A Cidade na Escola

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

CURSO: ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO (TFG)

A CIDADE NA ESCOLA POLÍTICA URBANA, EDUCAÇÃO URBANÍSTICA E DIREITO À CIDADE

ALUNA Ana Carolina Bergamaschi do Val RA: 141031778 ORIENTADOR Prof. Dr. Jefferson O. Goulart

Bauru, 2019


Prefiro o conhecimento que é gerado e produzido na tensão entre prática e teoria. Paulo Freire


Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo


agradec agradecimentos

imentos Gostaria de agradecer aqui, enormemente, a todas e todos que de alguma forma me ajudaram a concluir não apenas este trabalho, mas os anos de graduação que ele representa. À minha família, pois foi dentro de casa que aprendi que a educação é o mais valioso bem a ser passado adiante. Em palavra nenhuma cabe ou descreve todo amor e gratidão dentro do meu peito. À FAPESP, pela concessão da bolsa de Iniciação Científica, da qual este Trabalho Final de Graduação se originou. Ao meu orientador, Jefferson, por todos os incontáveis ensinamentos ao longo desses tantos anos de convivência. Eu não teria passado do primeiro semestre, ou passaria dos seis anos de curso, senão graças a você. À Kelly, por toda a ajuda, paciência e contribuição para o aperfeiçoamento deste trabalho nas bancas de Caderno de Dados e de Qualificação. À Nena, por ter sido parte tão importante da minha formação e hoje é, como não poderia ser diferente, parte da minha banca do TFG. A Vitor, por me apresentar ao complexo universo da Educação e por ter acreditado no meu trabalho, antes mesmo dele ter início. Às pessoas maravilhosas que conheci nessa trajetória e tenho a honra de chamar de amigas. A todos os profissionais que dedicam suas vidas à educação de nossos jovens, em especial a Lucas, Tauan e demais entrevistados, que tanto me ajudaram e me inspiraram ao longo desses meses. O compromisso e a luta de vocês são, agora, meus também.

Obrigada.


sumario sumário 8 9 11 14

resumo

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apresentação

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introdução

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14 17

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1. a política urbana no Brasil contemporâneo 1.1

percurso histórico

1.2 a política urbana nos diferentes níveis legislativos

14 17

1.2.2 a legislação infraconstitucional

17 19

1.3 as normas estruturantes da Política Urbana

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1.4 panorama geral

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24 27

1.2.1 alterações constitucionais


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2. a educação no Brasil

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2.1 breve caracterização

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2.2 o ensino médio

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2.2.1 regulamentação

41 48 57 60 67

2.2.2 aspectos pedagógicos 2.2.3 ciências humanas na grade curricular

34 36 39

3. cidadania, direito à cidade e educação

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4. a cidade na escola

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considerações finais

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referências bibliográficas

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anexos

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resumo resumo Este trabalho é uma ampliação de pesquisa que, originalmente, abordou a trajetória institucional da Política Urbana no Brasil no período contemporâneo (1988-2016): tomou como ponto de partida o percurso do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, passou pela conquista de status institucional com a Constituição Federal de 1988 – cuja inovação mais importante foi o Capítulo da Política Urbana –, e foi consolidado com a aprovação da Lei federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). O estudo produziu um levantamento das normas que regulam a ordenação urbana, compreendendo enunciados constitucionais e suas modificações, até culminar com análise da legislação infraconstitucional. Os avanços institucionais desse período são inegáveis, tanto na perspectiva de construção de cidades mais justas, como na gestão urbana descentralizada e participativa. Tais progressos, contudo, se revelaram insuficientes para reverter a lógica urbana imposta pelo capital financeiro e imobiliário, sob uma orientação de mercado que visa à acumulação e que produz segregação socioespacial Neste Trabalho Final de Graduação, o estudo sobre a Política Urbana

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foi relacionado a uma dimensão fundamental da cidadania: a Educação. Tratou-se de traduzir para uma linguagem didática parte do que foi desenvolvido na pesquisa original no formato de uma disciplina eletiva, a ser oferecida a estudantes do ensino médio da rede pública estadual. Com uma proposta inovadora em relação ao conteúdo e respeitando os padrões protocolares estabelecidos pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, propõe-se uma disciplina de “Educação Urbanística”. Dessa forma, espera-se que jovens de segmentos historicamente marginalizados da população possam tomar consciência das dinâmicas nas cidades e, assim, ocupar os espaços que lhes cabem como cidadãos, portadores de direitos, tal como o direito à cidade.

Palavras-chave: política urbana, educação urbanística, cidadania, Constituição, direito à cidade.


aprese apresentação ntaçao O presente Trabalho Final de Graduação envolve duas dimensões centrais e complementares: Política Urbana e Educação. Quanto à primeira, é apresentada uma síntese dos resultados de pesquisa sobre o marco regulatório da política urbana no Brasil (VAL, 2017)1, na qual foram analisadas as normas institucionais que redefiniram o papel do Estado e dos diferentes níveis de governo quanto ao tema; a investigação compreende o período que se inicia com a promulgação da Constituição de 1988 e se estende até 2016. A segunda dimensão do trabalho aborda a Educação no Brasil, mais especificamente o ensino médio, examinando como funciona a estrutura curricular nessas escolas, quais as diferenças entre o ensino público e o privado em relação ao currículo e como este pode intensificar a divisão de classes, processo denominado de “dualismo escolar” (ESQUINSANI; ESQUINSANI, 2019). O trabalho resultou na elaboração de programa pedagógico de uma disciplina eletiva, tratando do tema da política urbana a partir da adequação e síntese dos resultados da mencionada pesquisa de iniciação científica. A problematização e análise sobre a relação entre essas duas dimensões – Política Urbana e Educação –, foram balizadas pelos conceitos de cidadania e direito à cidade. Tratou-se de

Informações, dados e resultados apresentados neste trabalho, relativos ao novo arranjo institucional da Política Urbana, procedem de Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP 2016/11927-6). 1

entender e justificar a importância de uma disciplina que aborde esses aspectos no ambiente escolar, e até que ponto essa proposição pode fomentar maior senso crítico e engajamento político em relação ao espaço urbano (e escolar) no qual está inserida nossa juventude. Metodologicamente, a pesquisa envolveu revisão da literatura atinente e análise de normas institucionais (tanto do arranjo da política urbana como da estruturação curricular), além de entrevistas com profissionais da educação, dentre eles alguns professores, uma supervisora de ensino e uma diretora. Foram buscados depoimentos de profissionais de distintos perfis e diferentes escolas públicas em Bauru, geográfica e socialmente, para que houvesse maior diversidade nas experiências e visões de cada um. Ademais, foram feitas consultas a plataformas digitais da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, leis e normas relacionadas ao tema. Esse percurso pretendeu conferir mais consistência ao trabalho, para que a proposta pedagógica da disciplina eletiva pudesse ser mais fiel à realidade curricular, com uma discussão pertinente que também levasse em conta o arranjo institucional vivenciado por esses profissionais. O TFG está estruturado da seguinte forma: A Introdução sintetiza conceitual e analiticamente o novo arranjo institucional da política urbana relacionando-o com os desafios de uma educação urbanística, cujo produto final – a proposta de uma disciplina eletiva – será desenvolvido e detalhado na seção derradeira (Cap. 4). O Capítulo 1 (“A Política Urbana no Brasil 9


Contemporâneo”) apresenta de forma sucinta os resultados da pesquisa de Iniciação Científica já citada: a trajetória das lutas pela reforma urbana e suas principais conquistas institucionais; as alterações constitucionais e as mudanças específicas que se impuseram à Constituição em relação ao tema; as normas infraconstitucionais (medidas provisórias, leis complementares e leis ordinárias) que regulamentam os enunciados da Constituição; e por fim um balanço das principais normas que compõem o núcleo duro do arcabouço legal da política urbana no Brasil. O Capítulo 2 (“A Educação no Brasil”) consiste em um panorama geral sobre o “estado da arte” da educação no Brasil e, mais especificamente, no estado de São Paulo, com o objetivo de caracterizar os principais aspectos históricos, institucionais e pedagógicos que balizam o currículo no país e no estado, principalmente na área das Ciências Humanas (História, Geografia, Sociologia e Filosofia). O Capítulo 3 (“Cidadania, Direito à Cidade e Educação”) relaciona as proposições interpretativas a partir do referencial teórico em torno desses três conceitos, tendo como foco

Imagem: Paul Schutzer Arte: autora

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a noção de direito à cidade, conceito cunhado originalmente por H. Lefebvre em 1968, e como este pode ser incluído no debate da educação de jovens como instrumento e caminho para a cidadania. O Capítulo 4 (“A Cidade na Escola”), por fim, apresenta a proposta de inclusão do tema da política urbana ao ambiente escolar para estudantes do ensino médio da rede pública estadual no município de Bauru, na forma de uma disciplina eletiva. Mais do que um instrumento civilizatório (e muitas vezes puramente tecnicista), a escola pode (e deve) ser uma instituição capaz de promover e estimular o pensamento crítico a respeito do direito à cidade e da cidadania. Nas Considerações Finais faz-se um balanço final da pesquisa, com destaque às interfaces entre Política Urbana e Educação, cuja ênfase normativa se traduziu na proposição de oferecimento de disciplina eletiva sobre Educação Urbanística.


intro introdução duçao Para erradicar o analfabetismo urbanístico seja na chamada sociedade civil, seja entre técnicos e administradores é preciso resgatar o tema do estreito círculo dos urbanistas e ampliar o vocabulário para além do hermético “urbanês”. É preciso evidenciar, para as camadas populares, as estratégias das classes sociais na produção e ocupação do espaço, ou seja, nada aí é natural ou fruto do acaso. Erminia Maricato

Há amplo consenso de que a Carta de 1988 foi a mais democrática das constituições brasileiras (CARVALHO, 2001), tanto porque superou juridicamente as restrições às liberdades individuais e coletivas impostas pela ditadura civil-militar quanto porque incluiu importantes inovações para a cidadania em todas as suas dimensões: nos direitos civis, sociais e políticos. A Constituição também incorporou, de forma pioneira, um capítulo dedicado à política urbana. Este enunciado, graças às lutas sociais surgidas no período de transição entre o regime militar e a redemocratização, formou a base e o marco inaugural de uma nova política urbana no país, redefinindo a função do Estado em seus diferentes níveis de governo. Os preceitos desse capítulo (Arts. 182 e 183) foram regulamentados por uma legislação infraconstitucional que se seguiu ao longo dos anos (Estatuto da Cidade), dando forma ao arranjo regulatório da política urbana e criando assim as bases institucionais para um desenvolvimento urbano democrático e inclusivo (ALCÁNTARA; DAMASCENA, 2014). A pesquisa que deu origem a este trabalho (VAL, 2017) fez um levantamento e análise das inovações que formam o marco regulatório

da política urbana no Brasil contemporâneo. Essas mudanças possibilitaram romper com o histórico de subordinação política dos municípios em relação à União e asseguraram a participação popular no processo decisório, mas também criaram meios para alterar o cenário de segregação que historicamente caracterizou as cidades brasileiras a partir da urbanização acelerada do séc. XX. Os avanços institucionais ao longo desses anos são inegáveis, tanto no sentido da produção habitacional, como na gestão descentralizada e mais democrática. Não obstante, o cenário urbano nas cidades ainda não é aquele idealizado na Constituição, pelo contrário, a participação tem sido limitada e o padrão de segregação socioespacial, marcante no processo de urbanização da segunda metade do século XX, não só não foi alterado no essencial (MARICATO, 2011; ROLNIK, 2009) como emergiram novas concepções de planejamento urbano que defendem a redução da cidade à sua condição de mercadoria (ARANTES; VAINER; MARICATO, 2000). Ainda que a Constituição de 1988 tenha produzido um arranjo institucional capaz de dar forma ao até então vago e fragmentado conceito de cidadania no Brasil, o legado de desigualdades ao longo de mais de 500 anos de história não é algo de fácil superação. Por mais que as grandes cidades brasileiras registrem mudanças importantes em suas configurações (KOWARICK; MARQUES, 2011), continuam hostis aos seus habitantes, principalmente para com aqueles que não são contemplados pelos direitos de cidadania. A efervescência dos movimentos sociais que tanto impactaram a política deu lugar

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à truculência e à intolerância, marcadas pela repressão por parte das forças de segurança e de camadas conservadoras da sociedade (AVRITZER, 2018). A partir do panorama até aqui apresentado, fica a indagação: por que, apesar dos significativos avanços, ainda permanece a sensação de que a cidadania no Brasil não é exercida “na prática”? Por mais diversas que possam ser as respostas para essa pergunta, o presente trabalho se concentrará em dois conceitos: política urbana e educação, tentando traçar uma relação entre ambos e discutindo como, dessa relação, outros conceitos podem ser colocados em prática, tais como a cidadania e o direito à cidade, contribuindo para um caminho de cidades mais justas e democráticas. Os países latino-americanos carregam uma herança patrimonialista muito forte e uma consequente desigualdade social, com raízes desde o período de colonização. Os efeitos dessa desigualdade, portanto, vêm dos mais de 500 anos de clientelismo, autoritarismo e da forte relação entre poder e limitação do acesso à terra. Tais características marcam nossa sociedade, refletindo-se no planejamento urbano e na política até os dias atuais (MARICATO, 2015; ROLNIK, 2009). O acesso à terra e aos demais meios de produção, restritos a uma elite, fazem com que a política e as políticas públicas sejam orientadas de acordo com seus interesses. Ora por fazer parte dessa elite, ora por serem “clientes” dela, nossos representantes políticos acabam, muitas vezes, sendo coniventes com tais interesses. Essas contradições e os limites entre o ideal e a realidade, entre o legal e o ilegal, são materializadas nas cidades, nas dinâmicas de ocupação e ordenação do solo urbano, mas têm na Educação as suas origens ideológicas. Tão antiga quanto as raízes da desigualdade, a história da Educação no Brasil sempre esteve atrelada a uma relação de poder e dominação, de modo que menos de um terço da população, até a década de 1980, tinha acesso à educação formal: “nossa sociedade se modernizou, integrando na cultura letrada uma parcela ínfima de sua população, condenando o grosso dela, primeiro, à exclusão, depois, à marginalidade” (RIBEIRO, 2018, p.30). 12

Não por acaso, essa parcela também estava à margem da cidade formal, num processo histórico que só concede direitos conforme o status social de seus membros. A diferença é que hoje a condição social define não mais o acesso à educação em si, mas sim à sua qualidade e o que é transmitido ideologicamente (RIBEIRO et al., 2015). Da mesma forma que há uma relação direta entre o acesso à terra e ao poder, há também uma relação entre currículo e poder (SILVA, 2013). Isso porque a escola, como instituição, possui uma posição estratégica na sociedade ao desempenhar de forma mais direta a função de reprodutora das relações de classe e da divisão do trabalho, tornando-se porta voz de uma doutrina pedagógica que transmite a ideologia dominante (FREITAG, 1986). Em outras palavras, assim como o capital financeiro e imobiliário atuam de forma contundente sobre a política urbana, o capital cultural exerce influência sobre a política educacional, determinando que tipo de cultura, quais valores e que tipos de sociedade são ideais para que o status quo se mantenha inalterado. Educação e cidade têm sido reduzidas à condição de mercadoria (APPLE, 1998; ARANTES; VAINER; MARICATO, 2000). E a população, enquanto consumidora, fica à mercê das regras do mercado (APPLE, 2006; MARICATO, 2015). A Educação e a cidade são direitos fundamentais historicamente negados à população mais pobre. Se a escola, no seu papel de transmissora da ideologia dominante, é simultaneamente um instrumento civilizatório e um meio para a cidadania, pode-se entender minimamente qual o tipo de cidadão que se pretende formar, ou melhor, “moldar” (SILVA, 2013). Como, então, a educação pode assegurar cidadania de fato, formando cidadãos que sejam capazes de ler a realidade de forma crítica, de reconhecer seus direitos e de lutar por eles? Ou seja: QUAIS OS OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO ESCOLARIZADA: FORMAR O TRABALHADOR ESPECIALIZADO OU PROPORCIONAR UMA EDUCAÇÃO GERAL, ACADÊMICA, À POPULAÇÃO? [...] EM TERMOS SOCIAIS, QUAIS DEVEM SER AS FINALIDADES DA EDUCAÇÃO: AJUSTAR AS CRIANÇAS E JOVENS À SOCIEDADE TAL COMO ELA EXISTE OU PREPARÁ-LOS PARA TRANSFORMÁ-LA; A PREPARAÇÃO PARA A ECONOMIA OU A PREPARAÇÃO PARA A DEMOCRACIA? (SILVA, 2013, p. 22)


Ainda que existam meios institucionais que garantam à população meios de participar dos processos decisórios nas cidades, há também o constante desmonte desses instrumentos. Mais ainda: não existindo uma educação que estimule o questionamento e o engajamento político, essa participação também esmaece. Não existe uma fórmula ou receita para resolver tais problemas, muito menos única. O que este trabalho se propõe a fazer, portanto, é discutir a inclusão do tema da política urbana, da legislação urbanística e do direito à cidade na estrutura curricular de uma escola pública de ensino médio. Trata-se de ampliar os espaços nos quais esses assuntos costumam permanecer restritos, de modo que possam ser amplamente debatidos e aprofundados. Cumpre partilhar o que nós (arquitetos, urbanistas e demais profissionais do espaço urbano) sabemos no ambiente escolar. Com o objetivo de reverter a lógica da ideologia dominante nas escolas, a proposta se refere, mais especificamente, à elaboração de um programa pedagógico para uma disciplina eletiva, a ser aplicada para alunos do ensino médio em uma escola estadual de Bauru. As disciplinas eletivas são uma nova tipologia de disciplina, criada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) mais recente, resultado da Lei nº 13.415/2017, responsável pela chamada “reforma do Ensino Médio”. Amplamente discutida e criticada por diversos setores da educação, essa reforma trouxe diversas alterações à BNCC, documento que define o conteúdo comum, as competências e as habilidades a serem desenvolvidas pelas escolas brasileiras. Com maior flexibilidade e a inclusão de novas disciplinas, o que se teme em relação a isso é que haja um aprofundamento das diferenças entre escolas públicas e privadas, pois, para que essas mudanças sejam minimamente proveitosas, seria necessário maior aporte de recursos, realidade distante para a maioria das escolas públicas. Às diferenças de qualidade, oferta de recursos e objetivos entre escolas públicas e privadas dá-se o nome de dualismo escolar (ESQUINSANI; ESQUINSANI, 2019). Assim, debater política e desigualdade dentro de um currículo que reflete muito dos problemas de nossa sociedade é uma forma de

resistir ao que é imposto pelo próprio sistema. Mais ainda, é dar espaço para que jovens possam saber ler de forma crítica suas próprias experiências na cidade, para que, quem sabe num futuro próximo, possam se engajar politicamente no compromisso de construir cidades mais democráticas, a partir da ressignificação das mesmas e da própria noção de cidadania e como o direito à cidade é um meio decisivo. E ainda que o currículo vigente abranja temas relacionados à cidade, à urbanização e à própria cidadania nas disciplinas de Ciências Humanas para o ensino médio, o conteúdo específico que compõe a disciplina eletiva aqui proposta é inédito para a base curricular. Além disso, pelo caráter multidisciplinar e flexível das eletivas, a proposta também envolve metodologias mais dinâmicas e criativas de aprendizado, com o intuito de promover um ensino que seja emancipatório e participativo, com potencial para “redespertar” as sensibilidades individuais e coletivas de jovens, muitas vezes oprimidos pela cidade e pela sociedade, através de um processo de alfabetização crítica (APPLE, 1998). Nesse sentido: A EDUCAÇÃO É UMA FORMA DE INTERVENÇÃO NO MUNDO. INTERVENÇÃO QUE ALÉM DO CONHECIMENTO DOS CONTEÚDOS BEM OU MAL ENSINADOS E/OU APRENDIDOS IMPLICA TANTO O ESFORÇO DE REPRODUÇÃO DA IDEOLOGIA DOMINANTE QUANTO O SEU DESMASCARAMENTO. (FREIRE, 1996, p.98)

Lembrando a epígrafe de E. Maricato, a alfabetização à qual este trabalho se refere consiste em combater o “analfabetismo urbanístico”. O que confere originalidade a proposta é, portanto, o abordar conteúdos do meio urbanístico e aplicá-los no meio escolar (secundarista e público), atendendo às diretrizes da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, contribuindo para que a Educação, assim como a cidade, seja espaço de luta e de compromisso com um futuro mais justo, democrático e igualitário.

