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2.1.1 O Governo Militar e o panorama cultural no Brasil

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REFERÊNCIAS

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tais práticas cativas e, deste modo, obstruía o trabalho de elaboração de suas próprias experiências sobre suas singularidades, bem como de suas políticas de elaboração e produção de conhecimento. O furor de arquivo aparece assim marcado por uma guerra de forças pela definição da geopolítica da arte, a qual por sua vez se situa no contexto de guerra mais ampla, em torno da definição de uma cartografia cultural da sociedade globalizada, conforme analisa Suely Rolnik. Há, porém, que precisar melhor que práticas artísticas produzidas nos anos 60-70 fora do eixo Europa ocidental-EUA impulsionam e alimentam esse furor recomenda a pesquisadora. Sem dúvida, tais práticas artísticas são especialmente cobiçadas - as que surgiram na América Latina e em outras regiões - que, como no nosso continente, se encontravam então sob regimes ditatoriais (é o caso, por exemplo, da Europa do leste e da própria Península Ibérica). Nessas situações, o movimento em questão ganha matizes singulares que se apresentam sob formas variadas. Assim o aspecto, no entanto, recorrente é o da agregação do aspecto político às dimensões do território institucional da arte, que passam a ser problematizadas.

Explicitar, problematizar e deslocar-se de tal determinação passam a orientar a prática artística, como nervo central de sua poética e condição de sua potência pensante – na qual reside a vitalidade propriamente dita da obra. Dessa vitalidade emana o poder que terá uma proposta artística de ativar a sensibilidade daqueles que a vivenciam para o concentrado de forças que nela se presentifica e, por extensão, para as forças que agitam o mundo a sua volta. Se essa ativação se concretizará ou não é questão que extrapola o horizonte da arte, posto que isso depende da trama complexa de que são feitos os meios por onde circulará tal proposta e o jogo de forças que delineia seu atual diagrama. (ROLNIK, SUELY, 2012, p.98).

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Para Rolnik o foco da compulsão de arquivar colocado nessas práticas situa-se num campo de forças em disputa pelo destino de sua retomada no presente – variado espectro desde iniciativas que pretendem ativar sua potência poético-política até aquelas movidas pelo desejo de ver tal potência definitiva e irreversivelmente desaparecida da memória de nossos corpos. Contribuir para as práticas de inventariação e, tentar sanar as lacunas de nossa jovem história significa então abrir o arquivo de um período nebuloso como foi o governo militar brasileiro de 1964 até 1988. Assim, de que modo então este fenômeno nos afeta?

2.1.1 O Governo Militar e o panorama cultural no Brasil

Para localizar com maior precisão este contexto, os anos 1960 e 1970, no Brasil, são conhecidos como os anos de chumbo. Por meio de técnicas modernas de propaganda foi divulgado “um discurso tico-moral com estrutura, teóricos e militares que se apropriaram (...) do poder de conceituar o que era ‘nacionalidade’, ‘democracia’, ‘sociedade brasileira’, ‘cultura brasileira’, ‘economia brasileira’ e assim por diante” (FICO, 1997, p. 12). Também a arte brasileira, segundo a convicção do regime militar, deveria se adequar às novas regras de conduta e de civilidade, afirmando uma visão otimista do Brasil.

