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3.4 Plano-piloto da futura cidade lúdica
from Concepções de arte pública e de museu na experiência da Unidade Experimental do Museu de Arte Modern
aluno do Cildo Meirelles, acho que na única vez que ele deu uma aula na vida, num setor inaugural e importantíssimo do MAM chamado Unidade Experimental. Onde davam aula Cildo, Anna Bella Geiger, Guilherme Magalhães Vaz, Frederico Morais. Era uma discussão a respeito de questões da arte contemporânea. A Unidade Experimental reunia artistas que vinham de diferentes áreas, artes visuais, música, design. (RONALDO REGO MACEDO, 2020).
A fala de Ronaldo Macedo nos faz pensar sobre o panorama deste período, em que “os artistas buscavam – parafraseando Leonardo da Vinci – a cosa corporale” (PORTELLA, 2010, p. 82). O artista passou a conduzir e transmitir significados por meio de sua produção poética, dando importância para o processo, e não mais o objeto finalizado. Existia uma liberdade de experimentação que contaminava tanto o artista quanto o participante, lembra Isabel Portella.
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Artista e participante, desejantes em agradar ao seu proponente, corporificavam a ação, a princípio timidamente, sem saber como e por que, mas aos poucos se soltavam, resultando no exercício experimental de liberdade. (PORTELLA, 2010).
Pensamos assim que o laboratório de vanguarda não teve por objetivo se sobrepor às demais propostas pedagógicas ou a ideia de vanguarda, muito menos intitular-se como uma experiência superior ou transcendente. O laboratório pedagógico da Unidade Experimental se fez no real. Laboratório, aqui, se liga também a concepção científicofilosófica adotada por Frederico Morais ao escolher como pressuposto conceitual, a imaginação material do filósofo da ciência Gaston Bachelard, em que a dimensão do experimento, da tentativa e, principalmente do erro é a prova favorável para a criação.
Tal reverberação ecoa em documentos como o Plano-piloto da futura cidade lúdica, onde encontramos a dimensão utópica do ideário de Frederico Morais, ao imaginar o museu num lugar no futuro pensado pela vanguarda no qual a arte e a vida estão vinculadas. O museu como plano-piloto onde será realizada a utopia, chegando no futuro à cidade lúdica. (SILVA, 2020, p.119).
3.4 Plano-piloto da futura cidade lúdica
Em comunicação ao jornal Correio da Manhã de 06 de junho de 1970, Frederico Morais apresentou a sua proposta de palestra proferida no IV Colóquio da Associação Brasileira de Museus de rte, realizado em novembro de 1969. Intitulado “ lano-piloto da futura cidade lúdica”, o texto discorre sobre o museu de arte pós-moderna que
deveria ser um laboratório de experiências, campo de provas visando à ampliação da capacidade perceptiva do homem, exercício continuado de liberdade.
Segundo essa proposição, os museus de arte-pós moderna, entendidos como laboratórios experimentais de criação, ao abrirem mão de suas funções tradicionais de salvaguardar, arquivar e zelar pelo patrimônio artístico-cultural, em um futuro próximo poderiam prescindir de um espaço arquitetônico, sistema de exposições ou mesmo acervo com vistas a programação de atividades nos espaços da cidade.
Para Morais (1970) este museu teria como preocupação central a atividade criadora e não a obra de arte em si. Neste museu, tamb m “não haveria acervo de quadros, mas apenas documentação relativa aos acontecimentos artísticos realizados em contexto interno ou fora da instituição”. O crítico propôs uma nova mentalidade museol gica, tendo em vista que a arte moderna, com um século de existência na época, seria matéria histórica e arqueológica.
Segundo André Silva (2020, p. 119) essa idealização de museu articula duas funções: a de centro de informações e a de centro de sensibilidades. Centro de informações pois se relaciona à tradição museu, na qual exposições retrospectivas e temáticas ainda teriam lugar, articuladas à tarefa de produzir e guardar informações e documentos sobre arte do passado, do presente e do futuro. E, centro de sensibilidades pois este espaço reúne mudanças mais profundas nas formas de agir do museu, sendo o objetivo a atividade criadora.
A comunicação foi amplamente discutida pelos participantes do colóquio, em sua maioria diretores de museus, provocando novas comunicações e determinando o tema dos próximos encontros. Inicialmente, o texto faz um panorama secular da arte moderna, abrindo caminho para falar sobre a arte e liberdade e o papel do museu como local de participação e experiência. Além de, apresentar o conceito de ofelimidade39 , arte e a necessidade vital do ser humano. Assim, tal aplicação deste conceito possibilita melhor atuação do lazer e da criação neste novo museu de arte proposto.
A discussão deste plano piloto, também passou pela reflexão sobre arte e consumo assim como a necessidade constituição de um museu invisível que fosse extensão da cidade. A cidade, para Morais, sendo o campo de atuação do museu. “ cidade extensão natural do museu de arte. É na rua onde o meio formal é mais ativo, que ocorrem as experiências fundamentais do homem” (MOR IS, 1975, p.60). ara que
39 “Necessidade vital do homem, a arte , por isso mesmo, uma necessidade vital”. (MORAIS, 1970).
seja plano-piloto e faça sentido na utopia da vanguarda, o museu deve levar suas atividades para a rua, salienta Frederico Morais.
Silva reflete que a proposta de Frederico Morais chega ao extremo, o museu, atuando sem limites geográficos, tornando-se invisível pelo excesso de sua presença. ara Morais, ou o museu de arte leva à rua suas atividades “museol gicas”, integrandose ao cotidiano e fazendo da cidade (a rua, o aterro, a praça ou parque, os veículos de comunicação de massa) extensão natural, ou ele será um problema (MORAIS, 2008, p. 46).
A proposta de Frederico Morais assume uma posição alternativa sobre o modo de circulação de uma obra de arte, convocando o público a ser participante das atividades e programas. Além disso, ativava uma reflexão sobre o modo como a interação entre estes elementos se davam em sintonia com a arquitetura, a vida e as experiências. Essa discussão em certa medida faz sentido num período em que o processo de desmaterialização da obra de arte e o uso de materiais precários e a emergência de outros suportes também tomam conta da produção artística em nível global.
A concepção teórica-prática de Frederico Morais também se liga ao que Mário edrosa (1961) defendia como museus de arte contempor nea, sendo como “casas e laboratórios de experiências culturais. Laboratórios imediatamente desinteressados, isto é, de ordem estética a fim de permitir que as experiências e vivências se façam e se realizem nas melhores condições possíveis ao estímulo criador. O museu, assim concebido é a luva elástica para o criador enfiar a mão” ( EDROS , 1961). “O museu como casa, laboratório e luva elástica se abre para o afeto, experimentação e a presença dos outros na vida da instituição”.
Aqui escrevendo em 1961, o crítico Mário Pedrosa já sinalizava a potência experimental que o museu pode estabelecer, segundo Gogan (2017, p.252). Isto mostra que a equação museu=mem ria reconfigurada. ara Gogan, “não se trata mais de um museu como lugar onde a memória está alojada, mas sim produzida. Deste modo o museu como sítio de criação e recepção veio (in)formar o DNA experimental do M M”.
Frederico Morais continua, em 1970, a pensar sobre a necessidade de o museu diversificar a sua atuação, rompendo inclusive com os limites geográficos, no sentido de tomar a própria cidade como área de atuação mais aberta. Segundo ele, o museu não se marcando mais pelo prédio, mas sim por sua programação. O museu como programador de atividades, em detrimento a ideia de “museu sarc fago”.