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capítulo 1. a política urbana no Brasil contemporâneo

Antes da discussão sobre Educação e, mais especificamente da Educação Urbanística, se faz necessária a apresentação do tema ao qual essa educação urbanística se refere: a Política Urbana no Brasil contemporâneo. Para tanto, as próximas seções são dedicadas ao panorama dos avanços, desafios e retrocessos recentes que interferiram (e continuam interferindo) direta ou indiretamente na política urbana e no ordenamento do território nos municípios brasileiros no último período.

1.1 Percurso Histórico As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por intensas transformações nas esferas econômica, social e política do Brasil, as quais também culminaram em importantes mudanças nas políticas de ordenação urbana. Trata-se de um período de transição, no qual o regime autoritário cedeu espaço para o restabelecimento da democracia como regime político e o antigo modelo nacional-desenvolvimentista entrou em colapso (SALLUM JR., 1996). A população brasileira aumentou significativamente em um espaço curto de tempo, se tornando, em 1960, predominantemente urbana. O regime militar, com seu caráter centralizador e hierarquizado, além de não incluir os governos estaduais e municipais no planejamento urbano, não incluiu também os segmentos mais pobres da sociedade em suas políticas de financiamento, aquisição e construção de habitações; reproduzindo uma lógica de mercado e beneficiando apenas as camadas médias e altas (MARICATO, 1987). A 14

população mais pobre, inevitavelmente à margem da habitação, da cidade e da cidadania, se viu forçada a recorrer a outras modalidades de moradia, através das ocupações em áreas públicas e privadas, não raro na informalidade e na ilegalidade por meio da autoconstrução. Consequência desse padrão foi a periferização das cidades, principalmente de capitais e grandes áreas metropolitanas, com o aumento significativo de assentamentos irregulares e favelas (ALCÁNTARA; DAMASCENA, 2014). Somada ao crescente quadro de segregação socioespacial, havia também a fragilidade política e econômica que caracterizou a “década perdida”, fazendo do ambiente urbano uma caldeira prestes a explodir, na qual a sociedade civil fervilhava, assumindo papel central na cena política em busca de igualdade e justiça (ROSTOLDO, 2003). O ressurgimento da sociedade civil e a emergência de movimentos de moradia (e de outros setores marginalizados) marcaram a transição democrática, ratificando a necessidade de mudanças político-institucionais, pois a substituição do regime militar também exigia alterar as políticas urbana e de provisão habitacional. E é sob essa lógica que, no auge das lutas pelo retorno da democracia, nos anos 1980, esses movimentos se articularam a outras organizações da sociedade, para assim ampliarem as lutas não apenas por moradia, mas, em uma escala maior, pelo direito à cidade (ALCÁNTARA; DAMASCENA, 2014; ROLNIK et al.; 2015). A luta por uma cidade justa e igualitária era indissociável da luta pela redemocratização política. Foi sob esse clima de lutas e tensões so-


ciais2 que, em 1985, o vice José Sarney assumiu a presidência após a morte de Tancredo Neves e convocou um processo constituinte, que contou com a participação massiva de diversos movimentos sociais, ensejando um período de ampla contestação e embates políticos em torno dos direitos do povo. A Constituinte3 foi instalada em fevereiro de 1987 e concluiu seus trabalhos em outubro de 1988. Novas articulações sociais foram criadas com o objetivo de incentivar a participação da sociedade nesse processo, sendo essa demanda atendida através das emendas populares4 (ROCHA, 2013), que resultou num total de 122 emendas, contendo temas das mais variadas reivindicações da sociedade (MICHILES, et al., 1989), refletindo a multiplicidade de problemas da sociedade e revelando seus conflitos e contradições, assim como trazia à tona as próprias diferenças políticas e ideológicas no interior do Congresso constituinte. Nesse contexto, as articulações em torno da questão urbana e do direito à cidade resultaram na proposta de uma emenda específica, a Emenda Popular pela Reforma Urbana, que, por sua vez, deu origem ao Movimento Nacional pela Reforma Urbana (ALCÁNTARA; DAMASCENA, 2014). Criado por diferentes setores progressistas da população, este movimento resgatou o debate sobre a produção e apropriação do espaço urbano e da necessária ruptura com a dinâmica estabelecida; sua plataforma era sustentada em três pilares: a prevalência do interesse coletivo sobre o individual (a função social da cidade e da propriedade urbana); o direito à cidade e à cidadania (acesso à terra urbanizada); e a gestão democrática da cidade (participação política) (SILVA; SILOTO DA SILVA,

2005). Além do resgate de bandeiras históricas, graças à capacidade de abrangência e articulação do Movimento nos meios sociais e institu-

Assembleia Nacional Constituinte recebe emendas populares

Chegada da população para promulgação da Constituição

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Ainda que o movimento das “Diretas já” tenha marcado as lutas sociais pelo fim do regime militar, a transição democrática transcorreu por meio de eleições indiretas, excluindo o ingrediente popular ao recusar a manifestação popular soberana. 3

Na verdade, um Congresso com poderes constituintes tendo em vista a natureza de seu ato convocatório. 4

Garantiram que grupos de eleitores pudessem apresentar suas propostas, desde que “subscritas por 30 mil cidadãos brasileiros e patrocinadas por três entidades da sociedade civil” (VERSIANI, 2010).

Comemoração ao fim da sessão de promulgação da Constituição Imagens/reprodução: Agência Brasil

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cionais ao longo do processo constituinte, o debate sobre a reforma urbana foi incorporado ao texto constitucional, ganhando um capítulo exclusivo – definido pelos artigos 182 e 183 –, que trouxe mudanças institucionais significativas e para a luta pela cidadania. Nesse ambiente de engajamento político, participação popular e de luta pela ampliação e conquista de direitos civis, políticos e sociais, foi promulgada, no dia 5 de outubro de 1988, a nova Constituição Federal do Brasil. A “Constituição Cidadã” representou uma experiência de exercício da cidadania e prática política participativa sem precedentes na história brasileira, considerada a mais avançada das Cartas constitucionais (GOULART, 2009). Nesse sentido, ao inserir o Capítulo da Política Urbana em seu texto, através dos referidos artigos, a Constituição legitimou os princípios da Emenda Popular da Reforma Urbana, reconhecendo o direito à cidade na tentativa de reverter os termos excludentes que marcaram a história do planejamento urbano no país (VILLAÇA, 2004). Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1.º O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2.º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. § 3.º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4.º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no Plano Diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: - Parcelamento ou edificação compulsórios; - Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; - Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco

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anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL, 1988)

A partir do enunciado constitucional, entende-se os novos rumos que a política urbana pretendia tomar: a lógica do mercado e dos interesses privados não deveriam mais comandar o desenvolvimento urbano, que a partir de agora teriam no interesse coletivo sua prioridade; a riqueza privada deveria se submeter à riqueza social, implicando numa divisão mais justa dos custos e benefícios da urbanização num processo de universalização da cidadania. E ainda que nem todas as propostas da emenda popular tenham sido incorporadas ao texto constitucional, os avanços foram inegáveis e representaram o marco inaugural da nova Política Urbana. Contudo, tal ordenação jurídica não seria suficiente para contemplar os anseios sociais pela reforma urbana (VERSIANI, 2010), uma vez que, com exceção do artigo 183, os demais dispositivos foram quase todos remetidos para regulamentação infraconstitucional, o que ratifica a centralidade da promulgação do Estatuto da Cidade, 13 anos depois (GOULART, 2009). E assim, em 2001, finalmente foi instituída a Lei Federal 10.257, com o propósito de regulamentar e normatizar os enunciados do capítulo da Política Urbana da Constituição. O Estatuto da Cidade foi um marco jurídico inovador para a democratização das políticas urbanas (ALCÁNTARA; DAMASCENA, 2014): delimitou os objetivos e o papel dos municípios como executores da política de desenvolvimento urbano; e instituiu uma gama de instrumentos legais para que tais diretrizes fossem cumpridas, incidindo efetivamente na regulação do solo de forma a privilegiar a dimensão social do desenvolvimento urbano (GOULART, 2009). O Estatuto da Cidade, assim, materializaria a cidadania preco-


nizada em 1988, possibilitando a efetivação dos enunciados da Reforma Urbana. Quanto à participação popular e à gestão democrática, assim como na Constituição, no Estatuto da Cidade esses temas recebem atenção especial e assumem um papel de extrema importância, podendo se iniciar desde a negociação e aprovação do Plano Diretor, até sua implantação, através de audiências públicas, conferências, conselhos de política urbana; enfim, todos aqueles meios em que se torna possível a aproximação entre sociedade civil e seus representantes na elaboração e implantação de políticas públicas (GOULART, 2009; VERSIANI, 2010). Vale ressaltar que, apesar desses avanços, limitações ainda existem e não são poucas: nem todos os instrumentos são diretamente aplicáveis, requerendo regulamentação posterior específica, o que significa falta de garantia de que tais ferramentas sejam realmente aplicadas pelos municípios que os incluírem em seus Planos Diretores. Nesse caso, o engajamento e a participação da sociedade civil nos espaços institucionais se revelam mais do que necessários para que o Plano Diretor não tenha caráter apenas litúrgico. Assim como ocorreu ao longo do processo constituinte e da História, quando a sociedade civil assumiu seu papel protagonista e foi politicamente ativa, a cidade tendeu a caminhar em direção a um desenvolvimento urbano mais democrático e de maior inclinação à cidadania.

1.2 A Política Urbana

nos diferentes níveis legislativos

Como a pesquisa5 adotou critérios cronológicos e hierárquicos para a catalogação das normas institucionais da Política Urbana, o ponto de partida foi a Constituição Federal e as

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VAL, 2017.

alterações às quais ela foi submetida; indo em seguida para a legislação infraconstitucional, mais especificamente as Medidas Provisórias, Leis Complementares e Leis Ordinárias. Esta seção apresentará, portanto, parte dos resultados obtidos através do trabalho desenvolvido em 2017, como também análises em relação a esses resultados; além de um balanço geral sobre as principais normas legais, que deram o tom da política urbana desde a redemocratização.

1.2.1

Alterações Constitucionais

Desde a sua promulgação até o ano de 2016, a Constituição passou por 95 alterações, viabilizadas por meio de Emendas Constitucionais6. A classificação expressa no Gráfico 1 foi elaborada a partir das áreas de incidência normativa dessas Emendas. De modo geral, prevalece uma inclinação a arranjos de natureza econômica. Ainda que apenas sete incidam sobre a questão urbana de algum modo (Anexo I), quatro delas (Emendas Constitucionais 17, 55, 84 e 95) fazem menção a mudanças por meio de estratégias de caráter fiscal e tributário, isto é, promovem ajustes econômicos. Essas duas esferas – urbana e econômica – convergem à medida que a reorganização da estrutura do Estado é processada através do reordenamento de recursos de poder (capacidade decisória, distribuição do orçamento etc.). Ademais, há imposição de normas mais rigorosas de equilíbrio fiscal, cuja restrição foi acentuada por meio da Lei Complementar nº 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que tem amparo legal no capítulo II do Título VI da Constituição (Art. 163), a qual tornou ainda mais rígido o estabelecimento de limites de gastos do poder público em nome do equilí-

6

Mudanças constitucionais exigem maioria qualificada para serem aprovadas (3/5 dos votos, ou seja, 308 votos na Câmara dos Deputados e 49 no Senado Federal), mediante duas votações em cada uma das duas casas legislativas. Para uma análise mais detalhada, ver Couto e Arantes (2006).

17


Gráfico 1: Classificação Geral das Emendas Constitucionais [Brasil, 1988-2016] Ciência e Tecnologia Direitos Políticos e Mandatos Economia Educação e Cultura Energia e Recursos Minerais Impostos sobre Municípios, Estados e União Infraestrutura, Transporte e Comunicação Judiciário Legislativo Organização do Estado Participação Popular Política Urbana Receita Saúde e Segurança Sistema Eleitoral e Partidos Políticos Trabalho e Previdência Social 0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

Fonte: elaboração própria

brio fiscal7. Outra mudança digna de destaque é a Emenda Constitucional 26, também do ano 2000, que incluiu o direito à moradia como um direito social fundamental, podendo ser entendida como um marco legal paradigmático no contexto de luta dos movimentos sociais pela reforma urbana. Trata-se, pois, de importante conquista dos movimentos sociais: constitucionalizar esse direito representou uma preciosa garantia institucional, mesmo que as políticas públicas de habitação social tenham se revelado historicamente insuficientes e/ou erráticas. Direitos sociais são conquistas cujo objetivo é garantir condições materiais elementares para o pleno exercício da cidadania, como o direito à saúde, à educação e ao trabalho, enunciados nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal. A partir de fevereiro de 2000, essas condições 7

Mesmo não se tratando de mudança constitucional, a LRF estabelece parâmetros relativos ao gasto público a serem seguidos pela União, estados e municípios. Para tentar controlar os gastos, a LRF os condiciona à capacidade de arrecadação de tributos dos entes federativos, agindo de forma decisiva e complementar às emendas constitucionais supracitadas.

18

fundamentais para o exercício de uma vida digna se estendem ao direito à moradia, uma vez que a forma de morar é definidora da qualidade de vida de uma pessoa, podendo muitas vezes excluí-la ou incorporá-la à condição de cidadã (RANGEL; SILVA, 2009). Quanto aos impactos negativos das alterações constitucionais, a Emenda nº 95/2016 é um notável exemplo ao congelar os orçamentos públicos por vinte anos, limitando os investimentos em políticas sociais, cujas demandas se ampliam na mesma proporção em que se aprofunda a crise econômica na qual o país está mergulhado. Por isso, foi nomeada como a “PEC do fim do mundo”. Em suma, embora as mudanças constitucionais não promovessem retrocessos diretos quanto aos enunciados formais da Política Urbana, a predominância da agenda econômica e a obstinação pelo ajuste fiscal desse período tenderam a limitar a implantação de políticas públicas orientadas pelos ideais da reforma urbana.


1.2.2

A legislação infraconstitucional

O levantamento infraconstitucional compreendeu três modalidades legais: Medidas Provisórias, Leis Complementares e Leis Ordinárias. O material pesquisado foi catalogado conforme sequência cronológica, tomando-se como ponto de partida a promulgação da Constituição para melhor dimensionar sua periodização, tendo sido posteriormente classificado por meio de súmulas e quadros organizados em torno de quatro aspectos: a) status jurídico/natureza institucional (tipo de norma); b) origem da norma (Executivo, Legislativo ou eventualmente matéria de iniciativa popular); c) ementa e conteúdo substantivo da matéria; e, finalmente, d) sua incidência normativa, ou seja, como potencialmente afeta a regulação urbanística. Essa escolha classificatória pretendeu formular e organizar elementos chaves para melhor compreender a cronologia e o fluxograma da evolução da Política Urbana. O principal método para o levantamento foi por meio de consulta à plataforma do Planalto, utilizando-se de palavras-chave para a busca, sendo elas: “município”, “urbano”, “interesse social” e “habitação”. A classificação das mesmas por meio de gráficos, tal como a das Emendas Constitucionais, foi definida empiricamente, levando-se em conta suas respectivas áreas de incidência normativa.

MEDIDAS PROVISÓRIAS Com força de lei e produzindo efeitos imediatos, a Medida Provisória (MP) é um instrumento típico de sistemas de governo parlamentaristas nos quais o chefe de governo, comumente detendo maioria parlamentar, é investido de autoridade legal para liderar ações governamentais e adotar medidas legislativas. Para fazê-lo, se vale de instrumentos eficazes e

ágeis como as MPs8. Na prática, a Medida Provisória confere ao governo o poder de alterar o status quo de forma unilateral, ou seja, tem força de lei a partir de sua publicação, criando enormes constrangimentos para o Poder Legislativo eventualmente rejeitá-la. Em tais condições, o Poder Executivo não só se fortalece como assume melhores condições para efetivamente dominar a agenda legislativa. No período estudado (1988-2016), foram aproximadamente 5 mil Medidas Provisórias submetidas ao Congresso Nacional, dentre as quais cerca de 1.400 convertidas em lei, sendo que 27 delas incidem direta ou indiretamente sobre o escopo da Política Urbana (Anexo II). Destas se destacam as que tratam de assuntos relacionados à política habitacional, as quais representam um total de 72% (21 normas). Desse montante, entretanto, há uma evidente diferença no viés de incidência normativa9, relacionada diretamente ao período político ao qual pertencem. Os anos 1990 e início dos anos 2000 foram marcados por um período de grande instabilidade política e econômica, com largas consequências negativas nas finanças públicas. Assim, a estabilização monetária era o maior objetivo da política econômica e, devido ao seu contexto de urgência, foi sendo traduzida em Medidas Provisórias de ajuste fiscal (LOUREIRO, 2011), inclusive nas matérias de política habitacional, estando vinculadas a normas do Sistema 8

Importante registrar que muitas das mais importantes mudanças institucionais do país já no período democrático foram implantadas por meio de Medidas Provisórias, tais como os planos econômicos que envolveram mudança de moeda (Plano Cruzado em 1986 e Plano Real 1994), além da criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) em 2009. Sobre o debate quanto ao sistema de governo, ver Rogério (2007) e Limongi (2006); sobre a genealogia da Constituinte, ver Rocha (2013). 9

Ao longo da classificação dessas normas – sejam elas Medidas Provisórias, Leis Complementares ou Ordinárias –, foi convencionado pela autora que algumas delas podem incidir em mais de uma área da política urbana. Por isso, os percentuais e os números apresentados podem não corresponder a valores totais exatos. A MP 2.220/2001, por exemplo, foi classificada tanto como “Política Habitacional” quanto também como “Desenvolvimento e Infraestrutura Urbana”, sendo assim, contabilizada em ambas as áreas de incidência normativa.

