Os homens não são todos iguais

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-Capítulo DoisYou used to be all that I had, now you're just not what I need Você era tudo o que eu tinha, agora é apenas o que eu não preciso.

ELE ESTAVA SENTADO NA PONTA DO BANCO. Quanta ironia da vida, o mesmo banco, na mesma praça abandonada, onde demos nosso primeiro beijo. Pode parecer pouco tempo para tanta mudança, mas dois anos atrás ele era apenas um garoto que usava aparelho colorido e jogava videogame até ás quatro da manhã. Chegava à sala de aula sempre atrasado e com o cabelo todo bagunçado, como se tivesse enfrentado um furacão no caminho para a escola. E mesmo assim, incrivelmente, ainda ficava lindo. Ele sempre fora lindo. Agora, ele jura que vendeu seus jogos e que usa a internet, única e exclusivamente, para estudar. O que, de fato, é verdade. Pelo menos com relação a internet. Os jogos eu nunca mais vi, mas algo me diz que ainda estão lá, só esperando um momento de fraqueza. Diego faz faculdade de Direito e, pode parecer mentira, mas ele estuda quatro horas por dia. O sonho dele é ser juiz. E ele não está medindo esforços para isso, quantas vezes deixamos de ir a algum lugar por que ele precisava estudar. Isso já virou quase uma religião. Ele me deixou sozinha demais. E esse tempo todo comigo mesma me fez parar para pensar que, talvez, ele não faça mais tanta falta assim. Um medo percorre meu corpo quando ele levanta o rosto ao notar que me aproximo de onde está. Seus cabelos castanhos estão mais bonitos do que de costume e eu sorrio ao observar como eles caem sobre seus olhos verde-musgo. Não consigo medir o quanto sinto muito por isso, mas não estamos mais dando certo. _Tudo bem com você? – Ele pergunta se levantando.


Meneio a cabeça em sinal positivo e me sento na ponta do banco. Ele fica parado por um tempo, apenas olhando para os pés, depois vem andando bem devagar e senta-se novamente, no mesmo lugar de antes. Fico um tempo olhando para a lua e ele acompanha meu olhar. _Você vai me dizer o que está acontecendo? Abaixo os olhos no mesmo nível que os seus. Encaro seu olhar e os milhares de pontinhos dourados que cercam suas pupilas dilatadas. No fundo ele já sabe o que está acontecendo, mas precisa ouvir da minha boca. _Você deve imaginar. Ele junta as sobrancelhas e engole em seco. Percebo o leve tremor em suas mãos, ele as aperta contra o jeans desbotado e encara seu tênis branco. _Só diz, está bem? Não jogue assim comigo... – Sua voz agora é um sussurro rasgado pelo ar – Por favor... Abaixo a cabeça, mas ainda consigo visualizar a sombra em seu rosto, me observando de canto. Quando olho para ele, seu olhar cruza o meu com um sentimento de tristeza que me parte o coração. Diego é a melhor pessoa que eu já conheci. Totalmente honesto e dedicado. Ele é o homem que muitas vezes pedi para que aparecesse na minha vida. Então por que agora eu o quero tão longe de mim? _Eu vou para a Argentina. - A frase soa mais direta e fria do que eu esperava e ele leva um baque. Ele endireita a coluna e abre levemente os lábios. Pensa um pouco e eu apenas fico observando a sua reação lenta e pensativa. _Por quanto tempo? _Um ano. Ele balança os pés e olha para o lado oposto ao meu.


_Não posso te esperar por tanto tempo assim... – Então ele olha para mim e meneia a cabeça negativamente. – Você sabe que é difícil... _Nunca pediria isso para você. _Então... Acaba aqui? Uma dor pungente inunda meu coração e todas as fibras que me sustentam. Olho bem dentro de seus olhos brilhantes e sinto que poderia morrer agora mesmo. Tenho vontade de pular em seu pescoço e abraça-lo como antigamente. Dizer que ele é o homem mais adorável e perfeito da face da terra, mas perfeição, ás vezes, não é o que realmente importa. Queria muito voltar ao começo de tudo, quando ainda era simples. Quando era apenas sobre nós dois. Mas nossos destinos tomaram outros rumos e, infelizmente, eles não se cruzam mais. Não me imagino mais ao lado dele, ele se tornou uma incógnita na minha vida. Uma parte que não faz mais sentido, uma peça errada. _É tão difícil ouvir isso. _Ninguém disse que seria fácil... E eu nunca pensei que estaríamos aqui... Dessa forma. _Por quê? – Ele pergunta de repente, mas antes que eu responda, ele completa – Por que está acabando? Tento ao máximo não ser subjetiva pelo menos uma vez na minha vida. Diego merece uma resposta concreta, depois de tudo o que passamos, ele merece. Não foi uma vida, nem nada, mas dedicamos dois anos um ao outro. O desgaste de um relacionamento é inevitável e o nosso veio rápido e duro demais. Nossas prioridades ficaram acima dos nossos sentimentos e, quanto mais essa linha se estende, mais difícil é voltar ao início. Chegamos a um ponto que não tem mais volta, não tem mais solução. Isso é fato. Essa é a verdade. _Não sou a mesma.


