Doulas Resgatando a naturalidade do parto

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DOULAS Resgatando a naturalidade do parto

Ana Daniela Arag達o


DOULAS Resgatando a naturalidade do parto

Ana Daniela Arag達o

2015 Jo達o Pessoa - PB


Ă€s doulas do mundo.




Expediente Universidade Federal da Paraíba Centro de Comunicação, Turismo e Artes Curso de Comunicação Social-Jornalismo Trabalho de Conclusão de Curso Doulas Resgatando a naturalidade do parto Professor orientador/Matheus Andrade Fotos/Ana Daniela Aragão Edição de fotos/Ana Daniela Aragão Textos/Ana Daniela Aragão Diagramação e Projeto Gráfico/Oscar Siqueira


“Com o preto e branco e todas as gamas de cinza, porém, posso me concentrar na densidade das pessoas, suas atitudes seus olhares, sem que estes sejam parasitados pela cor.” Sebastião Salgado


DOULAS Resgatando a naturalidade do parto


Retorno às origens A palavra doula vem do grego “mulher que serve”. Como o próprio nome diz, a doula ajuda a parturiente, dando apoio emocional e físico antes, durante e após o parto. Mas não se deve confundi-lá com parteira ou médica. Na história, há registros na Idade Média (através de ilustrações do cirurgião suíço, Jacob Rueff, por exemplo) de mulheres dando suporte a gestante na hora do parto. Mas, a partir do século XVII, a figura do obstetra começou a aparecer junto com as inovações cirúrgicas. Com o tempo, o parto foi mudando da casa para o hospital. E, consequentemente, a presença da doula foi se perdendo.

Com o avanço na area obstétrica, o parto cesáreo surgiu para salvar vidas em caso de risco na gravidez. Porém, se feito em casos desnecessários, riscos podem aparecer imediatamente ou a longo prazo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que a taxa ideal de cesarianas deveria ser entre 10% a 15% dos partos. No alerta da OMS, em 2015, sobre o número de países que mais fazem cesarianas, o Brasil ficou com 53,7%. A OMS, por sua vez, defende o parto cesáreo apenas em casos necessários. Atualmente, a discussão sobre a humanização do parto e o incentivo ao parto normal vem tomando força e


as doulas fazem parte dessa luta. Leis foram criadas para garantir a presença delas nos partos em hospitais de diversos Estados do país, como em São Paulo, Santa Catarina, entre outros. Entretanto, as doulas também atuam em partos domiciliares. Na Paraíba, o projeto de lei municipal (PL) 907/2015 foi aprovado pela Câmara Municipal no dia 16 de setembro de 2015, que obriga os hospitais do município (públicos e privados) a autorizarem a presença de doulas nas salas de parto. A doulagem é garantida somente se a parturiente desejar. No dia 4 de novembro de 2015 a lei foi sancionada. As doulas atuam de forma voluntária no Instituto Cândida Vargas (ICV), antes mesmo da lei ser aprovada.

A Prefeitura de João Pessoa ofereceu o primeiro curso de formação das doulas em 2011. A capacitação dura sete meses e é composta por aulas teóricas e práticas (plantões). As aulas se tratam das atividades e funções da doula no Sistema Único de Saúde (SUS), sobre a saúde da mulher e os aspectos da maternidade que vão do pré ao pós-parto. A presença delas no ICV tem o intuito de incentivar o parto natural e humanizar esse momento.


Relato sobre a experiência Doula, o que é isso? Nesse ponto da leitura, vocês já devem saber o significado, mas eu tinha que começar o texto com este questionamento porque eu o ouvi na maioria das vezes que falei qual seria o tema do meu trabalho final do curso. Admito que eu mesma fiz essa pergunta quando soube das doulas pela primeira vez. Foi quando, durante uma reportagem para o estágio no Instituto Cândida Vargas sobre a importância da amamentação, eu percebi que, assim como eu, muitos não conheciam o trabalho dessas mulheres. Então, como eu estava à procura do tema do meu trabalho de conclusão de curso resolvi fazer um livro de fotos como

