Os homens não são todos iguais

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Título: Os homens não são todos iguais

Por: Analú Ricardo

REVISADO EM: JANEIRO - 2013


-Para meu pai, minha m達e e meu irm達o.


Por que em cada pedaço de mim, Sempre haverá um pedaço de você. -Diário de uma paixão, N. Sparks.


NINGUÉM DISSE QUE SERIA FÁCIL. A vida não é para ser fácil e compreensível. Só é feita para viver, da forma mais autêntica que pudermos. Na realidade, lutamos sempre para enxergar sinais, tentamos

montar

quebra-cabeças,

ligar

os

números. Vivemos num mundo de adivinhações, decifrando o que dorme atrás dos sorrisos, o que diz um olhar. Predizemos atitudes perfeitas, esquecemos com frequência que o ser humano é feito de pedaços perdidos, de peças erradamente colocadas. No fim, só estamos constantemente e, muitas vezes, inconscientemente, buscando as partes que nos montam neste universo infinito. -Analú Ricardo.


-Capítulo UmI'm awake, but my world is half asleep Eu estou acordada, mas meu mundo está adormecido.

EU SÓ QUERIA VOLTAR PARA CASA. Já tenho dezenove anos e estou a poucos meses de completar vinte, o que não vejo a hora, mesmo sabendo que pouca coisa irá mudar. É como quando tinha dezessete anos e ansiava ardentemente por meus tão sonhados dezoito. Adolescentes em crescimento sempre possuem essa vaga ideia de vida, como se dezoito anos fosse um passaporte para a liberdade. Mas as coisas não funcionam dessa maneira. E eu sei, muito embora não queira acreditar, que os vinte serão tão entediantes quanto os anos anteriores da minha vida. E conforme os dias passam e a data do meu aniversário se aproxima, uma angústia revira meu estômago. É sempre a mesma coisa, como as ceias de Natal ou o carnaval na chácara do meu avô, sempre as mesmas pessoas chatas e as conversas que eu já decorei. Sempre os mesmo votos, o que acho muito falso e cheio de floreios. A verdade é que eu sou uma pessoa objetiva demais, detesto ter que adivinhar as coisas, principalmente o que as pessoas estão pensando, isso me entendia com muita facilidade. Eu gosto de coisas claras. E isso é um dos inúmeros defeitos que eu odeio em Felipe, meu melhor amigo desde que me mudei para essa cidade. Felipe tem vinte seis anos, nos conhecemos na fila do cinema enquanto eu batia impacientemente meus pés esperando a sessão ser liberada. Ele já havia passado daquela fase e me lembro de que achava muito engraçado a forma como eu era ávida. Tudo tinha que acontecer ao meu tempo ou não seria bom o suficiente. Eu tinha quinze anos, usava


tinta colorida no cabelo e pintava as unhas de preto, muito embora estivesse usando uniforme naquele dia, não me parecia nada com as minhas amigas de classe, tinha opinião própria. Eu era diferente. _Ter quinze anos é uma droga! – Mordi a ponta do canudo que estava mergulhado numa lata de refrigerante. _As coisas não melhoram aos vinte e dois. – Ele replicou segurando a jaqueta acima dos ombros. E desde então as conversas sempre fluíram muito bem. Agora já não sou mais uma adolescente, eu acho, e nós dois trabalhamos juntos num escritório de contabilidade. Felipe está sentado do outro lado da sala, enquanto eu bato a ponta do meu lápis na borda da minha mesa lotada de papéis. O computador a minha frente não diz muita coisa e minha alienação começa a tomar proporções enormes, tanto que nem percebo quando Felipe se aproxima e diz algo. Ele estala os dedos na altura dos meus olhos e começa a rir da minha expressão assustada quando olho para ele. _Já te falei que detesto isso. _O que você tem? Pensando na vida outra vez? _Ainda não me mandaram uma resposta. –Apoiei os cotovelos na mesa e inclinei a cabeça. Dois meses atrás, no início de Fevereiro, eu mandei um e-mail para uma agência de intercâmbios. Viajar para a Argentina sempre foi um sonho adolescente. Quando a ideia surgiu, minha mãe não deixou de forma alguma que eu fosse, mas agora é diferente, ela ainda não quer