19


Gráfico 2: Classificação das Medidas Provisórias relacionadas à Política Urbana [Brasil, 1988-2016]

Desenvolvimento e Infraestrutura Urbana

10

Garantia de Direitos Sociais e Civis

3

Meio Ambiente e Sustentabilidade

3

Planejamento e Regulação do Espaço Urbano

10

Política Habitacional

72 0%

20%

40%

60%

80%

Fonte: elaboração própria

Financeiro de Habitação ou a reajustes em aluguéis e parcelas de financiamentos10. Com o governo Lula, entre 2003 e 2010, passou a ser adotado um modelo de inspiração desenvolvimentista que buscou impulsionar a economia através da redistribuição de renda, difusão do consumo e indução do crescimento, defendendo o aumento dos gastos públicos em políticas de habitação, saneamento e infraestrutura (LOUREIRO, 2011). Nesse sentido, a política econômica (também predominantemente definida através de MPs) admitiu mais atenção à política habitacional, porém, com outro sentido, qual seja, investimentos em programas habitacionais e de desenvolvimento e infraestrutura urbana. A própria criação do Ministério das Cidades sintetiza essa nova orientação; assim como são os casos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ambos programas de grande importância no cenário da política urbana nacional, originários de Medidas Provisórias (MP 350/2007 e MP 387/2007, respectivamente). Essas MPs revelam a mencionada estratégia que o Executivo adota para governar, 10

Importante lembrar que as parcelas da população às quais essas políticas se destinavam eram justamente as que sentiam de forma mais dramática os impactos da crise e da recessão (relação esta que, a rigor, pode ser replicada até hoje), quais sejam, os segmentos do estrato socioeconômico mais vulnerável.

20

mesmo quando o assunto não tem um caráter de urgência claramente definido, mas também quando há um grande interesse social e político. Programas sociais da magnitude do PMCMV e do PAC certamente passariam por diversos entraves até sua conversão em lei caso tivessem sua origem em projetos legislativos ordinários, tanto pelos elevados investimentos necessários, quanto pelo seu foco ser o atendimento à população pobre. A tramitação de uma matéria ordinária é lenta no Congresso Nacional porque devem ser respeitados diversos ritos procedimentais. A mudança de orientação entre governos pode ser confirmada pela constatação de que tanto o PAC quanto o PMCMV sofreram elevados cortes entre o fim de 2016 e ao longo de 2017, já durante o governo do presidente Michel Temer. Tais políticas tiveram largo impacto socioeconômico e grande potencial transformador. O PMCMV pode ser entendido como uma política pública que se inscreve na orientação mais geral de redução da desigualdade social e do déficit habitacional através da ocupação diferencial da terra, sendo responsável por melhorar indicadores socioeconômicos e possibilitar que milhares de famílias pudessem ter uma moradia minimamente digna. No ano de 2014, mais de R$ 240 bilhões já haviam sido investidos para a construção de aproximadamente 2 milhões de unidades, número nunca antes visto na história habitacional brasileira (KOPPER,


2016). Mais ainda: estima-se que mais de 40% desses investimentos tenham sido destinados (na forma de subsídios) a famílias com renda de até 3 salários mínimos, público que foi historicamente excluído das políticas habitacionais11. O PAC, por sua vez, foi criado com o propósito de promover investimentos em áreas de energia de infraestrutura - saneamento, transporte, recursos hídricos e habitação -, a fim de possibilitar a dinamização da economia, estimular os setores produtivos e ainda trazer ganhos sociais para as regiões do país (TONELLA, 2013). Apesar do discurso desenvolvimentista, o Programa não atingiu todas as metas previstas para cada uma de suas áreas (RODRIGUES, T., 2011), mas ainda assim há de se convir que foi uma proposta audaciosa para enfrentar os gargalos de infraestrutura e do sistema produtivo nacional. Análises críticas dos governos lulistas sustentam que as gestões oscilaram entre políticas sociais focalizadas e a adoção de medidas de ajuste fiscal (DRUCK e FILGEUIRAS, 2007), o que, de maneira geral, seria característico de todos os governos pós-democratização. Ademais, políticas econômicas envolvem interesse fundamental do Executivo, formuladas, em sua maioria, no bojo da burocracia do próprio Executivo, protegidas pelo respaldo da presidência contra as pressões do Congresso ou de demais atores sociais organizados. Tal crítica, contudo, não captura o essencial: sua orientação programática consistia em aliar estabilidade econômica à democratização do acesso a bens e serviços públicos com inclusão social. Esse conteúdo programático foi viabilizado através do aumento da renda real das camadas inferiores da pirâmide social e pela ampliação da cobertura aos brasileiros situados abaixo da linha da pobreza (SALLUM JR.; GOULART, 2016; SINGER, 2009).

11

Os méritos do PMCMV, contudo, não devem obscurecer seus muitos problemas de natureza habitacional e urbanística, e principalmente o fato de que foi um programa anticíclico criado para mitigar os efeitos da crise econômica mundial que eclodiu em 2008-2009. Para uma leitura crítica, ver: Ferreira (2015) e Rolnik et al. (2015).

LEIS COMPLEMENTARES Hierarquicamente superiores às leis ordinárias e demais regulamentos jurídicos, essas normas exercem função de complementação à Constituição Federal, inclusive para regulamentá-la (CHEHAB, 2012). Podem ser propostas pelo Executivo, senadores, deputados, comissões do Congresso Nacional, ou ainda por cidadãos comuns por meio de iniciativa popular legislativa. Das 99 leis complementares aprovadas, 5 delas foram consideradas relevantes para o tema da pesquisa (Anexo III). Ainda que a temática urbana não seja abordada de forma direta em alguns casos, tais leis são relevantes porque sua aplicação incide na garantia de direitos sociais fundamentais, em cujo rol a moradia e a vida digna se destacam nos enunciados constitucionais. São normas que tratam de temas chaves como reforma agrária e erradicação da pobreza, as quais indicam objetivos fortemente associados ao ideário da reforma urbana, especialmente no que diz respeito à democratização do acesso à terra. Nesse sentido, vale destacar especialmente a Lei Complementar nº 111/2001: esta norma cria um fundo específico de responsabilidade dos estados destinado ao financiamento de projetos e ações de habitação e saúde para famílias abaixo da linha da pobreza; garante e materializa direitos sociais; e também incide de forma mais direcionada na Política Urbana ao fomentar ações de interesse social voltadas para ampliar as possibilidades de acesso à habitação social.

LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA Leis ordinárias constituem os códigos jurídicos rotineiros que complementam as normas constitucionais não regulamentadas pelas Leis Complementares ou pelos decretos legislativos e resoluções. Assim como as Leis Complementares, um projeto de Lei Ordinária pode ser proposto pela presidência da República, deputados, senadores, Supremo Tribunal Federal, tribunais superiores e pela população por meio de iniciativa popular legislativa. Ao mesmo tem21


po em que pouco foi produzido em relação à Política Urbana no âmbito das leis complementares, no caso das leis ordinárias houve uma produção quantitativa bem mais expressiva12, principalmente na área da habitação. Entretanto, das aproximadamente 5 mil leis produzidas ao longo do período analisado, apenas 40 delas tratam mais diretamente do tema pesquisado (Anexo IV), as quais permanecem em vigência, representando menos de 1% das leis ordinárias aprovadas. Das 40 Leis Ordinárias catalogadas, há predominância das que abordam a questão habitacional (25), fato que pode ser parcialmente justificado pela relação existente entre estas e as MPs: por haver um número maior de MPs tratando sobre políticas habitacionais, consequentemente haverá um número grande também de Leis Ordinárias tratando sobre o mesmo tema, uma vez que todas as MPs levantadas foram convertidas em lei. Essa característica se

repete nos demais temas: do total supracitado, apenas 15 tiveram sua origem de projetos de lei, propostos por senadores ou deputados federais – e 1 dessas 15, ainda assim, teve como autor do Projeto de Lei o próprio Poder Executivo13. Como observa a literatura, face às prerrogativas estabelecidas na Constituição Federal de 1988, o Executivo legisla (LIMONGI, 2004). Voltando à questão habitacional, a partir dos governos Lula é dada maior atenção às políticas sociais 14. Exemplo: o Programa Especial de Habitação Popular (Lei 10.840/2004) – cuja fonte de recursos era o Fundo de Desenvolvimento Social (Lei 8.677/1993) – promove, por meio de mutirões, associações locais e cooperativas, o acesso à moradia digna e adequada à população pobre através do financiamento, produção de unidades habitacionais em lotes urbanizados e da requalificação urbana. Apesar do seu potencial transformador ao associar os direitos à moradia e à cidade, não teve tanto alcance

Gráfico 3: Classificação das Leis Ordinárias Catalogadas [Brasil, 1988-2016] Acessibilidade e Mobilidade Urbana

7

Desenvolvimento e Infraestrutura Urbana

7 2

Garantia de Direitos Sociais e Civis Meio Ambiente e Sustentabilidade

12 12

Planejamento e Regulação do Espaço Urbano Política Habitacional

60 0%

20%

40%

60%

Fonte: elaboração própria

12

Enquanto a aprovação de uma Lei Complementar requer maioria absoluta no Senado e na Câmara (metade mais 1 de cada casa legislativa), para uma Lei Ordinária ser aprovada, há a exigência de um quórum menor e de maioria simples (metade mais 1 dos presentes na sessão); essa diferença ajuda a explicar a maior quantidade desse tipo de norma produzida em um universo de 594 congressistas (513 deputados e 81 senadores).

13

22

Os números reiteram a observação já feita a respeito

da “solução” encontrada pelo Executivo para poder legislar através das Medidas Provisórias, sendo uma característica comum em todos os períodos de governo, aparecendo recorrentemente ao longo desses 28 anos analisados. Em suma, o Executivo legisla nas matérias mais importantes e faz largo uso de MPs. 14

A partir desse momento (2003), também há maior incidência de normas e políticas dedicadas às questões habitacional e urbanística.


quanto o PMCMV (Lei 11.977/2009); na prática, este programa não logrou êxito no objetivo de articular essas duas dimensões (direito à habitação e direito à cidade) de forma satisfatória, pois reproduziu a lógica da segregação socioespacial que caracterizou o processo de urbanização do país (FERREIRA, 2015; KOPPER, 2016). No ano seguinte foram criados o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS e FNHIS – Lei Federal 11.124/2005); uma vitória na luta por moradia tanto pelo seu Projeto de Lei ter origem de iniciativa popular – exceção à regra na produção legislativa, dominada pelo Executivo –, como pelo fato de ter possibilitado “condições legais e institucionais para a consolidação do setor habitacional como política de Estado” (TONELLA, 2013). Marco também importante é a Lei 11.888/2008 (Lei da Assistência Técnica), que regulamentou os enunciados da Constituição15 e do Estatuto da Cidade quanto à moradia digna e ao direito à assistência técnica e jurídica gratuita para a população com renda inferior a 3 salários mínimos; incidindo como instrumento jurídico e político através da definição de parâmetros para a prestação desse serviço por parte dos profissionais das áreas envolvidas. Outras Leis relativas às demais áreas de incidência também merecem destaque, notadamente o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001): trata-se do marco regulatório mais importante da Política Urbana por regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição, introduzindo diretrizes e instrumentos regulatórios a fim de que essa política passasse a ser pautada por parâmetros mais democráticos, universalistas e distributivos (TONELLA, 2013). Em 2003 foi criado o Ministério das Cidades, que passou a tratar de forma integrada das políticas urbanas, postura bastante inovadora para a época. A ideia de uma agência centralizada voltada à questão urbana – inspirada no modelo institucional francês de nomenclatura homônima – havia sido proposta originalmen-

te no “Projeto Moradia”, anteprojeto de política urbana elaborado no Instituto Cidadania por profissionais, acadêmicos e representantes de movimentos sociais ligados ao Partido dos Trabalhadores 16. Quanto à questão ambiental, tem-se em 2007 a promulgação da Lei do Saneamento Básico (Lei 11.445/2007), que estabelece diretrizes para o saneamento básico e reconhece o direito ao acesso a esse serviço para toda a população brasileira. Iniciativa coerente, uma vez que a ideia de “moradia digna” e a função social da cidade já estavam previstas na Constituição e no Estatuto da Cidade, e não dizem respeito apenas a unidades habitacionais isoladas. O direito à cidade democrática também engloba o acesso ao mínimo de qualidade de vida. A Lei de Mobilidade Urbana (Lei 122.587/2012) introduziu os objetivos de melhorar a acessibilidade e a mobilidade de pessoas e cargas nas cidades através de instrumentos que regulam a circulação em horários determinados, tarifas, espaços exclusivos para transporte público e meios de transporte não motorizados. Esta norma é importante porque influi diretamente sobre a regulação urbanística, buscando alterar a dinâmica do cenário urbano, sendo a mobilidade uma das suas dimensões de exclusão, visto que se locomover nas cidades sem um automóvel tem se tornado um ato de resistência, enquanto o oposto, um privilégio. Finalmente, em 2015, foi aprovado o Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015) instituído a fim de promover o planejamento, gestão e execução de funções públicas que sejam do interesse comum entre as cidades integrantes de regiões metropolitanas, através de diretrizes gerais estabelecidas e compartilhadas entre os municípios de suas respectivas regiões metropolitanas.

16

15

Emenda Constitucional nº 26 alterou a redação do art. 6º da Constituição, incluindo o direito à moradia digna como um direito social fundamental.

Este projeto, concluído em 2000, teve supervisão de Clara Ant, e participação de Pedro Paulo Martoni Branco, André de Souza, Ermínia Maricato, Evaniza Rodrigues, Iara Bernardi, Lúcio Kowarick, Nabil Bonduki.

23


1.3 As normas

estruturantes da Política Urbana

Dentre as normas catalogadas e analisadas, algumas se destacam, caracterizando-se como estruturantes da Política Urbana e intimamente relacionadas aos acontecimentos políticos e sociais de seus respectivos períodos, assim como às escolhas políticas dos governos de turno. A retomada dos movimentos sociais durante as décadas de crise da ditadura militar colocou no centro da arena política não só as lutas pela redemocratização, mas de vários setores marginalizados, como aqueles a favor da reforma urbana. Foi nesse contexto que o processo constituinte (1986-1988) se deu, caracterizado pela forte presença desses movimentos, sendo essa participação reconhecida na Constituição ao ser firmado, então um novo pacto social entre Estado e sociedade, marcado pela democracia como sistema político e por diretrizes distributivas, e também de forma inédita um capítulo dedicado à Política Urbana (artigos 182 e 183). Esse capítulo introduziu de maneira inovadora o conceito de função social da propriedade e da cidade, estabeleceu a descentralização do poder, atribuindo aos municípios a execução das políticas públicas de planejamento urbano e territorial acompanhados dos Planos Diretores, que viriam a se tornar o principal (e obrigatório) instrumento de regulação do solo urbano. Os anos 2000, por sua vez, foram marcados pela Emenda Constitucional nº 26, que reconheceu o direito à moradia como um direito social fundamental, expandindo o conceito de moradia para aspectos mais amplos: habitação como direito social associada à salubridade, transporte, infraestrutura urbana, enfim, tudo que garante à pessoa humana o mínimo de dignidade. Em 2001 foi instituído o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257), que regulamentou o capítulo de Política Urbana da Constituição e trouxe instrumentos regulatórios inovadores com o propósito de promover ordenação territorial mais 24

justa, reforçando o cumprimento da função social da propriedade, preceitos a serem aplicados através do Plano Diretor, elaborado pelo poder local. Tais inovações são complementadas por mecanismos destinados à gestão democrática, possibilitando a participação popular através da criação de conselhos, conferências etc. A partir de 2003 há uma intensa produção normativa sobre a questão urbana. A mudança governamental se refletiu nas políticas públicas, e a agenda fiscal e econômica deu lugar a uma nova orientação para a Política Urbana, com maior atenção para as políticas públicas de habitação e desenvolvimento urbano. É criado, então, o Ministério das Cidades (Lei Federal nº 10.683/2003), com o objetivo de articular uma nova política nacional em torno dos problemas sociais relacionados à moradia, transporte e saneamento; dando espaço, reconhecimento e visibilidade aos conflitos através da abertura de espaços democráticos e participativos. Também em 2003 foi convocada a primeira Conferência Nacional das Cidades e a segunda em 2005, para discussão e formulação da nova Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Da primeira Conferência surgiu o Conselho das Cidades, espaço deliberativo para viabilizar o debate sobre as questões e propostas trazidas pelas conferências e pelo próprio Ministério; e foi nesse Conselho que foi aprovada a campanha nacional “Planos Diretores Participativos”, de 2005, a fim de mobilizar a sociedade e lideranças municipais para a elaboração de seus planos dentro do prazo estabelecido pelo Estatuto da Cidade (ROLNIK, 2006). O Conselho das Cidades se tornou um importante espaço político para definição de estratégias e medidas de distribuição de recursos dos programas e ações, além de um foro de debate sobre a aplicação prática do Estatuto da Cidade (MARICATO, 2006). No financiamento habitacional, o Ministério das Cidades propôs o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), juntamente com seu Fundo e conselho gestor, a fim de atender à população pobre e superar o modelo do regime militar, durante o qual as classes média e alta se beneficiaram das políticas do BNH (MARICATO, 1987; TONELLA, 2013). Na prática, porém, essa proposta não prosperou e foi supe-


