Diario de campo castro

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COMUNIDADE QUILOMBOLA SERRA DO APON – CASTRO/ PARANÁ 05-04-2013 Castro Castro é uma cidade pequena, e é acessada por ônibus, no nosso caso partindo de Curitiba. Acomodados num hotel tratamos de nos encontrar com a coordenadora da Associação das comunidades para orientar a nossa agenda nos próximos dias. Somos informados que as comunidades ficam distantes umas das outras e que há dificuldades particularmente pelo pouco tempo de nossa pesquisa de campo - dificuldades de acesso a algumas famílias pela distancia e tipo de estradas, que são ruins e com muitas ramificações e dificuldades de relações, visto que algumas comunidades/pessoas são muito fechadas e se recusam a entrevistas. Rozilda Cardoso nos informa que as comunidades reconhecidas pela Fundação Palmares são Serra do Apon, dos Mamãs e Limitão, que tiveram o laudo antropológico aprovado. Da comunidade do Tronco o primeiro laudo antropológico foi reprovado. Foi reconhecida posteriormente, em 2006. A junção das comunidades quilombolas de Castro em uma única Associação foi proposta pela Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná, cuja coordenação é Ana Maria Cruz, e o representante local Roni Cardoso, irmão de Rozilda. Muitas famílias das comunidades, na impossibilidade de sobrevivência plantando nas terras, mudam para Castro e vivem na periferia da cidade, como os bairros Operarias, Bela Vista e outros Inicialmente a agenda: Comunidade do Limitão – sábado 06/04 Comunidade dos Mamãs – domingo 07/04 Serra do Apon, Faxinal São João – 2ª. Feira, 08/04 Somos avisados de que no dia 10/04 haveria uma reunião do INCRA em Serra do Apon para cadastramento dos moradores, e em 11/04 a Audiência pública em Castro, chamada pelo INCRA, para inicio do processo de certificação das terras da comunidade de Serra do Apon. 06/04 – visita a Comunidade Limitão. há uma descrição desta comunidade disponível em http://www.gtclovismoura.pr.gov.br/modules/conteudo/ Para chegar ao Limitão realmente se necessita de um guia, pois no caminho há inúmeras bifurcações (galhos, como chamam) que facilmente levam a outro lugar. A reunião foi na casa que antes era uma escola, hoje desativada porque as crianças e a professora foram transferidos para a vila. Havia bastante gente e também foram chegando mais, e a sala da escola ficou com uma roda de www.ancestralidadeafricana.org.br


muitas pessoas. Logo na entrada, Rozilda passou uma lista de presença, que seria necessário assinar para constar da Ata (entretanto, notamos que muitas pessoas abandonaram a sala quando a lista chegava até elas). No inicio – Rozilda e nos apresenta e também se apresenta para muitos dos participantes: “Estou na coordenação, por assembleia eleita com presença de vocês”. Fala do tanto trabalho que se teve para encaminhar os trabalhos necessários e os projetos para a Associação. Apresenta que é a única associação do Paraná que foi contemplada com o Ponto de Leitura. “É importante vocês responderem as questões, eles vieram para conhecer vocês e como vive a comunidade. Essa pesquisa é que pode contribuir para colocar a situação de nossas comunidades na internet, na mídia, que facilita para que o governo, Brasília, governo do Parana conheça mais nossa situação.” Também explica sobre a audiência publica que haverá na semana. Nós a equipe de pesquisa nos apresentamos. As pessoas ao mesmo tempo gentis, não pareciam dispostas a falar. Muitos não se apresentaram, embora opinassem. A impressão geral é que são pessoas muito inteligentes e estavam tentando compreender ‘o que queríamos’. Em algum momento ficou a questão ‘nós já respondemos a tantas entrevistas, até já veio aqui gente para cadastrar para o projeto de casas (‘minha casa, minha vida’), e não tivemos um retorno’. Nossa equipe sentiu necessidade de explicar e reforçar que não estamos fiscalizando e o que é o nosso objetivo ali na reunião, visto que não tinham sequer conhecimento do projeto do ‘Ponto de Leitura’ e da chegada do kit dos livros. Explicam que já receberam um kit de livros do projeto ‘Arca das Letras’ e é necessário explicar a diferença. Síntese dos pontos que levantaram: Augusto Batista da Silva mora aqui perto, mas explica que tem gente que mora muito longe daqui – é uma vizinhança mas nada é perto. Seus pais e avos nasceram aqui. Na comunidade quase todos tem documentos de propriedade de nossas terras. Ou tem de usucapião. Voltam a falar sobre os documentos de propriedade, heranças dos avós, e que tem registro. Sr Augusto tem documento de usucapião. O Sebastião Garcia da Silva – nasceu em Quebrada, casou com pessoa daqui e vive aqui. De Serra do Apon conhecem a Dona Vani (Dona Vanir Rodrigues dos Santos, de Serra do Apon) O tronco familiar da comunidade parece ser a família do Sr. Sebastião e Sr. Augusto – eram 6 irmãos, mas mudaram-se, ficaram os dois. Dizem que tem 35 famílias no Limitão. Mas os mais novos vão saindo a trabalhar fora, pois viver aqui na terra não dá pra manter a família. A Profa. Maria Valdencir diz os pais moravam aqui, nasceram aqui. Ela era professora dos alunos da comunidade ali mesmo naquele local, que tem uma sala de aula, e também uma parte do espaço adequado para moradia, que é onde reside. Mas os alunos e também ela foram transferidos para São Francisco, que é uma vilazinha próxima, ‘para agregar mais alunos’. Da. Izilda diz que toda sua família nasceu aqui, não saiu e atualmente é sozinha, planta um pouco pra sobreviver. É aposentada. Reconhecimento como quilombola e a relação com as outras comunidades.