que eu vá, mas já tenho quase vinte anos e um trabalho que me dá a possibilidade de pagar a viagem. Talvez ela entenda melhor a situação agora, nunca realizei nada de que tivesse vontade. Sempre fiz o que todo mundo deve fazer: estudar, trabalhar e sonhar com um futuro normal. Felipe aproximou-se do computador e checou a caixa de mensagens do meu e-mail. Suspirei. _Calma. É um processo demorado. _Talvez não dê certo mesmo... _Você é muito pessimista... – Ele puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado – Então seus pais concordaram? Meneei a cabeça em sinal positivo. _Com tudo? _Com tudo. –Repeti sem muita animação. Fechei a página da internet antes que meu chefe aparecesse e não demorou muito para isso acontecer. O Senhor Carlos é o tipo que anda por todos os cantos do escritório, checando todas as mesas e sempre está á par das fofocas que se espalham por aqui. Ele parou de súbito atrás do Felipe e pigarreou forte, olhamos num mesmo movimento. _Seria bom se vocês gastassem as oito horas que eu pago... Trabalhando... O que acham? Enquanto Felipe se dirigia a sua mesa, comecei a recolher os papéis que estavam espalhados, o Senhor Carlos ainda olhou uma última vez por cima dos ombros para ter a certeza de que estávamos trabalhando,


bem longe um do outro. Quando ele ultrapassou a porta de sua sala, Geanne começou a rir do lado oposto a minha mesa. Conheci Geanne nas aulas de Espanhol, na escola que fica a dois quarteirões do escritório. Eu sempre tive muita facilidade em fazer amigos e das formas mais improváveis. Com Geanne, a amizade começou quando ela pediu uma caneta emprestada, depois disso, não paramos mais de nos falar. Geanne tem vinte e cinco anos e é formada em Ciências Contábeis, conseguiu um estágio para mim assim que soube que eu tinha passado no curso de administração. Terminei o colegial e decidi fazer o curso, mas minha infelicidade é evidente. Todo mundo que me conhece sabe que não é isso o que eu quero. O meu sonho maior é conhecer a Argentina e estudar espanhol. É fato que sempre gostei mais da minha parte multicultural e criativa, nunca fui uma pessoa ligada a números e probabilidades. Perto do fim do expediente, Geanne apareceu do meu lado com uma xícara de café. _Você é muito cruel, sabia? Ela sorriu e soprou a fumacinha espessa que saía pela borda de porcelana. Meu chefe é tudo, menos pão duro, gasta mesmo. Ele está certo, se eu tivesse a metade do dinheiro que ele tem, gastaria muito mais. O escritório é moderno, as paredes brancas contrastam com o piso de porcelanato preto diariamente lustrado. As mesas são iguais, de madeira maciça, com grandes e espalhafatosas cadeiras giratórias. E há espelhos por todos os cantos, gigantescos e minimamente limpos. E tudo por aqui é aos montes. Tem gente demais. Papéis demais. E


números demais. Sem contar no barulho, uma correria sem fim. Eu cuido da parte das contas a receber. Felipe e Geanne tomam conta de toda a parte contratual das empresas que procuram nossos serviços. É muita burocracia e, na maioria das vezes, muita dor de cabeça. Eu não gosto do meu serviço, a única coisa boa aqui é Felipe e sua conversa fiada. E Geanne, claro, com suas fofocas quentinhas. Ajeitei minha mesa, faltavam alguns minutos antes de bater o ponto. Fechei minha planilha de contas e desliguei o computador. Subi um pouco a manga abotoada da minha camisa para olhar no relógio. Ainda dava tempo de um cafezinho. Fui até a cozinha, que fica logo ao lado da minha mesa, Felipe estava lá, com o cóccix apoiado no granito da pia. Desviou os olhos da xícara ao me ver entrando e ajeitou a coluna. _É... Baixinha... A vida é dura para quem nasceu pobre. Sorri. Felipe não é pobre, para falar a verdade, só não posso chamá-lo de filho de papai porque ele se sustenta. Formou-se em Economia, trabalha para bancar suas noites em boates e bares e tem seu próprio apartamento. _Realmente não sei por que você ainda trabalha. Você tem dinheiro. – Despejo um pouco de café numa xícara enorme de porcelana. Ele meneia a cabeça em sinal negativo e chega mais perto de mim. _Não mesmo, meu pai é rico. Se eu deixar de trabalhar, vou ter que morar debaixo da ponte. _Até parece que o seu pai não te ajudaria. – Arqueio a sobrancelha.


Ele sorri e estala a língua. _Você não conhece o cara. _Agora... Se eu deixar de trabalhar, aí sim meu mundo desaba. _Seus pais vão bancar o seu ano na Argentina. _Isso se der certo... _Vai dar sim... _Não gosto da ideia de parar de trabalhar. Felipe me olha intrigado. _Está brincando? É perfeito! Imagina... Será como férias de um ano! _Com certeza. – Digo com sarcasmo. _Para com isso! _Com o que? Ele chega perto e encosta seu braço no meu, depois coloca a xícara na pia e me olha sorrindo. _De ser pessimista... Meu Deus! _Você não entende... _Claro que entendo. Calma, muita calma... A viagem ainda não deu certo, mas vai dar. E você não vai precisar arrumar um emprego lá porque seus pais vão bancar sua viagem, tenho certeza...