rada pelo PMCMV. A Política Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) estabeleceu diretrizes, objetivos e metas de programas, ações e estratégias de investimento nesse setor, além de universalização do acesso, e de prever a participação popular por meio de órgãos colegiados de caráter consultivo, aos quais é assegurada a participação dos usuários dos serviços prestados, assim como da sociedade civil organizada (GAMA, 2010). Em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 10.305/2010) emergiu como alternativa para instituir diretrizes para a gestão de resíduos sólidos, visando à redução e ao tratamento do volume produzido, como resposta à degradação ambiental e à cultura do acúmulo e produção de lixo da nossa sociedade de consumo (IUME, 2015). Ao longo dos 10 anos de tramitação do seu projeto de lei, a Política Nacional de Resíduos Sólidos contou com a participação popular, representada por catadores de recicláveis, como também de representantes de grandes empresas (IUME, 2015). Pode-se associar essa inclusão como efeito da gestão democrática, evidenciando que a participação popular, apesar de ainda não atender ao esperado pela Constituição, é valiosa no fazer político. Em 2012, a Lei de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) estabeleceu as diretrizes de regulamentação e planejamento, visando a incentivar o deslocamento por meios de transporte não motorizados e coletivos, além de desestimular o uso do transporte individual particular, na tentativa de reparar a distorção na cultura do planejamento, ainda predominante, voltada para o automóvel. Vale ressaltar que muitas das mudanças relativas à mobilidade nas cidades realizadas até então foram possíveis devido ao volume de recursos dos diferentes PACs criados com esse propósito, desde 2009; consumou-se assim o maior ciclo de investimentos em mobilidade urbana (RUBIM, 2013). Esse conjunto de normas pretendeu garantir o preceito da qualidade de vida digna, para tornar as cidades mais justas, sustentáveis e democráticas. Não obstante, assim como os programas de produção habitacional, não foi capaz de atender às vastas demandas das cida-

des brasileiras. Ademais, é preciso considerar que a sua aplicação requer tempo e investimentos (que agora tendem a diminuir cada vez mais) para enfim executar alterações sobre o território urbano. Em geral, são leis que possuem aspectos progressistas e inovadores que questionam a lógica predominante nas cidades, seja em relação ao consumo, ao tratamento do lixo produzido por esse consumo, ao acesso a condições salubres de saneamento, ou ainda ao hostil sistema de transporte vigente na maior parte das cidades; por isso mesmo, trazem desafios às governanças locais, regionais e à União; com um propósito audacioso de reverter a referida lógica mercantil e devastadora das cidades. Outro aspecto central é que não basta apenas reconhecer a moradia como um direito universal, mas também se faz necessário reconhecer que a garantia de uma vida digna nas cidades não se resume apenas a isso. É preciso aliar esse direito ao acesso à água limpa e potável; à drenagem; ao descarte adequado de lixo; à salubridade; ao transporte integrado e ao deslocamento acessível e seguro pela cidade. O MCidades foi criado com o propósito de tratar de todas essas questões de forma integrada, adicionando a participação popular nos processos decisórios sobre esses temas. No segundo mandato de Lula, houve a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, Lei nº 11.578/2007) e do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV, Lei nº 11.977/2009). O PAC pretendeu centralizar o planejamento dos projetos de infraestrutura, investindo em ações de desenvolvimento, aumento da produtividade e promoção de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para amenizar desequilíbrios regionais e sociais; pretendia-se, ademais, impulsionar o crescimento econômico nacional por meio de investimentos nas áreas de infraestrutura logística, incentivos tributários e financeiros ao setor privado (JARDIM, 2015). Foram mais de R$ 170 bilhões em infraestrutura social e urbana, divididos em projetos sociais, de saneamento básico, habitação (mais especificamente o PMCMV, com cerca de R$ 100 bilhões), metrô e recursos hídricos (JARDIM, 2015). O Programa Minha Casa Minha Vida recebeu cerca de 60% do investimento total do PAC, 25


revelando, não por acaso, a importância que a habitação recebeu nesse momento. O PAC foi importante também para a geração de empregos nos municípios beneficiados com suas obras, utilizando-se da mão de obra local, principalmente de membros de famílias abaixo da linha da pobreza; também uma medida anticíclica para enfrentar a crise econômica internacional, através da geração de empregos e renda, e ainda de habitações17. Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014), o “PAC 2”, além dos eixos de transporte, energia e infraestrutura, teve ênfase nos investimentos de programas sociais, além da continuidade do PMCMV, que, nessa roupagem passou a receber 30% dos recursos18, beneficiando mais de 500 mil famílias pelo país (BRASIL, 2014). São números expressivos e sem precedentes na história da habitação social no Brasil. Apesar disso, a lógica da segregação socioespacial do PMCMV não se distinguiu daquela reproduzida pelos programas implantados em períodos anteriores, pois as forças e interesses de mercado continuaram sendo determinantes (LOUREIRO, 2011), estimulando o assentamento das populações mais pobres nas periferias. Ademais é um programa muito discutível do ponto de vista da qualidade arquitetônica e ambiental, além de assegurar amplas garantias aos empreendedores imobiliários, que, assim, têm autonomia para seleção de áreas para implantação de projetos e não correm riscos (ROLNIK et al., 2015). A Lei da Assistência Técnica (Lei nº 11.888/2008) foi importante no sentido de reconhecer que o conceito de moradia digna vai além de “quatro paredes e um teto”; ademais, regulamenta os enunciados da Constituição e do Estatuto da Cidade sobre o direito de as camadas pobres receberem atendimento profissional em projetos de construção e reforma. O acesso à assistência técnica implica em pertencimento à cida17

Até 2011, foram quase 238 mil casas entregues, das quais 92 mil delas para famílias com renda de até 3 salários mínimos; 139 mil unidades para famílias de 3 a 6 salários mínimos; e outras 7 mil para aquelas entre 7 e 10 salários mínimos (JARDIM, 2015). 18

Traduzidos em mais de R$ 3 bilhões e mais de 667 mil famílias beneficiadas; além de R$ 12,7 bilhões destinados à urbanização de assentamentos precários (BRASIL, 2014).

26

de legal e o reconhecimento da autoconstrução como alternativa de provisão habitacional, mediante execução de projetos e serviços prestados por profissionais custeados com recursos públicos (CAMACHO, 2016). Esta Lei estabelece também aspectos participativos, permitindo que seus moradores sejam agentes ativos no projeto (que deve observar especificidades de cada comunidade) e na execução, como nos casos dos mutirões. No segundo mandato de Dilma Rousseff, foi promulgado o Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/2015), norma importante na ampliação das práticas do planejamento nos grandes centros e aglomerações urbanas metropolitanas, pois a dinâmica de planejamento em escala regional estava institucionalmente defasada em relação à escala local (FELDMAN, 2009). Apesar de todas as virtudes e ressalvas sobre as normas supracitadas, consideradas as mais relevantes na estruturação da política urbana, em 2016 (na presidência de Michel Temer) temos a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, considerada uma das mais relevantes, porém, em sentido negativo. A referida norma restringe os gastos públicos por 20 anos, limitando-os à correção inflacionária do período anterior, invocando a contenção do teto dos gastos públicos como medida de combate à “crise”, garantia do reequilíbrio fiscal e crescimento econômico. Em que pese ser uma regra de natureza fiscal que transcende o escopo urbanístico, essa norma põe em risco muitos dos avanços conquistados, pois um congelamento de gastos públicos representa falta de investimentos do Estado em um país reconhecidamente carente em políticas públicas. Na prática, serão afetadas diretamente as áreas sociais que buscam garantir uma vida mais justa e digna nas cidades, como a da habitação, da saúde e do saneamento, por exemplo. Além disso, é de se prever que, com o cenário de recessão e de aumento da vulnerabilidade social, mais e mais contingentes sociais busquem amparo nas políticas públicas. Agora existe um dispositivo institucional forte para não se investir em políticas públicas sociais de um modo geral; uma vez que, se até 2016, mesmo com todo o aparato legal existente, a sua aplicação e implantação já estavam em descompasso com


a produção normativa, com esta Emenda o descompasso certamente será ainda maior. A referida Emenda rompe com o pacto social da Constituição, encerrando um ciclo de ampliações – mesmo que limitadas – de direitos sociais e civis, além de atribuir um caráter contraditório ao texto constitucional, uma vez que em todo o seu conteúdo impera a universalização desses direitos. A partir desta, todos os entraves políticos mencionados ao longo da pesquisa, que vêm impedindo a plena execução das normas que também foram expostas aqui, se tornam ainda mais difíceis de serem vencidos.

1.4 Panorama geral O período recoberto pela pesquisa original, além de representar uma evolução sem precedentes da legislação urbanística brasileira, é também o ciclo de maior estabilidade democrática experimentada pelo país. Os avanços institucionais relacionados à questão urbana representam uma parte das diversas conquistas no campo dos direitos sociais e civis previstos na Constituição, sendo este o marco institucional mais importante do período por firmar um novo pacto social em direção a um caminho mais igualitário, justo e inclusivo. Todavia, não há sinais de que houve rupturas dignas de registro no modelo de desenvolvimento urbano do país. Isso porque nem só de avanços essa trajetória se fez. Os obstáculos sempre estiveram presentes, como também não foram poucas as forças contrárias a fazer das cidades espaços mais democráticos.

Em primeiro lugar, não se pode ignorar a dimensão político-institucional. O arranjo herdado da Constituição confere amplos poderes ao Executivo, mas este carece de maioria para obter governabilidade por meio de coalizões, modelo que a literatura batizou de “presidencialismo de coalizão”. Em segundo lugar, a despeito de a legislação conter diversos mecanismos e instrumentos de gestão para induzir ou conter o adensamento urbano, não há nenhuma obrigatoriedade para que tais ferramentas sejam utilizadas isolada e/ ou articuladamente. Nesses termos, por exemplo, os instrumentos jurídicos e urbanísticos do Estatuto da Cidade tornam-se enunciados meramente litúrgicos, e sua adoção vira letra morta nos Planos Diretores, cuja eficácia tem se revelado muitíssimo modesta (SANTOS; MONTANDON, 2011). Em terceiro lugar, embora o arranjo institucional atribua aos municípios a competência pela gestão do desenvolvimento urbano, a incidência das políticas decididas em níveis superiores de governo modela decisivamente as formas e padrões de produção do espaço intraurbano. Bastaria tomar como exemplo os impactos urbanísticos, ambientais e sociais de ações como programas habitacionais e de estímulo/isenção fiscal à indústria automobilística. Em quarto lugar, face à baixa regulação a que é submetida a propriedade da terra (além de sua concentração) e à alta rentabilidade do mercado fundiário, a atividade imobiliária tem se caracterizado pelo dinamismo e pela superprodução habitacional (OTERO, 2016). Assim, a permissividade do poder público na regulação urbana possibilita a multiplicação de diferentes expressões de empresariamento urbano (HARVEY, 2005), por meio do qual se consuma a mercantilização da cidade com enormes prejuízos sociais (GOULART; TERCI; OTERO, 2017; VAINER, 2000). Nesses termos, a Política Urbana vem sendo tratada no âmbito do Estado brasileiro – tanto no plano federal quanto nos municípios – como uma dimensão caudatária da economia vinculada às estratégias de indução econômica e de reconversão produtiva. Esse status de subordinação resulta em ações e políticas erráticas que, como observa Erminia Maricato, re27


mete ao esquecimento do “coração da reforma urbana”, a saber, a reforma fundiária (CIDADES REBELDES, 2013, p. 23). Com o retorno de forças conservadoras ao poder, os avanços consumados e aqueles ainda a serem conquistados ficaram ainda mais remotos, tornando o futuro das cidades e do país incertos. A vigência da Emenda Constitucional nº 95 (2016) e a extinção do Ministério das Cidades (2019) são provas desse atraso. Como parte da agenda de retrocessos, há ainda a recente Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 80/2019, que altera o artigo 182 do capítulo da Política Urbana no sentido de submeter o cumprimento da função social da propriedade urbana ao direito de propriedade privada, colocando-a como fundamental, prioritária e “sagrada” em relação aos interesses coletivos e ao bem-estar da sociedade; ademais, retira do poder municipal a competência de atuar diretamente sobre a desapropriação, ficando esta prerrogativa subordinada à autorização do Poder Legislativo ou por meio de decisão judicial sob a alegação de supostas “injustiças” cometidas sobre os interesses privados. Não há dúvidas de que os avanços conquistados até hoje são, em grande parte, frutos de resistência e da pressão popular da sociedade civil e, ainda que seja um direito do cidadão comum propor projetos de lei ao Congresso, apenas uma das normas relacionadas tem sua origem na organização e iniciativa da sociedade civil. Essa constatação pode ser entendida como reflexo de uma mudança social e política e um sintoma da perda de engajamento, de força e do poder de articulação popular, marcantes ao longo dos anos anteriores durante o processo constituinte e mesmo no período de tramitação do Estatuto da Cidade. Diante desse paradoxo entre avanços e retrocessos, o trabalho que se propõe daqui em diante toma como pressuposto a relação entre educação, cidadania e direito à cidade, remetendo à discussão sobre a efetividade e as limitações dessa relação. Muito foi dito a respeito de alguns desses temas – não raramente de forma exaustiva –, mas agora, para fins metodológicos, se faz necessário que algumas definições pontuais e específicas sejam feitas para que tal rela28

ção possa ser traçada de forma mais criteriosa e assertiva.

Imagem: Rogério Z. Gomes Arte: autora


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capítulo 2. a educação no Brasil Este capítulo problematiza alguns pontos em torno da educação pública no Brasil, com o objetivo de identificar elementos marcantes não só no sentido pedagógico, mas também nas dimensões social e política. O acesso à educação básica se difundiu em todo o país ao longo das últimas décadas, com uma capacidade progressiva de absorver crianças e jovens, atingindo praticamente a universalidade em 2010 (RIBEIRO, et al., 2015). Apesar dessa ampla difusão, muitos jovens chegam ao ensino médio trazendo consigo marcas de um ensino fundamental precário, com significativa dificuldade de leitura e interpretação de texto 19, o que torna o aprendizado desses alunos muito aquém do esperado. Ou seja, de um sistema que nas décadas de 1960, 1970 e 1980 era incapaz de educar grande parte da população em termos quantitativos (RIBEIRO et al., 2015), hoje ainda enfrenta problemas quanto à sua qualidade, apresentando baixo desempenho educacional (FILHO; KIRSCHBAUM, 2015). Pode-se inferir então que, apesar dos avanços, a educação pública no país ainda apresenta um incômodo “fracasso”. E esse fracasso tem raízes históricas, que acompanham as raízes da desigualdade no Brasil, justamente por estarem intimamente ligadas entre si (RIBEIRO et al., 2015; RIBEIRO, 2018). As seções a seguir buscarão elencar algumas respostas a fim de entender as possíveis razões desse fracasso, como também identificar questões mais específicas a respeito da educação pública e do ensino médio

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Depoimento de Marcos Chagas entrevista à autora em 20/08/2019.

no estado de São Paulo. Por razões metodológicas e delimitação investigativa, optou-se pela escolha do Ensino Médio como objeto de estudo, pois é nessa etapa de escolarização que se ratifica a divisão social do trabalho, a qual, a partir das políticas educacionais, distribui as pessoas de acordo com sua origem de classe, entre atividades e funções intelectuais e manuais (NASCIMENTO, 2007 apud ESQUINSANI, 2019).

2.1 Breve caracterização Como o próprio título sugere, esta seção não tem a pretensão de traçar de forma aprofundada o percurso histórico da educação no Brasil, mas sim apresentar, de maneira geral, os principais acontecimentos e transformações – sociais, políticas e econômicas – que marcaram esse processo. Porque a educação, organizada formalmente pela escola e seu currículo, nada mais é do que uma construção social, resultado de um processo histórico (SILVA, 2013). E para compreendê-lo minimamente é fundamental apreender os principais aspectos e agentes responsáveis por compor o “estado da arte” da educação brasileira. O Brasil passou por mudanças significativas em sua estrutura social e econômica ao longo do século XX: de uma economia predominantemente agrícola e uma população majoritariamente rural, a partir de das décadas de 1950 e 1960 – marcadas pela explosão demográfica das cidades brasileiras devido ao intensificado êxodo rural – se tornou um país industrial, com uma 29


população urbana espantosamente superior à rural em pouquíssimo tempo, fazendo dessa industrialização e urbanização processos extremamente caóticos. Assim: EM LUGAR DE MULTIPLICAR AS ESCOLAS PARA ATENDER À NOVA CLIENTELA URBANA, SIMPLESMENTE AS DESDOBRARAM EM TURNOS: DOIS, TRÊS E ATÉ QUATRO. ABANDONOU-SE ASSIM O MODELO MUNDIAL DE ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL PARA PROFESSORES E ALUNOS QUE ALFABETIZOU A POPULAÇÃO DE TODAS AS NAÇÕES QUE DERAM CERTO, REALIZANDO SUAS POTENCIALIDADES. (RIBEIRO, 2018, p. 43)

Esses fatores, por terem provocado uma modificação demasiadamente rápida das instituições sociais e educacionais, seriam os responsáveis pela precarização e fracasso da educação no decorrer das décadas seguintes. Assim, o mundo moderno que a partir daí se iniciava também exigiria uma mão-de-obra igualmente moderna e disciplinada, demandando “uma nova escola ideológica, que fosse capaz de domesticar os camponeses urbanizados e proletarizados, através de uma doutrinação que os convença de que são pobres porque são burros” (RIBEIRO, 2018, p. 23). Porém, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro (2018), esses argumentos seriam válidos caso o sistema educacional brasileiro, até antes da industrialização e urbanização, funcionasse bem e oferecesse um ensino público de qualidade. Pelo contrário, esse é um problema antigo em nossa sociedade: VEM DA COLÔNIA QUE NUNCA QUIS ALFABETIZAR NINGUÉM, OU SÓ QUIS ALFABETIZAR UNS POUCOS HOMENS PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES GOVERNAMENTAIS. VEM DO IMPÉRIO QUE, POR IGUAL, NUNCA SE PROPÔS A EDUCAR O POVO. A REPÚBLICA NÃO FOI MUITO MAIS GENEROSA E NOS TROUXE À SITUAÇÃO ATUAL DE CALAMIDADE NA EDUCAÇÃO.

NÓS SOMOS UM CASO TERATOLÓGICO DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E DE MODERNIZAÇÃO DE UMA PARCELA PONDERÁVEL DA SOCIEDADE, COETÂNEA COM UMA IMENSA MASSA CIRCUNDANTE, CONDENADA AO ANALFABETISMO, À PENÚRIA E À MARGINALIDADE [...] POR FORÇA DO MONOPÓLIO DA TERRA E DE VÁRIAS FORMAS DE OPRESSÃO SOCIAL, ESSA MASSA [POPULAR EX-ESCRAVA, DE NEGROS E MULATOS E DOS MESTIÇOS ÍNDIO-EUROPEUS, DE ANTIGA EXTRAÇÃO, GERADOS POR UMA ECONOMIA FAMINTA DE MÃO DE OBRA] PERMANECEU ARCAICA, METROPOLIZANDO-SE, MAS NÃO SE CIDADIZANDO. UMA DAS FORMAS PRINCIPAIS DE EXCLUSÃO FOI NEGAR-LHE A ESCOLARIZAÇÃO, MANTENDO-A TÃO ATRASADA QUE SÓ É CAPAZ DE SITUAR-SE NOS SETORES MAIS BAIXOS, PIOR REMUNERADOS, DA FORÇA DE TRABALHO.

