FORMAÇÃO DE CIDADES NO BRASIL COLONIAL - PAULO SANTOS
ADÊMICOS: ANA ANDRETTA FELLIPE COELHO LAÍS MORETTO MARCOS SANSÃO
O AUTOR
Paulo Santos 1904 – 1988, importante arquiteto e historiador brasileiro. Foi professor da Universidade do Brasil, onde funda a cadeira Arquitetura no Brasil, vinculando o ensino de arquitetura à pesquisa sobre sua própria história. Os estudos de Paulo Santos são essenciais para a compreensão da arquitetura brasileira, e se estruturam a partir do diálogo com outros autores da historiograa brasileira, mantendo uma interlocução permanente com as ideias e textos do arquitetopensador Lucio Costa. Essas iniciativas de consolidar o estudo da história à arquitetura correspondem às necessidades de se conhecer o nosso passado, impostas pelo crescente interesse, desde o nal dos anos 1930, na preservação do patrimônio cultural brasileiro, e de uma maneira singular Paulo Santos deixa uma marca na historiograa nacional inuenciando estudos até os dias de hoje.
INTRODUÇÃO Neste livro o autor pondera sobre a origem e signicado da formação das cidades brasileiras. Na primeira parte do livro, como seu próprio título - Raízes Históricas - sugere, Paulo Santos analisa e descreve a organização urbana e sócio-cultural lusitana assim como as transformações no qual o mundo ocidental estava inserido com o renascimento, investigando as raízes e inuências desse modo de vida no processo de urbanização do Brasil colonial. Neste primeiro momento o autor contextualiza historicamente e caracteriza diversas formas de cidades, sendo que as principais são as antagônicas: cidade informal e cidade regular. O autor com observações críticas se coloca quase que como mediador entre o leitor e tantos outros historiadores e estudiosos e suas visões sobre a formação das cidades coloniais lusitanas e hispânicas, ao mesmo tempo em que apresenta e defende uma nova interpretação sobre o tema, se opondo a alguns dos mais importantes destes autores, como Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil:
A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra ''desleixo'' – palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como ''saudade'' e que, no seu entender, implica menos falta de energia, do que uma íntima convicção de que '' não vale a pena'' ... E também Robert Smith em Urbanismo colonial no Brasil, que defende:
As ruas, ironicamente chamadas de direitas, eram tortas e cheias de altibaixos. As praças de ordinário, irregulares ... dessa sorte, em 1763, quando deixou de ser capital do Brasil, era a Bahia (Salvador) uma cidade tão medieval quanto Lisboa na véspera das grandes reformas de Pombal. Nada inventaram os portugueses no planejamento de cidades em países novos. Ao contrário dos espanhóis, que eram instruídos por lei a executar um gradeado regular de ruas, que se entrecruzam em torno de uma praça central, os portugueses não mantinham regras, exceto a antiga de defesa através da altura... Logo no início o autor evidencia e exemplica, embasado em uma vasta pesquisa documental⁴ e iconográca⁵, que virá no decorrer do livro, a sua ideia central de que:
É que naquela aparente desordem, que leva a admitir, como o fez o eminente historiador patrício, a inexistência de um traçado prévio ou de uma ideia diretriz, existem uma coerência orgânica, uma correlação formal e uma unidade de espírito que lhe dão genuinidade (Fig. 1 e 2). Genuinidade como expressão espontânea e sincera de todo um sistema de vida, e que tantas vezes falta à cidade regular, traçada em rígido tabuleiro de xadrez. Esta, dado o processus mesmo de sua criação, há de ser, necessariamente, produto de uma ideia preconcebida com que o projetista pretende, não raro artificiosamente, ordenar, disciplinar, modelar a vida que nela vai ter lugar. Isto é verdade mesmo em relação a grandes cidades de outros povos, como Buenos Aires, Santiago do Chile, Filadélfia, Nova York. Desta última disse Arthur Gallion: '' The gridiron plan of New York City was the beginning of a sterile urban character''… Esta ideia principal norteia todo o desenrolar do texto, através de análises mais especícas de documentos, o autor passa a comparar algumas cidades conrmando a sua tese inicial. Já na segunda parte de seu livro, classica as cidades do Brasil de uma maneira mais aprofundada, podese notar que a divisão dessas categorias foi feita principalmente de acordo com os diferentes ciclos econômicos do país, para cada situação é descrito então um exemplo de cidade. Formação das cidades no Brasil colonial publicado como separata do V Colóquio Internacional de Estudos Brasileiros, em 1968, em Coimbra, Portugal, mudou o jeito de se ver a arquitetura brasileira, a sua perspectiva inuência até os dias de hoje as bibliograas desta área e junto com outros autores tem o seu valor indiscutivelmente reconhecido.
