfortável. Quando viu as duas caixinhas na mão dele, pensou saber o motivo, e não se sentiu nem um pouco melhor. — Experimente isto, aqui — ele disse, oferecendo as caixas a ela. — Peguei emprestadas por esta noite. Espero que sirvam. — Ele ergueu a mão dela, dando-lhe as caixas. — Eles vão notar se você não estiver usando a aliança de noivado. — Eu não posso simplesmente ser sua namorada? — Noiva soa muito melhor. Todo aquele compromisso embutido... — Ele piscou enquanto se enfiava no casaco. — Além disso, eu já disse a eles. Vamos lá, experimente. Relutantemente, ela abriu a primeira caixinha. Uma luz brilhante da pedra brilhou com ímpeto, um diamante de corte quadrado sobre uma faixa esculpida em ouro branco incrustada com pequenos diamantes cor-de-rosa. Ela não conseguia imaginar algo mais 21


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maravilhoso. Até ela abrir a segunda caixa, quando a imaginação ficou em segundo plano. Era um magnífico anel com safiras do Sri Lanka, com um diamante de cada lado. Ela nunca vira algo tão lindo. Certamente nunca imaginara usar nada tão lindo. Colocou a caixa com a aliança de lado, tirou o outro anel e enfiou no dedo, esperando, rezando secretamente para que servisse irracionalmente encantada quando passou pelo nó do dedo e o pousou perfeitamente na base do dedo. Ela olhou para a própria mão, esticando-a e observando as luzes azuis dançarem na pedra. — Devem valer uma fortuna. Ele deu de ombros, como se não fosse problema, usando o espelho para dar um nó primoroso na gravata. — Uma pequena fortuna, talvez. Não é como se eu realmente estivesse comprandoos. — Não. É claro que não. — Ele estava meramente tomando emprestado por uma noite para ajudar a convencer as pessoas de que estava se casando. Do mesmo jeito que tomava Eve emprestada. Mas até mesmo o plano insensível dele não a impedia de imaginar como deveria ser ganhar tal anel, um objeto de uma beleza incrível, do homem que você amava? Vê-lo deslizar o anel em seu dedo ao som de um "Eu te amo; case-se comigo" sincero, em vez de um "Vamos lá, experimente". Com ou sem o anel, ela já estava fingindo ser algo que não era. Será que realmente poderia tornar a mentira pior do que já era? — Muito bom — ele disse, levantando os dedos dela. — Experimentou o outro? Ela olhou para a caixinha aberta, para a beleza opaca que residia ali. — Não há necessidade — ela disse, tentando soar como se realmente não se importasse e também para fingir que não estava incomodada com a proximidade dele, embora seus dedos formigassem e o corpo zunisse. — Este aqui serve perfeitamente. — E combina com seus olhos. Ela o encarou, analisando seu rosto. — Você sabe que tem os olhos mais fantásticos, com todas as tonalidades do mar e tudo o mais? — O-obrigada. Ele ergueu uma das mãos em direção ao rosto dela e passou a ponta do polegar no canto da boca. — E você tem um pouco de batom borrado aqui. — Ele sorriu de um jeito astuto. — Como será que isso aconteceu? Instintivamente, ela colocou uma das mãos sobre a boca, recuando. — É melhor eu retocar minha maquiagem — ela disse, pegando a bolsa na mesinha de centro e indo até o toalete. Ele a observou sair, os olhos acompanhando as costas retas ou a rigidez forçada que dificultava os movimentos dela. Eve não tinha ficado dura ou constrangida quando ele a pegara nos braços e a beijara irracionalmente. — Evelyn — ele a chamou e ela parou e se virou, agarrando a bolsa com força em 22


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frente ao peito. — Há algo que pode deixar você mais relaxada na minha companhia... — Sim? — ela soou cética. — Por mais que tenha gostado daquele beijo, eu tenho a regra de não misturar negócios com prazer. Eu não durmo com minhas assistentes pessoais. O que quer que eu faça esta noite, um toque, uma carícia, um beijo, é tudo parte da atuação. Você está perfeitamente segura comigo. Certo? E algo que ele esperava ser alívio, mas não tinha sido bem aquilo, lampejou pelos olhos dela e se foi. — É claro — ela disse, e correu para o toalete. Pronto. Ele disse a frase. Ele exalou enquanto pegava o outro anel na mesinha de centro, fechava a caixinha e a guardava em segurança. Talvez tenha sido, conforme ele dissera, para deixá-la à vontade, mas também havia sido uma determinada vontade de se lembrar de sua regra de ouro. Se ao menos ele conseguisse acreditar naquilo. Eve não se reconheceu no reflexo do espelho do lavabo. Mesmo depois de retocar a maquiagem e ajeitar os fios de cabelo de volta ao coque liso, ainda parecia uma estranha. Nenhuma quantidade de batom conseguiria disfarçar o rubor de seus lábios inchados. E, enquanto o anel no dedo dela brilhava sob a luz, seus olhos não combinavam. Não quando tudo que ela conseguia fazer era se lembrar daquele beijo e de como ele quase roubara sua mente, senão sua alma, com aquilo. Era errado ficar excitada, embora o impacto do beijo tenha espelhado fielmente o impacto daquele primeiro. Mas ele simplesmente agia de forma intencional. Leo estava atuando. Ele mesmo havia dito algo assim. Não significava nada. Do contrário, por que conseguiria se virar a ir embora tão facilmente? Ela inspirou, expirou devagar e ergueu o queixo resolutamente enquanto fazia uma última checagem em sua aparência. Certamente o pior havia acabado. E pelo menos ela sabia onde estava pisando. Também deveria tentar aproveitar a rara noite fora de casa. O quão difícil poderia ser? — Lembre-se — Leo dizia, enquanto eles seguiam para a suíte presidencial —, seja simples e amigável e, o que quer que faça, evite qualquer assunto de família. — O que foi exatamente que os filhos deles fizeram? — Você não leu os artigos? Ela balançou a cabeça. — Claramente não leio esse tipo de revista. — Ou visita os sites certos na internet. Alguém fez um vídeo deles numa festa e colocou na internet. — E eles estavam fazendo algo constrangedor? — Pode-se dizer que sim. Era uma festa de swing, troca de esposas. — Oh. — "Oh" mesmo. Metade da banca de diretores estava envolvida, e Culshaw não conseguiu suportar ver tudo pelo que ele trabalhara chafurdar na lama. — Leo parou em frente à porta da suíte — Está pronta? Mais pronta do que nunca. — Sim. 23


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Ele segurou a mão dela, surpreendendo-a, não por ser inesperado dessa vez, mas porque era confortável ter aquela mão enorme envolvendo a dela. — Você está linda — sussurrou tão perto do ouvido dela que Eve conseguiu sentir o hálito quente lhe beijando a pele, acendendo os sentidos dela e flamejando seu âmago. É um faz de conta, ela alertava a si mesmo enquanto erguia o queixo e mais uma vez se rendia ao beijo dele, desta vez um beijo tão suave e doce que o ar pareceu tremular e girar em torno dela. Aquilo não significava nada, um aviso ecoava enquanto ele apertava a campainha. Tudo era simplesmente parte de um plano. Ela não podia se, dar ao luxo de começar a pensar que parecia certo. Não podia se, dar ao luxo de pensar que era real. Eve tinha apenas uma noite curta para fingir que aquele homem a amava e que ela o amava, e então o faz de conta terminaria e ela poderia ir para sua casa caindo aos pedaços e para seu filho. Sozinha. Aquela era a realidade. Aquela era a vida dela. Deveria estar grata por ser tão fácil fingir... Um mordomo abriu a porta, convidando-os a uma impressionante, entrada espelhada que dava para uma enorme suíte presidencial, os saltos de Eve estalando no piso encerado brilhante. — Bem vindos, bem-vindos! — Um homem mais velho, veio encontrá-los, e Eve o reconheceu dos jornais. Eric Culshaw tinha envelhecido, ela notou os cabelos grisalhos branqueando nas têmporas, os ombros um pouco curvados como se ele sustentasse o peso do mundo sobre eles. Considerando a natureza do escândalo que abalara seu mundo, talvez aquele fosse o modo como ele se sentia. Ele apertou a mão de Leo. — Bem vindos, vocês dois — ele falou, sorrindo abertamente. — Eric — Leo disse —, permita-me apresentar minha noiva, Evelyn Carmichael. E o sorriso de Eric se escancarou quando ele pegou a mão dela. — É um prazer certamente, Evelyn. Venha e conheça todo mundo. As outras pessoas estavam bebendo champanhe na sala, admirando a vista, quando eles se juntaram ao grupo. Eric fez as apresentações. Maureen Culshaw era uma sessentona esbelta com o rosto esquelético, como se alguém tivesse lhe estourado as bochechas quando ela não estava olhando. Claramente o escândalo havia afetado os Culshaw profundamente. Porém, os olhos acinzentados eram calorosos e sinceros, e Eve se dirigiu a ela imediatamente, a mulher mais velha segurando as mãos dela. — Estou tão satisfeita por você ter podido vir, Evelyn. Agora, eis um nome que você não ouve muito atualmente, embora eu tenha conhecido algumas "Eves" na minha época. — Era o nome da minha avó — ela disse, dando um aperto de mão na senhora. — É um pouquinho difícil de pronunciar, eu sei. De qualquer forma, está perfeitamente bom para mim. Maureen disse algo em resposta, mas foi o movimento na visão periférica de Evelyn que lhe captou a atenção, e ela deu uma olhada a tempo de ver algo passar pelos olhos de Leo, um franzir intenso na testa, e por um instante ela se perguntou o que acontecia, antes de Eric começar a apresentar os Alvarez, prendendo sua atenção. Richard Alvarez era bronzeado e em forma, talvez uns 15 anos, mais jovem que Eric, com cabelo louro e olhos azuis penetrantes. 24


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Sua esposa, Felicity, podia ter sido uma estrela de cinema e provavelmente era dez anos mais jovens que ele, de cabelos escuros, exótica e vibrante, como uma flor tropical em seu vestido de seda fúcsia e sandálias de tiras incrustadas de jóias. Discretamente, os garçons traziam travessas de canapé e mais taças de champanhe, enchendo as outras e o grupo foi para o saguão da suíte, e Leo de algum modo deu um jeito de guiar a ambos para o longo sofá, onde ele se sentou ao lado dela, claramente parte do número para mostrar o quanto eles eram próximos. Extremamente próximos aparentemente. Ele se recostou e passou um braço em tomo dos ombros dela, totalmente à vontade enquanto pulava entre uma conversa e outra com Eric e Richard, ainda que Eve tenha identificado como ò movimento calculado que era. No entanto, aquela noção interior não a impedia de prender a respiração, quando os dedos traçavam lentamente uma trilha por seu ombro, subindo e descendo, uma trilha lenta que fazia os sentidos dela se agitarem, seus mamilos enrijecerem em alerta e uma fita de desejo se contorcer e se desenrolar dentro dela. Uma fita vermelha. De veludo. Como o som da voz de Leo... — Evelyn? Ela piscou, percebendo que haviam feito uma pergunta que se perdera completamente na névoa do ataque sensual de Leo. Ela segurou os dedos dele que passeavam por sua pele, ostensivamente uma demonstração de afeto, mas definitivamente um mecanismo de autodefesa caso ela quisesse ser capaz de manter uma conversa amigável. — Desculpe Maureen, você estava perguntando como nos conhecemos? — Ela se virou para Leo e sorriu, dando um aperto nos dedos dele para que pudesse captar a mensagem de que ela poderia ficar sem a carícia. — Não é exatamente romântico. Na verdade, sou assistente pessoal de Leo. Eu estava cuidando de todos os documentos e compromissos dele e, de repente, um dia, meio que aconteceu. — É isso — Leo acrescentou um sorriso, lutando contra as medidas de autodefesa dela colocando dedos cheios de propriedade sobre sua perna, alisando a seda do vestido em direção ao joelho, trazendo a mão de volta à coxa, dando-lhe um apertão, causando um desejo fervente, ardente. Tudo que Eve podia fazer era continuar sorrindo. Ela colocou a taça na mesa e apertou a mão transgressora, enfiando as unhas com um pouquinho de força na palma da mão dele, apenas um pequeno aviso. Mas ele apenas olhou para ela e sorriu mais. — E isso foi depois que eu jurei que nunca mais me envolveria em um romance no escritório. Maureen juntou as mãos, sem perceber nada do que estava se passando com Eve. — Você ouviu isso, Eric? Um romance no escritório. Exatamente como nós dois! Eric sorriu e ergueu uma taça. — Maureen foi á melhor secretária que já tive. Podia digitar 120 palavras por minuto, atender ao telefone e taquigrafar ao mesmo tempo. Dificilmente eu a deixaria ir embora, não é? — Eric! Você me disse que se apaixonou por mim à primeira vista. — É verdade — ele disse, com um meneio arrependido. — Era o primeiro dia dela no trabalho e, no instante em que entrei e vi aquela rapariga atrevida e sensual sentada em 25


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sua cadeirinha giratória, eu fui dominado. Eu só não posso ter essa história contada pelos círculos profissionais, vocês sabem. Os homens concordaram sem reservas quando Maureen corou os olhos um pouco apáticos quando ela esticou a mão e apertou a de Eric. — Felicity, e você? Como você e Richard se conheceram? — Bem... — A mulher sorriu e colocou a taça na mesa, deslizando a mão para segurar a do marido. — Isso pode soar familiar, mas eu tinha saído com uma amiga para ver os barcos no porto de Sidney. Havia sido um dia longo, então paramos para beber alguma coisa em um bar perto de casa, e eu só sei que esse sujeito aqui apareceu a perguntou se poderia nos pagar uma bebida. — Ela se virou para ele e sorriu, e ele se inclinou e a beijou delicadamente na ponta do nariz. — E o restante, como dizem, é história. — Exatamente como aconteceu com a princesa Mary e o príncipe Frederik, da Dinamarca — Maureen disse. — Vocês não se lembram? Eve se lembrava, mas nunca teve a chance de dizer coisa alguma porque Leo escolheu aquele instante exato para percorrer sua nuca com os dedos, um toque suave que veio com cargas profundas que detonavam dentro dela conforme os dedos dele desenhavam pequenos círculos detrás de seu pescoço. — Que especial — Maureen disse. — Ah, eu amo Sidney e seu porto. Devo dizer, o clima mais quente é melhor para mim do que o de Melbourne. E Eve, embalada pelo toque suave da mão magistral, e pensando na missão interminável para conseguir que a roupa lavada secasse e nem um pouco ansiosa pelos banhos frios e pelas chaleiras de água quente para que Sam pudesse tomar um banho morno, não poderia evitar senão concordar. — Sidney é maravilhoso. Eu costumava trabalhar lá. Passei tantos fins de semana na praia... Os dedos na nuca de Eve pararam, quando Leo foi tomado por uma lembrança tremulando como os quadros de um velho filme em preto e branco nas reentrâncias da mente dele. Algo a respeito de Sidney e uma mulher que ele conhecera anos atrás, tão brevemente, uma mulher chamada Eve.

CAPÍTULO CINCO

O que Maureen dissera mesmo? "A maioria das pessoas reduziria o nome para Eve." E ela dissera algo como: "Assim também está bom para mim." Aquela troca causou um incômodo em alguma parte dele quando a escutara, embora não tivesse entendido completamente o motivo naquele momento, mas então a menção de Sidney forneceu o elo faltante, e de repente ele percebeu que não poderia haver coincidência: aquele pedacinho fornecera a peça que faltava, e o quebra-cabeça se encaixava. Ele se recordou de um dia que parecia tão distante, de voar para Sidney de manhã cedo, relembrando uma visita relâmpago para recuperar um acordo na iminência de ser 26


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fechado, e de um escritório com janela panorâmica que tinha vista para a baía de Sidney e vistas ostentosas para a ponte da baía de Sidney e a Ópera House. Mas tudo isso se mostrou insignificante quando os olhos dele pousaram sobre a mulher sentada no canto oposto da sala. Os cabelos dela possuíam reflexos louros, e a pele, um bronzeado dourado, como se ambos tivessem sido beijados pelo sol, e seus olhos fantásticos pareciam mais profundos e convidativos que qualquer baía famosa. Ele a queria. — Eve — ela dissera a ele quando a abordara durante uma pausa e perguntara seu nome. Uma Eve sem fôlego com uma boca deliciosa, olhos fantásticos e um corpo sob medida para o pecado, um corpo com propensão demais a pecar, conforme ele descobrira naquela sala de arquivos. E ele proferira palavrões quando teve de ir embora de repente para Santiago, xingara por ter perdido a oportunidade de tirar as roupas daquele corpo, delicioso, peça por peça. Ele tinha a idéia de retornar a Sidney depois que o negócio no Chile estivesse concluído, porém, àquela altura, algo mais havia surgido. E então apareceram mais negócios a resolver em outros países e outras mulheres e, ela saia do alcance de seu radar, para ser vagamente arquivada na "lista-das-mulheres-que-escaparam". Não era uma lista grande e, do jeito como acontecera, ela não podia ser considerada uma mulher que havia escapado, afinal. Ela estava ali debaixo do nariz dele, respondendo aos seus e-mails, cuidando de seus documentos, organizando reuniões e em nenhuma vez deixara transparecer. Nunca, nenhuma vez mencionara o fato de que eles já se conheciam. Ele movimentava a mão suavemente sobre as costas de sua falsa noiva, deixando a conversa tomá-lo por completo, algo sobre uma ilha que os Culshaw tinham em Whitsundays, os dedos ocupados traçando contornos na pele sedosa enquanto ele observava seu perfil, a linha do maxilar, os olhos que ele notara e que deveria ter reconhecido. Ela tinha mudado sutilmente, a cor dos cabelos estava mais num tom de caramelo agora do que o loiro com mechas douradas de antes, e talvez ela não estivesse tão magra. Mudanças sutis, não mais do que isso, e ficavam bem nela. Mas não era surpresa ele ter achado que ela lhe parecia familiar. Eve olhou brevemente para ele quando o grupo se levantou e seguiu para a sala de jantar, com um leve franzir de testa, como se ela estivesse se perguntando por que estava tão calado. Ele sorriu, sabendo que o tempo de espera para encontrá-la outra vez havia acabado; sabendo que á hora dela tinha chegado. Sabendo que, para ele, a longa espera logo acabaria. Ela fora como um corisco nos braços dele naquele dia, tão potente e poderosa que ele não conseguia esperar as poucas horas antes de fechar o acordo para prová-la. Não havia dúvida alguma na cabeça dele de que a longa espera iria valer á pena. E daí que ele tinha a regra de não dormir com sua assistente pessoal? Regras eram feitas para serem quebradas, afinal. Alguns mais do que outras. Ele sorriu para ela, segurando seu braço, já prevendo a noite que viria. Uma noite longa recheada com muitos prazeres, caso ele tivesse algo a ver com aquilo. E, é claro, pensou com um sorriso, ele tinha. Talvez fosse o fato de todo mundo ter aceitado Evelyn como sua noiva tão prontamente. Talvez fosse a percepção surpreendente de que se passar por noivo não fosse 27


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tão pavoroso ou complicado como ele imaginara no começo, o que fizera a noite funcionar. Ou talvez fosse o pensamento sobre mais tarde, quando ele finalmente teria a oportunidade de tirar o vestido dela e libertar a mulher de verdade debaixo dele. Mas a noite funcionou, e bem. As bebidas e canapés, o jantar, o café e a sobremesa: a equipe do hotel ganharia um bônus. Foi tudo impecável. Culshaw sorria, sua esposa estava reluzente e os Alvarez eram companhias muito agradáveis, contando uma anedota divertida após a outra, deixando todo mundo rindo demais para conseguir comer. E Evelyn, a deliciosa Evelyn, fizera seu papel corretamente. Perfeita, fora aquele hábito irritante de checar á hora a cada dez minutos. Por quê? Não era como se ela fosse a algum lugar. Certamente não antes de eles terem uma chance de relembrar os velhos tempos. Finalmente o café e os licores foram servidos e a equipe evaporou silenciosamente, de volta à cozinha. Culshaw abafou um bocejo, se desculpando pelo hábito de caminhar todas as manhãs, que não o deixava; ficar acordado até tarde. — Mas agradeço a todos por vir. Richard e Leo talvez nós possamos resolver os termos do contrato amanhã... O que acham? Os homens se juntaram e foram para um canto para entrar em acordo sobre um horário enquanto as mulheres papeavam, recolhendo as bolsas e xales. Eram boas pessoas, Eve pensou, desejando tê-los conhecido em circunstâncias diferentes, e não enquanto vivia aquela mentira. Ela sabiá que nunca os encontraria outra vez, e talvez num contexto mais amplo aquilo não fizesse diferença alguma, já que todos seguiriam caminhos separados um dia. Mas aquele pensamento não era uma compensação por saber que ela passara a noite fingindo ser alguém e algo que não era. — Vamos? — Leo disse, interrompendo os pensamentos dela enquanto segurava sua mão e a levava aos lábios, e Eve pôde ver o quanto ele estava satisfeito com ela e com o modo como as coisas haviam se sucedido. O ato final, ela pensou, assim que os lábios dele roçaram na mão dela e seus olhos ferveram com um desejo mal contido. Um olhar recheado de promessa exaltada de uma noite por vir recheada de membros e lençóis emaranhados. A pretensão final. Uma pena, ela pensou, enquanto eles se despediam e deixavam a suíte. Que pena que tudo havia sido em vão. Uma perda tão grande de energia emocional e intensidade fervilhante. Ela já conseguia sentir o próprio corpo diminuindo gradativamente, a sensação de anticlímax a inundando. — O carro vai esperar, por mim lá embaixo? — ela perguntou, olhando para o celular enquanto eles esperavam no elevador do saguão. Nenhuma mensagem, ela notou com alivio, colocando-o de volta na bolsa. O que significava que a Srta. Willis não tivera problemas com Sam. — Tão ansiosa para fugir? Você tem algum lugar para onde esteja desesperada para ir? — Não de fato. Apenas ansiosa para chegar, em casa. — E ela não estava desesperada. Não havia motivo para correr agora, Eve sabia. Ela olhou á hora e era provável que a Srta. Willis estivesse bem e verdadeiramente, enfiada na cama àquela hora, o que significava não precisar buscar Sam até de manhã. Mas ao mesmo tempo não havia nada para ela ali no hotel. Ela fizera seu trabalho. Era hora de acabar com o faz de conta e 28


