Monografia: "Comunicar o Instante" Ana Gouveia

Page 1

Ana Cristina Pereira Gouveia

Comunicar o Instante A Fotografia: arte e comunicação

UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA

Julho de 2003


II


Ana Cristina Pereira Gouveia

Comunicar o Instante A Fotografia: arte e comunicação

UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA

JULHO DE 2003

III


Ana Cristina Pereira Gouveia

Comunicar o Instante A Fotografia: arte e comunicação

Monografia apresentada à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para a obtenção do grau de licenciada em Ciências da Comunicação.

IV


“Comunicar o Instante – A Fotografia: arte e comunicação” é o resultado de uma pesquisa morosa que pretende demonstrar o carácter ambíguo e abrangente da fotografia, confrontando diferentes autores acerca deste processo, que fixa o instante no espaço e no tempo.

Por outro lado, tentar-se-á compreender o contributo da fotografia na vida moderna, que se estende aos mais variados sectores, desde os meios de comunicação social, até à revelação dos segredos do fundo dos oceanos.

Pretende-se também enunciar o carácter inaugural da fotografia, e a forma como esta se transforma em arte contemporânea, delineando a sua abrangência que vai desde o processo técnico, relativamente simples, até à forma de arte – enquanto actividade criadora do espírito humano -, nunca deixando a sua função comunicativa. Resta-nos partir à descoberta desta “técnica” fantástica, que intertextualiza o seu poder comunicativo com a expressão sensível da realidade objectiva e com as experiências do próprio Homem.

V


À memória de meu pai, com todo o meu amor e saudade. “Assim te amo agora sem lágrimas, que deste modo teus netos um dia se recordem de mim, na tua, minha e deles pura ignorância da morte.” António Osório

VI


“ Sejam quais forem os fins a que chegues, houve sempre alguém que te ajudou.” Althea Gibson

Agradeço a todos os professores que me aconselharam durante a elaboração deste documento científico, em especial ao professor Rui Melo pela sua orientação e disponibilidade;

Agradeço à minha mãe, que me ensinou a lutar pelos meus sonhos;

Agradeço ao Nuno, meu companheiro de sempre, pela paciência e dedicação;

Agradeço a todos os amigos que me apoiaram e ajudaram;

Agradeço a todos os meus colegas de curso, pelo apoio e companheirismo durante estes anos de estudo académico.

A todos, o meu “Muito Obrigado”.

VII


ÍNDICE I Parte Pág. Introdução..........................................................................................................................10 1. Análise Conceptual........................................................................................................11 1.1. Caracterização da Fotografia......................................................................................16 2. Enquadramento Histórico..............................................................................................17 2.1. Os Inventores da Fotografia........................................................................................21 2.2. A Fotografia em Portugal no século XIX...................................................................30 2.3 A Fotografia em Portugal no século XX......................................................................34 2.4. Os Principais Arquivos Fotográficos Portugueses......................................................40 3. A Relação entre Fotografia e Arte.................................................................................42 3.1. “A Fotografia é Arte?” – Uma Abordagem Histórica................................................45 3.2. A Fotografia como Arte de Iludir...............................................................................60 II Parte 1. Quando uma Imagem Vale Mais do que Mil Palavras..................................................64 1.1. A Importância da Imagem Fixa Enquanto Meio de Comunicação.............................66 1.2. Os Campos de Actuação da Fotografia......................................................................68 1.2.1. A Fotografia Documental........................................................................................69 1.2.2. O Fotojornalismo.....................................................................................................72 1.2.3. A Fotografia Publicitária.........................................................................................74 1.2.4. A Fotografia Propagandística..................................................................................77 2. Análise do Trabalho Fotográfico de Alfredo Cunha.....................................................78 3. O Papel da Fotografia na Transição do Paradigma Comunicacional............................83 Conclusão..........................................................................................................................85 Bibliografia.......................................................................................................................88 Bibliografia dos Anexos...................................................................................................90 Índice dos Anexos.............................................................................................................91 Anexos..............................................................................................................................93

VIII


“...hoje já não estou preocupado com a fotografia como uma forma de arte. Acredito que ela é, potencialmente, o melhor meio para explicar o Homem a ele próprio e ao seu semelhante.” Edward Steichen, 1967

IX


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

I PARTE

Introdução A ciência nos seus diversos campos; a tecnologia e o seu avanço; a história do Homem; os momentos políticos; os astros; os oceanos; as sociedades; as sensações; os estados de espírito; a vida e a morte – tudo é fixado no tempo e no espaço por um processo, relativamente, simples: a fotografia. Poder-se-á dizer até que não há fenómeno que não possa ser arquivado, para que gerações futuras tenham a oportunidade de conhecê-lo.

Por outro lado, este processo possibilita criarmos um segundo mundo à imagem do mundo em que vivemos (Sougez, 2001), onde reencontramos tudo aquilo que nos rodeia e descobrimos aquilo que o olho humano não pode observar ou, simplesmente, pormenores que a velocidade do instante roubou à nossa percepção.

A fotografia surge pela mão de Daguerre e, a partir desse momento, inicia uma caminhada de modernização, deixando para sempre imagens de época presas no tempo. O fascínio por este meio, por esta técnica pode, exactamente, começar por esta característica de imprimir no papel a memória.

A máquina fotográfica permite segurar não só os grandes acontecimentos históricos, como também os gestos espontâneos das pessoas e do meio envolvente. Por outro lado, é hoje um imprescindível instrumento nos mais diversos âmbitos, nomeadamente, na área da comunicação.

Neste aspecto, a fotografia surge cada vez mais aliada às novas tecnologias que caracterizam a actual passagem do paradigma Comunicacional.

A fotografia é também considerada uma forma de arte: aliás, são diversas as exposições de fotografia que exploram o aspecto estético.

10


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Sendo a fotografia uma paixão pessoal, não será difícil compreender as motivações que me levaram a escolher este tema, e não outro, para desenvolver esta monografia. De facto, poder-se-á dizer que é um meio cativante por todas as suas potencialidades, mas também pela sua história que marca um século de descobertas e inovações.

O objectivo que se pretende alcançar é o de explanar, de uma forma o mais completa possível, o papel da imagem fixa ao longo dos tempos, desde o seu aparecimento, até aos dias que decorrem. Mas é, sobretudo, compreender como é que um meio acessível a quase todos, se confunde, se transforma, se mistura com a arte.

1. Análise Conceptual Do ponto de vista etimológico, a palavra “Fotografia” encontra a sua origem no grego Phõs, Photós (luz), mais gráphein (gravar). Logo conseguimos aqui uma primeira definição: gravar com a luz. A fotografia é “o processo técnico ou artístico de produção de imagens, através da fixação da luz reflectida pelos objectos numa superfície impregnada com um produto sensível às radiações luminosas.1”

Se é verdade que as imagens possuem, na sociedade actual, uma elevada importância, não menos verdade é o facto de terem sido também fulcrais, em épocas anteriores. Assim sendo, será relevante compreender a imagem, enquanto um signo da comunicação, para uma melhor percepção do que é a fotografia. Segundo Monteiro (2002), a grande questão é compreender que lugar reservamos às imagens quando tendemos a conceber a comunicação segundo o modelo da linguagem verbal. Sobre esta mesma questão argumenta: Falta desenvolver-lhes, [às imagens] um estatuto no pensamento contemporâneo: reconhecê-las, estudá-las, compreendê-las, sobretudo, pensar como as imagens fazem parte de um imaginário: porque, se o reducionismo é empobrecedor, o fetichismo não o é menos. 1

Dicionário da Língua Portuguesa, (2003), Porto, Porto Editora. 11


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Para este professor da Universidade Nova de Lisboa, a ideia segundo a qual um sistema compreender-se-á no seu todo, se se compreender cada uma das partes que o constituem, não esclarece, totalmente, o que é uma imagem. Mas, por outro lado, a adoração e a importância obsessiva que, por vezes, se atribui ao conceito de imagem, também não irá esclarecer as diversas e amplas acepções que derivam do mesmo conceito.

Nesta perspectiva, surgem várias definições de imagem que se compreendem conforme o contexto em que aparecem: (...) não há uma idêntica definição de ‘imagem’ que se aplique à imagem do sonho e do fantasma, à dos cultos, à da criação artística, ou à de uma estampa na sua função cognitiva: uma ‘retórica da imagem’, forçosamente plurímoda (dada a diversidade dos tipos de imagem visual, auditiva, icónica, abstracta, verbal, etc.) não dispensa uma certa univocidade de sentido, sob pena de cair em toda a espécie de equívocos -

(José Gil, cit. in Monteiro 2002).

Interessa aqui tratar a imagem na sua acepção de símbolo visual, enquanto representação da realidade, que poderá ter, tanto um carácter conotativo, como denotativo. Seja ele qual for, uma imagem (nesta perspectiva) será sempre definida como uma representação de algo. A “imagem fixa,” ou seja, a fotografia terá um carácter mais informativo e denotativo sempre que reportar ao “real”. Por outro lado, se estabelecer uma ligação abstracta ou simbólica com esse “real” terá um carácter comunicativo e conotativo2.

A propósito desta diferenciação, Tisseron, (1995) refere que se atendermos às funções da imagem, encontramos a tradicional função da Representação, mas também outras menos convencionais, nomeadamente a função da Transformação e do Envolvimento. Ou seja, uma fotografia é sempre uma representação de algo, uma vez que é essa a sua função intrínseca. Contudo, também pode provocar uma mudança de atitude, do ponto de vista ou até uma evolução a algum nível no receptor – Função de 2

Ver figura 1A e 1B em anexo, p.1 12


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Transformação. Já a função do Envolvimento prende-se com a captação da atenção do receptor, com o despertar de interesse.

Estas duas últimas funções da imagem são extrínsecas, uma vez que não fazem parte da essência da fotografia, isto é, são exteriores a ela.

Mas, em termos reais, o que é a essência da fotografia? Poderá esta estar limitada apenas à sua função de representação do real?

A resposta é, claramente, não - A fotografia, mais do que uma técnica de produção de imagens, representa um marco social. Com efeito, a fotografia surge no interior do reinado financeiro de Luís Filipe, na França, e da Inglaterra imperialista, onde a rainha Vitória dava os seus primeiros passos, já herdeira da primeira nação industrializada do mundo. A propósito, Maria Teresa Siza3 afirma no artigo, O Final anunciado, que “a fotografia tornou-se a respiração da civilização pós-industrial e da sociedade do espectáculo.” – Siza (1999, p. 726).

Continuando a seguir o artigo de Maria Teresa Siza, a fotografia surge nos anos trinta do oitocentismo e define-se, nesta altura, pelo seu primeiro objectivo: a reprodução dos monumentos italianos. Com efeito, é em nome da arte que Niepce começa as suas experiências fotográficas em 1813. Contudo, a definição da fotografia, enquanto processo artístico, levanta algumas reservas. Desde os seus primórdios que a fotografia se desenvolve paralelamente às artes plásticas. O facto de grande número de fotógrafos terem sido primeiro pintores ou desenhadores – basta nomear Daguerre, Octavius Hill, Stelzner, Nadar, entre muitos outros – e de a fotografia ter substituído, em parte, a pintura e a miniatura pelo retrato, e depois o desenho e a gravação para a ilustração de textos, obrigou muitos profissionais a abandonar a sua primeira actividade para exercer a nova técnica. A questão que se levanta é saber, até que ponto, não foram alguns fotógrafos pintores frustrados, que viram na fotografia um meio de expressão mais fácil, por tratar-

3

Actualmente, directora do Centro Português de Fotografia, que funciona na dependência do Ministério da Cultura. 13


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

se de uma técnica mecânica, com a qual se nega o carácter artístico da fotografia. Sendo a arte encarada como a actividade criadora do espírito humano, dificilmente encontramos na fotografia algum teor artístico, uma vez que se baseia num processo mecânico e reprodutor.

Contudo, o facto da fotografia se ter desenvolvido paralelamente ao auge do realismo, faz com que ambos se confundam, tirando mérito à fotografia. Charles Baudelaire4(cit. in Sougez 2001), forte inimigo do realismo escreve: Em relação à pintura e à escultura, o credo actual da gente do mundo (...) é o seguinte (...) Creio que a arte é e não pode ser mais do que a reprodução exacta da Natureza (...) Deste modo, a indústria que nos ofereça um resultado idêntico à Natureza será a arte absoluta. Um deus vingador cumpriu o desejo da multidão. Daguerre foi o seu Messias. E assim as massas pensaram: ‘uma vez que a fotografia nos oferece todas as garantias desejáveis de exactidão (...) a fotografia é a arte’. A partir deste momento, a sociedade imunda, como um só Narciso, precipitou-se a contemplar a sua imagem trivial no metal (...) Como a indústria fotográfica era o refúgio de todos os pintores frustrados, mal dotados ou demasiado preguiçosos para acabar os estudos, este lamaçal universal caracteriza-se não só pela cegueira e a imbecilidade mas também por tomar a cor da vingança

-

(Baudelaire, 1963).

Pela mão do modernismo tudo fica esclarecido: a fotografia é uma arte autónoma, mas também complementar das artes plásticas, mas a sua vocação aparente é a difusão de ideias e de imagens.

A fotografia continua a ser objecto de estudos e análises. Autores como Walter Benjamin, Roland Barthes ou Susan Sontag têm-lhe dedicado ensaios que reflectem o papel que desempenha na sociedade. A pintura e a fotografia não só são dois sistemas de produção e de reprodução de imagens que, achando-se numa posição de concorrência, não teriam mais do que limitar o território que lhes pertence em propriedade para chegar a um acordo de coexistência. A fotografia é uma empresa de 4

Escritor e poeta francês, (1821-67). Dedicou parte da sua vida à crítica de arte. 14


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

ordem totalmente distinta. Sem ser especificamente uma arte, possui a propriedade de poder transformar em obras de arte todos os objectos que toma por modelos. Muito mais importante do que o problema de saber se a fotografia é ou não uma arte autêntica, é o facto de nos permitir conhecer as obras de arte, que cria por sua vez; influi nas novas ambições artísticas. É um exemplo típico das direcções novas seguidas tanto pelas artes de vanguarda como por artes mais comerciais: a transformação em meta-artes ou directamente em media -

(Susan Sontag, cit. in

Sougez 2001). A fotografia, através da publicidade, abriu as portas à “Sociedade da imagem”. As transformações de mentalidade, que levaram ao crescimento da classe média e à explosão da cultura de massas, vulgarizaram a fotografia na sociedade contemporânea: inventou-se a palavra consumível. Hoje, a fotografia perdeu o seu primitivo valor de prova e de realidade. Tornou-se no próprio contexto, na envolvente da nossa existência e num “saber menor”. Por outro lado, a fotografia artística, lutadora e crítica, denunciadora do seu próprio objecto, inseriu-se no mundo da cultura elitista – ganhou os museus e as galerias de arte.

Para finalizar este ponto, será interessante referir que uma nova fase tem vindo a desenhar uma sociedade diferente: entramos, progressivamente na era digital, onde também a fotografia sofre alterações no seu próprio entendimento e na sua essência. A fotografia tradicional, ou química, vê-se agora confrontada com a fotografia digital e com a manipulação da imagem. Se, por um lado, esta nova tecnologia permite um sem número de possibilidades, inovações, transformações e correcções, por outro, retira a possível magia que envolve este meio. Maria Teresa Siza vai mais longe e fala do “ Final Anunciado do Retrato”: A fotografia, que tudo fizera para não ser compreendida como simples espelho da realidade, através de um automatismo mecânico que lhe roubava a afirmação da criatividade e da imaginação, conservava, contudo, o seu valor indicial. Valor (...), que a fazia possuidora, em tantas circunstâncias de carga mágica (...). A fotografia rodeava-se da referência fundamental de ter a capacidade de reproduzir o irreal – a paragem do tempo, como suspensão do impossível – conotando-se assim com a morte. (...). Com o computador surge a fotografia sem objecto, como a imagem matemática. E é este, entretanto, o final anunciado com a invenção da fotografia, a

15


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

tendência para a abstracção crescente da realidade, para a fantasmização crescente do real -

(Siza,1999).

1.1.Caracterização da Fotografia A intensidade de comunicação de uma obra fotográfica depende mais da inteligência e da imaginação, do que da qualidade do material óptico, dos reveladores, enfim, de todo o equipamento e produtos utilizados para captar e processar, laboratorialmente, uma imagem. Com efeito, não obstante a influência favorável de um bom suporte técnico, a fotografia é caracterizada, sobretudo, por ser uma expressão de criatividade, que depende da imaginação do fotógrafo.

Outra característica da fotografia prende-se com o facto de possibilitar a reconstituição, com fidelidade, do tema real que a objectiva captou.

Por outro lado, a fotografia é também caracterizada por ser intermédia e interdisciplinar, isto é, como uma técnica que funciona em parceria com outras áreas de actuação humana. Aliás, a fotografia está na base de grande parte dos media.

Se a ciência exige a precisão, a máquina fotográfica falará a linguagem da clareza. Se a arte pede o recreio e o conhecimento intuitivo, a máquina oferecerá todo um repertório de linhas e de planos manobráveis, como de cores e de luzes.

Por último, mas não menos importante, a fotografia é caracterizada pelo aspecto lúdico. Em 1888, a Kodak

colocou a primeira máquina fotográfica nas mãos dos

consumidores mundiais e transformou o que era um mecanismo complicado, num processo de fácil utilização e acessível a todas as pessoas. George Eastman, fundador da Eastman Kodak e pioneiro no primeiro rolo fotográfico foi o pai de um estilo novo de publicidade, com os slogans: “Acredite no que está dentro da caixa” ou “ Você carrega no botão, nós fazemos o resto”. Era o nascimento da fotografia como milhões de fotógrafos amadores a conhecem hoje, tornando-se num passatempo das sociedades modernas.

16


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Sugerindo que os consumidores têm de dar largas à sua imaginação para complementar a tecnologia, o slogan da Microsoft: “ Onde é que quer ir hoje?” – (“Where do you want to go today?”), por exemplo, é um eco moderno daquilo que a Kodak prometeu inicialmente; o mesmo aconteceu com a Intel, através da mensagem: “ Intel Inside”. Ambos se inspiram no princípio original de Eastman, que afirmava que os clientes deveriam confiar na marca para conseguirem o produto, de acordo com as suas próprias vidas. Em fotografia o homem é técnico, sábio e artista.