(Ibid., p. 24)

(RIBEIRO, 2018. p. 31; p.33, grifos da autora)

O Brasil carregaria então, ao longo de toda sua história, um notório descaso por parte das classes dominantes, representantes políticos e governos, ao tratar da educação de seu povo, uma vez que é impossível a implantação de uma escola eficiente e moderna sem que 30

haja vontade política para tanto. Tal desinteresse encontra sua origem na visão retrógrada de uma sociedade que ainda carrega marcas escravistas, que “via o povo muito mais como uma reserva energética, desgastável e renovável por compra do que como um povo que devesse ser instruído” (Ibid., p. 30). E assim nossa sociedade urbana se modernizou, integrando apenas uma parcela da população à educação formal, à “cultura letrada” e condenando todo o restante – a esmagadora maioria – à exclusão e à consequente marginalidade cultural e territorial; o progresso alcançado pela sociedade brasileira durante o século XX levou à vida civilizada de comunicação letrada, produção e consumo apenas um quarto da população (RIBEIRO, 2018). Como já mencionado anteriormente, o foco das políticas públicas dos governos ao longo do século passado foi o “desenvolvimento econômico”, mesmo que isso não contemplasse (quando não feria) os direitos e a justiça sociais (KERSTENETZKY, 2008 apud FILHO et al., 2015). A educação – tal como a cidade – foi historicamente negada à população mais pobre, exercendo um papel histórico de privilégio a uma ínfima minoria:

As mudanças sociais e econômicas pelas quais o Brasil passou nas últimas décadas geraram, contudo, mudanças também no campo educacional, alterando o cenário reproduzido até então em termos de educação e políticas curriculares. Em 1996, após a promulgação da


Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96)20, o caráter neoliberal dava o tom às normativas da política educacional daquele período, alinhando-se às perspectivas políticas, culturais e sociais do governo de Fernando Henrique Cardoso (RODRIGUES, 2019). Após a estabilização econômica, ainda no governo FHC, passando pela ascensão de Lula à presidência em 2002, até a primeira gestão de Dilma Rousseff, se passaram mais de 12 anos de esforços para efetivar o atendimento a camadas sociais mais vulneráveis, sendo a redução da desigualdade um dos principais focos das preocupações governamentais, o que possibilitou maiores discussões e investimentos no setor da educação (FILHO et al., 2015; RODRIGUES, 2019). O acesso à educação aumentou consideravelmente em decorrência das políticas de inclusão social promovidas nesse período: O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA, POR EXEMPLO, REORGANIZOU E EXPANDIU VÁRIAS POLÍTICAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA PREEXISTENTES, DE FORMA A ARTICULAR A TRANSFERÊNCIA DE RENDA ÀS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE E EDUCAÇÃO. EM LINHA COM A ÚLTIMA GERAÇÃO DE PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA, O OBJETIVO DO BOLSA FAMÍLIA É ALIVIAR A POBREZA, AO MESMO TEMPO QUE GERA OPORTUNIDADES DE MOBILIDADE SOCIAL POR MEIO DO AUMENTO DA ESCOLARIZAÇÃO NAS CAMADAS MAIS DESFAVORECIDAS DA POPULAÇÃO. (SOARES et al., 2010; SILVEIRA NETO, 2010 apud FILHO et al., 2015, p. 110)

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Esta lei estabelece as diretrizes para a educação nacional, regulamentando todo o sistema educacional brasileiro, seja ele público ou privado (BRASIL, 1996). A LDB de 1996 foi a terceira a ser promulgada, sendo a primeira criada em 1961 e a segunda em 1971. Em todas as três há a prevalência de um caráter liberal, isso porque houve uma clara vitória da direita em relação à esquerda dentro das disputas no campo da educação (RIBEIRO, 2018): as duas primeiras datam do regime militar e a última, como já mencionado, data do governo FHC. Durante o governo de Michel Temer, foi aprovada a Lei nº 13.425/2017, que altera a LDB 9.394/96,

A introdução de programas de transferências de renda, como o Bolsa Família, o Bolsa Escola e demais políticas de inclusão social se mostrou bem-sucedida na redução da desigualdade. Como resultado, em 2010 o Brasil apresentava um valor de 55 no Coeficiente Gini21 (PNUD, 2010) e cerca de 90% da população acima de 5 anos estava alfabetizada, correspondendo a 6% acima do percentual de 2000 (IBGE, 2010). No entanto, mesmo que tenhamos alcançado consideráveis avanços em termos numéricos, ainda existem problemas históricos na educação brasileira que persistem até hoje. Isso ocorreu porque a educação escolar para crianças e jovens não é homogênea, fazendo com que as condições de infraestrutura das escolas e as propostas pedagógicas aplicadas em sala de aula dependam mais da posição social do aluno do que das políticas educacionais vigentes ou da própria estrutura curricular (ESQUINSANI, ESQUINSANI, 2019). Se até os anos de 1980 o acesso à educação era definido pela condição social, que determinaria se a criança ou jovem teria sequer a possibilidade de ser alfabetizada (RIBEIRO et al., 2015), o que muda hoje é que, mesmo o acesso tendo sido expandido à maioria da população, existem dois tipos diferentes de modelos escolares, cada uma voltada para uma faixa específica de renda, o que, por sua vez, irá direcionar seus alunos para um caminho com mais ou menos possibilidades de aprendizado e ascensão social (ESQUINSANI, ESQUINSANI, 2019). Por mais que ambos os tipos de escolas sigam um mesmo currículo – este formulado pelas Secretarias de Educação dos estados, contemplando as diretrizes estabelecidas pela

tornando o currículo mais flexível e voltado ao mercado de trabalho para as escolas públicas, enquanto as escolas particulares continuam seu ensino propedêutico. Isso reforçou ainda mais o dualismo escolar (ESQUINSANI; ESQUINSANI, 2009), representando mais uma conquista de orientação liberal no campo educacional. 21

Mede o desvio da distribuição de renda em um país, expressa em percentagem, no qual um valor de 0 representa igualdade absoluta, e conforme mais próximo de 100, maior é a desigualdade do país analisado (PNUD, 2010).

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Imagem/ reprodução: mdig.com.br Arte: autora

Base Nacional Comum Curricular (BNCC)22 –, as escolas privadas se distanciam em vários aspectos das escolas públicas: por sua localização, infraestrutura, resultados em avaliações de maior escala etc. Em consequência, o nível e a qualidade da escolarização tendem a aumentar conforme a renda familiar do aluno, o que justifica “o fracasso em massa dos alunos, com iletrismo, abandonos, repetências, etc.” (CHARLOT, 2005 apud ESQUINSANI, ESQUINSANI, 2019). A esse fenômeno dá-se o nome de dualismo escolar, o qual, apesar de presente ao longo de todo o ensino básico, encontra no ensino médio

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De caráter normativo e conforme definido na LDB (Lei nº 9.394/96), a BNCC define o conjunto de “aprendizagens essenciais” que os alunos devem desenvolver ao longo das etapas da educação básica, norteando os currículos dos sistemas de ensino dos estados, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas brasileiras, públicas ou privadas. Estabelece os conhecimentos, competências e habilidades esperadas dos estudantes (BRASIL, 2018).

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sua mais forte expressão, com claros indícios de agravamento após a implantação da Lei nº 13.415/2017 (ESQUINSANI, ESQUINSANI, 2019), além de outras medidas que juntas representam os avanços do ultraconservadorismo na política nacional. Mas esse debate fica para a seção que se segue.

2.2 O Ensino Médio Em 2018 foram registradas 7,7 milhões de matrículas no ensino médio em âmbito nacional, sendo que 6.521.900 delas correspondem à rede estadual, equivalente a 84,7% das matrículas. Logo em seguida está a rede privada, com 931.700 matrículas, o que corresponde a 12,1% do total (INEP, 2019). Ou seja, ao falarmos de ensino médio no Brasil, estamos falando, numericamente, da rede pública estadual de ensino, uma vez que serão essas as escolas


Gráfico 4: Matrículas realizadas para o Ensino Médio Matrículas realizadas [Brasil, 2018] em 2018 84.70%

12.10% 3.20% Estaduais

Privadas

Outras

Fonte: elaboração própria

que receberão o maior aporte de alunos em todo o país nessa última etapa da educação básica. Precisamente por conta de sua relevância e amplitude, a proposta deste trabalho é voltada para esse nicho. As estatísticas indicam, contudo, que vem ocorrendo uma diminuição de matrículas em escolas de ensino propedêutico em detrimento das que são integradas à educação profissional: entre 2014 e 2018 houve uma queda de 7,1% no número de matrículas em escolas comuns, e um aumento de 24,9% nas matrículas em escolas com ensino profissionalizante integrado, com valores de 468.212 em 2014, para 584.564 em 2018. Enquanto isso, o número de Matrículas no ensino médio comum

Gráfico 5: Matrículas no Ensino Médio comum [Brasil, 2014 -2018] 7833168

matrículas em escolas particulares, ainda que baixo quando comparado a esses, se manteve estável (INEP, 2019), indicando que a diminuição do número de alunos na escola pública comum não teve nenhuma influência da rede privada, mas sim, dentre outros fatores, pela absorção de parte desse contingente pelo ensino profissional; indicando também o já mencionado dualismo escolar. Isso ocorreu porque os comportamentos estatísticos mencionados revelam que existe uma clara divisão social do trabalho, ratificada pela organização do ensino médio no Brasil, uma vez que o ensino particular – mais restrito social e economicamente, com melhor infraestrutura e propostas pedagógicas diferenciadas – prepara seus alunos para a academia, para o ensino superior; enquanto o ensino público – carente de professores, infraestrutura e verba – prepara todo o restante da população para a fábrica: “um ensino propedêutico para as elites dirigentes e, outro, destinado à formação técnica da mão de obra para o sistema de produção” (SANDER, 2011, p. 11 apud ESQUINSANI, ESQUINSANI, 2019). Os projetos formativos e as perspectivas que encaminham os jovens para o futuro mudam de acordo com a classe social dos mesmos, sendo esse modelo dual legitimado pelas leis que definem e regulamentam o Ensino Médio brasileiro (ESQUINSANI, ESQUINSANI, 2019). Matrículas no ensino técnico integrado Gráfico 6: Matrículas no Ensino técnico integrado [Brasil, 2014 -2018]

7125365

584564 468212

2014

2018

2014

2018

Fonte: elaboração própria

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2.2.1 Regulamentação Dito isso, esta seção tem o objetivo de apresentar as principais normas que regulam o ensino médio no país e, mais especificamente, no estado de São Paulo. Tomando como ponto de partida a Constituição, o direito a uma educação gratuita e de qualidade consta como um dos direitos sociais, juntamente ao direito à moradia, transporte, saúde, trabalho etc. Tais enunciados têm o objetivo normativo de garantir uma sociedade mais justa perante as desigualdades sociais impostas (BRASIL, 1988). Em seu Artigo 205, a Constituição estabelece a educação pública como dever do Estado, promovendo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho. Os meios para viabilizar tais ações dar-se-ão através da destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento da educação básica, além da remuneração dos profissionais da educação (BRASIL, 1988). Contudo, tais promessas não vêm se consumando nos últimos anos, inclusive porque os professores no estado não recebem reajuste salarial há 4 anos, como atesta um professor da rede estadual23. Para que seja feita a distribuição desses recursos e das responsabilidades entre estados e municípios, o Artigo 60, por sua vez, determina a criação, em âmbito estadual, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Tal Fundo é distribuído entre cada estado e seus municípios, proporcionalmente ao número de alunos matriculados em uma determinada escola. Outra norma importante trazida pela Constituição é o Plano Nacional de Educação (PNE), o qual, uma vez regulamentado por Lei, estabelece metas de universalização da educação básica. Com duração decenal24, articula o 23

Depoimento de Tauan Mateus entrevista à autora em 12/08/2019.

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A última mudança foi em 2014, conforme a Lei nº 13.005/2014.

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Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração, definindo diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação e manutenção do desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades (BRASIL, 1988). Ao tratar do ensino médio, o PNE (Lei nº 13.005/14), num pacto entre União, estados e municípios, estabelece direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configuram a base nacional comum curricular dessa etapa do ensino básico. Além disso, consta como uma de suas metas o fomento e expansão das “matrículas gratuitas de ensino integrado à educação profissional” (BRASIL, 2014), o que justifica o considerável aumento das matrículas nessa modalidade, como observado na seção anterior. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei nº 9.394/96), deve estar, portanto, sempre em articulação e consonância com as diretrizes e metas dispostas no PNE. A BNCC atua como referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e redes escolares estaduais e municipais; integrando a política nacional da Educação Básica e contribuindo para o alinhamento de outras políticas e ações no âmbito da educação. É um balizador e instrumento fundamental para a qualidade da educação. São definidas competências gerais, que são, no âmbito pedagógico, direitos de aprendizagem e desenvolvimento que devem ser cumpridos ao longo da educação básica (BRASIL, 2018) e, no caso mais específico, do ensino médio. A LDB DEIXA CLAROS DOIS CONCEITOS DECISIVOS PARA TODO O DESENVOLVIMENTO DA QUESTÃO CURRICULAR NO BRASIL. O PRIMEIRO, JÁ ANTECIPADO PELA CONSTITUIÇÃO, ESTABELECE A RELAÇÃO ENTRE O QUE É BÁSICO-COMUM E O QUE É DIVERSO EM MATÉRIA CURRICULAR: AS COMPETÊNCIAS E DIRETRIZES SÃO COMUNS, OS CURRÍCULOS SÃO DIVERSOS. O SEGUNDO SE REFERE AO FOCO DO CURRÍCULO. AO DIZER QUE OS CONTEÚDOS CURRICULARES ESTÃO A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS, A LDB ORIENTA A DEFINIÇÃO DAS APRENDIZAGENS ESSENCIAIS, E NÃO APENAS DOS CONTEÚDOS MÍNIMOS A SER ENSINADOS. ESSAS SÃO DUAS NOÇÕES FUNDANTES DA BNCC. (BRASIL, 2018)


A atual BNCC data de 2018, sendo resultado das alterações na LDB (Lei nº 9.394/96) em decorrência da Lei nº 13.415/2017, também conhecida como “reforma do Ensino Médio”, que pode ser vista como forma de reforço do dualismo escolar, por estabelecer (e até mesmo impor) uma concepção controversa quanto à qualidade da educação pública. Esse caráter impositivo se justifica pela Lei ser originária de uma Medida Provisória (MP 746/2016)25, o que provocou inúmeras ocupações de escolas públicas por seus alunos, insatisfeitos tanto com a forma de implantação da política em questão, como também com o seu conteúdo. É importante lembrar que essa MP foi a segunda política de impacto imposta pelo governo de Temer, sendo a primeira a PEC 95, ou “PEC do fim do mundo”, que congela as despesas primárias do país, como saúde e educação, por meio de um novo regime fiscal, com duração de 20 anos a partir de 2017 (FERRETI, 2018). Ambas as normas têm uma trágica relação de efeitos perversos para a educação.

Isso ocorre porque as principais propostas da reforma do ensino médio giram em torno da flexibilização curricular, permitindo ao aluno a escolha de itinerários formativos, a livre opção pelo mercado de trabalho (ESQUINSANI, ESQUINSANI, 2019) e da oferta de cursos em tempo integral. Mas o congelamento de gastos promovidos pela EC nº 95 faz com que essas mudanças no currículo não sejam executadas como propostas em Lei. Pelo contrário, as escolas públicas terão que se adaptar sem o devido reajuste do aporte financeiro para tanto, aumentando ainda mais o fosso entre estas e as escolas particulares, que terão todos os recursos necessários para atender às novas demandas trazidas pela reforma (FERRETI, 2018). Ainda que o ensino médio seja responsabilidade dos estados, a definição mais ampla de sua estrutura e da organização curricular vêm de políticas de âmbito nacional, como a Lei de Diretrizes e Bases, os Planos Nacionais de Educação, a Base Nacional Comum Curricular etc. (FERRETI, 2018). Os governos estaduais devem,

Imagem/reprodução: Gazeta do Povo Edição: autora 25

Que, como já mencionado nesse trabalho, a medida provisória exerce esse papel unilateral de o presidente governar, o que contribuiu para a reforma do ensino médio ser vista desde o início como uma ação autoritária por parte do governo de Michel Temer.

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a partir disso, criar normas e programas para atender às diretrizes estabelecidas por esses documentos26. No caso de São Paulo, especificamente, são publicadas anualmente pela Secretaria de Educação, resoluções que dispõem sobre as diferentes questões em relação aos níveis do ensino básico. Quanto ao ensino médio, foi lançado neste ano o programa Inova Educação, que tem sido o centro das discussões entre professores e as escolas de turno. Alinhando-se às competências e diretrizes gerais da BNCC, o programa se baseia na incorporação de três novas disciplinas à matriz curricular: projeto de vida, eletivas e tecnologia; e para realizar esse acréscimo, serão acrescentados também mais aulas por dia (de 6 passará a ser 7), além do tempo de permanência (de 5 horas para 5 horas e 15 minutos) na escola (SÃO PAULO, 2019). Vale lembrar que as escolas integrais já reproduzem esse modelo de grade, sendo a alteração voltada às escolas de turno.