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ir para casa rumo à vida real. — Não? Você só ficou olhando o relógio a cada cinco minutos durante o jantar e acabou de checar o celular. Tenho a impressão de que estou afastando você de alguma coisa... Ou de alguém. — Não — ela insistiu, amaldiçoando-se por estar sendo tão óbvia. Ela havia ido ao toalete para checar as mensagens durante a noite, não desejando ser rude ou incitar perguntas. Não tinha achado que alguém iria notar uma olhadela rápida para o relógio. — Olhe, não é nada. Mas já terminamos aqui, não é? — Você não está se esquecendo de nada? — Do quê? — Ele pegou a mão dela e a levantou, a safira reluzindo no dedo. — Ah, é claro. Eu quase me esqueci. — Ela tentou soltar a mão da dele para que pudesse tirar o anel, mas ele a impediu. — Não aqui. Espere até chegarmos à suíte. — E ela teria discutido que não era necessário, que poderia entregar a ele no elevador se fosse o caso, porém ouviram sons detrás deles e a voz dos Alvarez se aproximando, e soube que não tinha escolha. Não quando as suítes eram no mesmo andar e iria parecer estranho se ela não acompanhasse Leo. — Ah, nos encontramos outra vez — Richard disse, virando a esquina no corredor com Felicity enlaçada em seu braço, quando a porta do elevador abriu suavemente detrás dele. — Ótima noite, Leo, muito bem. Culshaw parece muito mais confortável para negociar agora. Ele concordou em telefonar para providenciar as coisas depois de sua caminhada matinal. Leo sorriu e assentiu. — Excelente — ele disse, apertando o botão para o andar seguinte enquanto eles conversavam casualmente sobre o jantar, e dentro de segundos os casais estavam se despedindo outra vez e seguindo para suas respectivas suítes. E, de fato, aquilo não era um problema para Eve. Leo havia dito a ela sua regra sobre não misturar negócios com prazer. Então ela sabia que não tinha nada a temer. Ela lhe devolveria o anel, se certificaria de que o caminho estava livre e iria embora. Entraria e sairia em dois minutos. Excelente! Leo passou o cartão magnético pela leitora, segurando a porta aberta para ela entrar primeiro. Eve ignorou o fluxo de sensações quando passou por ele, tentando não pensar no seu perfume delicioso ou em analisar cada ingrediente que formava aquele perfume que parecia sua marca registrada, tirou o anel do dedo e o colocou de volta na caixinha antes de a porta ser fechada. — Bem, é isso então — ela disse alegremente, fechando a caixinha e colocando-a sobre a mesa de centro de novo. — Acho que isso finaliza nossos negócios esta noite. Talvez você pudesse chamar aquele carro para mim, e eu vou indo. — Você disse que não precisava se apressar — ele falou ocupado tirando uma rolha do que suspeitosamente parecia uma garrafa de champanhe francês que ele tinha acabado de retirar de um, balde de gelo que ela com certeza não viram antes e sentiu o primeiro calafrio de apreensão. — Eu não me lembro de essa garrafa estar aí quando saímos. — Eu pedi à equipe do hotel para providenciar — ele explicou. — Pensei que uma 29


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comemoração estivesse na ordem do dia. Outro calafrio. Outro pequeno pressentimento de... De quê? — Uma comemoração? — Pelo sucesso de hoje à noite. Por todo mundo ter acreditado que éramos um casal. Você conseguiu fazer Eric e Maureen, isso sem mencionar Richard e Felicity, comerem na sua mão. — Foi uma noite agradável — ela falou cautelosamente, aceitando uma taça do líquido ouro-claro, desejando que ele fizesse menção de se sentar, e que estivesse em qualquer lugar da suíte exceto ali entre ela e a porta. — São pessoas agradáveis. — Foi uma noite perfeita. Na verdade, você é a noiva virtual perfeita, Evelyn Carmichael. Talvez devesse até mesmo colocar isso no seu currículo. — Ele tocou a taça na dela e a ergueu. — Um brinde a você, minha assistente pessoal virtual, minha noiva virtual. Um brinde... A nós. Eve mal conseguia respirar, mal conseguia pensar. Não havia nós. Ela sacudiu a cabeça, e precisou desviar o olhar por um instante para tentar organizar os pensamentos emaranhados. — Ah, não acho que eu vá fazer algo assim outra vez. E os Culshaw e os Alvarez são pessoas adoráveis. Eu ainda não consigo evitar não me sentir desconfortável por enganálos daquela maneira. — Eis algo de que gosto em você, Evelyn. — Ele se movimentou, finalmente, mas não passou por ela. Aproximou-se, tocando sua testa com a ponta de um dedo, tirando uma mecha desgarrada do cabelo, um toque tão gentil e suave, porém tão indolente e poderoso, que ela tremeu sob seu impacto. — Esse traço de honestidade que você tem. Esse desejo de não ludibriar, devo admirar isto. Sinos de alerta tocaram na mente dela. Havia uma raiva controlada, tranqüila, se agitando sob as palavras dele, e Eve tinha certeza de que aquilo não estava ali antes, um punho de ferro sob a voz calma, e ela não sabia mais o que ele estava comemorando, mas sabia que não queria fazer parte daquilo. — Eu tenho que ir — ela disse, procurando pela superfície horizontal mais próxima para deixar sua bebida quase intocada, encontrando a cômoda ao seu lado. — É tarde. Não incomode seu motorista. Eu mesma consigo um táxi. Ele sorriu tão lenta e presunçosamente quanto um crocodilo que sabia que todos os esforços de sua presa eram em vão e que não tinha escapatória. Um sorriso que a fez tremer de cima a baixo. — Se você simplesmente sair do caminho — ela sugeriu —, eu vou embora. — Deixar você ir? — ele questionou, pegando o copo dela e lhe entregando. Quando ela claramente estava indo embora. — Justo quando pensei que você pudesse gostar de compartilhar uma bebida comigo... Ela o ignorou. — Já bebi, obrigada. — Não, a primeira taça foi uma comemoração. Esta vai ser pelos velhos tempos. O que você diz Evelyn? Ou talvez você preferisse que eu a chamasse de Eve. Ele sabia! Ele sabia, estava furioso e de jeito algum iria se afastar daquela porta e deixá-la sair calmamente. Ela passou a língua nos lábios, tentando umedecê-los 30


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heroicamente, mas a boca estava seca, a garganta, fechada. — Eu aceito os dois — ela disse, tentando se, manter calma e serena e ouvindo a própria voz sair fina e desesperada. — E eu realmente tenho que ir. — Porque eu conheci uma Eve certa vez — ele continuou a voz grave e suave agora, aparentemente absorta ao transtorno dela, ou simplesmente gostando demais daquilo para dar um fim à situação —, em um escritório com vista para a baía de Sidney. Tinha os olhos azuis mais fantásticos do mundo, um corpo feito para prazeres pecaminosos e estava adorando aquilo. — Não estava! — ela falou sem pensar, se arrependendo imediatamente pelo rompante, desejando que o chão se abrisse e a engolisse inteira, ou que aquele coração palpitante fizesse a porta se quebrar para que ela pudesse escapar. Ele envolveu o queixo dela com os dedos e a obrigou a olhar para ele, o triunfo reluzindo de forma ameaçadora nos olhos dele. — Você esteve trabalhando comigo por mais de dois anos, doce senhorita Evelyn "não-gosto-de-enganar-ninguém" Carmichael. Quando exatamente planejava me contar? Ela olhou para ele, esperando que entrassem num acordo, torcendo que aquela justificativa fizesse sentido: — Não havia nada para contar. — Nada? Quando você sentia desejo por mim, parecia praticamente derretida. E não pensou que eu poderia estar interessado em saber que nós fizemos mais do que apenas nos conhecer antes? — Mas nada aconteceu! Não de fato. Foi puramente uma coincidência. Você queria uma assistente pessoal virtual. Enviou uma pergunta para minha página na internet. Concordou com os termos do acordo e, eu fiz o trabalho que você queria, e o que aconteceu ou deixou de acontecer entre nós em uma noite em Sidney ficou irrelevante. Não importava. Não era como se estivéssemos destinados a nos encontrar. Se você não tivesse precisado de uma noiva de mentira hoje à noite, nunca teria sabido. — Ah, entendi. Então é minha culpa você ter mentido para mim durante todo esse tempo. — Eu nunca menti. — Você mentiu por omissão. Sabia quem eu era, sabia o que quase aconteceu entre nós e falhou em me contar que eu a conhecia. Você entrou aqui e rezou para que eu não a reconhecesse e quase escapou imune. — Eu não pedi para vir esta noite! — Não. E agora sei o motivo. Porque você sabia que sua fraude daria errado. Toda aquela conversa sobre não enganar as pessoas, e você alegremente esteve me enganando durante dois anos. — Eu faço meu trabalho e faço bem! — Ninguém disse que não fazia. A questão é que você devia ter me contado. — E você teria me contratado se eu contasse? — Quem sabe? Talvez se tivesse feito, poderíamos estar fazendo um sexo maravilhoso agora, em vez de ficar discutindo. Injusto, ela pensou enquanto inspirava, achando o ar irritantemente carregado com o perfume da testosterona dele. Era tão injusto trazer o sexo ao assunto agora, lembrar a ela 31


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de como poderia ter sido, quando ela estava bem ali na suíte dele e prestes a perder sua principal fonte de renda porque negligenciara contar a ele sobre a noite em que nada acontecera. — Deixe-me dizer uma coisa, Evelyn Carmichael — ele falou, enquanto trilhava os dedos de forma lenta pelo rosto dela. — Deixe-me compartilhar algo que poderia ter compartilhado com você, se é que já se importou em não me dizer a verdade. Há três anos eu estava a bordo de um vôo para Santiago. Eu tinha um relatório de cinqüenta páginas para ler e resenhar, e uma estratégia para fechar um negócio para desenvolver. E por que eu não conseguia me concentrar? Porque minha cabeça estava repleta de pensamentos com uma assistente pessoal loira, de pernas longas e com os olhos azuis mais sensuais que já vi, e pensando em como estaríamos nos dando bem se eu não tivesse de deixar Sidney. — Oh. — Nunca havia ocorrido a ela que Leo pudesse ter lamentado sua partida repentina. Nunca havia ocorrido a ela que não tinha sido a única incapaz de dormir naquela noite, a única que se lembrava. — Eu me senti traído — ele disse os dedos acariciando o pescoço dela — porque precisei ir embora antes de termos a chance de... Conhecermos-nos melhor. E agora vejo que fui traído nestes dois anos desde então. Nunca tive a chance de ter o que perdemos naquela noite porque você escolheu não me contar. Ela piscava ainda cambaleante em função do impacto das palavras dele. — Como eu poderia contar? — Como você poderia não me contar, quando com certeza sabe o quanto ficaremos bem juntos. Sabíamos disso naquele dia. Reconhecemos isso. E soubemos disso assim que eu a beijei e você quase pegou fogo nos meus braços. Você sabe o quanto foi difícil interromper aquele beijo, Evelyn? Sabe qual foi o esforço necessário para interromper aquele beijo, Evelyn? Você sabe o que foi necessário para deixá-la ir e levá-la para jantar, e não diretamente para minha cama? Ela tremeu diante das palavras dele, sabendo que eram verdadeiras, sabendo que, se ele a levasse para a cama naquela noite, ela teria ido, e teria ido de bom grado. Mas ele, á deixou confusa. Estava furioso com ela há alguns instantes, e agora, no entanto, o ar vibrava em torno deles com uma tensão diferente. — O que você quer? — O que eu sempre quis desde a primeira vez em que a vi — ele disse os olhos selvagens de desejo e promessas obscuras que faziam aqueles lugares secretos dela zunirem e doerem de desejo. — Eu quero você.

CAPÍTULO SEIS

— Isso não vai funcionar — ela avisou de um jeito fraco, as mãos buscando a parede atrás dela enquanto a boca de Leo seguia em sua direção. — Isso não pode acontecer. Ele roçou os lábios dela com os dele. 32


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— Por que não? — Você não dorme com suas assistentes. Não mistura negócios com prazer. Você mesmo disse isso. — Verdade — ele concordou, roçando sobre os lábios dela pela segunda vez, e então uma terceira, prolongando apenas uma fração de segundo além dessa vez. — Nunca misturo negócios com prazer. — Então, o que você está fazendo? — ela perguntou os sentidos zunindo. Ele deslizou as mãos para trás da cabeça de Eve, entrelaçando os dedos pelos cabelos dela enquanto erguia seus lábios. — Negócios inacabados, por outro lado — ele murmurou, os olhos sobre os lábios dela. — Esses seguem um manual completamente diferente. — Ele movimentou o olhar até seus olhos encontrarem os dela, encarando-a com uma intensidade tão fervorosa que ela se sentiu enfeitiçada. — Você quer abrir esse manual, Evelyn? Quer mergulhar nessas páginas e aproveitar uma noite de prazer, uma noite de pecado, para compensar aquela noite na qual ambos fomos traídos pelo destino? Ou você ainda quer ir embora? Ele beijou os lábios de Eve antes que ela pudesse responder, como se tentando convencê-la com sua boca quente em vez de palavras, e ela conseguia sentir a tensão salientando seus movimentos, podia dizer que ele mal controlava a paixão que fervia tão perto da superfície enquanto ele tentava ser gentil com ela. Estava lhe oferecendo uma noite de prazer inimaginável, uma noite na qual ela pensara tantas vezes desde o infeliz primeiro encontro. Ou ele estava lhe oferecendo a fuga. Ela se sentia tão tentada a ficar, com aquele homem que invadira seus sonhos e desejos, o homem que os possuíra desde o dia em que se conheceram. O homem que a fizera desejar, se entregar à luxúria e se sentir fraca pela primeira vez. Ela queria ficar e se sentir viva outra vez. Mas deveria ir. A atitude sensata seria ir embora. Ela não era mais uma pessoa livre, capaz de fazer as coisas do jeito que quisesse, quando quisesse. Eve tinha responsabilidades. Era mãe agora, com uma criança a esperando em casa. Mas era apenas uma noite. E o filho dela estava seguramente na cama, dormindo. Mas o filho dela também não fora resultado de uma aventura de uma noite? Uma decisão errada estúpida e, ela viveria com as conseqüências para sempre. Será que realmente queria correr o risco de aquilo acontecer outra vez? Será que ela poderia arcar com aquilo? E será que ela não merecia apenas uma noite? Trabalhava tanto para ter uma carreira de sucesso e para sustentar Sam. Será; que ela não merecia algumas poucas horas de prazer? A boca de Leo brincava sobre a dela, instigando-a a bailar, a língua dele era um convite pecaminoso, as mãos grandes acariciavam as laterais do corpo dela e os polegares roçavam os seios, tão perto dos mamilos ávidos que ela arfou e se sentiu forçando o encontro às mãos dele. — O que vai ser? — ele disse, recuando, a respiração entrecortada, buscando os olhos dela para obter uma resposta. — Eu abro o manual? Ou você vai embora? Porque, se você não decidir agora, eu prometo, não vamos sair daqui. 33


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— Talvez — ela arriscou a voz arfante enquanto se perguntava se, ao querer recompensar uma oportunidade perdida, estava cometendo o maior erro de sua vida — pudéssemos pelo menos ver uma página ou duas. — Deus, como eu quero você — ele disse, ecoando as únicas palavras nas quais ela era capaz de pensar enquanto tirava o casaco e ele tirava os sapatos. Ele a libertou por apenas um instante, tirou o próprio casaco e o deixou cair no chão enquanto ela agia desesperadamente nos botões e na gravata de Leo, e ele voltava á atenção para o zíper dela. Eve o sentiu deslizar por suas costas e o tecido se afrouxar, o toque elétrico das mãos dele sobre o cóccix dela. Impaciente ao toque elétrico similar da pele dele sob as mãos dela, Eve abriu os últimos botões da camisa dele, abrindo-a sem delicadeza. Leo estava em todo lugar então, o gosto dele na boca de Eve, as mãos tirando o vestido dela, deslizando as alças pelos seus ombros, deixando-as escorregarem enquanto ele tomava os seios nas mãos, o pedaço de renda não representava uma barreira contra o calor das mãos dele. E então até mesmo a roupa íntima se foi, sendo substituída pela boca quente dele, devorando-a, sorvendo e sugando a carne até ela gemer de agonia e êxtase. Era tudo que ela havia imaginado em seus sonhos nas noites solitárias ardentes e tórridas e muito mais, e ainda assim não parecia o suficiente. — Por favor — ela implorava, agarrando a cabeça dele, arfando enquanto ele segurava seus seios, os dedos longos se movimentando por dentro da calcinha dela, já úmida por causa dele, necessitando dele, quente e rijo, dentro dela. Eve precisava dele agora, antes que chegasse ao ápice com mais um toque. — Por favor! Ela olhou para ele então. O primeiro vislumbre dele descontrolado, ávido e ansiando por ela, uma bússola encontrando seu verdadeiro norte. Em outros tempos ela teria desejado acreditar naquilo. Mas agora estava esperta e não acreditava mais em tais fantasias, e muito mais esperta em relação às conseqüências. O que a fez se lembrar de... — Preservativo — ela murmurou através da névoa de desejo, mas ele já estava abrindo um pacote com os dentes, colocando-o antes voltar a beijá-la. O vestido estava embolado na cintura, as mãos dele massageando as costas dela, os dedos provocativamente perto do centro do prazer de Eve, enlouquecendo-a de desejo enquanto ele á erguia recostada na parece, ainda a beijando enquanto incitava as pernas dela a envolverem o corpo dele até poder senti-lo, espesso e rijo, latejando, tateando a entrada dela. Eve gritou algo inteligível e primitivo, perdida em um oceano de sensações, afogando-se nas profundezas. Era quase demais para suportar, e ainda, assim não estava nem perto o suficiente de saturá-la. E ela apenas sabia que, se não o tivesse dentro de si, certamente morreria de desejo. Ele não a deixou esperando. Com um gemido gutural, ele a posicionou, encontrando o corpo dela com uma investida até se hospedar bem em seu interior. Um instante no tempo. Apenas um instante, uma fração de segundo talvez, mas Eve sabia que ela sempre se lembraria de cada detalhe: o sal da pele dele e o cheiro de seu xampu, a sensação das mãos enormes pousadas sobre seus quadris e a gloriosa plenitude pulsante dentro dela. Eve gritou para exprimir seu alívio, atirando a cabeça para trás contra a parede, os músculos pesados enquanto ele estremecia em seu próprio alívio frenético. 34


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Ela não soube dizer por quanto tempo ficaram juntos daquele jeito, não conseguia dizer, estava ocupada demais tentando substituir o oxigênio consumido no fogo da união entre eles, enquanto o corpo dela zunia abandonando o ápice. Porém, lentamente os pés dela encontraram o chão, lentamente seus sentidos e sensibilidade retornaram. Rumo à ciência de que ela estava frugalmente vestida entre uma parede e um homem seminu que ela mal conhecia, mas com quem tinha acabado de fazer sexo avassalador. — Uau — ela disse, constrangida com as conseqüências enquanto ele jogava o preservativo fora e ela se lembrava da própria devassidão. E ele riu um ruído baixo e aveludado. — Evelyn Carmichael — ele disse a ela, dando-lhe um beijo suave nos lábios —, você simplesmente é uma caixinha de surpresas. Ele não sabiá da metade. Ela pegou as alças do vestido, puxando-as para se cobrir antes de começar a procurar pela roupa de baixo. — Deixe assim — ele disse as mãos em torno do pulso dela. — Não tem por que. Vai ser tirado outra vez. — Outra vez? Os olhos dele brilharam. — O manual sobre o qual eu lhe falei. É um manual longo — ele disse. — Aquele foi só o primeiro capítulo. Eve piscou para ele, o vestido embolado em frente ao corpo, e ele puxou o braço dela, deixando o vestido caindo em torno da cintura e então deslizando sobre os quadris em um sussurro de seda, para cair formando um lago no chão. E, embora eles tivessem acabado de fazer sexo, ela estava nervosa por ficar ali de p é em frente a ele, vestindo nada mais do que meias sete oitavos com arremate em renda e sandálias de salto alto. Ela não havia ficado com ninguém desde o pai de Sam. — Você parece — ele disse — uma deusa emergindo do mar. — E você parece um pirata — ela replicou, lembrando-se de que era só um jogo. — Cruel e fanfarrão. — Que esquisito — ele disse os lábios dando um meio-sorriso enquanto ele a puxava para seus braços. — Como você sabia? — Sabia o quê? — ela perguntou, sentindo um arrepio secreto enquanto ele a carregava para o outro cômodo. — A deusa do mar e o pirata fanfarrão. — Ele piscou para ela enquanto a deitava gentilmente na cama king size. — Este é o título do capítulo dois. Foi um capítulo longo e detalhado. Houve passagens nas quais Eve se flagrou em agonia, quando o pirata sorvia a deusa, provando cada centímetro dela, exceto ali, onde ela suplicou mais pela atenção detalhada da parte dele, e então houve as passagens rápidas, onde ele se regalou com o corpo dela até ela ter espasmos na cama. Do lado de fora, as luzes de Melbourne piscavam para ela, o céu surpreendentemente claro, uma lua cheia intensa sobre á nevoa do rio Yarra. Na suíte, a respiração de Eve retornava ao normal lentamente enquanto ela saboreava a sensação de ter o braço de Leo pousado de forma possessiva sobre a barriga dela e ele estava de bruços ao seu lado, os olhos fechados, os lábios levemente entreabertos, os cabelos espessos em perfeita desordem pelas mãos dela. Leo não estava 35