Enquanto ele fala, apenas meneio a cabeça em sinal positivo, com um sorriso inexpressivo nos lábios. Ele aperta os olhos, pois sabe que nesse instante sou pura ironia. _E para de balançar a cabeça... Você sabe que é a mais pura verdade. E... Em último caso, se você precisar de dinheiro... Na Argentina tem muitos barzinhos com mesas redondas para você dançar em cima... Começo a rir baixinho e ele me puxa pelo braço fazendo com que seus braços se encaixem ao meu redor, num abraço apertado. Ele adora me apertar, principalmente nas bochechas. _Se eu depender da dança para sobreviver, estou muito perdida... _E ainda resta a prostituição. – Ele diz soltando-me. Dou um cutucão na lateral de sua barriga, ele recua e começa a gargalhar. _Muito engraçado. – Digo silabicamente. SETE HORAS EM PONTO. Minha casa está um silêncio absoluto, jogo as chaves da moto na mesa e vou até o meu quarto. O ursinho de pelúcia branco e desnudo olha-me com desconfiança ainda sentado, a mais ou menos quatro dias, na mesma estante onde eu guardo alguns livros. Além dos meus exemplares preferidos, o pequeno móvel de mogno que meu avô fez para mim no meu aniversário de sete anos, expõe alguns objetos de que eu gosto muito. Sempre digo que aquela estante é meu cantinho das lembranças, não é a toa que o urso está lá. E também a carta, que deixei dobrada debaixo da caixinha de fotos bordada de laços grenás. Poucas e seletas fotografias de momentos inesquecíveis,


ali têm amigos, família, sentimentos. Pego a caixa e sento-me na cama colocando ela ao lado. Passo a mão pela tampa com receio e um suspiro rasga-se pelo ar, qualquer lembrança dele me golpeia bem em cheio. Penso em parar por ali aquela sessão nostálgica, mas continuo com um sentimento de mágoa que me inunda. Diego é meu namorado desde o último ano do colégio, ou seja, dois anos de um relacionamento muito complicado. Na maior parte do tempo, tenho a sensação de que ele não é o homem certo para mim, muito embora uma parte minha insista em acreditar que ele é. Ele está me magoando dia após dia e nossa convivência nunca ficou tão difícil. Minha cabeça gira com a ideia de que talvez seja melhor seguir adiante. Imagino uma frase em meus pensamentos e repito a mim mesma todas as vezes que o encontro. Se a viagem der certo, irei terminar. Meu coração palpita forte com esse pensamento. Já pensei muitas vezes em terminar com Diego, mas nunca tive coragem suficiente para isso. Uma vez, Felipe - o maior galinha da face da terra - me disse que isso é uma atitude egoísta, estar com Diego, mas com o pensamento constante em deixá-lo. _Então por que você simplesmente não termina? – Felipe me perguntou enquanto se divertia com o seu sorvete misto. _É complicado. _Não é complicado... Se ele não te faz feliz, termina... Só isso! Você que está querendo complicar as coisas... _Você não entende.


-Ah... Eu entendo sim… Você está com o cara, mas o pensamento vive desprezando-o. Faço uma expressão de espanto. Desprezando-o? _Não adianta fazer essa cara. É isso mesmo que você ouviu... Sabe qual é o seu medo? – Ele pausa, esperando que eu dê sinal para que ele responda. Meneio a cabeça. _Você tem medo de ficar sozinha. _Não tenho não, está muito enganado e... E não estou desprezando-o... – Dou de ombros - Olha só quem fala... Você faz isso com todas as mulheres com quem fica. Ele me olha de baixo e, depois de alguns segundos de silêncio, diz com total convicção. A voz soa grave, da maneira como geralmente soa quando ele pensa demais num argumento muito bom. _Sim. Mas eu não fico com elas... É uma noite, no máximo duas, e só... Depois é seguir adiante e deixar o caminho livre para que elas encontrem alguém que as mereça. _Você não presta Felipe. Ele sorri debochado e dá de ombros, dando uma lambidinha no sorvete. _Eu sei. – Uma pausa - E elas também. Felipe tem razão. Por mais que eu diga o quanto ele não presta com as mulheres, ele tem mesmo razão. Não estou dizendo que é racional da parte dele ficar enganando as mulheres como ele faz. Mas por outro


lado, elas sabem como ele é. Se elas ficam com ele, sabem que não verão ele pela manhã. E que ele não irá ligar. Felipe é homem de uma noite só. E ele sabe ser feliz assim. Penso na conversa que tivemos na sorveteria e acho que está mais do que na hora de tomar uma decisão. Vou até meu guarda-roupa e vasculho minha bolsa tiracolo. Encontro o celular no fundo dela, preso entre algumas folhas de anotações. O pego, meio tremendo, ele atende e minha voz teima em não sair. Quando sai é um misto de medo e certeza. _Precisamos conversar.


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