Diario de campo ribeirao preto

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DIÁRIO DE CAMPO Centro Cultural Orùnmilá Ribeirão Preto, SP

25/05/2013 No primeiro dia de encontro, no Centro Cultural Orùnmilá realizamos uma entrevista com Paulo César Pereira de Oliveira, mais conhecido como Pai Paulo, Babalorixá, cofundador do Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun e do Centro Cultural Orùnmilá. Além da entrevista, conhecemos alguns integrantes e os espaços do Egbé Ahô e do Centro Cultural. Nesta mesma ocasião, Pai Paulo realizou uma Roda de Conversa para compartilhar sua experiência, de visita ao continente Africano, alguns lugares de Nigéria. O evento aberto contou com a presença de integrantes do Centro cultural e do Egbé Ahô e interessados na temática. Pai Paulo fala sobre sua relação com a Tradição Africana. Quando adolescente, teve o primeiro contato com cultos ligados à cultura africana. Na cidade de São Paulo, no bairro do Imirim, Paulo foi iniciado no Candomblé, na Casa de Júlio Pinto Duarte, Pai Júlio de Oxum (filho de Assis Rodrigues de Queiroz; neto de Senhor Adálio de Ogunjá, de Cachoeira-BA; bisneto de Dona Paulina - Africana). Com autorização da mãe biológica, passou a viver na Casa durante anos, e por lá permaneceu até se casar com Neide Ribeiro (conhecida como Mãe Neide ou Oyá). De volta à Ribeirão Preto, na década de 1980, Pai Paulo e Mãe Neide compram um terreno no bairro Tanquinho e ali nasce o Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun (Comunidade de Culto ao Axé Mãe dos Nove Mundos). Na década de 1990, fundam o Centro Cultural Orùnmilá e em seguida o Afoşé Omó Orùnmilá (Afoxé Filhos de Orùnmilá). O Centro cultural iniciou com atividades (cursos, oficinas) voltadas à tradição africana, como: capoeira (carro chefe pra agregar a comunidade), dança afro, percussão. Todas as atividades eram (e ainda são, em sua maioria) desenvolvidas por voluntários (inclusive filhas biológicas de Pai Paulo: Daniela, Renata, Paula). Após quinze anos de funcionamento, o Centro passa a incluir Movimento Hip Hop em suas ações e atividades. Esse início se dá através da então Rádio Comunitária Periferia Norte (do grupo de Rap Consciência Ex Atual), que funcionava em um bairro próximo ao Tanquinho (bairro onde esta o Orùnmilá). Com uma programação diária de duas horas, a Rádio era exclusivamente voltada ao Hip Hop. O Centro Cultural faz uma parceria com a Rádio, que passa a funcionar no espaço de Orùnmilá, agregando à


programação, produções sobre a Mulher Negra, Capoeira, e outros temas voltados a Cultura Negra, dia todo e noite. Á partir dessas ações, foi criado o projeto “Rapolitizando a periferia”, onde já participaram os rappers e grupos: Dexter, Gog, Hip Hop Mulher, entre outros. Com transmissão ao vivo pela Rádio Orùnmilá, o projeto tem como proposta gerar debates sobre cultura, sexismo, machismo e encerramento com música e dança. Pai Paulo afirma que não há proselitismo nas ações desenvolvidas no Centro Cultural. Se usar alguns Orisàs como exemplo em suas falas são para tratar de questões sociais, exemplo de gênero, quando se fala de Oxum, e não objetivando contar a história dela. “Não há vinculação com a prática da tradição e as atividades culturais, politicas e sociais”, completa. O Afoşé Omó Orùnmilá (Afoxé Filhos de Orùnmilá) tem também um caráter social e político e enfrenta, desde seu início, dificuldades financeiras, com brancos racistas e com carnavalescos que entendiam o grupo como concorrentes. Em 2006 foi aprovada uma lei municipal, determinando que o Afoşé Omó Orùnmilá abra os desfiles anuais do Carnaval de Ribeirão Preto, ou seja ter o de Afoxé na abertura dos desfiles. Mesmo após 18 anos, ainda há tentativas de desvalorizar e descaracterizar o Afoxé, embora haja mais aceitação, se comparado com o inicio. Pai Paulo conta que no Brasil, o Afoşé foi a primeira manifestação de cultura negra, sendo 1891 a noticia do primeiro. Atuação política, Povos Tradicionais “O racismo é cultural e o combate tem que se dar no campo da cultura”, afirma Pai Paulo, que inicia sua trajetória política na militância do movimento social negro. No decorrer de sua luta, teve como conquistas a criação de cadeiras no conselho municipal de cultura, onde o Centro Orùnmilá está à frente em: Carnaval, Hip Hop, Cultura Afro, Movimento Social e Capoeira. Sobre Povos Tradicionais, Pai Paulo afirma que tratá-los como grupos religiosos ou pertencentes a uma única prática é um “reducionismo” e só atrapalha na busca por políticas públicas. Afirma que outra dificuldade, que ele enxerga como uma contradição, é buscar políticas públicas enquanto Religiosos. Se se exige que o Brasil seja um estado laico, não há como alcançar qualquer benefício para um grupo que se denomina religioso, ainda mais tendo no congresso políticos cristãos (católicos, evangélicos).