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dormindo, ela sabia, entanto era uma surpresa, considerando a energia que ele desprendera esta noite. Definitivamente um pirata, ela pensou. Era definitivamente uma noite mágica. Mas era tarde e noites mágicas tinham de acabar, assim como as deusas também tinham responsabilidades. Ai, nossa, ele realmente me chamou de deusa! — Tenho que ir — Eve disse com um suspiro melancólico para aquela situação desafortunada, antes de voltar a ser a sensível Evelyn Carmichael outra vez e pensar na natureza prática de não ter a água quente funcionando. — Você se importa se eu tomar um banho antes de ir? E ele piscou o braço em torno da cintura dela, se movimentando mais para cima para capturar um seio. Ele sorria enquanto estimulava um mamilo e uma sensibilidade inesperada. — Tenho uma idéia muito melhor. — Capítulo três? Ele assentiu os dedos ocupados se esforçando sobre o outro mamilo, acrescentando a boca quente à mistura, garantindo o resultado. — A deusa retorna ao mar apenas para flagrar o pirata à espreita nas profundezas, esperando para atacá-la. — Que título longo. — É um capítulo longo — ele disse, rolando para fora da cama e pegando-a nos braços. — Neste caso, já deveríamos ter começado. Uma hora depois, Eve tinha bolhas de sabão no queixo e estava sentindo os jatos quentes de água massagear todos aqueles músculos recém-descobertos que ela nem tinha percebido que iriam gostar tanto de atenção. Do quarto vinha á voz de Leo ao telefone, enquanto ele providenciava um carro. Dali a um instante ela teria de se obrigar a sair do banho e enxaguar as bolhas, mas, por enquanto, ela se demorava, os membros pesados, se sentindo lânguida, mimada e inteiramente, completamente exausta. Era fácil se sentir mimada ali, ela pensou, refletindo silenciosamente a respeito da opulência em volta, entregando-se às lembranças como parte da experiência. E, se não havia tido bolhas suficientes, Leo levara champanhe e morangos vermelhos e suculentos para acompanhar. Ele transformara o que Eve pretendia considerar um simples banho em outra fantasia erótica. Que noite! Três capítulos do manual dele, todos diferentes, cada um uma fantasia completa. Se o primeiro capítulo fora desesperado e frenético, o segundo lento a ponto da tortura, o terceiro mostrara o pirata em sua melhor forma de diversão erótica. O deslizar dos óleos no corpo, os jatos, sobre a pele nua e a diversão absoluta de descobrir o que havia sob a espuma. Ela deslizou sob a água uma última vez, deixando os cabelos se espalharem em torno da cabeça, aproveitando a enorme banheira branca antes de se sentar, a água escorrendo pelo corpo. E, o que quer que aconteça na vida dela depois daquilo, o que quer que sua vida suburbana diária apresente, ela sabia que teria aquela noite secreta de paixão para se lembrar. — O carro estará esperando em meia hora — Leo disse, retornando ao banheiro, uma toalha branca pendurada perigosamente acima dos quadris dele. E, embora ela soubesse o 36


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que havia embaixo, embora ela soubesse para onde aquela fileira de pelos escuros desde o umbigo levava de maneira tão provocativa e inexorável, ela não conseguia desviar o olhar. Ou talvez fosse exatamente por causa daquilo. — Meia hora é tempo suficiente para você tomar aquele banho que queria e se vestir? — Tempo suficiente — ela disse. Então Eve ficou de pé, segurando a mão dele para evitar escorregar quando saísse da banheira e levando metade da espuma consigo. Algo no modo como o corpo dele enrijeceu a alertou. Ela estava mais alta que ele agora, de pé sobre a banheira, e os olhos dele sorveuna. — O que foi? — ela disse, olhando para baixo para ver porções de espuma deslizando pelo seu corpo e pendendo nos seios. E ela olhou para ele para flagrá-lo balançando a cabeça, os olhos tépidos e repletos de desejo. — De repente não tenho certeza se vai ser tempo suficiente. Algo ferveu nas veias dela, enquanto, ao mesmo tempo, sua mente dizia "não". — Você não pode estar falando sério. Ele deu um sorriso pervertido enquanto esticava a mão para roçar o mamilo pecaminoso com a ponta de um dedo, enviando tremores para pele sensível dela, e ele removeu mais da espuma para revelar pedaços da pele, pedaço por agonizante pedaço. — Ainda é cedo. — Leo — ela disse, ignorando os apelos que seu corpo fazia para ficar exatamente onde estava e dando um passo para abrir as torneiras do chuveiro antes que levasse as palavras dele á sério. Uma torrente de água caiu do chuveiro e Eve foi para baixo dela, determinada a se livrar das bolhas de sabão independentemente da temperatura da água. — São três horas da madrugada. Eu vou para casa. Ele tirou a toalha dos quadris e abriu o próprio chuveiro. — Temos a noite toda. — Não. Eu preciso ir. — Ela virou o rosto para não ver o desejo pulsante dele e o enfiou sob o jato de água, se deleitando com o banho. Estava mais frio do que ela normalmente preferia, mas a ajudava a limpar a mente e a esfriar o corpo. E definitivamente ela precisava esfriar os ânimos. — Além disso, você tem um acordo importante para fechar. — Então talvez eu possa ligar para você, buscá-la mais tarde...? O coração dela falhou e ela pausou o sabonete na mão, sentindo apenas o peso da água em cascata, a batida de seu coração e o alvoroçar por dentro. Sem se virar, ela disse: — Pensei que você estivesse planejando ir embora para Londres no instante em que concluísse o acordo com Culshaw. — Não acho que isso seria sábio. Ela desligou a água e saiu, pegando uma toalha enquanto deixava o chuveiro. — Ambos concordamos que seria apenas uma noite. E, como foi bom, eu acho, considerando nossa relação de trabalho, é melhor deixar desse jeito. — Apenas bom? — ele quis saber, e ela revirou os olhos. — Está certo. O sexo foi ótimo. Fabuloso. — Então, por que não deveríamos nos encontrar de novo? Não é como se eu estivesse querendo algum compromisso de longo prazo. 37


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É exatamente por isso, ela ansiava dizer. Não existe futuro nisso. Não há nada senão ótimo sexo e, por quanto mais tempo isso acontecer, maior é o risco de eu começar a acreditar que é mais do que isso, e não posso me dar ao luxo de deixar isso acontecer. Não quando havia Sam... Uma noite de pecado era uma coisa. Mas ela não podia considerar qualquer tipo de caso. Sam precisava de estabilidade, não de sua mãe embarcando em uma série de encontros de uma noite sem significado, entregando-o a quem quer que possa cuidar dele. Eve balançou a cabeça, indo em direção ao quarto, ás roupas e ao retorno à sanidade. — Não posso dormir e trabalhar com você ao mesmo tempo. — Então se torne minha amante, em vez de minha assistente pessoal. Ela piscou pega de surpresa mais uma vez pelo desenvolvimento progressivamente insano da noite, vestindo a roupa intima rapidamente, deixando a toalha escorregar ao arrumar o sutiã, necessitando da proteção do seu vestido. — Você está brincando? — Você está certa — ele disse sem nenhum indício de ironia — Quem eu poderia conseguir para substituir você? Então, por que você não; pode ser as duas coisas? — Perfeito. — Ela se enfiou no vestido, recuperou a calcinha e se sentou na beirada da cama, rolando-a pelas pernas apressadamente. — Pensei que você nunca perguntaria. E quando se cansar de mim como sua amante, pode me mandar uma daquelas bugigangas das qual você gosta de mandar para suas ex-companheiras. Eu já sei para onde mandar. Não poderia ser melhor, poderia? — Evelyn? Ela estava ocupada mexendo na bolsa, procurando por um pente para arrumar o coque, e sem conseguir encontrar um. — O quê? — Qualquer pessoa poderia pensar que você está com ciúmes. — Ciúmes? Eu? — Ela passou por ele, voltando ao banheiro. Pegou um pente dentre os apetrechos na penteadeira, passando-o pelos cabelos antes de torcer os fios e prendê-los com um pregador. — Ciúmes de quê? — Você foi incisiva sobre ter de enviar aqueles presentes às... Minhas amigas. — Suas ex-amantes, você quer dizer. — Você está com ciúmes. Ela deu de ombros. — Não. E tive minha noite com você. Por que eu deveria estar com ciúmes? — Bem, algo a está incomodando. O que é? Ela se virou em direção a ele, desejando simplesmente ir embora, sensível ao fato de que ainda poderia estar sob risco de perder o contrato caso o irritasse, mas ainda incomodada o suficiente por Leo Zamos ter chegado a ponto de perguntar: — Você realmente quer saber? — Conte-me. — Certo. — Ela começou os olhos aproveitando a última oportunidade de sorver o contorno glorioso do corpo dele, desejando gravar tudo que pudesse na memória antes de ir embora, porque depois daquela noite as lembranças seriam tudo que ela iria ter. — O que eu não entendo é você. Ele riu um som profundo e denso do qual ela descobriu gostar muito. 38


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— O que é tão difícil de entender? — Tudo. Você é confiante, bem-sucedido e ultra-rico. Tem o próprio avião, Deus do céu, e você é um amante apaixonado e claramente não tem problemas para encontrar mulheres desejando dividir a sua cama... — Ela pausou por um instante, se perguntando se havia dito o suficiente, se perguntando se, caso acrescentasse que ele era lindo de morrer e que tinha um corpo que despertava pensamentos libidinosos nas mulheres, se ela estaria dizendo mais sobre si mesma do que sobre ele. Ele sorriu. — É isso? Não estou realmente certo sobre qual é o seu problema. — Não, não é isso. Você sabe que tem mais. As pessoas são atraídas por você, Leo, você sabe. E é exatamente isso, com tudo que tem correndo até você, não entendo como pode ser quando você sente necessidade de fingir ter uma família feliz, precisando pagar alguém para fingir ser sua noiva. — Você teria feito de graça? — Ele deu um sorriso torto. — Vou me lembrar disso da próxima vez. — Não! — ela disse, sabendo que estava fazendo uma confusão, sabendo que ele ria dela. — Esse não é o ponto. Eu só não entendo por que você está em uma situação na qual precisa fingir. Como um homem com tanto apelo às mulheres não arranjou uma esposa ou uma noiva, ou até mesmo uma namorada séria? Como é possível? — Talvez — ele disse, se aproximando, tocando a testa dela, descendo pelo rosto — seja porque não faltem mulheres para compartilhar a cama comigo. Como é mesmo o ditado? Por que comprar um livro quando você pode se associar à biblioteca? — Bem, o empréstimo deste livro em especial acabou de expirar. Boa noite, Leo. — Evelyn. Ela parou de repente, colocou a mão no vão da porta, oscilando e, sem se virar, disse: — Sim? — Tem algo que eu digo a todas as mulheres com quem passo o tempo. Algo que pensei que você tivesse entendido; no entanto, dadas as suas perguntas, talvez você precise ouvir também. Ela olhou por sobre o ombro, curiosa sobre o que ele dizia às suas "mulheres", o que ele pensava que ela precisava escutar. — Sim? — Eu gosto de mulheres. Eu gosto de sexo. Mas há começos e fins. Porque eu não sou do tipo que constitui família. Não vai acontecer. Desta vez, ela deu um passo em direção a ele, chocada com sua completa arrogância. — Você acha que eu estava em algum tipo de caça para descobrir quais eram as minhas chances de me tornar a senhora Leo Zamos? — Era você quem estava fazendo perguntas. — E eu também disse que não quero vê-lo outra vez. Que parte de "eu não quero vêlo outra vez" se iguala a, por favor, case-se comigo exatamente? — Eu só estava dizendo que... — E eu estou dizendo que você não precisava ter se incomodado. Eu não estou no mercado para encontrar um marido como costuma acontecer, mas, mesmo que estivesse 39


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certamente preferiria alguém que não declarasse tão abertamente gostar de mulheres e de sexo! — Ela virou e atravessou o quarto a passos largos, pegando a bolsa, dando uma última olhada no cômodo, em busca de algo que pudesse ter esquecido. — Evelyn! Mas ela não parou até chegar à sala de estar, virando-se e fazendo mais um comentário antes de sair: — Vou entender se você não quiser me manter como sua assistente pessoal. — Não seja ridícula. É claro que eu quero continuar com você. Ela assentiu, aliviada, percebendo de repente o quão perigosamente perto ela estivera de estragar as coisas. — Está certo. Boa sorte com o acordo amanhã. Acho que vou ter notícias suas no devido tempo. — Ela lhe ofereceu a mão, de volta à eficiência e ao vigor profissional, mesmo que estivesse negociando com um homem vestindo nada além de uma toalha. — Obrigada pela noite agradável, Sr. Zamos. Eu saio sozinha, considerando as circunstâncias. Ele arqueou uma sobrancelha diante da formalidade, porém segurou a mão dela, apertando gentilmente. — O prazer foi meu, Evelyn. Totalmente meu. Instantes depois, ela afundava a cabeça contra o encosto do banco de couro e suspirava enquanto a limusine deixava o hotel vagarosamente. Era melhor terminar daquele jeito, ela pensou; na melhor eles terem discutido do que terem concordado em se encontrar de novo. Era melhor ter terminado agora, quando qualquer outra coisa teria meramente protelado o inevitável. Mas agora eles estavam clamando pela noite roubada, á noite na qual haviam sido traídos pelas circunstâncias conspiratórias anos atrás e fora uma noite fantásticos e ela dera um jeito de sobreviver com algum grau de orgulho e seu trabalho intacto. Mas era por bem ter terminado num tom áspero. Agora ambos poderiam esquecer aquilo.

CAPÍTULO SETE

Eve lutava com a chave da porta da frente, seu bebê ficando mais pesado a cada minuto. Aquilo ou a noite de prazeres pecaminosos e pouco habituais a havia extenuado, mas a criança cochilando em seu ombro parecia ter dobrado de tamanho e de peso durante a noite. Mal havia entrado quando o telefone começou a tocar e ela atendeu muito mais para silenciá-lo do que por desejo de falar com quem quer que esteja ligando. E teve menos vontade ainda de falar quando descobriu quem era. — Evelyn, é o Leo. O som da voz dele enviou ondas de prazer através dela, desencadeando lembranças 40


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recentes demais para que cada detalhe sensual fosse esquecido. Ela respirou; fundo, mas Leo era a última pessoa que ela esperava que ligasse, e não havia nada em que pudesse pensar para lhe dizer. Eles não tinham dito tudo que precisava ser dito na noite anterior? — Evelyn? Eve apertou os olhos, tentando ignorar os arroubos de lembrança piscando em sua mente, o estrondo das palavras murmuradas por ele contra a coxa dela, o roçar da penugem da barba contra a pele, a língua habilidosa... — Eu... Eu não esperava ter notícias suas. — Eu não esperava ligar para você. Olhe Evelyn, houve um desenrolar da história. Culshaw quer transferir as discussões sobre o contrato para outro lugar onde o clima agrade mais a Maureen. Ele sugeriu que nos reuníssemos novamente em sua ilha em North Queensland. Sentindo os ombros pesados, ela lutava para descobrir o que Leo realmente queria. — Então você precisa que eu faça algumas reservas? Ou preciso rever sua agenda? — Nem um nem outro. — Uma pausa. — Preciso que você vá comigo. Sam se agitou sobre o ombro dela, a cabeça se refestelando de um lado para o outro, e ela lhe beijou a cabeça para acalmá-lo. — Leo, você sabe que isso não é possível. — Por que não é possível? — Você disse que seu acordo era de apenas uma noite, e eu já disse que não o encontraria outra vez. — Mas aquilo foi antes de Culshaw vir com essa idéia. — Que pena. Eu fiz o que acordamos. — E, então, pensando que ele entenderia melhor se usasse a linguagem dos negócios: — Eu cumpri os termos do contrato, Leo, e com consideráveis acréscimos. — Então fazemos um acordo novo. Quanto desta vez, Evelyn? — ele perguntou, soando nervoso agora. — Eu lhe disse antes, não tem a ver com dinheiro. — Cinqüenta mil. — Não. Eu disse a você, eles são pessoas boas. Eu não quero mais mentir para eles. — Cem mil. Ela olhou para o teto, xingando baixinho, tentando não pensar em como uma soma daquelas significaria para o cronograma de seus planos de reforma. Poderia contratar um arquiteto decente, fazer orçamentos, talvez paisagismo, de modo que Sam tivesse uma boa área para brincar lá fora. Mas era impossível. — Não! — Então você não vai comigo? — Absolutamente não. — Então o que devo dizer a Culshaw? — A mentira é sua, Leo. Diga o que quiser. Diga que são problemas de família, que estou doente, diga que nunca fui e nunca serei sua noiva. O problema é seu. — Em seu ombro, seu filho ficava cada vez mais inquieto, captando a vibração no ar, remexendo a cabeça contra o ombro, começando a choramingar. — O que foi isso? — Leo quis saber. 41


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— Eu, prestes a desligar. Já terminamos aqui? É que simplesmente não é um momento conveniente para ligar. — Por favor, Deus, nós podemos terminar aqui? Ela rezava enquanto os músculos queimavam sob o peso de Sam. — Não. Eu preciso... Eu preciso de alguns documentos para levar! — Certo — ela disse, suspirando, imaginando quais documentos possivelmente poderiam ser quando tinha certeza de que já havia providenciado tudo de que ele precisava e em três vias. — Digam-me quais e vou mandar por e-mail imediatamente. — Não. Preciso do documento físico. De todos os originais. Você precisa trazê-los ao hotel assim que puder. — Eu sempre enviei todos os seus documentos por e-mail. Nunca foi problema. — Eu preciso dos documentos entregues pessoalmente esta tarde! Ela suspirou. — Certo. Vou mandar um entregador assim que puder. — Não. Definitivamente, nada de entregador. Você precisa entregá-los pessoalmente. — Por quê? — Porque preciso deles imediatamente, e são confidenciais. Não vou confiar em outra pessoa, não neste estágio crucial. Você precisa trazê-los pessoalmente. Quando ela não respondeu, ouviu: — Você disse que queria continuar trabalhando comigo. Desgraçado! Ela poderia captar uma ameaça velada, assim como poderia captar uma insinuação. Seria estúpida caso aceitasse mais do dinheiro de Leo para fingir ser sua noiva, mas agora ela não poderia arcar caso o dispensasse como cliente. — É claro. Eu mesma vou levá-los. — Ótimo. Estarei na minha suíte. — Lá não. — O quê? — Não vou levar para sua suíte. Não vou lá outra vez. Não depois... — Você acha que eu tentaria alguma coisa? Dificilmente, depois do modo como eles haviam se despedido na noite anterior. Mas ela não confiava em si mesma sobre não, ficar tentada ali naquele quarto onde eles; tinham feito tantas coisas... Como ela poderia fingir calmamente que nada havia acontecido? Como poderia não desejar que acontecesse outra vez? Ela engoliu, tentando não pensar em todos os motivos para não querer estar naquele quarto. — Eu só acho que não seria inteligente. Ela ouviu o expirar súbito dele. — Certo — ele disse. — Vamos fazer do seu jeito. Culshaw vai levar Maureen para visitar amigos, então estaríamos seguros no bar. Vou lhe pagar um café... Isto é permissível? Ela assentiu ao telefone, aliviada porque pelo menos eles estariam se encontrando em algum lugar público. Sam sossegou sobre o ombro dela. — Um café seria ótimo. Ele desligou o telefone, xingando baixinho. Então ela não iria até o quarto. Mas concordara em ir. É claro que ela poderia enviar os documentos por e-mail, mas daí ele 42


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não teria como convencê-la a ir para a ilha com ele. Conseguiria convencê-la, não tinha dúvidas disso. Uma vez que ela estivesse ali, ele teria de arranjar um modo de fazê-la subir até a suíte e convencê-la do quanto ela queria ir com ele para a ilha. Ele pensaria em alguma coisa. O telefone tocou e ele deu uma olhadela para o identificador de chamada, para se assegurar de que não era Evelyn ligando de volta dizendo que mudara de idéia sobre encontrá-lo. — Eric — ele disse, aliviado, a cabeça já trabalhando em um plano para fazer Evelyn subir até a suíte. — O que posso fazer por você? Mas o alívio morreu rapidamente quando Culshaw explicou como Maureen estava tentando agendar um dia no SPA do resort da ilha para as mulheres e queria saber se Evelyn poderia se interessar. Leo sabia que precisava dizer algo agora, caso ela se recusasse a mudar de idéia. — Olha Eric, sobre Evelyn, você pode querer avisar a Maureen. Parece que há uma chance mínima de ela não poder ir... — Eu queria poder ajudar, querida — a Srta. Willis disse, quando Evelyn passou lá para perguntar se ela se importava em tomar conta de Sam outra vez, desta vez apenas por pouco mais de uma hora —, mas meu irmão Jack acabou de ter uma crise e eu prometi ir para lá e ajudar Nancy. Ele fica terrivelmente confuso, pobre querido. Eu ia dar uma passada na sua casa e contar a você, porque posso ficar fora durante alguns dias. — Ela parou de dobrar as roupas por um instante, a testa marcada pelo tempo ficando franzida. — Eu detesto abandoná-la, ainda mais com a água quente sem funcionar e nenhum familiar para ajudá-la. Que tragédia perder seus pais ainda tão jovens e então seu avô. Eles perderam tanta coisa, como vê-la crescer e agora o Sam. — Ela balançou a cabeça. — Que pena. — Eu sei — Eve disse suavemente, sentindo uma pontada de tristeza por causa do avô e dos pais, de quem ela mal podia se lembrar. — Mas não se preocupe. Você faz muitas coisas por mim. Ficaremos bem. Vou ligar para a Emily, que mora no fim da rua. Ela está sempre buscando um dinheirinho extra. Porém, quando ela ligou, foi para ouvir que Emily já estava fazendo plantão no supermercado local. O que deixou Evelyn com apenas uma opção. Uma opção não tão ruim, ela refletia enquanto virava para pegar a auto-estrada e rumava à sua pequena tarefa profissional na cidade, se perguntando por que aquilo não havia lhe ocorrido mais cedo. Ela não tinha desejado contar a Leo sobre seu filho pensando que não era da conta dele e que aquilo poderia prejudicar a opinião dele a respeito dela como alguém capaz de lidar com sua carga de trabalho, mas não confiava que ele não tentaria fazê-la mudar de idéia por bem ou por mal. E daí também havia o problema de não, confiar-nos próprios desejos rebeldes. Veja onde ela foi parar na noite anterior: exatamente na cama de Leo Zamos. Isso sem mencionar a banheira de hidromassagem... Ah, não, de jeito nenhum ela iria confiar em si mesma na presença dele. E, se havia um jeito certeiro de assegurar que o desempenho da noite anterior não se repetiria era levando o filho dela junto. Leo não constituía família e claramente não desejava uma. Ele havia deixado aquilo totalmente claro, e ela era grata por ele tê-lo feito. 43