1 Figura 1 - Cidade de Outro Preto, vista da Igreja de São Francisco de Assis.
‘’Cada casa se associava às outras que a ladeavam por alguma coisa em comum. Uma nota de intimidade de pensamento através da similitude ou do contraste formal...’’
2 Figura 2 - Vista atual da Igreja de São Francisco de Assis.
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PARTE I RAÍZES HISTÓRICAS
1. Cidade Informal e Cidade Regular
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1. Cidade Informal
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3. Cidade Cristã da Idade Média
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2. Cidade Muçulmana da Idade Média
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4. Cidade Renascimento
1. Cidade Informal Inicialmente características portuguesas preponderam, marcando um caráter de ''desordem''. Nesta desordem há certa coerência orgânica, espontaniedade e genuinidade. O traçado irregular confere certas particularidades como a valorização de elementos.
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Era um traçado prático e funcional tanto quanto a forma como à localização. Faculdade persistente de adaptar-se ao lugar e às necessidades práticas...
Esse conjunto de características acabavam gerando, algumas vezes o conceito de pitoresco. ³
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A semelhança apresentada pelos traçados urbanos no Brasil colonial pode ser justicada por alguns fatores comuns à época: - O poder central da Coroa, ao qual tudo deveria se subordinar; - A existência de uma administração local que se traduzia na vontade coletiva; - A Igreja que unia a todos em torno de uma ordem coletiva religiosa; - O fator de defesa² - muito presente nas cidades medievais européias; - A formação dos mestres construtores regidas pelas corporações de ofícios.
A arquitetura produzida no Brasil colonial conserva características comuns a Portugal e às outras colônias como Marrocos, África Meridional e Ásia, que nem mesmo a cultura e os costumes existentes e adquiridos localmente puderam sobrepujar. A esta arquitetura atribuem-se duas possíveis origens: a informal da Idade Média e a formalizada do Renascimento. A cidade informal foi a preponderante no período colonial e a característica mais notável do urbanismo dessas cidades é a "desordem". Temos como alguns exemplos: Ouro Preto, São João del Rei, Mariana, Diamantina, serro, Tiradentes, Parati, Goiás Velho, Salvador, Alcântara, etc. Porém, parece que nesta aparente desordem, sem um traçado pré-denido, existe uma coerência orgânica. Num primeiro momento as ruas surgem como "sulcos" resultantes das idas e vindas dos habitantes. Os percursos surgem com as necessidades daqueles que os utilizam e também pelas possibilidades e restrições que o contexto natural lhes reserva. Enquanto da racionalidade das cidades modernas brota uma imagem estéril, regular, repetitiva, sem "surpresas", os mestres construtores da Idade Média sabiam que a imprecisão e irregularidade dariam exatamente o resultado que esperavam valorizando perspectivas, não monótonos com o uso do relevo irregular gera resultados muito bons, exaltando aquilo que se como os anteriormente citados. No contexto brasileiro, Minas Gerais é um ótimo exemplo onde a soma das irregularidades deseja (colocação de igrejas em lugares elevados, posicionamento das ruas de forma à evidenciar certos elementos construídos da paisagem, onde os edifícios não eram organizados ao acaso, eram colocados estrategicamente segundo função e sua necessidade de localização). Importante também é ressaltar a forma como os pedestres - usuários primários das ruas - as utilizavam: o percurso era pausado e irregular, diferente das ruas modernas, retas, pensadas para a eciência e rapidez. A rua era bem conhecida e tinha lógica para seus moradores, mas poderia parecer um labirinto para um estrangeiro. A própria toponímia concorria para dar calor e intimidade à cidade, associando a rua aos edifícios e à caminhada que se tinha de fazer. Outra justicativa à irregularidade dos traçados era a defesa contra os inimigos. A engenharia militar também contribui de forma importante, porém sempre aparecendo como fator de ordenação e regularidade (por exemplo: São Luís do Maranhão).