forma de levar às pessoas a atuação das doulas e unir o assunto à minha paixão pela fotografia. Além disso, mostrar um trabalho cheio de sentimentos através de imagens é estar mais “próximo” da realidade. Até começar a fotografá-las, eu não fazia ideia do que estava me esperando. Tudo o que eu tinha era apenas a teoria, e a prática me surpreendeu bastante. Quando falo prática, não é somente a questão de captar o trabalho delas, mas sim, a de ver de perto o que elas fazem. Grito, choro, riso, agonia, hostilidade. Tais sentimentos e ações que antecedem a maternidade fizeram parte da minha


rotina durante quatro meses. Mas cada mulher reage de uma forma diante da dor. Enquanto isso, a doula fica no cantinho, observando, procurando quem precisa mais de seu apoio. Geralmente são as mulheres que estão prestes a ter o bebê ou as que estão sozinhas, sem acompanhantes. Enquanto eu observava a doula, ficava pensando no tempo certo de abordar a parturiente. Muitas vezes, ouvi as respostas com mistos de gemidos das contrações que já estavam surgindo. Ouvi vários “nãos”, mas o “sim” prevaleceu na maioria das vezes. Confesso que não havia pensado na possibilidade de ouvir uma resposta negativa, apesar de ser óbvio. Mas depois eu entendi como ninguém os “nãos” que levei.

A relação entre doula e parturiente me chamou a atenção pela questão da entrega entre ambas. As gestantes aceitavam o apoio da doula sem reclamar. Mostravam confiar naquela mulher que até então não conheciam. E a doula sempre se mantendo paciente porque precisa demonstrar força e ao mesmo tempo leveza para estar ali, ao lado da grávida. As ações das doulas são de extrema intimidade. Elas fazem massagens nas costas da parturiente, seguram forte a sua mão quando as contrações chegam, fazem carinho no rosto, na barriga, na cabeça. O toque está sempre presente, de forma gentil. A conversa é um ato muito constante também. Não existem pontos negativosno diálogo, nada que deixe a mulher aflita.


De forma descontraída, as doulas começam perguntando sobre a vida das gestantes, o que fazem, se têm outros filhos. E, acima de tudo, falam para a mulher que aquele momento é só dela e que a dor vem antes, mas o momento de ver o filho que tanto esperam supera tudo. Após o parto, elas dão instruções sobre amamentação e outros cuidados com o bebê. Na sala de pré-parto, recebi vários olhares desconfiados de enfermeiras, acompanhantes e as próprias gestantes. Sabia que não era exatamente pela minha presença, mas sim, pela presença da câmera. A ideia de ser fotografada em condições vulneráveis traz realmente um sentimento de desconfiança. As doulas não se incomodavam e me

deram o seu apoio também para explicar às parturientes o meu projeto. Das 30 doulas voluntárias do Cândida Vargas, tive o prazer de conhecer e fotografar cinco delas: Enedina Magalhães, Amanara Bandeira, Mariana Gonsalves, Moniky Rocha e Lays Tamara. Cada uma possuía os seus dias de plantões que coincidiram com os meus dias para me dedicar ao trabalho. Umas eu acompanhei desde o início, enquanto outras eu conheci quando já estava perto de finalizar as séries de fotos. Em todas deu pra sentir que elas estavam ali porque realmente queriam e amavam o que faziam. Durante as sessões de fotos, deixei tanto as doulas, quanto as grávidas, à vontade. Não queria interferir na


realidade. Explicava para as parturientes que elas não precisavam se preocupar em posar para a câmera porque eu queria captar o momento como ele realmente é. Percebi que elas se sentiam mais aliviadas assim. Busquei inspiração na produção fotojornalística. Com todas as gestantes, eu intercalava os clicks com conversas. Diante de uma situação onde a mulher está a mil, eu não queria ficar bombardeando-a o tempo todo com fotos. Ao mesmo tempo, gostaria de saber mais sobre elas e as doulas. Conversava com ambas e consequentemente aprendi muita coisa do universo maternal. Algumas me falavam da amizade que construía com a mulher após ela levar alta, outras guardavam fotos em seus