2. Enquadramento Histórico Tendo como base (Sougez , 2001), os antecedentes da fotografia são do âmbito da óptica e da química. No entanto, a fotografia teve, antes de tudo, aquilo a que se chama antecedentes literários. Por vezes, a imaginação antecipa qualquer descoberta científica, o que, de facto, aconteceu com a fotografia. Trata-se de uma “ Novela de Antecipação” como era em tempos atrás denominada. Hoje chamamos a essa obras, “Ficção Científica”. Este primeiro precedente de tipo literário, por pura intuição, apresenta a síntese das vertentes técnicas da fotografia. Intitula-se Giphantie e o seu autor é Tiphaigne de la Roche5. O livro fala de viagens imaginárias narradas pelo protagonista que entra nos desertos do norte da Guiné e aí encontra um “maravilhoso jardim”. O narrador descreve esse jardim como uma ilha povoada por “espíritos elementares”. O governador da ilha acompanha-o na sua visita e explica-lhe as maravilhas do lugar. Entre outras coisas, o viajante descobre numa passagem subterrânea, umas paisagens que dão a ilusão de serem reais, mas o seu acompanhante explica-lhe que: (...) os espíritos elementares não são tão hábeis pintores como bons físicos. Já julgareis pela sua maneira de trabalhar. Sabeis que a luz reflectida pelos diferentes corpos forma um quadro a que estes corpos se gravam em todas as superfícies polidas: na retina do olho, por exemplo, na água, nos espelhos. Os espíritos elementares têm procurado fixar essas imagens fugazes. Têm composto uma matéria muito subtil, muito viscosa e pronta a dissecar-se e a endurecer, com a qual fazem um quadro num piscar de olhos. Cobre-se da dita matéria um pedaço de tela que imediatamente se põe em frente dos objectos que se querem pintar. O primeiro efeito da tela é o mesmo do espelho. (...) Mas, o que um 5

Francês, oriundo da Normandia, (1729/1774). Foi médico em Caen e, posteriormente dedicou a sua vida à literatura. 17


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

espelho não pode fazer, consegue a tela, cujo revestimento viscoso retém os simulacros. (...) Em seguida tira-se e coloca-se num lugar escuro. Uma hora depois, o verniz está seco e tem-se um quadro tão precioso que nenhuma arte pode imitar a sua verdade e que o tempo de nenhuma maneira pode estropiar... – (cit.

in Sougez 2001, p.16).

Neste excerto estão presentes as bases da fotografia, contudo, na época ninguém foi capaz de o perceber, tomando estas descrições por devaneios e imaginação do autor.

Recuando no tempo até à época renascentista, encontramos aquilo a que chamamos os “antecedentes ópticos”. Os grandes artistas dessa altura, na sua maioria, dominam, ao mesmo tempo, a pintura, a escultura, a arquitectura, o desenho e o desenho técnico: a título de exemplo, basta nomear os nomes de Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo. No século XV, Pierro della Francesca e Alberti recomendam o emprego de visores e quadros para traçados de perspectivas. Em 1535, Albrecht Dürer6 divulga, em Institutionum Geometricarum7, algumas máquinas para desenhar e retratar.

Mais tarde, em 1568, o veneziano Daniel Bárbaro propõe um sistema com mira, parecido com o de Dürer. Barozzius faz um tratado de perspectiva, onde pormenoriza os sistemas utilizados até à sua época.

Em 1667, o padre Chérubin em La Vision Parfait descreve um aparelho de sua invenção que permite desenhar ao longe por meio de uma ocular dióptrica. Ao longo dos séculos XVII e XVIII multiplicaram-se outras variantes deste último princípio.

No início do século XIX aparecem as câmaras Lúcidas ou câmaras claras que são síntese de todas as máquinas de desenhar desenvolvidas até à altura. São câmaras aperfeiçoadas a nível óptico, das quais se destaca a do britânico William Hyde Wollaston, em 1806. Wollaston substitui as lentes esféricas por lentes periscópias, melhorando bastante o resultado final. Contudo, são as câmaras escuras que se apresentam como os 6

Ver figura 2 em anexo, p.2 Albrecht Dürer, Institutionum Geometricarum libri quatuor, Paris, 1535. Trata-se da terceira edição latina. A edição original em alemão publicou-se em Nuremberga, em 1525: Underweysun der Messung mit dem Zirckel. 7

18


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

antepassados das câmaras fotográficas. O princípio da câmara escura remonta à antiguidade clássica. Aliás, Aristóteles já conhecia este princípio: quando numa sala de tamanho normal e convenientemente escurecida, se faz uma abertura numas das suas paredes, ou no tecto, que deixe filtrar a luz, qualquer raio luminoso que venha do exterior projecta-se na superfície oposta ao orifício numa mancha circular, mesmo que o furo não seja redondo. A projecção será tanto maior, quanto mais afastada do orifício se encontrar a parede receptora, mesmo que isso resulte na perda de nitidez da projecção. Este princípio foi o utilizado para a observação dos eclipses solares até ao século XI.

Leonardo da Vinci, por volta de 1515, nos seus apontamentos, descreve minuciosamente uma câmara escura e não limita a sua utilização à observação do sol: Quando as imagens dos objectos iluminados penetram por um furo num quarto muito escuro, recebereis essas imagens no interior do dito aposento num papel branco situado a pouca distância do furo; vereis no papel todos os objectos com as suas formas e cores. Aparecerão reduzidos no tamanho. Apresentam-se numa situação invertida, e isto em virtude da intercepção dos raios. Se as imagens procedem de um lugar iluminado pelo Sol, aparecerão como pintadas no papel, que deve ser muito fino e visto por detrás. O furo será feito numa chapa de ferro também muito fina. 8

Em 1550 surge a primeira lente, pela mão do milanês Girolamo Cardano, que, para melhorar a visão, junta à câmara escura um disco de cristal. Ao longo do tempo, as câmaras escuras tornam-se móveis – no século XVII, o astrónomo Kepler, (1571-1630) dispunha de uma tenda portátil que rodava sobre si mesma como um moinho de vento. . No século XVIII, as câmaras escuras eram bastante aperfeiçoadas e reduzidas de formas diversas na sua dimensão. Além disso, constituíam objectos preciosos e minuciosamente decorados.

8

Manuscrito : Essais sur les physico-mathématiques de Léonard de Vinci, Paris, 1797. Citado por G. Potonniée, Histoire de la découverte de la photographie. 19


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Em 1733, o abade Nollet apresenta na Academia de Ciências Francesa uma câmara de forma piramidal que ainda se vai fabricar até ao século XIX.

Todos estes instrumentos com melhorias de tipo óptico tinham o objectivo final de desenhar à mão. Só se podia conservar a imagem projectada decalcando com o lápis o reflexo fugaz.

Ao longo de século XVIII foram utilizados sistemas cuja finalidade era captar imagens, (nomeadamente retratos) sem as desenhar. Estávamos no auge dos perfis e das silhuetas: eram retratos, com aparência de sombras chinesas feitas por feirantes anónimos. As silhuetas difundiram-se rapidamente na Alemanha e na Grã-Bretanha e, mais tarde, nos Estados Unidos, onde foram introduzidas pelo exilado francês Févret de Saint-Mesmin. Em 1786, Gilles-Louis Chrétien inventa o “Physionotrace” , espécie de pantógrafo (instrumento para copiar qualquer figura nas proporções desejadas), que permite transferir para uma folha de cobre o perfil do modelo, retocando-o com água tinta. Esta técnica não necessitava da exposição demorada do modelo e, além disso, não era muito cara, substituindo a aristocrática miniatura no seu papel de retrato familiar. A silhueta continuou a utilizar-se na primeira metade do século XIX, tendo sido substituída definitivamente pela fotografia.

Para concluir este ponto que resume os antecedentes da invenção da fotografia falta falar do “elemento químico”, que complementa o elemento óptico: desde a antiguidade se sabia que os sais de prata escureciam com a acção da luz. O nitrato de prata utilizava-se para tingir o marfim, a madeira, as penas, as peles e, inclusive, o cabelo.

Na Idade Média, os alquimistas chamavam ao cloreto de prata, a luna cornata. No entanto, só no século XVIII estas propriedades foram objecto de estudo sistemático. O iniciador do estudo das reacções químicas à luz foi o sueco Schelle (1747-1786) que apresentou as suas conclusões na obra De l’airet du feu, traduzida para francês em 1781. Ele demonstrou que o negro produzido pela luz na luna cornata é prata reduzida. O seu discípulo Sénebier (1742-1809) criou uma escala sensitomática com as variações no

20


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

tempo de escurecimento do cloreto de prata, oscilando entre os quinze segundos e os vinte minutos, segundo as cores.

Outro nome crucial que marcou a fase embrionária da fotografia é o de Thomas Wedgwood (1771-1805). Dedicou a sua curta vida às investigações científicas. Foi cofundador do Lunatic Club, que reunia jovens londrinos, amantes das letras e das ciências. Os resultados das investigações que compartilhava com outro membro do clube, Humphrey Davy (1778-1829) foram publicados por este último, em 1802, no Journal of the Royal Institution of Great-Britain. No artigo indica-se que: Uma cópia de um quadro ou de um perfil, imediatamente obtidos, devem conservar-se na escuridão. Pode-se, quanto muito, examiná-la à sombra mas, neste caso, a exposição não pode ser senão de escassos minutos... Os intentos feitos até agora para impedir que as partes tingidas (...) sejam logo impressionadas pela luz resultarão sem êxito.

Apesar de todas as experiências, faltava ainda um fixador. Em 1819, o astrónomo John Herschel indicaria a acção do hipossulfito de sódio como fixador dos sais de prata. Contudo, não aplicou esta propriedade às experiências de Wedgwood e de Davy. Faltava, então, alguém que reunisse todas estas experiências, aliando o elemento óptico como o químico.

2.1. Os Inventores da Fotografia A invenção da fotografia é fruto de diversas tentativas ensaiadas na mesma época, no campo da física e da química. A sua paternidade é dividida por vários nomes, de vários países, embora Nicéphore Niepce seja considerado o pai da fotografia com maior propriedade, porque é o primeiro a conseguir fixar uma imagem. Joseph Nicéphore Niepce9 (1765-1833) é um inventor francês que provém de uma burguesia abastada, cuja vida provinciana lhe permite aprofundar as suas pesquisas científico-artitistas.

9

Ver figura 3 em anexo, p.3 21


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Niepce interessa-se pela litografia, recentemente inventada na Alemanha, em 1796, e que havia sido introduzida em França, em 1810. A litografia é um processo que consiste em desenhar sobre uma pedra especial com uma tinta gordurosa. Em seguida, banha-se a pedra em ácido diluído e fixa-se o desenho. Só os traços do desenho retêm a tinta, o que permite obter um grande número de provas em papel.

Niepce não sabe desenhar, o que o leva a estudar a possibilidade de registar, de alguma forma, a imagem luminosa sobre a pedra litográfica.

O cientista troca correspondência com o seu irmão Claude Niepce, onde conta os progressos das suas investigações: estas cartas constituem a prova das tentativas de Niepce para fixar a imagem, e boa parte delas conservam-se no Museu Niepce, em Chalon-sur-Suône. Nas cartas, Niepce fala em fixar directamente a imagem fotográfica, isto é, produzida pela luz, sobre um suporte mais adequado: chapas de estanho, papel ou vidro. A essas imagens dá o nome de Heliografias.

Em 1816, Niepce consegue fixar as imagens da câmara escura sobre papel tratado com cloreto de prata e, mais uma vez, escreve ao seu irmão para comunicar o mesmo.

Durante muito tempo, considerou-se como primeira imagem fotográfica uma natureza morta, de 1822. Obra doada pelo neto de Nicéphore Niepce, em 1890, à Société Francaise de Photographie. A imagem foi posteriormente emprestada para uma exposição e não voltou a aparecer, mas conhece-se por uma reprodução (conservada na Sociedade Francesa de Fotografia) tirada em 1891, antes do empréstimo.

Helmut Gernsheim, coleccionador e historiador, contestou esta tese com a fotografia o ponto de vista. Esta imagem referia-se a uma vista de uma janela da sua casa em Gras, que corresponde à descrição feita na carta de 28 de Maio de 1816, referida em cima.

22


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Segundo a tese de Gernsheim, a fotografia está inventada desde de 1816 e não 1822, como afirma o monumento a Niepce em Saint-Loup-de-Varennes, uma vez que se considerou sempre que a primeira imagem produzida pela luz era a natureza morta, presumivelmente de 1822. Apesar desta tese, facto inegável é o da primeira imagem fotográfica convencional ser de 1826.

A fotografia deve a Niepce todo o seu esforço, no âmbito da manipulação química. Contudo, é também de extrema importância todo o material construído pelo inventor e com o qual ia avançando nas suas pesquisas: cinco câmaras de madeira de nogueira com uma óptica rudimentar, mas aperfeiçoada com uma série de acessórios. O diafragma rapidamente deixou de ser o disco de cartão, para se converter numa íris. Havia também vários dispositivos de báscula e fole e uma das máquinas estava equipada com um cilindro de madeira, girando sobre um eixo metálico e que se traduz, numa tentativa de utilização de papel contínuo: o precursor de rolos.

No mês de Janeiro de 1826, Niepce pede ao seu primo, o coronel Niepce (uma vez que estava de partida para Paris), que lhe comprasse uma câmara escura com prisma menisco, na óptica dos engenheiros Chevelier. Com o coronel iam algumas provas heliográficas de Niepce.

Vincent e Charles Chevelier ficam maravilhados perante as provas heliográficas, que comprovavam a extraordinária notícia da fixação de imagens. Posteriormente, os irmãos Chevelier fornecem os contactos de Niepce a Louis Jacques Mandé Daguerre 10 (1787-1851), pintor francês relacionado com o mundo das letras e do teatro e inventor do diorama, que consistia em complicados jogos de luzes conjugados com o movimento de vários cenários. Sendo este um apaixonado por todas as questões relacionadas com a fixação da imagem, não hesita e escreve a Niepce, lisonjeando o seu trabalho e pedindo que desvendasse o segredo dos seus processos. Niepce fica na defensiva e nada adianta sobre as suas investigações. Daguerre escreve-lhe novamente no ano seguinte, desta vez

10

Ver figura 4 em anexo, p.3 23


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

pedindo-lhe o envio de uma heliografia. De forma amável, Niepce responde a Daguerre, embora não fazendo o que este lhe pedira.

Daguerre não desiste e, numa tentativa de quebrar o gelo, volta a escrever, desta vez, enviando-lhe um desenho seu, onde intervinha a mão, se bem que parecia haver uma base química. Niepce responde, enviando uma heliografia sua que, como explicava na carta que a acompanhava, era do ano de 1826.

Pouco depois, Niepce recebe a notícia que o seu irmão Claude (que se encontrava em Londres) estava muito doente, o que o levou a ir para Inglaterra. De passagem por Paris, foi visitar Daguerre, que se mostrou muito modesto, no desejo de admirar os trabalhos heliográficos de Niepce.

Niepce segue viagem até Kew, nos arredores de Londres, onde encontra Claude muito doente. Fica algumas semanas com o irmão, que virá a falecer em princípios de 1828. Atormentado por problemas de dinheiro e bastante afectado com a morte de seu irmão, Niepce abandona as suas investigações e decide tirar delas algum benefício material. Depois de um intercâmbio de correspondência com Daguerre, a 14 de Dezembro de 1829, formam uma sociedade, na qual se reconhece Niepce como inventor de um meio novo para fixar as vistas que a natureza oferece, sem ter de recorrer a um desenhador. Daguerre não vai além de um suposto aperfeiçoamento da câmara escura e promete melhorar a heliografia. A acta foi acompanhada por uma nota de Niepce, onde expunha os pormenores da manipulação do processo.

Depois de se ter familiarizado com o processo, Daguerre, que se havia deslocado a Chalon para assinar o contrato, regressou a Paris e os dois homens nunca mais se voltam a ver.

A 3 de Julho de 1833, no seu estúdio de Saint-Loup-de-Varennes, Niepce sofre um ataque de apoplexia e morre dois dias depois, aos sessenta e oito anos.

24


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Niepce, que dedicou a maior parte da sua vida ao aperfeiçoamento do processo, não poderia imaginar o desenvolvimento que, em poucos anos, alcançaria a fotografia. Daguerre pode actuar à vontade na exploração do invento, após a morte de Niepce.

Em 1835, Daguerre propôs a Isidore (filho de Niepce) a alteração do contrato, de forma a que o seu nome figurasse em primeiro lugar, mas sem que isto alterasse os benefícios económicos a que Isidore tinha direito. Isidore aceita, uma vez que a morte do pai deixara a família numa situação financeira pouco estável.

Em 1837, são introduzidas novas modificações na sociedade (sempre com a autorização de Isidore) e, daí por diante, o nome de Niepce é afastado, figurando apenas o nome de Daguerre - daí o processo denominar-se por Daguerreótipo.

Quando Daguerre domina por completo todo o processo, começa aquilo a que hoje chamamos “Campanha Promocional.” Primeiro tenta criar uma sociedade de exploração por subscrição pública, mas não obtém êxito. Começa, então a percorrer a cidade de Paris, em busca de tomadas de vista, o que origina a crescente curiosidade por parte da população. Mas o inventor não desvenda o segredo da sua invenção e dá poucas explicações sobre o assunto.

Daguerre é consagrado como inventor a 19 de Agosto de 1839, em sessão da Academia das Ciências. É François Arago, deputado que representa o grupo de burgueses liberais dedicados às ciências e às letras, que dá a conhecer publicamente o processo do Daguerreótipo. Não se conhece o texto completo da comunicação histórica, porque o orador improvisou grande parte dela, embora se saiba que Arago falou da democratização da arte, o que lhe confere um papel de visionário: a fotografia teve e tem uma função crucial na popularização da arte.

Daguerre é tido como um inventor genial e de toda a parte surgem felicitações, condecorações francesas e estrangeiras e nomeações de diversas academias (Viena,

25


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Edimburgo, Munique e Nova Iorque). A 10 de Julho de 1851, Daguerre morre na sua terra natal, Courneille-en-Parisis.

Daguerre trouxe o lado mercantilista e espectacular ao processo e o daguerreótipo, rapidamente, propagou-se pelo mundo, abrindo portas para a fotografia.

O lançamento do daguerreótipo respondia também a intuitos políticos: transmitia a imagem de qualidade de vida da burguesia da monarquia de Luís Filipe. Essa burguesia encontrou na fotografia uma nova forma de auto-representação. Assim, era esta classe constituída por banqueiros, homens de Estado literatos e sábios que, numa primeira fase, usufruem deste processo. À medida que aumenta a necessidade de formar as camadas mais baixas da sociedade, a fotografia vai-se tornando pouco a pouco um bem ao dispor e entendimento de todos. Não tardaremos a ver as belas estampas, que só se encontravam nos salões dos apreciadores ricos, a decorar inclusivamente a humilde casa do trabalhador e do camponês -

(La Revue

Française, cit. in Sougez, 2001).

O material fotográfico, no início, era muito caro, estando apenas ao alcance dos interessados mais ricos ou de entidades científicas dotadas de fundos. Apesar disso, havia um interesse crescente e generalizado. Aliás, no dia seguinte à comunicação de Arago, os habilidosos improvisam câmaras feitas com caixas equipadas de tubos de cartão e de qualquer tipo de lente. Obviamente, estas tentativas não obtêm êxito algum, mas servem de pretexto a piadas e caricaturas que em seguida proliferam.

O fabrico em série do material de Daguerre começa com a ajuda do seu cunhado Giroux, dono de uma papelaria. A câmara chama-se Daguerréotype e é caracterizada por ser numerada e levar a assinatura de Daguerre. Custa, em 1839, quatrocentos francosouro e é acompanhada por um manual traduzido nos principais idiomas.

26


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Em 1841, já existem câmaras que pesam apenas quatro quilos, peso incluindo os acessórios. Neste mesmo ano, nota-se já uma descida no preço deste material: adquire-se uma câmara por cerca de 250 a 300 francos, e as chapas que se vendiam a três ou quatro francos vendem-se agora por 1 ou 2 francos. O tempo de exposição é também menor, sendo em 1841, de 2 a 3 minutos.

Buron é o primeiro a dar a fórmula da relação entre o foco e a objectiva, vigente até aos nossos dias.

As primeiras câmaras vendem-se imediatamente por toda a Europa e Estados Unidos e começam a surgir fabricantes fora de França.

