O HOMEM POR DETRÁS DA CANETA.
O HOMEM POR DETRÁS DA CANETA.
“Para o homem honrado a satisfação de servir bem é o maior prémio.”
FICHA TÉCNICA TÍTULO: Amílcar Lagartinho, O Homem por detrás da caneta” TEXTO: Josélia Lagartinho, Conceição Lagartinho, Maria José lagartinho PREFÁCIO: Ana Maria Bergana ORGANIZAÇÃO: Biblioteca Municipal de Beja / José Saramago COLABORADORES DA BMBEJA: Marta Simenta, Hermes Picamilho ENTIDADES COLABORADORAS: Paço Episcopal de Beja, Seminário Diocesano de Nossa Senhora de Fátima (Beja) CONCEPÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO: Ana Lopes IMPRESSÃO: Câmara Municipal de Beja / Gabinete de Comunicação Integrada DATA: Novembro 2013
Prefácio Perante o honroso e inesperado convite para a elaboração do Prefácio do livro de Amílcar Lagartinho, aceitei quase de imediato, sem que nenhum laivo de dúvida, perplexidade ou objecção me atravessasse a mente. Sabendo-o de personalidade controversa, rigorosa e assaz discreta, ter-me-ia sido fácil renunciar a semelhante tarefa, delegando-a em alguém cuja convivência com a pessoa em causa, tivesse sido mais intensa e alargada, devido a uma maior proximidade espácio-temporal. Não tomei essa postura e consequentemente, aqui estou repartindo convosco este momento prazeiroso e especialmente criado para rememorar a vida deste amigo, que já partiu, mas não sem deixar a sua marca alicerçada na força, no idealismo e também na vulnerabilidade. Este homem conheceu cedo as consequências nefastas da orfandade que, apesar de tudo, não lhe tolheram nem os propósitos nem as vontades que desde muito cedo acalentava em si e que augurava pôr em prática ao longo de toda a sua vida. Manifestou-se um católico praticante e fervoroso, abraçando frequentemente as queixas e as dores daqueles que o procuravam, na expectativa de algum consolo psicológico e emocional que contribuísse para minorar as suas mágoas. E esse auxílio, em. Amílcar Lagartinho, era uma constante. Ninguém voltava para casa com a alma despojada, muito pelo contrário, retornavam embebidos na confiança e na Fé de que tudo ia melhorar.
Contudo, é justo dizê-lo, esta área da sua vida social e cívica adquiriu maior viabilidade e relevância mercê da concretização do sonho deste nosso amigo, - o nascimento do Jornal do Sul – no ano de 1963. Esta publicação, pela qual tanto lutou, foi a linha condutora do exercício de variadas facetas da sua vida activa, aspectos esses onde militou e cumpriu com mor satisfação e plenitude. Foi esta a causa primordial da existência de Amílcar Lagartinho, que abraçou incondicionalmente, não raras vezes em detrimento do seu núcleo familiar e da afirmação de sentimentos. O seu grande amigo – D. José do Patrocínio Dias -, patrono do Jornal do Sul, foi encarado por Amílcar. como conselheiro e ministro da sua espiritualidade. A primeira vez que vi o Sr. Amílcar, de longe, foi na procissão do Santíssimo Sacramento, em Beja. Amílcar Lagartinho orientava a Procissão e vestia uma opa vermelha, referente à Irmandade que representava. Foi nesse momento, solene, que fui informada da minha mudança de residência para a casa deste senhor. A colega com quem partilhava um alojamento enquanto estudante, decidiu por vontade própria a saída do mesmo para integrarmos uma nova família, que seria a do Sr. Lagartinho. Quando esta me anunciou a mudança de residência, porque ela assim o havia decidido, ouviu um rotundo “não” e determinada como sempre, retorqui do cimo dos meus dezanove anos, rebeldes e inconsequentes: “Eu não vou para a casa do sacristão. Vai tu sozinha se assim o desejares.” Só muito mais tarde me apercebi que ele não era sacristão e que, de facto, estava predestinada a trilhar esse caminho. Em jeito de nota final, pretendo registar com agrado, o tempo partilhado em casa deste amigo, com ele e sua estimável família. E é neste fundamento que me permito classificá-lo como um ser humano de mérito, extremamente reservado e visivelmente empenhado nas suas convicções e nos ideais que determinavam a sua razão de existir. Era um homem solidarizado com a Igreja e com alguns dos seus representantes mais directos.
Nas nossas últimas conversas, deixou à vista alguma fragilidade, jamais assumida até então e procurou clarificar determinados episódios da sua vida que, estando bloqueados, integravam a sua intimidade. Procurou, inclusive, situar-me a par de alguns segredos do foro particular que, por receio e inexperiência da minha parte, quase recusei ouvir. Respeitou como era de esperar da sua formação e não verbalizou como pretendia os factos que, teria certamente gostado de partilhar comigo. Decorridos que são catorze anos após a sua morte, quando assaltada por tais lembranças, sinto, devo confessá-lo, uma pitada de remorsos NOME Amílcar Cordeiro Guerreiro Lagartinho Enquanto “Cordeiro”, fez jus ao nome, na humildade e harmonia de que deu provas. Enquanto “Guerreiro”, pelejou incansavelmente pela Paz e pela Luz, na conquista da Igualdade e de projectos que optimizassem as relações humanas. Defino-o, ledamente como pessoa de Bem. Com saudade A. Bergano
ÍNDICE 10 | Infância e adolescência 14 | Vida profissional 19 | Vida Familiar e afectiva 24 | Vida social e cívica 26 | Vertente espiritual 30 | Amigo D. José 33 | O Jornal - Uma missão
INFÂNCIA E ADULESCÊNCIA Corria o ano de 1918, quando na cidade provinciana de Beja, na freguesia de Santa Maria, à Rua de S. Gregório nascia a 8 de Julho, Amílcar Cordeiro Guerreiro Lagartinho. Era o segundo filho de um casal aí residente, António Cordeiro Lagartinho, empregado de comércio na cidade e de Maria Antónia Guerreiro Lagartinho, doméstica. A sua infância decorria sem sobressaltos, até que, pelos nove anos de idade, a tuberculose, fatal nesses tempos, lhe roubou o pai.