Conhecem que tem o reconhecimento como quilombola. “Veio a Cremilda e uma tal de Laura, fizeram um levantamento e uma assembleia. Faz uns 10 anos” Direitos quilombolas? - Falam em condição quilombola, mas ninguém esclarece quais os direitos. Tentaram criar uma associação no Limitão, mas não deu certo. Muita gente não se reconhece como quilombola. Quando perguntamos sobre a origem da comunidade através dos escravizados fugidos de Capão Alto, nos respondem que não tem a ver, ninguém sabe, não tem origem comum. ‘Nós somos morenos’(mulatos) Fizemos uma provocação sobre/para as mulheres que se mostravam também muito inteligentes – quilombolas? Dizem que não tem relação com a Serra do Apon, não reconhecem a Associação, ou sequer a presidente, Rozilda como representante. Conhecem muito pouco. Não tinham noticia do projeto Ponto de Leitura. Conhecem que chegou a eles uma biblioteca “Arca das Letras” que está na casa do Sr. Sebastião. Consideram que não tem relação com os projetos. O que receberam depois do reconhecimento como comunidade quilombola? Água não tem falta. Mas há problemas do uso de agrotóxicos nas industrias. Há um projeto de instalação de poço artesiano, Projeto de água. Depois veio a luz (eletrificação rural – programa ‘luz para todos’). Teve um projeto de vir luz. Também veio uma pessoa com o projeto de casas para os quilombolas, recolheu os nomes, cadastro etc, mas não voltaram. Na comunidade tem o atendimento de um médico e enfermeira, uma vez por mês. Quando necessitam tem que ir a Castro. Falam das dificuldades- O governo não apoia, precisam de sementes, assistência rural. Há problemas para comprar sementes, o pagamento, e os empréstimo. Há necessidade de intervenção do prefeito, do governo: de assistência social e rural, orientação para o plantio, sementes. Faltam recursos, semente. Existe o PRONAC – mas, o problema é que depois tem que pagar financiamento para o banco. Nem sempre a produção dá, tem que vender a terra pra pagar. Ainda assim, dizem que antes era ainda mais difícil. Um dos filhos do Sr. Sebastião, diz que a saída para a comunidade seria o plantio de orgânicos. Dizem que a Associação cobra todo mês 5 reais/família há um ano e então há discussões entre eles e desconfianças sobre a finalidade do dinheiro. Contam que festas ‘já houve muitas, depois vinha muita gente de fora, acabava dando briga, vinha policia. Acabaram as festas’. Festa de são João, e da padroeira. Falamos do nosso projeto e como devolver o que pra comunidade? Não tem endereço de correio, nem telefone. Para entrar em contato so através da Rozilda. Rozilda retoma e faz a defesa da Associação, diz que o Ponto de Leitura é do Apon. Justifica as dificuldades... Presentes, que disseram os nomes: Augusto Batista da Silva; Sebastião da Silva e seus dois filhos José Paulo Garcia da Silva e João Maria Garcia da Silva, Maria Valdensi Pedroso da Silva (professora, www.ancestralidadeafricana.org.br


