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2.7 Playgrounds (1969

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REFERÊNCIAS

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[…] comecei a pensar o lado de fora do museu. Enquanto estive no M M essa foi a minha máxima preocupação: o que é o lado de fora, como deve ser ativado e utilizado, como pode participar o público, como pensar a relação entre a arte e o espaço público, a arte e a rua, a arte e a vida. […] tentei criar a possibilidade de expressão da nova situação artística no lado de fora do museu e no contexto da ditadura (MORAIS, 2008).

Dalcol também sinaliza em outra entrevista posterior, as motivações que moviam o trabalho do crítico e o seu sentido coletivo e público com que compreende a arte:

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Nessa época eu já defendia um processo de democratização e/ou dessacralização da arte, levando à rua a criatividade plástica dos artistas. Ao mesmo tempo afirmava que todas as pessoas são criativas, independentemente de sua origem social, situação econômica ou nível intelectual, ressalvando, porém, que nem todas as pessoas criativas se tornam artistas, assim como nem todos os artistas são necessariamente pessoas criativas. Muitos não passam, na verdade, de burocratas da arte (MORAIS, 2013).

Para Dalcol (2018, p. 136), fica claro o sentido de abertura com que o crítico compreende e quer a arte, delegada aqui — como antes na relação entre artista e críticocurador — a um borramento e sobreposição de papéis, agora entre as posições do criador e do espectador.

Importante perceber aqui a ação do crítico em seu intento de estabelecer algo que encontra o sentido de uma partilha do sensível, nos termos de Jacques Rancière (2009), e com isso configurar novas possibilidades de subjetivação est tica e política. Corroborando a tese de Cristiana Tejo (2017, p.170), em que afirma que Arte no Aterro é o primeiro projeto que sintetiza muitas das preocupações e posições que conformam o pensamento curatorial de Frederico Morais e que atestam o caráter transgressor de seu posicionamento no campo crítico e social.

2.7 Playgrounds (1969)

Em 1969, Nelson Leirner35 realiza a mostra Playground composta de esculturas manipuláveis pelo público, no setor externo do Museu de Arte de São Pulo - MASP. Como exposição obteve uma interação bastante favorável com o público. Playground foi à exposição que recebeu destaque por ter sido a primeira responsável por assumir completamente a área do vão livre do MASP. Como espaço expositivo e educativo foi concebida pelo artista, em julho de 1969. Dessa maneira, como o projeto museológico

35 Nelson Leirner (São Paulo, São Paulo, 1932 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020). Artista intermídia e professor universitário. Suas obras e ações se caracterizam pelo teor reflexivo e polemista.

do MASP buscava a difusão das artes na cidade e a formação do público, a instalação Playground estava vinculada aos mesmos princípios.

Figura 23: Montagem original da mostra Playgrounds, no vão livre do MASP

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969.

Segundo os pesquisadores Túlio Rossini Ferreira Zanatta e Adriano Tomitão Canas (2016, p.10), a decisão do artista por ocupar o jardim do museu foi justamente a possibilidade de relação que poderia ser estabelecida entre os objetos expostos e os passantes da Av. Paulista. O objetivo comum era a estabelecer outra concepção expositiva, assim diferenciando-se das destinadas aos frequentadores de galerias, buscando uma aproximação do público em geral com o contexto das artes.

Figura 24: Vista da Exposição Playground, de Nelson Leirner, por Hans Gunter Flieg

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969.

A exposição, intitulada Playground, apresenta a instalação artística como um equipamento de lazer que busca a relação de participação e interação entre público e obra. Cerca de 30 trabalhos compuseram a mostra individual de Nelson Leirner, que foram distribuídos e organizados por todo o espaço do vão do MASP, possibilitando um percurso livre.

Figura 25: Montagem original da mostra Playground, no vão livre do MASP

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969

A inserção no vão livre do museu lega a mostra o seu papel de importância no contexto da arte pública na contemporaneidade. Como elemento dinamizador do espaço, extensão do edifício transparente que abriga a arte, intensifica-se, assim, a proposta de um museu vivo, atuante, que se abre para a cidade e mais próximo da vida do homem.