António Cordeiro Lagartinho (Pai de Amilcar).
Maria António Guerreiro Lagartinho (Mãe de Amilcar).
1918
1923
Nascimento de Amilcar Lagartinho.
Amilcar com 5 anos.
Com tal perda, a família ficou em situação de grande precariedade, sendo sua mãe obrigada a entregar a sua filha mais velha, Cidália, à guarda de seus padrinhos, sua irmã Custódia e seu marido, que por não terem descendência, a cuidaram e educaram com grande esmero. A partir de 1928, como consta nos Processos de Admissões do Arquivo do Seminário de Beja, o pequeno Amílcar, passou a frequentar o Seminário de Serpa. Após uma viagem algo cansativa, onde teve de atravessar o rio Guadiana de barco a remos, pois por essa altura a ponte era ainda uma miragem, o rapazinho lá chegou ao seu destino. A sua experiência como seminarista foi breve, pois sua mãe, corroída de saudades e preocupações, acabou por ir buscá-lo após um ano.
Amilcar com a farda do corpo de Escuteiros (Nuno Álvares).
Amilcar com os seus pais e irmã.
1928
Aos 10 anos, Amilcar fica órfão de pai e vai para o seminário de Serpa.
11
Maria Antónia, agora viúva, recorre à costura para responder às necessidades da família, mas o orçamento era curto e segundo Amílcar chegou a referir, pelos seus 11 anos, foi trabalhar para a Confeitaria “Luís da Rocha” como aprendiz. Sua mãe contava que Amílcar possuía dotes vocais e que na sua infância, enquanto seminarista, fora Menino de Coro, continuando por mais algum tempo a participar no coral e canto gregoriano, na Sé de Beja. Ainda no Seminário, tomou parte no grupo de Escuteiros «Nuno Álvares», prolongando a sua filiação no escutismo por mais alguns anos. A par da formação académica, Amílcar foi moldando o seu espírito e personalidade, frequentando várias instituições de acção católica e cívica, existentes na época, deixando já antever qual a sua linha de orientação no futuro. Assim, passou pelo Liceu Nacional Diogo de Gouveia em Beja, foi membro da Juventude Operária Católica (JOC), e Iniciou também por essa altura o seu percurso como Servita em Fátima.
Amilcar com a irmã Cidália.
1929
Amilcar começa a trabalhar na confeitaria “Luiz da Rocha”.
Custódia Guerreiro Neves, tia de Amilcar.
VIDA PROFISSIONAL Após alguns trabalhos de circunstância que se desconhecem, pelos seus 29 anos e munido da ferramenta intelectual que as condições de então lhe permitiram, relançou-se na vida laboral como empregado de escritório na “Metalúrgica Alentejana”, em Beja. Por lá permaneceu algum tempo, até que, se deslocou para Moscavide onde trabalhou na mesma área. Mas, em 1952, já com a primeira filha nascida, regressa à sua cidade natal, para gerir a Papelaria e Tipografia “Ala Esquerda”, pertença da Diocese de Beja a convite do seu prelado, o Sr. Bispo D. José do Patrocínio Dias. Pouco ligado às coisas materiais, Amílcar foi também um trabalhador nada reivindicativo em matéria salarial, contentando-se com o que o patronato achasse por bem atribuir-lhe. Algumas vezes, nos tempos em que geria a “Ala Esquerda”, depois de pagar aos operários, verificava que a verba de que dispunha já não chegava para si, mas nem isso o levava ao protesto, era sua mulher, a braços com a economia familiar, que acabava por fazê-lo.
1952
A partir de 1950, Amilcar inicia colaboração com imprensa, nomeadamente com “A Voz”, “Novidades, “O Século” e “Flama”.
Amilcar com sua mulher e filhas, na festa de Natal do Banco do Alentejo, na Casa do Alentejo, em 1969 (Lisboa).
As filhas mais velhas recordam: «Quando o pai estava na “Ala Esquerda”, o seu trabalho era mal remunerado e ele tentava equilibrar o orçamento familiar fazendo venda de tecidos, através de cartões numerados de 2$50 e de 5$00 que eram pagos semanalmente. Ao terminar o cartão, o cliente adquiria o tecido escolhido por mostruários dos Armazéns de Vizela. O atractivo desta transacção para os clientes, era o factor sorte, visto que através dos números de terminação da lotaria, todas as semanas alguém recebia o artigo, quer tivesse pago uma ou mais semanas de prestação. Também fazia venda de velas de cera e foguetes, fogo-de-artifício e fogo preso, para festas e arraiais das redondezas. Era uma festa e um deslumbramento quando por vezes à noite, o pai queimava à janela alguns desses archotes coloridos.»