_E eu também não sou. Mas as pessoas mudam e isso é inevitável. – Ele pausa e pensa, formulando uma pergunta que soa lenta e dolorosa - Eu não sirvo mais para você, é isso? _Não fala assim... – Tento me aproximar, mas ele recua. _Então me responda! Seja clara, Laura... Eu só quero uma resposta. Estamos andando em círculos. Definitivamente estamos, como sempre, tentando ligar os pontos. Mas não há mais pontos para se ligar. É o fim. _Olha... Não é sobre você... É sobre o que nos tornamos... _Sem essa... – Ele gira os ombros e se levanta. _É verdade... Temos outros sonhos e eles não se encaixam... Eu quero ir para a Argentina, você tem um futuro promissor... _Você vai terminar comigo só por causa de uma viagem? Fungo e me levanto também. Paro bem em frente a ele. _Esse é o problema Diego... “Só”... As minhas coisas sempre são tão insignificantes para você. Você age como se o seu sonho fosse o único... Só por ele que vale a pena lutar e abrir mão de tantas coisas... _Você sabe que isso não é verdade. _É verdade e para de fingir que não sabe que é... É a única verdade aqui. Você já parou para pensar na quantidade de tempo e energia que eu gastei tentando entender o porquê estava tão sozinha quando eu tinha um namorado que deveria me dar atenção? Está claro que seus estudos são o mais importante agora. _Você é importante. _Não o suficiente para que eu fique. Não tão importante que te faça esquecer os seus estudos, mesmo que por um dia inteiro. _Você só está vendo o seu lado na história.


_Pela primeira vez eu estou vendo o meu lado. Por que a única coisa que eu fiz nesses dois anos foi pensar na sua vida e no seu futuro. E quanto a mim? E o meu futuro? _Eu pensei que o seu futuro fosse ao meu lado. – Ele se rende, os braços caem ao lado do corpo e seu olhar perfura meu coração com tanta força, que eu não consigo conter as lágrimas. – Me desculpa. Ele se aproxima. Seu rosto muito próximo do meu. Tenta me beijar, mas eu viro o rosto e seus lábios quentes tocam minha bochecha molhada. Ele suspira na altura da minha franja e prende a respiração por um segundo, depois encosta sua testa na minha, os braços ao redor do meu corpo. _Me desculpa – Ele repete quase num sussurro – Estou sendo egoísta. Eu te amo Laura... O suficiente para saber que não é comigo que você vai ser feliz. Não consigo dizer nada, permaneço em silêncio. Uma chuva fina começa a cair, mas ainda estamos no meio da praça. E sinto como se as gotas que pingam em meu corpo pudessem apagar todas as mágoas, mas alguém vai sair com o coração quebrado. E não serei eu, ele está tentando ser forte, mas eu sei que no fundo, ele está desabando. _Uma pena estarmos nos separando. – Ele diz por fim e se afasta. Pega o capacete que está no chão e vai até a moto. Ele não diz mais nada, nem olha mais para mim. Apenas acelera e desaparece numa curva. Continuo ali, tentando digerir tudo o que aconteceu. Tentando me mover, mas meus pés estão grudados no chão. Rupturas sempre são difíceis, mas são necessárias. A CAMPANHIA TOCA UMA, DUA, TRÊS VEZES. Bato os pés enquanto espero que ele dê sinal de vida. Ligo no seu celular, mas dá caixa postal.


Se ele soubesse o quanto odeio isso, ando pelo corredor até o elevador, mas quando estou com o dedo pronto para apertar o botão, sua porta se abre num baque. Dou um salto para trás com o susto. Ele está de cueca Box vermelha, segurando uma garrafa de vodka pela metade. Ele me vê e grita meu nome, apenas ando até ele. Se eu não o conhecesse, acharia muita falta de vergonha em sua cara, pois ele desfila seu corpo perfeito e, quase descoberto, pelo corredor. Olho para todos os lados para ter a certeza de que ninguém está vendo essa cena promíscua. Olho no relógio. _Meio tarde para beber, não acha? Não suporto cheiro de bebida, me causa enjoo e dor de cabeça. Sem falar que, normal eu sou chata. Bêbada é quase insuportável e surreal. _Nunca é tarde para beber. – Ele diz tomando um gole – Nem para fazer sexo. Balanço a cabeça, ele sorri. Fecho e abro os olhos em sinal de incredulidade. Passo por ele, enquanto ele se estica para me dar um beijo na bochecha. Entro na sala e, enquanto ele fecha a porta, olho para ele de cima a baixo. Ele fica estático e abre os braços com uma leve interrogação no rosto. _O que foi? _Por que você está de cueca? _Por quê? – Sorri maliciosamente e arqueia a sobrancelha grossa e escura - Prefere sem? _Estou falando sério. – Sento-me no sofá cheio de almofadas que está extremamente quente. _E por que você está encharcada?