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Figura 12 - Vista atual de Mariana.
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2. Cidade Muçulmana da Idade Média Os muçulmanos foram grandes construtores de cidades informais, habitando a Península Ibérica por 700 anos (Portugal de 711 d.C. ao século XII e Espanha até século XV). Na cidade muçulmana, o que determinava o traçado da cidade não era a rua, mas a casa, reexo do aspecto introspectivo de vida árabe. As ruas serviam à residência, mesmo que tivesse que ser individualmente. A casa muçulmana era voltada para dentro, para a privacidade, para o aconchego, com a formação de pátios internos. O contato com a rua dava-se principalmente por elementos como os muxarabis. As ruas, mesmo as principais, se davam de forma sinuosa, orgânica, angular, criando alargamentos e estreitamentos ao longo de todo o percurso. Era costume árabe construir os edifícios projetando-se por sobre a rua e estes, por vezes, chegavam a encostar-se em sua parte mais alta, cobrindo totalmente a rua. A cidade muçulmana, diferentemente da cidade romana, por exemplo (geralmente formada por um traçado de ruas em xadrez, com duas vias principais - norte-sul e leste-oeste - se cruzando numa praça central dominada pelo Fórum), não tinha a praça como um elemento organizador central. Pelo contrário, as praças eram locais pequenos. Os pontos de reunião mais importantes eram certamente as mesquitas. Pode-se perceber novamente nessas cidades a justicativa de defesa para as ruas estreitas, íngremes e tortuosas.
Muito dos costumes mouros aparecem claramente tanto na arquitetura quanto no traçado urbano das cidades brasileiras: as ruas estreitas com becos; varandas com rótulas (semelhantes aos muxarabis); azulejos e mosaicos que são presentes em cidades como Salvador; além, claro, da arquitetura de terra e a pintura branca dos edifícios.
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Palácido Imprial de Fez.
Figura 15 - Vista atual de Damasco.
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13 Figura 13 - Exemplo Muxarabi..
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Figura 16 - Vista atual de Damasco.
Figura 17 - Pátio em Reales (Espanha).
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Infelizmente são poucos os remanescentes das cidades mouriscas portuguesas, que Alexandre Herculano disse serem: ‘’verdadeiro dédalo de ruas e becos, de cujos meandros escuridão e estreiteza apenas a moderna Alfama nos poderia dar uma remota ideia.’’
18 Figura 18 - Vista atual de Alfama.
1 Porta da Cerca Moura. 19
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Porta da Cerca Moura.
1 22 Figura 22 - Vista atual de Alfama.
Figura 23 - Vista atual de Alfama.
Exemplo muxarabis.
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Casarão em Salvador.
27 Muxarabi em Diamantina.
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Casa Colonial em Diamantina.
Parque Guinle, Lucio Costa.