1960
Amilcar Fica viúvo e volta a casar. Pouco depois edita “A Mensagem Portuguesa”.
15
Quando em 1965, o Bispo de Beja falece, a sua vida familiar e profissional, sofre um grande revés. Além da dor pela perda do seu estimado amigo, com a sagração do novo prelado para a cidade, D. Manuel dos Santos Rocha, vieram novas disposições que passaram pela reestruturação da administração da “Ala Esquerda”, vindo esta a ser entregue a elementos directamente ligados ao Episcopado. Por tal motivo, este honesto e muito dedicado trabalhador, viu-se num curto espaço de tempo no desemprego e tomado por um grande sentimento de injustiça, depois de treze anos de bons e leais serviços prestados naquela empresa. A filha Josélia lembra: «Foi com surpresa que vi pela primeira vez o meu pai ceder à emoção e condoí-me dele, por pressentir naquelas lágrimas o reflexo da impotência e fragilidade humanas que sempre me pareceu ele querer esconder. Apesar das contrariedades que a vida lhe reservou, não me lembro de alguma vez o ver revoltado. Tudo parecia aceitar com grande resignação e espírito de sacrifício.» Este inesperado acontecimento obriga-o a procurar soluções para si e sua família. Surgiu então no seu caminho uma oportunidade providencial. Um concurso para admissão de funcionários ao Banco do Alentejo, ao qual concorreu, veio abrir-lhe um novo horizonte de esperança para retomar o seu percurso profissional. Aí iniciou funções como contínuo em 6 de Maio de 1966 e pouco depois, foi promovido a caixa do mesmo Banco, que anos mais tarde, por fusão, tomaria o nome de Banco Fonsecas & Burnay, actual B.P.I. Este oportuno e feliz acontecimento, atribuiu-o ele à intercessão de seu amigo D. José, recentemente falecido. Vencidos os obstáculos inerentes à perda de trabalho, a vida de Amílcar retomou o seu ritmo, prosseguindo sempre com a edição do seu jornal.
16
Na sequência do assédio de ordem política de que foi alvo, por parte dos seus colegas, em 1978 Amílcar era transferido para a agência do mesmo Banco em Quarteira, onde permaneceu até 1982, data em que obteria uma reforma por invalidez
Amilcar em viagem.
1965 Amilcar sai da Ala Esquerda e ingressa no Banco do Alentejo (atual Banco BPI em Beja).
Amilcar no escritório da Metalúrgica Alentejana em Beja.
1970
Amilcar abre a Papelaria Casa Ideal.
17 Edificio onde funcionava a Papelaria e Topografia “Ala Esquerda”.
Sua filha Maria da Conceição conta: «Trabalhando na altura em Lisboa e sendo-me atribuída a zona da Baixa, certo dia ao chegar próximo da Estação do Rossio, deparo-me com uma grande faixa, entre o então Banco do Alentejo e o início dos Restauradores. A faixa dizia: - SANEAMENTO IMEDIATO DO COLEGA EX-PIDE AMÍLCAR LAGARTINHO - Chocada e revoltada por tal desaforo e com a audácia que me conferia os meus 21 anos, entrei no Banco e perguntei quem era o responsável pela colocação da faixa. Depois de muito instados acabaram por me informar que havia sido a Comissão de trabalhadores, mas ninguém individualmente assumia a autoria de tal feito. Sendo na época a primeira Inspectora de Trabalho do sexo feminino, não me identifiquei como tal, mas exigi a retirada imediata da faixa. Indagada sobre os motivos de tal exigência, apenas perguntei se conheciam esse colega acusado de Pide. Responderam que não, ao que eu retorqui que o conhecia desde que nascera e afirmei que esse colega nunca havia sido Pide e que se não retirassem a faixa, eu própria me encarregaria de o fazer. Num impulso, puxei da pistola de serviço e apontei para o vidro do estabelecimento. Em pouco tempo a famigerada faixa foi retirada. Só após um pedido de desculpas por parte dos bancários, me identifiquei». Estes lamentáveis episódios fizeram-no sentir humilhado, vexado e injustiçado no seu percurso de cidadão íntegro e cumpridor.
1975
1982
Amilcar é preso arbitrariamente por motivos políticos relacionados com o Jornal do Sul. Consequentemente, vai morar e trabalhar para o balcão de Quarteira.
Amilcar é reformado por invalidez e regressa a Beja.
VIDA FAMILIAR E AFECTIVA De personalidade algo complexa e reservado por temperamento, Amílcar foi um homem muito calmo e pacífico, que sempre se esforçava por passar despercebido. Em 1949, contrai matrimónio com Ana Afonso Pacheco, natural de Aldeia Nova de S. Bento, com quem travou conhecimento numa festa popular em Cabeça Gorda onde esta residia e por quem se enamorou. A cerimónia religiosa tem lugar na Igreja do Santuário de Fátima e o novo casal fixa residência em Moscavide, onde Amílcar trabalha. Mas o apelo das suas raízes calou mais forte e em 1952, estava de volta à sua cidade para não mais dela sair. A vida de Amílcar decorria dentro da normalidade possível, até que um acontecimento nefasto a veio perturbar de forma irreversível. Após dois longos anos de sofrimento, sua mulher vem a falecer em 1960, deixando-o viúvo e com três filhas menores para cuidar, a Josélia, a Maria da Conceição e a Maria José, respectivamente. Devastado pela dor da perda sofrida e consciente de que não poderia desempenhar sozinho o seu papel de progenitor, acaba por contrair matrimónio em segundas núpcias com Ivone da Silva Guerreiro Lima, natural de Lisboa, tendo o discreto evento tido lugar na capela do Palácio de Queluz.