_Não sei se percebeu... Mas está chovendo! E você não me respondeu... – Apoio meus cotovelos nos joelhos e sustento a cabeça nas palmas das mãos. Ele se senta ao meu lado, caindo desengonçado no meio das almofadas enormes. Sua cabeça inclinada para trás, sustentada apenas pela borda superior do sofá bege de chenille. Eu fico sempre impressionada pelo estilo clean do apartamento dele, e para ser bem sincera - muito grande para uma pessoa só. Tudo ou é muito branco, ou muito bege e sempre tem algum objeto escuro, de bom gosto, tipo a estátua do deus Dionísio, feita de Ónix, que fica na sua estante reta e comprida. E bege. A sala dele é ampla, a cozinha é a metade. Sei que tem um quarto e um closed, mas nunca passei do corredor que liga a sala até lá. Um quarto, Felipe e Vodka sempre dão problemas. Não é que eu não confie nele, eu confio... Quando ele está lúcido e de roupas. _Estou com calor... - Ele diz baixo. Olho para os lados e inclino a cabeça para observar a cozinha e o longo corredor. Ouço um ruído estranho. _Tem alguém aqui com você? _Não. – Ele olha para mim e um ar súbito de curiosidade preenche seu olhar negro – E o namorado? Arregalo os olhos e suspiro. _Nossa... Tinha me esquecido. Era sobre isso que eu queria falar com você, mas é tenso te ver de cueca vermelha... Ele sorri e pisca os grandes cílios longos. Inclino a cabeça para o lado e aperto os olhos levemente. _Tem como você colocar uma roupa? Ele faz careta e coloca a garrafa na mesinha de centro. _Até parece que você nunca me viu de cueca...


_Já. E ainda continua tenso... Ele sorri demorado e olha para mim. Meu rosto pega fogo e ele sabe o que está fazendo, por que continua com o sorriso. _Por quê? _Só coloca uma roupa, tudo bem? Ele sorri abertamente. _Tudo bem? – Repito com mais convicção. _Ok... baixinha... Já volto e quero saber o que aconteceu com seu namorado. Ele sai e escuto outro ruído, muito parecido com o primeiro, porém mais alto. _Ex... - Sussurro a mim mesma enquanto espero. Focalizo a TV enorme. Ele volta dois minutos depois vestindo apenas uma bermuda jeans, mesmo estando sem camisa, fica mais fácil conversar com ele. Ele vai até a cozinha e grita de lá, enquanto prepara alguma coisa. _E então? O que aconteceu? Giro o tronco na direção de onde vem sua voz e apoio a lateral do meu corpo no encosto do sofá. _Acabou... _Acabou? Como assim? – O ouço mexendo na geladeira – Está com sede? Quer um suco? _Um suco está bom... Mas, voltando ao assunto... Acabou mesmo, definitivamente. Já estava mais do que na hora... Ele veio da cozinha trazendo um copo com suco, estendi a mão para pegar e ele sentou-se novamente ao meu lado, virei meu corpo em sua direção e sentei em cima de uma das pernas. _E o que ele falou?


_Ele tentou arrumar um motivo... _Mas você tinha um motivo. _Não era um motivo para ele... _Nunca é. Suspiro. Ele toca em meu braço para que eu olhe em sua direção. -Ele vai superar... E você como está? _Não sei... – Balanço os pés e olho para baixo, depois para Felipe – Ele disse que me ama. Ele nunca havia dito isso... _Isso foi por causa da pressão. Ameaço dizer algo, mas ele me corta antes que algum som saia da minha boca. _Entenda uma coisa... Quando um homem te ama, ele não fala... Ele prova. Meus lábios estão levemente abertos e eu fico estática olhando em sua direção. Ele passa a mão perto da sua nuca, coçando o cabelo raspado e cor de noz. Felipe e suas teorias, confesso que adoro e que, muitas vezes, ele realmente está certo. Fico pensando no que Diego fez para provar que me ama, não muito. Mais uma vez na noite, tenho a certeza de que fiz a coisa certa, mesmo estando com o coração doendo. _Ele já provou? _Não. – Respondo, mesmo que ele já saiba a resposta. _Então você fez a coisa certa. Sorrio. Sua expressão é de que não entendeu o sorriso, ele se levanta e vai até a cozinha, coloca a garrafa na geladeira e eu ouço um ruído de água caindo. _Você tem razão. – Digo me levantando – Sabe que... – Mas uma voz se mistura a minha, sobejando-a. _Felipe... Você não vem para a cama?


Ela para de súbito e eu viro meu rosto na direção do corredor. Está apenas vestindo uma camiseta xadrez que vai até quase a metade de sua coxa. Os cabelos longos e loiros estão bagunçados e ela coça os olhos com uma expressão evidente de sono. Felipe aparece na porta da cozinha com uma expressão de desconforto e constrangimento. Não consigo me mover e quando percebo, o fundo do copo bate no chão, num baque lento e esguicha suco para todos os lados. Olho para Felipe, depois para ela. Felipe começa a balbuciar algo, mas minha voz soa rasgada e trêmula. _Geanne?


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