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3. Cidade Cristã da Idade Média Apesar de não terem a racionalidade das cidades romanas, as cidades da Idade Média já são mais organizadas que as muçulmanas. É importante reparar que na cidade medieval as ruas já não são tão tortuosas, com as casas mais bem alinhadas com a rua formando quarteirões distinguíveis entre si, como unidades. Na Idade Média, muitas das cidades passam a crescer e expandir-se não de um elemento central (como uma igreja ou praça), mas de um agrupamento de edifícios surgidos ao longo de uma estrada, como uma rota comercial importante. Surgem então ruas paralelas a esta via principal que se estendem, congurando as chamadas Cidades Longilíneas. As ruas (muitas delas vielas) eram às vezes completamente cobertas por elementos das casas. Suas aberturas eram poucas, como forma de evitar o frio e a contaminação (dispersão de doenças). Os edifícios já chegavam a alcançar até cinco pavimentos. Nas cidades Ibéricas havia condicionamentos diferentes, sendo assim que as cidades cristãs desenvolveram-se de forma um pouco diferenciada (principalmente as espanholas). A partir do s ec. XIII o mercado (passou de extramuros para intramuros) tornou-se elemento de extrema importância nas cidades, muitas vezes posicionado no ponto privilegiado, chegando a ter praças conguradas propriamente para este m (com coberturas, depósitos- o que tornou a prática muito comum). O traçado das cidades portuguesas é complexo porque tem características dos diferentes povos que ali se instalaram: romanos, visigodos, muçulmanos e cristãos. Um bom exemplo deste fato são as muralhas, que construídas umas exteriormente às outras, são distintas entre si. O caráter militar das povoações era predominante, assim como a tática de defesa pela altura. O relevo também inuenciou muito no traçado das ruas, como exemplo a cidade do Porto, dividida em cidade alta e cidade baixa. Era comum colocar a cidadela (com as edicações mais importantes) na cidade alta, pois esta já oferecia uma proteção natural. Pode-se notar esta mesma conguração na cidade de Salvador da Bahia. Outra característica das cidades portuguesas medievais é a disposição radiocêntrica das vias a partir do centro em direção às muralhas, o que fez surgir quarteirões trapezoidais, nas cidades da época. Em 1500 D. João determinou que as terras ao redor das cidades fossem terrenos comuns e livres para uso de todos os cidadãos e visitantes (acomodações de mercadores e animais). Posteriormente, esta determinação também chegou às cidades brasileiras.
Cidade do Porto, casas sitas na praça da Barreira sobre os cobertos de 1488. A irreguladidade da planta, feita com sensibilidade, introduziu sabor às elevações. (Da História da Cidade do Porto, de Damião Perez e Antônio Cruz).
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Exemplo de cidade Longilínea.
Exemplo de rua medieval (Siena- Itália).
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Bragança, no príncipio do século XVI.
Braga e suas diferentes muralhas.
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Reminiscências muçulmanas em Lisboa.
Cidade Romana, Timgad.
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Planta da cidade de Málaga.
Planta de Évora, em 1940.
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4. Cidade do Renascimento É difícil encontrar uma justicativa do porque as cidades ibéricas medievais adotaram os traçados regulares do Renascimento, porque existem poucos trabalhos elucidativos sobre o assunto da época. Existem suposições que armam que os administradores portugueses queriam que as cidades fossem estruturas "à moda romana", mas não existem documentos que provem isto. Os reexos desse desejo podem então somente ser visto nas construções portuguesas no Marrocos, Ásia e Brasil. As ideias do renascimento não prevaleceram em solo português. Tem-se como justicativa que a cidade é um organismo vivo que cresce aos poucos à sua própria imagem. A não ser no caso das cidades previamente planejadas, as cidades portuguesas continuaram a crescer de forma "irregular", orgânica. Pela Europa, foram as obras dos tratadistas e de grandes mestres que deram forma à arquitetura e ao traço das cidades renascentistas. Alberti, por exemplo, acreditava que o traço das ruas deveria ser útil, mas deveria também privilegiar a beleza do local (um meio termo entre as características do Renascimento e da Idade Média). Em países como a Espanha, há quem defendesse que o ideal de beleza de uma cidade seguia uma "receita", uma forma pré-concebida. Desenvolvem-se preocupações com problemas de estética e monumentalidade das cidades, ordenação, regularidade e tamanho das ruas e praças e uniformidade no tratamento dos edifícios. As Praças Maiores foram criadas nas cidades medievais no nal do século XV através de demolições, dando lugar a grandes espaços para o estabelecimento de mercadores, com proteções, depósitos e outros elementos, o ponto alto da grandeza cívica das cidades. Por sobre os pórticos erguiam-se um ou dois pavimentos que eram ocupados como um teatro para a observação dos espetáculos religiosos e profanos que ocorriam nas praças. A grandiosidade e dessas praças segue da evolução de ideias do Renascimento para o Barroco.
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Planta de Lisboa.