A sua presença/influência no meio familiar sempre foi muito discreta, deixando para a companheira o papel principal nesse domínio. Sua filha Josélia refere: «As recordações mais felizes da minha infância prendem-se com o Natal. O pai estava mais perto de nós, ele fazia sempre um grande presépio e eu rabiscava num postal de correio, o que gostaria de receber como prendas no sapatinho. Depois, minha mãe colocava-lhe o endereço – Menino Jesus – Céu – e lá ia eu toda esperançada, depositar o postal no marco do correio. O dia de Natal pela manhã, era mágico! Tinha todas as prendas que pedira e ainda uma cartinha do Menino Jesus. Lembro-me como ficava emocionada com aquele tão grande privilégio. Mas com o tempo, fui notando que aquela letra era igualzinha à do pai, logo ele deveria ser santo… Só pelos meus nove anos, descobri por acaso sobre a sua secretária, uma daquelas cartinhas que estava a preparar para o próximo Natal. Foi para mim uma enorme decepção e a magia morreu ali.» É de referir que em 1969, ainda na vigência do Bispo D. Manuel, Amílcar foi convidado a abandonar a casa que mantinha alugada no Largo dos Prazeres propriedade do Cabido, para que esta servisse de residência a irmãs religiosas. Acontece que em 1961 ele se havia deslocado do apartamento sito na Praça do Ultramar, onde residia com a família, para responder à solicitação do então Bispo D. José e ir habitar o edifício do Largo dos Prazeres, com o objectivo de o tornar rentável à Diocese. Como o mesmo se encontrava contíguo à Igreja dos Prazeres e com acesso directo à mesma, o Amílcar foi na altura, o locatário de maior confiança para o prelado.
20
Após a sua aposentação em 1982, a vida de Amílcar parece ter ganho outra qualidade. Regressava finalmente a casa e repartia todo o seu tempo entre a Papelaria “CASA IDEAL” que detinha desde 1971, na Rua da Liberdade em Beja e o Jornal do Sul. Este pequeno comércio, teve como objectivo inicial a venda de artigos religiosos, o que rapidamente se revelou pouco viável, tendo Amílcar diversificado a oferta, progressivamente, para papelaria e perfumaria.
Ana Afonso Pacheco (primeira mulher).
Amilcar e Ana Pacheco antes do casamento.
1949
Amilcar casa-se em Fátima e vai residir para Moscavide.
21
Como sua mulher se ocupava integralmente da loja, ficava ele mais disponível para se dedicar à elaboração do seu jornal. Mas, em 1987, a má sorte bate-lhe de novo à porta. Sua dedicada companheira de tantos anos, adoece gravemente e em poucos meses vem a falecer. É nesse momento trágico da sua existência, que Amílcar enceta a penosa caminhada rumo ao seu fim. Serão onze anos muito sofridos. A solidão vai-lhe corroendo o espírito e a esperança de tempos mais felizes. O sentimento de abandono vai-se instalando progressivamente, apesar do apoio quotidiano e incondicional de sua filha Maria José.
Amilcar com a sua sobrinha Maria Cidália e filhas, na Primeira Ivove da Silva Guerreiro Lima (segunda mulher). Comunhão de Josélia.
1960
Amilcar fica viúvo e volta a casar.
22
Continua a abrir diariamente as portas da Papelaria que o ajuda a preencher o vazio dos seus dias. Pela fidelidade e respeito aos seus assinantes e colaboradores, prossegue a edição do jornal com a tenacidade e dedicação de sempre e com a periodicidade que lhe é possível, não obstante os grandes prejuízos financeiros que daí lhe advêm. Agora mais do que nunca, em jeito de confidência, vai derramando nas páginas do jornal, as suas recordações mais sentidas, o peso dos seus desaires e a aridez da sua vida. Ao longo do tempo, as dívidas avolumam-se e com elas, as suas ansiedades e preocupações. Mas devido ao seu temperamento reservado, não partilha com a família a verdadeira dimensão do seu problema. Com as crises asmáticas cada vez mais fortes e recorrentes, o seu corpo vai cedendo e a sua mente perde incentivo para lutar pela vida. Largou amarras deste mundo e terminou a sua expressão na Terra, em 23 de Fevereiro de 1999, aos oitenta anos, como havia predito. Por terem testemunhado em vida de seu pai o grande empenho em saldar os seus compromissos financeiros, com especial relevância para o débito referente à gráfica onde era impresso o Jornal do Sul, por ser o de maior monta, suas filhas decidiram realizar postumamente o seu desígnio. Assim, com a receita do trespasse da sua Papelaria e mais uma vez, com a grande generosidade de alguns dos seus leitores e amigos, no início do ano de 2000, todos os débitos de Amílcar estavam saldados e ele podia por fim, descansar em paz.
1987
Amilcar enviúva pela segunda vez.