No ano de 1841, o matemático da universidade de Viena, Joseph Petzval (18071891) confiava o fabrico em série de uma objectiva,11 câmaras a que deram o nome de objectivas alemãs, idealizadas no ano anterior. Surgem, em França, imitações desta câmara, caracterizada por dar imagens com contornos circulares.12 Nos Estados Unidos as imitações chegam ao ponto de levar a assinatura do seu inventor.

Além dos aperfeiçoamentos serem a nível óptico, são-no também ao nível químico.

John Frederick Goddart, professor de óptica na Adelaide Gallery de Londres, propõe um acelerador que consiste em passar a chapa por vapores de brómio, depois dos de iodo. A combinação dos aceleradores com as objectivas permite conseguir um retrato em menos de 60 segundos.

Estes aperfeiçoamentos e outros sucedem-se em pouco mais de um ano. A partir de então, a técnica evoluiria constantemente, progredindo até aos dias correntes.

11 12

Ver figura 5 em anexo, p.4 Ver figura 6 em anexo, p.4 27


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Houve um grande eco mundial, uma vez que o processo rapidamente se difundiu pelo mundo ocidental. Havia uma ânsia de lucro, mas também a vontade de descobrir novas possibilidades decorrentes deste invento. A fotografia permite explorar o “bom gosto”, conceito muito em voga na segunda metade do século XIX.

A primeira revista fotográfica do mundo, The Daguerreian Journal, Surge em Nova Iorque, em 1850.

O Daguerreótipo atinge uma enorme popularidade e desperta a curiosidade de todos. Surgem

simpatizantes do processo, nomeadamente personalidades ligadas à

ciência e às artes, que exploram as várias possibilidades do invento.

Por outro lado, o processo também tem adversários, que levantam argumentos contra ele: em 1839, no jornal prussiano, Leipziger Stadtantzeiger um articulista anónimo escreve. “Deus criou o homem à Sua imagem e nenhuma máquina feita pelo homem pode fixar a imagem de Deus13.” No início, as relações com a fotografia eram de amor ou ódio: Se, por um lado, o processo apaixona uns, por outro, enfurece outros.

A oposição feita à fotografia foi perdendo sentido com o decorrer dos tempos. A discussão que seguiria

seria relacionada com a questão de considerar, ou não, a

fotografia como arte.

Numerosos investigadores rondam a descoberta definitiva da fotografia, nomeadamente Bayard e Fox Talbot, também considerados como “inventores” da fotografia, para além de Niepce e Daguerre.

Hippolyte Bayard (1801-1887) é um fotógrafo francês, homem modesto que vive entre cómicos e pintores. Consegue obter imagens positivas, de forma directa, em papel impregnado com sais de prata. Além de inovadoras na técnica, as fotografias de Bayard,

Enc. da História Universal – Acontecimentos e Personalidades que Mudaram o Mundo, (1999), Lisboa, Selecções do Reader’s Digest. 13

28


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

demonstram preocupações contextuais em temas como a arquitectura, o auto-retrato e as vistas de Paris.

Em 1867 empenha-se na divulgação de novos processos de obtenção de imagens, recorrendo ao colódio sobre vidro. Grande parte da obra de Bayard está conservada e arquivada na Societé Francaise de Photographie.

William Henry Fox Talbot (1800-1877) nasceu em Melbury, Inglaterra e ficou conhecido como fotógrafo e investigador na área da fotografia.

Consciente da sua dificuldade em reproduzir manualmente as paisagens que admirava durante as suas viagens a Itália, Fox Talbot começa a estudar a melhor forma de obter uma imagem fotográfica, em 1834. A mesma ideia aparece simultaneamente a vários investigadores.

Em 1835, fruto das suas experiências com os sais de prata, realizou o primeiro calotipo14 (do grego Kalos, belo), que constitui um ponto de partida para a reprodução do positivo a partir de um negativo. Além disso, o calotipo caracteriza-se pelas suas grandes zonas claras e escuras e a textura do papel dá-lhe um efeito muito diferente da nitidez da imagem daguerriana.

Entre 1844 e 1846, Talbot publica The Pencil of Nature, uma recolha de fotografias suas, que constitui a primeira edição fotográfica do mundo.

A sensibilidade que Fox Talbot demonstra nos efeitos de luz produzidos nas cenas fotografadas e a maneira como o fotógrafo captava essas cenas conferem-lhe uma importância, na história da fotografia, não só como inventor, mas também como criador com um forte sentido plástico.

14

Ver figura 7 em anexo, p.5 29


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Continuando a seguir Marie-Loup Sougez, em 1976, após o trabalho de pesquisa do investigador Boris Kossoy, é descoberto o caso de um inventor isolado em terras americanas, que tinha já conhecimento do processo fotográfico, antes mesmo da morte de Niepce. Tratava-se de Hércules Florence, (1804-1879), francês que embarcara para o Brasil em 1824, onde idealiza a fotografia, que lhe permite fixar imagens da câmara escura, multiplicar escritos e desenhos por acção da luz sobre papel tratado com nitrato de prata.

No final da sua vida escreve: Quando em 1839 teve lugar o invento de Daguerre disse para os meus botões: «se tivesse permanecido na Europa, ter-se-ia reconhecido a minha descoberta».

(Kossoy, cit. in Sougez,

2001).

A fotografia surge pela vontade de registar a imagem, sem a necessidade de possuir dotes artísticos como desenhador ou pintor. Estes inventores, uns com mais projecção do que outros, são os criadores da imagem fixa. A fotografia vai ao longo do tempo sendo aperfeiçoada e, por volta de 1850, já não há inventores propriamente ditos, mas sim investigadores a quem se devem melhorias notáveis.

2.2. A Fotografia em Portugal no século XIX As notícias sobre as experiências de Daguerre chegam a Portugal

a 16 de

Fevereiro de 1839, dez anos depois de abrir a primeira litografia no país – a Lithografia Nacional de Santos. Estes dois meios de produção e reprodução de imagens surgem numa fase em que o país está sobressaltado com a ascensão do Liberalismo. Portugal tentava industrializar-se, embora com meios insuficientes. O aparecimento da fotografia vai representar um novo desafio para o país. A notícia vem na revista o Panorama (revista de carácter literário e instrutivo da sociedade), com o título “Revolução nas artes do desenho”. Em Março do mesmo ano, a Revista Litteraria do Porto publica também um artigo intitulado “Desenho obtido pela luz, ou processo segundo o qual os objectos por si

30


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

mesmo se desenharão sem socorro de lápis”, onde se descreve as experiências de Fox Talbot.

As publicações periódicas eram o veículo natural para a divulgação de novas invenções. Contudo, os custos e a complexidade de alguns processos não permitiam a sua difusão. Durante os primeiros dez anos da fotografia em Portugal, contam-se pelos dedos as vezes que este tema atingiu os meios industriais. Assim era, normalmente, através das academias de ciências ou artes, que as aparições sobre este invento circulavam.

A 20 de Março de 1841, o Panorama publica uma gravura, da autoria de José Maria Baptista Coelho15 (1812-1891), reproduzindo um daguerreótipo da frente do Palácio da Ajuda. A gravura é acompanhada por um texto curto, que não específica quem foi o autor do daguerreótipo, mencionando apenas o nome do proprietário do aparelho utilizado: um comerciante de Lisboa, de seu nome, Francisco Mocening.

É no início da década de 40 do século XIX que os retratistas de daguerreótipos se espalham por todo o mundo. Porto e Lisboa eram escalas obrigatórias para os daguerreotipistas que provinham do Brasil, Argentina e do Oriente. Muitos deles viajantes dos navios que faziam escala em Portugal, aproveitando para exercer no nosso país a sua actividade. Por outro lado, a fronteira alentejana era o local utilizado pelos retratistas que chegavam de Espanha. O periódico Chronica Eborense anunciava em 1847, “Retratos ao Daguerreotypo, nos Lóios”, em Évora. No mesmo ano, na Madeira, porto de escala de diversas rotas e onde residia uma influente colónia britânica, anunciava-se em O Defensor, em português e em inglês, a presença de dois retratistas ingleses. O primeiro na edição de 23 de Janeiro, rezava assim: “D Leanly respeitosamente informa os Senhores e as Senhoras Madeirenses, que ele demorará nesta Ilha um mês para tirar retratos coloridos por meio de Daguerreotypo, garantindo a sua perfeita semelhança com os originais.” – (cit.

in Sougez 2001, p.169).

15

Colaborador de Manuel Maria Bordallo Pinheiro. Foram os introdutores da gravura em madeira em Portugal, nas páginas do Panorama. 31


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Citando a mesma fonte, mais tarde, a 1 de Maio de 1847, até se oferece uma redução de preço, para ser acessível a todos: “D. Seweles tem o gosto de anunciar ao respeitável publico que ele pretende demorar-se quinze dias nesta Ilha, durante cujo tempo continuará a tirar retratos pelo método de M. Daguerre, no mesmo local (...) para pôr ao alcance de todos a tiragem dos ditos retratos ele d’ora avante reduz o preço a 2000rs. por retrato, tamanho de miniatura.”

O levantamento exaustivo das publicações das cidades portuguesas dá conta da existência de muitos outros daguerreotipistas que percorreram o país. Entre eles surge o nome de Miguel Novaes, que exercia a sua arte principalmente no Porto. É dele a autoria do último retrato de Alexandre Herculano que é exposto em 1854, entre outras imagens, na Exposição Trienal da Academia de Belas Artes.

A primeira colecção fotográfica de etnografia, ou antropologia comparada, em Portugal, é realizada pelo francês Thiesson, em 1844. Trata-se de um conjunto de daguerreótipos de africanos residentes em Lisboa.

As litografias são o meio mais seguro de conhecer e interpretar as fotografias desse tempo. O mais provável é que a maioria dos daguerreótipos feitos em Portugal se tenham perdido por desatenção ou mero interesse em realizar dinheiro fácil e de circunstância. Contudo, alguns retratos de famílias mais abastadas, miniaturas e, sobretudo, litografias conseguiram sobreviver até aos dias correntes.

Em 1850, os daguerreotipistas espalharam-se por Portugal com estúdios ambulantes. É o exemplo de Wenceslau Cifka (1815-1883), pintor, desenhador, ceramista, litografo, coleccionador de arte e retratista. Veio de Praga para Lisboa a convite de D. Fernando de Saxe-Coburgo, aquando do casamento deste com D. Maria II, em 1836. Foi Cifka, provavelmente, o primeiro editor de vistas estereoscópicas no país. Possuía o seu estúdio na Rua Direita das Necessidades, nº31, 1ºandar, onde dava lições de fotografia.

32


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

A primeira publicação portuguesa sobre fotografia conhecida até à data (à excepção do artigo sobre o daguerreótipo, no Panorama), é a de P. K. Corentin, retratista francês, que veio do Porto para Lisboa, em 1851, propondo-se a dar aulas de daguerreotipia. A obra intitula-se Resumo Historico da Photographia desde a Sua Origem até Hoje, e foi publicada em 1852. Corentin, além de dar aulas sobre esta actividade, foi um grande divulgador da fotografia.

A partir de um certo momento, eram frequentes os comentários sobre os originais fotográficos, que serviam de base às gravuras. É através desses comentários que se descobrem as questões sobre arte e fotografia, ou sobre arte e comércio que então se levantam.

Em 1862, regista-se a primeira patente fotográfica portuguesa conhecida: foi feita pelo fotógrafo Francisco Augusto Gomes16, em 17 de Janeiro, e revela o interesse que estavam a despertar, sobretudo a nível industrial, as diferentes aplicações da fotografia.

Em 1863, o governo publica aquele que é, por ventura, o primeiro decreto português para aplicação da fotografia à identificação criminal. Trata-se do decreto de 24 de Agosto de 1863, no seu artigo 7º § único.

Uma década depois, em 1873, dá-se a proliferação popular dos retratos em cartão. Contudo, já desde 1865 havia, pelo menos, cinco estabelecimentos, em Lisboa, que forneciam material fotográfico: a casa Manuel Costenla, especializada na venda de estampas; a Drogaria Santos & Filhos; o Laboratório T. G. Robert; e as farmácias Leal, Azevedo e Barral.

Em 1865, Francisco Fonseca Benevides publicou a primeira edição do seu muito divulgado Curso de Physica, onde dedica um capítulo ao “Daguerreotypo – Photographia”. As aplicações da fotografia nos cursos de física e de química começam a 16

Era, Juntamente com o seu irmão António Augusto Gomes, proprietário de um dos estúdios mais conhecidos de Lisboa, durante as décadas de 1850 e 1860. A estes irmãos pertence grande parte da iconografia da família real. 33


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

ser frequentes. Um ano antes, em 1864, com a reforma da Eschola do Exercito, pelo ministro da guerra, Marquez de Sá da Bandeira, tinha sido criada uma cadeira de fotografia, dirigida por José António Bentes (1837-1912), autor do Manual de Photographia, em 1864, e de um Tratado Fundamental, só publicado em 1866.

Durante o ano de 1871, eram professores no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa Francisco Fonseca. Benevides que leccionava a cadeira de física, e António Augusto Aguiar, que leccionava a cadeira de química, e onde a fotografia era abordada.

Para Sena (1998), só a partir desta fase começa um período mais consistente da fotografia em Portugal. Há a esperança no ensino industrial e nas aplicações da fotografia na ciência e na arte.

2.3. A Fotografia em Portugal no século XX A fotografia inicia o seu processo de democratização com a entrada no século XX, embora a proliferação das máquinas fotográficas aconteça de uma forma lenta e gradual, muito devido ao preço elevado com que são lançadas pela primeira vez no mercado. Mesmo assim, assiste-se, nesta altura, à vulgarização das câmaras Kodak e da película de rolo, que tornam a fotografia num instrumento indispensável em viagens, passeios e visitas. Além disso, o início do século incute nas famílias mais abastadas um novo hábito: a frequente deslocação, por parte dessas famílias, aos estúdios fotográficos, para aí fixarem no tempo e no espaço, a imagem do agregado familiar. Também fora das grandes cidades a fotografia vai marcando o seu lugar: há um grande número de fotógrafos ambulantes, que vão de povoação em povoação, passando pelas aldeias mais remotas, a fim de fotografarem o padre, o regedor e as famílias com mais posses.

Facto curioso que marca a história da fotografia em Portugal no século XX é a entrada no ano de 1900, precisamente quando decorria na Sala de Portugal da Sociedade de Geografia, a Exposição Nacional de Fotografia, inaugurada na véspera, com a presença da família real e das figuras mais representativas de então. Nesta exposição constavam provas de 52 expositores, entre os quais, os trabalhos de Camilo dos Santos,

34


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Eduardo Brazão (o actor), visconde de Coruche, Aníbal Bettencourt, D. Carlos e D. Maria Pia. Também foram expostas radiografias de Virgílio Machado e de Carlos Santos. Estavam também presentes provas de Carlos Relvas, apelidado como o primeiro fotógrafo amador português.

O desenvolvimento comercial e industrial do país foi acompanhado pelos estúdios de fotografia. Fabricam-se as primeiras chapas fotográficas, no Porto, pela empresa Pinheiro D’Aragão & C. Mais tarde, venderam-se chapas com a marca Chiado, contudo eram de fabrico francês.

Nesta época, o maior divulgador de fotografia é, sem dúvida, Arnaldo Fonseca. Em 1906, publica o Guia do Photographo e, mais tarde, Para ser Photographo – Manual de Photographia. A casa Worm & Rosa (uma das casas de material fotográfico mais importante de então) edita estas duas obras e edita também, o Boletim Photographico, publicação que se manteve entre 1900 e 1914 e foi dirigida pelo mesmo Arnaldo Fonseca.

Os amadores mais reconhecidos do início do século XX são José Menezes e Almeida, Camilo A. dos Santos, visconde de Coruche, Aníbal Bettencourt, Ferreira Madahil, Clemente dos Santos e Eduardo Brazão. Destacam-se também Maria da Conceição Magalhães, o poeta Afonso Lopes Vieira, Júlio Worm, Aurélio Pais dos Reis, Jorge Almeida Lima e Alfredo Black.

Marques de Abreu destacou-se na impressão e as suas gravuras são de uma qualidade notável. Em 1904 publica o livro Gravura Chimica nas Ilustrações, com a descrição técnica e comparativa dos processos de impressão então em voga.

Muitos talentos são revelados através de reportagens publicadas na revista Ilustração Portugueza. Em 1910, inaugura-se no salão da Ilustração Portugueza, a exposição moderna de amadores, com um elevado número de provas apresentadas. Nas páginas desta revista foram publicadas magníficas fotoreportagens de Joshua Benoliel,

35


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

que registou os acontecimentos mais marcantes da época. De referir que Benoliel manteve a sua actividade durante vinte anos com um estilo muito próprio, e é considerado o precursor dos actuais fotojornalístas.

O nascimento da república proporcionou uma série de publicações, nas quais a fotografia era usada para comunicar ao país os eventos, principalmente os da capital.

A primeira exposição de fotografia a cores em Portugal realizou-se em Lisboa, em Junho de 1913, na sede da Sociedade Portuguesa de Fotografia, situada na rua das Chagas, tendo sido expostos mais de duzentos e cinquenta diapositivos feitos através dos processos então existentes: autochrome, omnicolor e dufay. Os formatos dos diapositivos iam do 9x12c ao 18x24cm. Foram também apresentadas provas estereoscópicas a cores. Os processos pigmentares começam a ganhar projecção. A fotografia em papel é muito manipulada – deixa de ser a prova do negativo e depende mais da habilidade, da sensibilidade e dos conhecimentos do fotógrafo a nível de laboratório.

Arnaldo Fonseca, em 1914, publica a segunda edição de A Fotografia em 12 lições, desta vez com edição dos armazéns Grandella, que durante muitos anos tiveram uma secção de fotografia. Respondendo ao interesse suscitado pelo autochrome dos irmãos Lumière, este livro possui um capítulo dedicado à fotografia a cores.

Anos antes, em 1911, tinha já surgido uma obra dedicada à cor na fotografia: o Manual Practico de Photographia a Cores Sobre o Papel , de Santos Leitão.

Domingos Alvão, fotógrafo do Porto de extrema importância (uma vez, que deixa uma obra única em todo o país), expõe em 1914, em Lisboa, depois de já o ter feito no Porto, duzentas fotografias mostrando paisagens, figuras e costumes nortenhos.

Em 1916, Arnaldo Garcez, que se julga ter sido o primeiro a fazer instantâneos de provas desportivas, publicados nas revistas Tiro e Sport, foi encarregado pelo Ministério da Guerra de fazer uma reportagem sobre o grande acampamento militar em Tancos – o

36


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Pau Lona. Dessa reportagem resultaram, posteriormente, vários álbuns que foram enviados para os exércitos estrangeiros e também para a missão inglesa que se encontrava em Portugal. Devido ao bom resultado neste trabalho, mais tarde foi convidado para fazer uma reportagem sobre a Primeira Guerra Mundial, na frente de batalha, sobre o Corpo Expedicionário do Exército Português. Arnaldo Garcez obtém uma patente militar e é nomeado fotógrafo oficial. A maior parte das fotografias resultantes desta missão são imagens de exercícios militares, campos vazios e igrejas em ruínas, sendo imagens que transmitem uma enorme solidão. Nos anos vinte, surge em Portugal o conceito do “pequeno formato,” com a introdução da Leica, que possibilita instantâneos com um equipamento mais discreto e muito mais leve. A introdução deste tipo de máquina fotográfica em Portugal deve-se ao comandante António José Martins (1882-1948), que divulga imagens conseguidas com a Leica, e que apresentam alguma originalidade para a época. O tamanho do “pequeno formato” e o uso generalizado de películas pancromáticas exigiu uma revelação completamente às escuras e um grande rigor na técnica de laboratório.