que nasceu e mora na comunidade), Izilda de Oliveira e Silva, Nadir, Jandira, Irma. Sr Osni, de S.Luiz dos Machados, que apresentou a Associação de Pequenos Produtores Havia muito mais gente que não se identificou. Esteve também presente o Sr. Osni, da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Nova Esperança e Vizinhanças, que conta com 54 famílias, sendo 12 famílias do Limitão Não é muito claro sobre a fala desta associação, e diz que oferece condições para os produtores, embora demore um pouco pra conseguir atender. Os associados pagam uma taxa mensal e depois quando precisam de máquina tem que pagar novamente por hora de uso. Todavia demora a atender as pessoas da comunidade. Osni – é de São Luiz do Machado, e trabalha na Associação, onde se diz em ‘trabalho voluntário’ – que parece mais uma ‘cooperativa empresarial’ – explica que tem que pagar pelo serviço para manter o equipamento. Diz que conseguiu maquinas do governo. Tem uma taxa anual de associado, e paga quando usa o equipamento. Há uma discussão sobre isso, e alguns dizem - “Ele ganha o dele”. 07/04 – Imbuial Imbuial (parte da comunidade dos Mamãs), que fica para além do Tanque Grande, um vilarejo onde tem um pequeno comercio, a escola infantil e um posto de saúde para onde vem uma enfermeira atender a cada 15 dias. Antes a escola até o 5º ano ficava no próprio Imbuial, mas mudou tudo para Tanque Grande. Depois as crianças vão pra Socavão completar estudos. Nesse local encontramos uma comunidade familiar, com várias casas de descendentes dos mamãs, que para cá vieram por conta de casamento – os pais da Sra. Anistarde de Lourdes de Oliveira Cardoso, e do Sr. Julio de Oliveira, falecido, tinha um terreno onde plantava O Sr. Mira Cardoso, falecido, casou-se com Da. Anistarde, e Da. Nair Cardoso Godoi, casou-se com Sr. Julio, e ambos mudaram-se de Ribeirão do Meio para essas terras. Veio também Da. Maria Conceição Cardoso, irmã de Da. Nair, para o Embuial, por conta de escola para as crianças. Também por aqui vivem outras famílias alguns dos filhos e netos dessa família. Os Cardoso tinham terras no Ribeirão do Meio, que é terra de quilombola. Dizem que tem irmãos que ficaram morando em Ribeirão do Meio, mas que é muito longe, as casas são distantes e com poucos recursos pra viver. Da. Nair Cardoso Godoi, diz que seu bisavô era escravo, e ouviu contar que sofriam muito, surravam e tinham que trabalhar . Seus pais são Ramira Cardoso e João Arcedo de Godoi, e seu avo Joaquim, e os avós paternos, Manoel e Lipurdina. Conta que há 40 anos veio pra Imbuial com o marido, Julio de Oliveira, que morreu após 11 anos de casados, e ela criou os quatro filhos trabalhando na enxada, como diarista na roça, quebrando milho, roçando. Diz que as crianças mais velhas trabalhavam também. Da. Maria é irmã de Da. Nair, veio há 7 anos, tem sete vivos, 5 vivos. Planta feijão, milho, mandioca, arroz pra subsistência. Da. Anistarde (filha de Maria Virgulino e Venceslau de Oliveira) é mãe de Rozilda e Roni Cardoso. Com ela vivem duas netas gêmeas Caroline e Carol Batista Cardoso, 11 anos, estudam no 4º ano em Tanque Grande. São filhas de seu filho Antonio Carlos. Contam que em Ribeirão tinha festa ‘mesada de anjo’ que privilegia a mesa para crianças, rezas e baile na lavoura. Em Imbuial tem festa de São Sebastião, em janeiro, com procissão, e festa da criança no dia de N. Sra Aparecida. Contam que foi o Sr. Mira Cardoso que há 10 anos achou a dona Vani (de S.do Apon) e entrou nesse


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processo de reconhecimento de quilombos. Da. Maria acha bom ser quilombola, mas diz que não ganhou nada com isso. Da. Anistarde diz que já houve distribuição de arroz, trigo e sementes. 08/04 Serra do Apon Comunidade serra do Apon Saindo de Castro se atravessa o bairro ‘Castrolanda’, com um enorme complexo agroindustrial, que se alia à Cooperativa da Batavo para a produção das industrias Batavo, é tambem uma parte holandesa da cidade com armazéns, escolas, e equipamentos urbanos próprios para aquela comunidade. O caminho vai revelando os enormes propriedades rurais, campos monótonos de plantio monocultores – soja, milho, pasto de gados, e finalmente eucaliptos e pinhos, que chegam praticamente até a região de caminhos inóspitos onde estão as pequenas propriedades dos remanescentes dos quilombolas, em Faxinal São João. Casinhas pequenas, muitas ainda com paredes de adobe e piso de terra batida, alguns animais, um pouco de plantio e flores silvestres.