VIDA SOCIAL E CÍVICA Discreto e de poucas falas, Amílcar era contudo muito atencioso e disponível para todos quantos com ele contactavam. Uma das suas características mais notórias era o pouco uso que dava à voz. Dir-se-ia que havia feito um voto de silêncio, especialmente perceptível no seio da sua família e que só por imperativo profissional ou social, o quebrava. Quando o questionavam sobre esse facto, respondia invariavelmente. “Quem não fala, não ofende”. Sempre privilegiava a escrita em detrimento do verbo, tendo por seu hábito encimar com uma cruz no canto superior esquerdo, todos os seus escritos. Outra particularidade do seu carácter, que sempre o acompanhou ao longo da vida, foi o facto de lhe ser extremamente difícil exteriorizar os seus sentimentos. Quiçá mercê de uma educação mais rígida, havia como que um pudor, que o impedia até de receber um beijo de saudação por parte das suas filhas, a que se esquivava como podia. A filha Maria da Conceição lembra: «O maior abraço que recebi do pai, foi-me dado com o olhar!» Essa faceta do seu temperamento, dissipou-se um pouco ao longo dos anos e muito graças à influência de sua segunda mulher. Sua filha Josélia recorda: «Estando a família a residir no 1º andar do edifício da Ala Esquerda, à Praça da República, muitas vezes na infância, a papelaria era o local predilecto para os meus passeios e brincadeiras diárias.
Um dia, com cerca de cinco anos de idade, entro na loja e vejo no escritório o meu pai a falar e a rir com alguns sacerdotes que frequentavam o local. Abri a boca de espanto e num minuto estava ao pé de minha mãe para lhe contar a grande novidade, – mãe, o pai não é mudo! Vi-o a falar e a rir com uns senhores padres.» Talvez estas características de pessoa reservada e discreta tenham contribuído para fazer dele um homem muito popular e estimado na sociedade bejense do seu tempo. Muitos escolhiam o Sr. Lagartinho, como era conhecido, para confidente, pois era um bom ouvinte e quando falava, era bom conselheiro e assertivo no seu discurso. Algumas suas amigas em entrevista afirmaram: «O Sr. Lagartinho foi um excelente ser humano e um excelente amigo. Apoiou-me muito moral e espiritualmente em momentos difíceis…» «Não sendo sacerdote sabia guardar tudo o que com ele falava. Tinha o dom de ajudar o próximo…» «Não sou capas de descrever o amigo que eu tinha e que perdi! Era como um irmão. Sentia-me tão feliz perto dele…» Foi também empenhado presidente da Junta de Freguesia de S. Tiago Maior, durante alguns anos, na década de 60. A exposição mediática por via do seu Jornal, fê-lo ganhar alguns inimigos, vicissitudes de quem se expõe à crítica social mas, na verdade, do mesmo modo, Amílcar granjeou muitas mais simpatias e amizades para a sua causa.
VERTENTE ESPIRITUAL Profundamente católico e muito dado à mística, Amílcar era também simpatizante das práticas Espíritas, deixando-se por vezes influenciar por elas na sua vida, especialmente por via do venerado Dr. José de Sousa Martins, em quem depositava muita confiança. Sempre que lhe era possível, visitava o seu túmulo em Alhandra. Alimentava grande devoção por algumas entidades do céu, como era o caso de Nª Sra. de Fátima, visitando cada ano e por mais que uma vez a Cova da Iria, onde prestava o seu apoio como Servita e pelo mesmo motivo, organizava peregrinações nos meses de Maio e Outubro, enquanto as forças lho permitiram. Não raras vezes proporcionava as viagens a pessoas com dificuldades financeiras, acabando ele por suportar todo o prejuízo. Outra sua predilecta, era a Sãozinha de Abrigada, por quem tinha especial devoção, tendo organizado algumas romagens ao seu túmulo e à casa onde ela vivia com seus pais e de quem Amílcar era amigo pessoal e com quem mantinha correspondência. A filha Maria da Conceição, lembra: «Sendo os meus pais grandes devotos da Sãozinha, quando chegou a hora do meu nascimento, o parto complicou-se e minha mãe foi hospitalizada para se submeter a uma cesariana. Naquele momento delicado, ela pediu a intervenção da santa e prometeu que, se tudo corresse bem e fosse menina, teria o seu nome e não o de Maria Antónia como previsto. O parto deu-se inesperadamente por via natural, no dia de Sto. António. As preces foram ouvidas e a promessa cumpriu-se».
Excursão organizada por Amilcar à Abrigada em Alenquer, ao Jazigo da “Sãosinha”, em 1956.
1998
São erguidas em Portugal 58 Cruzes Gloriosas, três das quais, na diocesse de Beja, promovidas por Amilcar.
27
Maria da Conceição Pimentel , a “Sãosinha”.
