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3.5 Curtir o MAM (1973

Em entrevista recente a Fernanda Lopes44, Anna Bella Geiger relata que grande parte dos registros audiovisuais resultantes deste período ainda não foram exibidos ao público. A Dária Jaremtchuk, Geiger afirma que a escolha de um terreno abandonado na Barra da Tijuca, se deu devido à beleza do lugar, onde a terra ainda está quase em seu estado primitivo. Na mostra, tanto pensada para o espaço do MAM Rio como posteriormente para o MAC/USP, o grupo exibiu o resultado das pesquisas e experimentações que tiveram como tema o conceito de centro (self). A apresentação não foi uma mostra apenas documental, mas houve uma seleção de imagens, que na realidade seguiu um princípio formal.

3.9 Curtir o MAM (1973)

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O espaço da Unidade Experimental foi múltiplo, abrigando diversas linguagens artísticas. Porém o ponto alto deste programa educativo foi a realização da pesquisa de público “ urtir o M M”. rederico Morais (2014) comenta sobre esta pesquisa que ele empreendeu no M M Rio. Segundo Morais, não havia metodologia “acadêmica”, conforme o crítico, a equipe era composta por monitores formados nos próprios cursos que Morais ministrava no Museu. Os monitores faziam enquetes que demoravam um tempo, eram anotadas e depois analisadas, somando quase 800 entrevistas. Com o intuito de encontrar uma possível resposta para a pergunta desta pesquisa, na qual visou investigar se a existência de uma área/unidade experimental tentou transformar o conceito de museu até então vigente, apresentamos (REBOUÇAS, 2017, p.175) uma das ações mais contundentes da Unidade Experimental, a pesquisa de público realizada ao longo de quase um ano. A pesquisa de público pretendia fazer um retrato “sociopo tico” da instituição a partir de seus visitantes. Essa proposta, desenvolvida por Frederico Morais, objetivou analisar o frequentador do museu e, com isso, questionar o próprio museu como espaço público. Até o momento, os resultados dessa ampla pesquisa ainda não foram divulgados no Museu. E, por este motivo, interessa-nos também colocar em questão a noção de arquivo e programa público, com vistas a ativação da memória institucional e coletiva. A proposta, desenvolvida por Frederico Morais, sem a participação direta dos demais idealizadores da Unidade Experimental, era analisar o frequentador do museu e com isso questionar o próprio museu com o seu entorno. Como já ficava evidente nas ações

44 [SEMANA DE PORTAS ABERTAS] Fernanda Lopes entrevista Anna Bella Geiger. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6dLaT1CQldA . Acesso em: 05/08/2021.

anteriores de Morais, não eram apenas as salas de exposição o objeto de seu interesse ou o que nelas acontecia. Ao contrário, Morais colocou luz sobre o uso espontâneo das áreas expandidas do museu, o lado de fora, e a potencialidade artística de explorar o livre exercício criativo como proposição artística, transformando qualquer pessoa em agente da arte. Deste modo, com a ajuda de monitores do museu, foi feito um questionário base, que serviria de ponto de partida para a gravação de entrevistas, que podiam durar até uma hora e que deveriam fugir da pesquisa de público padrão, dirigida aquele que entra na sala de exposição (REBOUÇAS, 2017). Morais relata, dessa forma, seu desejo de conhecer o usuário do museu, entendendo as relações entre seus hábitos sociais, sua condição econômica e o uso que ele fazia da instituição.” urtir o M M”, at hoje, possui o cunho vanguardista para uma época como os anos 1970 no Brasil. Dessa forma, a pesquisa começou com uma divisão temporal do museu e uma cartografia de espaços. Para isso, foram considerados quatro turnos de frequência,

sendo o primeiro das 6h até às 12h, quando ainda estava oficialmente fechado, mas era utilizado como área de esporte e passeio, sobretudo por crianças, com pais e babás. Do meio-dia até às 18h, em que o MAM estava em pleno funcionamento de suas salas de exposição, aulas, ateliê e cantina, quando portanto concentrava-se o público cujo interesse central eram as atividades programáticas da instituição. Das 18h até meia-noite, quando aconteciam cursos noturnos e, após o término, quando as imediações eram usadas por casais de namorados, para passeios ou para a prática de esportes. De meianoite até às 6h, por fim, com a frequência maior era de prostitutas, travestis, policiais. Em linhas gerais, era essa a percepção do público do museu, que serviu de linha mestra para a confecção da pesquisa. Os espaços caracterizados como museu e sua área expandida também fugiam de um entendimento padrão e foram listados 18 espaços, dos quais ficaram 12 ao final. Além da sala de exposição, dos escritórios administrativos, almoxarifados, biblioteca, cinemateca, Bloco Escola, ateliês e cantinas, foram também considerados como parte do Museu de Arte Moderna do Rio o estacionamento, o jardim de pedras, a fonte, a sombra das palmeiras, o terraço, o restaurante, a murada do Aterro, etc. (MORAIS, 2013).