Na Europa, as exposições eram uma constante, e Portugal não ficou para trás nesta tendência. No entanto, as exposições individuais, mesmo no estrangeiro, eram raríssimas. Em Portugal conhecem-se exposições de Francisco Viana, Horácio Novais e Tavares da Fonseca.

As exposições colectivas reuniam o trabalho de profissionais e de amadores.

Algumas exposições colectivas de maior importância: 

Em 1930, no I Salão dos Independentes (Mário Novaes, Branquinho da Fonseca e Edmundo de Bettencourt);

37


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

O Grémio Português de Fotografia, criado em 1931, como secção da Sociedade de Propaganda de Portugal, organiza salões até à década de cinquenta;

Em 1937, decorre o I Salão Internacional;

Em 1938, decorre o II Salão Internacional (mostram-se trabalhos de uma trintena de fotógrafos portugueses, entre os quais, Frederico Bonacho, Salazar Diniz, João Martins, Thomaz de Mello e Silva Nogueira).

Na Academia das Ciências comemora-se o centenário da fotografia, em 1939. A Silva Carvalho apresenta a comunicação Subsídios para a história da introdução da fotografia em Portugal, considerado o primeiro trabalho pormenorizado de investigação fotográfica feito até então.

Também o Grémio Português de Fotografia comemora o centenário. O seu presidente, conde de Penha Garcia, apresenta uma comunicação sobre estudos de aplicação da fotografia à medicina, que estão a ser feitos por Reinaldo dos Santos, Lopo de Carvalho e Egas Moniz. O professor doutor Egas Moniz, galardoado em 1949 com o Prémio Nobel da Medicina, fez um interessante estudo sobre solarização e a sua aplicação na determinação de equidensidades em fotografias das veias e angiografias.

Nos anos cinquenta, surge uma nova geração de fotógrafos, que se vai caracterizar por atribuir às imagens fixas uma nova visão. Esta geração que fotografou Portugal com um olhar realista será muito diferente dos amadores, “profissionais de salões”, que executam os trabalhos à medida dos júris. Nomes como Carlos Calvet, Gérard Castello Lopes, Carlos Dias, Sena da Silva, Augusto Cabrita, Victor Palla e Costa Martins formam a nova geração. Victor Palla e Costa Martins percorrem a cidade de Lisboa, recolhendo o retrato humano, com uma visão muito pessoal dos seus habitantes. Fazem cerca de seis mil negativos, dos quais escolhem duzentos para o livro Lisboa, Cidade Triste e Alegre que, na altura, não teve grande projecção.

38


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

A par desta nova linhagem de fotógrafos, continuam os “salonistas”. Aníbal Sequeira é um dos mais premiados nos salões, na década de sessenta e, mais tarde, começa a expor individualmente os seus trabalhos, pautados por um estilo muito próprio. O ponto de encontro dos “salonistas” é o Foto Club 6x6, em Lisboa. Contudo, era possível também lá encontrar outros fotógrafos com ambições, estilos, propósitos e tendências diferentes dos primeiros. No Porto, a Associação Fotográfica do Porto desempenha o mesmo papel. As empresas mais importantes e alguns grupos desportivos tinham um núcleo de fotografia, que vivia quase sempre à volta dos salões. O Grupo Câmara de Coimbra assume-se como denunciador da “fotografia de salão,” apesar de grande parte dos seus membros continuarem a participar nesse tipo de exposições. De destacar neste grupo, o trabalho de Maia Júnior que demostra grande qualidade na composição e na impressão em toda a sua obra.

Fora destas associações, a fotografia era cultivada em algumas associações académicas e, nos anos sessenta, a Sociedade Nacional de Belas Artes recebe exposições de fotografias e promove pequenos cursos de iniciação.

Em 1955 é publicado o primeiro Almanaque Português de Fotografia, por Mário B. Nogueira. Esta obra técnica de referência aparece periodicamente até 1974.

Com o desenvolvimento da cor, surgem as primeiras fotografias publicitárias a cores, tal como as primeiras vistas aéreas também a cores: Abreu Nunes fotografa algumas praias portuguesas. A KODAK introduz, para o amador, no seu laboratório da rua Garrett, em Lisboa, a revelação e impressão dos negativos a cores.

No Século Ilustrado, surgem reportagens de Augusto Cabrita, e é nesta mesma publicação que o foto-repórter Eduardo Gageiro se afirma como um talento para captar

39


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

cenas dramáticas do quotidiano. De referir, que Gageiro mantém uma actividade “salonista” a nível nacional e internacional. Nos finais dos anos sessenta, o Exército Português criou um curso de “foto-cine” para responder às necessidades da Guerra Colonial. Esse curso tinha como objectivo ensinar aos jovens militares, os princípios da fotografia. Muitos desses jovens, quando voltaram à vida civil, trouxeram uma lufada de inovação à fotografia, que se manifestou logo após ao 25 de Abril.

A primeira escola dedicada apenas ao ensino e promoção da fotografia é criada em 1972, em Lisboa: O Instituto Português de Fotografia.

No início dos anos setenta, Manuel Peres surge com uma visão invulgar nas suas fotografias, especialmente na sua série de nus. No Porto, destaca-se João Sotto Mayor. Em Lisboa, começam a ser notados os trabalhos de Carlos Gil. Na foto-reportagem, Henrique Fiúza e José Antunes fazem o seu trabalho para os jornais diários de Lisboa, enquanto que nos jornais desportivos destaca-se o nome de Nuno Ferrari.

2.4. Os Principais Arquivos Fotográficos Portugueses Em Portugal existem diversos arquivos fotográficos que têm como principais objectivos a conservação e a preservação de todo um património fotográfico. Esse património é essencial para o entendimento da história e traduz a memória colectiva de um povo.

O Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa, situado na Rua da Palma no número 246, existe desde 1942, e está inserido no pelouro da cultura da Câmara Municipal. Esta instituição reúne, desde o ano da sua criação, a produção fotográfica dispersa pelos vários serviços camarários. Contudo, o projecto de assegurar a memória iconográfica da cidade de Lisboa, através das imagens fixas, remete ao final do século XIX, princípio do século XX. Com uma vasta equipa constituída por arquitectos, engenheiros, arquivistas, conservadores, designers, historiadores e outros técnicos, este

40


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

arquivo foi pioneiro no nosso país a aplicar um programa no âmbito da conservação e tratamento do património fotográfico e das colecções fotográficas. Actualmente, estimase um total de 400 mil espécies fotográficas, na sua maioria negativos em suporte de vidro, acetato de celulose ou nitrato de celulose. Os temas das fotografias variam de autor para autor, mas o contexto comum é a cidade de Lisboa, abordada de diferentes formas e perspectivas: arquitectura,

urbanismo, escultura,

quotidiano

da

cidade, vistas

panorâmicas, cerimónias oficiais, retrato, etc.. Enquanto instância cultural, o Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa aposta na promoção da fotografia portuguesa através de encomendas a fotógrafos sobre a Lisboa contemporânea. Além disso, trabalha em todas as vertentes para: 

A promoção e edição de catálogos de fotografia;

A aquisição de fotografias de autor;

A organização de várias exposições e eventos;

A colaboração e interajuda entre instituições nacionais e internacionais.

Tal como o município de Lisboa, outras câmaras municipais, na medida das suas possibilidades, têm vindo a trabalhar nesta área, promovendo a recolha, preservação e divulgação de um património inestimável que, em muitos casos, pura e simplesmente se perderia.

Outro importante fundo fotográfico é o Centro Português de Fotografia (CPF), criado em Junho de 1997, pelo Ministério da Cultura, com sede no edifício do Tribunal e Cadeia da Relação, no número 175 da Rua António Cardoso, no Porto. O CPF foi criado com o intuito de gerir uma política nacional de fotografia, cujas iniciativas dizem respeito ao conhecimento e uso público das colecções nacionais, criadas e a criar, ao mesmo tempo que lhe foram atribuídas responsabilidades quanto às iniciativas a desenvolver para a circulação e produção fotográficas. Sob a sua dependência estão dois arquivos nacionais, um em Lisboa e outro no Porto, que facilitam ao público as suas colecções através de exposições, itinerantes ou não, em Portugal e no estrangeiro, edições de álbuns, catálogos, CD-Roms, vídeos e publicação trimestral do jornal do CPF, Ersatz . O Centro Português de Fotografia privilegia obras nacionais ou de temática nacional, bem

41


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

como a fotografia contemporânea, com o objectivo de dar continuidade à Colecção Nacional de Fotografia. Por outro lado, também oferece formação teórica e prática em várias disciplinas da fotografia – produção, conservação, arquivo e restauro. De modo a incrementar a importância e o interesse da fotografia em Portugal, este arquivo é responsável, com o Ministério da Cultura, pela criação e atribuição de dois prémios: o Prémio Nacional de Fotografia, prémio bienal que distingue a carreira de um fotógrafo, e o prémio de lançamento de carreira de Pedro Miguel Frade, nome de um teórico notável no âmbito da análise fotográfica, que morreu muito jovem.

De importância inestimável há também a Divisão de Documentação Fotográfica (DDF) do Instituto Português dos Museus, situada no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. Desde 1990, ainda antes da sua actual configuração institucional, a DDF assegura fundamentalmente a salvaguarda e a divulgação fotográfica do património cultural móvel nacional – a seu cargo estiveram, por exemplo, alguns dos mais importantes levantamentos fotográficos, como a Europália/91 e Lisboa/94. Também desenvolve acções de consultadoria em matéria de conservação, organização e preservação de documentos e equipamentos fotográficos, quer em instituições públicas, quer em instituições privadas, estando também encarregada da gestão e divulgação do referido património e responsabilizando-se pelo fornecimento de imagens a nível nacional e internacional, tanto a investigadores como ao público em geral. A DDF colabora ainda com museus nacionais, instituições de ensino e com coleccionadores privados, através de processos

fotográficos

como

a

radiografia,

infravermelhos,

reflectografia

de

infravermelhos, entre outros. Com a sua vasta experiência assegura a formação técnica de profissionais na área da conservação e restauro da fotografia documental de obras de arte, o que torna a sua actividade fundamental para a preservação de colecções fotográficas dos museus nacionais dependentes do Instituto Português dos Museus.

3. A Relação entre Fotografia e Arte A fotografia desempenha um papel importante na conservação e restauro de obras artísticas, nos estudos e documentação sobre arte e arqueologia e é um instrumento precioso para a divulgação cultural.

42


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Os grandes museus possuem laboratórios dedicados à conservação a ao restauro das obras, utilizando, para isso, técnicas fotográficas. Na pintura, é fundamental o estudo e a análise dos pigmentos e dos suportes: madeira, tela, papel, entre outros. A macrofotografia permite avaliar o estado de conservação de uma obra, bem como os restauros por ela sofridos. Este instrumento permite, também, identificar a técnica do artista e possibilita o estudo pormenorizado da sua execução. A análise fotográfica permite atribuir uma obra ao seu autor como, por outro lado, identificar falsificações.

Também a utilização da radiografia possibilita reconstruir o historial de uma obra, a direcção da pincelada e os esboços sobrepostos. O que por vezes acontece é o facto de haver por baixo de uma certa obra secundária, outra mais antiga e com maior interesse 17.

A fotografia abre, no campo da restauração, diversas e variadas possibilidades: infravermelho fotografado a cores; florescência; circuitos electrónicos; filtragem sucessiva de negativos; contraste; microfotografia. Sougez (2001, p.207) lembra que “...tudo é fotografável e pode ser reflectido pela imagem, seja pelo contraste, radiações ou tradução cromática”. A título de exemplo, a 15 de Novembro de 1979, no jornal espanhol El País, foi noticiada a realização de uma fotografia da obra de Rafael, Transfiguração. A fotografia tem exactamente a mesma medida do original – 4,5 metros de altura por 2,78 metros de largura – e foi feita com uma câmara construída propositadamente de 6 metros de altura por outro tanto de largura. A fotografia demonstrou que a obra não foi concluída e é da autoria exclusiva de Rafael, ao contrário do que se pensava.

Um bom laboratório de fotografia agregado a um museu faz o levantamento iconográfico exaustivo das obras conservadas. Por outro lado, a fotografia substitui desenhos originais de difícil conservação, principalmente, por causa da deterioração recorrente da exposição à luz. Nestes casos, conservam-se os originais nas reservas dos 17

Ver figura 8A e 8B em anexo, p.6 43


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

museus e o que se expõe ao público são provas fac-símile perfeitas, obtidas fotograficamente.

Todas estas técnicas fotográficas, desde as mais básicas até às mais complexas, são hoje imprescindíveis no âmbito da arte. “Conhecendo a complexidade destas técnicas, tornamo-nos ainda mais sensíveis ao desempenho de incunábulos [origens, começo] fotográficos” – (Sougez, 2001, p.208).

É fundamental consciencializar os particulares que conservam fotografias antigas, do legado cultural que possuem, de forma a que estes documentos sejam salvaguardados. Aliás, documentos esses cada vez com maior valor testemunhal e bem cotados em leilões de arte.

A fotografia aplica-se igualmente no exterior, em monumentos e outros conjuntos artísticos. No campo da fotografia arqueológica e monumental existe, por exemplo, o recurso à fotografia aérea para localizar vestígios de civilizações perdidas.

A fotogrametria é uma técnica utilizada na cartografia, mas também no estudo de monumentos e conjuntos arquitectónicos. Esta técnica permite determinar a dimensão dos objectos, graças a medições verificadas nas perspectivas dos mesmos.

Nos arquivos e bibliotecas, outros recursos fotográficos são utilizados: fotocópias e microfilmes. No caso, por exemplo, de manuscritos ou de papiros de grande fragilidade, os leitores estudam-nos em microfilmes ampliados por projectores, salvaguardando, desta forma, os delicados documentos originais.

A fotografia, além de ser um auxiliar na conservação de arte, é um verdadeiro instrumento na sua divulgação. Os arquivos fotográficos são, por si só, exemplo de mais esta função de dar a conhecer a arte, nas suas diversas manifestações. Há uma nítida contribuição para o conhecimento subjacente à fotografia, graças aos processos de reprodução que possibilitam o conhecimento de uma obra de arte, sem que se tenha

44


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

estado necessariamente em contacto directo com ela. Não há que esquecer que o objectivo inicial de Niepce foi a reprodução das obras de arte. Aliás, foi este o papel atribuído à fotografia desde o seu começo. Charles Baudelaire (1821-1867), apesar de não ser adepto da fotografia, reconhece nela as funções de conservação e divulgação de arte. A propósito deste assunto, no livro Le Salon de 1855 (Cit. in Sougez 2001, p. 210) o autor refere: “... o seu verdadeiro dever é ser a servidora das ciências e das artes (...), que salve do esquecimento as ruínas suspensas, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma vai desaparecendo e necessitam um lugar nos arquivos da nossa memória.” Já o seu contemporâneo, Michele Arcangiolo Migliarini, director dos museus florentinos, não tinha a mesma opinião em relação ao “lugar” da fotografia. Em 1860, para defender e justificar a sua recusa em fotografar as obras de arte sob sua custódia, Migliarini escreve: “Uma vez que o Génio não se associa com mecanismo algum, a mecânica em matéria de Belas Artes é a morte do Génio. Bastante fez a litografia para que acabasse a arte da gravura em madeira! (...) Agora ataca-se a mais excelsa das produções humanas, a própria Pintura torna-se mecânica! E a sociedade, embriagada pela sua vã e medíocre instrução, não se dá conta que até as melhores fotografias feitas da natureza estão privadas daquela alma que se encontra exclusivamente nas pinturas de terceira ordem...” (Migliarini, cit. in Sougez 2001).

Por aqui se vê que a fotografia, enquanto instrumento na divulgação da arte, não teve (pelo menos no início), a aceitação unânime por parte de todos. Hoje, a fotografia é inequivocamente tida como uma forma de divulgação da actividade do espírito humano – a arte.

3.1. “A Fotografia é Arte?” – Uma Abordagem Histórica Em 1897, o crítico francês Robert de la Sizerenne (1866-1932) publica um artigo com este mesmo título: “A Fotografia é Arte?”, na La Revue des Deux Mondes. O artigo confrontava a questão com os movimentos artísticos de então. A verdade é que, passado mais de um século, a pergunta continua a formular-se e obtém respostas contraditórias e variadas.

45


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Não existe uma opinião unânime por parte de teóricos e estudiosos de fotografia, em relação ao teor artístico que uma fotografia pode ou não possuir. Contudo, passada está a época em que se anunciava a morte da arte com o aparecimento da imagem fixa.

Desde o aparecimento da fotografia, vários pintores se mostraram bastante interessados por ela. Paul Delaroche e Eugène Delecroix foram dos primeiros a demonstrar esse interesse, embora não partilhassem a mesma opinião de fundo em relação ao novo processo técnico: é de Delaroche a afirmação “Hoje morreu a pintura!”. Por outro lado, e de forma mais prudente, Delecroix deu o seu apoio à fotografia, quando se fundou a Société Héliographique. Em 1862, os fotógrafos Mayer e Pierson levaram aos tribunais outros fotógrafos, por estes últimos terem reproduzido e vendido retratos realizados pelos queixosos. Os tribunais deram razão a Mayer e Pierson, considerando que os desenhos fotográficos não devem necessariamente e em todos os casos serem considerados desprovidos de carácter artístico. Este veredicto, que teve valor de jurisprudência para assentar o carácter artístico da fotografia, motivou uma reacção má por parte dos máximos representantes do academicismo: Puvis de Chavannes, Ingres, Flandrin, Troyon, Isabey e Bélangé, que não admitiam a assimilação que puderam fazer entre a fotografia e a arte. Delecroix negou-se a assinar esse manifesto. Bourdieu explica no seu livro, La fotografia – un arte intermedio que a fotografia equiparou-se desde sempre à pintura porque foi a herdeira das regras de perspectiva renascentista, mas também pelo próprio facto de derivar da câmara escura. Logo nos tempos contemporâneos, a fotografia como meio de expressão popular tem como referência, o modelo estabelecido e representado pela pintura, tal como refere Bordieu (1879): Ao encarregar-se a fotografia do papel documental de reprodução gráfica, possivelmente foi aberto à pintura um campo até então insuspeitado, potenciando qualquer expressão plástica, afastada cada vez mais do compromisso da reprodução ou da representação da realidade. Pelo contrário, nos últimos decénios, a arte hiper-realista regressou a imagens mais “fotográficas” que a própria fotografia, enquanto esta passou por uma corrente abstraccionista inspirada pela pintura.

46


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

A fotografia fica com a função documental e de reprodução gráfica, abrindo à pintura um campo até então inexplorado: a expressão plástica afasta-se do compromisso de reproduzir ou representar a realidade, fixando-se naquilo a que chamamos abstracto. Pelo contrário, nas últimas décadas, a arte hiper-realista regressou à pintura, enquanto que a fotografia foi beber inspiração à pintura, representando uma corrente abstraccionista.

