Poesia de Eugénio de Andrade

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Poesia de EugĂŠnio de Andrade

Duplo Retrato, Jorge Ulisses, 1980


Poesia de Eugénio de Andrade

Compilação Ana Carvalho

«Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta.» Eugénio de Andrade

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Poesia de Eugénio de Andrade

Compilação Ana Carvalho

Índice

O Sorriso ------------------------------------------------------------------------------------------ 4 As palavras ---------------------------------------------------------------------------------------- 5 Frésias ---------------------------------------------------------------------------------------------- 6 O Silêncio ------------------------------------------------------------------------------------------ 7 Rosa do mundo ----------------------------------------------------------------------------------- 8 O desejo -------------------------------------------------------------------------------------------- 9 Arte dos versos ----------------------------------------------------------------------------------10 As primeiras Chuvas -------------------------------------------------------------------------- 11 Poema à mãe ------------------------------------------------------------------------------------ 12 Ficha Técnica ----------------------------------------------------------------------------------- 13

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Poesia de Eugénio de Andrade

Compilação Ana Carvalho

O SORRISO Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso. (O OUTRO NOME DA TERRA)

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Poesia de Eugénio de Andrade

Compilação Ana Carvalho

AS PALAVRAS São como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam; barcos ou beijos, as águas estremecem. Desamparadas, inocentes, leves. Tecidas são de luz e são a noite. E mesmo pálidas verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras? (CORAÇÃO DO DIA)

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Poesia de Eugénio de Andrade

Compilação Ana Carvalho

FRÉSIAS Uma pátria tem algum sentido quando é a boca que nos beija a falar dela, a trazer nas suas sílabas o trigo, as cigarras, a vibração da alma ou do corpo ou do ar, ou a luz que irrompe pela casa com as frésias e torna, amigo, o coração tão leve. (RENTE AO DIZER)

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Compilação Ana Carvalho

O SILÊNCIO Quando a ternura parece já do seu ofício fatigada, e o sono, a mais incerta barca, inda demora, quando azuis irrompem os teus olhos e procuram nos meus navegação segura, é que eu te falo das palavras desamparadas e desertas, pelo silêncio fascinadas. (OBSCURO DOMÍNIO)

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Poesia de Eugénio de Andrade

Compilação Ana Carvalho

ROSA DO MUNDO Rosa. Rosa do mundo. Queimada. Suja de tanta palavra. Primeiro orvalho sobre o rosto. Que foi pétala a pétala lenço de soluços. Obscena rosa. Repartida. Amada. Boca ferida, sopro de ninguém. Quase nada. (O OUTRO NOME DA TERRA)

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Compilação Ana Carvalho

O DESEJO O desejo, o aéreo e luminoso e magoado desejo latia ainda; não sei bem em que lugar do corpo em declínio mas latia; bastava abrir os olhos para ouvir o nasalado ardor da sua voz: era a manhã trepando às dunas, era o céu de cal onde o sul começa, era por fim o mar à porta - o mar, o mar, pois só o mar cantava assim. (O OUTRO NOME DA TERRA)

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ARTE DOS VERSOS Toda a ciência está aqui, na maneira como esta mulher dos arredores de Cantão, ou dos campos de Alpedrinha, rega quatro ou cinco leiras de couves: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração. Assim se faz o poema. (RENTE AO DIZER)

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Compilação Ana Carvalho

AS PRIMEIRAS CHUVAS As primeiras chuvas estavam tão perto de ser música que esquecemos que o verão acabara: uma súbita alegria, súbita e bárbara, subia e coroava a terra de água, e deus, que tanto demorara, ardia no coração da palavra. (RENTE AO DIZER)

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Compilação Ana Carvalho

POEMA À MÃE No mais fundo de ti, eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou o menino adormecido no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo são duras, mãe, e o nosso amor é infeliz.

ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura;

Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração

ainda ouço a tua voz: Era uma vez uma princesa

no retrato da moldura.

no meio de um laranjal…

Se soubesses como ainda amo as rosas,

Mas – tu sabes – a noite é enorme,

talvez não enchesses as horas de pesadelos.

e todo o meu corpo cresceu. Eu saí da moldura,

Mas tu esqueceste muita coisa;

dei às aves os meus olhos a beber.

esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu, e até o meu coração ficou enorme, mãe! Olha – queres ouvir-me? –

Não me esqueci de nada, mãe. Guardo a tua voz dentro de mim. E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos;

(Os Amantes sem Dinheiro)

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Poesia de Eugénio de Andrade

Compilação Ana Carvalho

Ficha Técnica Compilação de poemas: Ana Carvalho Ilustração dos poemas: Ana Carvalho (imagens do Google) Capa: Ana Carvalho (ilustração Duplo Retrato, Jorge Ulisses, 1980) Contracapa: Ana Carvalho (adaptação de um texto de Sylvia Beirute)

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Compilação Ana Carvalho

A palavra e o silêncio A obra poética de Eugénio de Andrade é lida a partir de uma participação intensiva do sujeito que a expressa, do esgotamento progressivo dos gestos, da racional incompreensão da disciplina do mundo. É uma poesia emocional nos seus elementos mais catalisadores, sendo que o poeta cria por vezes as condições para que haja uma instalação da ausência, da saudade, do lamento e desassossego, guiando por aí o seu fôlego, a sua interferência mais heterodoxa e intervenção mais inquietante. Há no poeta Eugénio de Andrade uma interessante dicotomia entre palavra e silêncio, sendo que aquela se apresenta, face ao todo do corpo poético, como uma peculiar forma de silêncio. A palavra é como que um recorte do silêncio eterno, a cauda de um arquipélago que se afasta no mar parado de uma vida. Ana Carvalho (adaptação de um texto de Sylvia Beirute)

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