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3.7 Circumambulatio (1972
from Concepções de arte pública e de museu na experiência da Unidade Experimental do Museu de Arte Modern
território, explorando a sua potencialidade enquanto lugar de encontro e criação - e não apenas de exibição de um acervo (VELIAGO, 2020, p.132). A esta proposta liga-se a noção de arte pública em que dúvida mais se afirma. E, deste modo, a arte lançada ao poder do acaso, entra contato com o trânsito e o transitório.
3.8 Circumabulatio (1972)
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O trabalho coletivo Circumambulatio (1972) foi um evento-instalação com registro de ações e reproduções de imagens que a professora Anna Bella Geiger desenvolveu com os alunos, sendo realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1972. Anna Bella Geiger propôs repensar junto com os estudantes o que era arte naquele momento42. Conforme destacado em uma reportagem sobre o curso publicada no Jornal do Brasil na época, o foco das aulas era “trazer o inconsciente do aluno atrav s de símbolos (na sua obra) para o exterior” ( REMT HUK, 2007, p.79).
Figura 43: Circumambulatio - fotografia de T. Lewinsohn
Fonte: GEIGER, Anna Bella (Acervo pessoal), 1972.
42 Geiger iniciou a sua carreira docente no MAM Rio em 1968, onde desenvolveu cursos até 1973. Como analisa Dária aremtchuk, “os cursos distinguiam-se pela experimentação que realmente ultrapassava o mero ensino de t cnicas e de exploração de suportes tradicionais” (2007, p. 78).
A experiência do curso e o consequente desenvolvimento do trabalho Circumambulatio surgem em um período em que a artista relata não conseguir mais “acreditar no sentido de qualquer objeto de arte” (GEIGER apud N V S, 2007, p.84).
Figura 44: Circumambulatio - fotografia de T. Lewinsohn
Fonte: GEIGER, Anna Bella (Acervo pessoal), 1972.
Sobre este momento frisamos também o depoimento de Geiger, ao apresentar um panorama contextual da época:
Estávamos sendo muito visados no MAM-RJ, a ponto de eu convencer os alunos de que a experiência prática dos meus cursos só poderia ocorrer fora do perímetro urbano, em lugares ermos, praias desertas. E assim ocorria. A um dos resultados chamei de
Circumambulatio. (GEIGER apud NAVAS, 2007, p.84)
O título derivou de “circumambulação”, ritual de andar em espiral ao redor de objetos sagrados, como ocorre em cerimônias do Budismo, do Hinduísmo e do
Islamismo. “O centro não simplesmente estático. Ele o núcleo de onde parte o movimento do uno para o múltiplo, do interior para o exterior. […] passagem da circunferência para o seu centro equivale à passagem do externo para o interno, isto é, da forma à contemplação”, escreveu Geiger em 1972.
Figura 45: Circumambulatio - fotografia de T. Lewinsohn
Fonte: GEIGER, Anna Bella (Acervo pessoal), 1972.
Fernanda Lopes e Fernando Cocchiarale (2019), na exposição re-encenada sob o título “ qui o entro”, apresentam a experiência da artista como o:
resultado de um trabalho coletivo desenvolvido e exposto por Geiger como um dos marcos de sua aproximação com o campo de ressonância de questões da arte conceitual que se reafirmam em sua produção dos anos 1970: incorporação da palavra ao trabalho e experimentação de novas mídias (fotos, vídeos, livros de artista, etc.). (LOPES; COCCHIARALE, 2019).
Em compartilhado interesse com os alunos do curso experimental no MAM Rio, e sob a influência do pensamento de Mircea Eliade, Geiger e o grupo desenvolveram
uma investigação sobre a sobrevivência e o lugar do simbólico e do mitológico relacionados a imagens e formas circulares na cultura contemporânea. Seguindo estratégias de trabalho de campo de viés antropológico na busca de espaço e imagens que remetessem ao eixo central da investigação, o grupo visitou áreas da Barra da Tijuca, Lagoa e Aterro do Flamengo que na época eram desertas. Lá, investigando a recorrência e o significado de círculos e centros como “formas elementares” em seu tempo e sociedade, fez com que o grupo realizasse uma série de ações como exercícios de inscrições dessas formas no solo – ações essas que foram registradas em fotografia e super-8.