Teóricos como Walter Benjamim e Susan Sontag partilham esta ideia. Aliás, Benjamim refere: “ Em vão se aplicou de repente muita ligeireza para decidir se a fotografia é uma arte (sem se colocar a questão prévia se a invenção da primeira não modifica por inteiro o carácter da segunda).” – (cit. in Sougez 2001, p. 222). Susan Sontag refere também: “... liberta pela fotografia do trabalho de uma reprodução fiel, a pintura podia dedicar-se à tarefa mais nobre da figuração abstracta.” Sontag vai mais longe, apontando que: “a fotografia permitiu, também desde o início, pretender que a própria noção de arte já estava caduca.” – (cit. in Sougez 2001, p.223). Mas tal como refere J. A. Ramirez no seu prefácio: “A morte da arte, como a dos deuses é um problema dos teólogos e dos crentes,” – (cit. in Sougez 2001, 224).

As fotografias contemporâneas da época impressionista, por exemplo, transmitem a imagem de uma forma de viver que não se deve só à maneira de vestir ou ao tipo de veículos que cruzam as ruas parisienses, ou aos caminhos da província francesa. A fotografia de época tem um estilo que a data em determinado tempo. Na própria fotografia, pode analisar-se a vontade artística do homem, através dos seus agrupamentos, que normalmente correspondem à arte do seu tempo, mas também, através da alteração da forma total ou parcial usada pela arte contemporânea, que se expressa na fotografia. Assim, por exemplo, aquele rigor, aquela metálica precisão de desenho que os daguerreótipos ostentavam, seguindo a pintura de 1800 e posterior, não eram devidos apenas à técnica fotográfica utilizada. Também a fotografia pitoresca, em que

47


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

predominam os conjuntos de luz e sombra, aparecem quando (por influência da arte) se tornou geral o culto do pitoresco. Mais tarde, devido ao expressionismo, surgiu a composição em diagonal, as formas com grandes volumes e a correspondente vaidade dos gestos.

Os artistas podem utilizar as fotografias de diversas formas: o pintor pode simplesmente copiar uma fotografia, pode servir-se dela como esboço ou documento, pode inspirar-se nela para formular uma determinada imagem, pode ter assimilado a visão iconográfica própria da fotografia e reproduzi-la consciente ou inconscientemente na sua obra e, por fim, pode utilizá-la directamente como meio de expressão.

Desde que surge a fotografia, vários artistas servem-se dela para a criação das suas obras. Logo, é inegável o reconhecimento da fotografia como instrumento na criação artística.

David Octavius Hill e Nadar passaram ao retrato fotográfico depois de terem começado com a fotografia como sistema de esboços, o primeiro para a sua grande composição pictórica e o segundo para o seu Panteón. O primeiro pintor de renome que utilizou um darreótipo, feito por ele mesmo, como ponto de partida para uma obra foi J. D. Ingres (1780-1867), que realiza o retrato da Condessa de Haussonville, assinado em 1845. A sua participação no manifesto de 1862 com os pintores academicistas que se opunham à fotografia pode parecer contraditória, se bem que recorreu à fotografia como mero sistema de esboço e isso não implica reconhecer-lhe um carácter artístico.

Gustave Courbet (1819-1877), figura central do realismo, utiliza também a fotografia.

Também alguns nus vão beber inspiração em imagens fixas, normalmente de J. Vallou de Villeneuve, (fotógrafo especialista deste género).

48


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Outro exemplo da fotografia como inspiração para a arte é o do pintor francês Proudhon: o retrato de Proudhon de 1865 parte de uma fotografia de Reutlinger , bem como algumas paisagens suas inspiram-se em outras tantas fotografias.

A influência da fotografia no movimento impressionista também é notória. Entre os pintores, podem citar-se Gauguin, Cèzanne e Toulouse-Lautrec, que se serviram da fotografia como apontamento.

A tela de Édouard Manet (1832-1883), Execução do Imperador Maximiliano, de 1867, inspira-se numa série de fotos contemporâneas identificadas. O efeito emocional do acontecimento fica gravado na reconstrução de uma cena de fuzilamento sem ter imagens diferentes do mesmo.

Em todos os casos referidos, a fotografia é mero ponto de partida, memória visual, “dicionário”, como disse Delacroix que, depois, permite ao pintor dar a sua medida de criatividade.

Entre os impressionistas, Edgar Degas (1834-1917) é , sem dúvida, o pintor que sabe captar de uma forma bastante exaustiva, a contribuição da fotografia. Além da decomposição do movimento que se revela, sobretudo, nas cenas hípicas,18 o enquadramento com os primeiros planos exagerados, certas perspectivas planas e ângulos de visão insólitos, que também se encontram em Lautrec, são muito significativos. A pintura de Degas permite analisar demoradamente o fenómeno da deformação da imagem, inerente a muitas objectivas. Por outro lado, Degas fazia as suas próprias fotografias, pretendendo apenas ser um bom amador. Assim, recolhia cenas familiares, tal como fez outro pintor, Édouard Vuillard (1868-1940), que, com a sua câmara Kodak reuniu deliciosas cenas de interior.

A propósito da utilização da fotografia por pintores, Georges Ptonniée (cit. in Sougez 2001, p. 228) diz: 18

Ver figura 9 em anexo, p.7 49


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

É inegável que a visão rápida da objectiva fotográfica ensinou aos pintores atitudes expressivas do movimento e que, ora aprendidos, sabemos imediatamente indicar gestos reais que a rapidez da nossa retina não sabia captar e reconhecer o absurdo de imagens convencionais que, até então, nos pareciam aceitáveis. Focada com indolência ou capricho, a objectiva fotográfica, como uma arma manejada por um caçador distraído, fez cair peças para as quais não apontara. Acostumou-nos a umas perspectivas basculadas, a umas deformações imprevistas que jamais a vista de um desenhador clássico se atreveu a seleccionar e a fixar. Boa parte da obra de Degas, aquele caçador do inédito, poderia intitular-se “os azares imprevistos do instantâneo.”

A fotografia também teve uma forte incidência entre os neo-impressionistas. O pintor de cartazes Alphonse Marie Mucha (1860-1939) comprou uma máquina fotográfica a conselho de Nadar, e fez um grande número de fotografias, muitas delas utilizadas directamente como modelos das suas obras.

Actualmente, muitos pintores continuam a utilizar a fotografia como apontamento.

A fotografia é finalmente reconhecida como meio de expressão plástica, com o surgimento dos movimentos artísticos durante a Primeira Guerra Mundial: as fronteiras do que se considerava arte tendem a desaparecer, tal como se deixa de se separar a arte e a literatura.

Os futuristas recorreram à fotografia para a decomposição do movimento A Vortografia de Alvin Langdon Cobura (1882-1966), que foi uma tentativa de fotografia cubista, e a Schadografiado dadaísta Christian Schad, constituem as primeiras fotografias abstractas.

John Heartfield (pseudónimo de Helmut Herzfeld, 1891-1968) compartilha com o dada Raoul Haussmann a paternidade da fotomontagem artística. Utilizou-a como sátira política e, mais tarde, serviu-se dela como veículo ideológico, nomeadamente marxista e com forte oposição ao nazismo.

50


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Em Nova Iorque, Alfred Stieglitz, com o jornal do movimento Photo-Secession, Camara Work, e a galeria 291, fomentou quer a fotografia, quer a pintura vanguardista. Alternando com as fotografias, foram expostos na sua galeria quadros de Matisse, Max Weber, Rousseau, John Marin, Hartley, Renoir, Cézanne, Manet, Picasso, Braque, Picabia, esculturas de Rodin, Brancusi, mais tarde de Manolo Hugué, estampas japonesas e arte negra. Desta forma, muitos artistas expuseram pela primeira vez em terra americana, graças à iniciativa de Stieglitz e da 291. A organização em 1908, da exposição de Matisse foi o primeiro escândalo e motivou a demissão e a crítica de vários fotógrafos do grupo.

Eduard Jean Steichen (1879-1973), fotógrafo luxemburguês mais tarde naturalizado norte-americano, é o autor da capa do Camara Work, bem como da sua primeira publicidade. Ajuda Stieglitz a abrir a galeria 291, onde passa a exibir regularmente os seus trabalhos. Este fotógrafo de renome mundial dedicou-se mais tarde à fotografia de moda e à fotografia comercial e sempre acreditou que as fotografias nestas áreas poderiam elevar-se ao nível da arte.

Os surrealistas souberam apreciar e elogiar fotografias anónimas de autores afastados do movimento, desde que correspondessem aos seus pressupostos. Em La Révolution Surréaliste, revista do movimento, publicaram-se fotografias de Atget, as únicas reproduzidas na vida deste artista. Os surrealistas reconheciam-lhe assim, a prioridade na visão natural do quotidiano, que Atget reuniu na sua série de montras parisienses. Isto demonstra que se pode atribuir à fotografia (ou ao fotógrafo), uma motivação que, às vezes, é tão só evidente para o comentarista. Contudo, sublinha-se o facto de a fotografia, de então em diante, ser encarada como instrumento da expressão. Aliás, a fotografia está vinculada a todos os vanguardistas do século XX.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, renascem as manifestações culturais e a fotografia não é indiferente à mudança registada a todos os níveis.

51


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Afastada da corrente pictorialista, a fotografia aponta para outro tipo de imagem, mais de acordo com a transformação social do imediato pós-guerra.

Nos primeiros anos do pós-guerra, a fotografia abre caminho, às vezes juntandose deliberadamente a determinada corrente, mas sobretudo utilizada como meio de expressão por adeptos de certos grupos ou elogiada como veículo noticioso. Logo, os fotógrafos participam nestes movimentos, segundo as afinidades de cada um, onde factores como a formação recebida, o lugar de origem ou a tendência política marcam o trabalho de cada um deles.

O futurismo manteve-se interessado pela fotografia, sobretudo no que toca à sua relação com o movimento: foto-montagem, imagens sobrepostas, fotogramas, foram utilizados nas obras de Fortunato Depero Tato, Luigi Veronesi (que se relacionaria com a Bauhaus) e outros.

Nos anos imediatamente posteriores à Primeira Guerra Mundial, as várias tendências estéticas e literárias, às quais se juntam a fotografia, são quase todas europeias.

Contudo, há que insistir

no papel percursor de Alfred Stiegtiz que abriu

perspectivas para este novo veículo de expressão. Precisamente em 1917, quando os Estados Unidos entraram em guerra, Stieglitz viu-se obrigado a cancelar a publicação da Camara Work e encerrar a galeria 291. Apesar disso, continuou a desempenhar o seu papel e, em 1925, quando abre a Intimate Gallery, expõe Paul Strand, que tinha exposto pela primeira vez em 1916. Com a sala An American Place em 1929, desempenharia um papel preponderante na promoção da fotografia.

O surrealismo como o dadaísmo e u futurismo reconheceram a importância da fotografia, tal como a do cinema.

52


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Um caso de destaque é o de Man Ray (Emmanuel Rudnitzky, 1890-1976) que, depois do contacto com os dadaístas, relacionou-se com o surrealismo e, além da pintura, dedicou-se ao retrato fotográfico. Artista versátil, Man Ray fez fotografias às quais chamou Raiogramas, colocando directamente objectos sobre papel emulsionado, ou seja, recorrendo ao primitivo método de Talbot. Junto com imagens solarizadas 19 (efeito Sabattier), Man Ray consegue marcar a diferença dentro da linha surrealista.

O húngaro Lazlo Moholy-Nagy (1895-1946) foi mestre na grande escola de criatividade que foi a Bauhaus, durante a República de Weimer. Tal como a maioria dos membros desta instituição, Moholy emigraria para os Estados Unidos, para fugir ao embate nazi. Foi o introdutor da fotografia na Bauhaus20 e estava firmemente convencido do valor desta, considerando que é o meio de expressão que utiliza a luz. Moholy utilizou toda a gama de possibilidades: ampliação, montagem, dupla exposição, vista em picado, etc.. Deixa a Bauhaus em 1928, mas prossegue o seu trabalho fotográfico em Berlim, influindo notavelmente nos gráficos alemães, ao procurar combinar tipografia e fotografia num conjunto coerente como meio de comunicação visual.

A estética pictorialista na fotografia é abandonada e surge uma nova tendência, puramente fotográfica, que faz tábua rasa dos processos utilizados pelos surrealistas ou pelos discípulos da Bauhaus (solarização, fotogramas, sobreimpressão, montagem, etc.). O objectivo da nova tendência é procurar uma maior nitidez, fotografar temas variados e examinar rigorosamente o quotidiano, os objectos e a natureza. Esta nova corrente nasce simultaneamente nos Estados Unidos e na Europa.

Em 1932 é fundado o grupo f/64, cujo nome resume muito bem o propósito básico do grupo: execução de uma imagem de grande nitidez mediante o diafragma mais reduzido da objectiva. Este grupo é fundado por um dos mestres da fotografia do século XX: Edward Weston21 (1886-1958). Outro nome de sucesso é o de Ansel Adams 22 (1902-

19

Ver figura 10 em anexo, p.7 Ver figura 11 em anexo, p.8 21 Ver figura 12 em anexo, p.8 22 Ver figura 13 em anexo, p.9 20

53


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

1984), oriundo de São Francisco, começou a carreira de pianista mas, em 1930, abandonou a música pela fotografia e, dois anos mais tarde, participou na fundação do f/64. As suas paisagens californianas são composições muito purificadas, em que dominam as linhas horizontais e verticais, cujo rigor e harmonia parecem directamente herdados da sua formação musical.

Entretanto, na Europa nasce um movimento similar da corrente americana: A Nova Objectividade. Na Alemanha, Albert Renger-Patzsch (1897-1966) é o mais representativo desta Nova Objectividade fotográfica surgida no período entre Guerras e, de certa forma, adversária de certa pintura alemã da época. O termo, Nova Objectividade, foi aplicado pelo crítico Hartlaub à exposição de pinturas expostas no Kunsthalle de Mannheim em 1925. O livro de Renger-Patzsch, Die Welt ist Schön (O Mundo é Belo), publicado em 1928, reivindica para a fotografia a possibilidade de criar com os seus próprios meios imagens que existem por si mesmas, sem ter que dever nada à pintura.

Ausgust Sander (1876-1964) é talvez, o maior nome inserido neste movimento. Nos anos vinte, iniciou a sua série Homens sem Máscara,23 recolhendo uma vasta galeria de personagens anónimas que tipificavam as profissões e os extractos sociais: o pasteleiro, o notário, os artistas de um circo ambulante, entre outros. Em 1934, parte dos negativos da sua segunda recolha, Antlitz der Zeit (Rostos do Tempo), foi apreendida pela Gestapo, porque a sua divisão da sociedade não coincidia com a ideologia nacionalista. A partir de então, limitou-se a recolher paisagens campestres da bacia do Reno.

Em França surge uma corrente que defende uma fotografia criativa e que junta autores com diversas tendências. Emmanuel Sougez24 (1889-1972) aposta na photographie pure que vai ao encontro da Nova Objectividade mas com um toque puramente latino. Sougez faz

23 24

Ver figura 14 em anexo, p.9 Ver figura 15 em anexo, p.10 54


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

composições pessoais, na sua maioria em formato 30x40, entre as quais prevalecem naturezas mortas e nus.

Na década de trinta, Paris é o ponto de encontro dos artistas e dos intelectuais que são atraídos pela sua vida cultural. Por outro lado, muitos artistas fogem perante as primeiras manifestações do nazismo. Aliás esta migração de leste para oeste, (já manifestada com a saída dos artistas soviéticos), é de extrema importância para compreender as diversas manifestações e correntes fotográficas. De sublinhar o número de húngaros que da Alemanha passam para a França, para logo seguirem até aos Estados Unidos, ao rebentar a Segunda Guerra Mundial.

Dois húngaros que partilham o gosto pelas imagens de Paris da época são André Kertesz (1894-1985) e Brassai (1899-1984). Kertesz já tinha praticado fotografia no seu país. Quando chega a Paris, por volta de 1924, a sua visão sofre uma transformação: além das insólitas estampas da cidade dedicou-se também a fazer nus distorcidos e muito peculiares. Em 1936, vai para Nova Iorque e os seus enquadramentos desta cidade não ultrapassam a sua produção parisiense. Kertesz foi quem iniciou a fotografia no seu compatriota Brassai, “o olho de Paris”, como lhe chamou Henri Miller. Brassai abandona a pintura e a escultura que havia estudado em Budapeste, para se dedicar à fotografia. As suas imagens dos subúrbios de Paris são antológicas. O seu primeiro livro, Paris la Nuit, saiu em 1933. “Não invento nada. Imagino tudo!” – disse numa ocasião. O seu mundo de bares,25 de prostitutas e de vagabundos é inconfundível. Também tirou excelentes retratos dos seus amigos: Picasso, Miró, Braque, May Ersnt, Dalí. Mais tarde, a sua série de graffiti leva-o a uma visão surrealista do mundo quotidiano. Durante a Segunda Guerra Mundial, Picasso aconselha-o a voltar ao desenho e à escultura.

A escola pictórica de Paris possui um elenco de fotógrafos bastante cosmopolitas. Aos autores já citados, juntam-se nomes franceses: Rémy Duval, Maurice Tabard, Roger Perry, René Zuber, Lachéroy, Lucien Lorelle,Daniel Masclet. Não faltavam as mulheres

25

Ver figura 16 em anexo, p.10 55


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

na sua maioria estrangeiras: Gisèle Freund, Ilse Bing, Florence Henri, Germaine Krull ou Ivonne Chevalier.

A fotografia começa a ser utilizada de uma forma mais ampla na publicidade, o que corresponde a sociedade do momento. Também na moda, a fotografia começa a ser uma constante. Estes dois campos constituem um modo de ganhar a vida para muitos fotógrafos, quando desenvolvem grandes dotes criativos nestas especialidades.

Depois da Segunda Guerra Mundial propagou-se o interesse pela abstracção, o que levou a que alguns fotógrafos se expressassem através de composições não figurativas. Tratava-se outra vez de um fenómeno idêntico ao pictorialismo frente à pintura de cavalete. Na fotografia, para obter uma abstracção da realidade é preciso saber isolar ou seleccionar formas reais, que se assemelham a uma imagem abstracta.

É possível obter formas abstractas nas paisagens. Certas fotos do fotógrafo norteamericano, Minor White, representam grandes espaços que são consideradas fotos não figurativas. Aaron Siskind,26 nascido em 1903, também norte-americano dedicou-se a composições aparentemente não figurativas que se podem intertextualizar com as pinturas de Jackson Pollock ou de Willem de Kooning, por exemplo. Estas composições, iniciadas no final da década de quarenta, são fotografias de materiais muito distintos, como papel manchado de óleo, líquenes numa pedra, metal corroído, pintura estalada, etc..

Muitas das novas tendências artísticas, que vão surgindo, recorrem à fotografia como meio ou como fim.

O surgimento repentino da pop art no mundo anglo-saxónico pode remeter-se à série de caras distorcidas, de autoria de Francis Bacon, realizadas em 1949. Bacon realiza 26

Ver figura 17 em anexo, p.11 56


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

este trabalho a partir de uma fotografia do Couraçado Potemkim de Eisenstein. O contributo fotográfico na pop art é bastante evidente e está expressamente visível na obra de James Rsenquist e de Andy Warhol. Exemplo da contribuição fotográfica nesta corrente artística são as obras de Andy Warhol – Marilyn Monroe (1962) e a série de latas de sopa Campbell (1965).

A corrente da pop art, baseada em jogos ópticos, tinha de encontrar aplicações baseadas na fotografia.