28
Dr. Sousa Martins
Em email recebido da Irmã carmelita Maria do Imaculado Coração, esta manifesta o seu contentamento pela perspectiva de uma exposição dedicada a Amílcar, por estas palavras: « Querida amiguinha Josélia: Quanto gostei de receber o teu mail. Certamente enviarás aos imensos amigos de teu pai, que terão muitíssimo prazer em conhecer a vida de quem tão generosamente a dedicou ao Senhor e aos irmãos. Também eu gostei imenso de conhecer coisas que ignorava e que o teu paizinho, por “amor ao silêncio”, guardava no seu coração, sofrendo ele só. Mas é este o caminho dos santos e eu sabia que embora ele não o dissesse, tinha de percorrer este caminho, pois foi o Caminho de Jesus. Os Seus Amigos seguem sempre este caminho, pois SEGUEM JESUS. Porém agora tudo isto é alegria, pois serviu ao teu paizinho de purificação nesta vida, para gozar mais depressa da plenitude da paz, alegria e felicidade junto de Deus. Sabemos que ele está na Paz, pois tanto amou a paz na Terra e os pacíficos são filhos de Deus. Deus da Paz.» Apesar das suas falhas humanas, Amílcar passou pela vida dando testemunho da sua fé e do muito empenho em seguir e divulgar a seu modo, os Caminhos de Deus. Para além destas 3 Cruzes de grandes dimensões, ele facultou ainda por via do seu jornal, a aquisição de cerca de uma centena de Cruzes Familiares. O jornal, sempre o jornal como fio condutor das suas iniciativas e acções. Era também por este meio que ele lembrava aos seus leitores a necessidade de ajudar as Irmãs Carmelitas que, na discrição da sua clausura no Carmelo do Sagrado Coração de Jesus em Beja, se mantêm das oferendas vindas do exterior. Foi exactamente no terreiro defronte ao referido Carmelo, que a primeira Cruz de 738 centímetros de altura e 123 centímetros de braços, foi implantada.
O AMIGO D. JOSÉ Não é possível falar de Amílcar, sem referir a grande amizade e admiração que ele nutria por D. José do Patrocínio Dias, bispo de Beja de 1922 a 1965. Figura incontornável na sua vida, não se sabe quando e em que circunstâncias se estabeleceu o contacto entre estas duas almas, pois já em 1951 Amílcar escrevera uma carta a este Bispo, participando-lhe a chegada da sua primogénita. O que é sabido, é que a veneranda admiração que ele nutria por esta ilustre personagem da sociedade bejense, o acompanhou por toda a sua vida, não se apagando sequer com o desaparecimento físico do prelado em 1965. Por tais circunstâncias, Amílcar sempre se mostrou disponível e muito honrado em servir o seu Bispo. Não raras vezes sacrificava o domingo com a família, para desempenhar o papel de motorista do Sr. D. José, nas suas visitas pastorais pelas vilas e aldeias da Diocese. Também dele recebia atenções muito particulares.
D. José do Patrocínio Dias.
Sua filha Josélia refere: «Lembro-me por diversas vezes na infância de acompanhar meu pai nas suas visitas privadas ao Sr. Bispo, no Paço Episcopal e de como me sentia tão pouco à vontade naquele ambiente solene e pesado. Em algumas ocasiões, também me levou a visitar as Irmãs Carmelitas, dentro do próprio Carmelo, privilégio que poucos homens tinham, exceptuando o Sr. Bispo ou algum sacerdote. Embora com pouca idade, tenho bem presente ter visitado uma exposição, pelo ano de 1957, numa dependência do Paço Episcopal. Este evento contou com a colaboração empenhada de meu pai. A temática da exposição baseava-se na actuação de D. José como Capelão das tropas portuguesas na Flandres, nos anos de 1916 a 1918, durante a primeira Guerra Mundial e intitulava-se, “D. José do Patrocínio Dias o Bispo Soldado”. Guardo ainda na retina aquelas imagens fortes da guerra, das fardas, das armas…» E refere ainda: «De cada vez que a família mudava de casa, o Sr. D. José fazia questão de ir pessoalmente benzer a nova habitação. Recordo perfeitamente uma das vezes que tal aconteceu. Era o ano de 1958 e nós havíamos trocado o edifício da “Ala Esquerda” pelo novo apartamento da Praça do Ultramar. O pai trouxe a imagem do Sagrado Coração de Jesus, que eu ainda hoje conservo, e foi ela que presidiu à cerimónia da bênção então realizada.»
31
Amílcar fazia questão de o invocar e celebrar em quase todos os números do seu jornal e através de estampas e de uma Imagem que ele próprio concebeu e fez construir. Atribuindo-lhe grandes favores espirituais e de ordem prática, este Bispo foi sem dúvida o seu pai espiritual, confidente, seu amigo e protector. No jornal, apelou também, durante décadas às autoridades municipais, para que fosse dado o nome de D. José do Patrocínio Dias, a uma rua de Beja e que uma estátua do mesmo, fosse erigida numa zona nobre da cidade, como justa homenagem devida àquele Bispo, pelas suas muitas benfeitorias em favor da Diocese. A rua já existe, mas ele não teve porem a felicidade de ver em vida o seu grande anseio concretizado.
Amilcar, no Parque Maria Luísa em Sevilha, a 10 de Maio de 1953.