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E com apenas uma olhadela em Sam ele se esqueceria de toda a história de querer fingir o noivado com ela. Uma olhada em Sam e ele nunca mais iriam querer vê-la outra vez. O que era bem adequado para ela. Era infalível! Quarenta minutos depois o porteiro a ajudava a descarregar ô carrinho e um Sam dorminhoco, acordou assustado ao sair do carro. Ela o acalmou, vendo suas pálpebras se fecharem outra vez, ainda sonolento por causa do trajeto, baixando o encosto e lhe dando seu urso favorito para que ele se sentisse seguro e dormisse o maior tempo possível. Logo ele estaria exigindo sair para explorar seu novo mundo; ela só rezava para que durasse até tirá-lo do hotel. Não que a reunião fosse durar mais do que dez minutos, quando ela precisava apenas entregar documentos. Provavelmente menos, ela pensou com um sorriso, duvidando de que Leo fosse permanecer tempo suficiente para tomar sequer um café, quando visse o que mais ela havia trazido consigo. Ela mal podia esperar para ver a cara dele. Leo ficou esperando pela ligação, tudo enquanto bolava uma estratégia que a fizesse subir para o quarto. Finalmente montou o plano perfeito, tão simples que não poderia falhar. Ele ficaria calmo, aceitaria os documentos trazidos por ela sem mencionar a viagem e sem tentar fazê-la mudar de idéia, e iria levá-la até o carro, lembrando-se, assim que chegassem aos elevadores, de que havia algo que queria entregar a ela: levaria apenas um instante para buscar lá na suíte... Chegou ao segundo andar dando um pulinho. Ah, ele amava quando surgia um plano. Ele buscava por ela no saguão, ignorando os grupos e casais, procurando por uma mulher solteira sentada sozinha nervosamente. Será que ela já havia sido capaz de se esquecer da última noite de amor deles? Ele duvidava. Mesmo que a noite tivesse terminado de forma amarga, aquelas lembranças o tinham mantido acordado durante a metade da noite. E então ele a viu, sentada de costas para ele em um canto, o cabelo preso para o alto, deixando à pele macia do pescoço a mostra. Só a visão daquele pedaço nu de pele enviava uma pontada de pura luxúria pelo corpo dele, uma explosão inebriante de lembranças do corpo nu dela espalhado pelos lençóis, de modo que ficava complicado pensar sentindo o sangue pulsante nas veias, sem contar o desejo de arrastá-la para o quarto e provar por que ela precisava viajar com ele, até implorar para não deixá-la para trás. Ela virou a cabeça para o lado então, os lábios se movendo como se ela estivesse conversando com alguém. Mas não havia ninguém ali, nada exceto uma forma escura na alcova atrás do sofá, uma forma escura que o fazia se perguntar se havia encontrado a mulher errada, conforme chegava mais perto. Porque aquilo não fazia sentido... Eve olhou em volta exatamente no instante em que o cérebro dele finalmente compreendeu o que seus olhos estavam dizendo, no exato instante em que uma onda gelada de choque o abateu, afastando os planos bem elaborados e transformando-os num emaranhado destruído aos pés dele. — Olá, Leo — ela disse, fechando o livro de figuras que tinha nas mãos. — Eu trouxe aqueles documentos que você pediu. Você trouxe muito mais do que documentos! A sombra escura que ele vira era um 44


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carrinho com um bebê, um filho, esperando no caninho em frente a ele e encarando Leo de olhos arregalados e boquiaberto como se ele fosse algum tipo de monstro. Não importava se a criança provavelmente estivesse certa. Ele olhou de volta para Evelyn. — O que diabo é isto? — Leo, conheça meu filho, Sam. — Ela se voltou para o carrinho. — Sam, este é o Sr. Zamos. Se você for muito bonzinho, ele pode até deixar você chamá-lo de Leo. — Não! — Sam se encolheu no carrinho e contorceu o corpo, claramente indiferente, enquanto escondia o rosto sob o ursinho e começava a choramingar. — Desculpe — ela disse, esticando uma das mãos para esfregar as costas do bebê. — Ele acabou de acordar. Não se preocupe com o café. Provavelmente é melhor eu o levar para dar uma volta. — Ela pegou um envelope na mesa e ficou de pé, entregando-o a Leo. — Aqui estão todos os documentos que você pediu, e eu marquei onde você precisa assinar. Avise se precisar de mais alguma coisa. Eu prometi a Sam uma caminhada às margens do rio enquanto estivermos aqui, mas estarei em casa dentro de poucas horas. Ele não conseguia dizer nada. Mal conseguiu mover a mão o suficiente para aceitar o envelope que ela oferecia. Tudo em que ele conseguia pensar era que Eve tinha um filho e não contara a ele. O que mais ela não havia lhe contado? — Você disse que não havia um Sr. Carmichael. — Não há. — Então, de quem é o menino? — O nome dele é Sam, Leo. — E o nome do pai dele? — Não é da sua conta. — E foi isso que você disse a ele quando ele perguntou onde você passou a noite? Ela balançou a cabeça, os olhos com tristeza aparente. — O pai do Sam não aparece nesta história. Os olhos dele percorriam mãe e filho, percebendo pela primeira vez os olhos e cabelos castanhos da criança, a pele morena, e chegou a se perguntar se ela estava blefando e havia pegado o bebê emprestado de alguém para servir como uma espécie de escudo humano. Ele teria chamado a atenção dela para aquilo, mas notou a angulação da boca enorme do bebê e os olhos escuros com cem por cento dos traços de Evelyn, e aquilo não o deixou mais feliz. Porque alguém havia dormido com ela. — Você devia ter me contado. — Por quê? — Droga, Evelyn! Você sabe por quê! — Porque passamos a noite juntos? — Ela sibilou. — Sinto muito se você se sente prejudicado — ela disse, e relutantemente voltou á atenção ao bebê, pegando a criança nos braços, onde ele se aconchegou, fungando contra o ombro dela enquanto ela lhe esfregava as costas. — Mas qual parte do contrato eu não li que estipulava se eu deveria ter filhos, ou mesmo quantos eu deveria ter? — Filhos? Você quer dizer que tem mais? Ela se sentiu ofendida e se virou, esfregando as costas do bebê, sussurrando palavras doces, acabando com os soluços dele, e os movimentos suaves de seus quadris fazendo a 45


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saia; balançar numa dança havaiana, sedutora. — Irônico, não é? — Ela o colocou sobre o ombro. — Aqui está você, desesperado para provar a Eric Culshaw que é algum tipo de homem de família sólida, e está morrendo de medo de uma criancinha. — Eu não estou... — Você parece apavorado! E está tomando isso como algum tipo de afronta pessoal. Mas eu não me preocuparia. Sam é um pouco velho para acreditarem que ele foi concebido na noite passada, então não há motivo para temer qualquer tipo de reivindicação de paternidade. — Você não ousaria! — Ah, não seja convencido. Uma mulher teria de ser completamente; louca para querer se acorrentar a você! — Claramente o pai de Sam pensava o mesmo de você. Ele sabia que a havia machucado. Reconheceu isso nó instante exato em que suas palavras perfuraram o resplendor belicoso dos olhos dela e os deixaram desnorteados e feridos. Ele quase se arrependeu. Quase quis tocar o rosto dela do mesmo jeito que ela tocava o filho, e aliviar sua dor. Quase. Mas aquilo iria significar que ele se importava. E ele não conseguia se importar com ninguém. Não daquele jeito. E, tão rapidamente quanto se abateu, a armadura ressurgiu e os olhos dela o fuzilaram. — Eu tenho um filho, Sr. Zamos. Isto nunca afetou a qualidade do meu trabalho at é hoje e é minha intenção que nunca afete, mas, se você não pode conviver com isso, então tudo bem, talvez seja hora de acabarmos com nosso acordo e de você encontrar alguém para cuidar de suas necessidades. A bílis, de sabor amargo e forte, subiu pela garganta dele. Eve estava certa. — Se é isto que você quer. Ela ficou ali parada, a criança grudada do ombro ao quadril, os braços envolvendo o pescoço da mãe apertadamente, a mãe tão impetuosa que lembrava um animal lutando para proteger sua ninhada, que ele vira em um daqueles documentários da televisão, quando se estava zapeando pelos canais durante os longos vôos. A comparação o surpreendeu. Era assim que as mães deveriam ser? — Neste caso — ela disse —, vou queimar todos os CDs contendo seu material e deletar do meu computador. Enviarei para você aos cuidados do hotel. Poderá informar a eles um endereço para despacho. Ele apertava as mãos ao lado do corpo, enterrando as unhas nas palmas. — Ótimo. — Adeus, Sr. Zamos. — Ela esticou a mão. — Espero que você encontre o que quer que esteja procurando. — As palavras dela o inundaram, sem fazer sentido algum, enquanto ele olhava para a mão dela. A última vez em que ele a tocaria. A última vez em que eles iriam se encontrar dessa forma, pele com pele. Como as coisas tinham dado tão errado? Talvez fosse melhor deixá-la ir, ele pensou, enquanto ainda conseguia deixar. 46


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Mas ainda doía para diabo! Incapaz de se conter, incapaz de deixá-la ir ainda, ele capturou o pulso dela com a outra mão, erguendo-o até sua boca para um beijo final. — Adeus, Evelyn — ele disse a voz turva, provando-a nos lábios, sabendo que ele nunca sé esqueceria o sabor dela ou da única noite de paixão que eles compartilharam em Melbourne. — Leo! Evelyn! — veio uma voz de perto do bar. — Aí estão vocês!

CAPÍTULO OITO

Eve engasgou, dando um arranco para libertar a mão, o instinto "bater-ou-correr" dizendo a ela para fugir enquanto pudesse, mas Leo não estava na iminência de soltá-la, o aperto se intensificando até ela sentir a mão envolta em aço. — Isto é sua culpa. — Ele se inclinou e sussurrou ao ouvido dela, enquanto Eric Culshaw saltava em direção a eles, sorrindo de orelha a orelha. — Lembre-se disso. — E então ele se aprumou e até mesmo deu um jeito de sorrir, embora seus olhos estivessem qualquer coisa, menos relaxados. Quase conseguia ouvir o cérebro girando detrás deles. — Eric — Leo disse, a voz aveludada era todo charme à superfície, carregada de tensão no íntimo. — Que surpresa. Pensei que você tinha saído com Maureen. Ele grunhiu. — Ela viu um artigo numa revista feminina, você sabe sobre qual assunto, e ficou com dor de cabeça. — Ele meneou a cabeça. — Maldito caso sórdido. Você acha que os repórteres conseguiriam encontrar outra coisa para se ocupar neste momento? — E então ele xingou e depois sorriu. — Vocês dois são um colírio para olhos feridos. — O olhar dele decaiu sobre a criança cochilando nos braços de Eve. — Embora talvez eu devesse considerar vocês três. Quem é o pequenino, então? Quase como se ciente de que estava sendo o assunto, Sam se ajeitou e virou a cabeça, piscando os enormes olhos escuros para examinar o estranho que chegava. — Este é Sam — Eve disse, sentindo a língua grande demais dentro da boca, enquanto buscava por coisas que pudesse contar sem macular a mentira. — Ele acabou de completar um ano e meio. Culshaw sorriu para a criança e Sam deu um sorriso cauteloso antes de enterrar a cabeça novamente no ombro da mãe, o que fez o homem mais velho rir e esticar uma das mãos para lhe acariciar os cabelos. — Garoto bonito. Achei que vocês estivessem levando as coisas sem querer revelar muito, ontem à noite. Quando iriam nos contar? Eve sentiu o chão balançar mais uma vez sob seus pés. Eric pensava que Sam, era deles! Mas é claro que ele pensaria. Eles deveriam ser um casal há mais de dois anos, e o pai de Sam era um descendente italiano. Seria fácil confundir os olhos e cabelos escuros de Sam com os de Leo. Por que eles iriam questionar? 47


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Mas ela não podia deixá-los pensar nisso. Já não havia mentiras suficientes entre eles? — Na verdade — ela começou —, Sam... Os esforços dela renderam um olhar fulgurante de Leo. — Eve não gosta de revelar muita coisa — ele disse, sorrindo para Eric, olhando para a direção dela de novo com um olhar de desafio frio, duro. De repente Maureen estava ali também, pálida e extenuada, o humor melhorando quando ela viu Sam, mostrando interesse sobre ele como se fosse um neto, em vez de filho de alguém que ela acabara de conhecer. — Vocês não contaram que tinham um garotinho tão adorável — ela repreendeu, já envolvendo Sam em um jogo de pique - esconde antes de esticar os braços para pegá-lo. — Algumas pessoas não aprovariam — Eve disse formalmente, ignorando o olhar de advertência de Leo enquanto ela entregava Sam, então acrescentando o motivo: — Quero dizer, já que não somos casados. — Que bobagem — Eric disse, beliscando a bochecha de Sam. — Não há necessidade de apressar as coisas, não nos dias de hoje. Leo sorriu os olhos brilhando triunfantemente enquanto Maureen se acomodava em uma poltrona e sacudia Sam sentado em seus joelhos, fazendo-o rir à beca. — Então — Eric disse, seguindo o comando da esposa e puxando uma cadeira, e logo desejando o mesmo tempo de atenção de Sam —, presumo que Sam explique os "motivos familiares" pelos quais vocês não poderiam se juntar a nós na ilha? Eve se jogou numa cadeira, sentindo como se estivesse sendo sugada cada vez mais profundamente para uma teia de falsidade. Leo devia ter dito a eles que ela não poderia ir e usara uma das desculpas que ela sugerira. — Foi minha culpa, Eric — ele disse friamente. — Imaginei que um bebê não fosse muito adequado para negociações de contrato. — Ele pode interromper muito — Eve acrescentou. — Especialmente quando está fora da sua rotina. Vocês não acreditariam no quanto ele pode ser difícil. — Quem, este pequeno campeão? — Brincava de cavalinho com o bebê no colo com tanta satisfação até ser impossível descobrir quem estava gargalhando mais, Eric, ou Sam, enquanto o bebê tinha a cavalgada de sua vida. — Vocês têm que ir — ele disse, desacelerando para tomar fôlego. — Mais — Sam exigiu, saltando para cima e para baixo. — Mais! Culshaw riu e cedeu, num ritmo muito mais leve. — Vocês irão, não irão? Afinal, não é justo manter vocês dois separados, quando mal conseguem se encontrar. Vocês vão adorar, eu prometo. Uma ilha num paraíso tropical. Nosso próprio chalé bem na praia. Vamos providenciar um berço para o Sam e uma babá para dar uma folga de verdade a vocês. Imagino que você não tem muitas folgas assim, trabalhando para Leo e cuidando deste camaradinha. Como isso soa para você? Eve tentou sorrir, não muito certa se havia conseguido, quando o chão debaixo dela parecia tão instável. — Parece adorável. — E era. Alguns dias num paraíso tropical com nada mais para se fazer além de nadar, ler ou saborear drinques com guarda-chuvinhas. O chalé provavelmente tinha até mesmo água quente. Exceto pelo fato de que ela estaria dividindo 48


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o chalé com ele. — É só que... — Oh, por favor — Maureen acrescentou, colocando a mão no braço de Eve. — A noite de ontem foi á melhor que tive em meses. Eu sei que isso está exigindo demais de todos e desorganizando a agenda de todo mundo, mas neste momento significaria tanto para mim. — É claro que nós vamos — ela ouviu Leo dizer. — Não vamos, Eve? Finalmente, o chão instável que ela sentia se movendo sob seus pés nos últimos dias se abriu e a engoliu inteira. Uma aeromoça sorridente os saudou, falando de forma amorosa com Sam, enquanto Eve o carregava até o jato. Eve apenas assentiu em resposta, com um aborrecimento combinado a um sentimento a ponto de estourar. Até onde dizia respeito a ela, aquela não era uma viagem agradável, e certamente não estava feliz com o modo como fora manipulada a acompanhá-los. E então ela entrou no avião e encontrou ainda mais razões para se ressentir com o homem atrás de si. O lugar se parecia muito mais com um quarto luxurioso do que com o interior de qualquer avião que ela já vira. A cabine não era preenchida com as costumeiras fileiras e mais fileiras de assentos estreitos e bagageiros de plástico, mas tinha algumas poltronas de couro espaçosas com gabinetes de madeira adornados com bronze. A frente do local de descanso, uma porta levava ao que deveriam ser mais cômodos, e Eve flagrou uma mesa de jantar com meia dúzia de cadeiras em um canto recôndito. Tanta riqueza. Tanto para impressionar. Leo Zamos parecia ter tudo. Tudo exceto um coração. Talvez esse fosse o jeito de você se tornar um bilionário, ela refletia enquanto outra aeromoça lhe mostrava um par de assentos onde alguém já havia colocado um assento infantil para afivelar Sam como mais segurança. Tudo fazia sentido. Não era surpresa Leo Zamos ser o sucesso que era. Sendo rude nos negócios, rude na cama, tendo tudo que queria quando desejava; um coração certamente iria ser um obstáculo, caso ele tivesse um. E, enquanto Eve ficava cada vez mais tensa, a ponto de explodir, Sam, por outro lado estavam tendo o melhor dia de sua vidinha, apreciando a aventura e a atenção, os olhos escuros repletos de alegria enquanto ele batia os braços e dava gritinhos. — Acho que alguém aprovou — Leo disse do assento do outro lado, quando as aeromoças saíram para buscar bebidas. — O nome dele é Sam — ela sussurrou um ressentimento fervilhando em função do modo como ela fora colocada na armadilha para viajar no fim de semana, um fim de semana de fingimento contínuo para pessoas que não mereciam ser enganadas. A única vantagem que ela conseguia ver era que os Culshaw e os Alvarez estavam viajando juntos no jato de Culshaw, e eles iriam ficar em quartos separados, o que significava que ela não precisava fingir estar loucamente apaixonada por Leo o tempo todo. A aeromoça trouxe a bebida deles, avisou que faltavam dois minutos para a decolagem e desapareceu discretamente. Que confusão. Eve colocou uma caixinha de suco em um copo com duas alças e 49


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entregou a Sam, que esperava, juntamente com um livro de figuras, para ocupá-lo por alguns minutos. Como ela poderia agir como a esposa apaixonada de Leo agora? Havia sido tão mais fácil na noite anterior, quando havia tanta tensão sexual e calor fervente faiscando entre eles. Agora a tensão e o calor tinham mais a ver com raiva. Do outro lado, o objeto de seus pensamentos obscuros ergueu seu drinque: — Você parece estar com algum problema. — Engraçado você mencionar isto. — Você poderia ter dito "não". — Eu disse "não", lembra-se? E então você recuou e disse "sim", é claro que nós iríamos! Ele deu de ombros, como se não importasse, e, se eles estivessem em um vôo convencional, Eve teria se rendido ao desejo de socá-lo. — O que posso dizer? Maureen gosta de você. Significa muito para ela o fato de você poder ir. — Você não se importa com Maureen — ela disse, mantendo a voz baixa para não assustar Sam. — Você não se importa com ninguém. Tudo para o que você liga é você mesmo e o que deseja, e vai fazer qualquer coisa para evitar que esse acordo saia dos trilhos, mesmo que isso signifique mentir para as pessoas. — Você não sabe de nada. — Eu sei que você tomou a decisão certa ao resolver nunca se casar. Porque eu o entendo agora, e eu entendo o que o move, e você pode ter uma fortuna, um jato particular e se dar bem com as mulheres, mas tem uma pedra no lugar do coração. Os olhos escuros dele brilharam friamente, o maxilar parecia ter sido entalhado na mesma pedra dura em que seu coração era esculpido. — Obrigado pela observação. Talvez eu possa fazer uma também? Você parece muito tensa, Evelyn, eu acho que vai se beneficiar de alguns dias relaxando em uma ilha tropical. Desgraçado! Eve deu meia-volta, vendo se Sam estava acomodado, enquanto a aeromoça recolhia os copos e checava se estava tudo pronto para a decolagem. Os motores do jato estabilizavam enquanto o avião taxiava pela pista e Sam olhava para Eve maravilhado, excitado, porém buscando por segurança diante dos novos sons e sensações. Ela acariciou a cabeça dele. — Vamos de avião, Sam. Estamos saindo de férias. E Sam ria de satisfação e o avião corria pela pista e decolava. Bom para você, Sam, Eve pensou, pegando o livro do qual ela esperava ler algumas páginas enquanto a aeronave se movimentava rapidamente no céu, pelo menos um de nós vai aproveitar o fim de semana. Ela deve ter cochilado. Com os olhos turvos, encontrou o livro nitidamente largado ao seu lado, enquanto Sam estava resmungando suave, mas insistentemente, incapaz de sossegar. — Qual é o problema? — Leo perguntou, deixando de lado o laptop no qual estava trabalhando enquanto ela desatava Sam do assento e o aninhava junto ao peito. — É hora da soneca dele. Ele se acomoda melhor no meu colo. — Ela procurava pelos controles da poltrona, porém era difícil se mover com o peso de Sam sobre o peito. — Este assento reclina? 50


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— Tenho uma idéia melhor. Ainda temos algumas horas de vôo. Vocês dois ficariam mais confortáveis no quarto. Deixe-me mostrar o caminho. E a idéia de ter uma cama de verdade na qual abraçar Sam e dormir soava tão maravilhosa agora que ela não hesitou. — Pode segurar Sam por um instante? Meu cinto ainda está afivelado. Leo se transformou em uma estátua bem diante dos olhos dela, rígido e sem piscar enquanto encarava a criança inquieta. E, se ela não estava enganada, aquele olhar na expressão dele era de medo. — Segurá-lo? — Sim — ela disse as mãos sob os braços do bebê, pronta para entregá-lo. — Só por um segundo. Eu só preciso desafivelar meu cinto. — Eu... — Eu vou dar uma mãozinha a você — disse uma das aeromoças, passando por um Leo embasbacado. Ela pegou Sam das mãos de Eve e o girou, na mão de modo que ele parou de choramingar e, em vez disso, ficou piscando para ela com seus enormes olhos, escuros os lábios rechonchudos entreabertos. — Você é lindo, não é? Vai partir corações, sei disso. — E então se voltou para Eve: — Que tal se eu carregá-lo para você? Provavelmente estou mais acostumada ao movimento do avião. Eve sorriu para ela em agradecimento, pegando o ursinho de Sam enquanto Leo se lembrava de como se movimentar e guiava o caminho. — Aqui estamos — a aeromoça disse alguns instantes depois, enquanto puxava as cobertas e deitava a criança sonolenta. — Aperte este botão — ela disse, apontando para um painel ao lado da mesa — se houver qualquer outra coisa com a qual eu possa ajudála. — E, com um sorriso animado para ambos e uma última olhada prolongada para Sam, ela saiu. — Obrigada por pensar nisto — Evelyn disse, sentando-se ao lado do filho e colocando o ursinho sob o braço dele. E então, porque ela se sentiu mal em relação às coisas que dissera a ele mais cedo, e sem tirar o olhar de Sam, disse: — Sinto muito pelo que eu disse antes. Eu não tinha o direito. — Esqueça — ele disse a voz aveludada um pouco rouca. — Oficialmente, você provavelmente estava certa. Agora, há uma suíte naquela porta ali — ele continuou, e ela olhou por sobre o ombro, surpresa por ver uma porta tão bem posicionada ao lado do painel que não percebera quando olhara o quarto. — Ah, eu pensei que era o banheiro quando passei por ali. Ao lado da cozinha. — Aquela entrada dá para a outra suíte. — Uau — Eve disse, absorvendo tudo: a cama enorme, o painel em madeira escura polida e o espelho de moldura dourada e, juntando o que ela já havia visto a mesa de jantar e a entrada espaçosa. — Incrível. Uma pessoa podia simplesmente morar numa coisa destas, não poderia? — Eu moro. Ela virou a cabeça. — Quando você está viajando, quer dizer? 51