Os últimos movimentos vanguardistas também utilizam a fotografia, considerada fundamental para registar acções ou obras de tipo efémero: 

O mailing art, que consiste no intercâmbio ou envio pelo correio de objectos que podem ser simples postais ou fotografias;

O happening, que se define pela acção executada pelo artista e constituída por uma série de acontecimentos, nos quais podem participar tanto o artista como o público;

O Body art pode considerar-se uma forma de happening em que domina a expressão corporal;

A land art traduz-se na manipulação da paisagem em grande escala.

Destas formas de arte efémera, só a fotografia, juntamente com o cinema, podia dar constância. Contudo, rapidamente a fotografia é substituída pelo vídeo, já que este ultrapassa o mero papel de registo, que se atribuía à fotografia nestes casos.

Com mais possibilidades aparece a fotografia na arte conceptual - um conceito complexo pode expressar-se com uma mensagem, ou melhor ainda, com uma sequência, que é um modo de expressão eminentemente fotográfica, resultante da série de instantâneos ou da decomposição do movimento. O maior expoente da fotografia sequencial é o fotógrafo norte-americano Duane Michals27 (nascido em 1932).

27

Ver figura 18 em anexo, p.11 57


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Outra forma utilizada na fotografia é a utilizada pelo fotógrafo Kenneth Josephson (1932), que recorre à foto dentro da foto, recolhendo numa só imagem o original e a sua reprodução.

A partir dos anos setenta, a fotografia é definitivamente reconhecida, o que lhe atribui uma segurança até então desconhecida. Mas, ao mesmo tempo que consegue impor o seu lugar dentro da sociedade, mostrando-se um instrumento indispensável em diversas e variadas áreas, também começam agora a surgir dificuldades em limitar o que na fotografia é arte e o que é informação. O fotojornalismo, sendo uma disciplina ao serviço da informação, com o objectivo de ilustrar a realidade factual, à primeira vista nada teria a ver com o conceito de arte. No entanto, muitas foto-reportagens possuem intrinsecamente algo que se define como actividade criadora do espírito humano, isto é, arte. Logo, sendo trabalhos expressamente jornalísticos vêem-se, por vezes, carregados de sensibilidade, originalidade e novidade, sendo, por isso, considerados trabalhos com teor artístico.

A imagem documental segue, então, o seu rumo ainda que a reportagem tenha sido um pouco marginalizada com o desenvolvimento do vídeo e da informação televisiva.

A cor utiliza-se cada vez mais, tanto na imagem documental, como na publicidade ou na moda.

A criação de galerias especializadas salta dos Estados Unidos para a Europa e entusiasma os jovens para produzir obras para coleccionadores. Isto volta a questionar a própria essência da fotografia e o seu carácter de imagem multiplicável. Começa-se a utilizar de novo os antigos processos de delicada execução e há uma tendência para limitar e numerar as tiragens, quando não se trata de peças únicas.

A partir dos anos sessenta, artistas como o pintor David Hockney (1937) utilizam a Polaroid em grandes composições à base de imagens fragmentárias, o que oferece

58


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

interessantes propostas conceptuais. Robert Mapplethorpe (1946/1989) realizou retratos ou composições que despertam o interesse ou repulsa pelos temas tratados, e até a repreensão oficial das autoridades puritanas dos Estados Unidos. Os seus nus masculinos, a conjugação de modelos de raça branca e negra são os mais representativos da sua obra. Também o norte-americano Joel-Peter Witkin28 (1939) trata o nu, com numerosas alusões pictóricas, criando um mundo peculiar onde o horror alcança a beleza. O alemão Dieter Appelt29 (1935) expressa a angústia humana na sua obra. Ele próprio intervém como modelo, o que traz outra vez a constante do auto-retrato.

O holandês Michel Szluc Krzyzanowky (1949) apresenta uma obra muito pessoal, a preto e branco, de conteúdo conceptual no qual o seu próprio corpo intervém como referência.

O francês Bernard Faucon (1950) elabora composições nas quais utiliza antigos manequins de montras, em vez de personagens ou do próprio autor.

Obra muito diferente é a do alemão Andreas Muller-Pohle (1951) que reúne fotografias disparadas sem a focagem prévia, o que resulta numa proposta abstracta.

Além destas propostas fotográficas, existem outras que vão surgindo na Europa, nos estados Unidos e até no Japão. Logo, há uma grande variedade na produção fotográfica actual. A produção fotográfica renasce constantemente, respondendo mais a uma necessidade de expressão, do que a linhas de correntes artísticas.

Com a tecnologia informática, que surge no final do século XX e que marca em absoluto a entrada no século XXI, a fotografia assiste agora a uma imensa lista de possibilidades, que a leva a novos conteúdos conceptuais e a novas formas de ver, que expressam a sensibilidade e a capacidade artística iminente do ser humano.

28 29

Ver figura 19 em anexo, p.12 Ver figura 20 em anexo, p.12 59


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

3.2. A Fotografia como Arte de Iludir A fotografia, mais que qualquer outro meio pictórico, goza da confiança da maioria dos espíritos práticos. À primeira vista, a fotografia é encarada como uma realidade concreta, no entanto, muitas fotografias parecem-nos abstractas ou não parecem ter algum sentido real.

Sabe-se que não se podem executar registos fotográficos da imaginação ou de uma série de acontecimentos imaginários, e apercebemo-nos, conscientemente, de que todas as cenas e objectos mentais devem ter tido origem na realidade material. Por exemplo: o pintor e o escultor têm limites impostos apenas pelos seus poderes de invenção e execução, mas nenhuma obrigação de fazer das suas obras de arte, espelhos da realidade palpável. Se um pintor apresenta uma tela, onde reproduz um cavalo do tamanho de uma casa, não quer dizer que aquela imagem seja real, mas sim uma imagem do artista. Este exemplo também explica a “fé” na fotografia por parte dos seus espectadores, sendo essa mesma “fé” baseada na ideia de que a máquina fotográfica não pode mentir.

Qualquer interferência ou ruído que torne a fotografia pouco lógica à luz do que é dito como normal, perturba a sensação dos indivíduos. Voltando ao exemplo em cima referido, poucos ficariam impressionados ou iludidos pela tela que representa um cavalo com as mesmas proporções de uma casa. Essa imagem é , obviamente, de origem mental e não possui o mínimo peso de existência real. Por outro lado, o mesmo fenómeno verificado numa fotografia, pode perturbar alguns indivíduos ou, pelo menos, iludi-los – um cavalo real e uma casa real, num espaço e tempo igualmente reais. Mas como explicar o facto irreal do cavalo ter o mesmo tamanho da casa?

Esta base de confiança na máquina fotográfica torna a fotografia num dos principais meios de ilusão.

60


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Segundo Sousa (1999, p. 983) “a fotografia é sempre uma forma de manipulação visual da realidade”, se tivermos em conta a focagem ou o controlo da profundidade de campo, da velocidade e da exposição.

Contudo, é com as novas tecnologias da informação, nomeadamente, a digitalização, que este fenómeno é levado mais a fundo, uma vez que possibilita transformar as imagens em impulsos electrónicos processáveis em computador. As novas tecnologias da informação possibilitam, por exemplo, alterar na imagem a cor do cabelo e dos olhos; modificar penteados; colocar frente a frente pessoas que nunca se viram; inserir objectos e pessoas em espaços diferentes, criar imagens virtuais e combiná-las com imagens que indiciam a realidade; alterar cenários; aperfeiçoar ou corrigir enquadramentos; etc.. A verdade é que ao longo da história da fotografia foi usual e comum a utilização de procedimentos como o retoque, a alteração, a supressão e a inclusão de elementos nas fotografias, especialmente, nas imagens fotojornalísticas. Aliás, vários são os exemplos de fotografias ilusórias, (nomeadamente no fotojornalismo) que vêm sendo listadas desde 1989. Alguns exemplos: 

O enegrecimento da cara de O. J. Simpson na capa da Time;

O deslocamento das pirâmides egípcias na página um da National Geographic;

O apagamento das referências publicitárias nas camisolas de desportistas;

O desaparecimento de objectos, como latas de Coca-Cola, carros e outros objectos.

Se é verdade que, ao longo da história estes procedimentos, que alteram as imagens fotográficas foram utilizados, também o é o facto de ser, relativamente, fácil detectar essas alterações por parte de especialistas e também de pessoas comuns.

A questão que se coloca nas fotografias actuais prende-se com a dificuldade, ou até a impossibilidade de detectar as manipulações digitais feitas na imagem, por parte do observador que não tenha um conhecimento prévio do acontecimento que a foto representa – “com o computador abrem-se as portas à possibilidade de mentir, fotograficamente falando, de maneiras inimagináveis no passado.” (Sousa,1999).

61


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

As

novas

tecnologias

trazem

vantagens

incontestáveis

à

fotografia,

nomeadamente, no que respeita à qualidade da imagem, à expressividade e à relação entre tempo e comodidade. Para profissionais e amadores, as novas tecnologias são uma mais valia, algo que maximiza o objectivo pretendido. Mas, por outro lado, surgem alguns problemas com as novas tecnologias que, no que diz respeito ao fotojornalismo, prendem-se com questões relativas à ética e à deontologia profissionais. As questões ligadas a esta geração que usufrui da manipulação digital das imagens são, na opinião de alguns teóricos, as mais relevantes para o fotojornalismo actual.

Poder-se-ia dizer que as pessoas não aceitam hoje, tão facilmente como no passado, as fotografias como representações válidas da realidade. Factores como a educação, a cultura, a experiência e a informação fazem com que o ser humano não esteja desprovido de defesas contra a manipulação imagética. Por outro lado, experiências realizadas neste âmbito comprovam que o fenómeno da imagem digital não deixa de levantar questões preocupantes. Como já foi referido, não é fácil, actualmente, definir se uma fotografia foi ou não manipulada. Kelly e Nace 30 (cit. in Sousa, 1999) descobriram que a credibilidade de uma foto semelhante às que se vêem todos os dias na imprensa não se alterava significativamente quando as pessoas viam antecipadamente um vídeo sobre manipulação digital de imagens. Este facto pode demonstrar que, por maior que seja a capacidade de leitura de uma foto por parte das pessoas, a manipulação, quando desconhecida para o receptor, tende a passar despercebida, tornando a fotografia tão credível quanto outras.

O fotojornalista deve encarar a digitalização como uma ferramenta que permita, fotograficamente falando, interpretar melhor a realidade, contextualizar melhor os assuntos e gerar um tipo de conhecimento que ultrapasse a dimensão mais simples da informação visual. Por outro lado, não deverá utilizar a tecnologia digital para fins menos correctos, nomeadamente, para mentir ou desrrealizar as representações fotográficas dos

30

KELLY, James e NACE, Diona (1993), Credibility of digital news photos, Comunicação apresentada à conferência anual da Association for Education in Journalism and Mass Communication. 62


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

acontecimentos. Contudo, encontramos alguns exemplos onde isto foi feito: em Dezembro de 1997, na Suíça, um jornal decidiu avermelhar a água que descia de templo de Hatschepust, em Luxor, no Egipto, dizendo que se tratava do sangue dos turistas assassinados pelos fundamentalistas islâmicos.

Para que exemplos como este não se repitam, há que ter mecanismos que passem pela criação de normas relativas à utilização jornalística da fotografia digital. O ponto de partida poderá ser o seguinte: o receptor das fotografias deverá ser informado quando está perante uma imagem digitalmente manipulada, seja pela acentuação do contraste, pelo realçamento de detalhes ou por outro qualquer procedimento que não afecte o conteúdo da fotografia em causa. Isso poderia ser feito, tal como propôs a Associação de Jornalistas da Noruega, através da inclusão de um pequeno símbolo gráfico nas fotografias jornalísticas manipuladas. Também as instituições que regulam o jornalismo internacional, como por exemplo, os observatórios de comunicação, deveriam controlar e limitar os abusos na utilização das tecnologias digitais e tornar esses abusos do conhecimento público. Por fim, mas não menos importante, temos o problema da propriedade intelectual, uma vez que, não existindo negativos, a imagem pode ir sendo alterada por várias pessoas, levando à sua degradação e à impossibilidade de definir a sua autoria. A solução deste problema poderá estar na simples actualização e adaptação legislativa desta nova realidade jornalística.

O poder para colocar o mundo visível ao contrário desperta o anarquista existente no íntimo de cada ser humano e dá-nos a possibilidade de visionar aquilo que apenas imaginámos. Assim, a fotografia pode ficar um passo mais afastada do aspecto real e da imagem concreta, e um passo mais próxima do mundo das ideias, tal como um pintor ou escultor. O fotógrafo torna-se então numa espécie de “feiticeiro”, capaz de tornar o real numa imagem irreal.

63


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

II PARTE

1. Quando uma Imagem Vale Mais do que Mil Palavras A fotografia é uma ferramenta da comunicação, utilizada nas mais diversas áreas de actuação humana. Contudo, é também uma forma de arte, se considerarmos esta última como “a actividade criadora do espírito humano, que, sem pretender nenhum objectivo prático ou utilitário, pretende dar “expressão sensível” à realidade e às próprias experiências do próprio Homem31”.

Aquilo que, numa imagem fotográfica, é da ordem da comunicação não é, naturalmente, o que ela representa. Quando Marshall MacLuhan anunciou o seu princípio segundo o qual, o meio é a mensagem, deixou esta questão clarificada: o que a fotografia comunica é, em primeiro lugar, o facto de ser uma fotografia, quer dizer, algo que reporta ao real.

Ao recuar no tempo, quando a fotografia dava os seus primeiros passos, é possível relacionar a prática fotográfica com o ideal de modernidade que se pretendia instruir na época. A todas as novas práticas fotográficas correspondem novas práticas sociais: cientistas-geógrafos, geólogos, médicos, biólogos e meteorologistas são dos primeiros a usar o daguerreótipo. Por outro lado, paisagens exóticas nunca vistas, tipos nacionais, etnias, exemplares de fauna e de flora, planetas, monumentos, quadros e objectos de arte tornam-se comuns em álbuns e na imprensa. A sociedade recorre à fotografia para os ficheiros policiais, judiciários e os caminhos de ferro, em plena expansão, usam-na para compor os seus catálogos que, ao dobrar do século, vão encher as exposições universais. Com o decorrer do tempo, vulgariza-se, a carte de visite. A fotografia passa a pontuar a legitimidade das famílias e a difundir práticas sociais. A carte de visite era feita em série e funcionava como um cartão de apresentação e lembrança. Nele se escrevem poesias, anotações e saudades. Ao serão surge uma nova regra: o visionamento das fotografias estereoscópicas. Aqui, já uma imagem começa a valer mais do que mil palavras. Cresce o amadorismo fotográfico nas classes mais altas da sociedade, surgindo a fotografia como 31

Definição do vocábulo “Arte” do Dicionário da língua portuguesa 2003, da Porto Editora. 64


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

arte, academista, naturalista ou pictorialista, na transição do século. Por outro lado, o fotojornalismo triunfa na Primeira Guerra Mundial. A fotografia é uma forma de expressão humana, e compreende um “saber menor”, na medida em que todos, fotógrafos, amadores ou simples receptores de imagens fixas podem ter da fotografia um saber difuso, que pertence unicamente a cada um e que pode representar diversas formas de ver. Naturalmente, que os modos de ver são sempre marcados por factores relativos à envolvente cultural, em que cada indivíduo esteve ou está inserido. Logo, sobre uma mesma fotografia, aquilo que cada um projecta é de ordem pessoal e particular. Ela autoriza esse saber menor, que demonstra o seu carácter inaugural.

A subjectividade de qualquer pessoa que olha para uma tela, por exemplo, é mais judicativa do que a forma de olhar para uma fotografia. É da ordem do: “Eu prefiro pintor x do que o pintor y”, ou pressupõe uma informação prévia: “Eu sei muito/pouco do pintor y”. Ninguém, salvo o próprio pintor poderá dizer: “Eu teria pintado antes assim”. Mas como todos são , potencialmente, fotógrafos, dada a difusão de imagens que circulam por todos os meios e dado à proliferação de câmaras portáteis, todos se arrogam poder dizer: “Eu fotografaria antes desta forma”.

A fotografia pode ainda ser analisada enquanto espelho de uma essência, algo subjectivo, mas que, todavia, é transmitido. Ao fotografar, por exemplo, paisagens de uma qualquer cidade, captando pormenores particulares é possível fixar uma identidade local. Dependendo dos mais diversos factores, (enquadramento, cor, contraste, tema, luminosidade, etc.) a imagem fixa, além do contexto fotografado, poderá revelar a tal essência e identidade. Esta capacidade implícita de fixar algo, que poderá ser chamado como áurea é tida por profissionais ou simples amadores.

Por outro lado, há uma necessidade de relativizar as fotografias. Angus McDougall (cit. in: Sougez, 2001), professor de jornalismo numa universidade norteamericana, alerta:

65


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Apesar do que habitualmente se pensa, a linguagem da fotografia não é universal: os que vêem uma fotografia interpretam-na em função da sua herança cultural e do meio ambiente; a mesma fotografia pode, portanto, transmitir mensagens diferentes.

Uma imagem pode, de facto, valer mais do que mil palavras, mas uma fotografia, só por si, não faz a história.

1.1. A Importância Da Imagem Fixa Enquanto Meio de Comunicação A fotografia afirma-se cada vez mais como uma forma de expressão, informação e de comunicação total. Marca a sociedade contemporânea, habituando-a a uma presença constante. As fotografias surgem por todo o lado: na imprensa, tanto contribuindo para o conhecimento dos acontecimentos, como sob forma de anúncio publicitário e, por outro lado, é praticada por todos, ilustrando, de certa forma, a vivência humana e a própria história de cada um.

A proliferação de imagens resulta numa predisposição da sociedade para as receber de uma forma quase instintiva. O homem não decifra as imagens como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo decifrado como um conjunto de imagens.

A imagem fixa caracteriza-se por ser plural, ou seja, é importante porque possibilita um testemunho artístico e jornalístico sobre o mundo, mas também, porque é uma prática social popular.

Entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a fotografia expandiu-se nos jornais e nas revistas da actualidade. Há uma nítida proliferação de imagens fotográficas na imprensa, nomeadamente nos Estados Unidos e na França. Surgem, inclusive, agências com o objectivo de controlar essa mesma proliferação, de modo a proteger os direitos dos fotógrafos.

À medida que as condições da imprensa evoluem, as agências assumem um papel crucial: a imprensa escrita vai enfrentar a “concorrência” da televisão que se pensou,

66


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

durante algum tempo, que iria prejudicar, se não fazer desaparecer progressivamente, os suportes que utilizavam a imagem fixa.

As relações entre a imprensa escrita, as revistas ilustradas e a televisão são equilibradas a partir dos anos oitenta. Cada um dos media soube definir a sua função específica e, de certa forma, estabeleceu-se entre eles uma rotatividade no tratamento da informação.

Embora o poder da televisão seja, inequivocamente, o mais forte, o facto é que a fotografia assume, também ela, um papel único e eficaz no tratamento da informação, uma vez que possibilita, em muitos casos, a captação do acontecimento no seu conjunto, ou em alguns dos seus aspectos, possibilitando uma visão bastante completa da realidade.

A invenção anunciada em 1839, na Academia das Ciências, traduzia-se numa inovação técnica: a invenção de uma nova forma de representação, para não dizer de reprodução do mundo, antes mesmo de ser considerada como uma nova forma de expressão. Trata-se de uma outra relação com o real, inaugurada pela fotografia. Tal como refere Bauret (1992), o “real” e a “realidade” são noções distintas: “enquanto que a primeira é totalmente abstracta – trata-se do mundo tal como existe, fora de toda a percepção, a segunda recobre precisamente tudo aquilo que constitui o objecto de uma percepção e, por conseguinte, que pode ser representado”. Assim, a mesma fotografia pode ser interpretada de diversas formas, segundo diferentes perspectivas, transmitindo, em alguns casos, mais do que uma mensagem.