O JORNAL-UMA MISSÃO A par da sua vida profissional, Amílcar sempre preservou o seu gosto pela escrita e conheceu várias vertentes dessa actividade, muito especialmente a partir de 1952, quando entrou para a gerência da Papelaria e Tipografia “Ala Esquerda”, onde entre outras coisas desempenhou o papel de redactor e revisor do jornal semanal da Diocese “Noticias de Beja”. Este semanário parece ter sido para ele, modelo inspirador, no aspecto gráfico, temático e ideológico, para mais tarde fundar o seu Jornal. Também manteve colaboração estreita com a imprensa da época, sendo correspondente dos jornais diários “A Voz”, “Novidades” e “O Século”. Foi também delegado da revista semanal “Flama”, a de maior prestígio por essa altura. Ainda entre 1960 e 1963, patrocinou uma revista, a “MENSAGEM PORTUGUESA”, que ele próprio editou e dirigiu. Ela surgiu num momento particularmente difícil da sua vida, a doença prolongada de sua 1ª mulher e teve como objectivo ajudar a superar as muitas despesas inerentes a tal situação. Nela deixou transparecer um pouco do seu estado de alma, partilhando com os leitores a tristeza pela perda da companheira, mas também a aceitação e a esperança, à luz da sua fé.
1952
A partir de 1950, Amilcar inicia colaboração com imprensa, nomeadamente com “A Voz”, “Novidades, “O Século” e “Flama”.
Assim, na revista de Abril de 1962, pode ler-se este excerto: «2º ANIVERSÁRIO!... O tempo passa, corre veloz, e hoje vemos entrar na nossa vida mais um ano. Será se Deus quiser um novo ano de trabalho, de expectativas, de canseiras, enfim, será mais um ano de actividades e outra coisa não desejamos, porque com a graça de Deus a vida é bela e sem ela nada somos, nada conseguimos, andamos mortos em vida e nós precisamos viver bem a vida, só assim cumpriremos a missão para que viemos ao mundo, preparar o melhor possível o dia de amanhã na eternidade. Este pensamento é para muita gente, como que uma loucura, mas quer queiram quer não, todos teremos o mesmo fim, embora infelizmente com destinos diferentes (…) Que Deus nos ajude!» Também nesta fase, Amílcar compôs alguns despretensiosos versos que publicou e atribuiu a sua filha mais velha e outros ainda como este, que lhe dedicou: «FILHA (NO TEU 11º ANIVERSÁRIO) Criou-te Deus, talvez, para que a vida Eu sentisse mais leve, menos dura. Na estrada tortuosa, nesta lida, Tu me compensas muita desventura. E criou-te aos meus olhos tão perfeita, Ou perfeitos meus olhos para te ver, Que às vezes pergunto: que tenho feito, Que fiz na terra para te merecer? Não vieram Reis Magos adorar-te, Nem pastorinhos glórias cantar-te, Como outrora em terras de Belém.
34
Cristo nasceu para remir o mundo. Tu vieste a este vale profundo P’ra levar almas para o bem!...»
Mas, para além da motivação inicial, a “Mensagem Portuguesa”, foi provavelmente o tubo de ensaio para a maior empresa jornalística da sua vida, pois nesse mesmo ano de 1963, com o apoio e incentivo do seu venerando patrono, o Sr. D. José, o primeiro número do “JORNAL DO SUL”, estava na rua, precisamente no dia 3 de Junho, data do aniversário da sagração episcopal do prelado seu amigo, em 1922. Assim, o concelho de Beja, ganhava mais um semanário e Amílcar tornava--se então e simultaneamente, seu editor, redactor, proprietário e pouco tempo depois, também seu director, cargo ocupado inicialmente pelo Sr. Padre Alfaiate Marvão. Introspectivo como era, foi por detrás da caneta que Amílcar se refugiou, utilizando-a como “arma” para a sua “batalha” das letras, fazendo delas a forma de expressão por excelência e do jornal o instrumento para nele exercer o seu apostolado da palavra escrita e o veículo para chegar onde pretendia. Não teve nunca no seu horizonte o intuito lucrativo referente a tal investimento. Com uma tiragem inicial de mil e quinhentos exemplares por número, indo aquela aumentando progressivamente, à medida que conquistava mais leitores no país e estrangeiro, junto das comunidades portuguesas, cedo se verificou o prejuízo financeiro, que ano após ano se ia acentuando. Através do seu jornal, Amílcar recolhia selos para as Missões e angariava fundos para as “Obras da Sãozinha”. Fazia também subscrições para acudir a pessoas carenciadas da região.
1952
A partir de 1950, Amilcar inicia colaboração com imprensa, nomeadamente com “A Voz”, “Novidades, “O Século” e “Flama”.
35
Os seus leitores, sempre corresponderam com grande generosidade, conseguindo assim pequenos milagres, tais como proporcionar uma cadeira de rodas a um jovem paralítico e angariar fundos para facultar a operação de um invisual em Barcelona. Esta última campanha intitulava-se: “Vamos dar vista a um cego”. Além das peregrinações, organizava ainda excursões de ordem cultural e recreativa, para satisfazer as solicitações dos seus assinantes e amigos. De cariz popular e em boa harmonia ideológica e de objectivos com o regime de então, este semanário lá foi fazendo o seu caminho, com maiores ou menores dificuldades financeiras mas também, com o inestimável apoio de toda a família e com inúmeras manifestações de apreço e incentivo por parte dos seus leitores e colaboradores. Sua filha Maria da Conceição recorda: «Nos meus 12 anos, lembro-me vivamente do ritual das quartas-feiras lá em casa. Era o dia da chegada do jornal da tipografia. Havia que dobrar os 1500 exemplares, por vezes com páginas intercalares. Que frete… Era tudo muito artesanal, nunca houve trabalho fora do seio da família. Enquanto nós as filhas, procedíamos à dobragem, o pai iniciava a cintagem, que consistia em fazer passar numa máquina manual, uma chapa de alumínio gravada, através de uma fita de impressão, ficando o jornal endereçado para expedição. Depois eram feitos maços atados com cordas que cada um de nós carregava nas duas mãos, protegidas por um lenço e o peso distribuído em conformidade com as idades. O pai, fazia para ele maços tão grandes que quase arrastavam pelo chão e que nós nem conseguíamos levantar. O percurso até aos CTT, era duro de fazer e mais ainda de repetir.