Planta de Lisboa.
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2. CIDADES DE COLONIZAÇÃO HISPÂNICA 1. Europa e América Muito do trabalho renascentista da concepção de cidades com traçado xadrez não teve lugar em solo europeu, mas foi muito bem explorada em solo americano pelos espanhóis. A inspiração na cidade radial medieval também foi de grande valia, pois era uma forma de traçado otimizada para a defesa contra inimigos numa terra cheia de perigos. Haviam canhões protegendo uma praça central forticada, capazes de varrer os inimigos ao longo da rua a qual eram direcionados. Apesar das cidades estritamente regulares serem maioria, também existiram cidades irregulares na América espanhola, como é o caso da cidade colombiana de Cartagena. Exemplo de plantas de ‘’ CIDADES IDEAIS’’ na Renascença: A- Segundo Vitrúvio (na interpretação de Galiani); B- Segundo Vasari; C- Segundo Scamozzi; D- Segundo Giorgio Martini; E- Segundo V. Andrea; F- Segundo Filarete.
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43 Plaza Mayor de Buenos Aires.
Cidade de Cartagena.
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Planta de Buenos Aires, 1583.
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2. Leyes de Índias A frequente adoção da plaza mayor como elemento central das cidades hispânicas, assim como recorrente uso das ruas dispostas num sistema em xadrez zeram com que surgissem uma legislação normativa para a composição urbana das cidades. As Leyes de Índia, o conjunto dessas normas, nem sempre foi seguido com rigor, mas serviu para manter uma certa unidade urbanística nas diferentes cidades. As Leyes de Índia regularizaram diversos fatores tais como: a escolha do local para a povoação; quem deveria habitá-la; qualidade de acessos e comunicação; administração; distribuição de terras; função da cidade no contexto (comércio, porto, etc); a disposição e tamanho de edifícios e espaços públicos (edicações, como a igreja por exemplo, deveriam ser construídas num primeiro momento); execução das leis.
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3. Cidades Colonização Portuguesa (predominantemente no Brasil) O autor Luís Silveira, em sua obra Ensaio de iconograa das cidades portuguesas ultramar, a cidade orgânica portuguesa possui características medievais e aspira à cidade perfeita, onde os elementos exercem funções naturais, ou seja, funciona como “como ser vivo, funcional e intelectualmente ativo”. As diretivas portuguesas no que tange à criação de cidades e vilas no Brasil, objetivadas em exemplos característicos. Cidades com regularidade relativa e que tiveram plantas desenhadas na Colônia e enviadas à Metrópole: Salvador, Rio de Janeiro e São Luís do Maranhão.
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SALVADOR O plano realizado seria informal aos modos medievais. Havia uma preocupação com a defesa da cidade e que foi resolvida pela altura, ou seja, uma cidadela elevada acima do mar circundada por muralhas. Com o crescimento da cidade “além muros”, ela cou divida em cidade alta e cidade baixa.
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Salvador, Gravura-de-Paulo-Lanchemeyer
Planta de Salvador, de origem holandesa. 1624
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Evolução dos traçados de cidades e vilas no Brasil, examinada à luz de casos picos. Traçado Inteiramente Irregular - Vila Boa de Goiás A topografia definiu o traçado das ruas dessa vila, uma vez que o local escolhido era atravessado por um rio e envolvido de matas.
Traçados de rela va irregularidade - Cuiabá É uma cidade linear que se desenvolveu ao longo do rio, com todas as ruas dominantes correndo no mesmo sentido e as transversais praticamente perpendiculares a mesma. Tudo teria começado com uma extensa linha de casas à margem do rio, que com o tempo teria se tornado densa. Depois foi traçada a praça central que confere equilíbrio à composição.
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Traçado Inicialmente irregulares refeitos para a ngir perfeita regularidade - VILA DE BARCELOS Povoação feita por religiosos carmelitas em um local onde já existia uma aldeia de índios e uma missão chamada Nossa Senhora da Conceição de Mariuá. Foram feitos alguns aterramentos já que o solo era alagadiço, construíram pontes, derrubaram o matagal e abriram ruas e uma grande praça onde foram construídas as principais edificações da vila.