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— Você conhece minha agenda, Evelyn. Eu estou sempre viajando. Eu moro ou no avião ou em algum hotel em algum lugar. — Então, onde é a sua casa? Ele estendeu os braços. — Esta é a minha casa. Onde quer que eu esteja é a minha casa. — Mas você não pode morar num avião. Todo mundo tem um casa. Você deve ter família em algum lugar. — Ela franziu a testa, pensando na voz dele e na ausência de qualquer sotaque perceptível. Claramente ele possuía raízes mediterrâneas, mas sua voz não entregava nada. — De onde você é? Algo vago passou pelos olhos dele enquanto ele olhava o relógio de pulso. — Você obviamente está cansada e eu estou atrapalhando vocês dois. Durma bem. Ele se virou para deixá-los e deu meia-volta, colocando a mão no bolso. — Ah, é melhor você pegar isso de volta. — Ele colocou a caixinha na mesa ao lado da cama. Eve piscou olhando para ela, já sabendo o que havia dentro. — Eles estenderam o prazo do empréstimo? Ele deu um sorriso torto. — Não exatamente. Mas você pode ficar com ele depois. — Você comprou? — Fica bem em você. Combina com seus olhos. Ela olhou da caixinha para o homem, ainda acariciando as costas do filho, ciente da respiração suave enquanto ele se acomodava para um sono mais confortável. Graças a Deus Sam estava ali, ou ela poderia pensar facilmente que estava sonhando. — O que é isso? Algum tipo de suborno para que eu me comporte de maneira apropriada durante todo o fim de semana? — Precisa ser? — Não. Eu estou aqui, não estou? Então, sendo assim, dificilmente é provável que eu faça uma cena e me revele como algum tipo de fraude. Mas certamente não estou fazendo isso em seu benefício, assim como não estou fazendo por qualquer ganho financeiro. Eu só não quero deixar Maureen chateada. Ela já teve gente suficiente, fazendo isso nos últimos tempos, sem precisar de mim para aumentar este número. — Faça como quiser — ele disse a voz soando desolada e vazia. — Mas, se mudar de idéia, sinta-se à vontade para considerá-lo sua bugiganga de despedida. E, como você mesma disse, nem mesmo vai precisar enviar para si mesma. Tão eficiente. E então ele saiu, deixando apenas o ferrão de suas palavras como conseqüência. Ela tirou os sapatos e se arrastou até a cama acolhedora, deslizando o braço sob a cabeça de Sam e puxando-o para mais perto. Dormir, ela dizia a si mesma, sabendo que, depois de uma noite de excessos sexuais, seguida pela tensão do dia, o que ela realmente precisava era dormir. Mas algo lhe perturbava a consciência e se recusava a ir embora conforme as palavras dele rodopiavam num redemoinho em sua mente, mantendo-a longe do sono que ela tanto almejava, enquanto tentava ver sentido no que Leo dissera. Ela o acusara de ter um coração de pedra e quando pedira desculpas, ele dissera que ela provavelmente estava certa. Ela tremia só de pensar no quanto ele parecia triste. Perdido. 52


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Um homem com uma pedra no lugar do coração. Um homem sem lar. Um homem com tudo e, ainda assim, nada. E uma imagem surgiu na mente dela: uma gravura que vira na suíte de Leo antes do jantar da noite anterior. Ela estava procurando por distração durante algum tempo, procurando algo pelo que fingir interesse pelo menos, assim não teria de olhar para ele e seus olhos não a trairiam tão deliberadamente sobre o interesse em Leo. Só que ela não precisou fingir interesse quando a viu, uma foto da década de 1950, uma foto de um barranco e de uma fileira de árvores com um banco de parque entre elas. Algo sobre a organização ou a atmosfera daquela fotografia em preto e branco veio à lembrança dela na hora, assim como a afetavam agora. Era o idoso sentado solitário no banco do parque, curvado, contido, reservado e completamente sozinho, olhando para o rio. Um homem solitário. Um homem sem família e sem um lugar para chamar de lar. Um homem sem nada. E aquilo a afetou, então. Dali a vinte ou trinta anos aquele homem poderia muito bem ser Léo. Era só um probleminha, Leo dizia a si enquanto pensava na tarefa por vir, apenas um pequeno obstáculo para os seus planos. Apenas um fim de semana, três noites no máximo, e o acordo estaria fechado de uma vez por todas. Afinal, Culshaw sabia que, mesmo que todos exercessem o comando em seus respectivos negócios, nenhum deles poderia simplesmente largar tudo e desaparecer da face da Terra; não por muito tempo. Nem ele arriscaria ir embora. O acordo precisava ser fechado no fim de semana. Ele suspirou enquanto guardava o laptop. Havia rendido muito pouco, embora não esperasse demais, com uma criança se excedendo. Só que ele mal a havia visto e ainda assim rendera pouco. Talvez porque não conseguisse parar de pensar em Eve. O que havia naquela mulher que o incomodava tanto? Ela era tão apaixonada e selvagem na cama, como uma tigresa desejando ser libertada, desejando que ele a libertasse do cativeiro. Dois dias. Três noites. Então talvez estender o tempo na presença dela não fosse á preferência de Leo, mas ele poderia sobreviver durante aquele tempo todo com Evelyn, certamente. Afinal, ele havia tido amantes que duraram um mês ou dois, até que ele perdesse o interesse ou mudasse de cidade. O que poderia acontecer de realmente sério em apenas um fim de semana? Esperançosamente, mais sexo ótimo. Um sono perfeito faria maravilhas para melhorar o humor dela, e um pôr do sol de uma ilha tropical logo a faria se sentir romântica e a colocaria de volta em seus braços. Nada mais certo. E em poucos dias ele teria o acordo fechado, e Evelyn e seu filho estariam seguros em casa. Fácil. — Sr. Zamos — a aeromoça disse, enchendo o copo d'água dele —, o comandante pediu para avisar que pousaremos dentro de meia hora. Gostaria de avisar a Srta. 53


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Carmichael? Ele olhou para o relógio e esfregou a testa, calculando quanto tempo Eve dormira. Se sua teoria estivesse certa, o humor dela já deveria ter melhorado bastante. — Obrigado — ele disse —, mas eu mesmo vou avisar. Não houve resposta à batida suave à porta, então ele girou a maçaneta, abrindo a porta num estalido. — Evelyn? A luz iluminava o quarto obliquamente e, conforme os olhos dele se ajustavam, conseguia vê-la na cama, os cabelos cor de caramelo sobre o travesseiro, o rosto virado para o outro lado, o braço descansando protetoramente sobre a barriga da criança. Mãe e filho. E ele sentiu um surto tão grande de sentimentos, um emaranhado de emoções misturadas, que por um instante o som daquele encargo obscureceu tudo o mais, e não havia nada a se fazer exceto fechar os olhos e tolerar a onda de dor, desgosto e raiva que o rasgava. Quando conseguiu respirar outra vez, ele abriu os olhos para ver outro par de olhos escuros piscando para ele ali da cama. Junto à mulher adormecida, ambos se encaravam, Leo totalmente despreparado para lidar com a situação. Ao fim, foi Sam quem tomou a iniciativa. Ele pegou o ursinho e o ofereceu a Leo. — Urso. Leo olhou vagamente para a criança e Sam rolou imediatamente, levando o brinquedo consigo, então prontamente rolou de volta e ofereceu o urso para Leo outra vez. — Urso. E Leo sentiu... Ele não sabia como se sentia. Não sabia o que era esperado dele. Ainda estava cambaleando por causa da explosão de emoções que se agitavam dentro dele para saber como reagir àquilo. — Urso! — Hum, o que foi Sam? — Eve disse de forma sonolenta, e olhou em volta e viu Leo. — Oh. — Ela se sentou, correu uma das mãos pelos cabelos. — Eu dormi demais? — Vamos pousar em breve. Você não vai querer perder a vista quando chegarmos. Disseram-me que é espetacular. Era espetacular de fato, Eve descobriu depois de lavar o rosto e trocar a roupa de Sam, antes de se juntar a Leo na cabine. O mar tinha o azul mais fantástico do mundo, e ela conseguia ver à distância algumas das ilhas que formavam o arquipélago de Whitsunday. — Aquela é a ilha Hamilton — ele disse, indicando uma ilha maior conforme eles sobrevoavam a região para fazer o pouso. — É onde vamos pousar, antes de pegarmos o helicóptero para a ilha Mina. — É linda — ela disse, apontando por sobre o ombro de Sam. — Veja Sam, é para onde estamos indo passar as férias. Sam irrompeu numa cantoria e começou a bater os braços. Parecia idílico, ela pensou. Talvez alguns dias relaxando em uma ilha tropical não fosse ser um sofrimento tão grande. Ela olhou para o homem ao seu lado, sentiu o fervilhar familiar nas veias que agora associava a ele e apenas a ele, e sabia que estava se enganando. Com Leo por perto as coisas tendiam a ficar complicadas. Sempre ficavam. 54


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O que significava que ela simplesmente precisava estabelecer algumas regras básicas primeiras.

CAPÍTULO NOVE

— Eu não vou dormir com você. Eles pousaram na ilha Hamilton e foram para o helicóptero para serem transferidos para a ilha Mina sem incidentes, chegando para serem saudados por Eric no instante exato em que o sol estava mergulhando no mar numa gloriosa chama dourada. E agora, depois de um passeio pelo chalé cinco estrelas ornado por vidro e madeira, os olhos de Leo e Eve encontravam a cama king size. A única cama, distante do berço arrumado para Sam no generoso closet adjacente. Nem por isso ela ficou na iminência de mudar de idéia. — Você vai ter de achar outro lugar para dormir. — Vamos lá, Evelyn — ele disse, se sentando na cama, removendo os sapatos e tirando as meias —, você não acha que está sendo um pouco melodramática? Não é como se não tivéssemos dormido juntos antes. — Aquilo foi diferente. Ele olhou para ela por sobre o ombro, uma sobrancelha arqueada. — Foi? Ela agitou os braços inutilmente. Podia ouvir Sam rindo lá de fora enquanto Hannah, a jovem recrutada para ser babá dele, lhe dava o jantar. Pelo menos aquela parte do acordo parecia estar indo bem. — Não vou dividir a cama com você — ela disse. — E certamente não preciso dormir com você só porque estamos contando a mesma mentira. Ele ficou de pé, tirando a camisa de dentro da calça enquanto começava a desabotoar os punhos. — Não? Mesmo sabendo que somos bons juntos? Ela piscou. — O que você está fazendo? Ele deu de ombros. — Indo tomar um banho antes do jantar — ele disse com inocência suficiente, embora ela visse o brilho nos olhos dele. — Gostaria de se juntar a mim? — Não! — É apenas sexo — ele disse, terminando de abrir os últimos botões, antes de tirar a camisa. — Não é como se já não tivéssemos feito isso... Várias vezes. E eu sei, com certeza, que você gostou. Eu realmente não entendo por que está fingindo que isso é algum tipo de provação. — Era para ser só uma noite — ela disse, tentando, e falhando, não ser distraída por aquele peito largo e pela linha descendente de pelos escuros. — Um encontro de uma 55


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noite. Sem compromisso. — Então vamos transformar em quatro noites. E eu asseguro a você que não vejo nenhum compromisso. — Foi bom, claro. Mas não significa que temos de repetir a performance. — Lá vem àquela palavra de novo. — As mãos dele desceram para o cós da calça e pararam ali. — "Bom". Diga-me, se você grita daquele jeito com o "bom", o que você faz durante o "surpreendente"? Quebra os vidros das janelas? Ela sentiu o rosto corar, totalmente humilhada por ser lembrava sobre seu lado libertino, especialmente agora, quando ela estava tentando fingir que poderia viver sem um sexo como aquele. — Certo, então foi melhor do que bom. E daí? Não é como se apenas gostássemos um do outro. — E isso importa por quê...? Ela girou, reduzida a algum objeto aleatório, em vez de uma mulher com sentimentos e desejos, e foi até a janela panorâmica que dava para as palmeiras e para a baía adiante. Estava iluminada pela lua agora, que pulverizava com prata as folhas dançantes das palmeiras e deixava trilhas prateadas na água na costa, onde pequenas ondas se agitavam luminescentes, enquanto beijavam a praia. Era lindo, o ar parecia perfumado e calmo, e ela desejava conseguir aproveitar. Porém, no momento ela estava tendo problemas em superar a ciência de que passara uma noite inteira e se desnudara de corpo e alma, para um homem que tratava o sexo como algum tipo de direito nato. E, se aquilo não era ruim o suficiente, isto é, o fato de ele ter apontado sem qualquer discrição o quanto ela ficara vocalmente entusiasmada, agora ele também estava dizendo que nem mesmo gostava dela. Adorável! Ela sentiu as mãos dele pousarem em seus ombros, os longos dedos acariciando seus braços, e a respiração quente em seus cabelos. — Você é uma mulher linda, Evelyn. Você é linda, sensual e feita para um prazer indescritível. E você sabe disso. Então, por que nega a si mesma o que tão claramente deseja? Auto-preservação, ela pensava, enquanto as palavras aveludadas dele a aqueciam em lugares onde não queria ser aquecida e massageavam um ego que desejava ser apreciado e, talvez, ainda mais do que isso. — Não posso — ela disse. Não sem me perder em um lugar onde não desejo estar. Não sem arriscar me apaixonar por um homem sem coração. — Por favor, apenas acredite em mim, vou fingir ser sua noiva, vou fingir ser sua amante. Mas, por favor, n ão espere que eu durma com você. A casa grande que era como os Culshaw se referiam a ela parecia exatamente aquilo. Não era espalhafatosa, mas tinha toda uma elegância tropical espaçosa, a arquitetura como a das cabanas de Fiji, projetada para mostrar a paisagem, com muita madeira, vidro e portas de correr. Do lado de fora, em um amplo deque com vista para a baía e para as ilhas esboçadas em contraste ao céu, uma mesa havia sido posta lindamente, mas foi o céu noturno que capturou a atenção de todos. — Eu não acho que já tenha visto tantas estrelas — Eve confessou deslumbrada com o cenário enquanto eles se sentavam para comer. — É simplesmente mágico. 56


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Maureen comentou: — Quando viemos aqui pela primeira vez para passar férias, há cerca de trinta anos, chegamos, em casa em Melbourne e quisemos voltar para cá imediatamente. Temos voltado todos os anos desde então. Mas não temos vindo muito ultimamente, não desde... Eric interrompeu-a, poupando-a de continuar. — Bem, é bom ter convidados aqui outra vez, com certeza. Então, eu gostaria de propor um brinde. Aos convidados, bons amigos e bons tempos — ele disse, e todos ergueram seus copos para o brinde. — Agora — Eric disse, ao lado de Leo —, como o rapazinho de vocês está se comportando? — Ele está à vontade — Eve respondeu. — Duas de suas coisas favoritas são peixes e barcos. Ele nem se dá conta da própria sorte. — Excelente. E a babá, está do seu gosto? Ela lhe contou que pretende estudar Pedagogia no ano que vem? — Hannah parece maravilhosa, obrigada. Maureen desviou a atenção dela do outro lado, dando-lhe um, tapinha na mão. — Ah, isso me lembra de que agendei o SPA — ela começou. No entanto, Eve não ouviu o restante, não quando ouvia Eric perguntar a Leo: — Quantos anos vocês disseram que Sam tinha? Ela congelou o foco no homem ao seu lado e em como ele responderia à pergunta. E ele tropeçou na resposta, visivelmente incapaz de se lembrar da idade do próprio suposto filho. — Ah, lembre-me outra vez, Eve? — ele disse finalmente. — Sam já tem dois anos? — Eve se desculpou e sorriu, forçando uma risada. — Você está muito perdido se acha que Sam já fez aniversário. Ele está com um ano e meio agora. Como pôde esquecer? Leo bufou. — Eu nunca me lembro destas datas comemorativas. Que sorte que Evelyn se lembra — disse, e Eric concordou com ele. — Deve ser complicado para você, no entanto, Evelyn, com Leo sempre viajando — Maureen disse. Eve queria abraçar a mulher por prosseguir com a conversa, apesar de um instante depois ter desejado que ela tivesse optado por uma completa mudança de assunto. — Você tem a família por perto para ajudá-la? Ela sorriu levemente, procurando pelas estrelas por apenas um instante, se perguntando onde eles estavam em meio àquela incomensurável constelação. Seu avô costumava segurar a mão dela e levá-la para fora em noites estreladas, quando ela não conseguia parar de chorar, e dizia que seus pais estavam ali em cima, em algum lugar, brilhando, fazendo companhia à avó dela. E agora seu avô estava lá também. Ela piscou. — Tenho uma vizinha maravilhosa que me ajuda. Meus pais morreram quando eu tinha dez anos e, eu odeio admitir isto, eu não me lembro muito deles. Eu morei com meu avô depois disso. — Oh — Felicity disse. — Eles não conheceram Sam. — Não, e eu sei que eles o teriam amado. — Ela suspirou. — Ah, sinto muito por soar tão sentimental numa noite tão linda. Talvez devêssemos mudar de assunto, falar sobre 57


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algo mais alegre. — Eu sei de uma coisa — Eric disse jovialmente. — Então, quando será o grande dia, vocês dois? Eve quis gemer, até que sentiu o braço de Eric em torno de seu ombro e encontrou seu sorriso fascinante. — Assim que eu conseguir convencê-la de que não pode viver sem mim nem mais um instante. De algum modo, eles sobreviveram ao restante da noite sem maiores constrangimentos, mas ainda era um alívio retornar ao chalé. O longo dia os extenuara, com o estresse por temer constantemente serem pegos pesando sobre Eve, e, embora ela tivesse dormido no avião, mal podia esperar para se arrastar para a cama. A cama dela, porque, depois da discussão deles mais cedo, Leo se ofereceu para dormir no sofá. Hannah estava sentada nele agora, assistindo à televisão num volume baixo. Ela ficou de pé e a desligou assim que eles entraram. — Como está o Sam? — Eve perguntou, olhando para o sofá de maneira criteriosa, franzindo a testa diante do comprimento do móvel. Ou a falta dele. Como diabo Leo pensava que iria caber ali? — Sam é brilhante. Eu o deixei ficar, acordado uma hora a mais, conforme você sugeriu, e ele dormiu facilmente. Eu o verifiquei da última vez há uns cinco minutos e ele não tinha se mexido. Eu acho que nunca cuidei de um bebê tão bonzinho. Eve sorriu, aliviada. — Que sorte que você não o conheceu na semana passada, quando os dentes estavam nascendo... Teria tido uma opinião diferente. — Ela abriu a bolsa para encontrar algumas notas de dinheiro e Hannah acenou em recusa. — Não. Está tudo certo. É o meu trabalho cuidar de Sam enquanto vocês estão aqui. — Ela seguiu em direção à porta e deu um aceno animado. — Vejo vocês de manhã, então. Eve encontrou Leo saindo do quarto com um braço cheio de travesseiros e lençóis. — Boa noite — ele disse, seguindo para o sofá talvez um pouco estoicamente demais. Ela o observou jogar tudo sobre o sofá, mediu a altura e a largura dele em contraste ao comprimento e à largura do sofá, e percebeu que aquilo nunca iria funcionar. Ela deveria estar dormindo no sofá. Exceto pelo fato de que o quarto de Sam era em frente ao quarto deles e seria imprudente, senão impossível, movê-lo agora. E de repente ela estava cansada demais para se importar. Não era como se fossem estranhos, afinal. Eles tinham feito amor diversas vezes. E, mesmo que não gostassem um do outro, será que poderiam dividir os lados de uma cama enorme e ainda conseguir ter uma boa noite de sono? — Pare — ela disse, enquanto Leo tentava socar o travesseiro em um dos lados, com os pés descalços vazando pela outra extremidade. — Isso está ridículo. — Não diga. — Olhe, é uma cama grande — ela disse relutantemente, mordendo o lábio, tentando não pensar no corpo largo e em forma que estaria tomando pelo menos metade dela. — Podemos dividir. — Então, ela acrescentou: — Contanto que isso seja tudo que vamos compartilhar. De acordo? Ele se sentou, suspirando, claramente aliviado. 58