26/05/2013 Depois de nos levar ao evento cultural de 36 horas, “Se Vira”, realizado por grupos independentes de Ribeirão, em contraposição à “Virada Cultural Paulista”, Pai Paulo nos concede mais uma entrevista.


Um Ponto de Leitura temático, na concepção de Pai Paulo, tem importância na reparação pela perda da memória ancestral e uma ferramenta para se acesso às questões étnico-raciais. Espera que num futuro todas as bibliotecas públicas, tenham em seus acervos, livros com essa temática. Enfatiza ainda, que por hora, o mínimo exigido, seria que as bibliotecas intituladas temáticas tenham livros temáticos. Sobre o fato dos 10 Pontos de Leitura Temáticos ainda não terem recebido esse acervo, Pai Paulo acusa que a postura da FBN se enquadra como racismo institucional. Os livros temáticos selecionados para aquisição são de fácil localização, e quando da solicitação dos mesmos, informações sobre como adquirir, preços, dentre outros, foram fornecidas. Pai Paulo está encaminhado, juntamente com outros envolvidos no Convênio, uma formalização desta e outras questões que envolvem a Cultura Negra, junto ao Ministério da Cultura. Ele tem expectativas que o Programa de Pontos de Leitura tenha sucesso e espera que o racismo institucional aplicado pela FBN se finde. Sobre os Povos Tradicionais de Matriz Africana, Pai Paulo afirma que estes, estão hoje protagonizando ações e luta por políticas públicas. Completa dizendo que em cinco anos, esse será o novo movimento negro social, no Brasil, pois a pauta do movimento negro “tradicional” está vencida. A grande demanda vem desse povo, que hoje está reivindicando seus direitos.

27/05/2013 – entrevista com Silas Nogueira Fomos ao encontro de Silas Nogueira, Professor de História da Comunicação, Teoria da Comunicação e Teorias da Cultura; Integrante do Centro Cultural Orùnmilá Na conversa com Silas, ele apresenta seus trabalhos desenvolvidos com e a partir do Centro Cultural Orùnmilá. O seu primeiro contato com o Centro se deu no período em que se preparava para ingressar no doutorado. Silas afirma que nesta época, já existiam as ações e atividades em Orùnmilá e que o Centro cultural foi “uma de suas grandes escolas, sua maior universidade”, tanto quanto aluno como educador, já que estão sempre em processo de aprendizagem. O doutorado de Silas foi sobre o Centro Cultural Orùnmilá, para ele um espaço que luta pela preservação da cultura negra e um centro político porque é cultural. Segundo Silas, para o Povo Negro, fazer cultura sempre foi fazer política e o Centro Cultural Orùnmilá abriu espaço para se falar sobre cultura, tendo como base a cultura negra.