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Traçado Perfeitamente Regulares - Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso: sua povoação ocorreu pela descoberta do ouro e foi um ponto estratégico para a contenção das invasões castelhanas. Estas foram traçadas com todas as ruas cruzando-se formando ângulos de 90° e quase em xadrez perfeito. No centro uma praça totalmente quadrada onde se pode perceber a inuência hispânica.
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RIO DE JANEIRO Foi também fundada no alto e aos modos medievais, mas quando ela cresceu chegando à várzea, no início do século XVII, o seu traçado já era praticamente regular.
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SÃO LUÍS DO MARANHÃO Foi fundada em 1616 e tinha um plano feito pelo engenheiro-mor do Reino Francisco de Frias da Mesquita, era perfeitamente ortogonal.
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As chamadas “Cartas Régias” destinadas a algumas vilas estabeleciam como estas se conformariam e como basicamente seriam estruturadas. A Vila de Icó, na Capitania do Ceará: - Posicionada a oitenta léguas da vila de Aquiras; - Seria construída uma igreja matriz, demarcando logo o local da praça no meio da qual se levantaria o pelourinho. -As ruas seriam demarcadas em linha reta com bastante largura; - Demarcar terrenos para serem edicadas casas que seriam bem alinhadas e possuidoras de quintais; -Depois seria demarcado o espaço para a casa da Câmara e das Audiências e a cadeia; - Haveria um espaço, que hoje seria chamado de “cinturão verde”, que seria repartido a quem quisesse cultivá-lo.
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Regularidade dos Traçados No final do século XVIII sob influência da engenharia militar, acentua-se a preferência pelos traçados ortogonais nas cidades. - Eles são típicos das colônias militares, como a de São Pedro, no Gurupá e Leopoldina em Pernambuco. - E se tornam comuns em muitas vilas como Vila Viçosa em Porto Seguro e em algumas outras é usado o xadrez perfeito como na Vila de Pinheiro, no Maranhão.
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Planta de São Pedro
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Planta Vila de Pinheiro.
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AS PRAÇAS As praças do Brasil Colonial eram o centro de reunião da vida urbana, em que se realizavam as cerimônias cívicas e todas as outras festividades, religiosas e recreativas, serviam ainda aos mercados e às feiras. Nela se localizavam os edifícios principais: a casa da Câmara e cadeia, a casa dos Governadores e a igreja matriz. Tratando-se da forma, as praças raramente eram de regularidade perfeita.
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PARTE II CLASSIFICAÇÃO DAS PRIMEIRAS CIDADES DO BRASIL
O tipo de cidade abordado neste trecho do livro refere-se basicamente as primeiras cidades criadas, ou a tentativa delas, que tinham como principal função a ocupação da terra e a defesa do território recém descoberto, já que os franceses e holandeses tinham igual interesse no Brasil. As primeiras construções feitas pelos portugueses já no começo do século XVI são o que chamamos de feitorias, que tinham o intuito de ocupar a porção de costa do Brasil já descoberta e a função de interposto comercial principalmente de paubrasil. Afonson Arinos retrata tais feitorias como “não passava de pontos frágeis e móveis, acampamentos de acaso que pouco acima estariam das tavas nômadas dos selvagens. Paradeiros sem vida cristã sem nenhum remedo de vida social e política”. D. João III, rei de Portugal, ainda na primeira metade do século XVI viu a necessidade de criação de vilas propriamente ditas na nova terra descoberta já que as feitorias não impediam os franceses de suas incursões, e a partir disso surgiram o que podemos chamar das duas cidades do Brasil, que seria São Vicente e Piratininga. Construídas por Martin Afonso, São Vicente se situava a beira mar, este que a levou embora mais tarde, e ela foi reconstruída no lugar onde até onde existe (na região metropolitana da baixada santista) e Piratininga que foi feita já no planalto que Ulrich Schmidl (Alemão que fez diversas viagens com os espanhóis para as Américas e foi um dos fundadores de Buenos Aires) disse ser uma cidade tão miserável que mais parecia um covil de ladrões. Com a entrega do Brasil a iniciativa privada e a divisão dele em capitanias hereditárias sucederam-se tentativa de criação de redutos, mas que em sua maioria fracassaram, tendo sucesso expressivo somente Olinda, São Vicente e Vitória. Com o aparente fracasso das Capitanias a vinda do governo geral já entrando na segunda metade do século XVI que no Brasil surgiram cidades com mais recursos militares e projetos urbanísticos mais abrangentes, que na verdade é o tema principal desta parcela do livro.