Sendo a fotografia plural, várias abordagens podem ser feitas. Por exemplo, a própria história da fotografia deu origem a procedimentos de inspiração teórica muito diversos; também o discurso estético aborda a fotografia, privilegiando a criatividade e ligando-a a diferentes regras visuais como o enquadramento.

67


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

No âmbito da semiologia, a imagem fotográfica é considerada como mensagem por si só. Contudo, a imagem fotográfica só existe plenamente ser for “desfrutada” por um receptor que lhe dê uma interpretação e, neste sentido, opere uma espécie de recriação.

As práticas fotográficas são inúmeras e cada uma deve ser analisada de forma correspondente. Por exemplo, a fotografia publicitária é frequentemente analisada semiologicamente, enquanto que o retrato pode ser abordado segundo diversos pontos de vista: estético, sociológico, histórico e até psicanalítico.

A fotografia constitui um instrumento na descoberta do mundo, torna-se informação visual e contribui para o conhecimento e entendimento dos acontecimentos. Inerente a ela está o factor temporal que desempenha um papel, nomeadamente emocional, uma vez que a fotografia é associada à tomada de consciência da mudança, do desaparecimento e da morte.

1.2. Os Campos de Actuação da Fotografia A exposição The Family of Man foi organizada por Edward Steichen, em 1955, em Nova Iorque, e teve uma repercussão mundial que ultrapassou o âmbito fotográfico pois tocava a essência da humanidade. Esta mostra traduziu-se no reconhecimento definitivo da fotografia enquanto documento e marcou claramente a liderança norte-americana. Isto porque os Estados Unidos tiraram benefícios da migração de fotógrafos europeus, iniciada no período entre guerras e que se traduziu na geração de novas correntes criativas, já genuinamente americanas, que depois se impuseram a todo o mundo ocidental.

A unificação/globalização de pontos de referência à escala planetária resulta na diversificação de estilos fotográficos que continuam a desenvolver-se em diferentes campos, tais como o retrato, a moda, a publicidade e uma excelente fotografia documental, que engloba viagens, antropologia, testemunho social e fotojornalismo.

68


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

1.2.1. A Fotografia Documental Os fotógrafos desde muito cedo começaram a trazer imagens de todo o mundo, nomeadamente do Oriente que sempre exerceu um certo fascínio sobre os ocidentais. Essas imagens satisfaziam a curiosidade daqueles que não viajavam, mas também davam resposta à investigação dos cientistas, sobretudo geógrafos e etnólogos que, desde logo, viram a fotografia como um documento seguro, exterior a qualquer forma de emoção.

A fotografia juntamente com o caderno de anotações do explorador permitiu mostrar numa imagem, exacta e minuciosa, uma infinidade de pormenores, que poderiam precisar de várias páginas de descrição.

No início do século XX, surgem as expedições fotográficas, em regiões mais selvagens do globo, como África. O interesse centra-se no homem no seio da comunidade, com a suas práticas sociais e culturais. Segundo Bauret, (1992, p.9) “Poder-se-ia pensar que o cinema e a televisão iam suplementar a fotografia, no seu papel documental. Não foi isso que aconteceu...” Com efeito, as revistas e os livros sobre viagens e práticas derivadas continuam a proliferar em elevado número. A revista norte-americana National Geographic é, sem dúvida, um exemplo único de publicação documental, que retrata as longínquas expedições.

Outros fotógrafos dedicaram-se a inventariar o património das grandes metrópoles, captando imagens dos monumentos mais importantes. Em 1850, alguns fotógrafos, como por exemplo, Charles Nègre, Édouard Baldus, Hippolyte Bayard e os irmãos Bisson captam, em Paris, as imagens dos monumentos mais importantes, sob o ponto de vista da história da arquitectura e das urbanizações mais características. No ano seguinte, farão parte da Delegação Heliográfica: vão percorrer a França, a pedido da Comissão de Monumentos Históricos, com o intuito de fazer o levantamento da situação das grandes arquitecturas nacionais, para levar a cabo um programa de restauração. Este

69


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

interesse pela arquitectura vai dar lugar a um trabalho que foca a vida quotidiana – documento social.

As experiências fotográficas são diversificadas, graças a

uma

maior

maneabilidade dos equipamentos e à maior sensibilidade das chapas, o que permite fazer imagens em locais de difícil acesso, menos expostos à luz. Logo, os fotógrafos vão explorar ao máximo todos os sítios da vida quotidiana.

Eugène Atget, fotógrafo francês, faz um interessante inventário da cidade de Paris, iniciado em finais do século XIX e conduzido até 1914. Segundo a sua ideia inicial, estas fotografias eram executadas para servirem de modelo a pintores, não sendo mais do que provas documentais. Só após a sua morte, nos anos trinta, o valor do seu trabalho é definitivamente reconhecido e aplaudido. Hoje, a obra de Eugène Atget é apreciada nos museus, quer pelas suas qualidades artísticas incontestáveis, quer pela natureza do projecto, em certos casos, extremamente actual, assim como por uma certa perfeição na composição das imagens, embora se admita que as suas fotografias constituem, em primeiro lugar, um formidável repositório de testemunhos sobre Paris do início do século. Atget é o perfeito exemplo de uma obra que permite diversas leituras, que diferem de acordo com a época em que se faz a sua apreciação. A fotografia artística e a documental podem surgir na mesma obra.

O desenvolvimento da máquina fotográfica e dos métodos de revelação e fixação de imagens vieram renovar profundamente a actividade documental: até então, só se exploravam os temas inanimados – paisagem urbana, arquitectura ou personagens a quem o fotógrafo pedia longas poses. Quando a máquina começa a ser realmente portátil, o Homem vai tomar lugar em cenas de rua, no meio das suas obras, enfim, no seu meio envolvente.

70


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Surge então, nos Estados Unidos, um novo género de fotografia documental: a street photography, (literalmente, fotografia de rua), cujo nome mais sonante desta fotografia é o de Henri Cartier-Bresson.32

Alguns fotógrafos, na cidade, interessam-se essencialmente pelo movimento dos transeuntes e pelo significado do seu relacionamento; outros aplicam-se na composição de imagens, partindo das linhas, das formas e dos materiais da arquitectura, ou pelo contrário, compõem as imagens de forma completamente anárquica. Foi assim que Walter Evans, nos anos trinta, construiu uma visão da cidade que integrava, na composição das suas imagens, a desordem da civilização moderna. Desta forma, introduziu boa parte dos temas que, seguidamente, iriam alimentar a arte contemporânea norte-americana. Bauret (1992, p.29) fala da fotografia documental, nomeadamente da fotografia de rua de uma forma apaixonada: A rua é como a cena de um teatro que fascina o espectador-fotógrafo; nela se representam, de dia como de noite, toda a espécie de dramas, tristes ou alegres, dramas em que se misturam personagens de toda a espécie.(...) A rua torna-se rapidamente, na história da fotografia, um espaço privilegiado, que se presta às mais variadas composições.

A fotografia está estreitamente ligada à observação que, por sua vez, é um dos fundamentos da actividade científica. Os fotógrafos dispõem de meios que permitem documentar sobre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno. Assim, a fotografia contribui em áreas, como por exemplo, a astronomia, a biologia e a medicina. O trabalho do fotógrafo não está directamente ligado à ciência mas, de um modo geral, os métodos que constituem o fundamento da sua profissão não se afastam muito dos do investigador: observar, registar, classificar.

Nos Estados Unidos, o governo de Roosevelt mandou elaborar um balanço dos efeitos da grande depressão económica dos anos trinta, que tão profundamente marcou este país. Para elaborar este testemunho, a fotografia foi o instrumento privilegiado, tendo o sociólogo Roy E. (encarregado desta tarefa) encomendado a vários fotógrafos, entre os 32

Ver figura 21 em anexo, p.13 71


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

quais, Walter Evans, Bem Shahn, Arthur Rothstein, Dorethea Lange e Russell Lee um inventário preciso e circunstanciado. Esta experiência da Farm Security Administration (FSA) – nome atribuído pelo governo - ficou célebre na história da fotografia, constituindo uma das mais importantes missões de carácter social. Walter Evans destacase entre os membros da FSA, uma vez que a sua obra não se resume apenas ao testemunho das consequências da depressão. Ele dá um retrato da América urbana e rural, que não é apenas social. A sua visão da cidade, por exemplo, é extremamente compósita, frontal e com um forte grau de pormenorização. O seu trabalho foi e é visto como modelo a seguir.

A fotografia documental encontra, hoje, novas estruturas de acolhimento e novos suportes, isto é, museus e publicações de vocação artística. No entanto, a tendência parece ser a de dar menos importância ao aspecto documental da imagem fixa. Em relação a este facto, Bauret (1992, p.32) refere: ... A uma leitura essencialmente ligada ao tema tratado, ao interesse geográfico, arqueológico ou sociológico, substituíram-se uma interpretação e um comentário mais estéticos, tendentes a valorizar o fotógrafo e o olhar que este lançou sobre as pessoas e mesmo sobre as formas fotográficas: a composição e o enquadramento, entre outros.

1.2.2. O Fotojornalismo O fotojornalismo nasce no ano de 1855, com a Guerra da Crimeia: Roger Fenton é o fotógrafo oficial. Na Guerra da Sucessão, Mathew Brady e Alexander Gardner percorrem os campos de batalha americanos. Nesta fase, a visão dos acontecimentos é pouco dinâmica já que as técnicas fotográficas são ainda muito rudimentares. Por volta de 1880, há um aperfeiçoamento do instantâneo fotográfico, o que permite obter uma visão mais completa dos factos. Muito mais tarde, o fotógrafo alemão Erich Salomon regista imagens nas salas em que se desenrolaram as conversações secretas entre os países que tinham na mão o destino do mundo, ao aproximar-se a Segunda Guerra Mundial. Estas fotografias continuam a surpreender pela audácia e habilidade do fotógrafo.

72


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Em 1925, os alemães lançam no mercado a Leica, máquina revolucionária devido ao filme utilizado: 35 mm. Pouco a pouco, a guerra torna-se num dos temas privilegiados do repórter, devido às imagens espectaculares, uma vez que o público, na sua maioria, é por estas atraído, mostrando o lado mórbido e perverso característico do Homem. Este instinto de morte é sabiamente explorado pelos media.

No tempo actual, os fotógrafos continuam a cobrir vários conflitos, quer aconteçam na terra, no mar ou nos ares. No decorrer destas guerras, muitos fotógrafos têm morrido, surgindo entre eles, verdadeiros heróis modernos, como é o caso do norteamericano, Larry Burrows, morto no Vietname, ou o francês Gilles Caron, desaparecido no Camboja.

Contudo, o mais emblemático fotojornalista é Robert Capa, a quem foi consagrada uma biografia. Notabilizou-se, essencialmente, devido a uma fotografia que se tornou lendária e universal: um miliciano, durante a Guerra Civil de Espanha, tombando sob uma bala franquista. A composição é tão perfeita que se tem chegado a discutir a sua autenticidade.

A foto-reportagem desempenha um papel evidente, transparente, considerável útil e até indispensável, para mostrar o que se passa nos quatro cantos do mundo, tanto o bem como o mal. Apesar de, por vezes, nem tudo poder ser mostrado devido a repressões e censuras.

A fotografia complementa a escrita que, inicialmente, era a única actividade jornalística possível. A fotografia monta uma encenação, traça um retrato e mostra uma acção. No entanto, a imagem é ambígua e sem recurso ao texto, em particular à legenda, não é utilizável em segurança.

A campanha de promoção da revista francesa, Paris Match fundamentou-se na fórmula “Les poids des mots, le choc des photos” (o peso das palavreas, o choque das

73


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

fotografias), mostrando desta forma, a complementaridade entre os dois modos de expressão: verbal e visual.

Exemplo da ambiguidade da imagem fotográfica foi o que sucedeu quando o muro de Berlim caiu e a Alemanha reunificou-se: uma revista republicou a célebre fotografia da tomada do Reichstg, em 1945, por um soldado do Exército Vermelho. Na altura, a imagem transmitia o fim da Segunda Guerra Mundial. Hoje, a mesma imagem ilustra o início do domínio do mundo comunista sobre a Europa de leste.

O desenvolvimento do fotojornalismo teve na sua base o aperfeiçoamento de aparelhos como a Leica, mas também a criação de publicações de referência, como a Vu em França (1928) e a Life nos Estados Unidos (1936), tendo-se a segunda inspirado oficialmente na primeira. O funcionamento da redacção, o tratamento da actualidade, a paginação, rompiam totalmente com os modelos de revistas da altura, uma vez que estas publicações eram concebidas à volta da fotografia exclusivamente.

A profissão de repórter, no seu sentido moderno, surge no início do século XX, quando se consegue aperfeiçoar um processo de reprodução mecânica da imagem. Isto vai levar à encomenda de realização de reportagens e à sua exploração.

1.2.3. A Fotografia na Publicidade A utilização da fotografia na publicidade generalizou-se nos anos sessenta. No início serviu para tornar mais verosímeis aos olhos do público, situações anteriormente representadas pelos ilustradores e para reforçar a autenticidade da mensagem, ou seja, a fiabilidade do produto. A publicidade abriu, assim, caminho para uma nova forma de comunicação, diferente do desenho publicitário, fundamentada com uma nova argumentação.

Na sociedade actual, o poder económico da publicidade, por vezes, ultrapassa o “sentença” do público receptor de determinado meio de comunicação social. A imprensa

74


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

e os media em geral estão, com toda a evidência, dependentes do tal poder económico inerente à publicidade.

Os anunciantes definem o público-alvo que querem atingir e sabem quais os suportes mais adequados para conseguirem levar a sua mensagem até ele. Os orçamentos investidos pelas empresas para tornar conhecidos os seus produtos e a sua imagem de marca são (na maioria das vezes) consideráveis e possibilitam que as agências que definem e regulam as diferentes operações, coloquem ao dispor do fotógrafo incomparáveis meios de expressão. Mas nem por isso se trata de utilizar todas as liberdades de criação. Embora a fotografia publicitária relativamente a outros domínios como os da reportagem, se apresente, cada vez mais, como uma prática importante do ponto de vista da criação visual. A concorrência entre as marcas é bastante “feroz” pois o erro de aproximação, os riscos, as experiências e a aventura são inaceitáveis no que respeita à estratégia a adoptar, para comunicar e vender a imagem de um produto. Logo, é fundamental estudar a estratégia até aos mais insignificantes pormenores – os que a concebem consultam semiólogios, sociólogos, técnicos diversos de comunicação e institutos de sondagens. Roland Barthes, na sua obra Rhétorique de L’Image Publicitaire, lançou as bases para o estudo do discurso publicitário, desmontando os diferentes códigos de comunicação visual e trazendo à luz os vários níveis de leitura. Passadas mais de três décadas, os estudiosos continuam a elaborar teses com base no trabalho de Barthes, explorando também os factores sociológico e psicológico. Estes estudos constituem uma forma de ciência aplicada à publicidade.

É sabido que nenhuma mensagem publicitária é lançada ao acaso e não pode ser confiada a qualquer criador. Isto explica o facto de o fotógrafo, em muitos casos, se transformar num artesão anónimo, num executante encarregado de materializar da forma mais neutra possível, uma imagem concebida pelos criativos das agências. Estes, por sua vez, operam mediante as indicações dos anunciantes, atentos aos desejos dos clientes,

75


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

mas também às características do mercado e à prática do consumidor. O fotógrafo na publicidade tem de limitar as suas ambições e o seu espírito criador.

Logo, a imagem publicitária tornou-se numa obra colectiva que diz muito mais sobre uma sociedade, do que sobre aquele a quem foi encomendada. O fotógrafo tem uma maior tendência para trabalhar em estúdio porque aí encontra tudo que deve integrar a composição, particularmente em função do lugar importantíssimo dos textos – marca, slogan, título e argumento – que entram no quadro das imagens. Em estúdio podem resolver-se problemas fotográficos com mais precisão e menos imprevistos do que no exterior. A publicidade recorre ao fotógrafo devido à suas competências particulares, como a encenação de personagens, direccionamento de luz, de cenários, de criação de ambientes, de expressão da cor, ou ainda, de truques e efeitos especiais.

Muitas das imagens publicitárias são o culminar de montagens, assentes em tecnologias sofisticadas de registo fotográfico ou de laboratório que reforçam o seu realismo, ou, pelo contrário, acentuam o seu carácter fantástico33. Também se recorre às tecnologias informáticas e digitais, especialmente para realizar manipulações. Além disso, os efeitos resultantes de um trabalho sobre um ecrã são únicos e menos dispendiosos do que o aluguer de um estúdio, do material e de toda a mão-de-obra associada ao registo fotográfico.

As fotografias publicitárias têm efeitos que, por vezes, transmitem uma ideia absurda. Em certos casos, é possível detectar uma tendência surrealista nessas imagens, tudo para que a mensagem seja transmitida da forma mais completa possível. Assim, poder-se-á dizer que na publicidade são produzidas imagens fotográficas que partem de uma ideia e não da realidade.

A questão que se levanta prende-se com o futuro da fotografia na publicidade, uma vez que o próprio conceito “Publicidade” está gradualmente a transformar-se e a sofrer mutações consideráveis. No entanto, a maioria dos autores considera que a 33

Ver figura 24 em anexo, p.14 76


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

fotografia será sempre um instrumento válido na publicidade, também porque as novas tecnologias permitem explorar a imagem fixa, resultando numa infinidade de possibilidades.

Alguns autores consideram, inclusive, que o recurso ao processo fotográfico deixa de ser importante, uma vez que a fotografia digital trouxe uma infinidade de vantagens a nível quantitativo e qualitativo. Por outro lado, há alguns casos em que o que destaca uma marca de outra é precisamente o facto de fotógrafos de renome colaborarem nas campanhas publicitárias. Assim, alguns “artistas” operam neste meio, como se a sua arte tivesse sido recuperada: a utilização de um estilo pessoal, da sensibilidade e até das próprias obsessões do artista faz com que algumas marcas queiram associar-se a ele. A marca Cacharel garantiu durante vários anos, os serviços de Sarah Moon; Charles Jourdan os de Guy Bourdin e a Louis Vuitton os de Jean Larivière. Estas colaborações marcam, sem dúvida, uma diferença e não é por acaso que estas marcas representam objectos de luxo, supostamente com uma certa qualidade, e não produtos de grande consumo. Por outro lado, a maioria dos fotógrafos ficam no anonimato, como é hábito na publicidade.

Todavia, o factor mais importante é a estratégia adoptada e a forma como a mensagem publicitária é conotada com o público a que se dirige. Logo, “atingir o alvo” é o objectivo da comunicação publicitária actual, comparativamente à linguagem dos publicitários do passado, que se pretendia mais universal.