Define Orùnmilá como uma universidade: há muitas teses, pesquisas, trabalhos acadêmicos, porém muitos trabalhos realizados e entrevistas nem sempre são creditadas. “É um ponto de cultura por excelência, pois carrega o compromisso de discutir e disseminar ideias, informações, conceitos. É um espaço que influenciou o samba, o carnaval e o rap locais”, conclui. O Centro Orùnmilá não se foca em “educação formal”. Silas define Pai Paulo como um “grande intelectual”, sendo este a pessoa que pensou estrategicamente a concepção do Centro cultural, dando visibilidade e acentuando a importância dos aspectos da cultura negra, em especial a de tradição Iorubana, no embate político. Fala sobre a entrada do Centro Orùnmilá no Conselho Municipal de Cultura (Consultivo), apontando como dificuldade a concepção de cultura dentro de um pensamento ocidental da sociedade. Levaram pra pauta a rediscussão do conceito de cultura, fazendo com que entendessem que esta concepção é retrograda e não contempla à toda população, principalmente o povo negro. Nesta luta, incluíram no conselho, por volta do ano de 2002/2003 cadeiras para a Capoeira, o Carnaval, o Hip Hop, os Movimentos Sociais. Embora as dificuldades, foram grandes as conquistas. Em relação ao Carnaval, aponta que em Ribeirão Preto, as escolas de samba estão “comerciais”, mas ainda podem ser consideradas “redutos negros”, pois as grandes agremiações são dirigidas por negros/as. Segundo ele, o Centro faz a discussão de que o Carnaval brasileiro é uma grande manifestação negra e são as escolas de samba herança dos afoxés, e não ao contrário. Esse é um assunto que, segundo Silas, gera um grande embate, já que em Ribeirão, o grupo de Afoxé é mais novo do que as agremiações e estas acreditam que se trata de um bloco e futura Escola de Samba, enxergando-o como “concorrente”. “As primeiras manifestações de ir pra rua são dos Afoxés, são negras, por uma necessidade de garantir que não morresse a manifestação cultural negra e para que não fosse ainda mais difícil de continuar e lutar pela permanência/ existência”, completa. Silas fala um pouco sobre as atividades e projetos desenvolvidos no Centro Cultural, dando ênfase ao Ponto de Leitura. A então Rádio “Periferia Norte” se transfere para o espaço do Centro Orùnmilá e passa a ter uma programação comunitária, com programas destinados a vários grupos (Programas de Jazz, Capoeira, Hip Hop, Samba). Para Silas, embora os envolvidos nestas produções utilizassem do conhecimento tradicional, através da oralidade, havia também uma necessidade de buscar outras fontes. Esta foi uma das necessidades apresentadas, que fizeram com que os integrantes do Centro Cultural criassem uma biblioteca temática, afirma Silas. “O Povo Negro não tem dificuldade com a oralidade e não tem preconceito para com a escrita. O livro torna-se uma referência, uma forma de disseminar informação e registrar histórias”.


Para além, Silas observa que uma Biblioteca temática é uma ferramenta que também pode auxiliar na discussão das políticas afirmativas. Para ele as Ações afirmativas são instrumentais importantes, pois grande parte dos ingressos no regime de cotas são militantes e a tendência é problematizar o que era tratado como natural. Mas não é o fim da luta do povo negro, conclui.

28/05/13 – Roda de conversa com Iya Neide Ribeiro e integrantes do Centro Orùnmilá e Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun Realizamos uma Roda de Conversa com Mãe Neide e integrantes do Centro Cultural Orùnmilá e Egbé Ahô. Conversamos sobre as experiências e atividades desenvolvidas por cada um nestes espaços, bem como relação com a Tradição e importância do Ponto de Leitura. Estiveram presentes: Mãe Neide Ribeiro, Ialorixá, cofundadora do Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun e do Centro Cultural Orùnmilá; Renata Ribeiro, coordenadora/presidente do Centro Cultural Orùnmilá; Robson, responsável pelo estúdio do Centro Cultural Orùnmilá; Rafael, membro do Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun; e Maicon responsável pela Rádio Orùnmilá. Roda de Conversa Mãe Neide diz que quando criança morava na cidade de São José do Rio Preto (SP), juntamente com sua família, que era de costume católicoapostólico-romano. Num certo período de sua infância, passou por problemas de saúde que se manifestavam com desmaios, e mesmo indo a diversos profissionais de medicina não houve solução clínica. Em uma dessas procuras, a mãe de Neide foi orientada a buscar ajuda espiritual. Mesmo sem ter conhecimento, a mãe de Neide foi atrás e na cidade de São Paulo encontrou um lugar que pudesse ajudar sua filha. A primeira experiência foi em uma Casa de Tradição, de origem Bantu (Angola). Neide foi submetida a um Bori, e após isso não teve mais crises de desmaios. Tempos depois, descobriu através de um jogo de búzios, com um senhor de Cachoeira de São Félix (BA), que seu Orişà queria a iniciação. Foi iniciada em uma Casa de Tradição Fon (Jeje Mahin), na Baixada Fluminense (RJ). Mãe Neide diz que sua família era composta por dez pessoas, sendo: Mãe e Padrasto (ambos católicos); 7 irmãos, sendo 4 homens e três mulheres (8 filhos, no total). A irmã e o irmão mais velhos foram iniciados na Tradição, tempos que Mãe Neide foi iniciada. Mãe Neide lembra que sua mãe, mesmo sendo católica e sem conhecimento em Tradição Africana, buscou ajuda para a filha e faleceu poucos meses após a iniciação de Mãe Neide (1968). Mãe Neide diz que não conheceu seu pai biológico, pois este faleceu quando tinha apenas 1 ano de vida. Foi criada pelo padrasto (que faleceu um ano antes da Mãe de