1960
Pouco depois edita “A Mensagem Portuguesa”.
36
O pai trabalhava por essa altura na “Ala Esquerda”. Não tinha carro. O primeiro foi adquirido em 1968 e passava o tempo a avariar, mas ainda assim, ia dando para levar os jornais até ao correio. Em Setembro de 1969 mudámos de casa, por desígnio do senhorio e foi no Natal desse ano que ele adquiriu a sua primeira máquina de escrever, portátil mas robusta. Isto conclui que todos os artigos do jornal até então, tinham sido por ele manuscritos. Pela mesma altura, o pai comprou um carro melhorzinho e o jornal passou a vir dobrado da tipografia. Que alivio!» Mais adiante, na viragem da História, ventos de mudança vieram agitar a existência do Jornal do Sul e do seu proprietário. Após o 25 de Abril de 1974, nos conturbados tempos do Gonçalvismo, o jornal foi suspenso, a tipografia onde era impresso foi incendiada e Amílcar sofreu uma pena de prisão arbitrária. Na madrugada do dia 11 de Março de 1975, sob a acusação de ter fornecido nomes de assinantes que constavam no ficheiro do seu jornal, para uma manifestação dita de direita e que se viria a designar por “Maioria Silenciosa”, permaneceu por cerca de um mês no estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz, em Grândola, juntamente com individualidades políticas, empresários ligados aos sectores agrícola e pecuário e também, de outras áreas sociais da região. Havia já alguns anos que Amílcar padecia de fortes crises de asma alérgica, motivo pelo qual não permaneceu mais tempo em reclusão, pois as autoridades prisionais temeram pela sua sobrevivência.
1963
Sai o nº 1 do “Jornal do Sul”
37 Cabeçalho inicial do “Jornal do Sul”.
Mas, contrariamente ao que era suposto, Amílcar não desistiu e ganhou redobrado ânimo para prosseguir firme e inabalável na sua verdade e nas suas convicções políticas e religiosas, fazendo da continuidade do semanário a sua causa que encarava como missão. Logo no ano seguinte a estes acontecimentos, o Jornal do Sul estava de volta aos seus leitores. Dando livre-trânsito a artigos de opinião acerca da Democracia e seus obreiros, Amílcar deu voz a colaboradores ligados ao clero e à sociedade civil e militar. Esta forma livre de escrita, audaciosa pela sua crítica por vezes severa e acutilante, se outro mérito não teve, foi por certo a prova de que o carimbo da censura pertencia já ao passado. Mais tarde, em 1980, na alvorada da integração de Portugal na CEE, foi o Jornal do Sul convidado a visitar a Sede da Comissão das Comunidades Europeias, juntamente com mais 15 colegas da Imprensa Regional, a fim de colherem informações in loco acerca da Comunidade Económica Europeia e futura integração de Portugal na mesma. Entre cerca de 400 jornais regionais então existentes no país, foi este semanário escolhido entre os primeiros, para esta visita, facto que deixou Amílcar muito confortado, pois via neste gesto, embora da parte de um organismo estrangeiro, o reconhecimento do seu esforço e dedicação à causa das letras.
1975
38
Amilcar é preso arbitrariamente por motivos políticos relacionados com o Jornal do Sul. Consequentemente, vai morar e trabalhar para o balcão de Quarteira.
Armindo Abreu (em representação do Diário de Notícias da Madeira) e Josélia, em representação do Jornal do Sul, na sede da Comunidade Económica Europeia (CEE) em Bruxelas, no ano de 1980.
Segundo cabeçalho do “Jornal do Sul”.
39
Delegou então na sua filha Josélia a tarefa de o representar naquela missão, partindo ela em Novembro desse ano rumo a Bruxelas, como redactora do Jornal do Sul. A empresa foi bem sucedida. Na efeméride dos seus 21 anos de existência, em 1984, podiam ler-se no jornal, estes pequenos excertos do artigo de fundo: «21 ANOS UM ANIVERSÁRIO QUE É PRECISO REPENSAR “O Jornal do Sul faz anos. Já é maior de idade”(…)”No desejo de ser útil a Deus e à Pátria, assentou praça no exército da imprensa e muito tem lutado e continuará a lutar na batalha das letras. As suas armas são a pena e a imaginação do escritor, o seu quartel a secretária, o campo de peleja o público, os adversários, as várias ideologias sócio-politicas”(…)”È português de raça, ama e defende a Pátria onde nasceu. Está na linha recta da história lusitana. A vida nem sempre lhe tem nadado em mar de rosas e alguns dos seus dias têm tido chuva.” Um amigo»
1980
O “Jornal do Sul” é convidado a visitar a sede da Comissão das Comunidades Europeias em Bruxelas.
40
«Um homem não chora! Chora, sim. Chora e sonha. Só assim redime a alma E reinventa o Futuro.» A. Bergano