São Paulo - João Pessoa 30/11 – 01/12/ 2012 Por volta das 3h chegamos ao hotel, localizado na zona central. Região com pouquíssimo movimento e sem comércio aberto na madrugada. Nos instalamos em nossos quartos e nos deparamos com cômodos desconfortáveis, diferente do que nos fora apresentado. Pela manhã partimos em busca de outro hotel. Depois se localizar, fizemos check out no hotel Guarany e partimos para o Escuna Hotel. Almoçamos e partimos para a primeira visita ao Terreiro de Mãe Lúcia. João Pessoa, 01/12/2012 – Ilê Asé Omidewà Fomos recepcionadas/o por Leonardo, esposo de mãe Lúcia, que nos levou ao barracão-salão onde as festas acontecem. Local amplo, bem estruturado e conservado. Ficamos por um tempo aguardando enquanto mãe Lúcia dava consulta. Leonardo falou um pouco sobre o Ponto de Leitura, da chegada dos livros e demais materiais da biblioteca. Conhecemos alguns filhos da casa que estavam se organizando para a realização da limpeza mensal, que se dá todo primeiro domingo do mês. Ao encerrar seus compromissos, Mãe Lúcia nos recepciona e conversamos um pouco sobre nossa proposta de agenda. Após a breve conversa, apresentou-nos os espaços do terreiro, inclusive a Biblioteca onde acolhe o material do Ponto de Leitura - no pacote de livros recebidos para este Ponto de Leitura veio também uma Bíblia sagrada, que mãe Lúcia nos mostra, comentando a incoerência por parte da FBN, já que não vieram outros livros fundantes das demais religiões. Falou sobre a rotina das atividades do terreiro, nos convidou para dormir no local e acompanhar os preparativos e alguns momentos do ritual que aconteceria no dia seguinte, o qual poderíamos assistir, mas não fazer registro audiovisual. Estávamos cansados e sem roupas para trocas. Combinamos de retornar ao terreiro no dia seguinte. Mãe Lúcia d' Oxum; Iyá Lúcia Omidewá Lúcia de Fátima Batista de Oliveira, nascida em 06 de janeiro de 1958 Bisavó materna: Eufrasina (apelido Nina) Avó materna: Maria da Conceição, Josefa Maria da Conceição, casou com um português teve três filhos, Tita, Mocinha e Cícero, depois conheceu o avô, se apaixonaram e fugiram e tiveram dois filhos, mãe Lúcia e outra. O avô era Angola e língua banto. “e eu me vejo praticando elu da origem nagô”, diz mãe Lúcia. Avô materno: Diogo Eugênio Crespo praticava a Jurema Sagrada, mestre major do dia e caboclo Caturité.
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Mãe Lúcia se iniciou na Jurema, com pai Manuel, depois 1979-80 esteve na Umbanda, no candomblé nação Jeje, em 1981 e quando a mãe faleceu. Depois queto. Mas a etnia biológica é banto. Mãe Lúcia explica um pouco: nação Angola, etnia bantu. O queto. tem mais gente. São vindos do Daomé e falam fon. Jeje é em menor numero na Paraíba, é nação nagô e falam iorubá. O Nagô ebá, falam iorubá., chegou à Paraíba vindo do Recife. A Jurema começou na Paraíba. Aiandia, Da. Maria dos Acais, e pai Beto levou uma batalha para resgatar o espaço na cidade dos Acais, pois os evangélicos derrubaram todos os pés de Jurema. 02/12/2012 – Ilê Asé Omidewà Segundo dia, chegamos durante o ritual mensal de limpeza e oferendas e nos deparamos com uma linda mesa com os pratos que serão ofertados aos orixás. Os filhos e das filhas da casa estavam todos envolvidos e concentrados em suas funções de preparativos. Mãe Lúcia nos autoriza a fotografar os pratos e iniciamos as gravações com suas explicações sobre cada um; nome, significado e o orixá a ser ofertado... Após esta conversa, fomos convidados a assistir uma cerimônia, onde não pudemos fazer registros audiovisuais. Ficamos ao lado de fora do quarto, observando as atividades dos filhos de santo que se revezavam nas obrigações, outras rezavam e acompanhavam as cantigas e rezas, sempre concentradas. Presenciamos pessoas que receberam/incorporaram seus Orixás, e a cerimônia em que estes se cumprimentam e reverenciam alguns espaços do terreiro. Não pudemos acompanhar os demais rituais internos. Iniciamos a gravação com apresentação dos espaços do