celulares das doulagens que fizeram. Mas, nos leitos, percebi outras situações desagradáveis para elas. De forma sutil, eu percebia as expressões de inconformismo das doulas com as atitudes de algumas fisioterapeutas porque essas profissionais interferiam na doulagem, ora tirando a parturiente do local, ora impondo coisas para elas fazerem, como dormir ou comer, assim, quebrando a relação entre a doula e a mulher. Uma coisa que me fez sentir limitada, era que depois que eu conseguia obter a confiança da parturiente e começava a tirar as fotos, sabia que não iria poder acompanhá-la até a hora do parto pois era algo imprevisível, podia ser naquele instante, horas


depois ou até mesmo dias. Porém, tive o prazer de ver pela primeira vez, um nascimento, e, depois de ficar paralisada por uns instantes, fotografei o momento. O tempo que tive, aproveitei ao máximo para captar a essência da atuação das doulas e os elementos que a compõem. Também o de mostrar o quanto é íntimo o momento da mulher nos momentos que antecedem a sua maternidade e que a presença da doula deixa tudo mais humanizado. Terminei o trabalho com a sensação que de não o havia concluído totalmente porque, no Instituto Cândida Vargas, todo dia uma mulher terá um filho e espero que tenha uma doula para apoiá-la.












“Depois da experiência com o nascimento do meu filho, em que fiquei sozinha durante todo o processo e sofri violência obstétrica, eu considerei que nenhuma mulher merece passar por isso num momento tão delicado, e decidi que queria ajudar outras mulheres a ter um parto digno, por isso fiz o curso de doula.”

Lays Tamara


“Para ser doula, a mulher precisa se doar a outra mulher, muitas vezes uma desconhecida. Precisamos estar ali presente de corpo e alma, esquecer nossos problemas em casa, e focar naquela mulher que estĂĄ passando pelo momento mais importante da vida.â€?


“Cada mulher que doulo percebo o quanto é importante a presença de uma pessoa esclarecida e prepara na hora do trabalho de parto, do parto e do pós parto. As técnicas que utilizamos amenizam as dores reais e as psicológicas das mulheres, pois cada mulher tem sua história e sua dor diferenciada e com nossa sensibilidade alcançamos a necessidade de cada uma daquelas mulheres, aliviandoas através de massagens e muito afeto. O esclarecimento muitas vezes traz a segurança e afasta o medo do desconhecido e a certeza de que toda mulher tem todos os elementos dentro dela, quando se deixa o instinto se manifestar plenamente e a fêmea parir como ela se sentir mais confortável.”

Enedina Magalhãess


“ Ser doula, eu acredito que foi um chamamento, pois não sabia o que era e quando vi o curso anexado no mural, entendi mais ou menos o que era e não mais saiu da minha mente e, mesmo com as inscrições terminadas, tentei e consegui ser incluída no grupo que iria começar.”


“Quis ser doula para seguir o meu caminho pessoal, natural, guiado pela minha intuição e pelo o que acredito, pois a vida me proporcionou viver duas experiências mais profundas que pude sentir através do parto dos meus filhos acompanhado por duas doulas. Nesse sentido nutrida por esse sentimento de amor, me coloco diante desse desafio de apoiar emocionalmente as mulheres durante a gestação, parto e nascimento.”


Mariana Gonsalves


Amanara Bandeira

“Eu tinha muito interesse em saber como acontecia um parto normal, presenciar esse evento tão forte foi o que me atraiu à doulagem. Buscava descobrir as maneiras possíveis de se ter um parto natural, respeitando a fisiologia do corpo. Num cenário de tanta medicalização da vida, em que a cesariana passou a ser propagada como o melhor parto possível, eu queria buscar conhecimento para apoiar mulheres no parir de forma ativa e natural.”


“O essencial é respeitar o tempo daquela mulher, encorajando-a em sua potência, respeitando suas vontades, dando-lhe privacidade, conforto e carinho para que possa ter autonomia em seu trabalho de parto. O resto é ver a vida chegar! A mulher sabe parir. O bebê sabe nascer.”


“O essencial é tentar fazer a mãe entender que o parto é dela, e que ela é capaz de parir, se uma mulher acredita na sua capacidade ela consegue.”

Moniky Rocha


“Acho que as doulas são importantes para a parturientes, pois o olhar e as palavras de gratidão de cada mulher que acompanho diz tudo. Se eu fosse definir o que é ser doula em uma palavra, essa seria doação. Porque esse é nosso papel, se doar àquela mulher em trabalho de parto.”

















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