http://www.gtclovismoura.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=29, consulta em 20/03/2013 . A proposta era de sairmos com Da. Vanir, e ir visitando algumas casas para realizar entrevistas. Mas nem sempre encontramos as pessoas, ou as que ali estavam se dispunham a conversar com o grupo que batia a sua porta. Encontramos um casal muito simpático e receptivo, o Sr. Manoel Pedro Rodrigues da Silva, 96 anos, e Da. Noemia Rodrigues da Silva, 92 anos. Estão casados há 69 anos e parecem felizes juntos. Tem seis filhos homens e uma mulher. Um dos filhos também mora no Apon, em um terreno mais adiante. O Sr. Manoel tem uma memória primorosa, lembra de muitos fatos de toda a história do lugar e das pessoas, e gosta de contar. O avô de Noêmia era polonês e veio com quatro filhos para a região, e depois casou com uma brasileira. A sua mãe, Da. Virgínia era filha de João Basilio (era preto, ela ressalva), e Da. Maria Cecilia. O Sr. Manoel Pedro é filho de Adelina Vaz de Oliveira e Serafim Rodrigues da Silva, e seus avós paternos, Antonio e Clotilda Rodrigues da Silva. O pai era da Lapa, mas veio pra cá. Sr. Manoel diz que trabalhou 40 anos em uma fazenda e foi economizando até que comprou 260 alqueires em cima da serra, mas a terra foi vendida pra uma firma. Depois comprou aqui na Serra do Apon. Ele presenciou muitas mudanças nas propriedades de terra do lugar, os casamentos e os donos de grandes propriedades que foram se alastrando; conheceu as atividades dos ‘tomadores de terra’ que derrubavam as casas dos moradores para se apossar, ou davam bebidas para alguns ficarem bêbados, e então compravam as terras a preços irrisórios. Conta que ouvia a escrava Joaquina contar as histórias do Capão Alto. Conheceu o Sr. Acróbio Lopes Fernando, pai de Vani e as perseguições que sofreu por conta da terra que morava. Da. Vanir Rodrigues dos Santos, 67 anos Conta-nos a origem do nome Apon – “tinha uma índia que se chamava Abapani.” Segundo relatos o local era habitado por indígenas Abapanis, quando chegaram os negros fugitivos da fazenda.

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Da. Vani, como é conhecida, aliás, por todos, pois parece ser a que mais se empenha na mobilização das comunidades. Está desde o inicio do processo de reconhecimento, colaborou intensamente com as pesquisas do GT Clovis Moura, e quando foi criada a Associação para começar o reconhecimento como quilombola foi a primeira presidente. Da. Vani conta que seu bisavô, Prudente Rodrigues da Silva e pais dele Lucia e Raimundo Rodrigues da Silva vieram fugidos da fazenda Capão Alto. Os pais de Vani, Maria Zelina Maciel e Acróbio Rodrigues da Silva sempre moraram ali no Capão e , ainda quando tiveram que viver escondidos, como contou o Sr. Manoel Pedro, preservaram o terreno. Ela conta que o povo do Limitão são primos do seu pai, que sempre falava dos parentes dele de lá. A avó do pai, Joaquina, era do Limitão. “Os mamãs foram para Ribeirão do Meio e Imbuial, para cá os Prudentes. Ribeirão do Meio fica no município de Serro Azul.” Ela conta que ‘o povo tem que ficar aqui na terra, mas pra sobreviver tem que sair pra trabalhar. Não podem vender a terra, pois está embargado (todavia, passamos frente a várias casas com placas de ‘vende’). Muitos venderam a terra escondido para os holandeses. “Meu pai e aquele homem que encontramos com os bêbados, vendiam a terra por quase nada, sem documento. Bebiam, ou davam bebidas pra eles e as vezes davam a terra a troco de nada, ou de bebida. Os brancos ocuparam as terras dos quilombolas e agora vão ser indenizados. Sabe que “saiu um dinheiro pras comunidades quilombolas, mas ninguém sabe quem pegou. O dinheiro era dos escravos, que deveria ser devolvido para a comunidade” e que isso está encaminhado por dr. Rosinha, de Curitiba. Diz que há uns dez anos começou esse processo: “A Cremilda (Professora Clemilda Santiago Neto, hoje Coordenadora do Programa Brasil Quilombola, na SERC,- Secretaria Estadual de Relações com a Comunidade veio com o projeto, onde fez um levantamento das famílias, identificando como quilombola. Houve uma reunião e para ser reconhecido foi criada uma Associação. Da. Vani diz que tem uma associação na cidade que reúne as três comunidades, mas não conhece o nome. Também conta que existe outra Associação Serra do Apon “dos brancos”, que tem trator e cobram mensalidade, além de cobrar para usar a máquina. Depois de montada a associação continua tendo maquina, mas pra Lagoa (outra região) Serra do Apon tem uma escola até 4º. ano. As crianças do Apon e da Lagoa frequentam. Para colégio vão pra Socavão, vem ônibus buscar nas casas. Também na comunidade tem um posto de saúde onde vem médico e enfermeira a cada 15 dias, e tem um agente de saúde que é do lugar. O mesmo acontece com Lagoa. Da. Vani tem 4 filhos e 6 irmãos (4 mulheres). Foi casada com João Batista dos Santos que era do Apon, e faleceu. Atualmente está casada há 13 anos com Sr. Joacir Pereira, que não é quilombola, e tem uma casa em Castro, onde eles passam alguns dias da semana na cidade.