Figura 46: Circumambulatio - fotografia de T. Lewinsohn
Fonte: Acervo Pessoal de Anna Bella Geiger, 1972.
Alinhados ao pensamento de Eliade:
Eles investigavam o limite tênue no qual os significados dessas formas – tais como o círculo como o símbolo da terra, ou como uma noção de totalidade e centralidade – podem ser conectados à História e a um desenvolvimento
histórico, ao mesmo tempo em que transitam por relações intemporais. Além de explorar as possibilidades práticas de reinterpretar essas formas, o grupo também coletou imagens fotográficas de jornais, revistas, catálogos e outras publicações (científicas, históricas, antropológicas, e de arte) que remetessem à recorrência do círculo, e fez uma seleção de trechos de obras que se referiam a centros – a maioria extratos de outros autores ligados a estudos da cultura humana, história e psicologia, mas também textos de autores literários e artistas43. (JAREMTCHUK, 2007, p.79).
Em seguida, a documentação das ações, reproduções de imagens, citações bibliográficas e trechos redigidos pelo próprio grupo foram inseridos em painéis distribuídos de forma labiríntica e circular, formando, junto com uma trilha sonora, a exposição. Interconectando todos esses elementos estava a ideia de centro, que como descrito no parágrafo de abertura de Circumambulatio, era vista pela grupo como uma “imagem exemplar”.
Figura 47: Circumambulatio - fotografia de T. Lewinsohn
Fonte: GEIGER, Anna Bella (Acervo pessoal), 1972.
43 Como Eliade, Jung, Abraham Moles, Platão, Pitágoras, João Cabral de Melo Neto, T. S. Eliot, Steinbeck, Fernando Pessoa, Klee, Malevitch, entre outros.
Conectados à instabilidade da noção de presente (JAREMTCHUK, 2007) “como uma localização e tempo específicos – um purismo e especificidade utópica que se rompeu com a circulação de imagens e informação da mídia de massa – Geiger e os estudantes, em Circumambulatio, usaram, portanto, imagens de diversas fontes que retratavam distintas culturas, épocas e exploraram as possibilidades dessas referências cruzadas de cenários culturais plurais e anacrônicos”. ssim, para Dária aremtchuk, as imagens e citações na instalação indicaram que ideias similares sobre “centro” apareceram como “herança imemorial” em representações da Via Láctea, em rituais primitivos, mandalas tibetanas, em pinturas de Miró, em uma ilustração do século XIX de Gustavo Doré sobre a torre de Babel (A Confusão das Línguas, 1865), em centros urbanos, em um anfiteatro romano, no Maracanã e entre outras referências.
Figura 48: Retrato da artista Anna Bella Geiger com seus alunos na exposição Circumambulatio
Fonte: Acervo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1972.
O resultado das ações experimentais no Aterro da Barra da Tijuca aponta para a concepção de centro como “lugar de transformação criadora” na arte, com suas formas espiraladas e escavadas no solo, que remetem à mandala e à totalidade do ser. Este trabalho coletivo com alunos do Museu de Arte Moderna do Rio, a partir de ações em
torno da Lagoa de Marapendi, é considerado um divisor de águas no processo poético da artista, até hoje. A proposta empreendeu a incorporação da palavra e experimentações de novas mídias e suportes, como fotografia, vídeo e, mais tarde, livros e objetos, que passaram a fazer parte de sua produção nas décadas subsequentes. (VEIGA, 2019).
Figura 49: Folder da Exposição Circumabulatio (frente)
Fonte: Museu de Arte Moderna Rio de Janeiro, 1972.