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— É uma promessa. Prometo não compartilhar nada, contanto que você não pule em cima de mim primeiro. — Ahaha. E eu pensei que você estivesse acordado. Agora eu sei que está sonhando. Vou tomar um banho... Sozinha. É melhor você estar na cama e dormindo quando eu chegar lá, ou vai diretamente para o sofá. E ele estava dormindo quando ela deslizou sob as cobertas, ou era bom em fingir. Ela grudou perto da beirada da cama, considerando ser o lugar mais seguro, embora ainda pudesse sentir o calor emanando do corpo dele, pudesse ouvir sua respiração lenta e estável, e tentava não pensar no que eles estavam fazendo um dia antes, mas achava difícil pensar em qualquer outra coisa. Do lado de fora a brisa movimentava as folhas nas árvores, fazia as frondes das palmeiras farfalharem e, caso se esforçasse para escutar, ela conseguia ouvir um leve jorrar quando as pequenas ondas atingiam a costa. Mas era tão difícil ouvir qualquer coisa, tão complicado, diante da batida vacilante de seu coração... Estava acontecendo outra vez. Ele enterrou a cabeça sob o cobertor e colocou as mãos sobre as orelhas, mas a gritaria ou o som das pancadas não parava, ou os gritos que se seguiam. Ele estava assustado sob as cobertas, choramingando, tentando não fazer muito barulho caso fosse ouvido e arrastado para fora também, já temendo o que encontraria na hora do café da manhã. Se todos sobrevivessem até o café da manhã. Ouviu a mobília sendo quebrada, um grito e algo espatifando, e as pancadas não diminuíam, os gritos e apelos da mãe ficando inaudíveis, até que, finalmente, ao fim, ele ouviu as palavras do pai de família, que ele sabia de cor, mesmo enquanto sua mãe continuava a soluçar. Ele ouvia o pai proferir as palavras sem parar, dizendo a ela que sentia muito, dizendo que a amava: "Signome! S'agapo. S'agapopoli. Signome." Sam! Eve acordou com a certeza materna de que algo estava errado, examinando o quarto e momentaneamente desorientada com as novidades que a cercavam, apenas para perceber que não era Sam que estava com problemas. Na cama da qual ela havia acabado de se levantar, Leo estava se movendo de um lado para o outro, murmurando com a voz rouca contra o colchão, uma linguagem oca que não fazia sentido em nenhum idioma que ela conhecia o corpo brilhando de suor sob a luz da lua. Ele gritava durante o sono, um uivo de desespero e desamparo, a angústia era clara em seus membros torturados e testa febril enquanto ele se contorcia e tremia. Eve fez a única coisa na qual conseguiu pensar, a única coisa que ela sabia que ajudava Sam quando ele tinha pesadelos. Foi até o lado de Leo na cama e se sentou delicadamente. — Está tudo bem, Leo — ela dizia, passando a mão suavemente sobre a testa dele, percebendo que queimava. Ele recuou ao toque dela, resistindo no início, então ela tentou acalmá-lo com palavras. — Está tudo bem. Está tudo bem. Você está seguro agora, Leo, você está seguro. Ele parecia em colapso sob as mãos dela, o corpo brilhando de suor, a respiração ainda pesada, porém desacelerando, e Eve suspeitou que quaisquer que fossem os demônios que haviam invadido os sonhos dele agora haviam partido. Ela se preparou para levantar então, para retornar ao seu lado da cama, mas, quando fez menção de ir embora, uma das mãos dele lhe segurou o pulso e ela percebeu que talvez ainda houvesse alguns demônios à espreita. 59


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E, exatamente do jeito como ela faria e fazia com Sam quando ele precisava de conforto, ela se colocou sob as cobertas ao lado do corpo quente de Leo, colocando o bra ço em volta dele, acalmando-o de volta ao sono com a certeza gentil de outro toque e tentando não pensar na presença exaltada desejada tão perto dela ou no palpitar do coração dele sob suas mãos. Cinco minutos deveria ser suficientes, ela imaginou até ele voltar ao sono. Cinco minutos, e ela voltaria à sua ponta do colchão. Cinco minutos seriam mais do que suficientes... Algo estava diferente. Ela acordou sob a luz suave do amanhecer, se infiltrando acinzentada pelas venezianas, e ouvindo o canto dos pássaros vindo das palmeiras lá fora. E ela acordou com a certeza de que ficara ali muito tempo, tempo demais. Dedos trilhavam por suas costas, desenhando círculos lentos na pele através da camisola fina de algodão e fazendo sua pele formigar, e os lábios quentes aninhados sobre a testa dela enquanto a mão entre eles de algum modo acariciava os mamilos dela e enviava torpedos de eletricidade ao seu núcleo de prazer. E ela estava muito, muito excitada. Também estava presa, o braço pesado dele sobre seu corpo, uma perna casualmente jogada sobre a dela. Eve tentou serpentear o corpo para sair, mas o movimento a fez entrar em contato com uma parte dele que dizia que ele também estava muito excitado. Ele gemeu demonstrando satisfação se movimentou para mais perto, e Eve tentou não pensar sobre o quanto era bom sentir aquela parte do corpo dele dentro dela. — Leo — ela disse, em conflito, a mente em pânico, o corpo em revolta, virando o rosto em direção ao dele, apenas para encontrar sua boca enquanto ele a arrastava para um lento e longo beijo, um beijo que ela não tinha poder ou intenção de interromper, embora soubesse que fazer aquilo era uma loucura total. Um prazer total. — Vejo que você mudou de idéia — ele murmurou, uma caricia aveludada contra a pele dela. — Você teve um pesadelo. — Isto — ele disse, subindo uma das mãos por trás da perna dela, agarrando seus quadris — não é um pesadelo. — Você não... — A boca dele á interrompeu outra vez, enquanto a mão lhe capturava um seio, acariciando o mamilo, arrebatando seus nervos, fazendo-a gemer de encontro à boca de Leo com o prazer delicioso da carícia, emergindo sem fôlego e tonta quanto terminou a ponto de ela quase se esquecer do que queria dizer. — Você não, se lembra? — Talvez... — ele disse, rolando Eve para debaixo de si, colocando os braços dela acima da cabeça enquanto mergulhava em seu pescoço. — Talvez agora eu prefira esquecer. Ele soltou os pulsos dela, as mãos ocupadas sobre a camisola. Ela sentiu o tecido macio sendo erguido enquanto ele acariciava o corpo acima, antes de descer outra vez, tirando sua calcinha. — Você é linda — ele gemeu, a voz como um roçar aveludado sobre a pele nua dela quanto ele lhe tirou a camisola. E, não obstante, ele estava magnífico, forte e bronzeado, a rigidez dominando e avançando sobre ela, com uma pérola do sumo reluzindo na 60


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extremidade. Encantada, incapaz de se conter, ela esticou a mão e tocou com a ponta do polegar. Ele articulou algo de imediato, os olhos escuros cintilantes, selvagens e preenchidos com o mesmo desejo ambíguo que a consumia enquanto ele pescava a carteira, pegava o que precisava e a atirava para longe com pressa para estar dentro dela. Ele tomou fôlego e se obrigou a desacelerar. — Você faz isso comigo — ele acusou gentilmente, enquanto entreabria as coxas dela e á encontrava lustrosa úmida e desejosa. — Você me deixa excitado e cheio de desejo — ele continuou os dedos circundando a pequena protuberância sensível, um toque tão delicioso que ela choramingava de prazer, convulsionando conforme as sensações cresciam além das palavras dele, estimulando o desejo dela, estimulando o desespero dela. Até que finalmente ela o sentiu alcançá-la bem ali, quente, rijo e pulsante de vida, enquanto ele enterrava sobre o corpo dela para um torturante instante de expectativa. E então jovialmente, gloriosamente, ele a adentrou em uma investida mágica enquanto ela o mantinha ali, bem em seu núcleo de prazer, recebendo-o em sua morada, lágrimas jorrando dos olhos dela perante o êxtase absoluto de tudo aquilo. Ela o acompanhou, no mesmo ritmo, arfada por arfada, enquanto eles aceleravam, os corpos suados e quentes conforme o ritmo aumentava mais rápido, mais furioso, a ascensão alta demais até aquela coisa crescendo dentro dela ficar grande demais para seu peito, seus pulmões ficarem pequenos demais. Até que, com uma investida final, um urro gutural, ele a fez desabar, desmoronar nos braços dele, caindo, girando disforme e levemente, e satisfeita além da medida. — Tão linda — ele disse, enquanto tirava os cabelos dela da testa molhada, beijandoa levemente nos olhos, no nariz e nos lábios arfantes. E você é perigoso, ela pensava enquanto ele desaparecia para o banheiro, enquanto seu cérebro retomava o funcionamento e um pânico frio e muito real tomava seu coração. Tão completamente, totalmente perigoso. Ela fechou os olhos apertadamente, tentando não pensar no fervor sob a pele, onde os dedos dele haviam lhe acariciado o ombro. Lágrimas jorraram de seus olhos e ela as limpou. Droga. O que ela estava fazendo? O que ela estava colocando em risco? — Não posso me dar ao luxo de ficar grávida de novo — ela disse quando ele retornou, dando voz ao seu maior medo. — Eu não a abandonaria. — Mas o pai de Sam... Ele se postou sobre ela, interrompendo-a com um beijo. — Eu nunca faria isso com você. — Como vou saber disso? E eu teria dois bebês de dois pais diferentes. Como eu poderia enfrentar isso? — Acredite em mim. Não vai acontecer, mas, mesmo que acontecesse, eu não iria abandoná-la como ele fez. — Mas também não iria se casar comigo. Ele buscou os olhos dela e franziu a testa, gesto que ela achava ter sido para suas palavras, até ele limpar a umidade ali com o polegar. — Pensei que ouvi você dizer que qualquer mulher seria comprovadamente louca 61


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em querer se prender a mim. — Desculpe — ela sussurrou, se lembrando da cena no bar. — Eu estava com raiva. — Eu também estava. Nunca deveria ter dito o que eu disse sobre o pai de Sam pensar o mesmo de você. Mas está certa. O casamento não é uma opção, o que significa que a melhor coisa para todo mundo é nos assegurarmos de que teremos cuidado. Certo? Ela queria que ele não agisse daquele modo. Queria que ele voltasse a ser rude e duro, porque, quando era delicado e gentil, ela quase conseguia, quase, imaginar que ele realmente se importava. Duas noites mais na cama de Leo. Por que ela estava resistindo, quando era o lugar onde queria tanto estar? Por que não tratar como a folga que realmente era? Um descanso em uma ilha tropical com um homem que sabia como agradar uma mulher. Sem laços, sem compromissos e uma promessa de não abandoná-la. Uma mulher teria de ser louca para abrir mão daquilo, ela pensou bem. Duas noites para aproveitar os prazeres da carne. Era mais do que algumas pessoas tinham a vida inteira. Iria ser o suficiente. Precisava ser o suficiente. — Está certo — ela sussurrou se rendendo ao beijo dele.

CAPÍTULO DEZ

A tagarelice de Sam os acordou, enquanto ele testava todos os sons de seu vocabulário, então ela ouviu algo bater no chão, seguido por um choro fraco. — É o Sam — ela disse desnecessariamente, localizando a camisola e agarrando sua calcinha embolada e um roupão, e seguindo para o banheiro para uma parada rápida, querendo assegurar-se que ela parecia materna em vez de uma libertina, quando saudasse o filho. Não que ele tivesse idade suficiente para perceber qualquer coisa imprópria, ela pensou, agradecendo por essa inocência. Sam estava agarrado nas barras e saltando no colchão, e a saudou com um enorme sorriso seguido por "mamamamama", o que aqueceu o coração de Eve. Amor incondicional. Não havia nada igual. Ela mudou suas fraldas no trocador antes de colocar o corpinho sinuoso no chão. — Urso! — ele gritou, agarrando o brinquedo alegremente e correndo em seus passos de bebê para fora do quarto na frente dela, parecendo um pouco perdido por um instante diante do novo cenário, antes de correr a toda velocidade e bater na cama. Os olhinhos escuros piscaram para Leo, abertamente curiosos. Ele piscou de volta, se perguntando o que deveria dizer a uma criança. Sam olhou para a mãe, que estava tirando o leite da geladeira na pequena quitinete e servindo-o numa jarra. — Está tudo bem, Sam, você se lembra do Leo? — ela disse de forma confortante enquanto colocava a jarra no micro-ondas, e Sam virava e se inclinava diretamente para as 62


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pernas da mãe, escondendo o rosto entre elas. — Desculpe. Sam está acostumado a ficar comigo na cama de manhã — ela disse. — Embora eu deva admitir que ele não esteja acostumado a encontrar outra pessoa nela. Leo gostava de saber que ela não se divertia muito em casa. Sam era a prova de que ela estivera com alguém, e aquilo não era algo que ele desejava contemplar. Não queria pensar que existiam outros. — Eu não quis dizer que você precisa sair — ela disse, colocando Sam entre os travesseiros. —Ainda está cedo. — Acho que vou sair para dar uma corrida. — Você não leva muito jeito com bebês ou criança não é? — Dá para notar? — Claramente. Você pode querer fazer algo a respeito, se quiser que as pessoas realmente acreditem que você é o pai de Sam. O fato de passar a maior parte do tempo viajando não é desculpa para não saber como lidar com o filho que se supõe ser seu. Ele deu de ombros, sabendo que tinha vacilado na noite anterior, nem mesmo se lembrando da idade do suposto filho, mas desconfortável com o rumo que aquela conversa tomava. — O que você sugere? — Talvez você devesse tentar segurá-lo de vez em quando. Ao menos apenas segurar sua mão. Criar laços com ele. — Criar laços com ele? — Ele é uma pessoa, Leo, exatamente como qualquer outra. Tente talvez redirecionar todo aquele magnetismo animal que você tem para ele em vez de para qualquer mulher que você conhece. Ele olhou para a criança. Olhou de volta para ela, não muito certo de quem o estava fazendo se sentir mais desconfortável agora. — Mas ele consegue ao menos entender o que eu digo? Ela gargalhou. — Mais do que você acha. Ele se sentou desajeitada mente à beira da cama, observando Sam, e Sam observando-o enquanto bebia seu leite, o ursinho seguramente enfiado sob o braço outra vez. E Sam bebeu avidamente o restante de seu leite e ofereceu o brinquedo. — Urso! — Não tenho certeza se consigo fazer isso. — Ele está oferecendo para você. Experimente pegar — ela sugeriu. Ele esticou a mão em direção ao urso e Sam rolou imediatamente, gargalhando loucamente, o brinquedo enfiado de forma apertada sob o corpo dele. Leo olhou para Eve. — Não entendo. — É um jogo, Leo. Esperto, e com toda segurança, Sam esticou o braço outra vez: — Urso! Desta vez Leo tentou se apoderar dele. Um bote lento, e lento demais para Sam, mas 63


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ele adorou de qualquer maneira, rindo enquanto escondia o urso. A vez seguinte foi quase um puxão, com Sam vencendo por um nariz, e ele gargalhando muito na cama, o corpo curvado sobre seu prêmio, e até mesmo Leo estava achando divertido. — Ele é rápido — Leo disse, e olhou para Evelyn, que estava sorrindo também, embora seus olhos parecessem quase tristonhos, quase como se... — Vou tomar um banho — ele disse, se levantando abruptamente, nada interessado em analisar o que aquele olhar poderia significar. Ele não constituía família. Dissera aquilo a ela. E, se os vestígios dos pesadelos da noite anterior o lembravam alguma coisa, era que ele nunca poderia formar uma família. Ele não ousava arriscar. Então ela poderia olhar para ele de qualquer jeito, que não iria fazer diferença. Porque, depois de mais duas noites, ele a deixaria ir embora para sempre. Ele não queria mais nada. E definitivamente não queria a compaixão dela. Depois do café da manhã, todos se encontraram nas docas, prontos para um dia de aventura. Uma manhã velejando, uma viagem de helicóptero por sobre a vastidão das ilhas e recifes. Hannah já havia buscado Sam e levado até a casa principal, onde havia um enorme quarto abarrotado de brinquedos e jogos, todos cercados para que ele não se metesse em encrencas caso decidisse passear. O que significava que Eve tinha algumas horas raras sem Sam, não voltadas ao trabalho, mas para aproveitar o lindo cenário temporário e a atenção exaltada de um homem tão lindo quanto temporário, ainda que muito complexo. Ela deu uma olhada para o homem ao seu lado, a camisa branca larga com os punhos enrolados, com uma barba curta lhe conferindo o encanto de um pirata, e, com um olhar, as lembranças da noite de amor voltaram num fluxo, aquecendo-a em lugares onde o sol não alcançava. Ah, não, ela também não teria problemas em aproveitar as noites com ele. — Você parece à vontade. — Pareço? — Só então ela percebeu que estivera sorrindo. — Deve ser o clima. — Bom dia! — Maureen disse, cumprimentando a ambos, elegante num conjunto de linho marrom e cinza. — Gostaram do chalé? Todos dormiram bem? Eve sorriu. — É simplesmente lindo. E amei o chalé. — Tudo está perfeito — Leo acrescentou, deslizando um braço por sobre os ombros de Eve, dando-lhe um aperto. — Não poderia estar melhor. — E Sam, está bem com a Hannah? Você não está preocupada por deixá-lo, está? Eve balançou a cabeça em negação. — Hannah é maravilhosa. Ele está se divertindo muito. — Todos a bordo! — Eric gritou, convenientemente usando um quepe de capitão sobre os cabelos grisalhos, e Leo ajudou ambas as mulheres a subirem no iate, onde Richard e Felicity já estavam esperando. Havia um clima inconfundível de férias no ar quando eles zarparam, o barco cortando as águas azuis o vento soprando nas velas oscilantes, os panoramas magníficos mudando continuamente, com novas maravilhas reveladas em todos os pontos, em todas as costas Eles pararam para nadar em uma praia, seguindo depois para um piquenique que 64


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consistia de uma enorme travessa de antepasto, frango, camarões, rolinhos primavera com molho e vinho branco gelado ou água com gás. Após o almoço, os Alvarez foram caminhar pela praia e Maureen tirou um cochilo enquanto Eric e Leo conversavam sem dúvida falando de negócios, um pouco mais afastados. E Eve sentia-se feliz por estar ali na praia de biquíni, sorvendo as maravilhas do cenário em volta, as ilhas e as montanhas, as folhagens viçosas, o mar fantástico e, acima de tudo, todo o infinito céu azul. Leo se ajoelhou detrás dela, pegou um frasco de protetor solar, espremeu um pouco na mão e começou a passar nos ombros e pescoço de Eve até ela quase ronronar de prazer. — Você parece absorta em pensamentos. — Eu só estava pensando no quanto Sam iria adorar isto. Preciso tentar trazê-lo um dia. As mãos dele pararam por um instante antes de continuar a massagem sensual. — Você não adora isso? — ela disse. — Consegue acreditar na cor desse mar? — Eu já vi essa cor antes. — Já? — Mas é claro que ele já tinha visto. Leo estivera em todos os lugares. — Onde? — Em seus olhos. — Leo... Ele olhou para o rosto erguido dela e tocou sua bochecha. — Eu não sei como vou conseguir esquecer estes olhos um dia. Então não esqueça! Ela quase disse sem pensar, surpreendendo-se com a própria reação impetuosa. Porém, ele mexeu nos ombros dela e a convidou para um beijo, um beijo agridoce e palpitante que falava de algo perdido antes mesmo de ser encontrado, e ela amaldiçoou o homem com uma pedra no lugar do coração, amaldiçoou o próprio coração tolo por se importar. — Venham, pombinhos — Eric gritou da praia. — Temos um hidroavião para pegar! Se o arquipélago de Whitsunday era espetacular visto do mar, era de tirar o fôlego visto do ar, na luz limpa da tarde. E então eles pousaram sobre a água e foram transferidos para um barco com piso de vidro para que pudessem ver o espetacular mundo colorido subaquático com sua rica vida, marinha. — Definitivamente vou voltar um dia para mostrar isto a Sam — Eve disse a Maureen assim que eles embarcaram no hidroavião para a viagem de volta à ilha Mina. — Muito obrigada pelo dia de hoje. Eu sei que vou guardar estas lembranças para sempre. E, do banco de trás, Eric cantarolou: — Espere. Nós deixamos o melhor por último! E deixaram mesmo. Eles estavam sobrevoando por uma região que ele identificou como o complexo de Hardy Reef, uma parte da rede de recifes que se estendia a mais de dois mil quilômetros pelo norte da costa de Queensland, quando ela viu algo que não se encaixava á aleatoriedade das estruturas dos corais. Ela apontou pela janela: — Aquilo se parece... É mesmo o que acho que é? — Eric riu e pediu ao piloto para sobrevoar a área para que todos pudessem ver. 65


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— Aí está. O que você acha disso? Era inacreditável e, por um instante, o cérebro de Eve se recusou a acreditar no que seus olhos estavam lhe dizendo. No meio de uma calma lagoa no meio de um recife onde tudo parecia aleatório, havia uma formação de recifes em formato de Coração, o contorno feito de corais que, vistos de cima, se pareciam com confeitos sobre um bolo, e a parte de dentro lembrava uma camada de queijo cremoso, tudo cercado por um mar azul reluzente. — Veja, Richard — Felicity disse, agarrando a mão dele enquanto sobrevoavam. — É um coração. Isso não é fantástico? — É mágico — Eve disse, olhando para baixo maravilhada diante daquele formato único. — Este lugar inteiro é simplesmente mágico. Obrigada. — Os Culshaw riram, satisfeitos com as reações de seus convidados, enquanto Leo segurava a mão de Eve e lhe dava um beijo. Ela virou para ele, surpresa diante da ternura do gesto, encontrando os olhos ligeiramente tristes dele, experimentando outra vez aquela sensação de perda por algo que ela nunca tivera de fato. — O que foi? — ela perguntou confusa. — Você é mágica — ele disse a ela, e suas palavras atingiram a espinha de Eve e a tomaram com um fulgor quente, reluzente e com um ponto de interrogação em relação à acusação anterior. Um coração de pedra? Ela se perguntava. Mas definitivamente havia algo mágico no ar. Eles jantaram ao ar livre naquela noite, um churrasco informal realizado cedo o suficiente para Sam poder se juntar a eles, que exibiu alegremente sua nova coleção de brinquedos para qualquer um que demonstrasse interesse. Por sorte, ninguém parecia se importar e, Sam estava à vontade, engolindo a atenção. Quando ele bocejou, houve um consenso geral entre os casais. Fora um dia fabuloso, porém exaustivo, e no dia seguinte havia trabalho a ser feito, um acordo finalmente seria acertado entre os homens, e uma manhã no SPA numa ilha vizinha para as mulheres. E, antes disso, uma noite de sexo explosivo. Eve sentia a tensão mudar no homem ao seu lado, o desejo mal contido borbulhando tão perto da superfície que ela simplesmente conseguia sentir o cheiro dos hormônios no ar fresco da noite. Sam estava dormindo antes mesmo de eles chegarem ao chalé. Ela o colocou no berço, saindo do quartinho dele rumo ao quarto na penumbra, iluminado apelas pela luz da lua que passava pelas janelas. Leo havia deixado as venezianas abertas. Ela gostava daquilo, ela gostava do jeito como as sombras das palmeiras dançavam na brisa; gostava do brilho prateado do quarto. — Venha para a cama — veio o convite coberto por um tom aveludado. E aquela foi á parte da qual ela gostou mais. Ela estava gritando outra vez, chorando de dor enquanto os golpes aconteciam, enquanto as palavras ruins continuavam. "Sto-mato to!", ele gritava da cama. "Pare." Mas aquilo não parava e em meio ao medo e ao desespero ele engatinhava até a porta, lágrimas correndo pelo seu rosto, com medo de se mexer, com medo de não se mexer, com medo do que encontraria caso abrisse a porta. Então ele não fazia nada, apenas se encolhia atrás da porta, cobria os ouvidos e rezava para aquilo parar. — Leo, está tudo bem. Ele se sentou na cama num tranco, ofegante, desesperado por ar, desmazelado. 66


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Colocou as mãos na cabeça e a apoiou sobre os joelhos. — Você teve um pesadelo outra vez. Deus, não era um pesadelo. Era a vida dele. Leo afastou os lençóis, saiu da cama num rompante, dando passos largos pelo quarto, circulo após círculo. Há vinte anos ele tinha escapado. Há vinte anos ele seguira o próprio caminho. Mas sempre soubera que estava ali, sempre à espreita. Esperando. Mas havia estado tão perto. De modo tão real. Ele sentiu a mão fria em suas costas. — O que foi? — Não me toque! Você não devia colocar a mão em mim! — Leo? — Preciso sair para dar uma caminhada. — Ele abriu uma gaveta, pegou uma calça de algodão e a vestiu. — São duas da madrugada. — Eve, deixe-me em paz! O ar bafejava em torno dele, quente contra a pele flamejante, água na arrebentação molhando seus pés. Havia um motivo para ele não se aproximar de ninguém. Um bom motivo. Ele estava destruído. Confuso. Fadado a ficar sozinho. Será que ela não conseguia enxergar aquilo? E ainda assim ela continuava olhando para ele daquele jeito, com aqueles malditos olhos azuis, e até mesmo o fazendo ansiar por coisas que ele nunca poderia ser. Era culpa dele. Quando havia parado de atuar? Quando tinha se esquecido de que aquele fim de semana era para fingir, e não real? Ele parou nas pedras da praia olhou para o mar rumo aos vultos das ilhas mais próximas. Mais um dia. Mais uma noite. E ele iria levá-la para casa antes que pudesse magoá-la, e não haveria mais sonhos. Era tão fácil quanto difícil.