2.2.2 Aspectos pedagógicos Como já abordado, o currículo das escolas estaduais é elaborado pela Secretaria da Educação de cada estado, as quais, por sua vez, devem seguir as diretrizes e metas estabelecidas pela BNCC em vigor, definida por meio da LDB - estas duas últimas de nível federal. Assim, em 2008 a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEESP) propôs um currículo básico para as escolas da rede estadual nos níveis de ensino fundamental (anos finais) e ensino médio. Com base no que é disposto pela Resolução SE nº81/2011, o documento apresenta os princípios orientadores do currículo, com as competências e conteúdos disciplinares a serem passados aos alunos (SÃO PAULO, 2012). Além do documento básico curricular, a SEESP dispõe de um conjunto de documentos com orientações que se dirigem às unidades es-

colares, professores coordenadores, diretores e supervisores. Esse material não trata da gestão curricular em geral, mas sim de apoio e capacitação para o corpo docente na implantação do currículo nas escolas públicas estaduais de São Paulo. Tal conjunto de documentos tem como principal objetivo garantir que “a proposta pedagógica, que organiza o trabalho nas condições singulares de cada escola, seja um recurso efetivo e dinâmico para assegurar aos alunos a aprendizagem dos conteúdos e a constituição das competências previstas no currículo” (SÃO PAULO, 2012, p.8). Há também, como complemento ao currículo, um conjunto de documentos direcionados aos professores e aos alunos: os Cadernos do Professor e do Aluno. São organizados por disciplina/série/bimestre, sendo neles apresentadas “Situações de Aprendizagem” com o objetivo de orientar os professores no ensino dos conteúdos disciplinares e na aprendizagem dos alunos. Tais conteúdos, habilidades e competências (assim como determinados pela BNCC) são organizados por série/ano e acompanhados de orientações para a gestão da aprendizagem em sala de aula, para a avaliação e a recuperação (SÃO PAULO, 2012). Ainda que não tenha nada estabelecido por lei, os professores são orientados a seguir o conteúdo do Caderno de sua disciplina27. Existem professores contrários ao Caderno por se sentirem limitados e até mesmo engessados em relação ao conteúdo e aos métodos a serem aplicados, justificando que muitas vezes esse material serve mais como muleta pedagógica28. Outros posicionamentos, contudo, se mostram favoráveis ao seu uso, pelo fato de o Caderno orientar-se pelas habilidades e competências estabelecidas pela BNCC e, ao não segui-lo, o professor ou escola, podem não contemplar todas elas, causando dificuldades ao aluno caso o mesmo mude de escola, já que o material seria diferente do estabelecido como

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Resoluções disponíveis em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/pesqorient. asp?ano=2019>. Acesso em 25 set. 2019.

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Depoimento de Lucas Simplicio, entrevista à autora em 23/09/2019.

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Depoimento de Marcos Chagas, entrevista à autora em 20/08/2019.


“padrão” estadual29. O currículo paulista aborda também a questão da permanência, que vem ganhando espaço cada vez maior com escolas se reformulando ao período integral. Esse é um tema, inclusive, nem sempre visto com bons olhos, uma vez que a falta de recursos e de investimentos em educação no estado (e no país) implicaria a extensão da jornada das escolas; isso não significa necessariamente melhorias ao ensino, nem que privilegiará o desenvolvimento do pensamento e do exercício da cidadania, pois a escola de tempo integral não é a mesma coisa que educação integral30. Nem todas as escolas públicas têm ou terão condições para oferecer outras atividades ao longo do período, o que pode gerar sérias e negativas consequências aos alunos e professores e, consequentemente, à educação como um todo. Ao longo de todo o documento, assim como é feito na BNCC, são elencadas e descritas diversas competências e habilidades que devem ser contempladas ao longo do ensino médio, sendo colocadas num patamar de pré-requisito para a vida em sociedade e a participação na cidadania. Elas caracterizam os modos de ser, raciocinar e interagir, podendo ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em contextos de problemas, tarefas ou atividades, de tal forma a instigar os jovens para possíveis desdobramentos da vida adulta (SÃO PAULO, 2012). Tais diretrizes têm, portanto, um forte caráter instrumental, “de modo a garantir a constituição da sociabilidade da força de trabalho adaptada às novas demandas do capital, seja no âmbito da produção, seja no dos serviços” (FERRETI, 2018, p. 34). A competência da leitura e da escrita é abordada no currículo como sendo prioridade, mas, apesar do que é apresentado, de que o texto é tido como foco principal do processo de ensino-aprendizagem, muitos alunos passam

por constantes constrangimentos por ainda desempenhar uma leitura e interpretação de texto muito ruins, resultado provável de um ensino fundamental igualmente precário, podendo gerar situações extremamente traumáticas para esses alunos, caso não haja uma empatia e adequação do professor diante disso31. Além dos cadernos, as escolas estaduais públicas recebem o livro didático, que acompanha o aluno ao longo de todos os seus anos de ensino médio, fazendo parte do cotidiano escolar e de suas práticas (GONÇALVES, 2019). Existem dois programas do governo federal que englobam ações de distribuição gratuita de livros para as escolas: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), os quais fornecem às escolas da rede pública os materiais e livros didáticos; e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que promove o acesso à cultura e o incentivo à leitura nos alunos e professores por meio da distribuição de acervos de obras literárias. Os livros distribuídos passam por um processo de seleção, por meio do qual é feita uma análise sobre a forma e o conteúdo de seus aspectos didáticos e metodológicos. O órgão responsável por esse processo é a Secretaria de Educação Básica (SEB), vinculada ao MEC, que coordena a avaliação. Assim, pode-se concluir que todo esse processo também tem um forte viés político e ideológico, uma vez que os ministérios seguem o posicionamento ideológico do governo vigente. Os livros aprovados passam a compor um guia de livros didáticos, enviado para as escolas que, juntamente ao corpo docente, faz sua escolha por qual livro utilizar (GONÇALVES, 2019). Ainda que a escolha do livro não seja feita pelo professor, podendo ser vista como uma forma de controle, tal qual ocorre com os cadernos, o livro didático pode não ser utilizado pela escola ou pelo professor, que tem uma certa liberdade de usar outro tipo de material ou ela-

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Depoimento de Barbara Losnak, entrevista à autora em 10/09/2019. 30

Depoimento de Marcos Chagas, entrevista à autora em 20/08/2019.

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Uma prática adotada por Marcos Chagas, por exemplo, consiste em adotar textos mais curtos e de leitura mais simples, sem deixar de abordar o assunto pretendido e ao mesmo tempo não excluir nenhum aluno.

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Arte: autora


borar o seu próprio, desde que o conteúdo do currículo seja contemplado32. De qualquer forma, é preciso cuidado ao analisar esse processo de seleção de obras didáticas, ainda mais levando-se em conta o atual contexto político e educacional. Isso porque esse tipo de livro no Brasil é o único que a maioria da população conhece ao término da formação na escola básica, se constituindo como UMA PODEROSA FERRAMENTA POLÍTICA, IDEOLÓGICA E CULTURAL NO ÂMBITO DO PROCESSO EDUCATIVO, POIS REPRODUZ E REPRESENTA OS VALORES DA SOCIEDADE, BEM COMO À VISÃO DA CIÊNCIA, DA HISTÓRIA, DA INTERPRETAÇÃO DE FATOS E DO PRÓPRIO PROCESSO DE TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO. (GONÇALVES, 2018, p. 134)

A presença de um material didático é de extrema e inegável importância, no entanto ele não se resume apenas em servir como uma “ferramenta de instrução técnica”, pois “tal ferramenta pode/deve estar carregada de aspectos ideológicos e interesses acerca dos modos de promoção, produção e criação que reproduz, no livro, seus valores culturais, políticos e econômicos” (Idem). Apesar dos problemas, ainda podemos considerar que, em termos curriculares, com os avanços das Leis de Diretrizes e Bases (LDB), o currículo hoje, em comparação a tempos passados, é razoavelmente avançado e até certo ponto, progressista33. Tal progresso, entretanto, como apresentado em parágrafos anteriores, pode estar em vias de retroceder devido à reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017), fazendo-se necessário, mais do que nunca, a compreensão e o esforço para ressignificar as diferentes possibilidades de usos dessa nova orientação curricular, em luta por uma educação pública emancipadora. Por mais que a atual conjuntura política insista em vias contrárias a essa emancipação.

2.2.3 Ciências Humanas na grade curricular

O currículo paulista traz em seu discurso a importância de integrar as Ciências Humanas em seus campos disciplinares, contribuindo para uma formação que permita a compreensão das relações entre sociedades diferentes, a fim de que os jovens sejam capazes de analisar os problemas da sociedade em que vivem, assim como entender a relação entre homem e natureza e as contradições do nosso mundo (SÃO PAULO, 2012). Partindo dessas premissas foi feita a formatação dos currículos de História, Geografia, Filosofia e Sociologia, sendo essas duas últimas aplicadas apenas ao Ensino Médio. Em seu texto são apresentados os objetivos de cada uma dessas disciplinas quanto à formação do estudante, para que, ao final do ensino médio, possa se promover na sociedade um pensamento crítico. A cidadania é colocada como resultado da participação social e política, estimuladas principalmente pelas disciplinas de humanidades. São estabelecidos, enfim, os conteúdos a serem tratados de acordo com a série/ano/ bimestre, assim como as habilidades e competências que deverão ser atendidas a partir desse conteúdo. Já na Resolução SE 81/2011, é determinada a grade com o número de horas para cada série, em cada disciplina do currículo, a partir do que é especificado na base comum nacional (Anexo VI):

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Depoimento de Lucas Simplicio, entrevista à autora em 23/09/2019.

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Depoimento de Tauan Mateus, entrevista à autora em 12/08/2019.

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Para o ensino médio diurno, todas as disciplinas de Ciências Humanas têm 2 aulas para cada série; Para a escola de turnos, apenas História possui 2 aulas em cada série. Geografia possui 2 aulas na 1ª e 2ª série, sem nenhuma na 3ª série; Filosofia e Sociologia ficam com 1 aula para cada série; Para o período noturno, a disciplina de História permanece igual aos outros turnos, com 2 aulas para cada série; Geografia tem 1 aula a menos na 3ª série, a 1ª série possui 1 aula, enquanto as outras duas passam a ter 2 aulas; e em Sociologia, apenas a 2ª série possui 1 aula, tendo 2 aulas para a 1ª e 3ª série. Ou seja, enquanto a partir da Resolução são elencadas as diretrizes para a organização curricular do ensino fundamental e médio, o currículo propriamente dito elenca o que será ministrado em termos de conteúdo, para que as competências e habilidades estabelecidas pela BNCC sejam atendidas. Todavia, com a Lei nº 13.415/2017 entrando em vigor no estado de São Paulo, a partir

Arte: autora

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do que é apresentado no Programa Inova Educação (SÃO PAULO, 2019), essa grade pode mudar para que as novas disciplinas incorporadas ao currículo possam ser adicionadas, além das alterações da Lei nº 13.415/2018.


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capítulo 3. cidadania, direito à cidade e educação

Conceitualmente, a noção de cidadania emerge na sociedade capitalista ocidental como um ideal de igualdade no acesso ao exercício de direitos, reconhecidos por meio de três alicerces complementares: os direitos civis, políticos e sociais (CARVALHO, 2001). Os direitos civis são direitos fundamentais à dignidade humana, tais como os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, garantindo a existência civilizada em sociedade a partir da liberdade individual e do livre-arbítrio (CARVALHO, 2001). No âmbito desses direitos fundamentais podemos situar a função social da propriedade e o direito à cidade. Os direitos políticos dizem respeito à participação do cidadão na vida pública, reconhecendo o direito de fazer parte dos processos decisórios a todos e todas, enfim a citada participação popular. Por fim, os direitos sociais garantem formas de compensação para as desigualdades das sociedades capitalistas, assegurando assim um mínimo de bem-estar para todos: é a partilha da riqueza social através da proteção e de acesso aos bens necessários à dignidade humana, incluindo o direito à educação, ao trabalho, à saúde, à habitação, à previdência etc. Como parte dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro, os direitos humanos, tais como os direitos civis, são inerentes à vida e à dignidade humana, sendo estes inalienáveis. Assim como é o direito à cidade, no sentido de um direito humano, inalienável, devendo este ser concebido integralmente e de forma interdependente a todos os demais direitos humanos, cuja efetivação se vincula ao respeito, à proteção e à efetivação de todos os direitos civis, políticos e sociais (IBDU,

2015). Antes de ser individual, o direito à cidade é coletivo, comum a todos que nela estão inseridos porque depende da ação de um poder coletivo para conduzir o processo de urbanização. Também pode ser entendido como a liberdade coletiva de uma sociedade para construir e reconstruir a cidade e a si própria, de acordo com as relações e pactos sociais estabelecidos (HARVEY, 2012). O direito à cidade, portanto, mais do que uma abordagem meramente jurídica, tem uma abordagem ampla, multidisciplinar e crítica (IBDU, 2015) no bojo dos direitos e da cidadania. Ao falar sobre direito à cidade, contudo, é preciso ir mais além para que sua amplitude enquanto conceito e demanda social não sejam reduzidos ou limitados a apenas um significado. Retornando à raiz conceitual do termo, temos o livro homônimo de Henry Lefebvre, publicado em 1968, que formulou hipóteses sobre a problemática da cidade (TAVOLARI, 2016), permitindo que os elementos e premissas contidas na obra fizessem do Direito à Cidade um projeto orientador da assim chamada “sociedade urbana”, que, estando em constante transformação, requer uma articulação entre prática e teoria (FIORAVANTI, 2013). O texto, assim, carregava o objetivo de “abrir o pensamento e a ação na direção de possibilidades que mostrem novos horizontes e caminhos” (LEFEBVRE, 2016, p. 9), fazendo com que os problemas urbanos entrassem na consciência e nos programas políticos. Lefebvre defende a hipótese de que a urbanização não pode ser entendida como um subproduto da industrialização, uma vez que a urbanização (a “Cidade”) precedeu a industrialização na história, fazendo-se a necessária dis41


Imagem: Ocupação Mauá - São Paulo Fonte/reprodução: Esquerda Online

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tinção entre esses processos (TAVOLARI, 2016). Ainda que tenha desempenhado um importante papel na arrancada da indústria quando esta nasce, juntamente ao capitalismo concorrencial e sua burguesia industrial, a cidade já exprime uma complexa realidade (LEFEBVRE, 2016; TAVOLARI, 2016). Sendo assim, sua definição não pode estar condicionada ao fenômeno da industrialização. Trata-se de interpretar como um duplo processo, o qual, inclusive, pode ser conflitante, uma vez que há um choque entre a realidade urbana e a industrial (LEFEBVRE, 2016). Mas ainda assim há elementos que as aproximam: a cidade, tal como a fábrica, permite a concentração dos meios de produção num pequeno e limitado espaço, tais como ferramentas, matérias primas e sua mão de obra (LEFEBVRE, 2016). O tecido urbano, assim, é o suporte de um “modo de viver mais ou menos intenso e degradado: a sociedade urbana” (Idem, p. 19). Em sua base econômica encontram-se fenômenos de ordem da vida social e cultural. Enquanto portador da “urbanidade”, é também portador da centralidade do poder. E os processos socioculturais, tais como a educação, por exemplo, alinhando-se a essa centralidade, pois tendem a perpetuá-la em seus meios de produção e reprodução: “não se propunham desmoralizar a classe operária, mas sim, pelo contrário, moralizá-la” (Idem, p. 21). É preciso assumir, primeiramente, que a urbanização que se seguiu à industrialização não foi um “processo natural, sem intenções, sem vontades” (Idem, p. 19), mas sim, pelo contrário, que a mesma contou com a intervenção ativa das classes dirigentes, detentoras do capital e dos meios de produção, tanto econômicos quanto culturais e ideológicos. E ao menor sinal de terem seus privilégios ameaçados, essas classes dominantes expulsaram do centro urbano e da própria cidade o proletariado, destruindo a “urbanidade” e os encontros, os confrontos de diferenças, os reconhecimentos recíprocos dos modos de viver atrelados a ela; destruindo com qualquer chance de existir uma “democracia urbana” (LEFEBVRE, 2016). Afastado da cidade e dos locais de produção, o proletariado perde – ou nem sequer


Imagem: Ocupação 9 de Julho - São Paulo Fonte/reprodução: FNA

chega a desenvolver – a consciência urbana, pois “todas as condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita, para uma exploração apurada das pessoas, ao mesmo tempo como produtores, como consumidores de produtos, como consumidores de espaço” (LEFEBRE, 2016, p. 33). Logo, há uma missão histórica atribuída ao proletariado: pôr fim às separações e alienações na cidade: “é preciso virar o mundo pelo avesso” (LEFEBRE, 2016, p. 41). Ou seja, há relativa autonomia da urbanização em relação à indústria, e a industrialização não é o único motor das transformações sociais. Dessa forma, a alienação e a luta de classes deixam de ser vistas como restritas ao domínio da fábrica e da produção, não se limitando às relações de produção. Assim, se estendem ao domínio da cidade enquanto produto de mediações e da ação de agentes locais, enquanto local e meio, teatro e arena dessas interações complexas envolvendo relações impessoais de produção e de propriedade (LEFEBVRE, 2016; TAVOLARI, 2016). Tornando-se centro de decisão, a cidade moderna intensifica e organiza a exploração de toda a sociedade, de todas as classes sociais não dominantes, revelando que ela “não é um lugar passivo da produção ou da

concentração dos capitais, mas sim que o urbano intervém como tal na produção” (LEFEBVRE, 2016, p. 63). O horizonte de emancipação por parte das classes dominadas é designado como “direito à cidade” (TAVOLARI, 2016). O significado do Direito à Cidade não é único nem fechado, tendo sido lido e interpretado de diferentes formas de acordo com vertentes e autores (TAVOLARI, 2016), assim como é também utilizado segundo as mudanças sociais e históricas de uma sociedade. A América Latina, por exemplo, de maneira geral, tem sido um campo fértil para o debate em torno do direito à cidade desde as décadas de 1970 e 1980. Devido ao aumento massivo das cidades nas décadas anteriores, acompanhado de uma urbanização com diferentes estágios de industrialização, as antigas estruturas agrárias se dissolveram e os camponeses, sem posses, afluíram para a cidade em busca de trabalho e subsistência (LEFEBVRE, 2016). Este também foi o caso do Brasil, que até a década de 1950 era predominantemente rural e na década seguinte a população urbana se tornou maioria. Mas a urbanidade e a 43


cidade não foram homogêneas para todos que ali passaram a viver. Foi nesse contexto, no período de crise do regime militar, de lutas políticas em torno da redemocratização e outras demandas sociais, que as principais ideias de Lefebvre e de outros autores e críticos sobre o direito à cidade se difundiram pelo país, carregada de forte simbolismo, conquistando não apenas a academia. Nessas condições, assim como o universo intelectual, os movimentos sociais também se voltaram ao tema do direito à cidade, a conhecê-lo e reivindicá-lo (TAVOLARI, 2016). O direito à cidade envolve uma concepção mais ampla sobre a forma como nossa sociedade e consequentemente nossas cidades são organizadas. E, inclusive, como transcorre a intervenção do planejamento urbano nesse contexto, como contribui de maneira decisiva para acirrar essas relações. Portanto, conhecê-lo é entender o quando a cidade é produzida – e reproduzida – de maneira desigual. Essa consciência é imprescindível para que as lutas e reivindicações não se limitem somente ao acesso à terra, ou somente à moradia (TAVOLARI, 2018). Direito à cidade é o direito inerente de