Para Morais, de maneira análoga, deveriam ser considerados acervos do museu além das obras de arte, livros e documentos, a brisa, as plantas, as pedras, a luz do terro do lamengo. Neste ínterim, ristiana Tejo relata que “ao receber o material completo, Morais cartografou espacialmente e temporalmente o uso e a frequência do Museu, pois o interesse era compreender seus diversos usos e o frequentador real”. A jornalista Odacy da Costa, quando noticia a realização da pesquisa, descreve o cenário encontrado pelos entrevistadores:

De manhã bem cedo começam a chegar os tipos exóticos, os ginastas, o homem de meia idade que leva o cachorro a passear, a mulher da Lapa que vem diariamente apanhar flores, outro que vem lavar o carro; a partir do meio dia chegam os hippies, “donos do jardim”, à tardinha os pescadores que se instalam na amurada; tarde da noite, por volta de 2h da madrugada, chega um personagem estranho, que vem diariamente ler à luz de um poste. (COSTA, 1973).

Ainda segundo Frederico:

Por exemplo, de 6h da manhã ao meio-dia, o lado de fora do museu era ocupado pelas babysitters que cuidavam dos filhotes das madames. O horário de meio-dia às 18h era o horário padrão do Museu, quando a galeria estava aberta. Das 18h à meia-noite, naquele tempo, com a minha reforma de curso, a gente tinha programação noturna. Das 18h às 20h, por exemplo, eu dava um curso que na verdade era uma espécie de fórum, sempre com conferências sobre variados assuntos, não apenas sobre arte, mas sobre política, economia, história em quadrinhos. Uma tentativa de atrair os funcionários públicos do centro da cidade para que, antes de voltar para casa, passassem pelo Museu, assistissem ao curso ou simplesmente paquerassem ou namorassem. E de meia-noite às 6h era um museu marginal, com prostituição masculina e feminina. (…) ideia final da pesquisa era, definidos os horários e espaços, definir o frequentador-tipo do museu. Selecionamos os frequentadores e passamos um dia com cada um deles. Fomos às suas casas, conhecemos seus pais, seu trabalho etc. E a ideia final era reunir esses frequentadores para que discutissem, se conhecessem e digladiassem, pois percebemos que haviam circuitos dentro do Museu. (…) ercebemos então, que as pessoas iam ao Museu não necessariamente para ver obras, mas porque buscavam respostas e não sabiam sequer qual era exatamente o problema. Talvez conseguissem, vendo alguma exposição. Ou, talvez, s andando ali naquele espaço agradável, tivessem a solução para suas inquietações e dúvidas” (MOR IS in MARQUEZ, 2014, p. 43).

Na compilação dos dados, o grupo contou com a ajuda de um aluno que era engenheiro e sociólogo. Somente na primeira etapa da pesquisa, foram realizadas 267 entrevistas, contando com a participação de 14 monitores, alunos e ex-alunos do MAM. 11 personagens-tipo foram selecionados, e um detalhado relatório sobre eles foi desenvolvido, incluindo fitas gravadas, notas e fotografias. Periodicamente os pesquisadores reuniam-se com Morais para discutir o balanço da pesquisa e a metodologia de trabalho. Nas notas de um desses encontros, consta como indicação de uma pr xima etapa: “levantamento de dados (...) para elaboração de pequenos textos sobre, entre outros, profissional liberal, zona norte/subúrbio, Tijuca/Laranjeiras, comerciário/bancário, zona sul, mulher solteira, homem de 30 anos”. O resultado da pesquisa surpreendeu a equipe e fez Frederico Morais perguntar-se sobre qual seria o verdadeiro acervo do Museu. (MORAIS in MARQUEZ, 2014).

Como desdobramento direto da pesquisa, Morais e os artistas pretendiam elaborar uma exposição que apresentasse os “retratos-m dios” dos frequentadores do museu, em sua diversidade. Eleitos por sua representatividade, estes seriam acompanhados em sua rotina diária, para que se refletisse sobre os modos de vida de cada um e o papel da arte e, por conseguinte, da instituição museológica, nesse contexto. Também seria refeito o percurso habitual de cada uma dessas pessoas, mostrando que muitas vezes essas linhas não se encontravam. Simbolicamente, significaria levar o universo estético, cultural, mas também político e social dos frequentadores para as salas de exposição, lembra Rebouças. Era também uma pergunta sobre o diálogo e se ele efetivamente existia entre uma agenda de exposições e atividades artísticas e os usuários, não de forma acadêmica ou literal no sentido de conhecer o “gosto do público”, mas para humanizar a relação. Essa mostra, no entanto, não chegou a acontecer e Morais acha que houve receio institucional com o conteúdo levantado. Integrada aos cursos livres do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, dirigidos por Frederico Morais, a Unidade Experimental se constituía como um laboratório para as novas linguagens, onde os sentidos, o pensamento, a técnica e a ciência poderiam ser matéria para o alargamento dos limites e dos espaços de criação.

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