terreiro desde o exterior da propriedade. No interior do terreiro, Mãe Lúcia nos apresentou um canto com fotografias e nos narrou longamente sobre a história de sua família e sua trajetória pessoal (vida pessoal e religiosa interligadas desde os seus 8 anos de idade). Nos reunimos com os filhos e netos de santo de Mãe Lúcia para realização da atividade e bate papo sobre ancestralidade africana e relação com o terreiro. Algumas pessoas não puderam participar, pois já tinham retornado às suas residências, pois além de ser um domingo e muitos terem permanecido acordados durante os preparativos e rituais desde a tarde de sábado, a maioria mora em bairros distantes de onde está localizado o terreiro. No início propusemos uma roda com as crianças e outra com os adultos, mas para otimizar o tempo, realizamos uma única. Muitos estavam tímidos e relutaram em participar, talvez pela própria questão levantada: o que é para você e como se relaciona com sua ancestralidade africana? Levantamos outras questões, que aproximaram mais as pessoas à atividade: como chegou ao terreiro e sua função; desde quando e como iniciou sua relação com religiões de matriz afro; como é ser um religioso de matriz afro nos espaços onde frequenta (família, trabalho, escola, universidade). Foi um momento delicado, muitos trouxeram a tona questões íntimas e dolorosas do seu trajeto de chegada ao candomblé e se emocionaram. Durante os relatos, questões importantes foram levantadas pelos presentes, como a auto afirmação da identidade negra, a relação da intolerância www.ancestralidadeafricana.org.br
religiosa com a origem negra do candomblé, e a discriminação nos meios onde circula, principalmente no ambiente familiar. Dentre os/as participantes nos chamou atenção o relato de Patrícia Lisboa (historiadora e professora do ensino fundamental e médio) e Antônio Narciso (enfermeiro e docente), pois ambos desenvolvem em seu ambiente de trabalho, ações educativas contra o racismo e a intolerância religiosa. Gravamos com estes, relatos sobre essas ações, para compor o vídeo sobre a Casa.
03/12/2012 – Ilê Asé Omidewà Iniciamos a gravação com a apresentação das dependências externas, as plantas de santo e curativas, os jardins do Ilê. Alguns filhos do terreiro estavam fazendo “entrega à natureza” dos pratos ofertados aos Orixás. Mãe Lúcia aproveitou para nos contar que esta ação é rotineira nos terreiros e que existe uma preocupação em não prejudicar o meio ambiente, já que as religiões de matriz africana dependem de recursos naturais para se manter. Uma das ações, que o Ilê desenvolve com as lideranças e adeptos às religiões de matriz africana, é de como preservar o meio ambiente sem impactar as ações religiosas, colhendo somente as folhas necessárias, replantando para renova, utilizando folhas grandes para as ofertas, em substituição as travessas de louça ou barro. Uma das conquistas que Mãe Lúcia é a garantia que uma mata que fica ao lado do terreiro fosse formalizada como área de proteção ambiental, numa ação conjunta com o SOS Mata Atlântica e a Secretaria de Meio Ambiente, que se comprometeu em reflorestar e preservar a mata. Além disso, ela conseguiu permissão para que algumas atividades fossem realizadas no espaço, bem como o plantio de “folhas sagradas” que são essenciais para os povos de terreiro. Este espaço não é de exclusividade do terreiro de Mãe Lúcia, mas a mesma é a liderança religiosa responsável, junto com demais funcionários da Secretaria do Meio Ambiente. Ainda sobre o espaço, Mãe Lúcia diz que foi uma batalha que travou não somente com os governantes, mas com setor imobiliário e também com traficantes da região. Desde quando chegou ao local e instalou o terreiro, a área servia como abrigo para diversas ações ilegais. Com o tempo, Mãe Lúcia foi desenvolvendo atividades com a comunidade local, se aproximando de todos e conseguiu que a área fosse menos “ocupada” para essas atividades. Junto com a comunidade, filhos e outros parceiros, foi possível recuperar alguns