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Salvador (1549), um dos principais centros de armação e posse dos portugueses, para evitar um domínio de toda aquela região pelos franceses, Salvador foi originalmente criada como praça forte projetada por Luís Dias, esta que cresceu e pediu reformas já em 1605 quando foi ampliada até que houve a divisão dela entre cidade alta e cidade baixa onda cidade baixa se situava as instalações portuárias e comércio, e na cidade alta se situava a igreja, câmara, cadeia, instalações militares. A cidade de Salvador em termos arquitetônicos pode ser considerada como um misto da arquitetura medieval e renascentista, já que são notadas inuências muçulmanas típicas da idade medieval na península ibérica com ruas estreitas e tortuosas, varandins e passadiços, mas também pode ser observado, casas regulares, cunhais, entablamentos, janela em púlpito, e ruas mais largas. Rio de Janeiro (1565), foi construída por Estácio de Sá, com a mesma nalidade de Salvador, já que a incursão dos franceses na baia de Guanabara era ainda mais forte, originalmente erguida entre o pão de açúcar e morro Carra de cão, lugar que servia como sentinela e trampolim para reconquista da baía, reduto que foi destruído numa invasão francesa que custou a vida do seu construtor. Em 1567 a cidade foi reconstruída no morro de São Januário militarmente ainda mais reforçada. Com o tempo a cidade começou a se expandir começando a se construir no sopé do morro, é citado no livro como “cidade da várzea”. A cidade forte feita em cima do morro do tinha seu traçado irregular, mas a cidade da várzea já tinha ordenamento e ruas mais largas. Com a fundação da colônia de Sacramento e com a descoberta de ouro em minas no nal do século XVI Rio de Janeiro se torna ainda mais importante, e alvo, principalmente dos franceses, o que reforça ainda mais as defesas da cidade, reforço não suciente já que Rio de Janeiro foi dominado pelos franceses em 1711, após isso diversos planos de forticação da cidade se deram, até com engenheiros franceses, até o começo do século XIX com a planta mandada fazer pelo Príncipe regente em 1808, que teve intervenções mais urbanísticas na cidade, como um aumento no número de praças, e uma preocupação na regularidade das vias. Filipéia (atual João Pessoa) (1584) local que estava plenamente dominado pelos Franceses e Potiguares (tribo tupi guarani) até o nal do terceiro quarto séculos XVI, o domínio da região pelos portugueses deu-se por Olinda (centro açucareiro criado na época das capitanias hereditárias), que depois de algumas incursões conseguiram construir dois fortes na foz do rio Paraíba e depois o Castelo Paraíba, que daria condições de fundar a cidade de Filipéia propriamente dita. Cidade que foi tomada pelos holandeses mais tarde, e é deles que temos uma descrição dela no século XVI, Barleus escreve em seu livro “ cidadela amuralhada em que se ergue o forte que domina a cidade, e de onde parte a rua principal, que se prolonga na estrada que se prolonga até o sertão. A cidade é aberta sem muralhas. Seu traçado apresenta certa regularidade, edicações geométricas e algumas praça.
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Cidade de Natal (1598), ultimo reduto Francês e Potiguar da costa nordeste a ser conquistado pelos portugueses, a cidade foi erguida a partir de um forte construído por Samperes logo após a conquista, e informações contidas no livro atentam que em 1607 a população da cidade era de cerca de 25 pessoas e que havia somente 2 mulheres brancas. Cidade de Fortaleza (1611) foi o começo da colonização da costa leste-oeste e a conquista do Ceará, foi erguida a partir do forte de São Sebastião construído por Martim Soares Moreno, que escolheu o mesmo lugar que outrora existiram dois fortins construídos por Pero Coelho (forte de São Tiago e São Lourenço) das primeiras tentativas de conquista do Ceara.