Neide falecer), que considera como um “verdadeiro pai”, pois nunca deixou faltar nada e sempre a amparou, e a toda a família. A família paterna de Mãe Neide é da cidade de Jaboticabal (SP) e por lá é conhecida como família “festeira”. Eles realizavam a festa de São Pedro e todos da família são artistas e autodidatas. Na cidade foi construído um teatro para que a família pudesse realizar as apresentações culturais. Mãe Neide afirma que sua avó paterna é descendente direta de africanos. Lembra que na infância, ela e os irmãos passavam as férias na casa da avó (época de frio), que durante a noite contava histórias, com todos sentados ao redor do fogo (aceso na lenha do fogão). Mãe Neide diz que a mãe não foi criada com os pais e desconhece a história de seus avós maternos. Há mistura de raças no lado materno, mas garante que o lado paterno é puramente africana. Mãe Neide fala que a escolha do lugar para construir o Egbé, se deu por conta da semelhança geográfica com o local onde se iniciou. Escolheu um lugar com muita vegetação e amplo. O lugar escolhido tinha uma linha de trem, um rio, mato e após seis meses que encontrou o lugar, adquiriu o terreno onde plantou seu Aşè. Com 45 anos de iniciada, em sua Casa só inicia as pessoas quando o Orişà realmente necessita, pois é contra a iniciação sem necessidade. Escolheu também permanecer na periferia, onde está o público que tem maior necessidade e demanda nos projetos que desenvolvem. Mãe Neide explica que o espaço do Egbe é o mesmo de onde desenvolvem as atividades do centro cultural. Ainda são realizadas festas e outras ações internas no Egbé Ahô, mas estas não são públicas e hoje acontecem em menor quantidade, se comparando há tempos atrás. Renata desde pequena se envolveu nas atividades do Centro cultural. Considera-se uma pessoa muito feliz, pois essa vivência a favoreceu no enfrentamento ao racismo, na valorização e aceitação de sua negritude. O envolvimento dela sempre foi de forma natural, nada foi imposto. Robson tinha como referência negra amigos, que eram de movimento social negro, mas sua identidade negra só foi construída no Centro Orùnmilá, á partir de 2006. O Movimento Hip Hop em Ribeirão não lhe deu essa base política que o Centro Cultural proporciona aos jovens negros/as de periferia. Rafael afirma que é bisneto de uma ialorixá na Bahia, neto e sobrinho-neto de pessoas pertencentes à Tradição Africana (mas não sabe qual o nível de envolvimento). Rafael diz que sua família paterna é italiana e católica. Rafael afirma que uma biblioteca temática é importante para levar conhecimento sobre a história dos Orisás.


Maicon conta que chegou ao Centro Cultural através da Rádio Orùnmilá e de ouvinte passou a ser colaborador e agora diretor de programação. Participante de outras atividades no centro cultural, bem como o Afoxé, onde, segundo ele, tem a importante responsabilidade de escrever as faixas de protesto, que são levadas à frente do Afoxé Orùnmilá, durante as apresentações. Além disso, Maicon é educador e responsável pela parte técnica e de informática do Centro. Maicon afirma que o Centro Cultural Orùnmilá lhe deu valores, e é o responsável por ele voltar a estudar, ter outra visão de mundo, melhorar na leitura, se formar DJ, ingressar na graduação. Maicon diz que se identificou com o Centro Cultural, pois lá encontrou a sua ancestralidade. Maicon diz que vivia num espaço preconceituoso, o que o influenciou a sair da escola. Após se envolver com o Centro cultural, tem outra visão de mundo e volta à escola questionando a falta de informação da ancestralidade africana no conteúdo escolar. Consegue hoje levar esse aprendizado ao meio familiar, resultando com pessoas se assumindo enquanto negras. Centro Cultural Orùnmilá Dança afro, capoeira, percussão são algumas das atividades desenvolvidas, por “necessidade do povo”, no Centro Orùnmilá. No Centro cultural já teve cursinho pré vestibular, onde os professores eram todos voluntários e os alunos, em sua grande parte, eram oriundos de bairros distantes. Por falta de verba para custear os gastos com o curso, o projeto que durou por muitos anos, foi encerrado. Maicon fala sobre o “Rapolitizando”, um evento que reúne rappers famosos e anônimos, para discutir sobre questões politicas e sociais do rap, do movimento negro, através de seminários com a participação de jovens da periferia. A luta do Movimento Hip Hop se estende através da participação do Centro Orùnmilá no Conselho Municipal de Cultura. Ele também comenta sobre o projeto de TV Web e diz ser um projeto futuro, que pretende ter no site as obras disponíveis no Ponto de Leitura. Aşè.


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