A ditadura civil-militar foi um período complexo na história recente do Brasil. Este período, marcado pela instituição normativa dos Atos Institucionais, repressões, torturas, exílios e mortes, ainda precisa ser melhor compreendido. Sendo assim, aqueles que estabeleciam uma reflexão crítica sobre a política do regime militar ou que se distanciavam da “leitura” oficial sobre o Brasil e sobre os brasileiros por meio de suas proposições artísticas, estavam sujeitos às diversas formas de violência como à censura, tortura, exílio ou a medidas mais dráticas como a morte. Segundo Ortiz (2003, p. 88), “durante o período 64-80 a censura não se define tanto pelo veto a todo e qualquer produto cultural, mas age primeiro como repressão seletiva que impossibilita a emergência de determinados tipos de pensamento ou de obras artísticas”. ssim, o ato repressor atingia a especificidade da obra e não a generalidade da produção artística. Os casos de censura foram se acentuando nos anos seguintes ao golpe, restringindo cada vez mais a liberdade de expressão. No panorama socioeconômico, a antropóloga Maria Manuela Alves Maia, analisa que naquele momento foi possível desenvolver a forma de Estado autoritário capitalista firmado na ideologia da Lei de Segurança Nacional, no qual garantiu, legitimou e manteve o modelo de desenvolvimento dependente, expressado no governo por normas. Para a antropóloga, os militares contaram com o a um poio dos setores industriais, principalmente daqueles ligados ao capital estrangeiro, que estavam extremamente descontentes com as medidas de restrições a empresas multinacionais, como as leis antitruste e outras medidas tomadas pelo presidente deposto - João Goulart, com o objetivo de impedir o alastramento do domínio estrangeiro. Segundo o acervo Memórias da Ditadura, verifica-se que a ditadura militar no Brasil passou por três fases diferentes ao longo de seus 21 anos de duração. Na primeira fase predominou a legalização do regime autoritário, por meio de decretos-lei e de uma nova constituição, onde se instalou como um disfarce legalista - de 1964 a 1968. A

segunda, de recrudescimento da repressão e da violência estatal contra os opositores da ditadura, em que vive os anos de terror - de 1969 a 1978 . E a terceira, de reabertura política, com a Lei da Anistia e o movimento pelas eleições diretas para presidente - de 1979 a 1985.

Ao colocar em nosso horizonte, a história da ditadura, percebemos também a instauração do Golpe de 1964, realizado por uma reunião de forças e interesses, composta por militares, pelo grande empresariado brasileiro, por latifundiários –proprietários de grandes parcelas de terras e por empresas estrangeiras instaladas no país, sobretudo aquelas ligadas ao setor automobilístico, segundo o arquivo pesquisado. Deste modo, às origens deste golpe civil-militar encerra o governo do presidente democraticamente eleito, o presidente João Goulart, conhecido popularmente como Jango. Conforme o acervo do Instituto Vladimir Herzog, quando o presidente João Goulart anunciou que colocaria em prática as Reformas de Base, com objetivo de reduzir a concentração da renda e da terra no país, milhares de pessoas saíram às ruas para defendê-las e aprofundá-las. Este início da década de 1960, também é marcado pela proximidade das “forças progressistas” do poder político, no qual a pesquisadora Luise Boeno (2018, p.65) apresenta um expressivo crescimento do movimento operário, o surgimento dos sindicatos e a afirmação do Partido Comunista Brasileiro - PCB. Para a pesquisadora, essa articulação dos setores progressistas criou para as lutas populares, uma promissora conjuntura política, simbolicamente, representada pelas forças da classe estudantil, reunida em torno da União Nacional do Estudantes - UNE, que se aliava a intelectualidade em busca de promover debates e mudanças sociais no país. Luise Boeno (2018, p.65), ainda aponta que é nesse contexto, que emerge, em 1961, o Centro de Cultura Popular (CPC), vinculado à UNE do Rio de Janeiro, mas logo espalhando-se para a Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Porto Alegre, além de outros estados.

Os CPC´s, segundo Luise, faziam representações de peças de teatro na rua, de autores como Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco Guarnieri, shows de música e poesia, sessões de cinema com filmes politizados e debates em praças públicas e auditórios. No Brasil do começo dos anos 1960, apesar de grande parte da população viver em situação de extrema pobreza, vivia-se o sonho de modernidade. Nos quais, em poucos anos atrás, a inauguração de Brasília, obra polêmica do governo Juscelino Kubitschek, considerada a síntese desse sonho, é materializada numa cidade planejada,

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