CAPÍTULO ONZE

Ela precisava daquilo. Eve estava deitada na mesa de massagem, velas aromáticas perfumando o ar, mãos habilidosas desfazendo os nós em suas costas e pescoço. Ela só queria que alguém desfizesse os nós em sua mente, mas aquilo era impossível. Pelo menos enquanto Leo Zamos estivesse em seu âmago. Ele tinha ficado tão desesperado para sair, irrompendo do chalé naquela manhã, como se o diabo em pessoa o estivesse perseguindo. Ela o observou sair, iluminado pela lua enquanto ele passava pelas árvores em direção à praia. Observou-o e o esperou retornar. Mas no fim ela voltou para a cama e, quando acordou, ele estava sentado na varanda, tomando café. 67


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Eve não sabia o que era, apenas que algo estava terrivelmente, desesperadamente errado, e, se ele apenas se abrisse e dividisse o que lhe incomodava, talvez ela pudesse ajudar. Ela suspirou uma mistura de êxtase muscular e frustração mental, enquanto a massagista a virava, preparando-a para o tratamento facial. Totalmente mimadas depois das horas no SPA, as três mulheres aproveitaram o almoço tardio na casa-grande, no enorme terraço com vista para a piscina. Os homens ainda estavam aparentemente em reunião, embora Maureen tivesse sugerido que aquilo apenas significava que eles haviam saído num barco para uma pescaria enquanto as mulheres não estavam olhando. Não que aquilo tivesse importância. Elas foram massageadas até os ossos se derreterem, e pareciam mais do que satisfeitas por sentar e conversar sob o ar tépido e perfumado do clima tropical de North Queensland. Afinal, eles estariam indo para casa no dia seguinte. Logo a vida real iria se intrometer. Sam, mais uma vez, estava feliz em providenciar o entretenimento, caso as mulheres estivessem dispostas. Ele cambaleada dentre as três mulheres, perfeitamente à vontade com elas agora, distribuindo blocos de montar pelos quais parecia encantado, pegando-os de volta e redistribuindo como se tudo fosse parte de um grande plano, conversando alegremente o tempo todo. Eve o observava muito orgulhosa de seu rapazinho e sabendo que, quando Leo saísse de sua vida, ela pelo menos ainda teria Sam. — Eu sempre quis ter um filho — Felicity disse melancolicamente, os olhos seguindo Sam. — Na verdade, eu sempre me imaginei cercada por crianças. E, quando eu conheci Richard e o achei o cara certo, pensei que pudesse acontecer, embora estivesse ficando tarde para isso... — Então ela piscou e olhou em volta. — Acho que as coisas às vezes acontecem de um jeito diferente do que a gente espera. E as duas mulheres concordaram cada, uma envolvida em seus pensamentos e experiências. — Parecia mais fácil desistir e fingir que não era importante. Mas conhecer você e vêla com Sam me faz perceber o quanto isso significa para mim. Eu quero tentar outra vez. Pelo menos mais uma vez. — Lágrimas deixaram os olhos dela vidrados. — Você tem tanta sorte por poder dar um filho ao Leo, Evelyn. Eu realmente queria poder fazer o mesmo por Richard. — A voz dela falhou. — Droga! Sinto muito. — Ela correu para dentro de casa. Eve ficou enjoada, uma das mãos foi instintivamente até a boca. E todos os sentimentos bons, toda a afeição positiva que ela guardava na lembrança enquanto estava determinada a aproveitar o fim de semana servia para nada. Elas não significavam nada se sua mentira fazia alguém querer o que ela estava tendo. Um desejo baseado numa mentira. Ela ficou de pé para seguir Felicity e contar exatamente aquilo, quando Maureen a deteve. — Deixe-a ir. — Mas ela acha que... Maureen assentiu: — Eu sei o que ela acha. — Mas você não entende. — Ela mergulhou bruscamente na cadeira, sentindo o peso 68


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da mentira a esmagando, sentindo o coração apertado, sabendo que não poderia ir para casa sem admitir a verdade. — Eu odeio isto! Eu odeio fingir. Desculpe Maureen. — Ela balançou a cabeça, e ainda não conseguia encontrar um bom modo de dizer aquilo. — Olhe o Leo não é o pai do Sam. Ela ouviu um suspiro intenso, seguido por uma exalação igualmente intensa. Mas então, em vez da censura que esperava, ou do ultraje, sentiu a mão gentil sobre a dela. — Eu me perguntava quando vocês iam conseguir contar isso. Cautelosamente, sentindo-se mais enjoada do que nunca, Eve olhou para cima. — Você sabia? — Desde o instante em que encontrei vocês naquele bar em Melbourne. É claro, Sam poderia ter passado por filho de Leo, mas estava claro para qualquer pessoa que já foi mãe que Leo não tinha idéia de como era ser pai. E então a inaptidão dele no jantar, sem saber a data de aniversário do próprio filho, apenas reforçou aquela impressão, pelo menos para mim. — Ela deu de ombros. — No entanto, se você pensar bem nisso, a paternidade de Sam realmente importa? — Mas você não entende. Não é tão simples assim... — É claro que é simples assim — Maureen disse, interrompendo. — Eu vi você e Leo no barco e na praia ontem. Está claro para qualquer um que você o ama e que ele ama você, então por que importaria quem realmente é o pai de Sam? — ela insistiu. — Por que um detalhe bobo como esse importaria, quando você vai se casar com um homem que realmente venera o chão onde você pisa? Agora, vou ver como Felicity está. E, você, pare de se preocupar. Como Maureen podia saber tanto e ainda assim estar tão errada? Eve se sentou na areia com Sam, observando-o cavar buracos concentradamente. Todas àquelas horas de massagem, duchas e tratamento, todo aquele mimo por nada. Nem mesmo a mágica da ilha em si, o farfalhar das palmeiras e as cores vividas, nada conseguia dissipar o aperto em suas vísceras. Ela não amava Leo. Claro, estava preocupada com ele e com o que quer que fosse aquilo que lhe perturbava os sonhos e o fazia suar frio, e ela certamente tinha uma obsessão pouco saudável por ele, uma que se iniciara naquele dia fatídico há três anos, e que apenas ganhara força depois de noites de sexo arrebatador. Mas aquilo dificilmente era a mesma coisa que amor. E Leo, de jeito nenhum, a amava. Ele estava meramente exercendo um papel, manipulando sua atenção para conquistar um objetivo, certamente não por que a amava. O que Maureen testemunhava era pura luxúria. Sam balbuciou e puxou algo da areia então, sacudindo, mostrando a ela o que parecia ser algum tipo de concha, e ela desistiu de pensar nas perguntas que não tinham respostas, nos enigmas que não faziam sentido. No dia seguinte, ela sabia, iria voltar para casa e esse breve interlúdio em sua vida acabaria, e ela teria de encontrar novos clientes e construir uma nova fonte de renda. E cuidar de Sam. Era com isso que ela deveria se preocupar. — Vamos ver o que é Sam? — ela disse à criança, uma lancha captando sua atenção por apenas um instante enquanto passava pela baía, antes de segurar a mão de Sam enquanto eles pisavam na arrebentação para lavar o novo tesouro dele. 69


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— Barco! — ele falou, apontando. — É — ela disse. — Um bem grande. O sarongue estava amarrado aos quadris, pois ela havia se sentado na areia molhada, os tornozelos estavam esguios e sensuais enquanto o pé era lambido pela água, toda a atenção voltada à criança ao lado, guiando-a, encorajando-a com apenas um toque, uma palavra ou um sorriso, e Leo soube naquele instante que nunca tinha visto nada mais lindo, poderoso ou sexy. Tudo que ele sabia era que a desejava. Ele queria comemorar, sabendo que o acordo estava finalmente fechado, mas queria algo mais fundamental também. Mais básico. Mais necessário. Ele observava, enquanto mãe e filho lavavam alguma coisa na arrebentação, mas não conseguia identificar o quê, e ela deve ter sentido a presença dele porque ele não se mexeu e ela não poderia tê-lo escutado. No entanto ela virou a cabeça, olhou para cima e o viu. E ele viu seu nome nos lábios de Eve quando ela se levantou e sorriu só um esboço de sorriso, mas, depois do jeito como ele a abandonara naquela manhã, ele não merecia muito mais que isso. E algo revirou dentro dele por tê-la tratado tão mal, e ainda assim Eve conseguir encontrar um sorriso para lhe dar. Ele esperava que aquilo significasse que ela gostava dele, só um pouquinho, apenas o suficiente para ela um dia achar um jeito de perdo á-lo pelo jeito como ele, sem ter opção, á havia tratado. A correnteza não era nada. Nada mais do que uma leve ondulação para qualquer adulto, e Leo não fazia idéia de que seria diferente para uma criança, até ver o rosto de Sam bater na água, desequilibrado por causa da força da correnteza. — Sam! — ele gritou, cruzando a praia e puxando a criança, que gaguejava e choramingava, de dentro d'água. — Ele está bem? — Leo perguntou, enquanto Eve segurava o menino choroso, sentando-se na toalha, embalando-o no ombro. — Ai, meu Deus, eu tirei os olhos dele por um segundo — ela disse a voz carregada de auto-recriminação. — Desculpe, Sam — ela disse, beijando-lhe a cabeça. — Eu deveria ter previsto. — Ele vai ficar bem? — Leo perguntou, mas o choro de Sam já estava diminuindo. Ele fungava e soluçava, e captou um barco passando, sacudindo-se nos braços da mãe e esticando o bracinho. — Barco! Ela suspirou aliviada. — Ele parece estar bem. Tomou um susto. Acho que todos nós tomamos. Leo se agachou ao lado deles e todos ficaram calados durante um tempo, observando o barco passar. — Você realmente o segurou — ela disse. — Foi á primeira vez em que você realmente segurou uma criança? — Não é algo que meu trabalho exija de mim. — Bem, obrigada por agir tão rapidamente. Eu não sei o que estava fazendo. Ele sabia. Ela estava olhando para ele com aqueles malditos olhos. E ele não desejava que eles se desviassem. 70


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Sam logo ficou inquieto no colo da mãe e se sacudiu para sair, logo correndo pela areia e coletando novos tesouros, mantendo uma distância saudável da água, a mãe acompanhando todos os momentos. — Então, como foi com o acordo? — Está fechado. Ela olhou para cima, a expressão ilegível, e ele não estava totalmente certo do que procurava. — Meus parabéns. Você deve estar satisfeito. — É uma sensação boa. — Estranhamente, no entanto, não parecia tão boa como costumava ser, não parecia tão bom quanto ele esperava que fosse. Talvez por causa de todos os atrasos. — Então terminamos o que viemos fazer aqui. E aquilo não o fazia se sentir nem um pouco melhor. — Parece que sim. Culshaw está planejando um jantar de comemoração para esta noite, e amanhã iremos para casa. — Pensei que você não tivesse uma casa. Ele sentiu um nó na garganta que não deveria estar ali. Deveria se sentir bem com tudo aquilo, não deveria? Ele esfregou a nuca e a observou escrever "Mãe" na areia. — Mãe — ela disse para Sam, apontando. — Mamamamamamãe — Sam cantarolou. — Isso mesmo, sabichão, você sabe ler! — E ela lhe deu um enorme abraço, do qual ele escapou para sair correndo pela areia. — Conte-me sobre o pai do Sam — Leo disse, enquanto eles seguiam atrás do menino. Ela olhou para ele suspeitosamente, o cenho franzido. De onde ele estava tirando isso? — Por quê? — Quem era ele? Ela deu de ombros. — Só um cara que eu conheci. — Como você se meteu com um cara tão idiota? Ela parou então, os olhos se movendo repentinamente entre Leo e Sam. — Você não sabe nada sobre mim. E certamente não sabe nada sobre ele. Ele só acabou se mostrando não ser o que eu esperava. — Eu sei que ele foi um idiota por abandoná-la. Uau, ela pensou, obrigada a fechar os olhos durante um segundo, quando o tremor a atingiu. De onde ele estava tirando isso? — Obrigada — ela disse, ainda absorvendo o último comentário dele. — Mas eu é que fui idiota. — Por engravidar? Você não pode se culpar por isto. Por sempre achar que ele era como Leo. — Não. Por acreditar nele. Era um consultor de outro estado que visitava a empresa quinzenalmente. Sempre flertando. Trabalhamos até tarde numa noite, e ele me convidou para um drinque depois. — E ele tinha cabelos escuros, pele morena e olhos escuros, e eu 71


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queria fingir que... — E? Ela deu de ombros. — O resto, como dizem, é história. — Você contou a ele sobre Sam... Sobre a gravidez? — Eu contei a ele. Não estava particularmente interessada em vê-lo outra vez, mas achei que ele tinha o direito de saber. Ele não estava interessado em como aconteceu. Apenas mais interessado em sua esposa não descobrir. — Canalha! — ele disse sem pensar, surpreendendo-a com o nível de ferocidade por trás da palavra. — Não é tão ruim. Pelo menos eu tenho o Sam. E isso me motivou a começar meu próprio negócio. — Ela captou um movimento rápido na água cristalina, um cardume de peixinhos se movimentando rapidamente para lá e para cá na arrebentação. Pegou o filho no colo e se aventurou até a beirada da água, sendo cuidadosa para não perturbá-los. — Veja Sam — ela disse — peixes! E Sam arregalou os olhos, batendo os bracinhos. — "Pexe"! Ela gargalhou, perseguindo os peixes na arrebentação, invejando o entusiasmo genuíno do filho. Ela invejava suas necessidades e prazeres simples. Por que tinha de ficar tão complicado quando se era um adulto, ela se perguntava, quando o mundo não girava em torno dos dias e noites, mas das emoções que zombavam da ciência, dos fatos e do bom-senso? Desejar Leo era tão insano. Amá-lo fazia menos sentido ainda. Maureen estava errada. Precisava estar. O clima no jantar era alegre, a conversa estava fluente e divertida. Apenas Leo parecia tenso, estranhamente isolado do grupo, como se já tivesse se mudado para o local seguinte, passado para o próximo acordo. Para a mulher seguinte. — Você está bem? — ela perguntou de volta ao chalé, a mão dele segurando a dela. — Quer dar uma volta antes? Hannah havia levado Sam de volta mais cedo e há esta hora ele estaria seguro nos braços de Morfeu. Eles não precisavam se apressar para retornar, caso ele tivesse algo em mente. Ele expirou rapidamente. — Vou dormir no sofá esta noite — ele disse, quase rapidamente demais, como se as palavras estivessem esperando para ser cuspidas. — Vai ser melhor assim. E ela parou exatamente onde estava e se recusou a se mover, para que ele não tivesse escolha e virasse o rosto para ela. — Você está me dizendo que, depois de três noites com o melhor sexo da minha vida e da última noite que tivemos você vai dormir no sofá? Sem chance. Ele tentou sorrir. Falhou miseravelmente. — É melhor assim. — Quem disse? Qual é o problema, Leo? Por que você não pode me contar? — Acredite — ele bufou —, você realmente não vai querer saber. 72


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— Eu não perguntaria se não quisesse saber. O que diabo mudou esta noite? O fato de você não precisar fingir mais? — Você acha que eu tive que fingir a respeito disso? — Então não finja que não me deseja esta noite. — Ela se aproximou, passou a mão livre sobre o peito dele. — Temos apenas uma noite juntos. Somos bons juntos. Você mesmo disso isso. Por que não podemos aproveitar? Ele agarrou a mão dela e a afastou. — Você não entende? É para o seu próprio bem! — Como posso acreditar nisso se não me conta? Qual é o problema? São os pesadelos que você anda tendo? Ele rugiu como um animal ferido angustiado, um lamento que exprimia tanta dor, aflição e perda que ela sentiu um arrepio. — Deixe para lá — ele disse. — Apenas me deixe em paz. Ele virou e disparou pela areia em direção à praia, deixando-a ali, sentindo-se vazia, no meio do caminho. Talvez fosse melhor desse jeito, ela pensou, enquanto se arrastava de volta ao chalé, se obrigando a fazer uma expressão animada para Hannah, que percebeu sua tristeza, Eve notou, mas não queria se explicar para ninguém. Não quando não fazia idéia do que estava acontecendo. Ela verificou como Sam estava, ouvindo sua respiração equilibrada, agradecendo o fato de ele estar em sua vida, agradecendo pelo presente que lhe fora dado, mesmo que nascido de um erro. Ele fora o melhor erro que ela já havia cometido. E então ela se arrastou até o sofá, sabendo, pela noite anterior, que era mais provável Leo perturbá-la se tentasse se encaixar no sofá do que por causa de qualquer pesadelo que pudesse ter. Pelo menos ela sabia que ele caberia na enorme cama king size. Ela ficou deitada ali no escuro, esperando durante o que pareciam horas, até finalmente ouvir os passos dele na varanda lá fora. Abriu as pálpebras assim que a porta de correr deslizou e viu a silhueta emoldurada à porta, grande, sombria e nada perigosa, como ela sempre o enxergara, porém estranhamente triste. Ele cruzou suavemente pelo piso, hesitando quando chegou ao sofá. Ela podia ouvir seus passos, ouvir sua respiração ofegante. Venha, ela desejava, me pegue no colo e me leve para a cama do mesmo jeito que antes e faça amor comigo. E ela o ouviu suspirar, e se afastar. Ouviu a porta do banheiro sendo fechada e cerrou os olhos, se perguntando o que ele faria caso ela fosse silenciosamente para a cama antes de ele voltar; sabendo que seria em vão, porque ele iria diretamente para o sofá. Ele não precisava mais dela. Ou não a desejava mais. O que importava qual das duas opções fosse? Ambas doíam muito. Será que o orgulho ferido era tão ruim assim? Ou será que ela estivera se enganando e Maureen estava certa o tempo todo? Ela havia se apaixonado por ele. Eve ficou deitada ali na penumbra, a luz outrora prateada da lua agora era um acinzentado melancólico, ouvindo-o se deitar na cama, ouvindo-o se agitar, se revirar e suspirar, lhe desejando paz, mesmo que ele não pudesse encontrar a paz com ela. O grito o acordou e ele congelou de medo, esperando que tivesse sido imaginação. 73


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Mas então ele ouviu o berro, a voz do pai, chamando a mãe dele daqueles nomes horríveis que ele não entendia, apenas sabendo que deviam ser ruins, e se encolheu de dor, esperando pela pancada que viria ao fim do discurso. Então veio um estampido e a mãe emitiu um som oco, e ele vomitou bem ali na cama. Ele se sentou fraco e trêmulo, ao som dos gritos da mãe, o gosto amargo do vômito. — Stamata — ele chorou baixinho em meio às lágrimas, sabendo que estaria encrencado por ter sujado a cama, sabendo que a mãe ficaria brava com ele, e até mesmo desejando que ela ficasse brava com ele, assim as coisas voltariam ao normal outra vez. — Stamato to tora. Pare agora! E ele abriu a porta e correu, flagrando o pai com o punho erguido sobre a m ãe prostrada no chão. — Stamato to! — ele gritou correndo pela sala, batendo no pai, os pulsos infantis no ar, e ganhando um soco no rosto como recompensa, porém sem se render. Ele não podia parar; precisava impedi-lo de machucar sua mãe. Ele golpeou novamente, atacando o pai, mas era sua mãe quem chorava e aquilo não fazia sentido, tampouco o estampido de um corpo batendo no chão. E então um bebê chorou em algum lugar, e ele piscou de volta à consciência, tremendo e suado, e acordando de seu pesadelo. Ela estava deitada no chão, estupefata, chorando com a mão sobre a boca bem onde ele devia ter socado. E Sam estava chorando no outro quarto. E ele queria ajudar. Sabia que deveria ajudar. Deveria fazer alguma coisa. Mas as paredes se fechavam em volta, os músculos permaneciam congelados. Porque, ai, Deus, ele estava de volta ao passado. Ele estava de volta àquela cozinha pobre, seu pai gritando, sua mãe chorando e uma criança que tinha visto demais. E ele queria tapar as orelhas e bloquear tudo. Ai, Deus. O que ele tinha feito? O que ele tinha feito?