Da. Vani tem uma capelinha no seu quintal. E conta que nos tempos sempre há festas, novenas na comunidade, festas de São João, São Pedro, Mesada dos Anjos (pra crianças até 7 anos), danças da romaria, e a Recomenda da quaresma(que é uma espécie de procissão pelas casas, lembrando os mortos, ‘encomendando as almas’). 08/04 - Entrevista com Roni do Carmo Cardoso É técnico de agropecuária, tesoureiro da executiva da FECOA Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná, coordenador do Paraná na executiva da CONAQ, e é membro da comunidade dos Mamãs. Diz que as três comunidades estão certificadas pela Fundação Palmares no mesmo documento desde 2007, e também a Comunidade do Tronco. O nome: Associação das Comunidades Rurais Negras de Castro. Conta que os benefícios desse reconhecimento são poucos, mas muito significativos: proporciona que se reconheçam como quilombolas, pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrícola, tem recebido cestas básicas de alimentos, semente, mudas frutíferas e criou 4 hortas comunitárias. Do governo veio o Projeto ‘Luz para todos’, eletricidade nas comunidades com baixa renda e tem uma taxa pequena de pagamento do quanto gasta. Diz que os Mamãs, no Ribeirão do meio ficam muito isolados. Agua encanada – existe uma proposta de construir poços artesianos. Outros benefícios foram a troca de geladeira, pela Copel, troca de chuveiros, e troca de fiação em todas as residências – falta Mamãs A COHAPAR – habitação fez um levantamento no Paraná e saíram mais de 200 casas para quilombolas. O processo no Paraná começou com o GT Clovis Moura mais pesquisadores de Castro. Teve o trabalho de levantamento para o laudo antropológico, que é o resgate da árvore genealógica das famílias. O INCRA contratou professores da UFPR. Na Federação diz que o trabalho é conhecer as políticas públicas para obter direitos para as comunidades e organizar as associações e formar lideranças. -------------09/04 - várias visitas e conversas a. Conversa com a Secretaria da Criança e Social – Sra. Ludiele Marcowicz A Secretaria, empossada esse ano por nova eleição, diz que não tem nenhuma política específica voltada para as comunidades quilombolas. b. Visitas ao Educandário, ao CRAS e ao Colégio de Socavão. O Ponto de Leitura, projeto da SEPPIR/FBN, selecionou a Associação Serra do Apon para receber um dos dez primeiros Pontos de Leitura de Matriz Africana, que deveriam ser instalados nas comunidades quilombolas. www.ancestralidadeafricana.org.br


Todavia, em Castro, as comunidades que se vinculam a essa associação contam com rede de energia elétrica intermitente, e nenhum sinal de telefone, celular ou rádio. Algumas casas tem uma antena própria para acesso à TV, e segundo dizem não resolve o acesso de telefonia. Assim, quando chegamos à cidade o Ponto de Leitura ainda não estava instalado e havia algumas controvérsias sobre em que local deveria ficar. Visitamos então os locais, conforme abaixo. Visita ao Educandário Manuel Ribas, que fica na saída da cidade, na Rodovia Dom Pedro, é um espaço com várias casas, todas pintadas recentemente e tem uma boa área externa com jardins. Neste Educandário – local onde antigamente foi de isolamento das crianças de pais com lepra, o Ponto de Leitura teria uma dessas construções com possibilidade de disporem da chave para acesso a qualquer hora. Este fica em Castro, e segundo Rosilda seria um local onde todos os moradores poderiam ter acesso, já que todos vem a Castro para compras e serviços, bancos e assim poderiam aproveitar o tempo que ai ficam na cidade para utilizar a biblioteca, visto que dispõem de ônibus apenas um pela manhã e a volta somente fim da tarde (o que é verdade também para Socavão) O CRAS (Centro de Referencia de Assistência Social) de Socavão, que em tese seria uma área para onde vão todos os adolescentes e jovens das 3 comunidades para escola, após o 4º ano. No CRAS existe um projeto do Ministério da Comunicação/Banco do Brasil com 11 computadores e apetrechos para o que seria um tele centro, mas que chegou há 2 anos e ainda não esta funcionando por falta de ter os códigos de acesso para os computadores!!! O Colégio dispõe de salas computadorizadas. O argumento é que apesar dos estudantes virem para Socavão, o ônibus escolar os leva de volta para casa em seguida às aulas. E os moradores não vão para Socavão e sim a Castro. c. Visita à Fazenda Capão Alto – parte tombada com patrimônio da cidade. Encontramos o Sr. João, descendente de russos, que tem prontamente uma história pra contar: A Fazenda foi criada em 1715, em 1730 os tropeiros paravam aqui. Em 1750 foi vendida aos padres Carmelitas, que até 1770 trouxeram muitas famílias de escravos. E, devido aos seus costumes, os tropeiros tiveram que ir parar em Castro (antiga Freguesia Santana do Iapó), dando origem à cidade. Logo os carmelitas foram embora. E entre 1750-1860 ficaram os negros na fazenda por três gerações. 1860 – a fazenda foi vendida para uma empresa de São Paulo, que pretendia levar os negros como escravos. Houve aqui a grande revolta dos escravos, a “Revolta do Capão Alto”. Os negros, não querendo se submeter novamente à escravidão, fugiram e foram formar os quilombos (1860). 1870 foi vendida para Bonifácio João Batista, que depois foi embora. Em 1905 foi construída a ferrovia em Castro, e a fazenda foi hipotecada por dividas. Em 1982 a parte da fazenda com a casa grande e senzalas virou patrimônio histórico. Atualmente, o dono da área toda, conserva o espaço como patrimônio histórico, que recebe muitas visitas, e contratou o Sr. João pra tomar conta.


