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3.7 Atividade/Criatividade (1971
from Concepções de arte pública e de museu na experiência da Unidade Experimental do Museu de Arte Modern
Em meio a essas iniciativas, o Curso Popular de Arte (1969-1972), surgiu como caldeirão misturando o social e o popular com a arte experimental e o ativismo educacional. O curso começou em março de 1969, com palestras como “ necessidade da arte”, de rederico Morais e “ omo nasce uma pintura?”, com o artista S rgio Campos Mello (GOGAN, 2017, p. 255). Posteriormente, os programas envolveram uma dimensão mais sociocultural e experimental, geralmente organizada em blocos mensais com temas específicos.
Jéssica Gogan também diz que os jornais na época informavam que o curso fazia parte da política de “democratização e divulgação da arte”, do Museu de rte Moderna do Rio de Janeiro, que havia começado no ano anterior com entrada gratuita aos domingos para exposições e feiras de arte promovidas pela Associação Internacional de Artistas Plásticos. Frederico Morais observa que o MAM estava aberto a um amplo público carioca como se fosse uma esp cie de “maracanazinho cultural”, abraçando o espírito popular do famoso estádio de futebol do Rio numa escala afetiva e diminutiva. Esta ideia de aproximar a programação de atividades ao espírito popular reflete sobre a cultura carioca ao eleger a praia e o maracanã como espaços de livre sociabilidade e uso sem restrições.
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De acordo com Frederico, o MAM Rio ficava no lugar do entre, literalmente [entre a praia e o Maracanã], fazendo uma alusão simbólica à cartografia espacial da cidade. Assim, em execução, este curso também contou com a energia da contracultura do tropicalismo e o legado ativista do Centro Popular de Cultura do início da década de 1960, o curso popular de arte também sediou aulas sobre o cinema novo experimentando o cotidiano, o político e o participativo, fundamentalmente unidos na busca de novas formas e formatos de experimentações artísticas.
No levantamento em acervo40, verifica-se que as quatro aulas iniciais do primeiro semestre de 1970 foram “ ultura brasileira e a renovação artística”, com essoa de Morais, em 08 de março; “ undamentos folcl ricos da cultura brasileira”, com Edson arneiro, em 15 de março; “ ultura brasileira uma perspectiva sociopolítica”, com Hélio Jaguaribe, em 22 de março; E, “ or uma visão antropol gica da cultura brasileira, com Roberto Da Matta, em 29 de março.
O tom dos cursos se alinhavam às temáticas atuais da época, como a Copa do Mundo de 1970 e as questões sociopolíticas vividas, tradições etnográficas e
40 MAM: Curso Popular de Arte. [programação]. Rio de Janeiro. [1970] 1f.; MAM Cursos 1970/187, Acervo Museu de Arte moderna do Rio de Janeiro.
antropologia cultural, além de palestras sobre música contemporânea brasileira, cinema, teatro e literatura. Jessica Gogan também salienta que a questão do experimental também se deu em outros cursos. Deste modo, Frederico Morais descreve este impulso experimental como um constante “turbilhão de ideias” em que ele buscava ocupar todo espaço e tempo do museu - cursos à noite, fins de semana e do lado de fora.
3.7 Atividade/ Criatividade (1971)
O curso Atividade/Criatividade foi construído a partir do binômio: ação (atividade) e criação (criatividade). Para tal proposta não houve currículo nem imposição de propostas ou temas. O plano de trabalho foi elaborado em conjunto com alunos e professores, tendo como mote a construção de uma comunidade experimental. O objetivo maior foi o desenvolvimento e o alargamento da percepção, em qualquer nível, fora de qualquer especificidade (categoria ou técnica).
Durante as atividades, os participantes realizaram trabalhos de qualquer tipo - do desenho ao filme, com a manipulação de todo e qualquer material. As propostas foram desenvolvidas sempre coletivamente. Para efeito de realização dos trabalhos o Aterro era considerado extensão do MAM e a noção de ateliê passou a ser qualquer lugar da cidade onde se reunia alunos e professores41 .