1.2.4. A Fotografia Propagandística A fotografia no panorama político é um instrumento imprescindível, no que toca à transmissão de ideologias, desempenho de este ou aquele político, reforço de esta ou aquela opinião. Hoje, talvez não existam, verdadeiramente fotografias de esquerda ou de direita, no entanto, existe uma grande proliferação de imagens na imprensa, (muitas delas manipuladas ou recuperadas), e de cartazes propagandísticos que servem esta ou aquela

77


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

causa, que criticam ou elogiam o desempenho dos políticos e que transmitem as diversas ideologias.34

A fotografia tem ajudado a condenar certos conflitos e a despertar consciências. Por exemplo, a fotografia conseguiu influenciar a opinião pública norte-americana, levando-a a desempenhar um papel importante na retirada das tropas do Vietname. Também na Guerra do Golfo, em 1991, foi exercido um severo controlo sobre os movimentos e as actividades da imprensa, em particular dos fotógrafos que cobriam o acontecimento in loco. Mais recentemente, na Guerra do Iraque, em 2003, houve já uma outra atitude em relação aos jornalistas que cobriam o conflito. Contudo, a tentativa de “barrar” o trabalho dos repórteres, nomeadamente dos fotógrafos, continuou a ser de praxe, muito por causa dos diferentes interesses das partes envolvidas.

Uma questão importante se levanta na análise do papel propagandístico da fotografia: Qual o poder da fotografia? Seja qual for a resposta, verifica-se que se encontram ao dispor do operador numerosos processos técnicos, destinados a criar ou a reforçar os efeitos de sentido de uma imagem: picado, contra-picado, grande angular, teleobjectiva, etc. Os meios são numerosos e a condição é saber dominá-los, confiando à fotografia uma função de formação de opinião pública.

2. Análise do Trabalho Fotográfico de Alfredo Cunha Alfredo Cunha é um dos mais conceituados fotojornalistas em Portugal, revelando nas suas fotografias uma humanidade quase inocente, uma comovente igualdade perante os outros.

Seguindo Barreto (1995), Alfredo Cunha nasce em 1953, em Celorico da Beira. É neto e filho de fotógrafos. Seu pai abre o estúdio “Cunha fotógrafo,” em Celorico, onde nasce Alfredo Cunha. Desde sempre, este fotógrafo esteve em contacto com a técnica fotográfica, passando parte da sua infância e juventude a aprender a trabalhar com a imagem fixa. Começou, primeiro, a trabalhar no laboratório, a revelar e a imprimir, 34

Ver figura 25 em anexo, p.15 78


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

fazendo-o com uma grande naturalidade. Além do laboratório, ia atrás do pai, fazendo as reportagens dos casamentos, baptizados e aniversários. Nesta altura não fotografava: transportava o equipamento e carregava as máquinas que o pai utilizava. Viveu entre Celorico, Mangualde e Guarda. Depois da escola industrial, veio para Lisboa, com o pai que, doente, tinha abandonado a fotografia.

Apesar de, na sua adolescência, ter entrado diversas vezes em choque com o pai, acusando-o de escravatura e de exploração infantil, a verdade é que foi no laboratório que treinou a sua rebeldia, aprendeu as técnicas de base e descobriu a sua vocação. Revelar e imprimir são, aliás os seus primeiros talentos, e ainda hoje, a sua impressão marca diferença “Alfredo Cunha consegue o equilíbrio do olhar, da câmara e do laboratório, obtendo um produto final excepcional” – (cit. in Barreto 1995, p. 14).

A fotografia de Alfredo Cunha é directa, pura, simples, autêntica, sem maneirismos, sem distorções, sem efeitos de câmara, sem retoques, sem arranjos. Isto não significa que as suas fotografias sejam a “verdade”, até porque essa discussão está ultrapassada, uma vez que cada fotografia, por mais autêntica que seja, é sempre o olhar do fotógrafo, a sua visão e interpretação das coisas. Contudo, no trabalho fotográfico de Alfredo Cunha há uma espécie de naturalidade que representa um real imediato: As coisas não são mais nem menos do que o que vemos e como as vemos.

No caso de Alfredo Cunha, o estilo não resulta da sua profissão, mas antes o contrário, ou seja, o facto de fazer jornalismo fotográfico está na possibilidade desta profissão se adequar ao seu estilo, à sua maneira de ver e olhar o mundo.

Uma das maiores dificuldades dos fotojornalistas é fazer fotografias sem que sejam intrusivas, que não violem, de alguma forma, a privacidade dos sujeitos. Alfredo Cunha consegue isso, muito devido a uma certa timidez que o caracteriza e que faz com que respeite o espaço daquele que é objecto da sua câmara. Barreto (1995, p. 11) refere a este respeito, o seguinte:

79


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Não conheço fotografia sua que revele uma intimidade secreta, algo que ninguém gostaria que se soubesse ou visse. É difícil, sendo-se fotógrafo, cultivar sem concessões este respeito pelos outros. Muito mais ainda, sendo-se fotojornalista, profissão em que o “voyeurisme” pode ser elevado ao estatuto de virtude, como acontece tantas vezes com as revistas e jornais sensacionalistas, como praticam tão obsessivamente muitos jornalistas nas televisões contemporâneas.

As suas fotografias revelam as características e os “contornos” das pessoas, dos sentimentos e dos acontecimentos, sem que haja uma exploração exagerada da dor, da angústia, do desespero da cólera ou da intimidade.

Antes de ser fotógrafo, Alfredo Cunha é um homem com simpatias humanas, culturais e políticas. Visivelmente, prefere os pobres, os que trabalham e os que sofrem, podendo-se dizer que as suas fotografias têm uma função política, embora não o faça propositadamente: ao explorar a condição humana, fá-lo sem pragmatismo, sem intuito propagandístico, sem outra intenção que não seja mostrar a sua visão das coisas.

No final dos anos sessenta, chega a Lisboa, e começa a trabalhar na agência de publicidade Praxis. Faz paginação, revelação e impressão, naquele que foi o seu primeiro emprego com a fotografia, na capital. Depois, vai passar um ano a viajar pela Europa, a fotografar despreocupadamente, ficando fascinado, especialmente, pela França e pela Suécia. Quando regressa a Portugal apercebe-se do atraso do país em relação ao resto da Europa, o que irá marcar o seu olhar sobre o país.

Recomeça o seu trabalho, desta vez para o Notícias da Amadora, jornal que constitui uma célula do partido comunista. Sem ter percebido como, Alfredo Cunha sente que está integrado no trabalho do partido, do qual nunca foi membro formal.

Em 1972, realiza a sua primeira exposição, na galeria da livraria Opinião. A sua tendência é a da liberdade. No mesmo ano entra para a escola de fotojornalismo do grupo do Século. Eduardo Gageiro é, nesta altura, chefe de fotografia do Século Ilustrado, e vai possibilitar a Alfredo Cunha a sua entrada para os quadros desta publicação.

80


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Nesta altura, ainda não há um fotojornalismo português, mas já há alguns fotógrafos que vão, progressivamente, criando os contornos e as tradições de uma profissão. Nos jornais, praticamente não existem departamentos de fotografia. Esta serve apenas para ilustrar os textos e nunca vem assinada. É como se os fotógrafos não existissem: as suas imagens podem ser cortadas, re-enquadradas, retocadas, republicadas e vendidas, ou seja, não são obra de autor. Só a partir da década de oitenta é que os fotógrafos começam a ser reconhecidos devidamente.

Em 1974, Alfredo Cunha tem vinte anos e, como qualquer jovem, tem os seus ídolos: os fotógrafos do Vietname são os seus heróis. No dia 25 de Abril desse ano, à noite, está em sua casa, na Amadora, quando recebe um telefonema do Século e é informado que algo se passa. Às seis da manhã dirige-se para a Praça do Comércio, onde encontra o seu amigo e colega Eduardo Gageiro. Com o 25 de Abril, Alfredo Cunha consegue aquela que é, sem dúvida, a sua primeira grande reportagem, não só por ilustrar um dia histórico, mas também pela forma como captou as imagens. Nas fotos (...) percebe-se a madrugada, o frio no ar, o receio das almas. De certos sítios chegam ruídos de tiros. Gageiro diz a Alfredo: «Se houver tiros, foge!». Apesar disso chegam aos sítios mais quentes – (Barreto

1995, p. 16).

O 25 de Abril representa para este fotógrafo um ponto de partida na sua profissão, já que o regime cai e a repressão e a censura acabam. Segue a descolonização de África, estando presente em todas as cerimónias de independência.

Em 1977, com a revolução terminada, o Século e o Século Ilustrado encerram e Alfredo Cunha vai para a agência Lusa, onde fotografa políticos, conferências de imprensa, inaugurações, visitas de Estado, enfim, cobre os diferentes acontecimentos. Há fotografias suas publicadas no mundo inteiro, mas que não estão assinadas.

A par do seu trabalho na Lusa faz outro tipo de fotografia, desde publicidade, capas de disco, moda, diaporamas e partidos políticos. 81


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

Na análise do trabalho fotográfico de Alfredo Cunha, é importante referir a sua associação com um dos melhores fotojornalistas portugueses: Luís Vasconcelos. Amigos de longa data, trabalham juntos na agência Lusa e ambos tentam enriquecer (em todos os sentidos), com trabalhos em publicidade. Nesta altura há uma aproximação a Mário Soares, quando este fica impressionado com o trabalho fotográfico da campanha de Diogo Freitas do Amaral, pedindo-lhes para serem também fotógrafos da sua campanha. No mesmo ano, os principais cartazes dos dois candidatos eram da autoria de Alfredo Cunha e Luís Vasconcelos. Esta “dupla” publicou livros em conjunto: “Jardins de Lisboa”, “Presidência Aberta”, “Na Estrada com Soares” e “Sá Carneiro”. No final dos anos oitenta, Alfredo Cunha e Luís Vasconcelos são convidados por Vicente Jorge Silva para trabalharem num novo projecto: o Público. Em 1989 entraram para o quadro deste jornal, dando um novo sentido à utilização da fotografia no jornalismo. Hoje têm uma das melhores equipas de fotojornalistas e o Público fez da fotografia uma expressão autónoma e assinada.

Segundo Barreto (1995), Alfredo Cunha mantém-se, em grande parte, um artesão. Apesar de ter ao seu dispor equipamentos bastante sofisticados e de estar familiarizado com as tecnologias modernas, continua com os mesmos “rituais” de outro século: trabalha de pé, nas bancadas de impressão e nos tanques de revelação. No laboratório é minucioso e intuitivo. É um dos melhores impressores de fotografia portugueses.

Quando fotografa, fá-lo com uma enorme descrição e conhecimento. Muda de câmara e de objectivas sem que se dê conta. As suas cultura, técnica e intuição resultam numa fotografia de extrema qualidade. Nunca foi processado, como fotógrafo, por violação de privacidade. “Quando sinto problemas de pudor ou atentado à privacidade, não fico a tremer, nem me excito especialmente coma a possibilidade da foto interdita. Não fotografo, ponto final!” –

82


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

(Alfredo Cunha, cit. in Barreto 1995). O direito à informação não pode nem deve permitir tudo.

É pública a tendência esquerdista de Alfredo Cunha. O jornalista também tem simpatias políticas, mas deve separar a profissão das suas ideologias, embora isso manifeste ser uma tarefa, às vezes, difícil. Alfredo Cunha tem fotografias em que a esquerda está presente, no entanto, são apenas a visão de um homem.

Além da esquerda, Alfredo Cunha tem outra obsessão: fotografar Portugal. As pessoas, as terras, as tradições, as crenças, os objectos, as casas, tudo o apaixona e é objecto da sua câmara. Há nas suas fotografias um olhar português sobre o seu próprio país.

A linguagem da fotografia é universal, mas há sempre um contexto, um objecto e um tempo. A propósito disto refere: “Muitas das minhas fotografias, mesmo se boas, apenas interessam aos portugueses” – (Alfredo Cunha cit. in Barreto 1995).

Alfredo Cunha é hoje, sem dúvida, um expoente da fotografia portuguesa e um modelo para muitos jovens fotógrafos.

3. O Papel da Fotografia na Actual Transição de Paradigma Comunicacional Para o enquadramento das etapas comunicacionais que ocorreram com o passar do tempo, os teóricos socorrem-se do conceito de paradigma, que se traduz num modelo que absorve no seu interior mudanças que permitem compreender, num certo espaço de tempo, um conjunto de tendências que, na sua diversidade, concedem unidades conceptuais. Edgar Morin escreve na década de setenta, o Paradigma Perdido, onde o define como um conjunto de ligações, distinções e oposição entre noções mestras que controlam um pensamento, isto é, a construção de teorias e a produção de discursos.

Na actualidade, assiste-se à transição do paradigma comunicacional, uma vez que a formulação da mentalidade das pessoas que trabalham na área da comunicação é já

83


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

incompatível com os pressupostos essenciais do modelo anterior. Logicamente, na evolução das etapas, não há um vazio entre os dois modelos.

No âmbito do jornalismo, é preciso analisar as suas características, perante as novas tecnologias, quais as consequências e a forma como o próprio conceito está a ser alterado. Por outro lado, antecipa-se já o futuro da profissão: a substituição do jornalista pelo fornecedor de conteúdos.

No que diz respeito à fotografia, sendo ela um instrumento presente em diversas áreas comunicacionais, está obviamente, incluída neste processo. As novas tecnologias, aliadas a novas necessidades humanas, são a base da mudança do cenário da comunicação que cobre a sociedade. Assim, do analógico passa-se ao digital35, o que afecta todas as formas de mensagem, bem como os diferentes processos de tratamento de comunicação.

As repercussões na fotografia revelam-se mais na natureza do suporte da imagem do que, propriamente, nos temas tratados. Isto leva à questão do futuro da imagem fotográfica tradicional e à forma como esta será veiculada. As recentes inovações relacionadas com (as técnicas de registo fotográfico, traduziram-se na generalização do automatismo integral) ou seja, cada vez mais, a fotografia chega às pessoas, torna-se plural e indispensável (Bauret (1992, p.21). Exemplo claro deste facto são os próprios telemóveis que, pouco a pouco, vão transformando uma vantagem – câmara fotográfica incorporada e interactividade de imagens fixas -, em algo banal, necessário e talvez imprescindível no futuro.

Nas câmaras fotográficas actuais, o zoom, a medição da luz e o aperfeiçoamento da distância oferecem ao fotógrafo amador numerosas possibilidades de enquadramento. O computador integrado na câmara calcula, de acordo com prioridades decididas pelo fotógrafo, a execução dos diferentes parâmetros (escolha do tempo de exposição, da abertura, etc.). A par destas câmaras equipadas com sofisticados sistemas de cálculo e 35

Ver figura 26 em anexo, p.16 84


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

cada vez mais miniaturizadas, surge uma gama de máquinas descartáveis que conheceram nos últimos anos, um êxito crescente.

A redução do tempo de materialização da imagem e o facto de ela se realizar quase instantaneamente, permitem avaliar os efeitos de uma modificação no decurso do registo fotográfico: existem novas possibilidades de criação que os artistas, sobretudo os pintores rapidamente exploram. No jornalismo impresso, as imagens surgem com outra qualidade, graças ao tratamento que a digitalização permite.

A sociedade vive de informação e, cada vez mais, tem a seu dispor meios que lhe permitem comunicar. Apesar de serem várias as vantagens do novo panorama fotográfico, a imagem fixa poderá perder o seu carácter apaixonante, se cair numa banalização que poderá ser fomentada pela acessibilidade futura das novas tecnologias comunicacionais. Convém, por isso, tipificar de forma diferenciada este novo tipo de fotografia, separando, desta forma, do conceito de fotografia enquanto arte, documento ou ciência aplicada.

Conclusão O conceito de fotografia é diversificado, uma vez que abarca noções e práticas tão variadas e diferentes como as da escrita: o romancista e o jornalista ambos “escrevem,” mas o sentido e o alcance das suas “escritas” divergem. No caso da fotografia, dois géneros dominam, sem sombra de dúvida; a sua importância é histórica, antes de ser económica: trata-se da reportagem e do retrato. Estes géneros não estão limitados à fotografia, mas encontram, no contexto desta arte, uma função e um significado próprios, específicos e inimitáveis.

Por outro lado, a fotografia é hoje partilhada entre dois mundos, cujas fronteiras não são totalmente intransponíveis, mas que são regidos por leis algo diferentes: o mundo da arte e o da “encomenda”, ou seja, o mundo da expressão pessoal, herdeiro de um determinado número de tradições ligadas à história da pintura, mas que conhece, actualmente, novos desenvolvimentos muito particulares relacionados com os diferentes

85


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

movimentos da arte contemporânea; e o mundo daquilo a que se chama arte ou técnica aplicada – jornalismo, publicidade, moda e ilustração. Embora o projecto do criador pareça manifestar-se com maior liberdade no primeiro caso, no segundo, esse projecto é limitado e determinado por circunstâncias exteriores, por vezes, totalmente estranhas ao seu universo pessoal e às suas preocupações íntimas.

A fotografia é única porque fixa o instante, o momento, o dia, o ano, enfim, o tempo. Tem o poder de evocação, já que suscita a quem olha para ela o desejo de imaginar, de reconstruir interiormente, a partir da visão de um dos seus movimentos, o conjunto de todo um facto.

A fotografia é hoje definitivamente consagrada como obra de arte, ocupando lugar nas paredes dos museus e das galerias, ao lado de pinturas e de outras formas de expressão contemporânea. É uma espécie de oitava arte, que se tornou numa referência incontornável, a julgar pela importância das manifestações que lhe são consagradas um pouco por todo o mundo: é objecto de comentários e de críticas na imprensa escrita e no meio audiovisual, bem como de estudos aprofundados, sob diversos pontos de vista histórico, sociológico, estético e semiológico. Por isso, uma das primeiras questões que se colocou relativamente à fotografia foi o facto de ser ou não arte e são os próprios fotógrafos do século XIX a interrogarem-se. Depois foi a vez dos críticos e dos historiadores da fotografia.

Por outro lado, se a pintura se afastou, pouco a pouco, de uma prática figurativa marcada por preocupações de ordem realista, foi precisamente porque a fotografia se propôs substituí-la nesta tarefa, e se ofereceu como uma forma de representação mais segura, de tal forma que, historicamente, ela se tornou naturalmente um instrumento de denúncia, um instrumento de luta social e política..

Com a análise do trabalho fotográfico de Alfredo Cunha é possível compreender que fotografar é, de certa forma, uma tarefa difícil, porque exige mais do que o simples olhar. Este fotojornalista alia a técnica e a cultura que possui, a uma certa intuição, que

86


Comunicar o Instante – A Fotografia: Arte e Comunicação

poucos conseguem ter. Isto faz dele um dos melhores na sua profissão, e as suas fotografias (apesar de serem, sempre, o seu próprio olhar) são, quase sempre, a imagem mais concreta de uma realidade. Alfredo Cunha faz “arte” com o seu fotojornalismo, que, nunca deixando de ser informativo, isento e coerente, também é de uma beleza e sensibilidade que caracteriza os artistas.

Fica claro que a fotografia não é uma produção de imagens inocente, casual ou mecânica, como se pensou durante muito tempo, mas antes uma linguagem relativamente estruturada nas suas formas e significado, e “trabalhada” por uma história que se foi progressivamente enriquecendo.

A técnica, em incessante evolução, tem exercido uma atracção sobre o mundo dos amadores, mas também, talvez em menor escala, sobre o mundo dos profissionais, a ponto de alguns acabarem por esquecer a finalidade de todos os equipamentos aperfeiçoados – produzir imagens – e negligenciarem totalmente a ideia, em proveito do instrumento.

O fascínio fotográfico pode agora não ter a força que tinha quando surgiu a invenção, mas continua a encantar pela sua natureza comunicacional e artística.

87


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.