09/04 - entrevista com a Sra. Rizalva Maria de Barros Silva e Silva Pernambucana, há 12 anos professora da rede pública estadual, é docente especializada em educação especial e participa da equipe multidisciplinar. É assessora de projetos de educação no Brasil e em outros países, tendo comentado sua assessoria em Moçambique. Faz parte do Núcleo de Educação da Serra do Apon, que se reúne em uma casa de madeira na rua da casa de Da. Vani. A professora nos conta que acompanhou o processo de reconhecimento das comunidades e junto com Laura Marques ajudou a montar a Associação dos quilombolas. A SEED (Secretaria da Educação- Estado do Paraná) levava grupos de jovens para levantamentos nos quilombos. Foi também a profa. Rizalva quem colaborou com Rozilda para organizar informações e concorrer ao Edital dos Pontos de Leitura de Matriz Africana, para a Associação do Apon, e diz que inicialmente a ideia era implantá-lo em Socavão. Diz que atualmente muitos remanescentes dos quilombos moram nas favelas de Castro, Vilas Rosário, dos Pretos (beira rio), Vila Operária, Jm. Arapongas e outros. Vem pra trabalhar, pois não conseguem sobreviver com a roça. Conta que há poucos negros nas escolas de Castro, como professores e como alunos. Geralmente as crianças vão até o básico, mas depois se sentem desmotivados pela escola e vão trabalhar. Constata que nas comunidades se mantêm alguns costumes como preparação de crianças escolhidas para serem benzedeiras, e o casamento intra comunidade/família, o que propicia o nascimento de doenças mentais, se referindo particularmente a Comunidade do Limitão. Perguntamos à profa. Rizalva sobre o preconceito em Castro, e ela tem inúmeras histórias, tanto dos negros, que não entram nos ambientes da cidade, sequer entram nos bancos, aguardando na entrada que alguém venha chamá-los; das situações constrangedoras as quais são submetidos em todos os ambientes públicos, inclusive nas próprias escolas. Diz que enfrentou e enfrenta ainda dificuldades inclusive pessoais visto que é casada com um negro e já teve grandes batalhas nas escolas com o seu filho – problemas de preconceitos não só dos outros alunos como também de professores. Entende que é ainda uma longa batalha a ser travada na cidade.

10/04 – Serra do Apon A visita a Serra do Apon nesta data foi para acompanhar a reunião proposta pelo INCRA, que destinou todo o dia para cadastrar as famílias quilombolas. Dois técnicos ligados à regularização quilombola estiveram explicando o motivo do cadastramento, os próximos passos do encaminhamento do processo, a audiência publica que aconteceria no dia seguinte etc. Nós também nos apresentamos e dissemos o motivo de nossa visita, e conversamos um pouco sobre o Ponto de Leitura. Somente Da. Vani diz que conhecia um pouco do projeto e dos livros que tinham chegado, e nos mostra as condições de sua casa, onde tem uma parte dos livros da outra biblioteca, a ‘Arca das Letras’, em um como apertado, que divide espaço com uma sala de aula para alfabetização de adultos, tudo ali na sua casa. Na reunião havia muitas pessoas e inclusive as mulheres se dedicavam também a fazer um almoço – um pé na cozinha, outro na sala pra acompanhar a reunião. Muitos vieram nos contar sobre suas vidas e as dificuldades no quilombo, a necessidade de sair para ir trabalhar em outros lugares e às vezes até a necessidade de vender suas casas. Porém pareciam também entusiasmados, pois finalmente esse processo caminhava mais um pouco.