Imagem: movimento Diretas Já! (1984) Fonte/reprodução: Senado Federal

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qualquer pessoa à cidadania, à vida digna na cidade, que envolve demandas diversas, numa gama de aspirações por uma cidade democrática, onde os encontros são possíveis e as estruturas e relações de poder são desafiadas. Compreende também a possibilidade de transformação do espaço de acordo com o desejo de sua população como um todo, e não apenas ao que já existe, mas no que a cidade pode vir a ser. Sua força se dá justamente no fato de ele não ser um conceito fechado, nem dentro do nicho acadêmico, nem como bandeira política ou proposta institucional. À medida que o espaço público se estabelece como palco das lutas sociais, o direito à cidade deve continuar no centro das reivindicações populares, cumprindo papel tanto de categoria analítica como horizonte de emancipação: POR SUA PLURALIDADE E AMPLITUDE DE SIGNIFICADO, O DIREITO À CIDADE FOI E CONTINUA SENDO UM DOS POUCOS MOTES QUE CONSEGUEM REUNIR OS MAIS DIFERENTES ATORES SOCIAIS E ISSO NÃO SE DÁ APESAR DA MULTIPLICIDADE DE SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO TERMO, MAS EXATAMENTE POR CAUSA DA POSSIBILIDADE DE PROJETAR TANTOS SIGNIFICADOS NUMA MESMA EXPRESSÃO. (TAVOLARI, 2016, p. 105,107)


Outra dimensão essencial para o debate é o da Educação e suas diversas interpretações. De acordo com a Constituição, a Educação, como um direito social, é universal e um dever do Estado, promovida e incentivada com a participação da sociedade, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205). No período democrático, representou o mais importante avanço em relação à ampliação dos direitos sociais34. Para além de um direito social, a Educação é também fundamental para a conquista e expansão dos outros direitos, pois permite que as pessoas tomem consciência da realidade social e de seus direitos para assim se organizem política e institucionalmente para lutar por eles (CARVALHO, 2001). Nesses termos, a Educação é fator determinante para a construção dos direitos civis e políticos, podendo atuar como catalisador ou obstáculo para a cidadania. Esse papel abrangente da Educação consiste no fato de que a prática educacional, como ferramenta de “intervenção no mundo”, está sempre vinculada à ideologia dominante, podendo optar por reproduzi-la ou então por combatê-la, mas nunca se manter indiferente ou neutra a ela (FREIRE, 1996). Pensando na sociedade na qual estamos inseridos e no correspondente sistema econômico, é seguro dizer que essa ideologia busca agir de forma a legitimar e normalizar as dinâmicas capitalistas que estruturam a vida nas cidades. A urbanização pode ser lida como um fenômeno de classe, na qual o excedente produzido é “extraído de algum lugar e de alguém, enquanto o controle sobre sua distribuição repousa em umas poucas mãos” (HARVEY, 2012, p.74). A Educação, através da escola e do respectivo currículo que a organiza, quando conivente com essa lógica, atua como principal aparelho ideológico, transmitindo por um longo período de tempo da vida da população (SILVA, 2013), valores e crenças que corroboram com a manuten34

A taxa de analfabetismo, em 1980, era de 25,4%; enquanto em 1996, caiu para 14,7%. A escolarização na faixa dos 7 aos 14 anos era de 80% em 1980, atingindo os 97% nos anos 2000 (CARVALHO, 2001).

ção do status quo. É no interior das instituições de ensino e do currículo que se encontram mecanismos importantes pelos quais o poder se mantém ou é confrontado (APPLE, 2006). Nesses termos: SABER IGUALMENTE FUNDAMENTAL À PRÁTICA EDUCATIVA DO PROFESSOR OU DA PROFESSORA É O QUE DIZ RESPEITO À FORÇA, AS VEZES MAIOR DO QUE PENSAMOS, DA IDEOLOGIA. [...] A CAPACIDADE DE NOS AMACIAR QUE A IDEOLOGIA NOS FAZ ÀS VEZES MANSAMENTE ACEITAR QUE A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA É UMA INVENÇÃO DELA MESMA OU DE UM DESTINO QUE NÃO PODERIA SE EVITAR, UMA QUASE ENTIDADE METAFÍSICA E NÃO UM MOMENTO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUBMETIDO, COMO TODA PRODUÇÃO ECONÔMICA CAPITALISTA, A UMA CERTA ORIENTAÇÃO POLÍTICA DITADA PELOS INTERESSES DOS QUE DETÊM O PODER. (FREIRE, 1996, p.125-126)

Não é por acaso, então, que conceitos como o de cidadania e todos os direitos inerentes a ela tornam-se cada vez mais difíceis de serem efetivados. Apesar de a LDB 9.394/96 fazer menção aos objetivos de formação para a cidadania, ao mesmo tempo direciona essa formação para o mundo do trabalho, ambas como parte das finalidades do Ensino Médio. E, ainda que o próprio Currículo Paulista e a BNCC utilizem constantemente a retórica da cidadania para embasar as habilidades e competências a serem contempladas pelos conteúdos em sala de aula, é preciso cautela quanto à ideologia presente nesses discursos. Faz-se necessário, assim, olhar de forma crítica a tais finalidades e reais significados das mesmas, uma vez que pode haver diferentes concepções a respeito do que é a cidadania nesses diferentes discursos (FERRETI, 2018). E mais do que isso, é preciso refletir sobre o que é o direito à cidade no contexto do ensino público que se efetiva e que pretende para o país. A ideologia neoliberal, largamente influente em nosso tempo, vem submetendo progressivamente o direito à cidade aos “cuidados” dos interesses privados, das elites política, econômica e cultural, moldando as cidades de acordo com o que lhes é conveniente (HARVEY, 2012). E a Educação, por sua vez, se insere nesse processo de moldagem através das matérias escolares contidas no currículo, nos ensinando 45


a sermos governados “por relações e estruturas de poder baseadas na propriedade de recursos econômicos e culturais” (SILVA, 2013, p. 145). Prova disso é o fato de o “mundo do trabalho” estar sempre atrelado à formação da cidadania, colocando as relações econômicas como condicionante dos direitos. O currículo escolar, ao reproduzir a ideologia capitalista, atua também de forma discriminatória e formadora de consciência: os filhos das classes dominadas logo se reconhecem como tal, sendo ensinados a obedecer; aos filhos das classes dominantes, lhes é ensinado a comandar e a controlar. Esta é uma gramática social presente no currículo (SILVA, 2013). Sendo assim, mais do que uma questão de saber, o currículo é uma questão de poder, de determinar a quais espaços as pessoas poderão pertencer de acordo com sua posição no sistema produtivo, enfim é uma construção social. Da mesma perspectiva, o direito à cidade incide sobre lugar, espaço e território (SILVA, 2013). A Educação, assim traduzida pelo currículo, pode ser entendida como identidade e pertencimento traduzidos em cidadania. Da mesma forma, a partir de uma consciência urbana, da compreensão das demandas que envolvem o direito à cidade e das consequentes lutas pelo espaço (de grupos e classes) que o sentimento de “pertencer” à cidade é afirmado (LEFEBVRE, 2016). O contexto de lutas, inclusive, já é algo presente na realidade dos jovens paulistas. Prova disso pode ser identificada no movimento secundarista, entre 2014 e 2016, marcado por ocupações de escolas e manifestações de alunos contra as mudanças curriculares, o fechamento de diversas unidades e outras arbitrariedades por parte do governo em relação ao ensino médio da rede pública35. Ou seja:

TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS. [...] ESTA PERCEPÇÃO SE VINCULA AOS CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS NA LUTA, NA PRÁTICA SOCIAL, POR ISSO PODEM SER DENOMINADOS DE CONHECIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS, VISTO QUE ESTÃO ARTICULADOS A UM PROJETO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL. (BOUNTIN, 2017, p. 441, grifos da autora)

Apesar das condições muitas vezes precárias quanto à infraestrutura, contratações e orçamento, a escola pública ainda admite certo espaço para uma formação humana maior do que a escola privada em decorrência de alguns fatores: professores e professoras da rede pública ainda têm relativa liberdade para abordar assuntos com maior teor político e crítico; não obrigatoriedade de focar o ensino apenas para o vestibular, o que muitas vezes acaba priorizando fatores quantitativos nas metodologias de ensino (comportamento reproduzido tanto em escolas privadas, como em escolas públicas de alto nível); convivência entre condições sociais distintas, proporcionando aos alunos o contato com o conflito e a heterogeneidade36. Disso resulta contato precoce com práticas discriminatórias, processos de exclusão e mecanismos de reprodução de desigualdades que caracterizam o sistema educacional no Brasil e em outros países da América Latina (IBASE, 2010). Todos esses fatores fazem com que a escola pública, de maneira geral, seja uma espécie de laboratório de experimentação política na prática, a partir da qual jovens lutam por suas demandas, as quais não se limitam apenas ao “direito à educação” ou à ampliação do “acesso à escola”. As demandas são bem mais abrangentes, buscando uma educação pública e de qualidade (IBASE, 2010). A inclusão de temas como política urbana e direito à cidade seria, portanto, uma forma de ampliar ainda mais o univer-

TODOS ESSES APRENDIZADOS DESENVOLVIDOS DURANTE O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS SE INSEREM COMO PRESSUPOSTOS INDISPENSÁVEIS PARA UMA FORMAÇÃO HUMANA. NO ENTANTO, A CONTRIBUIÇÃO MAIOR DO MOVIMENTO ESTUDANTIL FOI A PERCEPÇÃO SOCIAL DE QUE OS JOVENS SÃO SUJEITOS HISTÓRICOS CAPAZES DE

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Depoimento de Marcos Chagas, entrevista à autora em 20/08/2019.

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Depoimento de Marcos Chagas, entrevista à autora em 20/08/2019.


Imagem/reprodução: Jus Brasil Edição: autora

so do conhecimento: uma forma de estimular a consciência política para além dos limites escolares, permitindo tomar consciência da agenda urbana, a questionar e lutar também pelo acesso e pelo pertencimento à cidade, a qual, por sua vez, também deve ter bens, serviços e políticas públicas de qualidade. O capítulo a seguir apresentará uma forma peculiar de promover essa inclusão.

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capítulo 4. a cidade na escola Partindo do que foi explorado até aqui, justifica-se a proposta desse trabalho: difundir o conceito de direito à cidade como meio para o exercício da cidadania, assim como é o direito à Educação, através de uma “Educação Urbanística”, traduzindo normas e preceitos legais da política urbana de tal forma a torná-la acessível para jovens do ensino médio da escola pública. Em outras palavras, a decodificação dos achados da pesquisa sobre a política urbana tem na escola um lugar privilegiado de difusão e reflexão, com potencial de capacitar esse público-alvo jovem para que possa lutar por seus direitos, tal qual o direito à cidade. Nesse sentido, trata-se de problematizar como a cidade – sendo palco da materialização das relações sociais, políticas, econômicas e culturais – também seria um objeto privilegiado de estudo e de debate na formação escolar, mais precisamente no ensino médio da rede pública. Tal hipótese permitiria que jovens, de posse de informações básicas, pudessem desenvolver um pensamento crítico sobre as dinâmicas de suas cidades e de seu país para, assim, ocuparem os espaços que lhes são de direito dentro dos processos decisórios. Educação urbanística não significa oferecer um conjunto definitivo de dados e conhecimentos, mas, antes, pautar informações e problemas relativos às normas urbanísticas que lhes dizem respeito diretamente. Adota-se aqui uma concepção de educação emancipadora (APPLE, 1992; FREITAG, 1986) a partir da qual princípios e instrumentos da política urbana sejam tratados no âmbito da participação popular: para que, além de leis e normativas, sejam conhecimentos passiveis de 48

serem ensinados, problematizados, praticados e disseminados. Essa perspectiva incide também sobre a urgência do debate ético sobre a consciência social dentro do próprio universo acadêmico, e particularmente como a comunidade acadêmica, como produtora de conhecimento e do espaço construído, pode lidar com a Educação fora dos limites da universidade. Seria essa uma possibilidade de se exercer a oblíqua função social da(o) arquiteta(o) e urbanista? O formato escolhido, após reflexões e conversas – especialmente com o professor Tauan Mateus –, foi o de transformar esse tema em uma disciplina eletiva, que irá compor “obrigatoriamente” o currículo paulista a partir de 2020, para todas as escolas. As eletivas são disciplinas que funcionam em “dois tempos” de 45 minutos por semana, com duração de um semestre, tendo a proposta de ampliação e diversificação dos conteúdos, competências e habilidades estabelecidos pelo currículo comum. Apresentam um caráter multidisciplinar a fim de aproximar teoria e prática com a construção de algo concreto a partir do que foi ensinado. Para isso foi dado o nome de “culminância”. Os professores devem propor uma ou mais opções de eletiva, partindo do zero na sua criação, utilizando uma proposta já criada ou de alguma disponibilizada na


“Plataforma Currículo+”37 (INOVA, 2018). A partir disso, a equipe gestora da escola analisa as propostas para que as eletivas aprovadas possam ser apresentadas aos alunos, para que estes, enfim, possam escolher qual disciplina cursar no semestre em questão. De acordo com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEESP), na elaboração da ementa de uma disciplina eletiva devem constar algumas diretrizes, a saber:

a

b

_JUSTIFICATIVA DE RELEVÂNCIA; _COMO A ELETIVA EM QUESTÃO SE RELACIONA COM A CIDADANIA, A CONTINUIDADE DOS ESTUDOS E O MUNDO DO TRABALHO;

c

d

_QUAIS HABILIDADES E CONHECIMENTOS DO CURRÍCULO PAULISTA SERÃO DESENVOLVIDOS;

e

_QUAIS OS ESPAÇOS E RECURSOS DIDÁTICOS UTILIZADOS; _QUAIS ATIVIDADES SERÃO REALIZADAS EM CADA AULA;

f

_QUAL O PROJETO OU PRODUTO FINAL A SER APRESENTADO AO FINAL DA ELETIVA (“CULMINÂNCIA”).

Para 2020, por exemplo, algumas escolas já estão elaborando ementas de possíveis eletivas para apresentar aos alunos em novembro e serem abertas as inscrições no início do ano, quando as aulas começarem38.

Alguns interlocutores se interessaram pelo tema e pela hipótese de propor uma disciplina eletiva centrada no tema da política urbana/direito à cidade, e particularmente o prof. Tauan Mateus se ofereceu para participar da formulação e sistematização dessa proposta. Esta seria uma forma de usar a reforma do ensino médio, apesar das adversidades que ela possivelmente trará, em favor de uma abordagem emancipadora da educação. Sendo assim, em conformidade com o prazo estabelecido pelo calendário institucional, a versão conclusiva TFG foi concluída com as bases de uma proposta pedagógica de uma disciplina eletiva a ser implantada no próximo ano em uma escola do ensino médio da rede estadual no município de Bauru. A disciplina apresentada traz a proposta de colocar em prática o que foi discutido ao longo desse TFG, com a inclusão do tema da política urbana, do direito à cidade e das principais normas institucionais e instrumentos regulatórios em sala de aula. A partir de metodologias ativas, visando maior participação e protagonismo dos alunos, a disciplina eletiva abordará conceitos introdutórios ao tema e partes mais relevantes do que foi desenvolvido na pesquisa de iniciação científica, em 2017; com o objetivo principal de capacitar jovens em relação à consciência urbana, à visão crítica sobre as cidades e ao entendimento sobre seu direito à cidade. A proposta apresentada a seguir foi desenvolvida com base em modelos disponibilizados pela diretora Luciana Pegoraro, da E.E. Ap. Guedes de Azevedo, que, por ter aderido ao sistema integral, trabalha com as disciplinas eletivas e as demais alterações da BNCC desde 2014. Além disso, foram obedecidas as diretrizes elencadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo por meio da plataforma do Inova Educação.

37

Trata-se de plataforma digital de acesso aos professores, com difusão de conteúdos de apoio.

38

Importante a ressalva de que as escolas integrais já oferecem eletivas e as demais disciplinas novas que constam no Programa Inova Educação. O que irá mudar a partir de 2020 é que as escolas de turno também deverão seguir esse modelo.

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E.E. Vereador Antônio Ferreira de Menezes

PLANO DISCIPLINA ELETIVA 1º Semestre/ 2020

TÍTULO: A CIDADE NA ESCOLA

JUSTIFICATIVA A disciplina eletiva em questão, por meio de uma “educação urbanística”, pode ser entendida como uma forma de capacitar jovens do ensino médio sobre conceitos essenciais da política urbana, reconhecendo a importância e urgência de estimular seus olhares para a cidade, para as formas como ela é ocupada e ordenada e como os espaços são construídos. Traz consigo o compromisso de direcionar a consciência política desses jovens também para uma consciência urbana, para que saibam identificar como transcorrem os processos de produção do espaço urbano e como as desigualdades da cidade que os cerca. A maioria da população vive na cidade. Mas o acesso à infraestrutura, transporte, saneamento, moradia e a certas regiões não ocorre de forma homogênea entre todos os seus habitantes. Muitas pessoas são afastadas da cidade e de suas áreas de interesse, sendo forçadas a percorrer longas distâncias da sua casa até seu trabalho, ou até mesmo, o direito de ter uma moradia muitas vezes é negado em razão da ausência de políticas públicas de habitação social. Compreender os diferentes fatores que promovem essas desigualdades é essencial para que os cidadãos possam lutar por seus direitos. Essa disciplina busca, portanto, refletir sobre a dinâmica da cidade e o direito a ela por meio das principais normas e instrumentos urbanísticos que compõem o escopo da política urbana recente (principalmente os instrumentos jurídicos, urbanísticos e participativos do Estatuto da Cidade que foram incorporados ao Plano Diretor do município). Considera-se que a cidadania se materializa por meio do direito à cidade, que deveria ser universal, ou seja, de todos. Assim, ao aprenderem sobre esse direito por meio dessa disciplina eletiva, os estudantes terão maiores condições de lutar por ele, com o potencial de atuarem mais diretamente em prol da cidadania e de cidades mais justas.

PROFESSORES Prof. Carlos Quagliato e Prof. Tauan Mateus 50


ÁREAS DO CONHECIMENTO/ DISCIPLINAS Geografia, História, Política Urbana.

ÁREAS DE ATUAÇÃO: (ELENCO DOS PV ATENDIDOS) Profissões correlatas da disciplina: História, Geografia, Sociologia, Urbanismo, Política Urbana, Direito, Planejamento Urbano.

EMENTA Conteúdos básicos sobre política urbana e legislação urbanística, como as principais normas (em ordem hierárquica e cronológica) e instrumentos que regulamentam a atuação do Estado em seus diferentes níveis de governo sobre o território das cidades brasileiras. Conceitos preliminares, igualmente essenciais para o entendimento do assunto, como definições sobre cidade, função social da cidade e da propriedade, políticas públicas, direito à cidade, especulação imobiliária, habitação social, entre outros.