CAPÍTULO DOZE

Ela piscou para ele lentamente, testando o maxilar dolorido. — Eu preciso checar o Sam — ela disse, se perguntando por que ele estava ali como uma estátua, imaginando se aquele olhar desvairado sinalizava que ele ainda estava dormindo, ainda perdido em qualquer que fosse o pesadelo que se apoderara dele. — Eu bati em você — ele disse, finalmente, a voz um mero ruído estridente, a pele pálida por causa da luz da lua. — Você não teve a intenção — ela disse, se pondo de pé. — Você estava dormindo. Estava agitado e... — Eu machuquei você. 74


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Ele tinha machucado mesmo, mas agora ela estava mais preocupada com a dor nos olhos dele. Com a dor crua e brutal que via ali. E em confortar seu filho, cujo choro aumentava gradativamente. — Foi um acidente. Você não teve a intenção. — Eu avisei a você! — Eu preciso ver o Sam. Com licença. — Ela deu a volta na cama correndo, rumo ao closet e ao seu filho enlouquecido, o rosto marcado por lágrimas, dando a ela permissão para chorar. — Ai, Sam — ela sussurrou, beijando o rostinho rubro, tirando o cabelo úmido da testa dele e aninhando-o bem perto de si enquanto o embalava contra o corpo. — Está tudo bem, bebê — ela o acalmava, tentando acreditar naquilo. — Vai ficar tudo bem. Ela ouviu o movimento do lado de fora, coisas batendo e gavetas sendo abertas, mas não ousou olhar, não até sentir o corpo de o filho relaxar contra o seu, os choramingo pararem lentamente. Ela esperou um pouco, apenas para ter certeza, e então beijou sua testa e o deitou no berço. E ficou ali um pouco mais, olhando para seu filho, o rostinho suavemente iluminado pela luz da lua, enquanto pensava no que fazer. O que fazer, quando seu coração estava se partindo por um homem que não desejava uma família? Que não queria o seu amor? O que poderia ser feito? — O que você está fazendo? — ela perguntou quando apareceu no quarto, observando Leo guardar as roupas em uma bolsa. — Não posso fazer isso. Não posso fazer isso com você. — O quê você não pode fazer comigo? — Eu não quero machucá-la. — Leo, você estava no meio de um pesadelo. Eu fiquei perto demais. Você não sabia que eu estava ali. Ele abriu outra gaveta e pegou o que havia dentro. — Não. Eu me conheço. Eu sei o que sou. Arrume suas coisas, estamos indo embora. — Não. Eu não vou a lugar algum. Não antes de você me contar o que está acontecendo. — Não posso fazer isso — ele disse num estado desvairado — com você e com Sam. Ela se sentou na cama e colocou uma das mãos sobre a testa, chocada, enquanto ele abria outra gaveta e tirava mais roupas. — Isso não está fazendo sentido. — Faz total sentido! — Não! Não faz sentido nenhum! Por que você está fazendo isso? Por causa de um pesadelo, porque deu um golpe acidentalmente e me acertou? Ele caminhou rigidamente até a cama, o peito oprimido. — Você não entende Evelyn, ou Eve, ou quem quer que você seja, se eu posso fazer isso com você dormindo, o quanto mais eu posso machucá-la quando estiver acordado? E, apesar da frieza nas palavras dele, Eve ficou de pé e o encarou, porque ela o conhecia bem o suficiente àquela altura para saber que ele estava errado. — Você não bateria em mim. 75


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— Você não sabe disso! — ele berrou. — Ninguém tem como saber disso — falou, dando a ela outra vez mais uma pista sobre a angústia que o atacava. E Eve sabia do que precisava dizer; sabia o que precisava fazer; sabia que precisava ser corajosa. Ela se aproximou lentamente, parando antes de chegar a ele, mas querendo estar perto o suficiente para segurar sua mão e levá-la ao próprio peito de modo que ele pudesse sentir o coração dela lhe passando a mesma mensagem. — Eu sei disso porque tenho estado com você, Leo. Passei noites cheias de paixão na sua cama. Passei dias nos quais você me fez sentir mais viva do que jamais me senti. E eu vi o jeito como você tirou meu filho do mar quando o viu cair na arrebentação antes de mim. Eu sei que você nunca o machucaria. Você não vê? Eu sei Leo, por que... — Ela inspirou, rezando para ter forças para poder confessar sua insensatez. — Droga, eu sei disso porque o amo. Ele olhou para ela, os olhos desolados preenchidos por algum tipo de terror antes de fechá-los, e ela se perguntava que tipo de sofrimento veria quando ele os abrisse novamente. — Não diga isso. Você não deveria dizer isso. Ela já havia admitido o pior, já havia colocado as cartas na mesa. Não havia nada mais a fazer senão lutar por aquele amor frágil e novo, defendê-lo, e defender o direito de vivê-lo. — Por que não posso dizer isso se é a verdade? E eu sei que é inútil e em vão, mas está aqui. Eu amo você, Leo. Acostume-se com isso. — Não! Dizer "eu amo você" não deixa tudo bem. Dizer isso não justifica a surra dada em alguém... Mas ele não havia... E de repente uma onda de medo a invadiu juntamente com a percepção de que ele não estava falando do que havia acabado de acontecer no quarto. E, o que quer que ele tenha testemunhado, era violento, brutal e o assustava profundamente. — O que aconteceu para você acreditar ser capaz de coisas desse tipo? A que tipo de horror você foi submetido, que não ô deixa descansar à noite? — Os pesadelos são um aviso — ele disse. — Um aviso para não deixar isso acontecer, e eu não vou deixar. Não se isso significar machucar você e Sam. — Mas, Leo... — Arrume suas coisas — ele disse simplesmente, soando frustrado. — Vou levá-la para casa. Melbourne estava fazendo o que sabia de melhor, ela pensou enquanto eles pousavam, oferecendo um pouco de tudo: a pista ainda molhada por causa da última chuva, um pouco de vento para mover os moinhos e animar mais a chegada, e o sol espiando detrás de uma nuvem de contornos dourados. Mas era tão bom estar em casa. Ele insistiu em levá-la, ou melhor, em pedir ao motorista para levá-los, e ela se perguntava por que ele se incomodara em ir junto se iria ficar tão abatido e malhumorado, a menos que fosse para ele ter certeza de que ela iria embora. E então lá estavam eles. Na casa que ela até agora tinha carinhosamente apelidado de choupana, e a qual nunca mais chamaria assim, porque era um lar, um lar de verdade, e era dela e de Sam, cheio de amor, e tinha orgulho disso. 76


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— Deixe-me ajudar — Leo disse, e ela queria dizer a ele que não tinha necessidade, que o motorista ajudaria e que ela poderia dar um jeito, mas havia bolsas e bolsas, uma cadeirinha de carro e um Sam adormecido para carregar, e seria rude recusar, então ela o deixou ajudar. Exceto pela dúvida sobre o que ela deveria fazer com um bilionário em sua casa. O que ele iria pensar da sua casa minúscula e de sua mobília eclética depois de passar por um hotel alinhado e por um jato particular? — Obrigada — ela disse o coração pesado, sem querer dizer "adeus", mas também sem desejar atrasar o inevitável, já que ele claramente procurava pela saída. — Por tudo. — Não iria funcionar — ele falou, passando o polegar no lugar onde sabia que a havia machucado. — Não poderia. Ela se inclinou para receber o toque dele, tentando mantê-lo pelo máximo de tempo que pudesse, tentando gravar o toque definitivo em sua memória. — Você não sabe disso — ela falou. — E agora nunca vai saber. — Há coisas que... — ele começou, antes de balançar a cabeça, os olhos tristes. — Não importa. Eu sei que não tem jeito... — Você não sabe de nada — ela falou, se afastando, mais forte agora pelo simples fato de estar em casa, de volta ao próprio ambiente, com suas estantes de livros, seu sofá antigo e até mesmo seus tapetes desbotados. — Mas eu sei. Eu sei como você vai terminar se sair por aquela porta, se der as costas para mim e para o meu amor. Você vai terminar como aquele velho do quadro na sua suíte, o velho curvado e sozinho sentado no banco do parque, olhando o rio e se perguntando se deveria ter arriscado, se deveria ter assumido o risco em vez de se manter seguro, em vez de terminar totalmente sozinho. Você vai ser aquele homem, Leo. Ele olhou para ela, os olhos tristonhos, o queixo rijo. Ergueu uma das mãos e a colocou sobre a cabeça de Sam uma última vez. — Adeus, Evelyn.

CAPÍTULO TREZE

O início do verão não era muito mais confiável que a primavera, Eve refletia, enquanto olhava o céu azul cheio de nuvens, determinada a arriscar pendurar as roupas no varal em vez de usar a secadora. Qualquer economia na conta de luz seria bem-vinda. Ela havia conseguido alguns clientes recentemente, mas ainda tinha que economizar se não quisesse mexer em suas economias. No entanto, é claro, sempre havia o anel... Ela o tirara dentro do avião, com a intenção de devolvê-lo para Leo, mas tinha se esquecido em um daqueles momentos finais angustiantes, e ele sempre havia dito que era dela. Todos os dias desde então ela checava os e-mails para ver se ele mandara alguma mísera mensagem. Todas, ás vezes em que encontrava um recado na secretária eletrônica, 77


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ela apertava o botão para ouvi-lo esperando, sempre esperando. E, depois de duas semanas sem ele fazer contato, sem ódio, frustração ou pesar, ela levou o anel até uma joalheria para avaliá-lo, e cambaleou quando descobriu quanto valia. Ela não precisaria economizar nos gastos caso o vendesse. Mas aquilo tinha sido há quase um mês, e ela não tivera coragem de vendê-lo. Seis semanas, ela pensava enquanto pendurava o primeiro lençol no varal. Seis semanas desde aquela noite na suíte dele, desde o fim de semana no paraíso. Não era surpresa que parecesse apenas um sonho. — Bom dia — gritou a Srta. Willis do outro lado da cerca. — Acho que vai chover mais tarde. Ela deu uma olhada para o céu, fazendo uma careta para um grupo de nuvens que se aproximava. — Provavelmente. Como está seu irmão Jack? — Está indo bem desde que mudaram seus medicamentos. Minha irmã acha que ele está melhorando. — A vizinha olhou em volta. — Onde está o Sam? — Foi tirar uma soneca — Eve disse, pendurando outro lençol. — É bom para eu ter umas horas para trabalhar. — Ah — a mulher mais velha disse. — Falando em trabalho, tem alguém lá na frente para vê-la. Um sujeito elegante de terno. Carro de luxo. Disse que bateu à sua porta, mas ninguém atendeu. Eu disse a ele que achava que você estava em casa, no entanto. Eu disse a ele... Ela sentiu um arrepio súbito na espinha. — O que você disse? — Mas ela já estava a caminho da porta, os lençóis estrepitando na brisa atrás dela. Por que pensou imediatamente que poderia ser ele? Pelo que sabia, poderia ser um entregador de um de seus clientes; embora, desde quando um entregador vestia ternos caros e dirigia carros de luxo? O coração dela estava batendo a um milhão de vezes por segundo, os nervos vibrando e estalando como os lençóis no varal. Ela se permitiu uma inspiração profunda e então abriu a porta. Lá estava ele. O glorioso Leo, bem ali na soleira. — Leo — ela disse de modo esbaforido. — Eve. Você está bonita. Ela não parecia bonita. Tinha olheiras, o cabelo uma bagunça e a Srta. Willis estava pegando no pé dela por causa da perda excessiva de peso. — Onde está o Sam? — É hora da soneca dele — ela disse, e Leo assentiu. — Posso entrar? — Ah. — Ela recuou, deixando-o entrar. — É claro. Ele parecia tão desajeitado quanto á sala dela. — Vou fazer um café — ela sugeriu, quando ele pegou sua mão, enviando uma carga elétrica pelo seu braço. — Não. Eu preciso explicar uma coisa, primeiro Eve, se você quiser ouvir. Eu preciso que você ouça, compreenda. Ela assentiu com medo de falar. Leo suspirou, uma vez que eles estavam sentados no sofá, os cotovelos apoiados sobre os joelhos enquanto ele oferecia as mãos. 78


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— Eu não estava feliz quando abandonei você. Fui para Londres, me atirei nas negociações de contrato por lá; então segui para Roma e Nova York, e em lugar nenhum, nenhum, eu consegui esquecê-la. Não havia nada que eu pudesse fazer nada que eu pudesse adquirir que afastasse meu pensamento de você. Mas eu não pude voltar. Eu sabia que não poderia funcionar. Mas havia algo que eu podia fazer. Ela prendeu o fôlego, o corpo formigando. Esperando. — Não via meus pais desde que tinha doze anos. Eu tive de encontrá-los. Precisei de... Eu precisei de um pouco de tempo para rastreá-los, e daí eu descobri que meu pai estava morto. Ela colocou uma das mãos sobre a dele e Leo balançou a cabeça. — Não lamente. Ele era um marinheiro e um homem violento, brutal. Todas as vezes que estava de partida, ele usava minha mãe como saco de pancadas, chamando-a de todos os tipos de nomes cruéis, batendo nela sem motivo. Eu costumava me encolher de medo atrás da porta do meu quarto, rezando para aquilo parar. Eu fiquei feliz porque ele estava morto. Ele inspirou. — E a pior parte disso... O pior era que ele ficava sempre tão cheio de remorso depois. Sempre dizendo a ela que sentia muito, e que a amava, mesmo quando ela estava machucada e sangrando no chão. Eve sentiu um arrepio. Um homem que não conseguia se permitir amar. Um homem que igualava o amor a espancamento. Não era surpresa Leo se sentir destruído por dentro. Não era surpresa ele ter tanto medo. — Coitada da sua mãe — ela disse, pensando "coitado de você". Ele emitiu um som como o de uma risada, mas totalmente trágico. — Coitada dá minha mãe. Eu pensava isso também. Até eu crescer o suficiente para ganhar força e machucá-lo do mesmo jeito que ele machucava minha mãe. E ela correu para acudi-lo. Depois de tudo que ele tinha feito para ela, minha mãe gritou comigo e foi até ele para cuidar de seus ferimentos. — Ele baixou a cabeça, cobriu-a com os braços e suspirou, balançando a cabeça enquanto a levantava. — Ela não iria deixá-lo, mesmo quando eu implorava e rogava para que o fizesse. Ela não iria embora. Então eu fui. Dormia na escola. Amigos me davam comida. Eu consegui um emprego como lixeiro. Fui pedinte nas ruas. E aquela foi á época em que me senti mais feliz. — Oh, Leo — ela disse, pensando na criança sem teto, sem um lar para ir, sem família. — Eu larguei a escola um ano depois, fui trabalhar nos navios do porto. Mas eu não seria um marinheiro como ele, àquela altura eu não queria nem ser grego como ele. Então aprendi outros idiomas com as pessoas que me cercavam, e comecei a intermediar acordos para elas. Eu era bom naquilo. Finalmente eu podia fazer algo sozinho. Mas mesmo assim eu não conseguia escapar do meu mundo, não conseguia fugir do meu passado. Não conseguia fugir de quem eu era. A sombra do meu pai parecia grande demais. Ao entender o que eu me tornaria... — A voz dele baixou. — Eu jurei que nunca iria deixar aquilo acontecer comigo. Eu nunca iria amar. — Você a encontrou, então? Você encontrou a sua mãe? Os olhos dele ficaram vazios, o foco em lugar nenhum, mas bem no fundo dentro dele. — Está em um asilo para mulheres abusadas, débil e doente. Passa o dia numa 79


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cadeira de rodas olhando para o jardim. Ela não tem nada agora, ninguém. E, quando eu olhei para ela, me lembrei das palavras que você disse, sobre o velho sentado no banco do parque, olhando para o nada, desejando ter arriscado... — Leo, eu nunca devia ter dito aquilo. Eu não tinha o direito. Eu o estava machucando. — Mas você estava certa. Quando eu olhei para ela, vi meu futuro, e pela primeira vez eu tive medo. Não queria aquilo. Em vez disso, eu queria aproveitar aquela chance que você me ofereceu, assim como deveria tê-la aproveitado, mas fugi. A sombra do meu pai ainda me ameaçava. Meu maior medo era me transformar nele. Machucar você ou Sam. Eu não podia suportar isso. — Você não é daquele jeito — ela disse, chorando. — Você nunca faria isso. — Não conseguia confiar em mim para acreditar nisso. Até eu estar prestes a ir embora do asilo e minha mãe, contar a verdade com sua voz estridente e amarga, a verdade que teria me libertado há anos, mas eu nunca questionei as coisas nas quais cresci acreditando. A verdade é que meu pai tinha voltado depois de seis meses no mar e encontrado minha mãe grávida de quatro meses. — Leo! Seus olhos estavam pequenos, e aquele grãozinho de esperança que ela vira enquanto ele subia a escada tinha reluzido e se iluminava para algo muito mais poderoso. — Ele era impotente e ela queria um filho, e eu nunca fui filho dele, Eve. Eu não preciso ser daquele jeito. Eu não preciso me transformar nele. Lágrimas turvavam a visão dela, lágrimas pela infância perdida, lágrimas pela traição da confiança entre os pais e a criança, a ausência de um amor que deveria ter sido um direito nato dele. — Você nunca se transformaria nele. Eu sei. E ele levou as mãos dela até os lábios e as beijou. — Estas últimas semanas têm sido um inferno. Eu nunca mais quero me separar de você. Quero acordar todas as manhãs e ver seu rosto ao lado do meu. Eu quero cuidar de você e do Sam, se você me permitir. Ela piscou para ele, incapaz de acreditar no que estava ouvindo, mas desejando desesperadamente que fosse verdade! — O que você está dizendo? — Eu não consigo viver sem você. Eu preciso de você. — Ele apertou as mãos dela, assim como espremeu as palavras pouco familiares de seus lábios: — Eu amo você. E ela se jogou nos braços dele, enormes lágrimas de felicidade jorrando de seus olhos. — Oh, Leo, eu o amo tanto. — Ah, meu Deus, que alívio — ele disse, agarrando-a apertadamente. — Eu estava com medo de você me odiar por causa do jeito como a tratei. — Ele a afastou para poder olhá-la, tirando seus cabelos do rosto. — Porque tem algo mais que eu preciso saber: Eve, você vai me dar uma chance? Você consideraria se tornar minha esposa? — Sim — ela disse um sorriso de quilômetros de extensão. — Sim, é claro que quero me casar com você. Ele a puxou para um beijo, um redemoinho que girava os sentidos dela e elevava sua 80


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vida e sua alma. — Obrigado por entrar na minha vida — ele disse, se afastando, ofegante. — Você é mágica, Eve. Trouxe felicidade e esperança para um lugar onde havia apenas tristeza e escuridão. Como posso recompensá-la? E ela sorriu para o belo rosto de Leo, sabendo que ele nunca mais viveria sem amor, não se ela estivesse envolvida na situação. — Você pode começar me dando outro beijo.

EPÍLOGO

Leo Zamos amava quando surgia um plano. Ele saboreava as trocas de idéias dos negócios, as transações, os compromissos vez ou outra, o fechamento de um acordo. Ele vivia para a onda de adrenalina da caçada e para o burburinho do sucesso. Ou, pelo menos, vivera assim até agora. Atualmente, ele tinha outras prioridades. Leo apertou a mão de Culshaw, que ainda estava sorrindo pela honra de ter levado Eve ao altar, antes de deixá-lo papeando com a Srta. Willis sobre o clima. Ele olhou ao redor e encontrou sua esposa parada perto do mirante onde eles tinham se casado há um tempinho. Ela estava segurando a mão de Sam enquanto Hannah dançava com ele, a aliança de safira brilhando no dedo aninhado a uma aliança novinha combinando com ela. E era fisicamente impossível para seus pés não tomar a rota mais rápida e direta entre os convidados até chegar ao lado dela, o braço enlaçando sua cintura, puxando-a para bem perto com uma das mãos e segurando a mãozinha livre de Sam com a outra. — Como minha linda nova família está aproveitando o dia de hoje? E Sam soltou as duas mãos e apontou: — Barco! — Sam está fora de si — Eve disse, enquanto Hannah o colocava no chão e o deixava correr para o outro lado do mirante para ver, entre os sarrafos, o barco que navegava lentamente pela baía. — Culshaw também está fora de si. Ter pedido a ele para acompanhá-la no altar fez o ano dele, eu diria. — Eu gosto dele — ela falou, enquanto eles o observavam contar uma história á Srta. Willis animadamente. — Para mim, é como se ele fosse da família. — Um sujeito perspicaz — Leo dizia, enquanto cruzava os braços em torno de Eve. — Eu lhe contei o que ele disse quando tentei me desculpar e contar a ele que não estávamos realmente noivos naquele fim de semana em Melbourne? Ele, na verdade, disse: "Conversa fiada, todo mundo sabia que vocês estavam destinados a ficar juntos." E Eve riu. — Maureen me disse a mesma coisa. — E eles estavam certos. Você é o meu destino, Eve, minha linda esposa. 81


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— Ah — ela disse, dando meia-volta nos braços dele. — Você soube da novidade dos Alvarez? Ele franziu a testa. — Não tenho certeza se soube. — Felicity está grávida. Ambos estão animados. Eu não poderia me sentir mais feliz. — Que boa notícia, mas, arriscando tentar deixá-la mais feliz, tenho um presentinho para você. — Mas você já me deu tanta coisa. — Esse é especial. Culshaw concordou em vender a ilha Mina. É sua agora, Evelyn. — O quê? — Os olhos dela brilharam de incredulidade. — É minha? Mesmo? — Sua e de Sam. Tudo que é meu agora é seu, mas isso é especialmente para vocês dois. É um presente de casamento, um presente de agradecimento e um presente de "eu te amo" em um só. E ele garante que você possa levar Sam quando ele estiver mais velho, quando quiser mostrar a ele tudo que ele está perdendo agora. — Oh, Leo — ela disse os olhos luzentes de lágrimas —, eu não sei o que dizer. É demais. Eu não tenho nada para você. Ele balançou a cabeça. — Você está me dando o maior presente de todos agora. Devolveu meu coração. Você me ensinou como amar. Como poderei recompensá-la por isso? Eu a amo, Evelyn Zamos. — Ah, Leo, eu o amo tanto, tanto, tanto. Ele a beijou então, no mirante branco coberto por flores perfumadas, e a beijou sob o ar perfumado enquanto a brisa farfalhava as palmeiras frondosas e o veleiro navegava graciosamente. — Barco! — Sam gritou ao som de passos cambaleantes, agarrando as pernas de Leo e Eve de repente, apontando para o mar. — Barco! E, rindo, Leo pegou o garoto nos braços e eles contemplaram a água azul-safira para observar a embarcação que passava. — Quanto tempo você acha — ele sussurrou para a mulher ao seu lado — ser o intervalo ideal de idade entre irmãos? Ela olhou para ele em um segundo. — Eu não sei. Algumas pessoas, dizem dois ou três anos. — Nesse caso — ele disse, dando um beijo inocente na testa de Sam e lançando um olhar um tanto lascivo —, eu tenho um plano.

Fim

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