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10/04 – entrevista com Rozilda Oliveira Cardoso, presidente da Associação do Apon. É funcionária publica na área da saúde; fez enfermagem, foi casada 7 anos e ficou viúva, tem uma filha. É também da Comissão da Saúde da Federação dos Quilombolas do Paraná Rozilda se diz descendente dos Mamãs, quilombola. Ficou até os 8 anos de idade na comunidade, de onde diz que eles casavam entre si e que sofriam muita discriminação. Conta que seu avô fugiu e ficou no mato, e pegou a mãe que era solteira e também estava fugida. A sua mãe que é branca (Da. Anistarde, entrevistada conforme relato anterior) e a sua tia, irmã do seu pai, depois vieram para a terra do seu avô paterno. Muito nova Rozilda fugiu de casa, pois queria uma outra vida. Veio pra Castro, estudou, aos 16/17 anos se casou com um homem mais velho. Prestou concurso público e ficou funcionária. Ela definia para si melhorar de vida, e nesse caminho ajudar os seus irmãos. Conta que o processo de regularização conheceu através de Laura Marques e Rosangela, que faziam as pesquisas, definindo as famílias. No Paraná, o grupo Clovis Moura, no governo do Requião, construiu a linha de história de Capão Alto. O governo estadual definiu o estudo antropológico, e Cristina Alencar quem fez o laudo de Limitão, Serra do Apon e Mamãs. Da Comunidade do Tronco ficou outro professor encarregado e o laudo foi recusado, tendo que ser refeito. O reconhecimento da Comunidade do Tronco saiu em 2006. Os professores que acompanhavam o processo de reconhecimento pediram a Rozilda que ficasse como contato com as comunidades, dado que ela reside em Castro e as comunidades são distantes e não tem acessos fáceis (correio, telefone, internet). Já havia o reconhecimento da Fundação Palmares (e deste documento constam Serra do Apon, Limitão e Mamãs), e a proposta do grupo de professores era de formar lideranças. Também algumas pessoas das comunidades e professores articularam para criar a Associação, em 2005, e Dona Vani foi a primeira presidente. Em 2007 estava regularizada a Associação para as três comunidades, e “foi realmente uma associação criada de cima pra baixo.” Rozilda foi então convidada para ser da associação, e teve uma eleição onde estiveram os representantes das comunidades. Somente ela mora na cidade então fica encarregada de receber correspondência e comunicados, encaminhar projetos e se articular com a Federação. Desde então, após a certificação tem sido chamada a cursos, promove caravanas para os eventos, procura conhecer os documentos, participando de Conselhos Federais e Estaduais, como Conselho de Saúde, CONSEAS, Conselho de Educação. Tem uma ajuda do governo estadual, e do CRAS- Centro de Referencia e Assistência a Saúde de Curitiba. A diretoria da Associação se compõe com três membros de cada comunidade. Do Limitão tem o Sr. Sebastião Garcia da Silva e o Sr. Augusto Batista da Silva. Pelo estatuto os associados deveriam contribuir com 1% do salário, mensalmente por famílias, mas acabam não pagando. Então promovem eventos e contam com ajuda de amigos e parceiros para as despesas da Associação. Diz que gostariam de fazer o desmembramento da certificação para cada comunidade independente, mas dependo do jurídico e de muita burocracia. Rozilda conta que desde que formada a Associação foram encaminhados/ obtidos projetos de luz nas comunidades (Luz para todos), bolsas família, PBC – ajuda para quem está impossibilitado de trabalhar, troca de geladeiras e chuveiros (para certo numero de residências), e a EMATER oferece sementes (ATER).


O telecentro de Socavão foi projeto feito pela Eletrosul/Ministério de Minas e Energia/ Banco do Brasil, e instalado no CRAS-Socavão. A SERC – Secretaria Estadual de Relações com Comunidades tem a Clemilda Santiago que representa os quilombolas e tem colaborado nos processos. Diz que nas comunidades há problema de limitação de água, poucos tem aposentadoria e há muita gente que ‘vive de favor’ sem ter condições pra se sustentar. Também cita a pobreza em que vivem nas favelas da cidade. “Todos tem dificuldades de sobrevivência”. A Serra do Apon é onde tem mais aposentados, tem 60 famílias, embora o INCRA fale em 50 famílias. Tem uma escola primaria, e depois as crianças vão pra Socavão, onde também tem um Posto de Saúde. São boias frias. No Limitão tem 22 a 28 famílias, e para a escola e atendimento médico vão pra São Luiz do Machado. Dos Mamãs – que estão em Serro Azul, Pinhalzinho, Água Morna, Imbuial ( bairros ou distritos do entorno) – contam 30 famílias. Das famílias na cidade se faz um levantamento para cadastrar. Sabem que existem as famílias, mas não estão na associação. Para o INCRA são cadastrados porque constam da árvore genealógica. Diz que o encaminhamento do projeto para o Ponto de Leitura não foi no seu mandato. E considera que é importante essa aquisição para poder preparar melhor os estudantes e também a formação das lideranças.