OBJETIVOS •

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• • •

Apresentar e consolidar conteúdos sobre Política Urbana e Direito à Cidade, articulando conhecimentos das áreas de História e Geografia, a fim de subsidiar o desenvolvimento de habilidades e competências voltadas aos interesses e projetos de vida dos alunos; Promover a compreensão mínima sobre as dinâmicas de ordenamento territorial das cidades e suas desigualdades; Estimular o pensamento crítico dos alunos sobre a cidade em que vivem; Oferecer meios de compreensão sobre as principais leis, normas e instrumentos regulatórios que foram criados para promover uma maior igualdade nas cidades e os motivos pelos quais isso não ocorre da forma que está previsto na Constituição; Mostrar a importância e formas para participação da sociedade na política urbana; Reconhecimento do direito à cidade como um caminho determinante para a o exercício da cidadania; Estimular a emancipação e autonomia dos alunos por meio de metodologias ativas de ensino e aprendizagem;

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HABILIDADES CONTIDAS NO CURRÍCULO • •

• • • • • • • • • • • • • • • • •

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Associar as manifestações do ideário político contemporâneo às influências históricas; Compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, do presente e do passado, de forma a favorecer a atuação consciente e o comportamento ético do indivíduo na sociedade; Identificar os significados das relações de poder na sociedade; Localizar historicamente as lutas sociais em defesa da cidadania e da democracia em diferentes contextos históricos; Identificar os principais traços da organização política das sociedades, reconhecendo o papel das leis em sua estruturação e organização; Reconhecer a importância dos movimentos sociais pela melhoria das condições de vida e trabalho ao longo da história; Identificar, a partir de análise cartográfica comparada, o processo de formação territorial das sociedades contemporâneas; Posicionar-se criticamente sobre os processos de transformações políticas, econômicas e sociais; Reconhecer a importância de aplicar os conteúdos aprendidos na escola a intervenções solidárias na realidade, com o objetivo de garantir o respeito aos valores humanos; Analisar o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas dos diferentes agentes e forças sociais Identificar propostas para a superação dos desafios sociais, políticos e econômicos enfrentados pela sociedade brasileira na construção de sua identidade nacional; Analisar o significado histórico das instituições sociais, considerando as relações de poder, a partir de situação dada; Discutir situações em que os direitos do cidadão foram conquistados, mas não usufruídos por todos os segmentos sociais; Extrair informações implícitas e/ou explícitas em mapas e gráficos acerca da situação socioeconômica brasileira; Reconhecer as diferenças e as transformações que determinaram as várias formas de uso e apropriação dos espaços agrário e urbano; Analisar a composição da rede urbana brasileira; Relacionar a dinâmica dos fluxos populacionais à organização do espaço geográfico urbano no Brasil; Identificar problemas socioespaciais e ambientais urbanos, caracterizando-os e propondo ações para a melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras; Identificar referenciais que possibilitem constatar diferentes formas de exclusão socioespacial no Brasil.


CONTEÚDOS Conteúdos curriculares A luta por direitos sociais no século XIX; • As manifestações culturais de resistência aos governos autoritários nas décadas de 1960 e 1970 • e o papel da sociedade civil e dos movimentos sociais na luta pela redemocratização brasileira; A formação e a evolução da rede urbana brasileira e o processo de urbanização no Brasil; • O processo de urbanização de Bauru; • A segregação socioespacial e a exclusão social. •

Conteúdos específicos • • • • • • • • •

Definições preliminares: cidade, urbanismo, Estado, políticas públicas, política urbana, direito à cidade e cidadania; Breve histórico da urbanização no século XX; Redemocratização e o Movimento Nacional pela Reforma Urbana; A Constituição de 1988 e a Política Urbana; Estatuto da Cidade: o que é e para que serve? Os instrumentos do Estatuto da Cidade; O Plano Diretor de Bauru; A participação da sociedade no planejamento urbano; As principais leis que marcaram a Política Urbana e as cidades no Brasil contemporâneo: avanços e limitações.

METODOLOGIA • Debates; Leituras compartilhadas; • Reflexão de vídeos; • Leituras de mapas, gráficos e imagens; • Resolução colaborativa de desafios; • Métodos participativos entre alunos e professore; • Atividade/jogo “Planejando juntos”: com base no que foi aprendido sobre o Plano Diretor e o • planejamento urbano, algumas regiões de Bauru serão representadas por meio de mapas e os alunos deverão discutir entre si para propor soluções urbanísticas para resolver os problemas de cada uma dessas regiões; Apresentação de exemplos reais de planejamento urbano que tenham gerado bons resultados, • para aproximá-los da realidade palpável e não apenas imagético sobre a importância do 53


• • • • • •

planejamento e das políticas urbanas; Visitas didáticas em áreas próximas da escola para identificação de problemas e discussão de possíveis soluções por meio de leis e instrumentos urbanísticos; Estudos de casos reais em Bauru; Visita a audiências públicas e/ou sessões da câmara; Presença de convidados que atuem política e profissionalmente na área; Visita à Unesp para os alunos conhecerem o espaço da universidade e profissionais ou projetos que atuem de forma a promover o direito à cidade; Discussão sobre os métodos e dinâmicas adotados, a fim de abrir espaço para que a disciplina não seja inflexível, mas sim adaptável na medida do possível quanto às atividades, podendo sofrer alterações de acordo com as trocas e sugestões entre alunos e professores.

RECURSOS Audiovisual; • Uso da sala de vídeo; • Impressões; • Transporte; • Post-its; • Canetas e marcadores; • Folhas sulfite.

AVALIAÇÃO

• • • •

Participação e assiduidade nos debates, discussões, atividades e visitas; Avaliação da disciplina pelos alunos, professores e gestores; Autoavaliação dos alunos e professores; Entrega/apresentação e dedicação no projeto final (culminância).

CULMINÂNCIA Sala com Exposição das atividades desenvolvidas no semestre, resultando em um dia de apresentação, evidenciando o processo de ensino e aprendizagem ocorrido na disciplina, aberto para os demais alunos e para a comunidade.

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REFERÊNCIAS 39 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Senado Federal: Centro Gráfico. CARVALHO, J.M. A cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. ESTATUTO DA CIDADE: Guia para implementação pelos municípios e cidadãos: Lei nº 10.257, de 10/7/2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002. VAL, A.C.B. A Cidade na Escola: política urbana, educação urbanística e direito à cidade. Trabalho Final de Graduação (TFG). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Unesp, campus de Bauru. 2019. VAL, A.C.B. O marco regulatório da política urbana no Brasil: inventário de normas e preceitos institucionais desde a Constituição de 1988. Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica apresentado à FAPESP, mimeo. Bauru, 2017.

39

As referências aqui arroladas se referem exclusivamente à bibliografia utilizada na concepção da proposta da disciplina eletiva e eventualmente em sua adoção. A relação completa de referências bibliográficas do TFG está organizada no final, à p. 60.

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CRONOGRAMA SEMESTRAL

AULAS

CONTEÚDOS

FEVEREIRO Aula 1

Conceitos preliminares: cidade, Estado, urbanismo e políticas públicas

Aula 2

Conceitos preliminares: política urbana, direito à cidade e cidadania

Aula 3

Histórico da urbanização no Brasil no século XX

Aula 4

Processo de redemocratização

MARÇO Aula 5

O movimento nacional pela reforma urbana

Aula 6

A Constituição de 1988 e Estatuto da Cidade

Aula 7

Instrumentos urbanísticos

Aula 8

O processo de urbanização de Bauru

ABRIL Aula 9

Plano Diretor e o Plano Diretor Participativo de Bauru

Aula 10

Principais leis de Política Urbana – avanços e limitações

Aula 11

A participação da sociedade no processo decisórios

Aula 12

Semana de avaliação

MAIO Aula 13

Visita didática: Câmara

Aula 14

Atividade “planejando juntos”

Aula 15

Atividade “planejando juntos”

Aula 16

Visita didática: bairro

JUNHO Aula 17

Atividade: “planejando juntos” – finalização

Aula 18

Profissionais e projetos convidados

Aula 19

Visita didática: Unesp

JULHO

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Aula 20

Fechamento da disciplina

Aula 21

Culminância


considera considerações finais çoes finais Tendo como base de dados original a pesquisa de Iniciação Científica, este TFG relacionou Política Urbana à Educação com base no conceito de direito à cidade como caminho para a cidadania. Como resultado, é apresentada uma proposta de disciplina eletiva a ser aplicada para alunos do ensino médio da rede pública estadual. A Constituição de 1988 trouxe vários avanços sobre o que entendemos de democracia, pois inscreveu em seu texto diversas demandas da sociedade, reconhecendo e ampliando direitos sociais, civis e políticos, nunca antes vistos em uma carta constitucional, sendo considerada o marco inaugural da Política Urbana pós-redemocratização. Firmou-se, assim, um novo pacto entre Estado e sociedade, em bases democráticas promissoras, marcado por grandes avanços no campo da Política Urbana e do direito à cidade. Além disso, outro direito que avançou consideravelmente em comparação a tempos passados foi o direito à Educação, o qual, assim como o direito à moradia e à cidade, não se limita apenas ao acesso à escola, mas envolve uma educação pública e de qualidade. Ao longo dessas páginas, procurou-se estabelecer de que forma esses conceitos se complementam e se influenciam, problematizando também porque, apesar dos avanços, há tantos obstáculos e retrocessos tanto no âmbito da Política Urbana quanto no da Educação. De maneira geral, ainda permanece o sentimento de que, para a população mais pobre, esses direitos não são exercidos de forma plena e integral, muitas vezes sendo negligenciados.

Assim se impôs o desafio de propor – senão uma solução – um instrumento específico para lidar com o problema: uma disciplina eletiva. Não se teve a pretensão de chegar a uma resposta fechada e concreta, mas de buscar vias para se aplicar na prática o que foi aprendido não apenas neste TFG, mas ao longo de todos os anos de graduação, como uma alternativa de pauta para o debate sobre Política Urbana e Educação. Enfim, uma alternativa concreta para democratizar o conhecimento produzido para além dos limites da academia. Muito se aprende e se discute sobre a prática das futuras arquitetas e urbanistas que seremos, sobre nossa função social em um sistema extremamente desigual, especulativo e até mesmo opressor, que é o espaço urbano no qual atuaremos muito em breve. Para as e os profissionais que talvez não concordem com esse sistema e que ousam contestá-lo, entretanto, as alternativas não são tantas e, na atual conjuntura política em que o país se encontra, são ainda menos otimistas. As constantes investidas das forças conservadoras nos últimos tempos romperam com o pacto firmado pela Constituição. Há muitos exemplos: os cortes massivos a programas sociais de habitação, como o Programa Minha Casa Minha Vida, que perdeu grande parte de seu aporte financeiro; o desmantelamento do Ministério das Cidades, fazendo com que toda a Política Urbana que outrora se concentrava em um único órgão se perdesse em diferentes instâncias e interesses; a Emenda Constitucional 95, a “PEC do fim do mundo” ou “PEC da morte”, que congela por 20 57


anos os gastos públicos em áreas vitais para a garantia da dignidade humana, como saúde, educação e habitação; a apresentação da PEC 80/2019, que altera o artigo 182, no sentido de submeter a função social da propriedade urbana ao direito de propriedade privada, e que, mesmo não tendo sido aprovada, já revela o tom da Política Urbana daqui em diante. Essas medidas e várias outras oferecem a amarga sensação de que fomos derrotados, juntamente com a democracia. Um cenário distópico que parecia distante na década anterior, cuja literatura via com bons olhos o futuro da democracia brasileira, num sentido de sua consolidação. E para nós, futuras e futuros arquitetos e urbanistas, o que nos cabe dentro desse mesmo e assustador cenário? Este TFG buscou trazer, humildemente, uma alternativa que traz em sua essência, mesmo que ainda de forma embrionária, um forte potencial transformador para o futuro do nosso país, como sempre foi: a Educação. Mais especificamente, uma educação urbanística. A ideia de se romper com o “analfabetismo urbanístico” não é nova, mas as propostas para tanto vêm surgindo no período recente, algumas mais ambiciosas, outras menos, mas sempre com a premissa de difundir a discussão sobre a cidade até a escola. Sendo o principal instrumento de difusão da cultura, ideologia e conhecimentos, a escola se encontra em uma posição central na formação de todo cidadão. Por meio de diferentes iniciativas e projetos, nosso papel na escola pode ser determinante para fazer dela um espaço propício para a formação de uma consciência urbana de seus estudantes, podendo se inserirem com uma visão crítica sobre o espaço material e político que a abriga – a cidade. Mais ainda: se os esforços se voltarem à população mais vulnerável, historicamente marginalizada cultural e espacialmente em nossas cidades, concentradas na rede estadual de ensino, o potencial de emancipação e autonomia será ainda mais interessante e promissor. Em outras palavras, a proposta deste TFG consistiu em discutir a possibilidade de incluir o tema de Política Urbana por meio 58

de uma disciplina eletiva, que tem maior flexibilidade em relação ao conteúdo, além de ser multidisciplinar. E, ainda que essas alterações no currículo estejam passando por duras críticas, principalmente por seu caráter impositivo e hierárquico, além de agravar o dualismo escolar, o que se propõe é fazer, da adversidade dessas imposições, algo positivo e que possa atuar em favor de uma escola e uma cidade mais democrática no futuro. Como um ato de resistência. A disciplina está em vias de ser apresentada em uma escola da periferia de Bauru, a E.E. Vereador Antônio Ferreira de Menezes. A propósito, essa escola recebe alunos de núcleos habitacionais resultantes de urbanização de favela, além dos jovens realocados da ocupação Canaã. Por tais características, carrega forte estigma e preconceito. Se aprovada pelos alunos e pela equipe gestora, as aulas terão início já no primeiro semestre de 2020. Seu conteúdo programático traduz a pesquisa de iniciação científica que lhe deu origem, além de outros conceitos para o entendimento do assunto, como também propostas metodológicas ativas, que possam estimular maior autonomia e troca entre alunos e professores. Não se pode afirmar com certeza se essa iniciativa resultará em bons frutos, ou se resultar, possivelmente não será necessariamente agora. Mas o mérito dela não está somente aí. Está no fato de evidenciar que nossa atuação pode ser ampla e diversa, podendo inclusive se inserir na escola. Está no fato de fomentar a discussão sobre a importância, como já anunciava Lefebvre, em 1968, de sermos uma sociedade com consciência urbana; ou como Erminia Maricato coloca, a importância de se romper com os limites da nossa bolha de urbanistas, e difundir esses tão necessários conhecimentos em formas e linguagens que superem o “urbanês”. Está também na busca, no desejo de mudança, pensar uma prática que não se contente nem se limite ao projeto ou à Academia, mas que essa prática possa se dar em diferentes escalas, em diferentes campos, de diferentes formas. E que nós, enquanto arquitetos, urbanistas, cidadãos, estejamos sempre


dispostos a lutar também pela Educação; para que todos, juntos, possamos lutar por cidades e por tempos mais justos, igualitários e democráticos.

Aquilo de que o Brasil mais necessita, hoje, é de uma juventude iracunda, que se encha de indignação contra tanta dor e tanta miséria.

Uma juventude que não abdique de sua missão política de cidadãos responsáveis pelo destino do Brasil, por que sua ausência é imediatamente ocupada pela canalha.

Frase: Darcy Ribeiro Arte: autora

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refere referências bibliográficas ncias ALCÁNTARA, L.A.G.; DAMASCENA, A.L. Do direito à cidade: história institucional e marcos legais. Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery, v.1, p. 1-34, 2014. APPLE, M. Ideologia e Currículo. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2006, 3 ed. APPLE, M.; NÓVOA, A. (orgs.). Paulo Freire: Política e Pedagogia. Porto: Porto Editora, 1998. ARRETCHE, M. (org.). Trajetórias das desigualdades sociais – como o Brasil mudou nos últimos 50 anos. São Paulo. Ed. Unesp, 2015. AVRITZER, L. O Pêndulo da democracia no Brasil uma análise da crise 2013-2018. Novos Estudos. Cebrap. São Paulo, v.37, n.2. 2018. _____. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública. v.14, n.1. Campinas: CESOP/UNICAMP, 2008. BRASIL. Balanço 4 anos do PAC – 2011 a 2014. Ministério do Planejamento. 2014. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/f9d3db229b483b35923b338906b022ce.pdf>. Acesso em 24 out. 2017. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ministério da Educação. Brasília. 2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico>. Acesso em 28 set. 2019. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Senado Federal: Centro Gráfico. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm>. Acesso em 28 set. 2019. BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/ l13005.htm>. Acesso em 30 set. 2019. BOUTIN, B., FLACH, S. O movimento de ocupação de escolas públicas e duas contribuições para a emancipação humana. Inter-Ação, v.42, p. 429-446. Goiânia. 2017. 60


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anexos anexos Anexo I Alterações Constitucionais referentes aos Municípios e à Questão urbana [Brasil, 1988-2016]

Fonte: VAL, 2017, p. 23.

(*) O FPM é uma transferência constitucional (CF, Art. 159) da União para os municípios, composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

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Anexo II Medidas Provisórias Referentes aos Municípios e à Questão Urbana [Brasil, 1988-2016]

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Fonte: VAL, 2017, p. 29.

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Anexo III Leis Complementares Referentes aos Municípios e à Questão Urbana [Brasil, 1988-2016]

Fonte: VAL, 2017, p. 40.

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Anexo IV Leis Ordinárias Referentes aos Municípios e à Questão Urbana [Brasil, 1988-2016]

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Fonte: VAL, 2017, p. 42.

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Anexo V Normas Estruturantes da PolĂ­tica Urbana

Fonte: VAL, 2017, p. 81.

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Anexo VI Matriz Curricular do Ensino Médio - Período Diurno

Fonte: SÃO PAULO, 2011 (grifo da autora). Matriz Curricular do Ensino Médio – Escola de turnos

Fonte: SÃO PAULO, 2011 (grifo da autora).

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Matriz Curricular do Ensino Médio - Período Diurno

Fonte: SÃO PAULO, 2011 (grifo da autora).

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Anexo VII Professores entrevistados 1. Barbara Losnak: professora efetiva de Filosofia e coordenadora de Ciências Humanas na E.E. Ap. Guedes de Azevedo (Bauru/SP). Entrevista realizada em 10 de setembro de 2019.

2. Lucas Simplicio: professor de Sociologia no Colégio São Francisco (particular, Bauru/SP) e na E.E. Eduardo Velho Filho (Piratininga/SP). Entrevista realizada em 23 de setembro de 2019.

3. Luciana Pegoraro: Diretora na E.E. Ap. Guedes de Azevedo (Bauru/SP). Entrevista realizada em 10 de setembro de 2019.

4. Marcos Chagas: professor efetivo de Sociologia na E.E. Stela Machado (Bauru/SP). Entrevista realizada em 20 de agosto de 2019.

5. Tauan Mateus: professor efetivo de História na E.E. Vereador Antônio Ferreira de Menezes (Bauru/SP). Entrevista realizada em 12 de agosto de 2019.

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