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Cidade de São Luís do Maranhão (1615) , a região do Maranhão estava sob forte domínio Francês no começo do século XVII, e os Espanhóis e Portugueses (nessa época a coroa portuguesa estava sob o domínio espanhol) precisaram de algumas tentativas até o rendimento dos franceses, e a cidade de São Luís foi reconstruída e ampliada com base no que os franceses já haviam feito, e é considerada a primeira cidade do Brasil com arruamento regular pleno.
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Cidade de Belém do Pará (1616), fundada por Francisco Caldeira de Castelo Branco, que saiu de São Luís do Maranhão, e achou dentro da baia de Guajará o lugar mais propício para construção de um forte e uma cidade. No começo a cidade adaptou ao traçado do rio, mas a sua expansão deu-se de maneira irregular em função do terreno, que variava entre pântanos, chapadas, e obstáculos criados em função do rio, a arquitetura descrita, se mistura alguns traços árabes e renascentistas. Vila de Vitória (1550), cidade fundada ainda na época das capitanias hereditárias, era considerada uma cidade mal situada por estar num lugar baixo, foi atacada diversas vezes por ingleses, franceses e holandeses, diz-se no livro que a vila de Vitória era inscrita no contorno marítimo, e ajustada aos acidentes do terreno com desenvoltura e naturalidade, com raras ruas retas e sem traçado ortogonal. Cidade de Recife (1631-1637), no m do século XVI Recife era somente uma vila de pescadores e ela viria ter uma grande importância quando os Holandeses, a fundaram como uma cidade propriamente dita, e a diferença de diretrizes da cidade são marcantes se forem compará-las as cidades portuguesas, a começar pela escolha de um terreno próximo ao mar e não no alto, como de costume Português, a cidade de Recife teve o seu traçado ortogonal, criados a partir dos canais também construídos na cidade e que era tão comum a arquitetura holandesa, além disso, o predomino de áreas verdes é notado e se faz grande discrepância com as cidades portuguesas fundadas na mesma época.
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Fig. 76 - Planta de Recife, autor desconhecido.
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CONCLUSÃO O diálogo do Paulo Santos com os trabalhos de outros autores - no qual baseia-se este livro - elucida de forma muito interessante todo o processo de desenvolvimento do ambiente urbano no Brasil desde os tempos coloniais. Os contrapontos apresentados nas comparações entre a cidade tradicionalmente "irregular" e a cidade moderna pósrenascimento servem de justicativa plausível a armar que esta primeira cidade, amplamente difundida pelo país, surge como resultado das necessidades de seus habitantes, de seus costumes e tradições, com toda uma carga cultural de experiências de seus construtores que, sem um traçado primário pré-concebido mas com uma lógica inegável para a época, nos impede rotulá-la de espontânea. E, diferentemente da cidade moderna, a cidade é formada e se adequa às pessoas que nela vivem, não o contrário. Particularidade esta que permeia toda a história da formação de cidades no Brasil Colônia. Dessa forma, o autor de uma maneira didática e agradável conseguiu lançar um novo olhar sobre a teoria da formação das cidades brasileiras, sobretudo com um ideal sobre os conceitos qualitativos da cidade irregular diferente do que vinha sendo discutido até então, onde a cidade moderna sobrepujava a orgânica. Concluindo, não existem um ou outro traçado melhor, mas traçados adequados à diferentes situações e épocas. Cada sociedade buscou, da melhor maneira possível, fazer o que o estava a seu alcance para costruir um novo mundo e, portanto, as duas experiências são validas. Se podemos especular como deu-se a origem, sim, podemos, o que não podemos é especular se há uma fórmula perfeita que nos diga qual é a melhor. De tempos em tempo vemos estudos e ''modas'', mas nenhum urbanista conseguiu ainda conceber uma ideia que vá guiar todo o processo de construção das cidades com o passar do tempo. É por isso que temos tantas linhas de pensamento e tantas correntes, todas válidas.