11/04 - Audiência Pública chamada pelo INCRA Para o processo de regularização/demarcação das terras dos quilombolas em Serra do Apon Marcada para começar as 14 hs, bem mais cedo já tinha algumas famílias ali esperando. Não vieram muitos - dificuldades de locomoção, que tinha de ser pago por seu bolso, e também tinha e teve as dificuldades de enfrentamento daquela reunião – não foram poucos os atos de discriminação ali perpetrados. Estiveram presentes o superintendente do INCRA_PR, representantes do prefeito e do governo do estado, da Emater, do Instituto de Terras, do Ministério Público, dos sindicatos rural e dos trabalhadores rurais de Castro, as Secretárias do Social e da Educação, da SERC –Secretaria Estadual de Relações com as Comunidades, da ONG Terra dos Direitos, entre outros. Também na plateia, algumas famílias dos quilombolas, alguns fazendeiros e diversos advogados representantes das empresas rurais, estes últimos muito dispostos a emperrar o processo, com constantes interrupções. Depois de algumas falas, o INCRA toma pedagogicamente e com firmeza, a condução do processo. O Sr. Claudio Marques (Incra, regularização quilombola) relata as leis, decretos, critérios, procedimentos e fases que guiam a regularização e anuncia que está iniciando o primeiro grande passo desse RTID – Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território, que será o levantamento fundiário da região da Serra do Apon. Observe-se que esses procedimentos, decretos etc estão descritos na pagina do INCRA, em http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/quilombolas, e é anunciado que o resumo de todas as peças, exceto o Relatório Antropológico, são publicados na pagina. Conta que o Relatório Antropológico, realizado em convenio com a UFPR, foi concluído e aprovado em outubro/2010.

www.ancestralidadeafricana.org.br


Consta que em Castro estão as comunidades Serra do Apon, Limitão e Tronco, e a dos Mamãs está no município de Serro Azul. A antropóloga do INCRA, Juliana Calabria, faz um retrospecto das conclusões desse relatório, que sintetizamos. Os quilombos foram fundados por ex-escravos fugidos e libertos da Fazenda Capão Altos. Nomes que conseguiram resgatar- Antonio e Prudente Rodrigues da Silva (irmãos e negros libertos), filhos da escrava Liberata, casal de escravos Francisca e Venceslau. Em 1960 se estabeleceram em Santa Quitéria (?) na Serra do Apon, e com intercasamentos formou-se um território negro de parentes, que tinham também relações de solidariedade, rezas e recomendas (homenagem às almas). A comunidade era reconhecida por vizinhos como comunidade negra de parentes. Houve solidariedade entre os libertos e os escravos por laços de compadrio e parentesco e essa rede deu apoio à rebelião na fazenda Capão Alta em 1864, conhecida como Revolta de Capão Alto. Os negros se armaram e resistiram. Houve intervenção policial contendo a revolta e uma parte dos negros foi transferida para São Paulo. Os padrinhos ficaram com os filhos e os afilhados dos escravos que foram transferidos. Muitos destes transferidos voltaram para a região. Conta também que o levantamento contou com a memória dos anciãos, os inventários dos irmãos Antonio e Prudente, os bens imóveis e as pessoas em Serra Apon, Faxinal, Quebrada Funda, Santa Quitéria e Serra Velha. Os encaminhamentos de esclarecimento exigiram muita paciência, com os advogados tentando anular a ação ou desviar o assunto da audiência, com a fala dos “direitos de quem trabalha na terra” – ou seja, referiam-se as agroindústrias e grandes fazendeiros, direitos afetivos e etc. Felizmente houve também falas dos quilombolas e de descendentes que tinham clareza da necessidade da reparação de tantos danos causados a essa população. “o Paraná deu diversos incentivos e terras aos imigrantes holandeses, alemães, poloneses que vieram, os negros só receberam o chicote, e o intenso e explicito preconceito”. Que é o que apareceu durante toda a audiência, explicita discriminação, risos, menosprezo. Essa audiência foi uma pequena amostra de como será tortuoso esse processo!


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