espaços, que já estavam devastados, com plantio de árvores e outras espécies de plantas. Houve também uma tentativa de derrubada de uma parte da área para a construção de condomínios residenciais. Conseguiram preservar a área mais uma vez, porém o espaço que antes era ocupado por moradores, foi sendo desapropriado e agora dá lugar a uma Vila Olímpica e outras grandes construções. Ao concluirmos a conversa sobre a área de preservação, fomos para dentro do terreiro. Fizemos um tour pelo imóvel, agora para captar imagens para o vídeo. Logo na entrada Mãe Lúcia nos avisa que o terreiro ainda não está do jeito que ela projetou, mas que aos poucos concluirá a construção. No espaço externo, logo na entrada principal, ela aponta as casas dos Orixás ,mas antes de falar mais sobre cada uma, nos leva para o interior do salão, onde são realizadas as festividades religiosas. O cômodo é amplo, www.ancestralidadeafricana.org.br
arejado e com grande incidência de luz natural. Há ainda no mesmo espaço banheiros, outras salas reservadas e a casa de Oxalá (único espaço/casa de Orixá que está no interior desse terreiro). Há alguns quadros e imagens nas paredes, que em sua maioria foram feitos por frequentadores da Casa. Há fotografias de Mãe Lúcia e sua Yalorixá Mãe Estela de Oxossi, pessoa que é sempre tratada com carinho e reverência nas falas da entrevistada. Há ainda os atabaques, uma divisão entre o salão e a assistência, que é o lugar onde o público prestigia as festas. Em destaque estão as cadeiras reservadas para a Yalorixá e as demais pessoas com cargo na Casa e ao lado outras cadeiras são reservadas para pessoas convidadas e autorizadas por Mãe Lúcia à sentar-se. Mais adiante fomos conhecendo os demais espaços: um hall de preservação da ancestralidade biológica e religiosa de Mão Lúcia, com fotografias de familiares e de momentos importantes em sua trajetória; há ainda duas cozinhas, sendo uma para refeições diárias e outra exclusiva para o preparo das comidas dos Orixás. Passamos por um quintal interno que divide o primeiro terreiro do segundo. Sim, há um segundo terreiro, e Mãe Lúcia nos explica o porque: além de ter sido iniciada primeiramente em Jurema, ela tem uma herança de sua avó materna e ainda preserva as manifestações, cultuando essas divindades em espaço separado onde são cultuados os Orixás. Neste espaço há dois quartos onde estão “assentados” os Mestres, Caboclos, Exus, Encantados. Saindo deste local, há ainda um terreno nos fundos onde há mais plantas e árvores sagradas e consagradas, as casas dos Orixás: Oxum, Ogum, passando pelos povos Jejês e o Roncó, que é o quarto onde ficam recolhidas todas as pessoas quando se iniciam no candomblé. Nenhuma das casas de Orixás foi aberta, tão pouco o Roncó, que Mãe Lúcia compara ao útero: “Somente pode ser aberto, quando há uma criança para nascer” (sic). Terminamos a primeira parte do tour na biblioteca do terreiro, que existe há alguns anos, como uma forma de preservar a cultura e tradição afro religiosa. Há um arquivo rico em obras raras e que Mãe Lúcia guarda a “sete chaves” dentro de um armário. Disse-nos que tinha muito mais livros, mas foram se perdendo com o tempo. O material serve como fonte de pesquisa para universitários, religiosos, população local e seguidores do terreiro. No mesmo espaço, Leonardo, esposo de Mãe Lúcia organizou o material recebido pela Fundação Biblioteca Nacional, dentre estes um que causou espanto à entrevistada, bem como a todos da Casa e a nossa equipe: uma Bíblia Sagrada. Muito incisiva Mãe Lúcia diz que possivelmente houve uma falta de cuidado, uma indelicadeza ou uma provocação, já que se trata de um ponto de leitura temático em um terreiro de candomblé. Ainda sobre este tema, ela diz que há uma luta imensa contra a intolerância religiosa, mas que muitas vezes, como neste caso, é uma tentativa que o povo de terreiro revide da mesma forma contra os povos cristãos, que considera serem os maiores opressores e perseguidores das religiões afro-brasileiras.