Conforme Gogan (2017, p. 256), o curso Atividade/Criatividade foi ministrado por Anna Bella Geiger, Lygia Pape e Antonio Manuel, tinha como foco as atividades experimentais baseadas em processos fora da sala de aula também com o objetivo de criar uma “comunidade de criação” com os estudantes. rederico Morais enfatizava que os cursos não se isolariam dos problemas estéticos do momento cotidiano e político. Para ele, nessa ecologia mutuamente enriquecedora do experimental, pedagógico e popular, junto com os interesses artísticos em questões de participação e democratização, novos materiais e formas de suporte compunham um outro uso da cidade e do museu.
Ao descrever o curso, realizado um mês antes dos Domingos da Criação, Anna Bella Geiger, indica o sentido amplo de sua proposta:
41A noção de ateliê se amplia passando a ser qualquer lugar da cidade onde estiverem reunidos professores e alunos, e a técnica a ser desenvolvida na realização dos trabalhos é aquela adequada aos materiais disponíveis no momento. Assim, eu acreditava que o museu era uma forma de experimentação da cidade como um espaço lúdico. Ou seja, um lugar para um meeting, uma passeata, como formas de arte popular, assim como as celebrações na copa do mundo nos anos 1970 e o movimento das diretas nos anos 1980 já eram manifestações de criatividade popular; todo mundo se produzia para ir às passeatas.(MORAIS, 2017, p.28).
Nossa experiência é nova. Acho que isso teria os ares de uma iniciação à vida e não necessariamente às artes plásticas. E que aqui no curso pode ser sugerida, pelo menos inicialmente. Depois naturalmente, os alunos optarão por novos caminhos e pela continuação dos que foram iniciados aqui. (GEIGER in O GLOBO, 1971).
Ainda na mesma reportagem, Anna Bella Geiger esclareceu as condições horizontais de relacionamento e de disponibilidade aos percursos dos alunos do curso.
O caminho de cada aluno terá que ser encontrado por ele mesmo. Nós apenas acenamos com uma leve sugestão. O curso é sem disciplinas, sem matérias, sem áreas predeterminadas. Mas temos ideias a serem colocadas: para mim a percepção cada vez maior que o aluno vai ter do seu inconsciente criador e a compreensão de que arte é liberdade total de criação. (GEIGER in O GLOBO, 1971).
Anna Veliago, em sua dissertação, analisa que Atividade/Criatividade tomava emprestado em seu título e concepção, a noção formulada por Mário Pedrosa, acerca do neoconcretismo e seus desdobramentos. A proposta era que cada professor conduzisse as aulas a partir de métodos de trabalhos próprios. Com dois encontros semanais, segundo Morais, o papel deste curso experimental seria o de tentar “a modificação de valores sacrossantos”, como a dist ncia entre professor e aluno.O curso pretendia, desse modo, identificar-se a um ensino não-hierarquizado. Nesse esquema, era relevante criar um ambiente descontraído, marcado pela liberdade dos alunos, com focos em seus processos, rompendo com formas de organizações tradicionais em sala de aula (VELIAGO, 2020).
Para Lygia Pape, o “recurso “criatividade” consistia em exercício de um despertar para o mundo, para a realidade do lugar onde estamos, seja ela qual for, como condição para o humano libertar-se “da máquina, da rotina que embota a sensibilidade do dia-adia”“. O curso tinha como proposta um exercício que revelava o interesse renovado para as coisas do mundo e do cotidiano, para os materiais precários e comuns.
Segundo Lygia Pape (1971), eram propostas ao acesso de todos (sejam iniciados ou não nas linguagens da arte) de um “criar sem medo''. ape propunha aos alunos caminhar pelo MAM, escolhendo espaços, despertando a consciência espacial do participante, “seja a rua, o parque ou o local de trabalho”. Em suas palavras era preciso: “saber ver o mundo ao redor e captá-lo sem prevenções”. Os cursos como este direcionavam-se à construção de um museu sensível aos espaços circundantes e ao