Figura 26: Montagem original da mostra Playground, no vão livre do MASP

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969

Em pesquisa de acervo no museu (ZANATTA e CANAS, 2016), nesta mostra também foram identificados trabalhos de fases anteriores da carreira de Leirner, como a obra Adoração (1966). A instalação, pertencente ao acervo do MASP, é composta por uma estrutura cilíndrica de tecido carmim que abriga em seu interior uma tela do cantor Roberto Carlos sobreposta por uma estrutura de luzes néon. Neste trabalho, a imagem do cantor é emoldurada por outras menores de santos e santas em segundo plano, apresentando “de forma ambígua, como evocação de alguém próximo e, contudo, ausente”. Uma roleta amarela, logo na entrada da instalação, sugere, de modo explícito, que custa algo ingressar no espaço de veneração ao ídolo, tornando ambíguo o local, já que toda a instalação é permeável e aberta ao público.

Figura 27: Montagem original da mostra Playgrounds, no vão livre do MASP

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969

Com a suposta homenagem ao ídolo popular, resultado da ambivalência da obra (FARIAS, 1995), Leirner questiona valores morais, estéticos e patrimoniais relacionados ao espaço proeminente que a indústria de massa passa a ocupar no

cotidiano urbano do país. O artista subverte a lógica de hierarquia até então estabelecida; o objeto de adoração passa a ser o artista em substituição do ícone religioso, estabelecendo a crítica diante do culto ao artista como santo.

Figura 28: Pirâmides da exposição Playground. Fonte: Centro de Documentação do MASP.

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969.

Ainda para Túlio Rossini Ferreira Zanatta e Adriano Tomitão Canas (2016, p.10), a instalação O happening da crítica (1967) foi umas das peças que também compôs o cenário da exposição. Tal obra foi apresentada anteriormente pelo artista no IV Salão de Arte Moderna de Brasília. O objetivo em expor um porco empalhado com um presunto acorrentado no pescoço foi de questionar sobre os critérios utilizados pelo júri para seleção dos trabalhos que entrariam na mostra do evento. O artista traz novamente a obra para ser exposta e junto a ela, uma nota explicativa intitulada Continua o caso do porco em que ele rebate as críticas levantadas pelos organizadores do evento.

Figura 29: Peças interativas da exposição Playground

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969.

Embora Leirner tenha utilizado peças de ocasiões anteriores, a maior parte delas foram desenvolvidas exclusivamente para Playground (1969) e desenhadas para serem manipuladas. Esses novos objetos tinham caráter interativo e estimulava o usuário não só a mudar suas configurações, mas também de usar o próprio corpo na sua fruição, como é o caso da caixa de areia com bolas de gude. Outros trabalhos estabeleciam forte relação com o skyline urbano, com formas geométricas e ritmadas.

Figura 30: Montagem original da mostra "Playgrounds"

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969.

Segundo os pesquisadores, o catálogo oficial publicado pelo MASP apresenta um projeto gráfico limpo e objetivo, condizente com a proposta de interação da exposição. Organizado cronologicamente, o livreto prevê os espaços de cada imagem, porém, em branco, sendo o próprio visitante que completaria o catálogo, semelhante ao formato de um álbum de figurinhas. As imagens foram impressas em paletas de cores únicas preestabelecidas pelo artista, dentre elas o magenta, o ciano e o amarelo, distribuídas pelo próprio museu. A identificação e equivalência das imagens eram feitas pela própria data da obra e legendas presentes no catálogo.

Figura 31: Catálogo da exposição Playground Fonte: Centro de Documentação MASP

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969.

Figura 32: Nelson Leirner - Playground, MASP, SP, - Objetos que necessitam a integração direta do público.

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969

Figura 33: Montagem original da mostra "Playgrounds", no vão livre do MASP

Fonte: Museu de Arte de São Paulo, 1969.

No texto de apresentação publicado pelo museu na primeira página do catálogo oficial da exposição, Bardi esclarece que:

“a intenção da apresentação dos objetos de Nelson Leirner no Belvedere do Museu era a da comunicação com o público, não platonicamente, mas direta, tão direta que sugeria, solicitava mesmo, uma participação tanto mental quanto táctil, manual, dando-se a liberdade de neles se mexer, modificar suas posições em composições e ajeitamentos que melhor agradassem ao visitante.” (B RDI, 1969).

Figura 34: Montagem original da mostra "Playgrounds", no vão livre do MASP

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