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Concluímos as gravações, mas ainda permanecemos no terreiro de Mãe Lúcia, que nos convidou para, mais uma vez, realizar uma refeição no Ylê, que segundo ela “Há de se comer para não sair daqui falando!”. Pedimos para que ela nos indicasse alguma pessoa ou terreiro que faça parte da rede de ações sociais, desenvolvidas pelo terreiro. Mãe Lúcia nos indicou Mãe Penha de Iemanjá, e logo entrou em contato por telefone, agendando um encontro conosco para o dia seguinte, na Casa de Penha. 04/12/2012 – Ilê Asé Omidewà Já recuperada e cheia de fôlego, Mãe Lúcia nos recepciona para o nosso último encontro. Neste dia, fizemos um novo vídeo pela Casa, agora tratando das plantas. Por ser um terreiro localizado em um terreno espaçoso, há plantas por toda a extensão da área externa: quintal, vasos, no chão... Mãe Lúcia explica que as plantas são de extrema importância no Candomblé, tanto para o uso litúrgico quanto para o uso medicinal, já que muitas das vezes algumas entidades/ guias orientam o uso de ervas e plantas para curar e/ou amenizar algumas doenças. Nem todos os terreiros, segundo Mãe Lúcia, tem condições de adquirir essas plantas, pois são escassos os espaços públicos para plantio e muitas vezes também são impedidos de retirar folhas destes locais, sob alegação de ser um espaço de preservação, por exemplo. Este é um dos motivos que faz com que a rede de religiões a qual Mãe Lúcia faz parte, e lidera, busque garantir o acesso e preservação da área ao lado do terreiro Omidewá. Não tão raro, outros terreiros vão até lá para buscar alguma erva e planta, e quando não há, Mãe Lúcia tenta providenciar, para ajudar ao outro/a irmão/ã, seja buscando na área protegida ou buscando plantar em seu terreno. “Toda planta é sagrada, toda planta tem um significado e pertence à um Orixá, mas nem toda tem uso litúrgico”, afirma a entrevistada, e ainda complementa dizendo que é muito importante o cuidado com cada uma delas. Mãe Lúcia nos conta sobre as religiões de matriz africana que ela tem conhecimento, no estado da Paraíba. Afirma que tem conhecimento de terreiros e pessoas envolvidas no Candomblé por volta da década de 1970, e que antes disso, as pessoas (inclusive ela mesma) frequentavam Casas de Jurema e Umbanda. Hoje em dia há mais terreiros de Candomblé, em se comparando ao período mencionado, nas nações de Jeje, Angola e Ketu. Mãe Lúcia diz que o estado da Paraíba é o berço da Jurema. É de lá que saiu a prática, que hoje pode ser percebida em outros estados, com suas especificidades, porém com a mesma essência. Nos despedimos de Mãe Lúcia, que com muito carinho nos convidou para outras visitas e se colocou a disposição para com o Projeto e equipe. De lá, partimos para a casa de Mãe Penha...
04/12/2012 – Terreiro de Mãe Penha Com certa dificuldade em localizar o terreiro, pois a numeração da rua era irregular, chegamos ao terreiro de Mãe Penha, no bairro de Mandacaru.
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Fomos recepcionados pela própria Yalorixá, que nos conduziu até os fundos do imóvel. No mesmo local está localizado o terreiro, a casa de Mãe Penha e as casas de outros familiares. Esclarecemos as dúvidas quanto ao projeto e a nossa visita, informando que por ser o terreiro parceiro e participante da mesma rede a qual o terreiro Omidewá faz parte, seria muito importante uma fala dela em nossa pesquisa e no material audiovisual. Para isso propusemos uma entrevista onde ela contasse um pouco de sua trajetória espiritual e também sobre as ações na rede de religiões afro-brasileiras em João Pessoa. De pronto ela aceitou participar e enquanto preparávamos os equipamentos, ela foi se preparar com trajes típicos de adeptos à religião. Iniciamos a conversa com apresentação pessoal da entrevistada, Mãe Penha de Iemanjá, zeladora do Templo Iemanjá Sabá, uma Terreiro de Umbanda e atual presidente da Federação dos Cultos Afrobrasileiros do Estado da Paraíba. Conta que iniciou na Umbanda no mesmo período em que se iniciou na Jurema. Aos 16 anos abre a Casa de Santo, e na época precisava do aval das autoridades policiais e juizado de menores, e com o respaldo do presidente da Federação da época, conseguiu o documento para o funcionamento. Embora fosse casada na época, precisava da presença da mãe para realizar os trabalhos no terreiro. Aos 18 anos tirou a licença para “trabalhar”, para realizar os trabalhos no terreiro. Aos 23 anos fez sua primeira obrigação dentro do santo no Molocô (raiz da Umbanda), para poder fazer as obrigações em seus filhos/as de santo. Mãe Penha fala sobre sua relação com Mãe Lúcia do Ilê Omidewá, que vem da Rede de Cultos Afro brasileiros e Saúde, e com o programa de entrega de cestas básicas. No Templo há a distribuição das cestas entre alguns dos federados, e há planos de que a distribuição vá para outras regiões mais necessitadas. O trabalho desenvolvido, à exemplo da distribuição de cestas básicas, tem auxiliado no combate ao uso de drogas por crianças e adolescentes da região. Ao final da conversa, captamos imagens com uma breve apresentação do Templo e suas dependências. Penha apresenta sua casa, casa da filha e nos fundos do terreno o Templo de Iemanjá Sobá: Cozinha, Ilê, Imagens, Quartos de recolhimento e assentamentos. Mãe Penha também falou sobre a festa de Iemanjá, realizada todo dia 08 de dezembro, em praias de João Pessoa, com a presença de adeptos e outros, durante a festividade.
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